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RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA

JANEIRO a JULHO DE 2017.

Título do Projeto de Pesquisa: História social das línguas africanas no Brasil: a língua
de Angola e a língua geral de Mina.

Bolsa: CNPq.

Local de Realização: Fundação Casa de Rui Barbosa.

Orientador: Ivana Stolze Lima.

Bolsista: Maria Elisa Scovino da Silva.

Comunicação interétnica e cultura material na Obra Nova da Língua


Geral de Mina (Ouro Preto, 1741)

Maria Elisa Scovino.


Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
mariaelisasds@gmail.com

INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo compreender os usos, circulação e atuações das
práticas linguísticas no espaço colonial, e suas conexões com as formas de vida, cultura
e sociabilidades dos negros africanos com as diferentes categorias étnicas existentes no
contexto dos setecentos. Estando inserido no projeto mais geral que visa entender essas
relações na América Portuguesa, as formas de intervenções nas línguas e o registro das
diferentes formas linguísticas que se manifestavam e tinham seu papel na história social,
esse recorte espaço-temporal está intimamente ligado a essa linha de
pesquisa. 1 Buscando a interpretação de um documento sobre uma língua geral que
circulava na região das Minas, se pretende conhecer as esferas de atuação dessa língua,
compreender essa tradução para o português como produção de seu tempo e autoria,

1
Está inserido no projeto de pesquisa “História social das línguas africanas no Brasil: a língua de Angola
e a Língua Mina”, promovida pela historiadora, doutora em História Social e Pesquisadora da Fundação
Casa de Rui Barbosa Ivana Stolze Lima.

1
interesses e informações que carrega, e enfim captar parte da cultura e de como viviam
esses falantes, percebendo os falares como veículo de comunicação, troca e resistência.
O tema da comunicação pressupõe o estudo dos registros das línguas africanas
elaborados no período colonial, estando o documento principal de análise dessa
pesquisa, dentro do conjunto dessa produção. Alguns Apontamentos da Língua Mina
com as Palavras Portuguesas Correspondentes por Antônio da Costa Peixoto em 1731,
foi um exemplar manuscrito de 14 folhas que se encontra atualmente na Biblioteca
Nacional de Lisboa e antecede a Obra Nova de Língoa Geral de Mina, Traduzida ao
Nosso Igdioma(sic), escrita em 1741 na freguesia de São Bartolomeu, de mesma
autoria, que será o objeto central de investigação, constando na Biblioteca Pública de
Évora. A versão utilizada será, no entanto, a edição impressa de 1945 elaborada por
Luís Silveira e acompanhada dos comentários de Edmundo Correia Lopes, publicada
pela Agência Geral das Colônias 2 . Essa documentação consiste no vocabulário da
chamada Língua Geral de Mina, tratando de um grupo étnico trazido para as Américas
através do Tráfico e redirecionados para a região mineira no processo que ocorria de
interiorização no Continente.
Foi no século XVIII que o tráfico transatlântico de escravos da região da Costa
da Mina foi intensificado, trazendo grandes contingentes de negros do grupo linguístico
eve-fon ou gbe, também denominado mina-jeje, constituindo o conjunto das línguas
eve, fon, gun, mina e maí.3A categoria mina seria uma denominação mais ligada ao
tráfico do que a procedência africana, e seria o resultado de uma reorganização de etnias
próximas geograficamente, dando origem a essa unidade, que não deixa de manifestar
uma proximidade linguística e cultural. As pesquisas identificam a região da Costa da
Mina como parte do golfo do Benin entre o rio Volta e Cotonu, abrangendo Gana,
Togo, República Popular do Benin e parte da Nigéria, se situando próximo ao Castelo
de S. Jorge da Mina, antiga fortaleza portuguesa na Costa do ouro, referência que
oferece essa denominação mais geral da região. No final do século XVII, para o XVIII,
os portugueses começaram a enfrentar a concorrência de navegadores europeus e
americanos no tráfico negreiro, mesmo período que as regiões dos reinos de Ardra e
Ajudá, principais fornecedores de negros jeje (daomeanos) e nagôs (iorubas), foram
anexadas pela expansão territorial do Reino de Daomé. Assim, esses povos

2
Essa versão foi selecionada por conter comentários e informações que foram acrescentadas as
anteriores, que serão aproveitadas nesse estudo.
3
CASTRO, Yeda Pessoa de. A língua mina-jeje no Brasil, uma língua negro-africana documentada em Vila
Rica no século XVIII. p.63.

2
genericamente denominados “mina” pelo tráfico negreiro, possuem diferentes origens e
partem de diferentes localidades africanas, que traziam até mesmo rivalidades. Esses
grupos vão encontrar nas Américas formas e características de diferenciação e
associação, dependendo das suas compatibilidades e semelhanças.
Muitos estudos recentes têm se dedicado a investigar de forma mais minuciosa
as relações escravistas, negras e da circulação das línguas africanas de forma a não
tratar o escravo como uma categoria homogênea ou ignorar a fala como aspecto
irrelevante na dinâmica colonial. A multiplicidade étnica, linguística e cultural está
atrelada a vida da colônia do Império Transatlântico Português nas Américas. Foram
das convivências, confrontos e relações estabelecidas entre os diferentes grupos que os
desafios comunicacionais surgiram e suscitaram situações diversas e complexas do falar
e se fazer entender nesse universo. Porém, ainda permanece no tratamento da
comunicação colonial uma visão que percebe a língua portuguesa como único elemento
linguístico existente, como se o português como idioma oficial e imposto sempre
existisse e dominasse todos os aspectos comunicacionais da vida colonial. Mas a
dimensão desse domínio é posto em questão, quando se percebe o grande desequilíbrio
demográfico que se configura com a introdução portuguesa num Continente densamente
povoado e de forte tráfico africano, criando concentração de grupos falantes de outras
línguas.
A urgência da comunicação e do esforço jesuíta da catequização forçou um
contato que favoreceu as línguas originais em detrimento do português. Segundo José
Ribamar Bessa-Freire em “Nheengatu: a outra língua brasileira”, a língua geral tupi
foi uma forma amplamente usada na Amazônia para a comunicação daqueles que não
partilhavam a mesma língua materna, ou primeira língua, intermediando o contato entre
portugueses e outras comunidades que possuíam seus próprios códigos. Apenas no final
do século XIX com a presença metropolitana mais significativa, que o português foi,
aos poucos, se impondo. Esse recurso de incentivar o aprendizado das línguas nativas
ou originais africanas foi utilizado amplamente nas áreas de grande presença do
elemento não português na colônia, mas se diferenciando de acordo com as
características locais e interesses. Assim, o estudo de Bessa permite perceber que o uso
das línguas possuíam mecanismos, tensões e lógicas muito além do emprego da língua
oficial portuguesa, e que esse domínio do português esta atrelado a diversas formas de
imposição da língua, não sendo um predomínio e incorporação natural e espontânea.
Desta maneira, esse estudo das trocas linguísticas deve perceber a fala como elemento

3
fundamental para se compreender o gerenciamento e funcionamento da sociedade que
se constituiu nas Américas através do contato entre os diferentes grupos étnicos. Ainda
demonstrar no contexto das línguas africanas nas Américas que cativos ou forros, os
negros falavam, exerciam papéis, se manifestavam, e eram agentes dentro do sistema
escravocrata colonial.
Assim, esse trabalho busca compreender os contatos, trocas e costumes através
das palavras e uso da língua mina, vislumbrando um cenário, uma ferramenta, um
alimento, uma expressão, e a forma de viver das minas dos setecentos. Busca conhecer
os contatos linguísticos, da sociabilidade e do emprego, uso e difusão das línguas na
sociedade colonial. Ainda, pretende uma interpretação do Vocabulário Mina como
também uma maneira e uma produção que escapava das amarras da estrutura colonial
portuguesa nas Américas.

O VOCABULÁRIO DA LÍNGUA MINA: AS DIMENSÕES DA VIDA COLONIAL

A OBRA NOVA E O FALAR NOS SETECENTOS

Antônio da Costa Peixoto, em 1741, redige um vocabulário da língua mina com


a tradução de palavras para o português, contendo diálogos e expressões que
compunham o universo colonial mineiro, significados do que era corrente ou útil saber.
A produção de Costa Peixoto sugere a seleção de certas palavras e conversas do que era
comumente falado ou do que se queria comunicar. É um retrato do cenário dos falares
no cotidiano colonial, contando o que era corrente na comunicação e também revelando
interesses. Esse conjunto de traduções revela uma face do que era dito e pensado, mas
também do que era visto e ouvido, transpondo os leitores a uma dimensão do mental e
do cultural nos setecentos. As palavras ordenadas e escritas, respectivamente, em língua
mina e português, pressupõem a maneira pela qual essa Obra foi elaborada, ou seja,
através da conversa com um negro ou uma negra da nação mina.
Importante perceber que um vocabulário tem uma face ativa e uma passiva, tanto
servindo para ouvir a língua mina como para dizer, interagir com seus falantes. Assim,
não poderia ter a finalidade única de controlar o que era dito, também demonstrando
uma necessidade e uma vontade de comunicar, trocar informações. A Obra Nova
permite acessar esse falante da língua atualmente conhecida como gbe, e elucidar que a
comunicação nas minas dos setecentos não estava ligada apenas as formas de controle
metropolitano e senhorial. Estando escrita em dois idiomas revela faces da vida e da

4
troca linguística ligada tanto aos falantes das línguas minas quanto aos falantes da
língua portuguesa, consistindo num registro do plurilinguismo. Nas finas malhas da vida
cotidiana, um horizonte comunicacional e de relações se tecem, de forma mais
abrangente e difusa que foge as estruturas de dominação próprias do período colonial.
Algumas passagens esclarecem os interesses de Costa Peixoto em escrever a
Obra, e que havia grande procura desta no conjunto dos homens capazes de adquirir um
exemplar desse vocabulário. O autor afirma que o registro não foi feito apenas para o
controle da escravaria, deixando em aberto para um grupo bem mais abrangente e
diversificado de leitores. Primeiro, se põe como curioso, uma categoria bem genérica, e
dedica sua obra aos mesmos: “Que com curiosidade trabalho, e desvelo, se [expôs], em
aprendê-la, para também a ensinar, a quem for curioso, e tiver vontade de a
saber...”(PEIXOTO, p.9) Em seguida, diz que foi o grande número de pedidos que o
levou a redigi-la:“O motivo senhor que me moveu, e persuadiu a empreender esta nova
tradução foram rogos de amigos e particulares peditórios de pessoas a quem não devia
faltar.”(PEIXOTO,p.12) Na próxima passagem Costa Peixoto deixa claro que a Obra
não se destina apenas aos senhores:“Pois é certo e afirmo, que se todos os senhores de
escravos, e ainda os que não os tem, soubessem essa linguagem não sucederiam tantos
insultos, ruínas, estragos, roubos, mortes, e finalmente casos atrozes, como muitos
miseráveis tem experimentado.”(PEIXOTO, p.13, grifos meus) Mesmo evidenciando
que se evitaria casos, que possivelmente poderia estar atrelado ao aprender a língua para
controlar os escravos, Peixoto afirma que o aprendizado da língua mina seria útil
também para os não senhores, e portanto, esse saber não estava restrito a finalidade de
domínio senhorial da escravaria.
A historiadora Silvia Hunold Lara, em “Linguagem, domínio senhorial e
identidade étnica nas Minas Gerais de meados do Século XVIII” traz diferentes
considerações da Obra de Costa Peixoto. Primeiramente, a historiadora oferece
importantes contribuições para a diferenciação étnica dos escravos, e ainda realiza uma
análise da documentação trazendo bastantes informações e fundamentação teórica sobre
os minas. Porém, comparando com as obras dos jesuítas, concebe o documento de Costa
Peixoto com caráter ainda mais voltado a permanência das estruturas de dominação do
sistema colonial. Conforme deixa claro na passagem: “Assim, aqui, mais que traduzir
para converter, o esforço tem o objetivo explícito de contribuir para a continuidade do
domínio senhorial. Ao facilitar o exercício do poder através do domínio da
linguagem dos escravos, a obra de Peixoto é também um bom exemplo das

5
dificuldades dos senhores em penetrar o universo cultural de seus cativos.”(LARA,
Silva Hunold. p.13)
Silvia Lara concebe a produção de Peixoto como uma ferramenta de controle e
reforço da rígida hierarquia social e étnica da sociedade colonial. O interesse
identificado corresponde à manutenção da escravidão e dos cativos, não tendo menor
predisposição pelo autor de compreender ou reservar um lugar de conhecimento do
outro. Para a autora, o vocabulário é apenas um veículo, um meio de dominação dos
senhores sobre a escravaria. Em contrapartida, o estudo aqui proposto procura
interpretar essa Obra em sua face mais ligada ao acesso a essas línguas e modos de vida
dos negros da nação mina. Sem desconsiderar a produção de Silvia Lara, mas buscando
essa faceta menos voltada as estruturas de dominação, o objetivo é resgatar através das
palavras e comentários do documento, os elementos que fugiam da manutenção do
cativeiro, que demonstravam as sociabilidades e expressavam o cotidiano e a cultura
material da região das Minas.
Outros aspectos a que vem acrescentar a essa Obra estão relacionados à origem
social do autor, sua graduação, e a própria trajetória de Costa Peixoto. Sendo um
português de poucos bens, consegue o cargo de escrivão e juiz de vintena nas freguesias
de São Bartolomeu, Santo Antônio da Casa Branca e Nossa Senhora de Nazaré e
Cachoeira. Foi denunciado, diversas vezes, pelos moradores de São Bartolomeu e
intimado a abandonar o cargo de escrivão. A figura de Costa Peixoto se mostra
interessante, pois além de sua condição social pouco favorável, existe o registro de seu
contato com negros, que o faz integrado tanto às redes de influências e da promoção de
cargos da administração como das camadas mais inferiores da hierarquia colonial.
Ainda, mesmo sendo um escrivão, não era um homem culto, de grande
conhecimento das letras, o que o insere ainda mais nesse lugar do leigo, da escrita
espontânea, do registro informal. Na passagem da Obra Nova abaixo, o autor, através de
um jogo de palavras, demonstra esse seu lugar de fala e de produção como pouco
conhecedor da gramática e do ensino culto da língua, sendo graduado apenas na
curiosidade:“Lingua Geral de Mina, traduzida ao nosso idioma, por Antônio da Costa
Peixoto, curioso nessa ciência, e graduado na mesma faculdade.”(PEIXOTO,p.15)
Edmundo Correia Lopes também comenta:“Não foram só os missionários os estudiosos

6
das línguas exóticas. Os leigos também cooperaram. Serve de exemplo o manuscrito
que se apresenta agora.”4
SOCIABILIDADES, CULTURA MATERIAL E COTIDIANO ATRAVÉS DO
REGISTRO DA LÍNGUA MINA

É importante perceber que havia esse espaço das atividades, das ações e atuações
nos setecentos que escapava as ordens da Coroa Portuguesa. Mesmo sendo cativos, os
escravos também eram agentes, suas atitudes também influenciavam e tinham papel
significativo na configuração da dinâmica colonial. A escravaria se utilizava de
estratégias de negociação, falavam, vendiam, compravam, andavam, faziam parte desse
universo. Moacir Rodrigo de Castro Maia, em “O apadrinhamento de africanos em
Minas colonial: O (Re)encontro na América (Mariana, 1715-1750)”, atenta para essa
agência dos escravos analisando a composição de laços de compadrio e apadrinhamento
nesse contexto. A ideia do batismo, ferramenta de coerção e conversão dos cativos, era
por eles reaproveitada, reinventada e revalorizada nas Américas. Pois na escolha do
padrinho, havia a criação de laços afetivos e de solidariedade entre os cativos, que eram
aproveitados para potencializar seu poder de negociação, trocas, ajuda mútua e para
uma maior coesão entre os escravos e destes com os livres e forros.
Castro Maia faz a referência ao Conde de Assumar, importante autoridade
portuguesa na Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, que temia que esse vínculo
relacionado ao apadrinhamento pudesse contribuir para uma sublevação maciça dos
escravos. Assim, o Conde buscou controlar esses laços obrigando que os padrinhos
fossem todos brancos, sem obter muito sucesso. Afirmava que essas relações haviam
levado a fugas e a formação de quilombos na região, prejudiciais ao domínio senhorial.
Maia relata que as tensões e conflitos eram constantes, assim o Conde proibia que
libertos fossem donos de vendas, que seria “um local propício para esconder fugitivos e
de ligação com os quilombolas”5. É importante ressaltar que essas vendas e os locais da
prática do comércio eram os lugares de sociabilidade, onde havia a conversa, a troca, e a
circulação de, dentre outras, a língua mina. Foi neste lugar de negociação, de
comunicação, de fuga, que Costa Peixoto foi visto com negros e negras, motivo da

4
PEIXOTO, Antonio da Costa. Obra nova da língua geral de mina. Lisboa: Agência Geral das Colônias,
1945, pág.6.
5
MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. O apadrinhamento de Africanos em Minas Colonial: O (Re) encontro
na América (Mariana, 1715-1750), p. 39.

7
denúncia feita pelos moradores de São Bartolomeu. Esse espaço que o cativo recorria
para se alimentar, beber, conversar, “... enganar uma fêmea”6, assim como “(vou)vender
feijão, milho, vender farinha, vender sabão, quiabo, laranjas, aguardente, pão, pasteis,
galinhas, roupas, vender negros novos, vender amendoins, sapatos, a casa, (vou) vender
violas”7.
Nesse lugar das vendas circulava também o ouro e as moedas para obtenção de
produtos. Na Obra Nova consta uma tradução do sistema de contagem que devia ser
usado nessas transações, em língua mina, levando o subtítulo “Conta de ouro”, com
seus valores correspondentes em oitavas de ouro, vinténs e libras. Em seguida aparece o
sistema de numeração também em língua mina. Costa Peixoto afirma o sistema
numérico mina só ia até o 40, e que se repetia para acumular novos valores.
“Aquhédupom – 1vintem/ Aquhéháhizem. Aquhécatom -3/8as – Aqhécanê – 4–
Aquhé’aforeê – 5/8as – Aquhéaforécarê – 6/8as – Aquhéaforécauhê- 7/8as –
Aquhéaforécatom -8/8as ...gampupou – meia libra...”(PEIXOTO, p.33)“...dupou – 1/
hópê – 2 / vtom- 3/ henê – 4 / atom -5/... ouhene -14 / afótom – 15 / afótomcurupou -16 /
afótomcuhóhe – 17 / afótom cu hatom – 18...”(PEIXOTO, p.34)

A forma como foi escrita a Obra Nova, se assemelha a um negro mina narrando
e descrevendo cenários, ferramentas e tudo que poderia ser captado ao seu redor. Assim,
esse documento também proporciona acesso a cultura material presente na época.
Entendido como cultura material os instrumentos, alimentos, animais, e todos os
aspectos culturais munidos de materialidade. Este termo está também relacionado a
finalidade que os objetos têm dentro de determinada cultura, seus sentidos, usos e
identificação feita por um povo. Entender os elementos presentes nesse cenário assim
como sua proveniência permite compreender o cotidiano e as aquisições culturais que
esses materiais representavam. Ainda compreender como viviam, os hábitos, atividades,
comportamentos que provém do uso desses itens. Apenas de saber que esses elementos
estavam presentes no dia a dia desses homens e mulheres já é significativo para
entender o retrato da vida nas Minas colonial. Nas passagens da Obra Nova encontra o
seu registro, como os itens relativos às armas: “guhi- faca/ guhicum- bainha/ guhigâ-
espada/ so- espingarda/ sotutû- pólvora/ sopem-balas, e chumbo”(p.16) Outro trecho

6
Retirado do Obra Nova da Língua Geral de Mina, p.24, com a retirada do verbo ir e por vezes do verbo
vender presente no original, mas subentende-se.
7
Retirado da Obra Nova da Língua Geral de Mina, ps. 24 e 25.

8
inclui os alimentos que circulavam na colônia: “...douquim- batatas /epê- abóboras/
vquâ – melancias/ atim si sem - figos, joazes; sidras; goiabas; ...alefim- farinha/
atimcamlefim -farinha de mandioca/ atimcam- raiz de pau/ ataquim- pimentas /
ataquimtouboume - pimenta do Reino/ atâ –gengibre/ avánâtou- bananas da terra”
(p.16).“...Agam - agua ardente/ agamtouboune- agua ardente do Reino/ touboume ami-
azeite doce/ nhijoutouboume - manteiga do Reino/ agamvégê- vinho/ acláchuchû–
biscoito/ depo - palmitos – azimzem – formigas...”(p.17)
A cana era usada para a produção de melado, açúcar e aguardente, esta seria
moeda de troca para aquisição de escravos a partir do século XVII sendo também ligada
a consumo local. A pimenta do Reino era um artigo vindo da Ásia do contexto das
especiarias. A farinha de mandioca, segundo alguns autores, também sustentava a
exportação africana para o continente. 8 As formigas também entravam no cardápio
desses homens, sendo apropriado da prática indígena de a ingerir como alimento,
segundo Rafael de Freitas e Souza: “É sobejamente conhecido da historiografia mineira
o episódio da visita de Dom Pedro de Almeida e Portugal à Capitania de São Paulo e
Minas do Ouro no ano de 1717. Ao longo da jornada, ofereceram-lhe meio macaco e
formigas para refeição, gentileza da qual ele declinou. Comer formiga Içá (tanajura) é
milenar hábito indígena ao qual os paulistas se adaptaram, mas que não agradou ao
refinado paladar do nobre português.”9
A banana é um artigo que também aparece em outro documento, de contratação
do serviço de capitão do mato que estabelecia regras para seu pagamento nas diversas
situações em que cativos fossem flagrados. Na passagem “Toda a negra que apanharem
em lavras donde não aceita branco com tabuleiro de comestíveis exceto pão ou bananas
a prenderão executando o que lhe ordena o seu Regimento não sendo dos ajustados”10,
aparecem os dois artigos que eram permitidos a venda, atentando que a descrição sugere

8
Mary Del Priore, “Comida de escravo” , disponível em: http://historiahoje.com/comida-de-
escravo/#comment-7798
9
Artigo de Rafael de Freitas e Souza, “Medicina e fauna silvestre em Minas Gerais no século
XVIII”, fazendo referência ao Diário da jornada, que fez o Exmo. Sr. Pedro desde o Rio de
Janeiro athe a cidade de São Paulo, e desta athe as Minas, no ano de 1717. Revista do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n.3, p.308, 1939; e Sobre a história
da culinária mineira ver FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a comida dos
mineiros. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1966.

10
Arquivo Público Mineiro –CMOP Cx. 26 Doc. 30, p.4.

9
uma atividade da negra, o que remetia a uma prática feminina. Sonia Maria Magalhães
em “A mesa de Mariana: produção e consumo de alimentos em Minas Gerais (1750-
1850)” descreve o pão como alimento das ocasiões festivas ou destinada aos enfermos,
assim como o biscoito, afirmando que a exportação de farinha de trigo só se tornou
comum no século XIX. No entanto, tanto o pão e o biscoito aparecem em registros de
1741 de maneira que aparentam circular com certa frequência nos locais de venda.
“máhidáaclã - vou fazer pam...” (PEIXOTO, p.26).
Nessa outra passagem são descritos outras utilidades e alimentos que eram
vendidos: “máhisáadi- vou vender sabão// Máhisáfevi- vou vender
quiabos//máhisáhihávouzom- vou vender laranjas/ máhisámã- vou vender couves, ou
mostardas” (PEIXOTO, p. 24). O quiabo é um artigo de procedência africana que foi
exportado para as Américas, já o milho americano parece ter sido “estranhado” pelos
africanos em primeiro momento que preferiam sorgas, inhames e bananas como indica
Gabriel Soares de Souza. 11 Ainda aparecem os animais que circulavam na região:
“máhisásõ- vou vender cavalos (PEIXOTO,p.24) “ máhisánhi- vou vender Bois //
máhisá couculou- vou vender galinhas (PEIXOTO, p.25). Havia também cabras,
carneiros, ovelhas e porcos. Deste último comiam toucinho, linguiças, cabeças de porco,
“antrecostas”, “mucutos” e banha ou manteiga. (Idem, p.16) Em relação a fauna
silvestre da região, Rafael de Freitas relata que era utilizada não apenas na alimentação,
mas no calçado, para os diferentes adornos, meios de locomoção e também para a cura
de enfermidades. Freitas e Souza faz referência a animais que não constam na Obra
Nova, mas chama atenção para o papel de caçador que os negros exerciam que é
mencionada no vocabulário: “Máhiguche- vou a cassa” (PEIXOTO, p.25). Além dessa,
outras atividades como jogar são apontadas. Embora Freitas relate a pouca
disponibilidade na região de médicos e cirurgiões, estes últimos aparecem no
documento: máhiroy bucõ – vou chamar o sorgião (cirurgião) (PEIXOTO, p. 23) assim
como as práticas da sangria. Outros objetos como a candeia, que parece se referir a um
tipo de luminária de barro e óleo, “Asicô- machado /...Alim- enxada, ou almocafre
//gam – ferro/ cô- barro”(idem, p.17) aparecem em língua mina e correspondem aos
materiais e utensílios existentes na vida mineira.
A utilização de talheres, pratos e panelas parece bem difundida na região,
inclusive a prática de arrumar as mesas para as refeições “máhidouzam – vou por a

11
Mary Del Priore, “Comida de escravo”

10
meza” (PEIXOTO, p. 25). Sonia Magalhães aponta que o talher foi inserido na América
Portuguesa no século XVII, mas não era utilizado cotidianamente, sendo o uso dos três
dedos da mão direita o mais comum. Somente no século XVIII esses utensílios ganham
maior difusão se estendendo a todos os estratos sociais, mas que muitos ainda preferiam
comer com os dedos. No documento analisado o talher aparenta disseminado e presente
na mesa dos negros minas: “guhi- faca (p.16) zem – panela / abam – pratos / gamtim –
colheres (p.17) máhidouzam – vou por a meza (p. 25) máhiclóabam - vou lavar os
pratos (p. 27)” (PEIXOTO, ps. 16-27)
Em outra parte do documento aparece uma proibição de venda de armas ou
alimentos para calhambolas por “negro ou negra forra ou brancos ou outras
pessoas...”12, e no estudo de Maia, o Conde de Assumar busca impedir que libertos
tivessem vendas. No entanto, a Obra Nova, menciona muitas situações do negro mina ir
vender uma série de utilidades e alimentos que são ricamente descritos. Assim, essas
proibições existiam, mas não conseguiam se efetivar na prática e nas necessidades
imediatas dos homens e mulheres. Enfim, é importante ressaltar a produção e venda
desses artigos que faziam parte da economia mineira, mas que fugiam do espaço das
grandes plantações monocultoras ou ciclos econômicos, sendo ligadas a produção local
e a subsistência.
No próximo trecho aparece uma lista das profissões, sendo carapina sinônimo de
“carpinteiro”. “aótutô- alfaiate/ atimpátô- carapina/ gamtulô- ourives/ ayótô -ferreiro –
atamCholatô / atamchólátô- barbeiro/ nhigutô – carniceiro/ guhégutô- pescador/
chégutô- casador,” (PEIXOTO, p.18) Não é feito menção a nenhuma profissão liberal
ou burocrática, sendo esses ofícios mencionados ligados ao cotidiano e as necessidades
mais básicas. Essas possivelmente eram profissões exercidas também por libertos ou
forros que buscavam melhor se inserir no interior dessa sociedade. Havia a prática de
ensinar esses ofícios para aqueles que serviam de aprendizes o que permitia a passagem
das técnicas e conhecimentos para que não faltassem praticantes. Maia registra essa
tendência num documento que analisou em seus estudos: “Um outro senhor de Mariana
tinha, no final da primeira metade do Século XVIII, “um moleque courano na cidade da
Bahia” como aprendiz no ofício de barbeiro.13Mesmo sendo em outra localidade, nada
impede que esse mina praticasse o ofício na região, até porque havia forte conexão no
12
Arquivo Público Mineiro –CMOP Cx. 26 Doc. 30, p.5.

13
Passagem em que Rodrigo de Castro Maia faz referência ao documento AEAM, Livro O-7, Testamento
de Manoel João Dias, 22/10/1743, fl.154v.

11
trajeto Bahia-Rio de Janeiro- Minas utilizada para transportar os escravos traficados até
a Capitania das Minas.
São muitas as atividades que os verbos expressam no documento:
“máhivódumchuhe – rezar- vou para a Igreja-Máhigamchóme- vou para a
cadeia/ máhidõ- vou passear/ máhigleta- vou a roça/ máhinhavõ-vou lavar roupa/
máhizénaque - vou rachar lenha/ Máhilehu- vou lavar o corpo/ máhiguhevi - vou
pescar peixe/ máhigume- vou matar gente/ máhinumagam - vou beber água
ardente.”(PEIXOTO, ps. 23 e 24)
Nessa passagem, o que desperta a atenção é a oposição das atividades praticadas
por esses falantes, que parte do rezar, ao beber água ardente e até matar. Interessante,
pois o matar gente e ir para a cadeia demonstra que havia tensões nessas localidades, e
infere que os cativos deveriam se rebelar contra o modo de vida que lhe era imposto.
Alinhadas com ações cotidianas, o assassinato e a prisão parecem ser comuns nessa
região para o grupo mina. Já a atividade da pesca era realizada pelos escravos nos
tempos livres para complementar as refeições, e assim como o cultivo de artigos
básicos, representava um trabalho de subsistência tendo um significado diferente que os
relacionados à exportação e o tráfico de escravos.
Outros registros “vou ler / vou escrever” permitem perceber que havia negros
mina que dominavam a escrita e a língua portuguesa. Esse dado é importante pois
reforça a existência de afro-brasileiros letrados e bem falantes da língua metropolitana,
e que esse escravo não está alheio as formas de comunicação e integração linguística na
colônia. Assim como remete ao importante trabalho de Claudio Pinheiro que faz
menção a importância dos intérpretes e dos línguas no investimento português ao
empreendimento colonial. A figura dos línguas está relacionada a africanos levados a
Portugal como estudantes, sendo financiados pela Coroa e cristianizados. Já os
intérpretes atuavam mesmo nas Américas auxiliando na catequização ou outros
trabalhos de interesse senhorial. Porém, se tornarem falantes da língua portuguesa
demonstra que esses negros minas estavam buscando formas de se reinserir socialmente
e que estes atuavam e se comunicavam, portando uma ferramenta de negociação e de
entendimento do que se dizia e do que acontecia bem eficiente. Moacir Maia afirma que
o batizado ocorria muitas vezes entre negros da nação mina ou couranos pela
necessidade que havia de intérpretes para a realização do evento, o que decorria nesse
lugar de agente dos negros gbe dessa região e seus conhecimentos e estratégias
comunicacionais, assim como a reconstrução de solidariedades deste lado do Atlântico.

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Ainda constam as passagens que remetem as relações de morte e as relações
amorosas dentro do universo do negro mina colonial. Trechos, tais como:
“Pregt. guidásucam- tu tens amigos /Responde, hum Iásucam –eu tenho amigo
/nhimácóhinhónum môhã- eu ahinda não sei de ser negcos[?] / Nhitimcam – eu tenho
cabasso / Sóhâmádénauhê- de quá que eu to tirarey / nhimatim asuhã- eu não tenho
amigo / Pregt. guigéroume- tu queresme / Responde, mágerouhehâ- não quero não /
Pregt. anihutu mágeroume – e porque rezão me não queres / Responde, gui tim a
Sitóhé- vm.ce tem sua amiga / nhimatim a sihã- eu não tenho amiga / humcójou – já a
larguei / hécócíi – já morreu / hécógulialõ- já casou / guihinhógampéguàsuhe- tu es
mais formosa do que ela / guiráhigumdâ- vosmecê está zombando /
nhimádáhâhigumhã- eu não zombo não...”(PEIXOTO, ps.30-31)

“... vou enganar uma fêmea”(PEIXOTO, p.24)

Nas páginas 34 e 35 Costa Peixoto afirma que o sexto mandamento, que estaria
relacionado a não cometer atos impuros, não pecar contra a castidade ou cometer
adultério, não estava sendo obedecido, sendo constatados muitos casos na freguesia. A
prática sexual, as formas de conquista, e as relações com “amigas” e ainda casamentos
são expostas nas palavras e termos traduzidos para o português. Os trechos “já casou” e
“Já morreu” expõe duas faces do que era comum nesse universo, assim como toda a
passagem transcrita transmite a instabilidade e a negociação presente entre as partes.

A questão étnica também aparece na Obra com essa forma de diferenciação do


negro da nação mina do negro da nação angola. Sendo que essa oposição no final dos
trechos de palavras é constante no documento. Não é mencionada nenhuma tensão,

“guno – gente mina / aglono – gente Angola” (PEIXOTO, p.18)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A migração forçada de negros para a região das minas no século XVIII, junto a
portuguesa, levou a uma ocupação cultural, étnica e linguística heterogênea e diversa no
espaço colonial. O português como única língua falada nunca existiu, e com a alta
densidade demográfica dos nativos e grande concentração de povos africanos trazidos
pelo tráfico negreiro, a multiplicidade linguística fazia parte do cenário colonial. A
comunicação interétnica era intensa, e um elemento fundamental na qual se inscreviam
usos, formas de sociabilidade, atuações e agência dos cativos. O estudo realizado se
insere numa abordagem que percebe os escravos não como submissos e passivos, e sim
como atuantes, fazendo parte das dinâmicas, das negociações, das relações de venda, no
falar, participando das diferentes esferas da vida na América Portuguesa. A partir dessa
interpretação procura entender o falar na região das Minas Gerais no século XVIII,
através da análise de um vocabulário da língua mina falada por negros da mesma nação.
O principal documento de análise será a Obra Nova da Língua Geral de Mina, que
contém uma versão anterior em 1731, o manuscrito de 1740 e finalmente a edição
impressa de 1945 elaborada por Luís Silveira e acompanhada dos comentários de
Edmundo Correia Lopes, publicada pela Agência Geral das Colônias. Esta última foi
utilizada por conter informações que foram aproveitadas por esse estudo. Escrita por
Antônio da Costa Peixoto o documento consiste numa tradução de termos e diálogos da
chamada língua mina para o português. Essa língua atualmente conhecida como gbe
pertence ao grupo linguístico proveniente das regiões do continente africano
identificadas como Gana, Togo, Benin. Tanto a língua como a nação mina foram
denominações dadas pelo tráfico, mas não deixam de trazer certa semelhança e uso da
língua. O intento é localizar a Obra Nova dentro do conjunto dos documentos
elaborados para aprendizado e registro das línguas afro-brasileiras, como uma produção
que permite entende a comunicação nas minas dos setecentos, assim como perceber a
fala, as atividades e o cotidiano desses negros e negras da nação mina. Esse estudo
concebe o documento de Costa Peixoto e visa demonstrar que a comunicação e o
ensinamento das línguas não-européias não estava ligado somente as formas de controle
metropolitano e senhorial. Para tanto é utilizado as passagens da própria Obra, assim
como os comentários presentes, que demonstram que a produção não se destinava
somente ao subjugação dos cativos e reforço da autoridade senhorial. A própria língua

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possui uma face ativa e uma passiva, não se destinando a apenas ouvir, mas também
dizer, interagir com os falantes, e portanto não poderia significar somente uma mera
estratégia para impedir fugas e subelevações na região. Ainda, o documento é escrito na
língua gbe que em seguida é traduzida para o português, juntando esse fato, à forma
como foi escrita, percebe-se que o autor conversava com um negro mina, sendo esta a
voz ativa no documento registrada pelas mãos de Peixoto. Na páginas ... Silvia Lara
concebe a obra Nova como mero instrumento de reforço da autoridade senhorial, não
discordando da autora por completo, esse estudo busca defender uma outra face dessa
documentação. Assim como evidencia que as trocas comunicacionais eram muito mais
complexas e abrangentes, fugindo do campo das ordens oficiais da Coroa Portuguesa, a
própria trajetória de Peixoto revela o quanto essa Obra se insere nesse lugar da
informalidade, das formas espontâneas, das necessidades imediatas. Mesmo possuindo
o cargo de escrivão e juiz de vintena, estando no interior da administração metropolitana
na colônia, e do círculo da promoção de cargos, Costa Peixoto era um português de
poucos bens, era um leigo no estudo das letras e na gramática, e ainda foi diversas vezes
denunciado pelos moradores da freguesia de São Bartolomeu por ser encontrado nas
tavernas bebendo com negros e negras. [passagem] É importante perceber que havia
atuações para além do controle da Coroa Portuguesa. Moacir Castro evidencia que havia
espaço para as negociações e recriação de laços desses cativos depois de cruzarem o
Atlântico. Moacir se refere a catequização dos africanos, que sendo um instrumento
para subjugação, acaba sendo ressignificada pelos negros com a criação de laços de
solidariedade e afetivos entre os cativos e forros. O autor cita o Conde de Assumar que
temia que o apadrinhamento unisse a escravaria numa rebelião generalizada. Assim
buscou estabelecer que os padrinhos fossem sempre brancos, sem muito sucesso. Ainda
buscou proibir que negros forros tivessem vendas. Um acordo, entre capitão do mato e
contratadores, visava impedir o comércio de armas e alimentos para calhambolas,
fugitivos.(documento) Porém o vender era uma prática comum entre os negros mina de
acordo com o que o documento registra: (PASSAGEM). Esse lugar das vendas, mesmo
lugar que Costa Peixoto foi visto com negras e negros, consistia num espaço de
sociabilidade, de trocas, de conversas também na língua gbe. Ali devia ser utilizado o
sistema numérico e de valores em oitavas de ouro, libras e vinténs. (passagem). O
sistema numérico gbe, segundo Peixoto, ia até o 40 e depois se repetia para acumular

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mais números e formar maiores valores. Esse espaço que o cativo recorria para se
alimentar, beber, conversar, “... enganar uma fêmea”14, assim como “(vou)vender feijão,
milho, vender farinha, vender sabão, quiabo, laranjas, aguardente, pão, pasteis, galinhas,
roupas, vender negros novos, vender amendoins, sapatos, a casa, (vou) vender violas”15.
A forma como o vocabulário foi escrito com a tradução do que era comum,
como se descrevesse cenários, permite acessar parte da cultura material da época.
Entende-se como cultura material, os utensílios, alimentos, temperos, e todos os objetos
culturais munidos de materialidade. Este termo está também relacionado a finalidade
que os objetos têm dentro de determinada cultura, seus sentidos, usos e identificação
feita por um povo. Entender os elementos presentes nesse cenário assim como sua
proveniência permite compreender o cotidiano e as aquisições culturais que esses
materiais representavam. A cana servia para fazer o açúcar, o melado e a aguardente,
esta a partir do seculo XVII seria morda de troca para aquisição de escravos mas
também sendo muito consumida nas localidades por africanos. Haviam uma serie de
temperos e hotaliças, pimenta do reino, mostardas, couves, gengibre, que estavam
presentes na alimentação. As bananas também eram bem consumidas, apesar de sonia
mahalhaes destinar as bananas e os buscoitos as situações especiais e aos enfermos,
Gabriel Braga atenta para a preferencia dos africanos pelos sorgos, inhame e bananas e
estranhamento ao milho. Ainda a outra documentação analisada atenta pelo costume de
venda de tabuleiro de cosmetíveis com pão e bananas por negras na região. Outro
elemento presente no cardapio seriam as formigas, apropriadas de uma prática indígena
de a ingerir como alimento segundo rafael de freitas, estando presente na documentação.
O quiabo era um artigo africano trazido para as américas. Os animais como bois,
galinhas, porcos de procedencia europeia encontra disseminado na sociedade, comiam
linguiças, cabeça de porco, ...haviam materiais e armamentos. Barro, ferro havia como
materia prima utilizada, candeias, espingardas, pólvora... os talheres parecem bem
difundidos descritos no documento na lingua mina, facas, ... e ainda havia o costume de
fazer a mesa se reunindo para as refeições mesmo nas camadas sociais mais baixas. As
atividades de jogar, e vender. E vendiam os mais diferentes artigos. Mesmo havendo
proibições e restrições na venda, como Maia aponta, as vendas ocorriam e esses
consistiam em espaços de sociabilidade. As tabernas no qual Costa Peixoto foi visto

14
Retirado do Obra Nova da Língua Geral de Mina, p.24, com a retirada do verbo ir e por vezes do verbo
vender presente no original, mas subentende-se.
15
Retirado da Obra Nova da Língua Geral de Mina, ps. 24 e 25.

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bebendo com negros e negras era o lugar que a vida cotidiana se fazia presente, negros
vendiam, bebiam, compravam, conversavam, falavam a língua mina. A venda dos
artigos plantados por esses nehros, ou caçados, eram utilizados para melhorar a
qualidade da alimentação e também juntar quantias para a compra da alforria. Mas os
negros não só vendiam, também compravam víveres necessários para a sobrevivência.
Profissões como alfaiate, ourives, prscador, casador, barbeiro, aparecem na obra. As
técnicas e conhecimentos desses ofícios eram repassados aos aprendizes permitindo que
não se perdessem e que os praticantes tivessem melhores meios de se manter. A Obra
Nova também traz trechos que revelam uma face dos relacionamentos amorosos,
matrimônio e morte. Outra atividade importante do negro mina era ler e escrever. A
comunicabilidade nesse universo mineiro não se restringia as amarras metropolitanas e
senhoriais, havia nas trocas imediatas, da vida diária, um complexo de relações que
escapavam ao controle da escravidão. No documento analisado é possível perceber toda
uma dimensão das práticas e cotidiano desse mundo colonial dos setecentos. A
linguagem no documento oferece acesso a cultura material da época, do falar do negro
mina, da comunicação entre diferentes grupos, das atividades de homens e mulheres,
das malhas finas das relações mais próximas, das urgências que se resolviam fora das
decisões da distante Coroa Portuguesa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO, Fernando. Fome do ouro e fama da obra: Antonio da Costa Peixoto e a “Obra
Nova de Lingoa Geral de Mina” Antropologia, n. 53, 2013. Disponível em:
http://www.antropologia.com.br/arti/colab/a53-faraujo.pdf
LARA, Sílvia. Linguagem, Domínio Senhorial e Identidade Étnica nas Minas Gerais de
Meados do Século XVIII. In: ALMEIDA, M. V.(org.). Trânsitos Coloniais. Lisboa,
ICS, 2002.
LIMA, Ivana Stolze e CARMO, Laura do (orgs). História social da Língua Nacional 2:
Diáspora africana.Rio de Janeiro: NAU/Faperj, 2014.
MAIA, M. O apadrinhamento de africanos em Minas Colonial: o (re)encontro na
América (Mariana, 1715-1750). Afro-Ásia, 36 (2007), p. 39-80.
PEIXOTO, Antonio da Costa. Obra nova da língua geral de mina. Lisboa: Agência
Geral das Colônias, 1945.

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FREIRE, J. R. B. Nheengatu: a outra língua brasileira. In: LIMA, Ivana Stolze;
CARMO, Laura (org.). História social da língua nacional. Rio de Janeiro: Edições
Casa de Rui Barbosa, 2008, p.119-149.
CASTRO, Yeda Pessoa de. A língua mina-jeje no Brasil, uma língua negro-africana
documentada em Vila Rica no século XVIII. In: História Social da Língua Nacional 2 –
Diáspora africana. Rio de Janeiro, NAU Editora, 2014, p.61-72.

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

Nesse período de janeiro a julho de 2017 foram realizadas reuniões semanais de


acompanhamento, discussões e programação de atividades da pesquisa. O principal
documento de análise foi a Obra Nova da Língua Geral de Mina, que foi estudado,
assim como a trajetória individual de Antônio da Costa Peixoto, autor do documento.
Houve um levantamento de fontes que remetiam a vida de Costa Peixoto, assim como a
transcrição desses manuscritos da Coleção Câmara Municipal de Ouro Preto e do
Arquivo Púbico Mineiro. Foi transcrito também um documento da Biblioteca Nacional,
“Estatutos da congregação dos pretos minas Maki no Rio de Janeiro (1786)”, de 55
páginas. Ainda foram feitas atividades de leitura de bibliografia indicada e participação
na Palestra “Livros Manuscritos de Irmandades religiosas de leigos da Capitania de
Minas Gerais no século XVIII: Materiais e técnicas”, esta realizada no auditório da
Fundação Casa de Rui Barbosa.

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