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ESTUDO DIRIGIDO DO LIVRO: SILVA, Alberto da Costa e.

A África explicada
aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.

A história do continente africano foi sempre construída e repassada através de


um olhar eurocêntrico. A obra de Alberto da Costa e Silva “A África explicada aos meus
filhos” através de um modelo, organização e linguagem próprias, facilita o
entendimento dos acontecimentos, das culturas, das geografias e da multiplicidade
étnica de um Continente complexo, desconstruindo estereótipos e muitas ideias
deturpadas sobre a África.
A obra, já pelo título, indica que constitui estudo que se propõe ser acessível e de
fácil entendimento. Isso se comprova pelo índice e título dos capítulos organizados em
conversas. Assim, percebemos que o livro é escrito em diálogos o que torna a leitura
mais interessante, didática e clara. Por mais que não seja dividido e acompanhe uma
periodização ou ordem de abordagem, sendo dirigida pelo debate e pelas questões
propostas, é possível perceber que são tratados dos temas, como geografia e cultura,
buscando desmontar certos estereótipos sobre sua vegetação, sobre a compreensão do
espaço, dos rios e animais que habitam o Continente, dos ofícios praticados, e religião,
sempre acompanhado com a descrição dos costumes de diversos povos. O livro se inicia
com uma reflexão sobre a África atual, depois começa a contar sobre os reinos antigos,
as organizações políticas nos primeiros séculos, e depois passa para as relações dos
europeus e africanos nos XV-XVIII que são levantadas, sempre obedecendo a ordem
temporal ao decorrer do livro, com alguns retornos e adiantamentos, mas no panorama
geral é notável essa passagem do tempo até chegar, nos últimos capítulos, no
imperialismo do XIX, e por fim, a África na atualidade.
A proposta do livro se relaciona a difusão de um conteúdo de fácil entendimento,
para leitores leigos, que proporcione uma visão mais ampla do Continente Africano,
desmontando as barreiras construídas pela visão eurocêntrica e sensos comuns que
formaram a imagem que se tem e é reproduzida sobre a África. Discorrer sobre sua
história, a fim de, realmente como sugere o título da Obra, “explicar” essa porção
continental de forma que seja possível um conhecimento menos deturpado e mais
profundo do território e dos povos que ali habitam.
Nas primeiras conversas fica evidente a grande diversidade geográfica e os
contrastes apresentados pelo continente, o que desmonta uma suposta unidade ou
homogeneidade constantemente reproduzidas. As descrições e informações trazidas pela
obra sobre as prósperas atividades econômicas, a existência de diferentes organizações
políticas, complexo conhecimento artístico-cultural, de técnicas agrícolas e de
mineração, metalurgia, produção têxtil, entre outras, demonstram que as sociedades
africanas estão muito longe das imagens generalizadas de uma África tribal, faminta e
em decadência. Ainda mais quando a discussão entra no campo religioso, no qual o
estereótipo do culto dos orixás, como se fosse um costume altamente difundido, é
desmentido, esclarecendo que estaria apenas ligado aos iorubas, sendo desconhecido
pela maior parte dos outros povos. Assim, se ratifica uma multiplicidade da cultura,
geografia, e economia africanas em detrimento da suposta uniformidade muito
difundida nos meios de comunicação.
Outra importante contribuição do estudo de Alberto da Costa se refere às
transformações ocorridas no Continente ao longo do tempo. Remontando as sociedades
desde a época antiga, a civilização egípcia e a grande potência cartaginense,
descrevendo modificações econômicas, culturais e políticas de uma grande variedade de
reinos e povos com distintas organizações, até o reforço da presença europeia que
provocariam também grandes mudanças no interior da África, o autor atesta a
historicidade do Continente, indo contra correntes do século XIX e as teorias de
Nietzsche que associava a ausência de história a uma suposta e incorreta imutabilidade.
Através da leitura da obra, infere-se que esse equívoco que percebe o continente
“parado no tempo” está associado ao próprio desconhecimento de seu interior pelos
europeus, já que suas relações com os africanos se reduziram a trocas pela Costa e ao
litoral, contatos bem superficiais, pois os grandes reinos africanos, como o Congo, não
permitiam uma interiorização europeia. Este é outro esclarecimento importante trazido
pela obra.
Após defender sua existência, foi importante ampliar o entendimento que se
fazia dessa história, desmontando inverdades, trazendo novos elementos para
compreender as relações e conceitos como alteridade e identidade. A obra oferece
informações de como as sociedades se organizavam e como a inserção europeia
modificou as antigas práticas, como a própria escravidão, que pela demanda e alianças
entre povos europeus e africanos, se intensificou e provocou o aumento dos conflitos
internos. A forma como julgamos uma cultura parte muito de um olhar etnocêntrico,
assim o autor procura demonstrar que não é possível utilizar parâmetros externos para
avaliar o desenvolvimento de outro povo, pois esses não são compatíveis a realidade e
valores que se pretende analisar. Assim denuncia o julgamento eurocêntrico em que foi
baseada a construção da imagem do africano, o que levou a interpretações e
formulações históricas equivocadas. O entendimento da coexistência de diversas
identidades foi importante para a compreensão do quadro de guerras internas e alianças
externas, que se justifica pelo fato de que outro povo do continente era tão diferente
quanto os europeus ao olhar das sociedades africanas, não havia a ideia de grupo único e
pertencimento de escala continental.
Assim, a obra aqui analisada traz grandes contribuições para a compreensão do
Continente africano, com a negação da sua imutabilidade, atestando a existência de sua
história, e servindo para desconstruir estereótipos que criaram uma visão homogênea da
África, assim como a associação com a miséria e subdesenvolvimento que é tomado de
forma generalizada. Importante também foi atentar para a alteridade e a existência de
identidades, assim como repensar a forma como foi produzida a história africana,
através de um olhar eurocêntrico sem conceber os próprios habitantes do Continente
como sujeitos e atuantes nos processos e acontecimentos. A afirmação da multiplicidade
cultural, étnica e geográfica também foi um fator relevante para modificar as visões
simplistas referentes à porção continental africana.
- QUESTÃO 2:
O Continente africano foi construído a partir de visões estereotipadas e
eurocêntricas que levaram a construção de uma imagem da África repleta de
preconceitos. O livro de Alberto da Costa e Silva é importante para esclarecer diversos
aspectos culturais, geográficos, econômicos, políticos, sociais e religiosos da porção
continental africana, reconhecendo a mutabilidade e a existência de sua história e
questionando as bases e do olhar etnocêntrico de como a narrativa histórica vigente foi
construída.
Um dos primeiros aspectos a se levar em consideração é a geografia. A visão da
África escassa e desértica é desconstruída para dar lugar a um Continente repleto de
diversidade e contrastes. Existem grandes desertos, como também florestas enormes,
estepes, planícies e planaltos, zonas alagadas, savanas, lugar de clima
predominantemente frio, e noutras quentes, na África do Sul o clima é temperado. A
natureza abriga uma grande quantidade de espécies animais, o leão, leopardo, girafa,
zebra, rinoceronte, também hienas, guepardos e antílopes.
Em relação à economia, também é diversa, e existe muita fartura nas áreas que
não são atingidas, por exemplo, por um desastre natural ou guerra. A caça e coleta de
raízes, frutas e mel são atividades relacionadas aos pigmeus do Congo e os sãs ou
bosquímanos na região da África do Sul de clima semi-árido. A agricultura consiste
numa das bases da economia africana; também se utilizam da criação de gado como os
povos cóis ou hotentotes, fulas e massais. Em relação ao costume e divisão de tarefas,
os pastores tanto conduzem o gado como também fazem a coleta de frutos e mel, e os
lavradores não só cultivam a terra, como também caçam, pescam e criam cabras, bois e
ovelhas. Houve também a introdução de alimentos vindos de outros continentes, como
berinjela, manga, limão, cebola e cana de açúcar, de origem asiática, e batata doce, caju,
amendoim, milho e mandioca vindos da América, sendo estes dois últimos tão bem
aceitos que passaram a compor a alimentação básica em diversas regiões. Outros
alimentos bem difundidos ou de alto consumo é o arroz nas Guinés, o sorgo, painço ou
milhete nas áreas de savana, banana em Uganda e inhame muito comum na Nigéria. Os
africanos dominavam complexas técnicas agrícolas, se utilizavam da irrigação, rotação
de culturas, adubagem e construção de plataformas nas encostas, entre outras.
Outras atividades econômicas eram a mineração, a metalurgia e a produção
têxtil. O ouro era encontrado tanto no leito dos rios em que se utilizavam bateias, como
nas minas, onde se cavavam poços profundos cujas paredes eram sustentadas por vigas
de madeira, nas regiões de Bambuk e Buré (alto Níger). A Núbia também era uma
grande produtora desde o século XVI a.c no qual fornecia o precioso metal ao Egito.
Desde 600 a.c os africanos também dominavam as técnicas da metalurgia do ferro,
sendo considerado de qualidade superior aos dos europeus. Fundiam diversos metais,
utilizando bronze e latão, que no Benim se ligavam às esculturas, e também se destaca a
fabricação de joias de ouro e prata feitas pelos axantes. Os tecelões produziam panos de
algodão de excelência que desde o século XII era exportado para a Europa, e mais tarde,
no XVI seria vendido também no Brasil. No norte da Nigéria teciam-se também lãs de
ovelha e de camelo, e em Congo e Angola, a ráfia. Eram posteriormente tingidos,
recebiam bordados, como na Etiópia e com os mandigas, nupes e hauçás, ou ainda
aplicações de imagens, como era de costume no antigo reino do Daomé(República do
Benim). Em algumas sociedades, aqueles que dominavam os conhecimentos técnicos
dos ofícios, como ferreiros, escultores, ourives, oleiras (que faziam potes com barro) e
bardos (músicos, poetas e historiadores), formavam castas, e eram desprezados e
temidos pelo seu poder de transformar o estado natural dos elementos que
manipulavam.
Os africanos aproveitavam produtos e conhecimentos de outros lugares, porém
apenas o que era considerado útil. Assim, o autor Alberto da Costa e Silva demonstra
que não se deve avaliar o desenvolvimento de uma sociedade através do que era
símbolo de evolução na Europa. Os povos do Norte pouco se interessaram pelo carro,
que não podiam ser utilizado na areai do deserto, mas tão logo adotaram as redes
americanas como forma de locomoção. Esse exemplo demonstra que as técnicas e
aparatos que se dispõe num determinado meio tem muito mais relação com as condições
e necessidades geográficas do local, que a natureza impõe, do que propriamente
conhecimento.
Outra importante contribuição da obra foi atentar para a diversidade de
organizações políticas existentes na África, desmontando uma visão homogênea e
generalizante de um Continente “tribal”. Havia impérios que se estendiam por várias
nações, reinos que compreendiam uma ou mais nações, e organizações menores
comparadas às cidades-estados gregas. O poder pertencia a uma ou mais famílias reais
acompanhadas por uma aristocracia. Mas também existiam povos, como os ibos, que
não possuíam nem reis, nem chefes e a as aldeias eram governadas por um concelho de
chefes das famílias ou por sociedades secretas mascaradas que puniam os transgressores
da ordem. Muitas sociedades eram rigidamente estratificadas cuja posição social era
determinada pelo nascimento, em outras vigorava o mérito, e noutras ainda, a riqueza, e
finalmente havia as que não possuíam desigualdades nas quais só se distinguiam os
jovens dos mais velhos. Os primeiros reinos africanos surgiram por volta de cinco mil
anos, sendo Egito, o reino de Cuxe (Núbia) e de Axum, os primeiros que se tem
registro, seguidos de tantos outros, como o reino de Gana e Benim. As cidades africanas
também contavam com grande esplendor e construções impressionantes, inclusive aos
olhos europeus que se surpreenderam com as largas avenidas do Benim e a grande
muralha de Ijebu-Ode.
As esculturas do Benim é um grande exemplo da riqueza cultural africana.
Muitos europeus, de início, demoraram a reconhecer sua qualidade. Esse é um ponto
importante, pois demonstra como a alteridade deturpa a visão do outro, não perceberam
a beleza artística das esculturas pois era diferente do que estavam acostumados, e isso
pode ser deslocado para outra tantas dimensões em que o olhar eurocêntrico foi incapaz
de notar a cultura africana em todo seu valor apenas por ser diferente. Posteriormente
conseguem valorizar essa arte, assim como as estátuas de madeira feitas no Congo, e
especialmente as esculturas de ancestrais e as máscaras de danças rituais dos povos sem
estado, e tão distintos dos europeus, mas que foram estudadas por Derain, Picasso,
Matisse, Modigliani, Bracusi, Braque, Kirchner, que as utilizaram para aprendizado.
Outro importante fator cultural da África é a quantidade e diversidade de línguas faladas
em seu território que chega a quase dois mil línguas. O hauçá e o suaíli são faladas em
extensa área por grande número de pessoas, sendo que outras alcançam uma proporção
pequena e regional. Dentro de uma nação podem ser faladas muitas línguas, muitos
diferentes entre si, ou muito semelhantes. Grupos vizinhos também podem trazer
valores e formas de vida muito distintas. Como no caso dos iorubas que veneravam o
nascimento de gêmeos, enquanto antigamente entre os ibos, esse acontecimento era
condenado.
Práticas rituais como os suicídios e sacrifícios humanos eram incompreendidos e
vistos negativamente pelos europeus. Mas, o autor da obra esclarece como isso não os
afasta dos próprios antigos gregos, por exemplo, assim como os comparam às missas
católicas para demonstrar que isso fazia parte da cultura daquele povo, da mesma forma
que os rituais católicos também faziam. A religião é outro campo em que estereótipos
são derrubados. A questão dos cultos aos orixás, por exemplo, que se tem uma imagem
como se fossem largamente difundidos, e na verdade consiste numa crença muito
restrita, ligada aos iorubas. Em contrapartida, o culto dos mortos e a crença na
reencarnação são muito comuns na maioria das religiões africanas, pois há grande
valorização dos ancestrais.
Outro ponto importante se refere à própria construção da história do Continente,
muito baseada nas visões eurocêntricas. O olhar africano e suas atuações foram
apagadas pela interpretação subjetiva e hegemônica europeia, que subtraíram as
riquezas, as culturas, as grandes civilizações africanas para classificar o continente
como bárbaro e incivilizado, e principalmente pagão, o que justificou sua exploração
dos povos que ali viviam. Importante notar como o autor faz questão de citar as
resistências e lutas africanas que se opuseram ao imperialismo, reações pouco
mencionadas que leva a crer numa submissão pacífica. Outro ponto destacado na obra
foi o fato dos europeus até o XIX principalmente, mas após também, terem que o tempo
todo negociarem com os reinos africanos, dependendo muito da autorização desses
chefes para atuarem no território, o que demonstra que havia lideranças africanas que
permitiam, por exemplo, o comércio de escravos, e que os europeus não possuíam tanta
autonomia e poder como supunha uma leitura mais superficial.
Desta maneira, a obra de Alberto da Costa e Silva, em diversos aspectos busca
desconstruir uma visão de imutabilidade das sociedades africanas, fornecendo dados das
mudanças, da diversidade e da cultura do continente e suas variações no tempo e no
espaço. Assim, além de afirmar a existência de uma história da África, o tempo todo
busca ratificar essa história eurocêntrica, carregada de preconceitos e estereótipos.
Através da análise da geografia, sociedade, cultura, religião, economia e política
permite esclarecer e ampliar o entendimento do continente africano derrubando a visão
generalista e distorcida veiculada e difundida amplamente que ainda vigora.

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