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Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 7
Bem-Vindos à sétima aula da Escola Tomista. Não nos percamos, como
sempre digo. É a sexta aula da introdução. Pois bem, hoje lhes deixo três
documentos. O primeiro deles trata o tema com que começarei esta aula. O
secundo documento são os termos utilizados nesta aula. E o terceiro é um
documento que está no ambiente virtual da Escola, mas que lhes reenvio
porque há perguntas quanto a que livros se devem ler a esta altura; neste
documento está tudo esclarecido quanto a isto, claro que no decorrer do tempo
haverá certo acréscimo, mas o essencial está dito aí. Estamos valendo-nos em
nossa introdução dos primeiros capítulos do livro do padre Álvaro Calderón
‘Los Umbrales de la Filosofía’; esta aula corresponde ao capítulo três deste
livro. Conquanto os que quiserem ler o livro do padre Calderón, verão que eu
tratro muito livremente, ou seja, com acréscimos, supressões, que me pareçam
mais condizentes com o assunto tratado.
não conhecemos o homem. Logo, quanto a seu objeto próprio (o objeto próprio
do intelecto é aquilo que é), a primeira operação do intelecto não erra
essencialmente; se erra é acidentalmente. Não se preocupem, isso se
esclarecerá suficientemente dentro de muito pouco tempo. A primeira operação
do intelecto, ou conhece a essência do homem, ou simplesmente não conhece
o homem. Se o intelecto diz homem: bípede implume; o intelecto simplesmente
não conhece o homem.
Para a aula seguinte, darei a vocês um opúsculo meu para, quem o quiser, ler-
se depois. É uma crítica ao filósofo tomista Jacques Maritain e a outros
tomistas, quanto exatamente à primeira operação do intelecto e à segundo
operação do intelecto. Mas esta aula é uma aula de transição. Não tratarei hoje
a segunda operação do intelecto, mas farei uma ponte entre a aula passada e
a aula seguinte.
Vimos até aqui que a primeira pergunta filosófica é ‘Quid sit esta coisa’ e vimos
que ao responder a ela filosoficamente, encontramos a essência ou quididade
da coisa. Se olho para três homens, João, Maria e José, e pergunto o que cada
um deles é, chegaremos à conclusão filosófica que os três são a mesma coisa;
são homens, ou seja, substâncias viventes sensíveis racionais. São homens
porque são racionais, entre si partilham esta igualdade, mas compartilham com
os animais o ser sensitivos; e compartilham com os animais e os vegetais o ser
viventes; e compartilham com todas as coisas que vemos o ser substância.
Mas, descoberto o que é o homem, descoberta sua essência, encontrada por
divisão, que conclui numa definição, não descansa no entanto a mente do
filósofo. Quid sit é apenas a primeira das perguntas de um longo trajeto. O
espírito, a mente, o intelecto do filósofo não repousa enquanto tiver perguntas
que fazer.
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Pois bem, visto que o homem é uma substância vivente sensível racional,
perguntar-se-á o filósofo, em sua curiosidade permanente, já sei ‘Quid sit o
homem’, mas ainda não sei ‘Quomodo sit’ (como é, de que modo é). Esta
pergunta se responde com as propriedades. Porque, com efeito, vimos que há
duas classes de acidentes. A primeira é composta daqueles acidentes que são
acidentes propriamente ditos, simples acidentes, nessa classe basta olhar para
perceber que são simples acidentes; estes tipos de substâncias não implicam
perguntas científicas. A pergunta científica propriamente dita não é aquela que
se faz com respeito ao óbvio, ao evidente; a pergunta científica é aquela que se
faz com respeito ao não evidente. Em geral, é não evidente a segunda classe
de acidentes, ou seja, os chamados acidentes próprios ou propriedades. O que
quer dizer isto? O que são os acidentes que são próprios ou propriedades?
São aqueles que sempre se dão em dada espécie de substância, ou ao menos
se dão na maior parte das vezes, de modo que se não se dão causa-nos
estranheza. E consideramos que essa substância concreta, em que não se dão
estes acidentes próprios ou propriedades, é uma substância imperfeita.
Quanto aos acidentes propriamente ditos ainda falarei algo nesta aula. Mas, o
que importa nesta aula, e que seve de ponte para a seguinte é que as
propriedades implicam três perguntas. Os escolásticos tinham o belíssimo
hábito mnemônico de a cada questão eles davam uma fórmula mnemônica. No
caso dessas três perguntas relativas às propriedades, trata-se de três
perguntas segundo essa forma mnemônica dos escolásticos. A primeira é a
questão Quid. A segunda é a questão Quia. E a terceira é a questão propter
quid.
Pois bem, a pergunta Quid deriva do mesmo Quid sit que já vimos. Lembremos
que os acidentes não têm essência em concreto, só em abstrato, e que em
concreto o que eles são não pode não ser senão na substância. Com respeito
aos acidentes de maneira concreta, temos de dizer não só o que são, em que
são. Mas, em abstrato, vimos que podemos definir suas quididades. A questão
‘Quid sit este acidente?’ visa dar esta resposta. A sociabilidade, por exemplo, é
uma propriedade do homem, enquanto a domesticabilidade é uma propriedade
do cão; parece que se trata da mesma coisa, porque tanto uma quanto outra
implicam certa amizade. Mas, a pegunta ‘Quid est a sociabilidade do homem?’
e ‘Quid est a domesticabilidade canina?’ visa exatamente a mostrar a essência
em abstrato do que é tal sociabilidade, tal domesticabilidade, e a diferença
entre elas; sempre ressalvando que não basta em concreto dizer o que é a
sociabilidade, senão que é preciso acrescentar que a sociabilidade se dá no
homem.
Mas, uma vez mais, não se detém a curiosidade do filósofo, porque dizer o que
é a sociabilidade (sempre em abstrato) e depois confirmar que a sociabilidade
pertence, de fato, ao homem, ainda não responde a todas as questões relativas
às propriedades; porque, com efeito, falta saber por que a sociabilidade
pertence ao homem. É a terceira questão, ‘Propter quid’ (partícula da pergunta
Propter qudi ita est, Por que é assim). Por que a sociabilidade pertence ao
homem? Por que a domesticabilidade pertence ao animal? Esta é a terceira
pergunta relativa às propriedades. Estas são questões científicas, filosóficas.
Insista-se que não é científico perguntar, por exemplo, se hoje chove, basta
sair à rua para sensivelmente saber se hoje chove ou se hoje não chove. Logo,
a pergunta ‘Hoje chove?’ não é uma pergunta científica. Mas se eu pergunto se
em todos os dias iguais a este em que chove, chove é porque encontrei uma
propriedade; este conjunto de dias em que sempre chove, de modo que se não
chova acharei que algo está errado; esta propriedade chover é de uma espécie
de dias. Esta já é uma pergunta científica. Não é uma pergunta científica
questionar se hoje chove, mas é uma pergunta científica, respeitante às
propriedades, se em determinados dias iguais chove ou não chove sempre.
Tudo isso nos remete a um dos pontos mais árduos da filosofia, ou melhor,
antes que tudo isso, a pergunta ‘Quid sit este ou aquele acidente’ nos remete a
algo muito árduo na filosofia. Trataremos disso muito detidamente nas
Categorias, quando tratarmos o livro As Categorias de Aristóteles. Mas,
vejamos se definimos o que é acidente. Não definimos. Tratamos do acidente
por exclusão. Tudo que não era aspecto essencial seria aspecto acidental.
Tudo quanto não seja substância, a partir da qual pode dividir-se até chegar-se
à definição de todas as substâncias, seria um acidente. Tudo quanto não fosse
aspectos essenciais ou quiditativos seriam aspectos acidentais. Mas isto não é
um aspecto definível; isso é por exclusão. Pois bem, mas podem achar-se,
segundo a pergunta ‘Quid sit’, o que são os acidentes. Marchemos lentamente.
Mas, insista-se, é possível a partir daí ascender ainda mais? Não. Se virmos
bem o que é a quantidade ou a qualidade das substâncias, veremos que são
aspectos, modos, acidentes da substância. Aspectos, porque são diferentes
ângulos pelos quais podemos ver aquela substância. Vemos que tal substância
tem certas qualidades, e isso é certo aspecto; vemos que tem certa
quantidade, e isto é outro aspecto. Não se trata de uma essência, mas de
aspectos, ângulos. São modos da substância? São, mas refere àquilo que é
modificado, ou seja, a própria substância. O modo remete àquilo que é
modificado. E acidente, que como vimos na devida aula, quer dizer aquilo que
cai na substância. Então, a única igualdade que tem a quantidade e a
qualidade é ser, dar-se, existir na substância. A quantidade e a qualidade não
têm entre si nenhuma semelhança essencial quanto ao que são; sua única
semelhança efetiva é quanto àquilo em que se dão, ou seja, a substância. Pois
bem, a quantidade e a qualidade são aspectos acidentais maximamente gerais;
não tem algo que esteja acima deles, assim como a substância está acima de
vivente e não vivente.
É então Aristóteles que alcança as dez categorias, que são modos, aspectos
da substância. Quais são as categorias? Dou-as na ordem de Aristóteles, que é
a ordem correta. A primeira das categorias é a própria substância. Em seguida
vem a quantidade. Depois vem a qualidade. Vejam, primeiro vem a substância,
que é o gênero supremo na ordem dos aspectos quiditativos; depois vem os
gêneros máximos dos acidentes. A quarta é a relação, por exemplo, a
sociabilidade. Depois vem a ubiquação. Muitos dizem que se trata do acidente
lugar; não é propriamente isso. Depois vem o acidente ‘quando’, que muitos
chamam tempo; na verdade, o melhor é chamá-lo ‘quando’. Em seguida vem o
situs, ou seja, a posição ou situação. Depois vem a posse ou habitus. Depois
vem, em penúltimo, a ação. E, por último, vem a paixão, que não deve
entender-se em sentido mau, muito menos em sentido de enamoramento,
coisa que só surge no final do classicismo e no início do romantismo. A paixão
é o sofrer, o padecer a ação de outrem.
Quem nos tem conduzido até aqui, ao modo de introdução, já é a lógica. Mas
será a lógica a que nos vai conduzir firmemente com facilidade, com ordem e
sem erro, entendamos os predicáveis, entendamos as categorias, entendamos
os juízos, entendamos os raciocínios. A questão Propter quid, que pegunta por
que esta propriedade social pertence de fato ao homem, é a terceira operação
do intelecto, ou raciocínio. Vejam, que desde o início falo de um estudo circular;
voltaremos às primeiras aulas para compreendê-las mais perfeitamente.
Hoje tratou-se de fazer uma ponte entre a aula passada, ou seja, entre a
primeira operação do intelecto e a aula seguinte em que se tratará a segunda
operação do intelecto. E tratou-se do relativo às propriedades. E por que isso?
Porque, como dito, o filósofo não descansa enquanto tiver perguntas a que se
deve responder para satisfazer a sua curiosidade com respeito à realidade.
Nós já descobrimos aqui que João, Maria e José são substância viventes
animais racionais, e que são racionais igualmente entre si, mas são sensíveis
junto com o conjunto dos animais; são viventes junto com o conjunto dos
animais e dos vegetais; e são substâncias com o conjunto das coisas que se
nos dão aos sentidos. Mas isto não é suficiente ao filósofo, porque o filósofo vê
que há coisas que sempre se dão nos homens, e que não são aspectos
essenciais do homem, são os acidentes próprios ou propriedades.
A questão Quid implica por sua vez a questão das categorias, porque, com
efeito, as propriedades estão dentro das categorias. O que são as categorias?
Aquilo que descobriu Aristóteles. São dez. A primeira delas é a substância;
dessa já estamos suficientemente familiarizados. As outras categorias são
também gêneros máximos. Assim como a substância é o gênero máximo entre
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Estamos tomados pela mão da lógica. A lógica nos conduz como a grande
pedagoga. Já desde os umbrais da filosofia somos levados pela mão pela
pedagoga lógica, porque sem ela não transpassaremos o umbral da filosofia.
Peço-lhes que tenham a paciência de deixar-se conduzir lentamente, às vezes
monotonamente, quase sempre repetitivamente pela lógica nesta altura. Se se
deixam conduzir pela mão pela lógica, pisarão muito seguramente já no campo
da ciência. A lógica nos está conduzindo nestes umbrais; nos conduzirá ao
cuidar-se de si mesma, e será propedêutica a todas disciplinas, sejam elas
ciências ou artes. É próprio do sábio ordenar, mas também é próprio dele ter a
devida paciência.