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Azevedo.
O cenário do livro é o cortiço que leva o nome de São Romão, fazendo alusão ao
personagem João Romão, proprietário português que ergueu suas casas, através do
dinheiro suado da escrava Bertoleza e de materiais de construção roubados de canteiros
de obras dos arredores. João Romão era um vendeiro que pela obsessão que tinha em
enriquecer, vivia economizando ao máximo e se privando de tudo e jamais tirava folga
da venda que construíra, enganando os fregueses e expandindo seu terreno. Logo
começa a descrever a quantidade de pessoas que começaram a viver naquelas habitações
insalubres. Em que se amontoavam, em locais estreitos, apertados, se multiplicavam
naquele local, úmido das roupas no varal, sujo, promíscuo, e barulhento.
“E, mal vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão,
surgia uma nuvem de pretendentes a disputá-los... E aquilo se foi constituindo numa grande
lavanderia, agitada e barulhenta... E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade
quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma
geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como
larvas no estêrco.” (p. 33)
Ali conviviam vários tipos de pessoas com os mais diversos ofícios de origem
popular: lavadeiras, mercadores, vendedores de peixe, trabalhadores da pedreira e
fábricas adjacentes, padeiro, ferreiro, torneiro, tipógrafo, entre outros. Havia também os
“tabuleiros de carne fresca e outros de tripas e fatos de boi”(p. 45). O sardinheiro que passava nas
portas dos moradores tinha que contornar a variedade de gatos que surgiam e o
cercavam atraídos pelo cheiro. Os habitantes do cortiço foram retratados e descritos
com os piores adjetivos, em geral apareciam como pessoas barulhentas, sem caráter,
adúlteras, indolentes, levianas. Ainda aparecem as palavras idiota, feia, grossa,
exagerada, mau humorada e raivosa para denominar algumas mulheres. Os tipos
humanos são bem definidos, além do João Romão, o português oportunista, havia
Estela, a mulher de boa família adúltera, seu marido, Miranda, que se casou para sair da
condição de pobreza para a condição de negociante traído, havia a viúva Dona Isabel, e
a virgem Pombinha, a negra sensual, libertina e muito amada por todos, Rita Baiana, a
Paula, a curandeira, que sabia fazer as rezas e feitiçarias contra as enfermidades.
“... em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e
fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da
altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as
coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam
suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o
pelo, ao contrário, metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas,
fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e
fechar de cada instante... e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao
trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no
recanto das hortas.” (p. 44)
“A polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre que penetrava em qualquer
estalagem, havia grande estropício; à capa de evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam
os quartos, quebravam o que lá estava, punham tudo em polvorosa.” (p.140.)
Quando ocorreu uma invasão no dito cortiço, muitas casas foram destruídas,
tendo os pertences quebrados, e João Romão junto com os residentes ficaram no
prejuízo. Além dessas tensões, havia ainda outros conflitos, que vinham dos contrastes
que conviviam. Primeiro do seu Romão, dono de tudo, perante aquela população
desvalida. Segundo, do vizinho, Miranda, que tinha um padrão de vida melhor e quando
ganhou o título de Barão, até Romão sentiu inveja do negociante. As diferenças levaram
a uma discussão, entre Miranda e os moradores do cortiço, que via com indignação o
crescimento daquelas habitações pobres e barulhentas logo ao lado de sua casa.
Conflitante também foi a criação de outro cortiço, na mesma rua, chamado “Cabeça-de-
Gato”, que João Romão logo viu como concorrente e tratar como grande rivalidade,
juntamente com os moradores de seu cortiço.
Aquele lugar transformava a todos que ali residiam, segundo o autor, mudou o
português Jeronimo, muito disciplinado e comprometido com sua família, que ao ver, se
apaixonou por Rita, se tornando preguiçoso, disposto a bebedeira e festas, e que chega a
abandonar sua esposa e filha. A Pombinha, virgem e bondosa, se entrega à prostituição.
Assim, também aparece como se perpetuava a pobreza, com esposas largadas, com
filhos herdando o ofício dos pais, e até a prática da prostituição. Havia no interior do
cortiço uma divisão entre portugueses e brasileiros, que fica evidente quando Piedade,
portuguesa abandonada por Jerônimo, briga com Rita, amante de seu marido, em que
portugueses torcem para Piedade, enquanto brasileiros ficam ao lado de Rita. Também é
marcante as rixas desenvolvidas pelos cortiços, em que nutre-se um ódio entre as
pessoas de um, com as do outro, a ponto de motivar agressões e até ocasionar uma
guerra, quando os “cabeças-de-gato” resolvem vingar a morte de Firmo, indo contra os
chamados “carapicus” (moradores do São Romão), saindo pessoas feridas e até uma
criança morta.