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Análise da Reforma Passos através do artigo “As reformas urbanas na cidade do

Rio de Janeiro – uma história de contrastes” de Antônio Edmilson e Juliana


Bandeira.

Pensar a cidade do Rio de Janeiro no período do final do século XIX e início


do XX envolve percebê-la como palco das grandes intervenções urbanas promovidas,
que visavam, através de uma concepção de cidade e de desenvolvimento, transformá-la
na capital civilizada à imagem das capitais europeias. No artigo “As reformas urbanas
na cidade do Rio de Janeiro – uma história de contrastes”, os historiadores Antônio
Edmilson e Juliana Bandeira, analisam as principais transformações no espaço pensadas
e realizadas de 1870 até a atualidade, chamando atenção para as influências culturais e
percepções teóricas e técnicas, que promoveram um planejamento quase idealizado da
cidade do futuro. Assim, se pretende apreender os aspectos antagônicos que
acompanharam as mudanças realizadas pelas reformas Passos fazendo do espaço urbano
um verdadeiro paradoxo da ideia de modernidade.

Os autores iniciam pontuando as marcas culturais, renascentista e barroca na


configuração moderna de cidade, e como sua origem remonta o modelo francês e
português. Porém destaca como estabeleceu um crescimento com dinâmicas próprias,
que assegurou suas particularidades, e que mais tarde apontaria para um modelo
oriental. Atenta principalmente para a função do Rio de Janeiro desde 1763 quando se
tornou capital, atuando como polo articulador de ideias e referência para o restante do
país, tendo um valor simbólico, servindo de parâmetro moral, estético e de conduta para
as outras regiões. Ainda pontua a existência de um planejamento prévio que projetava
uma imagem de futuro da cidade, tendo como máxima a razão e a ordem.

Ao tratarem das intervenções de Pereira Passos, explicam o uso do plural


‘reformas’, que indicaria a existência de projetos diversos que se chocaram na
organização do espaço urbano carioca, mas que acabaram confluindo. Chama atenção
para os anos 1870 e a geração de intelectuais que buscavam uma superação pelo Brasil
da imagem colonial, embora já houvesse renovações em andamento muito influenciadas
pelo romantismo e nacionalismo. Havia uma crítica maior as ideias estrangeiras visando
à construção de algo propriamente brasileiro, mas os parâmetros europeus ainda
permaneciam muito evidentes.
Buscando abandonar esse passado da escravidão e oferecer a capital um ar
mais renovado e moderno, que se constituíram as Comissões de melhoramentos. Esta
tinha como objetivo a revitalização do Porto e das trocas comerciais com o mercado
exterior. Assim havia dois grandes grupos envolvidos nas obras de renovação urbana da
cidade, aquele que buscava conservar e melhorar o papel agroexportador da economia
brasileira, e aquele que percebia o projeto como construção de independência cultural.

Seja qual fosse a orientação dada à cidade, o processo de transformações do


centro urbano transcorreram a partir da década de 70, com um surto industrial e
demográfico, e grande impulso comercial decorrente do crescimento do mercado de
trabalho livre, aumento do setor de serviços e transportes, da construção civil e da
migração intensa. Para direcionar as mudanças no sentido do ordenamento e da
civilização era necessário a aplicação pelo Estado de um plano urbanístico através da
polícia, entendida como intermediária entre governo e população. O objetivo era
assegurar a ordem, que passava pelo afastamento das classes marginais associadas a
tumultos, e promover a regeneração do espaço com a instalação de eletricidade, sistema
de distribuição de água e esgoto, programa de higienização que desse conta dos
problemas de disseminação de doenças e das habitações precárias.

De 1870-72 assiste-se a introdução do serviço de esgoto, água e iluminação a


gás; crescem as casas de modas, e as livrarias, e também as confeitarias, como a
Colombo fundada em 1894. As casas se tornam mais amplas e de arquitetura refinada
incorporando o estilo artístico moderno, a art nouveau. As companhias de bonde e as
empresas de construção civil também expressam os novos tempos. Os jornais
contribuem para a projeção dessa nova cidade, que trazem melhorias, ainda
desordenadas, para abrigar a intelectualidade política e cultural, manifestando os valores
da elite carioca.

Para efetivar essas mudanças na imagem da nova capital, iniciam az


proibições de hortas e capinzais, e empreendeu-se a remoção dos cortiços, considerados
antros da imundície e da criminalidade. Em 1892 foi instituída autonomia ao distrito
federal, sendo Barata Ribeiro indicado como prefeito. Além da reforma na Praça XV, e
das medidas sanitárias tomadas, foi efetuada a derrubada de cortiços com o cabeça de
Porco, que ficava atrás da central do Brasil, no atual túnel João Ricardo, em que
residiam cerca de 4 mil pessoas. Afastar as populações pobres do centro foi o objetivo
dos prefeitos, incluindo Pereira Passos. No entanto, apesar dos esforços para higienizar
a cidade, muitas medidas acabaram incentivando outros elementos todos como
contrários à modernidade. O impulso comercial acabou criando uma massa de
ambulantes e ofícios ligados às camadas menos favorecidas que enchiam as ruas
cariocas. Além disso, as obras levaram a concentração de trabalhadores braçais que se
concentravam nos quiosques, que se tornaram para a elite verdadeiros símbolos da
barbárie em meio à civilização.

No século XX inicia a efetivação do projeto imaginado pelas elites de grande


capital moderna, com uma organização mais sistemática do espaço urbano. Um plano
mais racional de conhecimento de cada via e da circulação formando uma planta da
cidade vinha sendo realizado desde 1900. Citando Nicolau Sevcenko, aponta os
aspectos gerais para entender essas reformas, como o padrão conservador determinando
as orientações do projeto, a ideia de revitalização da economia agroexportadora no
mercado internacional, dependência em absoluto da ação do Estado confundindo o
plano renovador com a administração pública; e de que o século XX reúne as condições
necessárias para o auge das reformas pela eliminação de projetos diversos e legitimação
da instituição policial como promotora da ordem decorrente da atuação nos anos
anteriores.

Os marcos de regeneração da cidade apontados são construção da Avenida


Central, atual Rio Branco, e a companhia da vacina obrigatória. Nesse momento a
vinculação da reforma com a ideia de progresso e modelo de atuação nacional é
intensificada, e se torna mais evidente o compromisso com o benefício das classes mais
abastadas. A tendência higienizadora, o controle na esfera domiciliar-familiar, e busca
pelo embelezamento da cidade se firmam em conformidade com os interesses políticos
e econômicos da elite.

O Rio de Janeiro passa por renovações técnicas, culturais e artísticas que


oferece a ideia de progresso. É o tempo dos automóveis, das conferências, da expansão
da imprensa, dos homens das letras que tomam os espaços de sociabilidade, os
restaurantes, confeitarias, nos salões, onde se fala francês e inglês e comenta-se a vida e
modas de Paris, Viena e Londres. Novamente faz referência a Sevcenko que atenta que
o novo comportamento visava à negação de hábitos e costumes da sociedade tradicional
e da cultura popular.
Em 1903 Pereira Passos foi nomeado prefeito. Sendo membro ativo do Clube
de Engenharia, proprietário da estrada de ferro do Corcovado, tendo concluído seus
estudos na França, era a figura adequada aos novos empreendimentos. As obras
intermináveis agitam e cortam toda a cidade. Nesse cenário, como propulsores do
projeto de modernização da capital se apresentam, além do Clube de Engenharia,
centradas nas figuras de Paulo de Frontin, Francisco Bicalho e Lauro Muller com as leis
de desapropriação, a Saúde Pública através da atuação de Oswaldo Cruz estabelecendo
padrões de higiene e saneamento promovendo a vigilância no âmbito familiar, e por
último, a polícia responsável pelos despejos e controle das posturas da população mais
pobre.

Pereira Passos e “sua equipe de ilustrados” (p. 28) acreditavam ser preciso
derrubar a antiga estrutura para dar lugar a uma nova que atendesse as necessidades da
cidade em crescimento e dar fim as epidemias tropicais que espantavam os estrangeiros.
Tendo apoio da Igreja católica, dos militares e da grande imprensa dá início ao bota-
abaixo. Os autores colocam a população atônita, assistindo alheia à destruição das
partes antigas da capital. Chamam atenção para as dissidências no interior do projeto:
uma linha denominada “razão técnica” e vencedora no cenário, representada por Muller,
que estava preocupada com a integração ao capital e comercio externo; e outra linha,
denominada “razão cultural", representada por Passos, que entendia que as reformas
deviam atender os interesses internos, da própria cidade.

Porém, o plano de embelezamento apresentou falhas e acabou formando uma


cidade repleta de contrastes. A presença de canteiros de obras e máquinas não deu um
acabamento ideal para a capital, além da grande quantidade de mascates, vendedores de
perus e miúdos, os ofícios populares, os quiosques repletos de trabalhadores braçais. O
que se percebe é a intensificação da pobreza e da repressão policial, o que fica evidente
na passagem: “... se tem uma cidade da miséria e das estratégias de sobrevivência, que
também protege, mas não garante a sobrevivência e que, no final, mostra que a rua
acaba na prisão”. (p. 29).

Assim, é possível perceber que as reformas urbanas empreendidas no Rio de


Janeiro foram repletas de antagonismos intensificando os contrastes e as diferenças
sociais na capital carioca. Se por um lado promoveu uma arquitetura requintada, áreas
de lazer e sociabilidades com costumes europeus, saneamento, eletricidade e bens de
consumo próprios de uma elite intelectual, política e cultural, afastando as classes
pobres e marginais dos cortiços; por outro lado, cultivou outras categorias comerciais e
de trabalhadores de pouco prestígio que encheram as ruas da cidade. O requinte passou
a conviver com o barulho e o grande volume de pessoas que se amontoavam na luta
diária pela sobrevivência. O luxo das áreas renovadas evidenciavam a distância e tensão
entre a elite e as camadas desfavorecidas que conviviam no mesmo espaço. A alta
educação se manifestava com repressão à miséria através da atuação das forças
policiais.

A busca por realizar algo originalmente brasileiro, na verdade, se


manifestou onde o projeto falhou, criando ruas com movimentação e gêneros diversos
que se assemelhava a configuração oriental. O projeto que de um lado visava solucionar
os problemas decorrentes do crescimento da cidade contribuiu para aumentar as
desigualdades sociais. A sua face conservadora se opunha e serviu de entrave à
modernidade que tanto buscava instaurar, demonstrando uma continuidade na economia
agroexportadora e conservação dos privilégios dos mesmos grupos do passado colonial.

Vendo por outro lado, as reformas demonstraram grande força e resistência das
classes populares. Os autores, Antônio Edmilson e Juliana Bandeira, em certo momento
afirmam que a população assiste espantada e sem entender a demolição da cidade,
dando a impressão de certa passividade. Mas, gostaria de atentar para uma atuação,
apontada logo depois pelos mesmos autores. As classes marginais e pobres
participaram ativamente do processo, sendo a busca de estratégias de sobrevivência uma
forma de reação e resistência aos despejos e remoções aplicadas, e também a formação
das favelas. O desespero, a revolta, o protesto e ameaças descritas por uma passagem de
Macedo sobre a demolição do cortiço Cabeça de Porco, demonstram a indignação dessa
população e as novas ocupações e ofícios foram uma resposta a essas medidas
arbitrárias.
Bibliografia

RODRIGUES, Antônio Edmilson Martins; e MELLO, Juliana Oakim Bandeira de. As


reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro- uma história de contrastes. In Revista
Acervo, Rio de Janeiro, v.28, n.1, p.19-53, jan./jun. 2015.

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