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Conselho Federal de Psicologia


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Site
www.pol.org.br
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação,
para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores.

1ª Edição
2009

Projeto Gráfico
Luana Melo

Diagramação
Luana Melo

Revisão
Bárbara de Castro e Joíra Coelho

Liberdade de Expressão - Agência e Assessoria de Comunicação


atendimento@liberdadedeexpressao.inf.br

Catalogação na publicação
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Conselho Federal de Psicologia


Envelhecimento e Subjetividade: desafios para uma cultura de
compromisso social / Conselho Federal de Psicologia, Brasília, DF, 2008.
196 p.

ISBN: 978-85-89208-10-9

1. Exclusão social 2. Envelhecimento 3. Subjetividade 4. Família 5.


Cidadania 6. Trabalho I. Título.
HN200
Organizadores
Acácia Aparecida Angeli dos Santos
Ana Luiza de Souza Castro
Maria Christina Barbosa Veras
Daniela da Cunha Lopes
Anita Liberalesso Neri
Delia Catullo de Goldfarb
Fernanda Wanderley Correia de Andrade
Isolda de Araújo Günther
Roberta Gurgel Azzi
Ruth Gelehrter da Costa Lopes

Integrantes
Beltrina Côrte
Vicente Faleiros
Maria Elizabeth Mori
Laura Mello Machado
Anita Liberalesso Neri
Helena Brandão Viana
Mônica Sanches Yassuda
Andrea Lopes
Caroline Stumpf Buaes
Hilma Tereza Tôrres Khoury
Juraci Moreira Souto
Regina Celia Gorodscy
Sérgio Leme da Silva

Envelhecimento e Subjetividade:
desafios para uma cultura de compromisso social
2009
Conselho Federal de Psicologia
Conselho Federal de Psicologia
XIV Plenário
Gestão 2008 - 2010

Diretoria
Humberto Cota Verona
Presidente
Ana Maria Pereira Lopes
Vice-Presidente
Clara Goldman Ribemboim
Secretária
André Isnard Leonardi
Tesoureiro

Conselheiros efetivos
Elisa Zaneratto Rosa Conselheiros suplentes
Secretária Região Sudeste Acácia Aparecida Angeli dos Santos
Maria Christina Barbosa Veras Andréa dos Santos Nascimento
Secretária Região Nordeste Anice Holanda Nunes Maia
Aparecida Rosângela Silveira
Deise Maria do Nascimento
Cynthia R. Corrêa Araújo Ciarallo
Secretária Região Sul
Henrique José Leal Ferreira Rodrigues
Iolete Ribeiro da Silva Jureuda Duarte Guerra
Secretária Região Norte Marcos Ratinecas
Maria da Graça Marchina Gonçalves
Alexandra Ayach Anache
Secretária Região Centro-Oeste

Psicólogos convidados
Aluízio Lopes de Brito
Roseli Goffman
Maria Luiza Moura Oliveira
Apresentação
O extraordinário fenômeno da longevidade e o aumento progressivo
da população idosa trouxeram desafios que convertem o envelhecimento
em tema urgente e dominante neste século XXI.
Durante todo o século passado foram chamados de visionários os que
ousaram dizer que seria possível envelhecer bem, cuidando dos laços
sociais e afetivos, além da saúde física e psíquica.
Cumprida a profecia da longevidade, a transição demográfica é hoje
um dos mais urgentes problemas mundiais, tornando-se tema para as
políticas públicas nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.
As demandas vindas do envelhecimento populacional transformaram-
se em exigências para todas as especialidades – até mesmo para os
pediatras. Interagir saberes e desenvolver competências para trabalhar
de modo interdisciplinar são requisitos mínimos para que os trabalhos
produzidos pelas diversas profissões ofereçam respostas eficazes para
uma vida digna para os idosos neste futuro próximo.
O Seminário Nacional de Envelhecimento e Subjetividade: desafios
para uma cultura de compromisso social, ocorrido nos dias 21 e 22 de
novembro de 2008 e previsto no planejamento estratégico do Conselho
Federal de Psicologia, foi aberto à participação dos diversos profissionais
interessados no tema do envelhecimento e teve como objetivos: 1) trazer
para o interior da Psicologia um debate amplo e transversal, abordando a
subjetividade da pessoa idosa; 2) identificar psicólogos e psicólogas que
atuem profissionalmente com pessoas idosas; 3) reafirmar a Psicologia do
Compromisso Social, colocando-a acessível aos idosos e a seus familiares.
O seminário trouxe ilustres participações, como a do ministro Paulo
Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos; a do presidente
do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, José Luiz Telles, que
representou também o Ministério da Saúde; Valéria Gonelli, do Ministério
do Desenvolvimento Social, além dos pesquisadores Vicente Faleiros, Anita
Neri, Beltrina Côrte, Maria Elizabeth Mori, Helena Brandão e Mônica
Yassuda e os incansáveis atuantes Hilma Tôrres, Andrea Lopes, Caroline
Buaes, Juraci Souto, Laura Mello Machado, Regina Celia e Sérgio Leme.
Pelo Conselho Federal de Psicologia, destacamos a participação das
conselheiras Christina B. Veras e Acácia Angeli Santos, responsáveis
pelo tema envelhecimento e pela realização deste seminário, além
da conselheira Clara Goldman, que representou a Diretoria durante a
abertura dos trabalhos.
Os trabalhos inscritos trouxeram questões diversas, que enriqueceram
o evento. Destacaram-se os temas memória e inclusão digital, além de
projetos e planos de aposentadoria.
Como produto do evento, tivemos a construção de uma rede de
contatos para fortalecer as articulações voltadas em áreas como as
políticas públicas e a fiscalização das Instituições de Longa Permanência
para Idosos, por exemplo. A organização do seminário propôs a redação
da Carta de Brasília, que, no momento da publicação deste livro, está em
debate e, quando finalizada, estará disponível na página do Conselho
Federal de Psicologia na internet (www.pol.org.br).
A Psicologia brasileira incluiu também esse tema em suas metas, após
constatar o recorrente uso das palavras “idosos” e “envelhecimento” na
mídia, nos discursos, nas agendas e em inúmeras listas de prioridades.
As demandas decorrentes dessa transição demográfica não apresentam
efetivos resultados – os instrumentos legais não conseguem ser de fato
implementados, as políticas são desenvolvidas de forma tímida e as soluções
lentas e insuficientes para o tamanho e a complexidade de questões graves
como desigualdade, analfabetismo, exclusão e baixa autoestima.
Reconhecemos, durante este Seminário Nacional de Envelhecimento
e Subjetividade, que as questões aqui colocadas nos dizem respeito e
que aguardam tratamento, soluções e respostas.
Assim, o Conselho Federal de Psicologia reconhece que este é um
momento importante para, junto com importantes parceiros, como o
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e a Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), fortalecer esta luta pela erradicação do desespero
e pela promoção do bem-estar, do acolhimento, da segurança e pelo
protagonismo social das pessoas idosas.
Agradecemos a todos os que colaboraram para viabilizar a realização do
seminário. Esta publicação oportuna – resultado do seminário – possibilitará
o acesso às informações a todos que não puderam comparecer, para que
possam se apropriar do conteúdo dos temas apresentados.

XIV Plenário do Conselho Federal de Psicologia


Sumário

Abertura........................................................................................................ 15
Clara Goldman......................................................................................................................... 17
Valéria Maria de Massarani Gonelli.................................................................................... 25
José Luiz Telles......................................................................................................................... 29
Maria Christina Barbosa Veras............................................................................................. 33
Paulo Vannuchi......................................................................................................................... 35

Mesa I
O direito humano ao envelhecimento
e o impacto nas políticas públicas...........................................................51
Beltrina Côrte ......................................................................................................................... 53
Laura Mello Machado ........................................................................................................... 63
Maria Elizabeth Mori ............................................................................................................ 79
Vicente Faleiros .......................................................................................................................91

Mesa II
Saúde e envelhecimento: prevenção e promoção .............................101
Anita Liberalesso Neri ........................................................................................................ 103
Helena Brandão Viana ..........................................................................................................111
Mônica Sanches Yassuda ....................................................................................................119

Mesa III
Compartilhando experiências ............................................................... 131
Andrea Lopes ........................................................................................................................133
Caroline Stumpf Buaes . .....................................................................................................143
Hilma Tereza Tôrres Khoury ...............................................................................................163
Juraci Moreira Souto ..........................................................................................................175
Regina Celia Gorodscy ........................................................................................................ 181
Sérgio Leme da Silva ...........................................................................................................185
Envelhecimento e Subjetividade:
desafios para uma cultura de
compromisso social

15
Envelhecimento e Subjetividade:
desafios para uma cultura de compromisso social

Abertura

Clara Goldman1

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) sente-se honrado com a


presença de todos e de todas e, mais uma vez, ao lado de psicólogos e
psicólogas deste país, acolhe o desafio de prosseguir na luta por uma
psicologia atenta e debruçada sobre as urgências da sociedade brasileira.
Reiteramos também o propósito de defesa radical e intransigente dos
direitos humanos, na constituição de sujeitos autônomos, no acesso ao
trabalho, à terra, ao teto, aos bens produtivos, à saúde, à educação e,
sobretudo, na defesa do direito a viver em democracia.
Neste ano em que comemoramos 60 anos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, 20 anos da Constituição Cidadã – e, para nós,
psicólogos e psicólogas – 10 anos da Comissão de Direitos Humanos
no Conselho Federal de Psicologia, celebrar é reafirmar o compromisso
com os direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no
valor da pessoa, na igualdade entre homens e mulheres, na busca das
condições sob as quais a paz, a justiça e o respeito possam ser mantidos,
independentemente de qualquer situação, na responsabilidade de todos,
principalmente do Estado, de promover o progresso econômico e social,
bem como as adequadas condições de vida.
Ao longo dos últimos 15 anos, avançamos no reposicionamento
de um modelo de psicologia que vem se distanciando das práticas
tradicionalmente elitizadas e passa a responder às necessidades do
nosso povo. Esse novo modelo, expresso na psicologia do compromisso

1. Conselheira secretária do Conselho Federal de Psicologia.

17
social, possibilitou o desenvolvimento de áreas pouco instituídas, a
presença mais efetiva nas políticas públicas e um reconhecimento
social ampliado. Fez que assumíssemos como nossa, ao lado de tantos
outros companheiros, a missão de protagonizar e partilhar a garantia da
qualidade e a pertinência dessas políticas.
A esse novo modelo da psicologia fica, portanto, definitivamente
associada a necessidade de empreender novas formulações e construções,
sustentáveis politicamente, que se traduzem em referências concretas
para uma atuação e uma prática qualificadas. Hoje, nos debruçamos
sobre a temática do envelhecimento com olhares em várias direções. A
necessidade de efetivar políticas que protejam e assegurem os direitos
da pessoa idosa, de dar visibilidade e ouvir a voz de cerca de 17 milhões
de brasileiros e brasileiras que estão acima de 60 anos e já se constituem
10% da nossa população. De lidar com a questão de forma articulada
com os demais saberes, de fortalecer os laços sociais em torno da pessoa
idosa que se encontra, muitas vezes, em situação de abandono, de
negligência e de violência.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos se preocupou com os
direitos humanos dos idosos, ao estabelecer em seu art. 25 que:

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de


assegurar a si e à sua família bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais
indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego,
doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência fora de seu controle.

A Declaração Universal deu expressão concreta aos direitos humanos e


serviu de base à ação internacional de salvaguarda dos Direitos Humanos.
Com o passar do tempo, seu caráter proclamatório inicial adquire caráter
de expressão de direitos universais, servindo de base a Constituições –
como é o caso da brasileira, que incorpora todos os direitos humanos, e
outros que venham a surgir – e também a leis nacionais – e merecendo
referências na jurisprudência dos tribunais e nos programas de governo,

18
como é o caso de inúmeros julgados de nossas cortes e do Programa
Nacional de Direitos Humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem o mérito de colocar
em caráter definitivo o tema dos direitos humanos no rol dos grandes
temas nacionais e de dar início ao desenvolvimento do chamado direito
dos direitos humanos.
O Estatuto do Idoso, em perfeita harmonia com os princípios da
declaração, estabeleceu linhas de ação para a política de atendimento
à pessoa idosa, assinalando, no art. 8º, que “o envelhecimento é um
direito personalíssimo e a sua proteção um direito social” e, no art. 9º,
afirmando que:

É obrigação de o Estado garantir à pessoa idosa a proteção


à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais
públicas que permitam seu envelhecimento saudável e em
condições de dignidade.

Nesse sentido, a inserção da psicologia nas políticas públicas para a


pessoa idosa é um grande desafio que se coloca neste momento, pois o
tema do envelhecimento da população brasileira não pode ser deixado
para segundo plano. Os instrumentos legais precisam ser efetivamente
implementados, as políticas não podem ser desenvolvidas de forma
tímida e as soluções precisam ser rápidas e suficientes para o tamanho e
a complexidade das questões relativas ao envelhecimento populacional
acelerado, desigual e, quase sempre, estigmatizado.
Nesse sentido, o envelhecimento demográfico e o aumento da
longevidade no Brasil carecem da atenção dos profissionais da psicologia,
uma vez que as pessoas e as autoridades nutrem importantes expectativas
de compromisso com a qualidade de vida e com o cuidado da vida. Diante
disso, a questão da pessoa idosa tem sido apontada como um dos temas
prioritários pelo Sistema Conselhos de Psicologia, que compreende os 17
Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Psicologia.
Entre as deliberações do 6º Congresso Nacional de Psicologia, realizado
em 2007, quando foram definidas diretrizes para o Sistema Conselhos

19
com relação à questão do envelhecimento no Brasil, está a construção de
referências para o psicólogo no atendimento ao idoso, na perspectiva de
uma política de inclusão social e de atenção integral à saúde do idoso.
Além disso, o congresso propôs realizar debates e ações sobre o
Estatuto de Idoso, bem como sobre a atuação do psicólogo nas políticas
públicas para esse segmento, apoiando a implementação de políticas que
respeitem o Estatuto do Idoso. E propôs fomentar a criação de grupos
de trabalho sobre idosos, sobre o estatuto, sobre políticas públicas e
assistências aos cuidadores.
Entre as diversas ações que estão sendo desenvolvidas pelo Sistema
Conselho, destacam-se:

- a realização do prêmio monográfico Brasil, Nação que


envelhece: o lugar do idoso na sociedade, os desafios para a
psicologia, promovido pelo CFP em 2007;
- a inspeção nacional nas instituições de longa permanência para
idosos, organizada pela Comissão dos Direitos Humanos no CFP em
parceria com a OAB, tendo sido visitadas 23 instituições, públicas e
privadas, em 12 unidades da federação. Como fruto dessas vistorias
foi publicado um relatório que aponta os problemas encontrados
nessas instituições;
- apresentações de mesas no 2º Congresso da União Latino-
Americana de Psicologia e no 2º Congresso Ibero-Americano de
Psicogerontologia, com a exposição do tema do envelhecimento;
- a participação no Conselho Nacional dos Direitos do Idoso,
da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, inicialmente
como observador, mas agora como membro titular do Conselho
Nacional, eleito para o mandato de 2008 a 2010. A conselheira do
CFP Christina Veras é nossa representante e está aqui presente.

Temos aqui, portanto, uma exigência, em termos de reflexão e


compromisso, que agora se fortalece nas entidades da psicologia
brasileira, ao proporcionar neste evento reflexão ampla e transversal
sobre essa problemática, abordando temas como políticas públicas,

20
Estatuto do Idoso, experiências de projetos com idosos, subjetividades
e, assim, constituir este espaço de diálogo e debate sobre os desafios da
psicologia diante da questão do envelhecimento.
Podemos perceber que todos querem viver mais, mas ninguém quer
ser velho. Entretanto, nem sempre isso tem um significado positivo, afinal,
conseguir viver mais não é sinônimo de viver melhor. A vivência primeira
da velhice se dá no corpo, o corpo por si só não se revela como atributo da
velhice, mas uma vez que ela, como estigma, se instala no corpo e passa a
inquietar o idoso, onde se expressa o sentimento de um corpo imperfeito,
em declínio, enfraquecido, enrugado, extrapola a visão do corpo, ampliando
para a personalidade, o papel social, econômico e cultural do idoso.
Há, no estabelecimento dessa correlação, uma imediatidade de
características que são do corpo e vão para outras esferas, psíquica,
social, política e econômica da vida. O envelhecimento evidencia uma
concepção de subjetividade fundamentada na identidade individual,
social, psíquica e de gênero, apresenta-se como dinâmica ou como
histórica, apoiando seu dinamismo e retirando sua marca, seu símbolo,
de uma história passada, nesse momento de trazer o símbolo para o
presente. Assim, viver o presente implica repor, reproduzir o passado,
entrar no campo da produção que se realiza com o desejo. A noção de
subjetividade apoia-se nas ideias de invenção, de produção, de novas
situações vividas pelo desempenho, tanto individual quanto grupal dos
idosos, de suas decisões cotidianas.
Em 14 de outubro de 2008 foi publicado um novo decreto, que
convoca a 2ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa:

Fica convocada a 2ª Conferência Nacional dos Direitos da


Pessoa Idosa a se realizar no período de 18 a 20 de março
em Brasília, sob os auspícios da Secretaria Especial de Direitos
Humanos, da Presidência da República, com o objetivo de avaliar
o desenvolvimento das estratégias de constituição da rede
nacional de proteção e defesa da pessoa idosa, identificando
os avanços e desafios do processo de implementação das
políticas destinadas a realizar os direitos da pessoa idosa.

21
Entendemos que a realização da conferência, cujo norte é traçar
balizamento para as políticas do campo, não faz sentido se o tema não
ganhar as ruas, não se incorporar às preocupações da sociedade, ou não
gerar múltiplos debates entre muitos parceiros, na direção de promover o
envelhecimento bem-sucedido e satisfatório. O CFP e os Conselhos regionais
estarão devidamente mobilizados para contribuir com este debate.
O Seminário Nacional de Envelhecimento e Subjetividade, desafios
para uma cultura de compromisso social pretende focar a questão
do envelhecimento trazendo aspectos da saúde e da subjetividade e
oportunizar o encontro com temas diversificados e com profissionais
atuantes na área, que podem referendar o aspecto “envelhecimento”
com uma ótica além da espectadora. Pretende, também, chamar a
atenção dos profissionais da psicologia, estudantes, acadêmicos, gestores
e interessados no tema para a seriedade e a gravidade da inércia que há
diante do envelhecer.
Convida ainda à reflexão sobre como podemos ser melhores com o passar
do tempo, envoltos em políticas públicas efetivas e bem implementadas,
que possam garantir bem-estar, segurança e qualidade de vida.
Por fim, à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, representada na
pessoa do excelentíssimo senhor ministro Paulo Vannuchi, manifestamos
nosso agradecimento pelo apoio e pelo empenho na viabilização das
condições necessárias para a participação da professora Tereza Orosa,
da Universidade de Havana, Cuba, que, infelizmente, em virtude de
embaraços diplomáticos, não pôde chegar a tempo. Principalmente, o
nosso reconhecimento pelo trabalho realizado em prol da população
idosa, especialmente da atenção às situações de violência e de maus-
tratos praticados contra elas e pela condução democrática à frente da
secretaria, particularmente pela postura ética e coerente na luta pela
efetivação dos direitos humanos no Brasil.
Aos amigos e companheiros da Diretoria do CFP e da Associação
Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), especialmente aos integrantes
do Grupo de Trabalho (GT) sobre o Envelhecimento, coordenado pelas
nossas conselheiras Christina Veras e Acácia Santos; a Ana Luiza de Souza
Castro, coordenadora da Comissão Nacional de Direitos Humanos –

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CFP; Roberta Azzi, presidente da Abep; Daniela Lopes, diretora da Abep;
Anita Neri, Ruth Lopes, Isolda Günther, Fernanda Vanderley Andrade e
Delia Goldfarb.
Recentemente, em 17 de outubro de 2008, promoveram o debate on
line preparatório para o seminário nacional que, com participação de
universidades de todo o país, debateu as políticas públicas para os idosos,
o Estatuto do Idoso, o fenômeno do envelhecimento e os desafios para a
formação. A todos os funcionários do CFP agradecemos o empenho e a
dedicação na organização do evento. Ao GT agradecemos o empenho, o
carinho e a competência com que tem cuidado do tema. Aos participantes
deste seminário que sejam bem-vindos e bom trabalho a todos e a todas
nestes dois dias de intensos debates, agradecendo igualmente a todos
os palestrantes. Debates esses que desejamos possam ser desafiadores,
instigantes e propulsores de construções humanizadoras.

23
Valéria Maria de Massarani Gonelli2

Gostaria de parabenizar a iniciativa do Conselho Federal de Psicologia


por realizar este debate, de estar preocupado também com esse cenário
positivo. Acho que também nós temos de pensar isso como uma boa
notícia. Apesar do entender o envelhecimento como um problema, pensar
como uma possibilidade importante para o nosso país esse aumento, a
cada década, da capacidade da meta de vida.
Acho que isso nós precisamos também pensar do ponto de vista
dessa potencialidade e, olhar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), que saíram em setembro de 2007: esse é o cenário que mais se
projeta para as políticas públicas, é o desafio colocado.
Um olhar mais detalhado na PNAD de 2007 demonstra de fato a
direção da preocupação imediata das políticas públicas brasileiras, que
vêm contribuindo de forma bastante positiva na perspectiva de contribuir
para um envelhecimento mais saudável. Podemos pegar, nos últimos
dados do próprio IBGE e da própria PNAD, o sentido do aumento da
renda da população idosa, do aumento de certa qualidade de vida para
as populações mais pobres no nosso país, com estratégia principalmente
desenvolvida na combinação de ampliação de benefícios e de renda
para a população – muito potencializada pelo benefício de prestação
continuada, pelo programa Bolsa Família –, que nós temos essa condição
de contribuição nessa capacidade de ampliação de renda.
Em que pesem essas reduções de desemprego, em que pesem os
esforços todos empenhados por todas as políticas desenvolvidas nos
últimos tempos pelo governo brasileiro, em parceria com os governos
estaduais e com os governos municipais, nós ainda temos grandes
desafios, principalmente em relação à população idosa no país.
Convivemos com problemas bastante complexos, principalmente que
diz respeito à lógica do protagonismo de vencer preconceitos, à lógica

2. Diretora do Departamento de Proteção Especial e titular do Conselho Nacional dos Direitos do


Idoso da Secretaria Nacional de Assistência Social.

25
de potencializar essa população para o envelhecimento saudável e para
ser, de fato, não um problema, mas uma grande potência, no sentido de
contribuição com sua experiência de vida, com sua história, com sua
maturidade. Acho que esses são grandes enfrentamentos.
Temos problemas no campo da política de assistência social, em que
nós temos dois grandes focos. Trabalhamos com duas grandes unidades
de referência espalhadas por todo o país, o centro de referência de
assistência social e o centro de referência também especializado, onde
buscamos contribuir na perspectiva de construção desse protagonismo,
do ponto de vista mais preventivo e também numa perspectiva de encarar
um fenômeno atual fortemente presente, que é o da violência contra as
pessoas idosas.
Temos trabalhado, tentado contribuir para a potencialização dos
centros de referência especializados de assistência social para que esses
centros possibilitem a atenção às pessoas idosas que estão passando por
situação de violência, dentro de casa ou na rua; e situações também de
constrangimentos, de preconceitos, de violações de direitos.
Nessa perspectiva, queremos agradecer e parabenizar, na fala da
professora Clara, esse esforço da psicologia, dos Conselhos, na perspectiva
de popularizar mais a psicologia. É um esforço também aberto pela
política pública.
Costumo dizer que a política de assistência social tem contribuído
nessa direção, ao colocar nas nossas normas o profissional de psicologia
como fundamental para o desenvolvimento dessa política, juntamente
com o profissional do serviço social – uma exigência que temos feito é
que, em cada Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do Brasil e
em cada Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas)
do Brasil, tenha, pelo menos, um profissional de psicologia e, pelo menos,
um profissional do serviço social na construção dessa política. Nós temos
contribuído, embora ainda com graves problemas na efetivação desse
profissional, pelos problemas trabalhistas que enfrentamos, com uma
série de questões.
Estou vendo as pessoas balançarem a cabeça. São sérios problemas:
é uma política recente, ainda estamos disputando um pedaço efetivo

26
de recursos, para que essa política pública se efetive e, de fato, sabemos
que a efetivação de qualquer política pública se dá por meio de seus
trabalhadores, da efetivação de seus trabalhadores. O maior exemplo que
nós temos disso é um Sistema Único de Saúde implantado aqui no país
e, nesse sentido, também contamos muito com o conjunto CFP, CRPs
do Brasil, no sentido de trabalhar essas proposições, da efetivação da
política pública da assistência social.
Não sei se vocês já se debruçaram também no PL 3077, que está
tramitando no Congresso e que, de fato, constrói essas alterações
na Lei Orgânica da Assistência Social para que essa política tenha
financiamento mais concreto, mais efetivo e eficiente. Também quero
parabenizar e agradecer todas as contribuições e o fato de sempre poder
contar com o CFP, com os Conselhos Regionais e com essa categoria
de profissionais para a efetivação de toda essa rede de proteção social
pública que vem sendo implantada no país, sob a direção do Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Como gostaria também
de agradecer o convite que foi feito ao ministro, que está aqui, trazendo
o abraço do ministro Patrus Ananias, que me incumbiu de vir aqui para
fazer essa saudação na abertura do evento.

27
José Luiz Telles3

Este é um ano especial, é um ano que nós comemoramos 60 anos


de Declaração de Direitos Humanos, em um mundo extremamente
conturbado, mas também em um mundo em que se tem buscado muito
a organização social na luta pela garantia dos direitos fundamentais da
pessoa humana.
Neste ano também no Brasil nós comemoramos 20 anos de
Constituição Cidadã. Essa Constituição, pela primeira vez, coloca a
saúde como direito de todos os cidadãos e cidadãs brasileiros. São
20 anos de Sistema Único de Saúde. Eu gostaria de destacar pelo
menos dois avanços que me parecem extremamente significativos no
processo de produção da vida em sociedade e dos processos dinâmicos
de saúde e doença.
O primeiro é o modelo, que nós estamos transformando de um
modelo voltado para a doença para um modelo voltado para a saúde
na comunidade para uma estratégia saúde na família. É, sem dúvida
nenhuma, uma das principais ações que o Ministério da Saúde, junto
com as secretarias estaduais e municipais, vem implementando, desde
1994, e na área específica da atenção à população idosa. Isso tem um
significado especial.
Hoje nós temos cerca de 13 milhões de pessoas idosas cadastradas
nessa estratégia, significa dizer que pelo menos uma vez por mês
recebem a visita de um agente comunitário de saúde. Nós assumimos a
qualificação dessa rede de atenção básica na área do envelhecimento e
da saúde da pessoa idosa como uma prioridade do ministério e assim foi
em 2006, quando se assinou o pacto pela vida.
Ao mesmo tempo, em 2008, na comemoração dos 20 anos do SUS,
o ministro José Gomes Temporão assinou uma portaria dos núcleos
de apoio à saúde da família. Esses núcleos abrem perspectivas de
incorporação de outras categorias profissionais, inclusive a categoria da
psicologia. Esses núcleos reforçam o trabalho que hoje se faz na ponta,

3. Presidente do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso e representante do Ministério da Saúde.

29
da equipe da saúde da família, e fortalecem ainda mais esse modelo
que nós estamos deslocando, de uma assistência hospitalar para uma
assistência comunitária, uma atenção comunitária.
O segundo destaque, um avanço significativo e que tem a ver com tudo
que nós conseguimos colocar dentro dessa Constituição que é colocada
como Constituição Cidadã e que tem a ver com esta comemoração dos
60 anos da Declaração dos Direitos Humanos, é a participação popular,
o controle social instituído no Sistema Único de Saúde por meio dos
Conselhos de Saúde Estaduais, Municipais e do Conselho Nacional
de Saúde. Essa é uma questão-chave nesse processo de cidadania, de
construção de cidadania neste país. A participação das pessoas no
processo de produção de políticas públicas, no controle da execução
dessas políticas públicas e o acompanhamento constante e sistemático,
fazendo que todas as pessoas nas suas comunidades possam interagir
com seus governantes e propor novos rumos, novas perspectivas.
E é nessa perspectiva que, agora, assumindo essa dupla militância
de profissional do Ministério da Saúde, na presidência do Conselho
Nacional de Direitos do Idoso, queremos trazer a marca do trabalho
do Conselho. Se tem uma palavra que deveremos colocar, e já foi
posta aqui por algumas das pessoas da mesa, é o protagonismo: o
familiar, o protagonismo comunitário, o protagonismo político, das
pessoas idosas, da nossa população idosa. E aí o Conselho Nacional dos
Direitos do Idoso tem um papel importante, fundamental, de fortalecer
as instâncias estaduais, fomentar que os Conselhos Estaduais de
Direitos avancem nos municípios, formando Conselhos Municipais. Que
esses conselhos interajam com outros conselhos, com Conselhos de
Saúde, com as pessoas com deficiência, com o Conselho Nacional de
Assistência Social. Nós fortalecemos cada vez mais o movimento social
nessa direção de participação das políticas públicas, e para quê? No
caso da velhice, no caso da população idosa, tem uma palavra chave:
emancipação. E, mancipação das amarras do preconceito, emancipação
das amarras das iniquidades sociais, fazer que esse protagonismo
efetivamente se configure numa nova construção de relações sociais
mais solidárias e mais justas.

30
Portanto, boas-vindas a todos, que este seminário sobre subjetividade
avance nessa perspectiva de construção de outro olhar sobre a velhice,
para empoderar cada vez mais essa população que ainda é subjugada
por um preconceito difuso por toda a nossa sociedade.

31
Maria Christina Barbosa Veras4

Tenho muita satisfação de estar aqui, falando em nome do Grupo de


Trabalho constituído pelo Conselho Federal de Psicologia. A realização deste
primeiro Seminário Nacional sobre Envelhecimento e Subjetividade: desafios
para uma cultura de compromisso social teve seu primeiro rascunho esboçado
na gestão do XIII Plenário. Minhas palavras aqui serão breves, porque compõem
um curto discurso de boas-vindas e a contextualização das nossas ações.
O acelerado envelhecimento brasileiro e as demandas decorrentes
da longevidade populacional produziram exigências para todas as
especialidades profissionais e, nesse contexto, um trabalho permanente foi
realizado durante o ano de 2007 com a temática do envelhecimento.
Brasil, uma Nação que Envelhece – O Lugar do Idoso na Sociedade
e os Desafios para a Psicologia – foi o título escolhido para o Prêmio
Monográfico CFP-2007. Nessa ocasião, foi constituído um Grupo de
Trabalho por colegas psicólogas da academia e do campo prático de
diversas instituições, que nos apoiariam no tratamento das questões
relativas às pessoas idosas e às possibilidades de intervenção da Psicologia
nessa complexa etapa do desenvolvimento humano, que merece ser
apreendida em suas tendências e múltiplas dimensões.
Em setembro, 24 Instituições de Longa Permanência para Idosos
(ILPIs), distribuídas em 11 estados da federação, foram inspecionadas
pelo CFP em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o
objetivo de avaliar, por amostragem, as condições concretas a que estão
submetidos os nossos idosos.
Nos últimos três meses de 2007, com o título Envelhecimento, Dimensão
Subjetiva e Exclusão, o Conselho Federal de Psicologia levou o debate a
outros países da América Latina – primeiro à Havana (Cuba), por ocasião
do Congresso da ULAPSI e, depois, a Montevidéu, no Uruguai, no Congresso

4. Conselheira do XIV Plenário do Conselho Federal de Psicologia, é psicóloga especialista em


Psicologia Clínica e Psicologia Hospitalar, pós-graduada em Administração dos Serviços de Saúde.
Na área de ensino, acumulou experiência docente em faculdades de Psicologia de Pernambuco.
Atuou como coordenadora municipal de Saúde Mental nos municípios de Camaragibe e de Brejo
da Madre de Deus (em Pernambuco). Representa o CFP no Conselho Nacional de Direitos do
Idoso (CNDI), e coordena o Grupo de Trabalho do CFP sobre Envelhecimento.

33
Iberoamericano de Psicogerontologia. Nossa proposição nestes dois debates
teve a adesão de outros cinco países: Cuba, Chile, Bolívia, Uruguai e México.
Em 2008, com o apoio do Grupo de Trabalho, da Comissão Nacional de
Direitos Humanos e da ABEP evoluímos no debate sobre o tema, realizamos
em outubro um debate online, acessível a outros países da América do Sul,
conquistamos novos parceiros e, por meio de eleição, um assento efetivo
no Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Idosa (CNDI).
O CNDI é um importante espaço legítimo para as intervenções da
Psicologia por melhores condições do envelhecimento no Brasil – condições
estas que envolvem questões polêmicas como seguridade, proteção em
relação a maus-tratos, garantia de direitos básicos como alimentação, saúde,
trabalho, transporte, habitação e modos de moradia (inclusive ILPIs).
Nesse sentido, é importante registrar a nossa surpresa com a descoberta
de tantas produções, tantos trabalhos que puderam estar aqui. Todos vocês
poderão constatar isso com a participação durante o seminário.
Finalizando, registro aqui a participação incansável da companheira
Acácia Santos, seguida de Roberta Azzi que, juntamente com Daniela
Lopes representam a ABEP no GT, também Ruth Lopes, Anita Neri, Delia
Goldfarb, que não pôde estar aqui hoje, Fernanda Andrade e Isolda
Günther. Com a formação do GT e o debate online que ocorreu agora
em outubro, demos início a um importante diálogo com pesquisadores,
profissionais da área e gestores públicos.
Quero sublinhar também aqui o compromisso ético e a vontade política do
XIV Plenário que, desde o início da gestão, marcou no planejamento estratégico
a opção de dar visibilidade às questões da subjetividade da pessoa idosa.
Quero agradecer, em nome desse grupo, o apoio expressivo também da
Secretaria Especial de Direitos Humanos, por meio do companheiro Perly
Cipriano, que acompanhou o nosso percurso até o Conselho Nacional
do Direito do Idoso – uma representação que nos compromete ainda
mais com as deliberações do Congresso Nacional da Psicologia e com o
compromisso do Sistema Conselhos como um todo, em nível nacional,
com a temática do envelhecimento.
Agradeço a todos e desejo, em nome do Grupo de Trabalho, que a
gente produza bons resultados.

34
Paulo Vannuchi5

É sempre uma alegria, Christina e Clara, estar presente nos eventos


do CFP, dos Conselhos Regionais, que constituem uma das poucas,
pouquíssimas redes que nós temos no Brasil inteiro, sentinelas em defesa
dos direitos humanos. Sempre que nos deparamos com esses casos de
violação, e eles acontecem cotidianamente, temos de nos dirigir a alguma
autoridade dos poderes públicos, mas muitas vezes é indispensável ter
uma presença fora do juiz, fora do promotor, do delegado, do prefeito e
realmente é muito importante contar com essa militância das psicólogas,
dos psicólogos, articulados nacionalmente e sempre dispostos a agir, a
cobrar e a denunciar.
Alegria também de estar aqui com a Valéria, companheira de tantas
jornadas e com o Telles. Nós somos aqui três ministérios, mas ele tem agora
um status duplo, ambivalente, porque também no Conselho dos Direitos
do Idoso, que ele preside, evidentemente passa a ter uma autonomia
também de sociedade civil, o que não é mau, porque um governo
democrático tem de ser composto de quadros que busquem pensar o
máximo possível em sintonia com o que pensa a sociedade civil, embora
cuidando de não confundir os papéis, porque infeliz o país em que a
sociedade civil e o Estado pensam igualzinho. Desaparece um dos grandes
dinamismos democráticos, que é o da cobrança, da exigência, da pressão
e o ciclo de alternância, tão desejável, saudável na democracia, que faz
determinada força política, por decisão do soberano voto popular, voltar
à sociedade civil. E quando esse soberano voto popular decidir de novo
voltar, que tenha o cuidado de construir políticas e de respeitar políticas
anteriores. E construir pensando em amplitude sempre, na capacidade de
sobreviver a essa saudável alternância de partidos no poder.
No meio do ano que vem nós já vamos estar em processo sucessório
mais uma vez, a lei agora não possibilita a reeleição do presidente
Lula, o processo é inteiramente aberto, daí a importância de tudo que
planejarmos, já planejarmos com essa perspectiva de longo prazo e não

5. Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

35
mais dentro do estrito período de um governo, de dois mandatos que
sejam. Então eu queria dizer que a minha presença aqui também vem
muito carregada de alegria, de prazer, porque tenho pessoalmente muito
interesse por estar nesses temas novos. E é um contrassenso falar em
tema novo do envelhecimento.
Evidentemente que nós temos já décadas de avanços e temos séculos,
milênios de reflexões sobre isso, mas novo no sentido de que ele é um
tema emergente. Falei com a imprensa há pouco. As perguntas geralmente
são assim: “Olha, como que nós vamos fazer com o envelhecimento?” E
já vem carregada de uma nuvem escura.
Não. Que bom, notícia boa: o mundo está envelhecendo, o Brasil está
envelhecendo, isso reflete avanços da ciência da saúde, da qualidade de
vida, da sociedade que foi construindo isso. Isso nos permite viver mais
10 anos, 20 e participar mais, e produzir mais em todos os sentidos. Os
dois temas deste seminário, envelhecimento e subjetividade, são temas
em que, de fato, qualquer pessoa aqui presente, domina melhor que eu
os dados, os conceitos.
O pouco que eu sei vem, primeiro, do fato de eu já estar chegando
muito perto da faixa de 60 anos e, aliás, noto que os passos vão ficando
cada vez mais rápidos nessa direção, ao contrário da lógica geral de
que os passos vão ficando um pouco mais morosos. Todo mundo sabe
quando lembra, como que o intervalo entre um Natal e o outro antes
demorava muito mais do que agora. Demorava uma eternidade e agora
não. Já chegou o Natal de novo.
Eu sei um pouco o que eu aprendi com a minha querida amiga
Raquel Vieira da Cunha, lá no final dos anos 70, em São Paulo, no Sedes
Sapientiae, onde eu trabalhava e ela também, e com seu forte sotaque
austríaco-alemão, além do pouco que ela e o grupo dela me ensinaram de
gerontologia, também partilhávamos as nossas conversas conspirativas
contra a ditadura militar, pois ela era uma pessoa muito engajada nesse
empenho da reconstrução democrática.
Um pouco do meu estudo na Ciência Política de Bobbio, que me fez
ler os seus dois livros dos 90 anos, repetindo Cícero e dialogando com
o que era velhice no tempo de Cícero e o que é para ele este momento.

36
Alguns grandes amigos que eu tenho hoje na faixa dos 90 anos, o mais
querido deles é Antônio Cândido, com quem gosto de conversar e consigo
conversar, às vezes algumas horas, sobre a velhice.
E sobre subjetividade todos nós temos muito interesse, território em
que a psicologia, os psicólogos, as psicólogas têm um imenso território,
total. Me é caro o tema geral da subjetividade, por ser um militante que
vem de uma formação marxista e que em Boaventura de Sousa Santos
e em outros encontra o reconhecimento, do final do século XX, de que
uma das grandes lacunas desse pensamento socialista está na ausência
de teorias da subjetividade.
Nosso colega Fernando Haddad, num dos seus livros também diz isso,
provavelmente resultante dele com nossa amiga comum Maria Rita Khel,
mas ele propõe que o marxismo, no final do século XX, que é o período do
livro, soubesse incorporar o aprendizado da psicanálise, da subjetividade
como um todo. A percepção como autoridade de governo que sou hoje,
que estou hoje, é de que as políticas públicas concebidas sem incorporar a
sensibilidade que emana da subjetividade tendem a ser políticas públicas
tolas, positivistas, engessadas, com alta chance de fracasso. Então eu
queria que essa minha participação aqui fosse um pouco de diálogo
sobre esse trabalho. Que as entidades aqui representadas, presentes,
gerontologia, geriatria, o GT, o trabalho do CFP, tudo isso, neste tema
do seminário e nos que virão como desdobramento, nos articulássemos
para uma aproximação sempre maior.
Além dos três ministérios aqui presentes, evidentemente nós temos de
trazer mais alguns, com certeza Previdência. Não deixemos a Previdência
virar o território da anteposição com o cálculo numérico, atuarial. E,
assim como estaremos abertos, com seriedade, com dignidade para abrir
a discussão, também, de que o corte 60 anos ou 65 não precisa ser
eterno. Se ele foi concebido num período, início do século XX, em que a
expectativa de vida no Brasil era de 38 anos, e nós já dobramos isso, não
há por que nos agarrarmos a uma ideia de que a idade, o momento, o
tempo é sempre isso.
E eu gosto de brincar, alguns já ouviram essa minha piada e não
vão achar graça ou alguns não vão gostar dela, porque eventualmente

37
podem achar politicamente incorreta, mas, nesta mudança que o avanço
da qualidade de vida leva ao planeta e ao Brasil, é bom lembrar que a
mulher de 30 de Balzac era a mulher vivida, que já tinha casado, amado,
tido filhos e começava a ter um olhar sobre a vida juntando o desejo, a
afirmação e o desencanto. Então, naquele período, a mulher da terceira
idade é a mulher de 30. Se eu, com os meus 58, fizer um gracejo com
uma mulher de 30, hoje, posso ser acusado de pedofilia, porque de fato
o que existe é um dinamismo da humanidade que leva a uma situação
em que vamos sentar aqui num seminário como este, com os colegas da
Previdência e dizer: “Olha, a vida não se resume a um cálculo atuarial,
que nós estamos dispostos a fazer, também”.
Os temas envelhecimento envolvem mais direito ao trabalho e
fiquem tranquilos em relação à Previdência, porque mais direito ao
trabalho também pode assegurar mais recolhimento de contribuição.
Há mecanismos na participação para equacionar essas dificuldades. Não
pode haver bloqueios sectários de lado nenhum.
O Itamaraty precisa estar presente, depois vou explicar por que. Mulher,
todo o recorte. E vários outros. Certamente, no Desenvolvimento Agrário,
há programas de cidadania que têm o recorte temático, racial, etário,
políticas de juventude, políticas de envelhecimento. E na caminhada
hoje de manhã cedo aqui, disciplinadamente acordei às 6h30 para dar
uma relida no material, no briefing que a Socorro me preparou; reler um
pouco a Declaração de Brasília, o Plano de Madrid.
Todos aqui sabem que a caminhada é internacional e que é
importante levar em conta, neste momento, quando formos pensar
em passos adiante, o empoderamento do tema, de um Seminário da
Subjetividade. Temos de partir para um seminário sobre qual tema, sobre
que tipo de cursos, que tipo de debates promover nos estados para
assegurar o que a Clara chamou de ganhar as ruas? Então eu queria
lembrar rapidamente de um primeiro, remoto pronunciamento da ONU
em 1971. A primeira Conferência Internacional sobre envelhecimento
foi em Viena, 1982. Para quem é dos direitos humanos, com militância,
Viena sediou dois eventos muito importantes, porque 11 anos depois
da primeira Conferência do Envelhecimento, aconteceu lá mesmo a

38
primeira Conferência Mundial dos Direitos Humanos, que balizou a
temática de avanços dos últimos 15 anos.
Celebramos 60 anos, conseguimos, estou feliz, porque em 2008 vejo o
debate na imprensa. O conjunto de seminários, de discussões, de cursos
sobre Direitos Humanos realmente aproveitou o aniversário redondo e
duplicou, triplicou. Eu tenho isso com indicadores muito concretos, com
meu clipping de imprensa diário, que já tem 3 anos, e quem tem lá,
em vermelho, “Direitos Humanos”. E eu comparo a média da imprensa
hoje com o que era há 3 anos. Nós realmente demos um salto que não
podemos deixar perder agora, com o fim do ciclo de celebrações do 60º
aniversário. Viena firmou na sua declaração – que teve uma participação
brasileira muito importante, o redator foi o embaixador Gilberto Saboya,
também meu antecessor no cargo, no período Fernando Henrique – as
ideias da indivisibilidade, da universalidade e da interdependência.
De 1948 em diante as Nações Unidas construíram instrumentos – o
nome genérico para convenções, declarações, protocolos – e dois grandes
pactos despontam na leitura desses instrumentos, ambos de 1966: o Pacto
dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. Os estudiosos gostam de chamar Primeira Geração e Segunda
Geração. Grosso modo, a Declaração Universal de 1948, sinteticamente,
no art. 1º, conseguiu formular – com a ajuda também de outro brasileiro,
Austregésilo de Ataíde, que lá estava –, repete as ideias de liberdade,
igualdade e fraternidade dos revolucionários franceses de 1789.
A ideia de fraternidade, podemos atualizar para o conceito de
solidariedade, porque dispensa a metáfora do laço de sangue, nós não
precisamos ser da mesma família, apenas a capacidade de sentir como
acontecendo em nós mesmos qualquer preconceito, discriminação,
violência, opressão que se abata sob qualquer ser humano do planeta.
Então, nesse tripé que foi incorporado nas duas linhas e meia do art. 1º
da Declaração de 1948, os direitos de liberdade geram um pacto em 1966.
Os direitos de igualdade, outro pacto, no mesmo ano, cada um aí com 20,
30 páginas. Ao contrário da declaração, em que a adesão dos países não
obriga compromissos, os pactos obrigam quem é signatário, e a adesão
é voluntária. Os países aderem se quiser, se obrigam a um procedimento

39
permanente de relatórios quinquenais, geralmente longos – 30, 50 páginas –,
prestando contas sobre o cumprimento de cada um deles.
No Pacto dos Direitos Civis e Políticos nós teremos os temas do direito
de pensamento, de liberdade religiosa, de participação popular, de voto.
Nós não tínhamos, de 20 anos para cá temos, a condenação da tortura e do
trabalho escravo. São relatórios em que o Brasil tem um reconhecimento,
crescimento na ONU, na OEA, nos fóruns internacionais, por ser dos
poucos países que lá dizemos no deny, país que não nega. O relatório que
apresentamos em Genebra, em abril deste ano, é o relatório periódico
universal, corrigindo a prática de 10, 20 anos em que a guerra fria levou à
seletividade, os Estados Unidos só queriam discutir direitos humanos na
China. Claro que os países asiáticos, africanos queriam discutir direitos
humanos no racismo norte-americano ou Guantánamo e Abu Ghraib
agora, então isso gera um impasse, porque direitos humanos não são o
território adequado para fazer essa litigância. São o território do diálogo,
do reconhecimento de que cada um de nós de alguma maneira está
movido por convicção de verdade. E estamos diante então de verdades
colidentes e precisamos achar um jeito de lidar com isso que não seja
a guerra, porque a guerra ao longo de milênios já demonstrou a sua
incapacidade para impor verdades a outros, ao outro.
Para superar a seletividade, o conselho introduziu agora o mecanismo
periódico universal e o Brasil apresentou, em abril, o primeiro grupo de
16 países sorteados. Terá de repetir isso agora a cada quatro anos. O
relatório foi considerado exemplo e a ONU está propondo que os países
leiam o relatório brasileiro antes de escrever o seu. Por quê? Porque a
gente recolheu, de cada um dos ministérios, as informações básicas
sobre cada uma das áreas e sempre apresentamos o bloco como políticas
que temos, os avanços que temos e os desafios ainda não equacionados.
Com franqueza, com sinceridade, nós fazemos o nosso discurso lá em 10
minutos e voltamos, sentamos para ouvir aí mais 10, 20, 30 discursos de
10 minutos cada um.
O saudita vai dizer que a Arábia Saudita é movida pelo Alcorão e os
direitos humanos e Alcorão são a mesma coisa e, portanto, a Arábia
Saudita respeita integralmente e plenamente os direitos humanos. E nós

40
sabemos que, pelo menos em regiões da Arábia Saudita, a mulher não
pode sair sozinha na rua. Em áreas e costumes seculares, milenares,
ainda se pratica amputação, excisão clitoriana para impedir o prazer
da mulher e eu percebo que aquele saudita tem de ser convencido por
algum mecanismo de diálogo, e não alguma determinação à qual ele vai
resistir, porque ele considera que aquela posição dele é guiada por Alá,
que Maomé formulou.
A busca dos direitos humanos deve ser a busca de um mecanismo
de pressão, de exigência, de cobrança que deixe a guerra como último
recurso – e isso está no preâmbulo da Declaração de 1948: unicamente
para realizar o direito, sagrado, milenar, de rebelião contra a tirania e a
opressão. Quando as tiranias e a opressão não são removíveis com toda
a insistência, então há, sim, o legítimo direito de defesa e esse direito
autoriza o francês, o italiano, a empunharem armas contra o ocupante
nazista, por exemplo, na guerra do holocausto que gerou o clima de
perplexidade fundador da Declaração de 1948.
Os tratados dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Segunda
Geração, eles vão caminhando no sentido de construir temas como este,
educação, saúde, moradia, participação cultural e depois os instrumentos,
o primeiro deles de combate ao racismo, depois mulher, depois criança,
criança é uma designação universal até 18 anos, no Brasil nós temos a
bipartição criança/adolescente, cortando nos 12 anos.
Depois outras convenções importantes, desaparecimento forçado
chega a primeira convenção do século XXI, tem diálogo com o nosso
tema, que é a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, porque
a sensibilidade é um tema que de cara junta os dois contextos, porque há
um problema da pessoa com deficiência física, ônibus, rampa, escada,
banheiros, etc., que é um tema também pertinente ao nosso debate.
E nessa caminhada o Brasil vem construindo, há muitos anos,
numa perspectiva que deve ser assim, que atravesse governos, que não
é um enfoque sectário, nós contra eles. Vamos deixar para nos dividir
em temas como política econômica, diplomacia, alinhamento com os
Estados Unidos ou independência diplomática, que seja, mas no tema
criança e adolescente, no tema direitos do idoso, no tema pessoas com

41
deficiência, no combate à homofobia, nós precisamos buscar o mais largo
campo de consenso, com ajustes que são permitidos pela autoridade
do voto popular, que estabelece novos governantes, mas dentro de um
compromisso que é de Estado. Estado é muito mais do que governo, e ele
é de Nação, que é muito mais do que Estado.
O Estado é um importante aparelho de poder, mas nós aqui
conhecemos as teorias atualizando o conceito de poder e Foucault e a
biopolítica e a ideia de que o poder também é uma relação micro, que se
estabelece dentro das nossas casas. Não é mais o palácio de inverno em
Petrogrado, que o dia em que eu assaltar e tomar, o mundo recomeça.
As relações de poder são realimentadas pela televisão e um aparelho
de televisão, uma rede, ela pode prevalecer amplamente ao longo de 20
anos de partidos adversários que se revezam no poder. Ela permanece
dialogando bem com cada governo e com a sua capacidade de produzir
coisas ruins e também coisas boas, porque não temos esta visão
apocalíptica de que tudo o que a televisão faz é errado ou é contrário
aos direitos humanos.
As novelas da Globo têm introduzido temas da pessoa com deficiência,
a menina com Down, a questão do alcoolismo, a questão dos direitos
do idoso. Elas têm introduzido temas atrás de temas que ajudam, sim,
a fazer um primeiro desbloqueio. Nesse contingente mais amplo das
pessoas que não estão na universidade, que não estão em associações
como os Conselhos de Psicologia e que se alimentam basicamente
daquela informação diária da novela, sempre mexe, sempre ajuda um
pouco nessa construção do espírito solidário.
O Programa Nacional dos Direitos Humanos do Brasil insere o
tema, mas insere com uma importância muito abaixo do que precisa
registrar hoje, e nós estamos em 2008, completando agora o processo
da 11ª Primeira Conferência Nacional dos Direitos Humanos, que, desta
vez, terá como agenda central atualização, revisão do Plano Nacional
de Direitos Humanos, cuja primeira edição foi em 1996 e a segunda
em 2002. Grosso modo, a primeira se centrou nos direitos de liberdade,
no Pacto dos Direitos Civis e Políticos. A segunda edição, nos direitos
econômicos, sociais e culturais.

42
Só que o primeiro exercício de atualização difícil será incorporar, por
exemplo, as 48 Conferências Nacionais realizadas de 2003 para cá, num
esforço que mobilizou diretamente pelo menos 4 milhões de pessoas.
Criança e adolescente é uma série histórica, realizou a 7ª. A Conferência
de Direitos Humanos é a 11ª, mas a grande maioria foi primeira, segunda
e terceira conferências, como as de saúde e meio ambiente, juventude,
igualdade racial, pessoas com deficiência, direitos do idoso.
Direitos do idoso: a primeira foi em 2006, realizamos agora o processo
estadual que está pronto, não tivemos condições internas, sobrecarga de
mudanças de equipe para processar. E a coincidência de ocorrer nos dias
em que estamos realizando no Rio um evento inédito que é a Primeira
Conferência Mundial de Combate à Exploração Sexual de Crianças com
3 mil pessoas, 1,5 mil visitantes de outros países, de 130 países, rainha
da Suécia, primeiras-damas, 40 ministros de outros países e que está
levando a nossa equipe Criança/Adolescente a passar uma semana já
sem dormir e sem fim de semana, para fazer esse esforço.
Temos, dia 1º de dezembro, a 2ª Conferência Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência. Temos, de 15 a 18, a 11ª Conferência dos Direitos
Humanos, ficamos completamente sem fôlego. E ainda havia a grave
possibilidade de o presidente Lula não comparecer na data prevista, e
consideramos que nesse sentido era melhor aguardar a renovação do
Conselho Nacional, agora com nova composição, nova presidência e
realizar em março o processo que já pode inclusive incorporar temas
como o desse seminário.
Então, sempre entendendo que o PNDH 3, que será o PNDH desse
período em que a democracia participativa deu um salto, o Estado se
convenceu historicamente de que todas as políticas públicas têm de
seguir o caminho mais demorado, que é o do diálogo, o da construção
eivada de tensões, de cobranças.
A Sociedade Civil não existe para dizer amém ao que o governo quer.
Muitas vezes nós, com a nossa cabeça de militantes, nos consideramos
injustiçados: “Puxa vida, acordei às 6 da manhã para ler o material, para
preparar minha fala e por que o pessoal cobra com tanta dureza?” Porque o
pessoal às vezes tem um discurso como se nós realizássemos o mesmo tipo

43
de empenho diante desses temas do que aquele feito pelos governantes de
20, 30 anos atrás, mas é da dinâmica das coisas que seja assim.
E eu termino dizendo que, nesse avanço nacional, o Brasil teve uma
participação muito importante quando decidiu sediar, a pedido da
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Madri+5.
Vinte anos depois de Viena, a 2ª Conferência Mundial do Envelhecimento
Madri-2002, no seu Plano de Ação propôs o prosseguimento de encontros
regionais. Em 1996 o Chile realizou o primeiro e, em Brasília, dezembro de
2007, Madri+5 lançou pela primeira vez a proposta que, à boca pequena
vinha sendo cozida, vinha sendo fermentada lentamente, de que não
é a hora de construir uma nova Convenção da ONU, a Convenção dos
Direitos do Idoso.
Me convidaram para estar, em 2 de outubro passado, Dia Internacional
dos Direitos do Idoso, na sede das Nações Unidas, como palestrante,
único representante de governo no mundo para uma conferência de
ONGs, especialmente uma ONG chamada Congo, que é Comitê do
Envelhecimento. E do nosso discurso em Brasília tiraram o convite para
que eu fosse como representante de um governo disposto a se declarar
formalmente a favor da construção de uma nova convenção. E eu
passei três meses hesitando se poderia ir ou não, querendo ir mas sem
autoridade para resolver uma decisão de governo, sobretudo esse tema,
que é da alçada do Itamaraty.
Nós procuramos evitar levar as questões para o presidente da
República porque ele não terá capacidade de arbitrar dezenas de disputas
e diferenças que ocorrem diariamente, como a minha com a Advocacia-
Geral da União (AGU), no tema da tortura. Ela agora se tornou pública,
teve de ir para a imprensa o debate sobre se a tortura do regime militar
tem de ser esquecida, se está prescrita ou se cabe algum procedimento.
O procedimento que queremos não é vingativo, não é revanchista, não
é talião, é só saber, é a memória, a verdade. O Judiciário discute se tem
punição ou não. Houve uma punição a um torturador de São Paulo. Muito
simples, mas é uma punição, ele é declarado pelo Judiciário brasileiro
torturador, o que encerra esse ciclo, que é de uma negativa. Não invado
o mérito da AGU, a ela compete definir qual posição jurídica da União.

44
Minha discordância com a AGU é que não precisava incorporar os três
elementos que incorporou, porque eram plenamente dispensáveis à tese
da AGU e colidem publicamente com a posição dos direitos humanos
que eu levei anteriormente, com toda a delicadeza e confiança, ao meu
colega ministro.
A primeira discordância é sobre a tese de que o Ministério Público
não é competente para discutir esse tema, porque o Ministério Público,
na leitura da AGU, só pode cuidar de interesses coletivos e difusos, e o
interesse individual tem de ser defendido por advogado privado, ou seja,
a tortura é um interesse só do torturado. Eu não posso ficar silencioso.
O governo do presidente Lula não pode aceitar esse tipo de construção,
porque a tortura interessa a cada um dos brasileiros, de todas as famílias,
de quem defendeu o regime militar, esteve no regime militar e de quem
se opôs. Sobre o segundo argumento, de que a anistia encerrou qualquer
possibilidade de procedimento, meu questionamento é que o tema é
polêmico, no governo, no Judiciário, no Legislativo, na sociedade, na
imprensa, então a Advocacia Geral da União não pode firmar posição de
governo, que obviamente não é.
E o terceiro: a AGU diz que não há arquivos da repressão política,
quando nós estamos trabalhando, a ministra Dilma, com Avisos
Ministeriais, com pressões, com cobranças, e a AGU sabe disso.
O Itamaraty chegou a fazer o processo de consulta em Nova Iorque
com as demais missões junto à ONU. E a embaixadora nas Nações Unidas,
Maria Luzia Viotti, felizmente é a anterior diretora do Departamento de
Direitos Humanos e Assuntos Sociais aqui do Itamaraty. A postura foi de
venha, defenda, defenda com ressalva a consulta que um diplomata nosso
fez a pedido dela junto a 40 missões sobre a conveniência de construir
uma convenção. Ela encontrou 30 claras rejeições, 7 ou 8 hesitações e
1 ou 2 apoios, com certeza o da Argentina, que tem a mesma posição
brasileira, topa fazer e topa propor.
A convenção, como eu já disse, tem adesão voluntária, quem adere se
dispõe a cumprir os preceitos e terá de prestar contas periodicamente
sobre isso. Ela não tem força de lei, o país não vai ser punido por descumprir,
mas sempre se expõe ao desgaste na disputa de postos e cargos e –

45
quem sabe até um dos objetivos, hoje, legítimos da diplomacia brasileira,
que é a reforma da ONU, levar o Brasil a ter um posto permanente no seu
Conselho de Segurança – pode ter um diferencial aí.
A única convenção que o Brasil continua devendo é a sobre o
direito do trabalhador migrante e de suas famílias. Então a onda
xenofóbica, europeia contra os mouros, contra as hordas que vêm lá
da União Soviética desagregada e aqui no Brasil com reflexos contra
nossos irmãos paraguaios e bolivianos, principalmente em São Paulo,
e colombianos, em Manaus. Quando precisamos lembrar que o Brasil é
um país de migrantes, aqui todo mundo é migrante, não tem o menor
cabimento fechar a porteira e dizer: “A partir de agora não mais.” Ou seja,
tudo o que nós fizemos, nós fomos e somos não vale para o paraguaio
e o boliviano, que é o mesmo italiano, o mesmo português, o mesmo
espanhol, o mesmo japonês, o mesmo libanês que veio para cá em busca
de reconstrução familiar, trabalho e inserção, construindo o Brasil com o
que ele tem de bom, que é essa mixagem, essa diversidade.
Então eu argumentei isso e na Declaração de Brasília na verdade se
pedem duas propostas, estão lá, 25 e 26, se não me engano, da Declaração
Final. A primeira é um relatório da ONU para os direitos do idoso, em
que a ONU tem relatores, eles percorrem o mundo inteiro, escolhem
países por amostragem e fazem um relatório final com recomendações
universais e para o país. O Brasil é um dos países mais visitados por
relatores, porque é dos poucos no mundo que tem “convite permanente”
para que venham, o que a gente pode negociar é sobre data.
Há países que resistem por cinco anos a receber um relator,
porque sabem que o relator será fonte de crítica, de cobrança, de
denúncia, como o recente relator para execuções sumárias, que fez um
relatório duro sobre o Rio de Janeiro, especialmente, eu me vi numa
situação muito delicada, porque há o respeito federativo e ao mesmo
tempo tudo o que o relator da ONU disse é rigorosamente verdade. E a
autoridade estadual foi a público xingar a ONU, dizer que era intrometido,
como as velhas repúblicas de banana faziam ou ainda fazem. O relator
da ONU é pouco e ele será um relator complicado, porque ele será um
relator que não trabalhará em cima de nenhum instrumento vinculante,

46
ele terá a Declaração da ONU de 1991, independência, participação,
cuidados, autorrealização, dignidade, mas ainda muito no terreno
da generalidade.
Então me parece que o caminho que demorará cinco anos ou mais
para construir é o caminho de uma convenção. Então, uma vez adotada,
a convenção obriga a legislação do país a se adequar e, depois da reforma
do Judiciário brasileiro, em 1º de janeiro de 2005, se ela for aprovada com
quorum qualificado, 60%, ela tem força de norma constitucional, é mais
do que lei. Nos restará convencer os juizes a decidir de acordo com a lei
e a Constituição.
Nós temos a Lei Maria da Penha, que todos os dias tem sentenças de
juiz desrespeitando, considerando inconstitucional porque o lar é reduto
inviolável do cidadão, o Estado não pode interferir no que acontece lá
dentro. E toda violência doméstica que nós sabemos!
Ou o jogador Richardson, do São Paulo, homossexual, que o juiz
diz disse: “O futebol é um esporte viril, se ele é homossexual, então
crie uma nova liga de futebol dos homossexuais”. Um juiz fez isso e
ainda com um jogador que é do São Paulo, o melhor time de futebol
do Brasil! Tem três estrelas lá de campeão mundial e cinco de campeão
brasileiro e está com as mãos na sexta. Aliás, estou vendo se, no jogo
São Paulo e Fluminense, que provavelmente vai ser o jogo de pegar o
caneco, nós entramos no programa do Conselho Nacional das Pessoas
com Deficiência (Conad), um golaço que fizeram, times estão entrando
em campo com a faixa da sensibilidade e com um grupo de mascotes
Down, cadeirantes, deficientes visuais, motores, paralisia cerebral, essas
coisas que a televisão mostra e vão mostrando ali para aquele público
do domingo à tarde, do jogo de futebol.
O que é que é isso, a sensibilidade, fizemos um ato lá com o Rei
Pelé em São Paulo, infelizmente a imprensa sumiu com ele, mas é um
tema. Bom, eu só termino dizendo isso, que o meu agradecimento por
esse trabalho é também um oferecimento aberto de mais parcerias. Os
nossos recursos orçamentários, estruturais, são muito pequenos, mas
nós temos parceiros gigantes aqui do nosso lado, a Saúde, o Ministério
do Desenvolvimento Social, e podemos falar com o presidente Lula sobre

47
isso. Ele esteve na primeira conferência, deve estar na segunda em março,
tem apego ao assunto, tem interesse.
A conferência vai incorporar as duas ou três citações genéricas do
PNDH atual. Precisa se transformar em algumas páginas propositivas,
assim como o Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais que,
desde a sua primeira conferência nacional, em junho deste ano, foi o
segmento mais disciplinado nas conferências estaduais, estava lá em
bloco e preparou uma agenda nova, que vai ser das grandes diferenças
quando formos comparar o PNDH3, que ficará pronto no ano que vem,
via Decreto Presidencial.
Com o PNDH2, vigente, nós vamos notar que o que cresceu para
valer foi o tema dos direitos do idoso, os direitos das pessoas com
deficiência, os direitos do segmento LGBT, mais dois ou três temas,
inserção de instrumentos internacionais. E, a partir deste seminário,
que discutirá subjetividade, eu espero que possamos planejar, quem
sabe, os três ministérios, mais o Itamaraty e a Sociedade Civil, no meio
do ano, quando der para fazer um encontro de envergadura, de talvez
convidados estrangeiros, de dois, três dias, com várias mesas, bases para
a construção de uma Convenção da ONU sobre os direitos do idoso, o
que prepara o Brasil para assumir de novo aquilo que ele teve em Viena,
em 1993, e teve na Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência,
com a Dra. Izabel Maior.
Estão abertas as portas. Se quisermos, se assim entendermos para
o Brasil sair na frente com esse tema, aproveitando este momento em
que o país goza de um respeito mundial inédito, pela sua mudança
diplomática, a nova geografia política, econômica e mundial, que é de
independência. O Brasil só teve exercícios de diplomacia independente
em curtíssimos períodos, que não foram consistentes, e é uma
independência não sectária, não rupturista. O Brasil é interlocutor,
sempre que se precisa ter um diálogo com algum pensamento
exacerbado, rupturista, o Brasil tem a autoridade de um país que está
realizando o mais importante programa de combate à fome e à pobreza
do mundo. Um país que tem trabalho escravo, mas realiza o que a OIT
considera o mais sério programa de enfrentamento do trabalho escravo.

48
Um Brasil que está levando a sério, que ainda não colhe os frutos do
enfrentamento à tortura, que tem no CFP um importante parceiro. Eu
participo em São Paulo na próxima quinta-feira de um importante
Seminário do Conselho Regional sobre este tema. O Brasil pode ser
realmente vanguarda da construção dessa convenção.

49
O direito humano ao envelhecimento
e o impacto nas políticas públicas

51
O direito humano ao envelhecimento
e o impacto nas políticas públicas

Comunicação: instrumento de formação para a longevidade

Beltrina Côrte6

Boa tarde a todos. Gostaria de agradecer ao Conselho Federal de


Psicologia pelo convite e acolhimento. Esta é a primeira oportunidade
na qual registro publicamente minha relação com a Psicologia. Minha
formação inicial é em Comunicação, mas há muito tempo venho atuando
com enfoque multidisciplinar. Foi no decorrer desse percurso que, em
2000, me tornei uma “agregada” da área da Psicologia ao assumir a
edição da revista Kairós-Gerontologia, da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP). Na ocasião, a diretora da Editora da PUC (Educ),
Maria do Carmo Guedes, ao ver minha angústia e desconhecimento
ante o processo de indexação de periódicos científicos – exigência das
agências de fomento à pesquisa – me indicou ao pessoal da Psicologia
da Universidade de São Paulo (USP) para que seus profissionais me
orientassem; afinal, a Gerontologia, como área de saber, ainda não existia
na relação da Capes, assim como não existe até hoje.7 Antes disso já tinha
procurado colegas da minha área, mas sem sucesso. Também, na ocasião,
me associei à Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec), mas
não tive o apoio nem o acolhimento como o do pessoal da Psicologia.
Desde a primeira conversa na Biblioteca de Psicologia da USP até as
reuniões dos editores de revistas científicas da área de Psicologia me senti
acolhida e amparada. Lembro-me que, em uma das reuniões, acredito
quando da formação da Associação Brasileira de Editores Científicos

6. Pós-doutora em Ciências da Comunicação, editora da revista Kairós-Gerontologia e


coordenadora executiva do web site Portal do Envelhecimento. É presidente do Observatório da
Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe) e docente do Programa de Pós-Graduação em
Gerontologia da PUC-SP. E-mail: beltrina@uol.com.br.
7. Na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a Gerontologia está
inserida na área Interdisciplinar e, ali, incluída na Câmara de Saúde e Biológicas.

53
de Psicologia (ABECiP), expus que, embora não fosse da área, gostaria
de estar integrada. Hoje, relembrando aqueles momentos, observo que
desde então a área estava aberta a outros olhares e que, no Brasil, talvez
tenha sido a que mais se abriu para a complexidade do envelhecimento.
E, para minha surpresa, cá estou de novo para junto desta área que,
talvez até antes, mas oportunamente naquele momento, mostrava-se
atenta para a questão do envelhecimento.
Foi nesse espaço de interlocução que aos poucos fui também
compreendendo algumas questões da área e, também, acredito que fui
ao menos acostumando o ouvido de muitos (especialmente daqueles
que estão na academia), para temas como Gerontologia, envelhecimento,
velhice e longevidade. Resultado disso é que participei no I e II Congresso
Americano de Psicogerontologia, ocorridos na Argentina e Uruguai,
respectivamente, e estou na organização do terceiro congresso, a ser
realizado em novembro de 2009, na PUC-SP.
Como jornalista, não poderia deixar de trabalhar a questão da
comunicação. Ela sempre esteve presente em minhas reflexões e faço dela
um dos pilares de meus estudos. O acesso à informação e à compreensão
é um direito humano. Aliás, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que completou 60 anos em dezembro de 2008 e que serve de orientação
para a Organização das Nações Unidas, é marco referencial para todas as
políticas de direitos humanos que vêm sendo implementadas pelo mundo
afora. Nela consta que “Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e
expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões
e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios
e independentemente de fronteiras”. É o que está escrito em seu artigo 19,
adotada que foi a Declaração em dezembro de 1948, hoje endossada por
mais de 130 países, além de diversas convenções regionais. Vale lembrar
que na mesma ocasião foram lançadas as bases para o desenvolvimento
dos países semiperiféricos e da periferia mais remota.8
Na realidade, a geração de direitos, na qual se inscrevem os direitos
humanos, teve início pelo movimento histórico no século XVIII, na esteira

8. Especialmente com a implantação do Plano Marshall, por volta de 1946.

54
das revoluções burguesas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos
consiste na primeira geração de direitos. São os direitos civis – liberdade
pessoal, de pensamento, de religião, de reunião e liberdade econômica.
Direitos que obrigam o Estado a uma atitude de renúncia, de abstenção
diante dos cidadãos.
Hoje, a luta pelos direitos humanos é considerada por todos,
especialmente entre sociedade civil e governo. Não é só do governo, nem é
só da sociedade civil. A luta pelos direitos humanos é composta por essas
duas forças. São responsabilidades compartilhadas. É com essa compreensão
que o envelhecimento ganhou importância, tanto como objeto de estudo,
de pesquisa e também de elaboração de políticas sociais, envolvendo o
Estado, a sociedade e a universidade, após 60 anos da Declaração.
Os direitos humanos dirigidos à população idosa estão evidenciados
como política oficial e podem ser observados desde 1982 (Viena/Áustria),
quando da I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na qual já se
percebia a preocupação dos governos internacionais diante do aumento
das demandas e das pressões do envelhecimento populacional. Naquele
ano, os governos adotaram um plano de ação Internacional que, até
hoje, constitui a base das políticas públicas elaboradas para a população
idosa. Um dos aspectos reconhecidos como essenciais desse plano é o
papel da mídia na elaboração de imagens positivas do envelhecimento.
Outra evidência ocorreu cerca de 10 anos depois, em 1991, quando
da Declaração Universal dos Direitos Humanos da População Idosa e
nela foram aprovados os princípios relativos aos direitos humanos em
favor desse crescente segmento: independência, participação, cuidados,
autorrealização e dignidade. Oito anos depois, em 1999, foi decretado o
Ano Internacional da Pessoa Idosa. Após três anos, em 2002, foi realizada
a II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento (Madri/Espanha). Nela
foram definidas as diretrizes prioritárias que orientam as políticas
públicas relativas à população idosa para o século XXI. Reforça o conceito
de envelhecimento ativo (bem-estar físico, social e mental durante toda
a vida) para ampliar a expectativa de vida saudável, produtividade e
qualidade de vida na velhice. Foi ali que as primeiras diretrizes da criação
de um ambiente propício para o envelhecimento foram criadas.

55
Um ano depois, em 2003, foi realizada a I Conferência Regional da América
Latina e Caribe sobre Envelhecimento, resultando em um documento
intitulado “Estratégias Regionais de Implementação para América Latina e o
Caribe do Plano de Ação Internacional de Madri sobre Envelhecimento”.
Os direitos humanos dirigidos à população idosa foram mais uma vez
evidenciados como política oficial em 2007, em Brasília, quando se deu a
II Conferência Regional da América Latina e Caribe sobre Envelhecimento.
Ela resultou na Declaração de Brasília, tendo destaque a designação de
um relator do Conselho de Direitos Humanos da ONU para velar pela
promoção dos direitos da pessoa idosa e que cada país consultasse seus
governos sobre a criação de uma convenção da pessoa idosa como um
documento jurídico em âmbito internacional.
No Brasil, a luta pelos direitos dos idosos está sendo travada há mais
de 30 anos. Ela se iniciou na sociedade civil que, durante anos, pressionou,
e ainda o faz, o Estado para o reconhecimento das necessidades e dos
direitos de sua população mais velha. Apesar das políticas oficiais
evidenciadas, na condição de minoria sociológica nesse segmento,
faltam, muitas vezes, espaços e interlocutores para a explicitação, o
debate e a negociação de suas necessidades.

A comunicação como direito humano e seu papel na criação de um


ambiente propício e favorável ao envelhecimento
Ao longo desses anos, essas políticas oficiais e de âmbito internacional
impactaram e comunicaram outras representações do envelhecimento.
Elas já não se referem à velhice como sinônimo de doença, ou apenas de
perdas e declínio. Comunicaram-nos outros “sobrenomes” (atributos) ao
envelhecimento, tais como: saudável, bem-sucedido, produtivo, ativo.
Termos que incluem a atividade, o ócio e a questão da continuidade
e da vivência no próprio ambiente social. Termos que nos permitem
entender essa etapa da vida, a velhice, de uma maneira diversa, e
singular. Certamente essas políticas trouxeram à tona outras imagens
sobre a velhice, e nos comunicam que está em curso um novo momento
de envelhecimento no país, que é o da velhice que vai se transformando
na busca de conhecimento e de lazer como prazer.

56
Passa-se de uma velhice frágil e praticamente só de perdas para
uma velhice ativa e produtiva. Na realidade, essa velhice está dentro de
alguns conceitos que, de certa maneira, são construídos e reproduzidos
pelos meios de comunicação que, entre outros, são responsáveis pela
instituição de representações sobre as mais diversas etapas da vida.
O conceito de comunicação como direito humano também está na
Constituição do Brasil de 1988, em seus diversos artigos, especialmente
o 5º, que inaugura o título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”,
apontando menções à liberdade de expressão e de informação. Os avanços
tecnológicos no mundo da informação e da comunicação exigem, na
sociedade contemporânea, concepções sobre o direito à comunicação
enquanto um novo direito humano fundamental.
Mas o que vem a ser a Comunicação? A evolução da humanidade está
junto com o processo de comunicação. Ela é, na realidade, o que nos liga
a outro, que faz que nós nos compreendamos, e está muito relacionada
com a informação. A comunicação depende da informação. Nós vivemos
rodeados por diversas formas de comunicação; 99% dos lares brasileiros
também estão, ou são bombardeados de diversas maneiras por veículos
de comunicação. Pela comunicação é que percebemos o outro.
Temos diversos veículos pelos quais nos “alimentamos” sobre tipos de
velhice e envelhecimento, sejam jornais, tevês, rádios, internet, celulares...
Embora muita gente demonize a mídia televisiva, Mulheres Apaixonadas9,
uma telenovela brasileira, trouxe a questão dos direitos humanos com
efeitos tão esclarecedores à população como nenhum outro meio
conseguira até então. Dentre eles, a violência doméstica cometida
contra idosos em lares de classe média e a importância da campanha de
vacinação dos idosos, conseguindo mobilizar a sociedade nesse sentido.
Temos também as imagens das propagandas de televisão: embora
se critique muito e genericamente a mídia, insisto em afirmar que as
propagandas, não me referindo ao produto em si, mas à informação
contida nelas, são hoje as grandes instituidoras de uma velhice positivada,
diferente daquela velhice cristalizada em nosso imaginário como

9. Escrita por Manoel Carlos, produzida e exibida pela Rede Globo entre 17 de fevereiro e 10 de
outubro de 2003, e reprisada na sessão Vale a Pena Ver de Novo, em 2008.

57
declinante ou mesmo decrépita. Assim, as propagandas estão construindo
um novo senso comum sobre as imagens de uma velhice que é possível
na contemporaneidade e até desejável. Nesse sentido, acredito que as
informações contidas nas propagandas (deixo claro que a referência não
incide sobre os produtos em si), estão cumprindo um papel benéfico à
sociedade: o de evidenciar, nos seus múltiplos significantes, uma nova
maneira de ver e viver o envelhecimento.
A comunicação como direito humano também está no primeiro Relatório
da Comunidade Internacional sobre Direitos Humanos, publicada há mais
de 28 anos, conhecido como O Mundo em Muitas Vozes.10 Nele o direito à
comunicação é entendido como um prolongamento lógico do progresso de
uma sociedade. E esse relatório é ainda o mais completo e o mais conhecido
sobre a importância da comunicação da sociedade contemporânea.
Hoje, o direito à comunicação enquanto novo direito humano é
fundamental, porque nós estamos na sociedade da informação. A
comunicação faz parte dos direitos de “Quarta Geração”, que são os
direitos democráticos, o direito à informação e o direito ao pluralismo.11
No entanto, nós ainda não a vemos elevada ao pretendido patamar.
Por concordar com o que vêm afirmando alguns autores, reproduzo a
seguir alguns de seus dizeres:

A primeira e fundamental consequência de se reconhecer o


direito à comunicação é o reconhecimento de que ela precisa
ser colocada no mesmo patamar das políticas públicas
essenciais; nivelando-a à educação, saúde, alimentação,
saneamento, trabalho, segurança, entre outras.12

10. Unesco, Um Mundo e Muitas Vozes – comunicação e informação na nossa época. Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1983.
11. Os direitos de “segunda geração” consistem na liberdade de associação nos partidos, direitos
eleitorais e estão ligados à formação do Estado democrático representativo. Implicam uma
liberdade ativa, uma participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado.
Os direitos de “terceira geração” são os sociais: direito ao trabalho, à assistência, ao estudo, à
tutela da saúde, liberdade da miséria e do medo. Implicam, por seu lado, um comportamento
ativo por parte do Estado ao garantir aos cidadãos uma situação de certeza.
12. Cf. RAMOS, M.; BAYMA, I.; LUZ, D. (2001) Por Políticas Democráticas de Comunicação. Disponível
em http://www.intervozes.org.br/artigos/5-politicas.pdf, acesso em 30 de agosto de 2005.

58
Observamos, no entanto, que a comunicação, na saúde, por exemplo,
é utilizada apenas como ferramenta de trabalho nessa área, não como
um direito das pessoas.
Colocar a informação à disposição da sociedade é fundamental, mas
não suficiente para a democratização do conhecimento. Os avanços
tecnológicos no mundo da informação e da comunicação exigem, na
sociedade contemporânea, concepções sobre o direito à comunicação
enquanto um novo direito humano fundamental. Não se trata meramente
de ‘fornecer comunicação’, de forma similar a como o Estado fornece
saúde ao construir hospitais e postos de saúde. O direito à comunicação
é diferente de outros direitos, como a saúde, por exemplo. A sociedade
tem de se apropriar da comunicação e de seus diferentes componentes,
para que esse direito efetivamente se realize.
A comunicação é um direito humano que integra e promove a
cidadania. Promove a longevidade. Porque, uma vez transformada,
torna-se conhecimento capaz de mudar a realidade. Capaz de mudar
nossa forma de pensar a velhice e o envelhecimento. Nesse sentido, nós
lutamos pelo direito a uma informação de qualidade e o conhecimento,
hoje, passa a ser um recurso essencial na sociedade da informação.

Portal do Envelhecimento: acesso à informação e à compreensão


Existem alguns web sites, tanto promovidos pelo Estado, quanto
pela sociedade civil, que estão engajados nesse direito à informação de
qualidade. Um deles, criado no ano passado, é o Observatório Nacional
do Idoso, uma iniciativa da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República, em parceria com o Centro Latino-Americano de
Estudos de Violência e Saúde. Consta no site que ele está em funcionamento
em 18 centros do país e trabalha na prevenção à violência cometida contra
a pessoa idosa. Outro, também promovido pela área governamental, é o
da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Anpidi),
relacionados à pessoa com deficiência e também aos idosos.
Da sociedade civil, trago o Portal do Envelhecimento, do qual sou
coordenadora executiva e venho editando-o, junto com um grupo de
pesquisadores do país afora. Ele, inclusive, é reconhecido pela Biblioteca

59
Virtual de Psicologia. Se vocês procurarem no localizador de informações
de Psicologia, lá consta o Portal do Envelhecimento. Ele foi implantado pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)13, em 2004, para
oferecer à sociedade informações qualificadas sobre o envelhecimento,
com o objetivo de contribuir para a formação de profissionais, atualizar
formadores de opinião e contribuir para a construção de saberes sobre
o envelhecimento e longevidade humana. Em 2006 passou a fazer parte
também do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe).
Portanto, propiciar novas formas de pensar a velhice e o envelhecimento
é um assunto crucial que envolve a todos nós. Por isso o Portal tem como
objetivo contribuir para a construção de saberes sobre o envelhecimento e a
longevidade humana, sendo um canal formador de opiniões, onde profissionais
e pesquisadores podem redefinir e refazer conceitos sobre o tema, a partir da
perspectiva do ser que envelhece e não unicamente do ser que adoece.
Desde sua implantação, vem fomentando uma rede de comunicação
e solidariedade, com todos os membros em caráter voluntário. Esta rede
é que amplia o acesso à informação científico-técnica nas áreas sociais,
humanas e de saúde para governos, tomadores de decisão, profissionais
que lidam com o segmento idoso e o público em geral, contribuindo
para o desenvolvimento do país.
O uso do termo rede, do latim rete, na língua portuguesa, significa
uma conexão de nós. Ora, os pesquisadores-mentores, interligados entre
si, permitem a adesão, a comutação, a troca e a mudança de pensamento
sobre a velhice e o envelhecimento. Portanto, novos paradigmas de
criação e difusão do conhecimento emergem no Portal a partir da
colaboração voluntária, e aberta, de profissionais de diversas regiões do
Brasil e mesmo de outros países. Via internet, se permite a produção e
a exploração da informação sobre o envelhecimento, de forma rápida e
acessível, além de possibilitar a integração direta e imediata de usuários,
pesquisas, e experiências que ocorrem no país e no mundo.
É um canal que permite uma renovação das práticas sociais, visando a
estimular a inclusão social, a melhoria da qualidade de vida e o exercício

13. A PUC-SP é uma instituição privada com característica de universidade pública por sua
reconhecida função social.

60
da cidadania da população idosa. O acesso da sociedade à comunicação
é um dos aspectos da democratização. Acredita-se, tal qual consta no
Relatório MacBride, que a “reivindicação de uma democratização da
comunicação tem conotações várias, muitas além das que se costuma
acreditar” (...). Segundo trecho do Relatório, “se requer umas informações
mais abundantes, procedentes de uma pluralidade de fontes”.
O Portal, portanto, forma uma rede de “encontros”, onde profissionais,
órgãos públicos, empresários, pesquisadores e formuladores de políticas
públicas e de opinião se encontram, para trocar e formular ideias, tendo
como princípio a solidariedade, o apoio, a comunicação e a informação,
insumos básicos para o desenvolvimento científico e tecnológico de uma
nação rumo à longevidade.
O Portal do Envelhecimento é possuidor de algumas funções que
contribuem para a democratização do saber e que identificam melhor
os papéis da comunicação.14 São eles:

- O de reformadora do espaço público mais decisivo para o exercício


da cidadania;
- O de importante instrumento de educação pública;
- O de importante instrumento de formação cultural ampla;
- O de importante instrumento de difusão de informações e,
portanto, da realidade ou da não realidade nacional;
- O de importante instrumento na determinação do caráter
nacional, ainda incluindo o aspecto político, de soberania enquanto
Nação, e da sociedade em termos gerais;
- O de importante instrumento de preservação e afirmação de
valores culturais;
- O de importante instrumento de integração e afirmação da
cultura nacional nos ambientes transnacionais e globalizados.

14. Segundo os autores Murilo Ramos, Israel Bayma, Dioclécio Luz, no artigo Por Políticas
Democráticas de Comunicação, adaptação de texto original apresentado como ideário à
reconstrução do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, em 2001, disponível em
http://www.intervozes.org.br/artigos/5-politicas.pdf, capturado em 30 de agosto de 2005.

61
Graças ao concurso Talentos da Maturidade, promovido pelo Banco
Real, em 2005, o Portal foi reconhecido e ganhou uma dimensão
nacional, tornando-se referência nacional sobre o envelhecimento.
Desde sua implantação há um link que se chama Psicogerontologia,
idealizado e coordenado por Delia Goldfarb e alimentado hoje pelo
grupo Ger-Ações. A cada mês, todas as informações relacionadas a essa
área são transformadas e sistematizadas e as pessoas podem ter acesso
a informações anteriores. É uma espécie de biblioteca virtual.
E me atrevo, aqui, diante de tantas testemunhas e publicamente, a
propor ao Conselho Federal de Psicologia que tome para si e transforme
o que é apenas um link em um site de divulgação de uma área de
saber emergente, que é a Psicogerontologia, a qual demanda um olhar
multidisciplinar.
Temos muitos usuários da área da Psicologia que nos solicitam
informações com qualidade, pois não sabem o que fazer com os velhos
que chegam em seus consultórios, não sabem o que é velhice, não sabem
nem o que oferecer, pois não tiveram em suas formações absolutamente
nada sobre essa etapa da existência humana. E nos demandam uma
série de informações. O link Psicogerontologia tenta atender um pouco
essa demanda.
Assim como a área da Psicologia me acolheu, assumindo a revista
Kairós-Gerontologia entre as suas, abrindo-se para a complexidade dessa
etapa da vida, o Portal do Envelhecimento acolheu a Psicogerontologia.
Cabe agora, a ambos, alimentarmos essa área do saber que, sem dúvida,
demandará cada vez mais profissionais capazes de atuar com esse
segmento populacional.
Obrigada!

62
O direito humano ao envelhecimento
e o impacto nas políticas públicas

Envelhecimento no Brasil: desafios e compromissos

Vicente Faleiros15

Gostaria de agradecer a gentileza do convite do Conselho Federal


de Psicologia.
Vou tentar falar para vocês sobre envelhecimento no Brasil destacando
as dimensões da heterogeneidade da velhice, do envelhecimento hoje na
sua multidimensionalidade, seus desafios, da relação entre autonomia,
proteção e trocas sociais com uma referência à visão da subjetividade
social na velhice presente no livro Memoria de mis putas tristes, de
Gabriel García Marquez.
Para se discutir e pensar a velhice tomamos como ponto de partida a
consideração de sua heterogeneidade e de sua multidimensionalidade e,
ao mesmo tempo, a perspectiva de que a velhice é uma oportunidade de
desenvolvimento, implicando uma imprevisibilidade no seu desdobramento.
O envelhecimento é inexorável, mas a velhice é imprevisível. Esta é a
dialética do movimento e do desenvolvimento ao longo da vida que não
representa um curso contínuo de crescimento e depois de perdas mas, como
salienta Anita Liberalesso Neri, podemos envelhecer com desenvolvimento.
A velhice não estanca o processo de relações e de autodesenvolvimento
e nem encerra o ciclo da vida, mas constitui um momento, uma etapa de
ganhos e de perdas num equilíbrio instável entre ambos.
Para entender esse equilíbrio instável no caminhar da vida é
necessário situarmos, no mesmo no contexto, as compreensões sobre
envelhecimento individual e envelhecimento socialmente considerado.
Assim, é importante destacar tanto os conceitos como os preconceitos

15. Graduado em Direito e Serviço Social, especialista em Planejamento, doutor em Sociologia, pós-
doutor em Ciências Sociais na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHSS), pesquisador
do CNPq, professor da Universidade Católica de Brasília e colaborador da Universidade de Brasília.

63
sobre a velhice ou a idade avançada. Não é raro chamá-la de terceira
idade, idade dourada, melhor idade, como se esses eufemismos ajudassem
a classificar essa etapa da vida.
No contexto da modernidade, a categoria dominante para classificar
as pessoas de maior idade é referenciá-las à ausência do trabalho em suas
vidas e colocá-las como não produtivas, principalmente para os homens.
Em relação à mulher, o envelhecimento está associado à não reprodução,
em função da menopausa. Já em sociedades mais tradicionais havia
o que foi denominado de gerontocracia, com valorização dos papéis
atribuídos aos idosos, de aconselhamento, de transmissão da experiência
e de cuidado. Participavam, inclusive, da decisão de se provocar ou não
a guerra, por causa da experiência acumulada. Com isso, criou-se entre
nós o que podemos chamar, paradoxalmente, de um estereótipo positivo
do velho, portador da sabedoria, visão decorrente do papel social
predominante em muitas dessas sociedades tradicionais.
Com a industrialização capitalista, o que passou a ser valorizado na
sociedade foi o trabalho assalariado e principalmente a produtividade,
pois toda a sociedade capitalista está centrada na exploração do trabalho
e na estigmatização do não trabalho, atribuída à indolência, ou ao vício e
ao parasitismo. Essa estigmatização aparece em romances, em símbolos,
em marcas, na vida social e nas cobranças que se tem sobre o homem e
a mulher com as expectativas de se seguir um curso de vida sequencial
centrado na aprendizagem, no trabalho, no casamento, na reprodução
biológica e no isolamento e morte.
Assim, predomina uma visão do envelhecimento como momento
improdutivo. No entanto, considera-se que na gerontologia o
envelhecimento e a velhice não se resumem a um estereótipo e nem
podem ser reduzidos a um estigma, mesmo num contexto construído
socialmente para o lugar do “improdutivo”.
O envelhecimento, em sua diversidade e no alcance da longevidade,
passou a ser visto não só como uma etapa de desenvolvimento, mas
como uma conquista da sociedade, tanto no aumento da proteção social
como da implementação do cuidado da saúde, inclusive com novas
técnicas e drogas.

64
O Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, aprovado em
Madri, em 2002, coloca muito claramente o “aumento da expectativa
de vida como uma das maiores conquistas da humanidade”. Assim, a
longevidade é um processo contraditório com a modernidade, pois
aumenta-se a longevidade e se coloca a questão da discussão da
improdutividade e da finitude da vida, ou seja, a preocupação em se viver
muito com qualidade e com a preocupação de não se viver sempre.
Nas condições de prolongamento da longevidade fica mais evidente
a discussão da finitude da vida, tanto numa perspectiva teórica e ética,
como numa perspectiva política e subjetiva diante da dependência e
da morte. Impõe-se a discussão sobre cuidados paliativos, eutanásia,
distanásia, ortotanásia. [O escritor José] Saramago já colocou no livro
As intermitências da morte, a situação de que se a gente não viesse
a morrer, que aconteceria? No romance, evidencia-se o paradoxo de
conviver com a eternidade num tempo finito.
Por outro lado, as revistas de publicidade e de marketing das indústrias
farmacêuticas vendem a ideia de uma vida permanentemente jovem com
os produtos “antienvelhecimento”. Existem áreas médicas que entraram
no jogo do antienvelhecimento, mas também os que não aceitam esta
forma ilusória de lidar com as aparências físicas e com as doenças. Essa
discussão leva a considerar a medicina na onda da indústria farmacêutica,
da indústria cosmética. O antienvelhecimento na verdade passa a ser
encarado numa visão cosmética da própria vida e da cultura, com a
ilusão de que se pode ser jovem para sempre ou de forma “Matusalém”.
O processo de envelhecimento não é só heterogêneo individualmente
ou por grupos, mas demograficamente, acontecendo no Brasil uma
expressiva transição na idade e nas condições de vida da população
no século XX e início do século XXI. Precisamos nos dar conta dessa
mudança de forma consistente.
O Brasil conta, em 2008, com aproximadamente vinte milhões de
idosos, 10,5% de sua população. No período de 1997 a 2007 a população
em geral apresentou um crescimento de 21,6%, enquanto que a
população idosa aumentou 47,8% e o contingente acima de 80 anos
teve o incremento de 86,1%.

65
A esperança de vida ao nascer em 1996 era de 60,9 anos, e, em
2007, 11 anos depois, passou para 72,7 anos. Nessa década tivemos um
aumento contínuo médio anual de 0,35 anos na esperança de vida. Em
2000, o Brasil tinha 1,8 milhão, quase 2 milhões de pessoas com 80 anos
ou mais. Em 2050 esse contingente será de 13,7 milhões.
É previsível que exista não só um envelhecimento significativo da
população, mas uma diversidade de idosos em várias faixas etárias hoje
chamadas de jovens idosos, idosos medianamente idosos e idosos muito
idosos. Essas transformações colocam desafios tanto para a seguridade
social, para a previdência, para a assistência e demais políticas públicas,
como para as famílias e para a sociedade. A sociedade tem impacto
no envelhecimento e o envelhecimento tem impacto na sociedade. É
necessário pensarmos os desafios decorrentes dessa mudança. Ela se
expressa também nas pirâmides etárias que passaram de cone para barril,
com alargamento do topo da pirâmide, o que mostra que o número de
idosos vai corresponder ao número de crianças e adolescentes em pouco
mais de 25 anos.
Nesse contexto coloca-se a questão da relação intergeracional entre
jovens e velhos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em 2000 havia 30% de brasileiros de 0 a 14 anos e os maiores de
65, não maiores de 60, representavam 5%. Em 2050 esses dois grupos
etários se igualarão, cada um deles representará 18% da população. Nesse
mesmo período muda a razão de dependência, que é o número de idosos e
crianças, os chamados inativos, em relação à População Economicamente
Ativa (PEA), que era de 7% em 1975 e vai ser de 30% em 2050.
Além da relação intergeracional o envelhecimento muda a relação
entre sexos, pois a população de mulheres tem um peso maior que a de
homens. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
de 200716 indicam que existe uma razão de sexo (razão entre homens e
mulheres expressa no número de homens para cada 100 mulheres) de
79,5 para maiores de 60 anos. A razão se reduz a 72,5 para 70 anos ou
mais, o que indica a feminização da velhice.

16. Todas as referências de PNAD 2007 ou de 2007 são retiradas de IBGE, 2008.

66
Nas grandes regiões, a razão de sexo para a população com mais de
70 anos passa para 57,4. Em 2000 havia 84,1 homens por 100 mulheres
na faixa de 60 a 79 anos e de 66 na faixa de mais de 80 anos. As mulheres
idosas são mais longevas.
A família de idosos é diferençada quando se considera o estado
conjugal, diferente para homens e mulheres. Isto tem um impacto
significativo no trabalho com a família, evidenciando inclusive o número
maior de viúvas que de viúvos. No entanto, como mostram algumas
pesquisas, as viúvas que tiveram uma vida opressiva hoje se colocam, na
maioria, de uma maneira muito positiva porque elas conseguem ter um
projeto de vida autônomo, conseguem realizar sonhos que o machismo
não permitia antes.
Em 2007, havia 9.754 mil domicílios com pessoas idosas, e em 53% desses
domicílios os idosos contribuem com mais de 50% da renda disponível. Há
diferenças de gênero também quanto à responsabilização pelo domicílio.
As mulheres são pessoas de referência em 37% dos domicílios e os homens
em 62,4%, manifestando grande número de mulheres também que são
idosas que são responsáveis por um domicílio.
O tipo de família dos idosos também varia. Dados da PNAD de 2007
mostram que 13,5% dos idosos vivem num arranjo unipessoal, 22,1%
como casal sem filhos, 10,2% morando sem filhos e com outros parentes,
14,5% morando com filhos menores de 25 anos, 30,5% morando com
todos os filhos com 25 anos ou mais e 9,1% com outros tipos de
arranjo. Segundo o IBGE, em pesquisa com dados de 2006, as famílias
unipessoais aumentaram, de 1996 a 2007, de 11% para 13,5%. Nota-se
ainda a existência de idosos morando com filhos, mas é expressivo o
arranjo de vida unipessoal considerando que pode aumentar com a taxa
de fecundidade atual de 1,9.
Há também diferença de gênero de quanto à renda. O trabalho é fonte
de renda muito forte para os idosos. Os homens têm 35% da sua renda
proveniente do trabalho atual enquanto que para as mulheres ela atinge
10%. A Previdência Social trouxe uma mudança radical na inclusão social
e na proteção da renda, seja de pensão, seja de aposentadoria. Em 1992,
64% das mulheres recebiam renda da Previdência e, em 1999, 75%. Para

67
os idosos o século XX foi importantíssima a inclusão na Previdência
Social. A definição de Simone de Beauvoir, em A Velhice de que ser idoso
era ser pobre e excluído, mudou no século XX, apesar de haver ainda 20%
de idosos excluídos dos benefícios da Previdência. E isso tem um impacto
muito profundo nas mudanças da família e na condição do idoso.
Pensar e trabalhar com a família na conjuntura atual implica considerar
a possibilidade de convivência de várias gerações e a diversidade de
arranjos dessas várias gerações entre si, ao mesmo tempo que a existência
de arranjos unipessoais. Existe maior diversidade de arranjos familiares, e
esse é um dos temas mais importantes para a intervenção psicossocial.
As famílias estão ficando menores, em termos de consanguinidade, mas,
por outro lado, essas famílias vão ter novos arranjos.
As famílias de idosos podem ter que enfrentar o desemprego dos filhos
e também suas separações, pois torna-se mais difícil a sobrevivência
na sociedade tecnológica. Tem aumentado o número de idosos que
sustentam os filhos.
Apesar da viuvez, a taxa de nupcialidade dos idosos não é alta, mas
varia de 9% no Acre para menos de 1% no Rio Grande do Sul. Há lugares
em que os idosos voltam a se casar em maior número, o que implica
também um impacto na relação com os próprios filhos, porque ainda
há uma disputa em relação a herança e ao afeto dos pais e mesmo
uma preocupação com o novo cônjuge da pessoa idosa como mostra o
filme Elsa e Fred.
Existem idosos que voltam a se casar e outros que preferem morar
só e expressam satisfação com a situação nessas diferentes formas de
vida. Outros expressam insatisfação. Alguns idosos não querem viver
essa etapa de vida com o mesmo tipo de família com que conviveram
até esse momento, e buscam outro tipo de relacionamento.
Uma parte dos idosos, no entanto, sofre de violência na família. Em
pesquisa publicada em 2007, constatamos que a violência física está
presente nas 27 capitais, com taxa de denúncia de 70% a 75% em duas
capitais. Com menos de 9% das denúncias de violência física, somente 6
capitais. Ela está hoje crescendo nas denúncias. A violência psicológica
está denunciada em proporções entre de 40% e 50% em 6 capitais e a

68
violência financeira em proporções entre 20% a 40% em 14 capitais. O
abandono está presente em 10 capitais em proporções de 10% a 20%.
A negligência está presente em 13 capitais em proporção entre 20% e
50% das denúncias. A violência sexual está presente em 8 capitais, mas
em proporção inferior a 9% das denúncias. No total, em 2005, nas 27
capitais foram contabilizadas 14.803 denúncias de violência intrafamiliar.
Os principais agressores são filhos e filhas (54%) e as principais vítimas
são as mulheres (60%). É necessário acrescentar as denúncias de violência
social e institucional expressas na desigualdade, no mau atendimento,
na falta de acesso aos direitos estabelecidos.
As denúncias, nessa pesquisa, foram colhidas em quatro fontes: na
Delegacia, no Ministério Público, no Disque-Idoso e também no Datasus.
Em cada fonte há predominância de um tipo de denúncia. No Ministério
Público predomina a denúncia financeira. Na Assistência predomina a
negligência. Na Polícia predomina a violência física. No Datasus estão
contabilizadas as violências por causas externas. O perfil da violência
não pode ser obtido em uma só fonte, esse é um dos principais achados
da pesquisa. Em cada fonte há um perfil.
Em outra pesquisa, de Faleiros e Brito, publicada na Revista Ser
Social em 2007, mostramos que os fatores de risco de violência estão
associados ao uso de drogas ilícitas e lícitas, à dependência do agressor
em relação ao idoso e ao desemprego, assim como a transtornos do
comportamento. Quando temos esses ingredientes, temos uma bomba
de violência. Assim, a promoção do emprego é um grande desafio para
os jovens e para a prevenção da violência. Mostro, em trabalho publicado
na Revista Educação e Realidade, em 2008, que existe, para a juventude,
o desafio de conciliar escola/emprego. Existe a combinação de dois
desafios: o de envelhecer com filhos desempregados e o de encontrar
emprego para esses filhos.
A escolaridade e o emprego dos jovens potencializam melhores
condições de vida para os idosos e podemos afirmar que a escolaridade
é a melhor vacina contra a violência. Estimular a escolaridade, tanto
dos jovens quanto dos idosos, é fator de redução de riscos, implicando
melhores relações na família.

69
No Brasil um dos grandes desafios para viver e envelhecer é o
da desigualdade, expresso na desigualdade de renda, que se reflete
também na condição dos idosos. Em 2007, segundo o IBGE, 12,6% dos
idosos viviam em domicílios com até meio salário mínimo per capita,
31,7 % com mais de meio a um salário mínimo, 28% com mais de 1 a 2
salário mínimos e 23,4% com mais de dois salários mínimos. Isto reflete
a desigualdade de renda no Brasil.
É preciso considerar, apesar da previdência social, a realidade
do enfrentamento da pobreza na velhice e muitos idosos buscam
compensar a baixa aposentadoria com o dinheiro do trabalho. Alguns
idosos de classes mais favorecidas continuam trabalhando por prazer e
não por necessidade financeira. Na faixa de 60 anos ou mais existem
30% de idosos ocupados e na faixa de 65 ou mais, 23%. No total de
idosos existem 70% de aposentados.
No Brasil também existe uma territorialidade diferençada do
envelhecimento em função das relações sociais dominantes pois, por
exemplo, em Alagoas, em 2006, temos 66% de expectativa de vida,
enquanto que no Rio Grande do Sul é de 72%, 6 anos a mais.
A escolaridade dos idosos tem uma grande defasagem, mas pode
melhorar com o acesso a escola dos mais jovens. O EJA precisa trabalhar
mais com os idosos. A média de anos de estudo de pessoas com
60 anos ou mais é de apenas 3,8 anos, enquanto que a população com
20 anos ou mais já tem quase 9 anos de estudo. Dentro da família
constata-se uma disparidade muito grande da escolaridade, o que pode
dificultar muitas vezes o diálogo entre as gerações.
A saúde e a doença da população idosa vêm passando por uma
transição epidemiológica. E esse é um dos grandes desafios do
compromisso social e do pacto federativo.
O Ministério da Saúde vem estimulando uma mudança na
atenção básica e na atenção especial aos idosos, mas os prefeitos não
dão prioridade para isso nos municípios. Em Brasília, por exemplo,
a prioridade política do atual governo tem sido o favorecimento
às construtoras e empreiteiras para construir prédio, estrada, estádio
de futebol.

70
Em relação à saúde há também uma diferença de gênero. Os
homens têm uma taxa de sobremortalidade em relação as mulheres,
considerando têm condições de vida diferentes: alcoolismo, tabagismo,
risco de envolvimento em homicídios e acidentes. Por sua vez, as mulheres
continuam morrendo mais por câncer de mama, com um diagnóstico já
em estágio avançado. As quedas afetam muito mais as mulheres que os
homens. No entanto, é necessário considerar a possibilidade de se reverter
essa situação, pois podemos reduzir os anos vividos com incapacidade,
se houver investimentos em políticas de saúde.
Na pesquisa do Sesc sobre os idosos, de 2007, a principal queixa desse
grupo em relação à saúde em geral refere-se à presença de pressão alta
e de hipertensão, mas na pesquisa da Datafolha o problema de saúde
mais frequente relatado é de dor muscular (57%), seguido de pressão
alta (56%). Na pesquisa do Sesc, o segundo problema, relatado por 23%,
é o de vista, o que parece ser uma falta de política de atendimento, pois
existem correções para deficiências visuais que podem ser facilmente
disponibilizadas. Problemas de visão e dores nas costas representam as
trajetórias de vida desses idosos, de “carregar o mundo nas costas” e que
podem ser aliviados. 84% dos idosos se queixam de problemas bucais, o
que mostra as condições do descaso em relação à a saúde bucal dessa
essa população.
Na pesquisa SABE, de 2003, o miniexame de estado mental feito em
São Paulo, mostra uma prevalência de deterioração cognitiva de 6,9%.
Esse é um dos desafios da longevidade, diante do qual que vamos ter de
nos colocar. O Alzheimer, as demências, outras doenças cognitivas, que
não são problemas somente médicos, tornam-se problemas familiares,
sociais, de relacionamento, de políticas públicas. A avaliação da saúde
como muito boa varia muito: na pesquisa SABE essa proporção atinge
46% e na pesquisa Datafolha a avaliação ótimo/bom alcança 47% para
as mulheres e 57% para os homens.
As internações por causas externas também precisam ser colocadas
na agenda pública, porque 3,2% das mortes de idosos são por esses tipos
de causas. 60% das mulheres têm internação por quedas. As condições
da rua, da casa e das mulheres em especial precisam ser colocadas na

71
agenda política e social. Quando conversarmos com a família de idosos
é preciso olhar para essas condições.
No Plano de Madri inverte-se o paradigma de os idosos se adaptarem
ao ambiente para o paradigma de se adaptar o ambiente ao idoso. É uma
revolução paradigmática na relação do idoso com o ambiente.
É preciso também considerar a prevalência das dependências entre
idosos. Já salientamos anteriormente a dependência cognitiva, mas
existe a perda da capacidade funcional. No Brasil ainda não existe uma
política para idosos dependentes – outro grande desafio da política, pois
com a idade é previsível o aumento da dependência. Há estímulo por
parte do Ministério da Saúde para que os municípios implantem uma
política de atendimento domiciliar. No entanto, não há uma estratégia
para que isso aconteça efetivamente.
O Ministério do Desenvolvimento Social está dando passos lentos no
sentido de articular um apoio domiciliar para os idosos dependentes. É
preciso realmente articular melhor essa política. São 13%, na pesquisa
SABE a dizer que apresentam dificuldades em uma ou duas atividades
básicas da vida diária. Esse número passa para 30,7% entre os maiores de
75 anos. A maior dificuldade é a de vestir-se, incluindo meias e sapatos. A
família tem de trabalhar essas dificuldades do idoso no dia a dia e todos
os dias, inclusive aprendendo a falar com a pessoa idosa, aprendendo a
ver qual é a principal dificuldade.
O que foi mais assinalado pelos que se declararam deficientes foi a
deficiência mental, atingindo dentre esses, 50% dos homens e 58% das
mulheres. Diante disso a gente pensa que a família está cuidando bem,
mas não! A família não está cuidando direito. É preciso uma educação
da família, porque a pesquisa SABE também mostra que existe um
descompasso entre a demanda e a ajuda oferecida. 43,6% recebem ajuda
para locomoção. Somente 43,6% dos que necessitam recebem ajuda.
Então, é ainda muito limitada a ajuda familiar. São necessárias políticas
públicas que integrem a rede primária com a rede secundária.
Ao mesmo tempo presenciamos, diante do envelhecimento, uma
transição política para garantir, ao menos formalmente, os direitos
da pessoa idosa. Esta transição é uma passagem da filantropia para a

72
cidadania, trazendo uma mudança radical no paradigma das políticas,
que podemos qualificar como revolução dos direitos do idoso. Passou
de pessoa dependente dos jovens ou da caridade para ser sujeito de
direitos e mesmo responsável pelos jovens com a renda garantida da
aposentadoria e pensões, dos benefícios assistenciais, em especial
do Benefício de Prestação Continuada. Na Constituição de 1988 está
garantido, no Artigo 230, que a pessoa idosa tem direito à reciprocidade,
à dignidade, à participação e ao atendimento domiciliar. Não se trata
mais de se institucionalizar a pessoa idosa.
Está garantida, e também está sendo construída pelos idosos, a
participação política, como foi a manifestação pelos 147% da época de
Collor, quando os idosos saíram às ruas para o reajuste da aposentadoria.
Militantes políticos idosos participam de manifestações da sociedade
organizada e não apenas na defesa de seus direitos específicos, como na
Revolução dos Cravos em Portugal e nas greves na França. Estão nas ruas,
lutando pelos direitos de todos.
O símbolo dessa afirmação dos direitos no século XXI, no Brasil17, foi
o Estatuto do Idoso, que tramitou por sete anos no Congresso Nacional,
só foi aprovado em 2003, seguido da Lei da Acessibilidade de 2004 e
da Regulamentação das Instituições de Longa Permanência Para Idosos
(ILPIS) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2005.
Há o Plano de Ação para Enfrentamento da Violência contra a Pessoa
Idosa, de 2005. O SUS estabeleceu em 2006 no Pacto pela Vida em
Defesa do SUS e de Gestão a saúde do idoso como primeira prioridade.
O Ministério da Saúde incluiu o idoso na atenção básica e criou em 2007
a Carteira de Saúde doa Pessoa Idosa.
Por sua vez, o Ministério Público e o Judiciário vêm também dando
atenção à pessoa idosa, este último com a criação de Varas destinadas à
pessoa idosa. Vemos surgir as Delegacias do Idoso e Disque-Idoso.
Estão mudança de paradigma de atendimento ao idoso pode ser
comparada à que houve, no século XX, ao atendimento à criança. No
Suas, principalmente nos Creas, já vem despontando um serviço de

17. Em 1994 foi promulgada a Lei nª 8.842 que estabelece a Política Nacional do Idoso (PNI).

73
mediação de conflitos familiares para enfrentamento da violência e de
situações de crise com o envelhecimento.18 Essa mediação é um dos
desafios profissionais.
Com a maior dependência dos mais longevos há uma questão-chave:
quem vai cuidar da velha ou do velho e quem vai cuidar do cuidador. Um
dos desafios é a formação de cuidadores a que vem sendo dado apoio
por parte do governo Federal e de vários governos estaduais e locais, mas
a sociedade precisa participar disso num processo de mudança cultural e
organizacional dos serviços e das relações familiares e de proximidade.
É preciso articular políticas de forma estratégica para se pensar na
cidade, nos serviços, no transporte (persiste a violência de empresas)
e abrir um leque de serviços como Centros de Convivência, Centros-
Dia, Hospitais-Dia, abrigos, serviços domiciliares dentre outros. O Centro
de Convivência, por exemplo, é uma alternativa de baixo custo, que
propicia interação e atividade física e mental, propiciando a saída do
isolamento. A cidade e as instituições precisam se adaptar ao idoso. As
praças públicas, por exemplo, precisam ter equipamentos para idosos. É
a articulação entre cidadania, autonomia e trocas, em que se garante a
proteção e os direitos do cidadão, a busca da autonomia e das trocas
sociais de convivência e reciprocidade.
É o paradigma do envelhecimento com desenvolvimento, com
condições de autonomia, proteção e trocas sociais, e não de é um
voluntarismo. Autonomia, trocas e proteção implicam renda, saúde e
redes de serviços. A construção dessas redes torna-se mais difícil no
contexto do neoliberalismo, pois há pressão para redução de direitos e
ampliação do mercado. A atual crise do capitalismo vai afetar certamente
os direitos sociais, o Estado precisa ser pressionado para atender aos
trabalhadores e não somente aos bancos num processo de cidadanização
versus processo de mercantilização.
Autonomia e proteção não são contraditórios, embora possam parecer
assim. A proteção tem sentido social e pessoal no desenvolver da autonomia
como processo decisório do modo de vida na relação com a família, com

18. Em Brasília a assistente social Sueli Cordeiro vem realizando um trabalho de mediação de
conflitos no Centro de Saúde de Taguatinga.

74
o Estado e com a sociedade, na construção do protagonismo da pessoa
idosa. A autonomia, juntamente com a promoção da independência
da pessoa idosa, é a base do protagonismo. Agich, em Dependência e
autonomia na velhice, considera que autonomia “não se resume a uma
escolha momentânea pois envolve a escolha conforme planos”. Planos
implicam atores em articulação, temporalidade, ritmo, organização,
política, recursos, território. Assim, autonomia é interdependência.
Françoise Dolto, em Parler de la mort, assinala que o mais importante
para dar sentido à vida são as trocas sociais, pois não há sentido no
sozinho, ele se constrói no encontro recíproco, na troca. Isso em todas
as fases da vida e diante da morte. As trocas é que nos fazem alimentar
projetos e articular a qualidade de vida.

Memória de minhas putas tristes, de García Marquez


Para concluir, trouxe algumas questões sobre envelhecimento
pesquisadas no livro Memória de mis putas tristes, de que fiz uma análise
temática com o método da Bardin.

- No tema idade subjetiva, Marquez diz: “la edad nos es la que uno
tiene, sino la que uno siente” (a idade não é aquela que a gente
tem, mas aquela que a gente sente). É o sentimento da idade em
relação ao cronos que pode estar descompassado.
- “E ao passar, eu me olhei nas vitrines iluminadas e não me vi
como eu me sentia e sim no mais velho e pior vestido”. Diante
do espelho das vitrines há um balanço da vida, então, a velhice
também é um momento de balanço da autoimagem.
- “Nunca pensei na idade como uma goteira no teto que indica
a cada um a quantidade de vida que lhe vai faltando, fui tudo o
que me deu a vida, mas também eu não fiz nada por tirar mais
da vida”. A idade não uma goteira de tempo, mas um processo em
que se entra.
- “É um triunfo da vida, que a memória se perca para as coisas
que não são essenciais”. A memória é o que se guarda de mais
importante nas trocas.

75
- “Debaixo do sol da rua eu comecei a sentir o peso dos meus noventa
anos e a contar minuto a minuto, os minutos das noites que me
faziam falta para morrer”. A velhice traz também a consciência das
perdas e da finitude, das temporalidades e as geracionalidades.
- “Tudo mudou, o único que permaneceu igual foram as minhas
notas no jornal. As novas gerações se arremeteram contra elas
como uma múmia do passado que deveria ser demolida, mas eu
as mantive no mesmo tom, sem concessões, contra os ares da
renovação”. A relação intergeracional implica a mumificação, mas
numa relação entre o velho e novo.
- “Ocorreu-me que um dos encantos da velhice são as provocações
que se permitem os mais jovens, que nos creem fora de serviço”. A
relação intergeracional é também desafio.
- “Eu me tornei outro, é impossível não se terminar sendo como os
outros creem que a gente é”. A identidade se constrói na relação
com o outro.
- “Desde o princípio foi evidente que obedecia às ânsias de expressar-
me, mas eu me fiz o costume de tomá-las em conta ao escrever e
sempre com a voz de um homem de noventa anos que não aprendeu
a pensar como velho”. O pensamento do velho nem sempre é velho.
- “E aprender e perder, a aprendizagem, o amor me ensinou
muito tarde, a gente se arruma para alguém e eu nunca havia
tido para quem me arrumar”. Amor e aprendizagem se aprende
todo o tempo. Assim, quando a personagem descobriu a menina
de catorze anos, começou a ficar bonita, a se arrumar. É preciso ter
alguém, da troca, para dar sentido à vida.
- “Eu soube como me havia corrompido o sofrimento e os
sentimentos (que é onde ele se apaixonou), cego de uma fúria
insensata fui arrebentando contar as paredes”. Na velhice
permanece o desejo, o desejo não envelhece, os sentimentos e o
sofrimento tornam-se presentes.
- “As perdas, as dores erráticas me ficaram nos ossos e que me
mudavam de ânimo sem razão”. Envelhecer é ter perdas de capacidade
funcional e a relação corpo/consciência se articula profundamente.

76
Com esse “depoimento” ou esse testemunho podemos ilustrar que
a velhice é uma construção/desconstrução individual e social, de inter-
relação entre subjetividade e condições familiares, de trabalho e o
processo de autonomia, proteção e trocas sociais.

Referências Bibliográficas
AGICH,G. J. Dependência e autonomia na velhice.São Paulo: Loyola, 2008
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Persona, 1979.
DOLTO, F. Parler de la mort.Pris:Mrcur, 1998.
FALEIROS, V. P. Violência contra a pessoa idosa:ocorrências, vítimas e agressores. Brasília:
Universa, 2007.
FALEIROS, V. P. e BRITO, D. O. Representações da violência intrafamiliar por idosas e idosos. In Ser
Social, Brasília, n.21, p.105-142. jul-dez 2007.
IBGE. Síntese de indicadores sociais. Rio de Janeiro:IBGE, 2007.
____. Síntese de indicadores sociais. Rio de Janeiro:IBGE, 2008.
LEBRÃO, M. L.; DUARTE, Y. A. de O. Sabe – Saúde, Bem-estar e Envelhecimento. Brasília: OPAS, 2003.
MARQUEZ, G. G. Memória de mis putas tristes. Buenos Aires: Sudamericana, 2004.
ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plano de ação internacional para o envelhecimento,
2002. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2003.
SESC-SP/FPA. Síntese da pesquisa idosos no Brasil. Disponível em www.sesc.com.br. Acessado em
dezembro de 2007.

77
O direito humano ao envelhecimento
e o impacto nas políticas públicas

O envelhecimento da mulher: políticas para uma clínica ampliada

Maria Elizabeth Mori19

A saúde da mulher envolve aspectos emocionais, sociais e bem-estar


físico, determinados por um contexto político, sociocultural e econômico
da vida das mulheres, assim como o biológico. Pensar a saúde da mulher
e a elaboração de políticas públicas que contemplem uma visão mais
abrangente de saúde, a perspectiva de gênero, é essencial.
As relações de gênero tendem a ser desiguais, refletindo-se em leis,
políticas, atitudes e comportamentos das pessoas. Esta desigualdade
atinge particularmente as mulheres que se encontram no período
pós procriativo, determinado não apenas pela idade cronológica, mas
também por condições subjetivas e socioculturais. As mudanças corporais
presentes na meia-idade, período que se estende aproximadamente dos
40 aos 65 anos, impactam a autoimagem feminina e podem potencializar
um sofrer psicológico, segundo a visão de cada cultura em relação à
mulher que envelhece.
Ao demandar cuidados, esta mulher acaba se inserindo num modelo
de clínica reduzida: hospitalocêntrica, medicocentrada e medicalizada.
Percebe-se que a escuta psíquica não tem sido valorizada nas políticas e
programas quando comparamos o número de psicólogos em relação aos
demais profissionais nos serviços de saúde. Assim, essas mulheres ainda
costumam ser vistas na área da saúde como usuárias passivas e não
como protagonistas da própria história, capazes de articular prioridades
e tomar decisões.

19. Psicóloga, mestre em psicologia clínica e especialista em teorias psicanalíticas pela Universidade
de Brasília/UnB; consultora da Política Nacional de Humanização/PNH, HumanizaSUS, Ministério
da Saúde/MS; psicanalista e membro filiada do Instituto de Psicanálise Virgínia Leone Bicudo, da
Sociedade de Psicanálise de Brasília (SPB).

79
Contrariamente a esta forma hegemônica de se agir em saúde, a Política
Nacional de Humanização (PNH), criada em 2003 pelo Ministério da Saúde,
propõe que as ações sejam referenciadas por um conceito de clínica
ampliada: visa ao sujeito e à doença, à família e ao contexto, tendo como
objetivo produzir saúde e aumentar a autonomia do sujeito, da família e
da comunidade. Utiliza como meios de trabalho a integração da equipe
multiprofissional, a adscrição de clientela e a construção de vínculo, a
elaboração de projeto terapêutico conforme a vulnerabilidade de cada caso,
e a ampliação dos recursos de intervenção sobre o processo saúde-doença.
Após esta breve sinopse, quero cumprimentar as integrantes desta mesa
e agradecer o convite do Conselho Federal de Psicologia, particularmente
à professora Isolda Günther, por estar presente nesta conversa sobre
O direito humano ao envelhecimento e o impacto nas políticas públicas.
A professora Isolda esteve presente na banca de meu mestrado e foi uma
das professoras do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília
(UnB), com quem dialoguei durante o trabalho teórico e empírico
voltado para a mulher em processo de envelhecimento. Minha fala está
direcionada às mulheres que iniciam o processo de envelhecimento, dos
40 aos 60 anos, sendo a menopausa o evento biopsicossociocultural que
caracteriza esse momento da vida.
Além de psicóloga clínica, também me reporto ao lugar de analista
institucional que ocupo no Ministério da Saúde, consultora de uma
política pública – Política Nacional de Humanização (PNH) – que, em
2003, foi formulada por uma equipe multiprofissional de saúde –
psicólogos, médicos, enfermeiros e outros. Cabe ressaltar que foram as
reflexões desse trabalho do mestrado que me levaram para este lugar.
A PNH é uma política pública que tem como uma das diretrizes a
clínica ampliada, uma clínica caracterizada pelos diferentes saberes do
trabalho em saúde. Enfrentamos, portanto, um debate contemporâneo:
a centralidade da medicalização – que nos cuidados à mulher no seu
processo de envelhecimento se expressa pela alta recomendação médica
de reposição hormonal e uso de antidepressivos/ansiolíticos.
Trarei reflexões para pensarmos sobre esta fase da vida que antecede
a entrada na terceira idade. Principalmente, a importância da escuta

80
psicológica no modelo de atenção/assistência ofertado a esta mulher que,
depois de perder sua capacidade reprodutiva, se vê restrita às consultas
ginecológicas. Neste sentido, também estou plenamente satisfeita em estar
presente nesta mesa, de poder dialogar com colegas da área sobre o papel
do profissional psicólogo na formulação de políticas públicas de saúde.
É nessa indissociabilidade entre a clínica e a política que a PNH tem
procurado intervir, de forma transversal, nas demais políticas e programas
formuladas/implementadas pelas três instâncias (federal, estadual e
municipal) do Sistema Único de Saúde (SUS), e nos processos de intervenção
nos serviços e unidades de saúde do sistema. Essa questão vai de encontro
a um paradigma que consideramos, obviamente, ultrapassado, segundo
o qual a atuação do psicólogo clínico deve estar distante da política.
Como dito anteriormente, trata-se de enfrentar o modelo hegemônico
medicocentrado, biologizante, medicalizado e hospitalocêntrico.
A PNH, ao contrário, ao convocar a atuação profissional de forma
transdisciplinar, cuja presença do profissional psicólogo na formulação
de políticas públicas de saúde traz para pensarmos a importância do
acolhimento para o estabelecimento de vínculos entre profissional
e paciente, como central na linha de cuidado. Nessa política nós,
profissionais Psi, temos conseguido fazer diferença também como
analistas institucionais. Trata-se de trazer para a roda do trabalho em
saúde o não dito, o acting-out das relações de poder institucionalizadas,
caracterizadas nas relações entre as profissões de saúde e com os usuários,
esforçando-se para articular continuamente o sentido presente com o
sentido ausente, como nos lembra René Lourau, “a mensagem com seus
vazios semânticos”.
Bom, então vamos lá! Essa pesquisa teórico-clínica aconteceu durante
os anos de 2001-2002, a partir de uma demanda de escuta psicológica
ao Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos, do Instituto de
Psicologia da UnB (Caep), de um serviço hospitalar público de saúde
do Distrito Federal (DF), cujos ginecologistas e enfermeiras conduziam
um Programa de Atendimento ao Climatério. A decisão em acolher esta
solicitação fortaleceu uma linha de pesquisa existente no departamento
de psicologia clínica, sobre processos de envelhecimento. Assim,

81
realizamos: 1) estudo teórico sobre a faixa etária conhecida como meia-
idade ou idade madura, 2) levantamento sobre os tipos de atendimento a
mulher que se encontra nesta fase da vida, na rede pública hospitalar do
DF, 3) entrevistas com profissionais da área de saúde pública de Brasília
– enfermagem, ginecologia, psiquiatria, psicologia e administração
hospitalar e, 4) atendimento psicoeducativo na Unidade demandante
deste serviço. Cabe ressaltar que, nesse momento, estávamos eu e minha
orientadora, professora Vera Coelho, também conselheira do CRP, vivendo
as especificidades de nossa meia-idade.
Aqui cabe um comentário: no estudo teórico realizado identificamos
que as pesquisadoras eram, na grande maioria, mulheres que estavam
experimentando esse momento de vida. Como diz a pesquisadora
Marie-Cristine Laznik, a incapacidade fisiológica de gerar filhos pode
potencializar a mulher para outras situações de criação/geração: novos
casamentos, redirecionamento de carreira, desenvolvimento de pesquisas,
orientação de jovens/alunos, dentre outras. Já que ela não pode mais
gerar filhos, começa a gerar saberes.
Além dessa pesquisa, vou me referir à PNH – HumanizaSus – que
tem a transversalidade como um dos princípios centrais. Ou seja, trata-
se de aumentar o grau de conversa, de comunicação entre as diversas
políticas e programas de saúde, como por exemplo, com a Política
Nacional do Idoso. Outro princípio da PNH é a inseparabilidade entre o
modelo de Atenção à saúde e o modelo de Gestão. Gestão e Atenção são
indissociáveis. Dependendo de como os processos de trabalho acontecem
teremos a forma, o jeito como a assistência é ofertada à população. Aqui
já cabe uma reflexão na clínica que ofertamos aos idosos: o modo de
gestão na saúde tem se caracterizado pela fragmentação dos processos
de trabalho, autoritarismo e burocracia.
Podemos pensar, portanto, que a assistência prestada caracteriza-
se pela fragmentação do cuidado: 1) a especialidade, sem conversas/
combinações/acordos, 2) o saber médico que tem se colocado como o
mais importante do que os demais saberes da saúde (estamos ainda
enfrentando o polêmico ato médico), 3) o excesso de hierarquias/
instâncias que retardam o atendimento e a identificação dos diferentes

82
graus de agravos/vulnerabilidade, com graves prejuízos ao acolhimento
das demandas de urgência/emergências. Com isso, estamos produzindo
uma clínica do corpo de órgãos e não uma clínica do sujeito.
Por isso, a PNH tem como terceiro princípio o protagonismo e a
autonomia dos sujeitos envolvidos na produção de saúde. Trabalhadores,
gestores e usuários valorizados nos diferentes saberes que possuem.
O que queremos dizer com isso neste caso desta mesa? A mulher de
meia-idade, por exemplo, usuária do SUS, que vive seu envelhecimento,
tem um saber a partir de sua experiência neste processo, que vai além
das queixas físicas, cabendo ao trabalhador de saúde escutar/acolher o
que ela está dizendo (inclusive, o seu não dito). Ao fazer isso, estamos
produzindo não apenas saúde, mas também sujeitos. Assim, concluímos
que não há separabilidade entre clínica e política.
O que tem caracterizado a meia-idade ou a maturidade feminina?
Uma fase de ganhos, como dito anteriormente, mas também de perdas. A
mídia tem contribuído para a desvalorização da mulher que se encontra
nesta etapa da vida: valoriza-se a saúde, a juventude, a beleza. Assim,
se vive conflitos intensos diante do envelhecimento que aponta para
a impossibilidade de “podermos tudo” (como pensamos quando somos
jovens). Momento de mudanças – físicas e emocionais – e, por isso, crise!
Ao mesmo tempo, como toda crise, é momento de elaborações de perdas/
transformações, de reformulações e redirecionamentos.
A menopausa não tem sido escutada/percebida como uma etapa
natural da vida, mas como uma doença e, por isso, medicalizada. O
grande desafio a ser enfrentado neste momento é a busca de estratégias
para lidar com a finitude. E é nesse momento – por mais que saibamos,
desde sempre, que um dia a vida acaba – que o fim nos aparece como a
coisa concreta. Continuamos desejando a “vida eterna”.
Na pesquisa teórica tive acesso ao livro da psicanalista Delia Goldfarb,
que realizou um trabalho de escuta grupal com idosas. Uma delas, com 78
anos de idade, disse assim: “Eu deveria ter passado por um atendimento
psicológico como este quando iniciei meu processo de envelhecimento,
assim eu teria me preparado melhor para enfrentar este momento”. Essa
mulher idosa nos ensina que ela sentiu falta de ter podido conversar,

83
compartilhar, elaborar, dar sentido às mudanças impactantes do início
do processo de envelhecimento.
Qual é a idade e como é a entrada na menopausa? É diversificada,
cada uma de nós vive de maneira singular esta experiência. Entretanto,
existem aspectos comuns, partilhados por todas as mulheres “maduras”.
Momento do “espelho negativo”, na cultura ocidental, que valoriza,
cultua o corpo, a beleza e a juventude e, como dito anteriormente,
desvaloriza a velhice. É a juventude a qualquer preço. É claro que falamos
da mulher de classe social favorecida (o que não impede com que a
outra, da classe social desfavorecida, deseje): uso de hormônios, cirurgias
plásticas, cremes dermatológicos e aplicação de botox e tudo mais que o
mercado médico/farmacêutico tem nos disponibilizado.
E esta estranheza causada pelo não reconhecimento de si que a
mulher sente diante do espelho! Se antes jovem, diante do espelho, se
via com a pele lisa, brilhante, com certo viço, agora, as rugas, a opacidade
da pele, o ar de cansaço, denunciam que ela “não é mais” quem já
foi. Trata-se de um processo inverso, de desconstrução da identidade
formada na infância, para outra, a ser construída. Lacan dizia que o
sujeito se integra pelo olhar no espelho, olhar da mãe que o confirma e
a identidade é construída. O espelho negativo, por esse sentido, é uma
ameaça a esta integridade psicológica estruturada, afetando, portanto,
a saúde psíquica.
Assim, a atitude em relação ao envelhecer dependerá de cada cultura.
A nossa cultura ocidental, infelizmente, não ajudado e, ao contrário,
tem contribuído para o aumento do sofrimento de muitas mulheres no
enfrentamento da velhice.
A saúde pública tem contado muito com o movimento de mulheres e
de feministas na formulação de políticas públicas. Em geral, as políticas e
os programas privilegiam a mulher que está na fase reprodutiva, apesar
de, no fim dos anos 1970, o tema da menopausa/climatério ter aparecido
como fundamental no programa de atendimento integral à saúde
da mulher. Ainda hoje muitas secretarias estaduais e municipais não
produzem programas para que a mulher que envelhece esteja incluída
dentro da linha de cuidado à mulher.

84
A mulher idosa já está incluída na Política Nacional de Saúde da
Pessoa Idosa, que em 1999 teve sua primeira portaria e, recentemente, em
2006, teve esta política revista, atualizada. Se observarmos, essa mulher
da meia-idade está no limbo: ela não está nem lá e nem cá. Nem lá, no
momento em que se encontra fértil, em plena fase reprodutiva e que por
questões demográficas tem em sua defesa políticas e programas públicos
de saúde, e nem cá, idosa, para a qual o momento é o de fortalecimento
de ações para que a mulher idosa fique bem mais protegida.
Em 2002, o levantamento realizado sobre o atendimento à mulher na
menopausa no DF indicou que poucas unidades de saúde prestam serviços
ampliados para a mulher nessa faixa etária. Em geral, nestes lugares onde
algo a mais é ofertado além das consultas ginecológicas, como consultas
psicoeducativas de enfermagem, orientações nutricionais e de exercícios
físicos, auxílio do serviço social, são atividades que partiram de iniciativas
individuais dos profissionais de saúde. Ou seja, sem vínculo com uma
política, um programa da Secretaria Estadual de Saúde local. Iniciativas de
ginecologistas e enfermeiras que estudavam o tema e, portanto, tinham
interesse profissional de trabalhar com essa faixa etária.
E a escuta psicológica? Identificamos que a equipe de enfermagem
tem realizado a sua maneira este importante trabalho. Num atendimento
de quase uma hora, as enfermeiras desta Unidade onde realizamos
a pesquisa escutavam dores, lamentos e sofrimentos emocionais e
procediam com orientações educativas. Ou seja, muitas vezes eram elas,
as enfermeiras, as primeiras profissionais que ouviam “aquilo tudo que as
mulheres guardaram a vida toda e nunca tiveram para quem contar, com
quem compartilhar e, portanto, elaborar as experiências, perdas vividas.”
Por esta razão, fomos procurados por estas profissionais de enfermagem,
no Caep/UnB. Elas sabiam do limite que tinha o atendimento prestado.
Naquele momento me perguntei: qual é o lugar do psicólogo na
rede de saúde? E quantos somos? Em 2002, a Secretaria Estadual de
Saúde do DF ofertava 4 mil vagas para médicos, 205 para assistentes
sociais, 1.410 para enfermeiras e 76 vagas para psicólogos. Em novembro
de 2008, a Secretaria disponibiliza 175 vagas para os profissionais de
psicologia, mas informa que nem todos atuam nos serviços de saúde.

85
Um número bem reduzido desses profissionais de fato atua diretamente
na formulação e na implementação de políticas públicas de saúde. Esses
números nos dizem que a importância do trabalho psicológico ainda não
é reconhecida pelos gestores da saúde, cabendo ao Conselho Federal de
Psicologia corroborar sobre a relevância do saber psicológico, integrante
da atuação multidisciplinar do Sistema de Saúde. A realização de eventos,
como este seminário, também é uma maneira de analisarmos como tem
sido nossa atuação (em quantidade e qualidade) na saúde pública.
O atendimento psicológico grupal realizado nos mostrou que as
mulheres precisam falar das falências das estratégias adotadas para
cumprir os seus papéis – filha, mãe, esposa, trabalhadora ,etc. Mostrou
que o desconforto da menopausa pode ser o visível que pode ser falado
de um invisível que não encontra caminho de expressão, algo que o
atendimento psicológico poderia proporcionar. O físico rebate com
sintomas às situações, reflexões, pensamentos e devaneios que a mulher
não pode dizer, porque não tem alguém para escutar.
Nós, psicólogos, sabemos disso. Como este canal não está disponível,
o sofrer solitário tem sido medicalizado, nas consultas médicas.
A mulher, ao passar por um consultório médico – ginecologista,
psiquiatra, cardiologista – é medicalizada com antidepressivos, ansiolíticos,
mesmo que ela nunca tenha tido história de depressão. As tristezas
diante das desilusões, incômodos, frustrações e perdas, também diante
do espelho, não encontram espaços de elaboração, de busca de sentido
e significado. Os temas trazidos nos grupos de encontro com mulheres
de meia-idade e também na clínica individual são: o evento em si da
menopausa (desconhecido pela maioria), a sexualidade, o processo de
envelhecimento e limite imposto pela finitude e os estados depressivos. O
envelhecer é a questão para essa mulher. Em geral as mulheres não sabem
o que é a menopausa, a desconhecem como um evento fisiológico e pouco
criticam, pouco analisam como um evento sociocultural, necessitando de
orientações psicoeducativas.
O preconceito em relação ao envelhecimento feminino é bem maior que
em relação ao envelhecimento masculino. Segundo elas, suas falam são
classificadas como, simplesmente, queixosas e sem sentido. “O problema não

86
é esse, os problemas são outros”. Esses “outros” problemas são os desafios
psicológicos, emocionais dessa história de vida que esta mulher nunca teve
a possibilidade de pensar/analisar. Estamos falando de uma maioria da
população brasileira que não tem acesso a uma escuta psicológica.
Sobre a sexualidade na idade madura: a menopausa não impede que o
corpo erotizado continue desejoso de encontros, de afetos. Não perdemos
essa erotização que foi iniciada ainda quando éramos bebê. A mulher
permanece ativa sexualmente, mas existem muitas histórias de falta de
prazer, devido às experiências de desafetos, de violência física e moral,
situações singulares que foram vivenciadas ao longo da história e que
não encontraram espaços para ser falados e elaborados. A sexualidade
pode ser problemática quando vivenciamos relações amorosas, afetivo-
sexual, problemáticas. Ou seja, existem encontros/casamentos falidos,
com problemas de toda ordem. A mulher muitas vezes costuma ser
responsabilizada, pelo companheiro, do fracasso da vida conjugal.
Sabemos, por meio da escuta psicológica, que os homens também têm
suas dificuldades. Entretanto, é para essa mulher que esses problemas são
direcionados. Em geral, são vidas conjugais e sexuais insatisfatórias, o que
não significa que a sexualidade não esteja ali e possa ser experimentada e
vivenciada de maneira rica, como quando se era jovem.
Ouvimos mulheres que cuidam de netos, de filhos que ainda não saíram de
casa, dependentes financeiramente desta mulher, portanto, sobrecarregadas
de outros afazeres que perturbam, desalinham o curso de sua vida.
Quanto às reações depressivas: algumas das mulheres que ouvimos
tinham vivenciado momentos depressivos em outras etapas da vida,
mas nem todas. As pesquisas sobre climatério costumam estudar esta
variável, a depressão. Mas é importante, como já dito, ter cuidado neste
diagnóstico, porque nem todas as mulheres viveram perdas irremediáveis.
Muitas experiências de perdas são elaboradas e não acarretam danos
estruturais na personalidade.
Temos, portanto, uma discussão sobre esse tema sobre o qual eu penso
ser necessário refletir. O que faz falta, de fato, é a possibilidade de expressão
e busca de sentido das experiências vividas. É necessário considerar a
linguagem como um material privilegiado, cujo não dito também ocupa

87
o seu lugar. Sabemos, como psicanalistas, que a impossibilidade de
expressar a palavra, simbolizando um vazio existencial, as manifestações
corpóreas expressam, de forma sintomática, uma indicação de uma
vivencia traumática deste momento da vida. A medicalização entra então
como a promessa de atacar esses sintomas e abreviar o tratamento.
Em relação ao tema do envelhecimento: percebemos que se trata de
um assunto que as mulheres não queriam analisar, apesar de este tema
surgir aqui e acolá nas falas das participantes dos grupos e pensamos
que se trata de um reflexo da sociedade contemporânea. A atualidade,
analisada por profissionais das ciências sociais e humanas, caracteriza-
se pela exacerbação do narcisismo. Como que é poder envelhecer numa
sociedade em que queremos ser tudo? Talvez a confrontação com a finitude
seja de fato a experiência limite do “não poder ser”. Daí a importância da
atuação psicológica para essa etapa de vida, pois o que a seguir é um
futuro “de não ser tudo”, de “impossibilidades” de se retornar àquilo que
se foi um dia ou daquilo que se gostaria de ser, quando jovem. E não tendo
o desejo, a mulher mais velha pode ser arrancada do próprio desejo.
Nessa experiência de intervenção psicológica grupal com mulheres de
meia-idade pudemos perceber a necessidade delas em compartilhar suas
experiências, de conversar com outras que se encontram na mesma etapa
de vida e poder ouvir o que se está falando. Os profissionais entrevistados
foram unânimes em dizer sobre a importância da escuta psicológica para
essa etapa da vida, nessa perspectiva de uma clínica, uma clínica ampliada,
e não essa clínica reduzida que tem “tratado” dessa mulher.
Neste paradigma de inclusão pensamos a PNH. A inclusão dos
diversos saberes, do saber do paciente, não apenas dos profissionais,
e dos aspectos afetivos e sociais que caracterizam este momento de
vida. O saber especialista tem colocado essa mulher numa relação de
assujeitamento. A clínica reduzida hegemônica é hospitalocêntrica,
medicocentrada e medicalizada, atingindo não só esta faixa etária, mas
a todos. É importante não perder isso de vista.
Na época da minha pesquisa li, num dos estudos sobre a menopausa,
que na Suíça grande parte dos médicos não frequenta Congressos, não
lê artigos científicos. Se atualiza pelos representantes de laboratórios

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que passam pelos seus consultórios distribuindo amostra grátis de
medicamentos, de hormônios. Isso é preocupante. Se na Suíça era, até
recentemente, assim, no Brasil não deve ser tão diferente. Frequentamos
consultórios médicos e vemos estes representantes de laboratórios com
suas maletas de remédios. Gostaria de chamar a atenção sobre esse
aspecto, pois nos preocupa que o saber científico esteja centrado nas
mãos das indústrias farmacêuticas.
O papel da escuta psicológica, o acolhimento das questões relativas
às experiências de vida é necessário nos processos de subjetivação. O
acolhimento da estranheza diante deste novo – o envelhecimento –
precisa de um lugar para ser pensado. Lembrando que é possível reavaliar
e orientar a própria vida.
Como analistas institucionais, em hospitais públicos, nossa intervenção
se dá num modelo de gestão e assistência fragmentada, numa rede
desconectada, onde não há conversas entre a atenção primária, secundária
e terciária. Há ausência de trabalho em equipe e multidisciplinar. Existem
equipes médicas, de enfermagem, de psicólogos, etc., mas não existe uma
equipe multidisciplinar que realiza um projeto terapêutico para o paciente,
responsabilidade de todos que o atendem. A ausência do psicólogo no
campo da gestão também tem contribuído para esta situação, pois é
com o saber, com as questões propostas pela análise institucional que
podemos melhor intervir nas linhas de cuidado da saúde.
Essa interface de atuação da psicologia com o SUS deve ser dar no plano
coletivo, nas equipes de trabalhadores, de trabalhadores com usuários,
repensando-se, portanto, as políticas e os programas de saúde. Falamos
da inseparabilidade entre os modos de atender, de cuidar e de gerir os
processos de trabalho, como afirma Regina Benevides, psicóloga, professora
aposentada da Universidade Federal Fluminense e uma das mentoras da
PNH. A clínica ampliada é um compromisso com o sujeito no plano coletivo,
estímulo a diferentes práticas terapêuticas, com responsabilidade dos
gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde. Nosso
lugar como psicólogos é o de estimular práticas de atenção compartilhadas
e resolutivas, racionalizar e adequar o uso de recursos em SUS, em especial
o uso do medicamento, eliminando ações intervencionistas desnecessárias.

89
Ampliar o diálogo entre trabalhadores e a população, sempre nessa linha de
uma gestão da saúde de forma compartilhada.
Para concluir, trago uma frase que eu ouvi na pesquisa e que reafirma
a importância da escuta psicológica nos cuidados à saúde da mulher em
processo de envelhecimento: “o problema é que não temos ninguém
para nos ouvir. E quando se tem alguém que é todo ouvidos, como vocês,
temos de aproveitar e falar. E a gente tem tanta coisa para falar e poder
pensar. Uma vida toda até hoje vivida”.
Obrigada.

Referências Bibliográficas
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Sociedade; 17 (2): 21-25; mai/ago.2005.
BRASIL, Ministério da Saúde. Documento Base: Política Nacional de Humanização. Brasília:
Ministério da Saúde. 2008.
BRASIL, Ministério da Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. Brasília:
Ministério da Saúde, 2005.
FURTADO, A. M. Um corpo que pede sentido: um estudo psicanalítico sobre mulheres na
menopausa. Revista Latino-Americana de Psicopatologia Fundamental, iv (3), 27-37. São Paulo:
Escuta. 2001.
GOLDFARB, D. C.. Corpo, Tempo e Envelhecimento. São Paulo: Casa do Psicólogo. 1998.
LOURAU, René. A Análise Institucional. Petrópolis: Vozes. 1975.
MORI, M. E. A vida ouVida: a escuta psicológica e a saúde da mulher de meia-idade. Dissertação
de Mestrado não publicada, Departamento de Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia,
Universidade de Brasília. UnB, Brasília, DF. 2002.
MORI, M. E.; COELHO, V. L. D. Mulheres de Corpo e Alma: Aspectos Biopsicossociais da Meia-Idade
Feminina. Revista Psicologia: Reflexão e Crítica, 7(2), pp.177-187. 2004.
MORI, M. E.; COELHO, V.L.D; ESTRELLA, R. SUS e políticas públicas: atendimento psicológico à
mulher na menopausa no Distrito Federal. Revista: Caderno de Saúde Pública, FioCruz, Rio de
Janeiro, 22(9):1825-1833. 2006.

90
O direito humano ao envelhecimento
e o impacto nas políticas públicas

Desafios de uma cultura de compromisso social

Laura Mello Machado20

Quero muito agradecer o convite para estar aqui, principalmente às


professoras Anita Neri, Ruth Lopes e Delia Goldfarb, que me indicaram
para estar aqui. E quando a conselheira Acácia Santos entrou em contato
comigo, e eu vou explicar a você, Daniela Lopes. porque eu disse “Não
me tire meus 20 minutos”, logo de início, por ser a última. Eu fiquei
extremamente emocionada e montei minha fala de uma maneira que
pudesse mostrar para vocês um pouquinho da minha emoção de estar
aqui hoje. Eu disse para ela que eu estaria hoje de férias, três dias de
férias, porque ontem foi Dia da Consciência Negra, na minha cidade, no
Rio de Janeiro era feriado, eu ia fazer essa ponte. E, realmente, diante do
convite, me sinto dentro da minha casa profissional, dentro do Conselho
Federal de Psicologia, trinta anos depois do dia em que eu me formei, dia
21 de novembro de 1978 e este foi meu último dia de estágio no Serviço
de Psicologia Aplicada (SPA), da PUC-RJ. No dia 1º de novembro eu recebi
meu diploma e fiz a minha jura profissional. Então é extremamente
importante e emocionante estar aqui.
Para começar minha fala, esse título me fez montar um percurso muito
difícil, porque eu tinha de falar sobre envelhecimento, subjetividade,
direito humano, impacto nas políticas. Então eu vou convidar vocês para
um filme, um filme de mim mesma preparando essa fala. Me dei conta
que começou em 1978, quando eu escolhi fazer psicologia clínica e
também hoje trabalho um pouco com políticas públicas, então é possível

20. Mestre em psicologia clínica, Representante para a América Latina e o Caribe da International
Network for the Prevention of Elder Abuse (Inpea), Consultora do Banco Real para o projeto
Talentos da Maturidade, membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e
representante da Associação Internacional de Gerontologia da ONU (IAGG).

91
e mantenho, continuo na clínica privada como psicóloga, trabalho só
com pessoas idosas ou filhos de pessoas idosas, mas, naquele ano, para a
gente se formar, eu tinha de fazer um estágio em clínica.
Lá fui eu para o SPA, e qual não foi a surpresa da vida, e só muitos
anos mais tarde é que eu consegui entender isso. A primeira paciente
que chegou e que ninguém queria pegar, naquela época, era uma mulher
de 50 anos. Ninguém queria pegar essa senhora. Eu aceitei prontamente,
não sei como, não sei o que me veio, só anos depois é que eu fui repensar
essa questão. Eu tinha 22 anos. Em um ano, psicoterapia focal, como tem
no SPA, aquela senhora que procurou, recém enviuvada, num quadro de
depressão, na menopausa. E eu pensava, como foi possível, em um ano,
eu conseguir prestar um atendimento a essa senhora.
Naquela época, achei que era devido aos excelentes supervisores que
eu tinha. Depois, passados os meus anos de percurso profissional, entendi
que já desde aquele momento eu não tinha preconceito contra as pessoas
idosas. Eu acreditava que elas podiam e mereciam receber tratamento
psicoterápico e que elas podiam ser beneficiadas. Eu não tenho a menor
dúvida que foi isso que fez com que aquela senhora saísse.
Então, naquela época, eu nem sequer tinha instrumental teórico
que a faculdade me desse para chegar àquele resultado. E, aliás, queria
saber o seguinte: quem aqui nesta sala é psicólogo pode levantar a
mão, se teve, no curso de graduação, Psicologia do Desenvolvimento
IV, que incluiu envelhecimento e velhice, por favor. Seis pessoas. Eu
também não tive. E eu acho, Daniela, que isso é um primeiro ponto que
eu queria deixar aqui como contribuição, que é a atuação do Conselho
Federal de Psicologia nas políticas públicas, no Ministério da Educação.
A Política Nacional do Idoso recomenda a inclusão nos cursos de
graduação e até hoje vocês vejam como nós não somos capacitados
para exercer essa função.
Em 1978 nossos cursos de psicologia estavam centrados na
criança, nós estudávamos psicologia infantil, as teorias psicanalíticas
vinham carregadas de Melanie Klein, de Winnicott e de tantos outros
que contribuíram para a história da psicologia clínica. Mas, para nós,
psicologia do desenvolvimento parava na vida adulta.

92
Passaram-se 10 anos. Na minha historinha aqui eu vou de décadas
em décadas. Em 1988, novamente voltei para a minha casa, a PUC do
Rio de Janeiro, e o meu projeto era Psicanálise e Velhice, resistência
ou reexistência, esse é o título da minha dissertação de mestrado, para
quem quiser acessar. E de novo, eu passei pelo preconceito, ninguém
queria me orientar. Não havia, dentro do curso de psicologia da PUC do
Rio de Janeiro quem quisesse me orientar, porque não era uma temática
sequer que aqueles professores tinham conhecimento, mas, mais do que
isso, o preconceito estava ali de novo.
E minha dissertação trabalhou sobre isso, foi buscar, arqueologicamente,
onde a nossa própria ciência de alguma maneira também contribuiu
enquanto saber na perpetuação desse preconceito em relação à pessoa
idosa. Fazendo um histórico, rapidamente, cheguei aos dois textos
principais sobre a psicoterapia e o método psicanalítico, que dizia
que, se a idade do paciente estiver na casa dos 50, as condições para a
psicanálise tornam-se desfavoráveis. A idade dos pacientes tem assim
grande importância em sua adequação ao tratamento psicanalítico. Por
outro lado, perto ou acima dos 50, a elasticidade dos processos mentais,
dos quais depende o tratamento, normalmente estaria ausente.
Pessoas idosas não são mais educáveis. Isso foi Freud no início do
século, quando na Inglaterra e na Europa a esperança média de vida
ao nascer era de 50 anos, então as pessoas eram idosas aos 50 anos.
Mas quem decidiu me receber naquela altura na PUC, em 1988, como
meu orientador, Sérvolo Figueira, psicanalista, era muito amigo, naquela
época, de um psicanalista inglês, Peter Hildegrand, que vinha publicando
muito sobre essa questão do envelhecimento. Então eu fui lá bater na
porta da clínica, onde ele estava.
Só que, do momento em que eu comecei a minha dissertação de
mestrado ao momento em que eu terminei, em 1988, houve mudanças
na clínica e nossos rumos profissionais se diversificaram. Bom, e isso foi a
minha tese de mestrado e eu continuava na clínica, comecei a atender e
eu dizia: “Meu Deus do céu, meus pacientes melhoram, melhoram muito
e melhoram rápido, o que é que é isso, por onde passa?”. Evidentemente,
fomos estudando, fomos buscando uma formação fora do Brasil e a nossa

93
caminhada continua, mas é só para mostrar para vocês que não só as
evidências clínicas iam contrárias a esse preconceito, como a vida vinha
mostrando que a expectativa de vida ao nascer vinha aumentando.
No Brasil, em 1980, a gente já tinha expectativa de vida de 63,5 anos
e não se justificava essa barreira contra, essa exclusão à possibilidade de
uma pessoa com mais de 50 ou mais de 60 ou mais de 70 ter acesso a um
tratamento psicológico. Isso é só para dar uma ideia rápida para vocês
que o nosso mundo, sim, está envelhecendo, está envelhecendo a passos
largos, nos países menos desenvolvidos, muito mais aceleradamente do
que nos países desenvolvidos.
Não vou perder tempo com dados. O Brasil que, em 1950, tinha 2
milhões de pessoas com mais de 60 anos, era o 16º país no mundo. Daqui
a alguns anos, será o sexto país do mundo com mais pessoas acima de 60
anos, com 32 milhões de pessoas nessa faixa etária. Então o preconceito
não se justifica mais, as evidências numéricas estão aí. Começamos a
pensar direito humano e envelhecimento e para isso, efetivamente, a
gente tem de fazer um mergulho nas políticas públicas.
Nós temos a Política Nacional do Idoso, o Estatuto do Idoso, que veio
em 2003, quase dez anos após. Em 2004, veio o Conselho Nacional dos
Direitos da Pessoa Idosa. Me vejo nessa retrospectiva e, felizmente, algumas
colegas também aqui presentes, nós somos atores e sujeitos dessa própria
história. Eu digo hoje que fico extremamente feliz por estar aqui dentro da
minha casa, vendo essa temática sendo incorporada e a importância dessa
temática sendo incorporada e discutida dentro do Conselho de Psicologia.
Já foi mencionada aqui a importância da mídia nos direitos humanos.
Embora o Estatuto do Idoso já estivesse tramitando no Congresso e
debaixo das gavetas para ser aprovado, essa questão do preconceito é
muito forte. A gente bate na porta. A gente faz um enorme trabalho
e a gente leva muito tempo para pensar. E eu acho que é do domínio
desse Conselho aqui que pensar isso, dessa profissão, do nosso conselho
profissional. A barreira do preconceito é tão grande que é difícil mover
as políticas públicas na área do envelhecimento. A criança, o jovem, o
adulto sempre passam na frente e, se possível, mesmo em termos de
políticas, a do idoso vai ficando para trás.

94
Não fosse aquela novela, talvez hoje o Estatuto do Idoso ainda não
tivesse sido aprovado. Quer dizer, a força que isso ganhou na sociedade
brasileira fez que aquele projeto do senador Paulo Paim (PT-RS), que
estava debaixo da gaveta viesse à cena, graças à força da mídia.
Marcos legais internacionais, também rapidamente. Aliás eu vou voltar
aqui antes para fazer uma análise crítica sobre a questão das políticas
públicas nacionais. Avançou-se muito nos últimos anos. Já temos vários
programas, várias ações, mas para o idoso saudável. O idoso saudável,
graças a Deus, aquele ativo e com dinheiro, ele já está bem. Mesmo
os sem dinheiro, se percorrermos esse Brasil inteiro, as Secretarias de
Ação Social estão cheias de programas, graças a Deus, de lazer, para
essas pessoas idosas. Eles vão lá, eles dançam, eles se encontram nos
Centros de Convivência. A nossa Política Nacional do Idoso, comparada
a qualquer outra política da América Latina, dispara, é a mais completa,
efetivamente é completa, mas ainda deixa muito a desejar. A crítica que
a gente faz a essas políticas e mesmo ao estatuto, que é muito bem-
feito, é sobre os programas e ações para o idoso frágil. O idoso frágil,
aquele que precisa de assistência, do ponto de vista da saúde mental, ele
está absolutamente negligenciado pelas políticas públicas.
Nós vamos ter oportunidade de ouvir aqui Dra. Mônica Yassuda,
que vai falar especificamente de uma paciente, uma pessoa idosa com
demência e seus familiares. Nós não temos rede social, nós não temos
centros diurnos de atenção. Recai no cuidado sobre a família, e nós
vimos as famílias sem condições para assistir esse idoso. Então esse é
o primeiro ponto, talvez, para a Carta de Brasília, para que se registre
aqui a importância que tem o profissional da área de saúde mental, em
particular o psicólogo, na atenção ao idoso frágil no nosso país.
Em termos de políticas internacionais fizemos um longo percurso
desde 1948, aqui lembrado hoje, como os 60 anos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, passando pela Primeira Assembleia Mundial do
Envelhecimento. O que eu poderia dizer assim tão rapidamente sobre
a importância dessa assembleia? Primeiro, que foi a primeira. E aí eu
volto a dizer, em 1982, um pouco antes, era o momento em que as
Nações Unidas e todos os seus Estados membros se deram conta da

95
importância da conquista do envelhecimento e do impacto que ele ia
ter para as políticas públicas.
Mas o que aconteceu nessa mesma época? A epidemia da Aids
começou no mundo, Peter Hildebreng, por exemplo, passou a trabalhar
com a Aids. Então, a verba destinada à epidemia da Aids no mundo,
não tenho a menor dúvida, atrasou os avanços para a questão do
envelhecimento, inclusive da produção científica e das verbas de
pesquisa. Felizmente, vinte anos depois, em 2002, nós tivemos a Segunda
Assembleia Mundial do Envelhecimento, que destacaria como um dos
pontos principais o reconhecimento da importância de que os próprios
idosos sejam protagonistas e de que eles reivindiquem, avaliem as
políticas e direcionem sugestões.
Já foi mencionada, pela manhã, e eu quero retomar, a importância de
o Brasil ter sediado, aqui em Brasília, em 2007, a Segunda Conferência
Internacional. Foi resultado deste encontro a Declaração de Brasília, em que
foi proposta pioneiramente pelo Brasil a possibilidade de uma Convenção
das Pessoas Idosas. Para quem não conhece – que eu agora estou
descortinando e tentando entender nos últimos três anos essa questão
da ONU – uma convenção está para a política de envelhecimento mundial
assim como o estatuto está para a política nacional, ou seja, já existe um
plano internacional do envelhecimento, mas sem uma convenção a gente
não tem força jurídica para que os Estados membros das Nações Unidas
efetivamente disponham recursos e se comprometam com aquilo.
Mais ou menos em 1998, 2000, a gente tinha Política Nacional do
Idoso, mas não tinha um estatuto, e vocês vejam como mudou depois
do estatuto. Nós fizemos ano passado uma pesquisa com idosos, se eles
sentem que houve uma melhora em termos de respeito aos seus direitos.
Eles sentem que estão sendo mais respeitados e eles mencionam que é
graças ao estatuto. Então é nesse caminho que nós estamos. No caminho de
o Brasil efetivamente ter, como nunca, um reconhecimento internacional
enorme. E a Convenção sendo liderada pelo Brasil e pela América Latina
está tendo, assim, uma grande força, mas isso leva anos, como disse o
ministro Vannuchi pela manhã. É muito diálogo, muita conversa, mas é
nesse caminho internacional que a gente tem de caminhar.

96
Às vezes a gente vai a fóruns e mesmo à Conferência Nacional das
Pessoas Idosas, discute-se muito o estatuto, que é importante. E quando
a gente vem mencionar a importância do Plano Internacional de Madri,
como eu fui em alguns grupos de idosos, ano passado, no Rio de Janeiro,
eles dizem assim: “Não, mas espera aí, eu quero discutir a minha política,
aqui, local. Não quero saber dessa coisa internacional”. Mas uma coisa
está ligada à outra. O português, a língua portuguesa não é língua
oficial na ONU, então a gente vai tentar conversar com as secretarias
a possibilidade de traduzir este documento, que é um documento
norteador de políticas públicas internacionais. E não adianta o Brasil ser
pioneiro na luta de encabeçar os direitos humanos das pessoas idosas
se, minimamente, quem está trabalhando lá na ponta, com política
pública com idoso, não tem acesso, por uma questão até de barreira de
linguagem a esse documento.
E fica uma questão. Avançamos em termos de políticas internacionais,
efetivamente? E a gente cai na mesma questão que na política nacional.
Avançamos, avançamos muito, estamos no caminho de uma convenção
mas, volto a dizer, é difícil, é árdua a luta, é uma militância difícil porque
para romper a barreira do preconceito e para que todos os países
membros da ONU assinem é uma dificuldade.
Vou trazer um exemplo do que eu estou falando, para trazer
concretamente. Vocês viram o percurso de políticas internacionais na
ONU, uma coisa da maior importância que o Brasil também foi signatário,
todos os países membros, que foram as metas do milênio. Todos
conhecem as metas do milênio descritas pela ONU? Só para lembrar a
vocês: envelhecimento não está lá. A questão do envelhecimento não
é contemplada. Esse é um documento de 2001. E aí vem a questão de
que continuamos lutando contra a questão do preconceito. É difícil
para o psiquismo humano pensar e romper a barreira de que nós somos
finitos, de que nós estamos envelhecendo, e de que nós podemos, como
mostrou o filme, esperemos que não, mas todos nós podemos um dia
ser pessoas portadoras de alguma dependência. Isso no psiquismo
humano é de tal dificuldade na concepção que talvez seja uma das
maiores barreiras.

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Ainda somos muito poucos. O envelhecimento está aí, nós psicólogos
temos de nos capacitar. É uma nova demanda, nós temos de estar
preparados para a questão do envelhecimento no século XXI. Quando a
gente vai para essas conferências internacionais, são muitas as mesas-
redondas para crianças, são muitas no direito das mulheres, nos direitos
dos indígenas, nos direitos dos gays e na questão do envelhecimento havia
duas ou três mesas. A colega conselheira hoje pela manhã mencionou
o art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que contempla
a velhice já em 1948, mas contempla ainda numa visão medicalizada.
O art. 25 fala na questão do direito à segurança, desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice. Ela contempla, mas ela contempla a velhice.
Coube a nós a mostrar o seguinte: muito embora o art. 25 mencione
levemente a questão do envelhecimento, no art. 2 “todo homem tem
capacidade para gozar os direitos e liberdade estabelecidas nessa
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional,
social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”. Onde está a
discriminação por idade neste documento? Diz-se: “sem distinção de
qualquer espécie, seja de”, não tem a palavra idade. Normal, era 1948
quando foi feita a Declaração Universal dos Direitos das Pessoas,
absolutamente normal a questão da idade, da discriminação por idade.
Por exemplo, no mercado de trabalho ainda não era uma questão.
Excluir a referência ao envelhecimento da Declaração Universal dos
Direitos Humanos poderia ser e compreensível aceitável há 60 anos,
hoje é indesculpável. Portanto, faz-se necessária, sim, a mobilização
dos governos, da sociedade civil e de todos os Estados para que
efetivamente a gente caminhe no sentido de uma Convenção dos
Direitos das Pessoas Idosas.
Por que é que, por exemplo, foi mencionado pelo ministro Vannuchi,
hoje pela manhã, que 37 países membros da ONU foram consultados e
foram contra a Convenção das Pessoas Idosas? Tem custo também. Tem
um custo, tem um impacto econômico, tem o impacto social, porque a
partir do momento que existe uma ratificação, existe um compromisso
pelos Estados membros na assinatura daquele documento. Isso significa,

98
sim, políticas públicas nacionais; isso significa, sim, investimento
financeiro, mas, volto a dizer, é a chance que nós temos.
O Brasil efetivamente está liderando esse processo, mas isso depende
de muito diálogo, depende de toda a sociedade civil organizada, e nós
aqui, Conselho, eu acho que temos também o nosso papel no sentido
do caminho. E por que não uma Convenção das Pessoas Idosas, quando
se tem desde 1969 de raça, 1981 de mulher, 1990 das crianças, aprovada
este ano a dos portadores de necessidades especiais. Por que não dos
direitos dos idosos? Por que quando se falava na criança, na mulher ou
nos portadores de necessidades especiais todo mundo via como um
processo natural novamente. Por que na hora que chega no idoso: “Ah,
não, o idoso vai trazer muito custo, não vamos assinar”?
Então, eu termino a minha conferência voltando para nós, voltando
para a psicologia, voltando para uma foto feita em 1978. Não foi uma
foto, foi uma caricatura que meu ex-marido fez para que a gente pudesse
divulgar o Primeiro Seminário sobre Envelhecimento, o primeiro curso sobre
envelhecimento que fiz, então na Universidade Cândido Mendes. Ele ali quis
mostrar como é difícil para nós nos vermos na pele de uma pessoa idosa. Nós
não nos sentimos com a idade que temos. Não importa a idade que qualquer
um de vocês tenha aqui, vocês não se sentem com a idade que vocês têm e
há uma profunda dificuldade de se imaginar daqui a alguns anos.
A mensagem que eu deixo é de esperança, é uma mensagem de que
alguns dos pontos que a gente mencionou aqui vão para essa Carta
de Brasília. Eu estou com 52 anos, estava com 22 a 30 quando me
formei e espero, daqui a 30 anos, com 82, quem sabe, estar aqui com
vocês no Conselho Federal de Psicologia, num mundo que efetivamente
contemple o que a ONU tanto prega, uma sociedade para todas as idades.
E quando nós chegarmos a esse modelo, provavelmente a gente não vai
precisar mais de estatuto, a gente não vai precisar de filas especiais para
pessoas idosas, a gente efetivamente vai ter uma sociedade inclusiva,
uma sociedade construída para todas as idades. E que a gente tenha
efetivamente relações intergeracionais, eu acho que são modelos,
também já foi falado aqui que a gente não tem tempo, a questão da
solidariedade que eu acho que é um caminho.

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Esperemos que a gente tenha melhores dias, inclusive para a política,
que a Convenção das Pessoas Idosas possa ser assinada. E, para terminar,
mencionar a vocês que no ano que vem nós vamos ter o Congresso
Mundial de Gerontologia em Paris. Convido todos que quiserem a estar
conosco lá, discutindo as questões do envelhecimento. Agradeço o
convite do Conselho e esperemos efetivamente que o Conselho possa
suprir essa dívida, como nós comentamos hoje de manhã. Acho que o
Conselho ainda pode fazer muito, eu tenho certeza que vai fazer em prol
da saúde mental das pessoas idosas.

100
Saúde e envelhecimento:
prevenção e promoção

101
Saúde e envelhecimento:
prevenção e promoção

As necessidades afetivas dos idosos

Anita Liberalesso Neri21

Quando fui convidada para esta mesa, tive liberdade para a escolha
do tema. Escolhi falar sobre As necessidades afetivas dos idosos, por três
motivos. Primeiro porque essa é uma questão que tem relação direta
com prevenção e promoção da saúde. Em segundo lugar, porque é uma
questão evolutiva importante. Em terceiro, porque é uma área à qual
venho dedicando esforços de pesquisa há vários anos. Vou focalizá-lo sob
um ponto de vista da Psicologia do Envelhecimento, numa perspectiva
de desenvolvimento ao longo de toda a vida (life span) e, também, sob
o ponto de vista da Psicologia Positiva, um movimento que prioriza a
consideração das razões pelas quais os seres humanos florescem, e não
aquelas que determinam desajustamento, patologias e perdas.
Será que as necessidades afetivas dos idosos são diferentes daquelas
que caracterizam pessoas vivendo outras fases da vida? Veremos que
não é assim.
A primeira necessidade afetiva dos seres humanos é o amor, que
entre os gregos era concebido como um fenômeno com três formas
de manifestação: Eros, Filia e Ágape. O que será que isso tem a ver
com envelhecimento, com possibilidade de envelhecer bem e com
a possibilidade de ganhar recursos psicológicos para enfrentar as
vicissitudes do envelhecimento?
Consideremos primeiro Eros, o amor erótico, que se manifesta com
maior ênfase na juventude e na vida adulta, quando tem óbvio sentido
filogenético, ou seja, está a serviço da continuidade da espécie. Tem

21. Psicóloga, doutora em Psicologia pela USP, professora livre-docente e titular pela Unicamp. Cientista
visitante no Instituto Max Planck for Human Development and Education em Berlim, Alemanha, em
1994 e 1998. Introduziu o paradigma life span em Psicologia e em Gerontologia no Brasil.

103
também importância ontogenética, na medida em que as relações de
intimidade e o prazer derivado do contato com o parceiro funcionam
como forças motrizes do autoconhecimento e do crescimento pessoal. O
Cântico dos Cânticos, livro do Antigo Testamento, celebra o amor erótico
como um símbolo da aliança de Deus com seu povo: “Põe-me como um
selo em teu coração, como um selo sob os seus braços, porque o amor
é forte como a morte, a paixão é violenta como o scheol (habitação dos
mortos), seus ardores são chamas de fogo, os seus fogos, a chama do
Senhor” (3, 2-3).
Em outra passagem, esse livro enfatiza a intimidade que se estabelece
entre os amantes: “Vou levantar-me e percorrer a cidade, as ruas e as
praças, em busca daquele que minha alma ama. Procurei e não o
encontrei, os guardas encontraram-me quando faziam a ronda da cidade.
Vistes acaso, aquele que minha alma ama?” (3, 8-6). Ou seja, aquele de
que minha alma conhece a intimidade, aquele ao qual eu me liguei em
favor do cumprimento de objetivos adequados ao meu crescimento e
ao crescimento do parceiro. Neste sentido, a intimidade está a serviço
do desenvolvimento e da integração da personalidade. O amor erótico
associado à intimidade remete ao desenvolvimento do self, o qual beneficia
o indivíduo, seu parceiro e a descendência. Para Erich Fromm, em A arte de
amar, de 1964, a intimidade é um dos temas centrais do desenvolvimento
adulto: “O desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do ser
humano, é a paixão mais fundamental, é a força que conserva, juntos, a
raça humana, o clã, a família e a sociedade” (p. 34).
A intimidade está também a serviço do cuidado, que se traduz no
cumprimento de três conjuntos de ações: a de educar e proteger a
descendência; a de criar ideias, valores, bens materiais e bens espirituais,
e a de oferecer e manter esses elementos. Essas ações encontram a sua
máxima impressão na meia-idade e na velhice, por meio do que Erick
Erikson, em O ciclo de vida completo, definiu como geratividade, ou
tendência a passar o bastão para a geração seguinte. Na vida adulta, a
geratividade relaciona-se com a procriação, a proteção e a educação da
prole. Na meia-idade, ela se expande para a consideração das novas gerações
o desejo de atuar como conselheiro e mentor. Na velhice avançada, pode

104
significar a preocupação com o bem-estar da humanidade. A sabedoria é
a característica do ego que deriva da resolução da crise psicossocial que
coloca em oposição e complementaridade a geratividade e a estagnação.
A geratividade está associada com a continuidade do indivíduo para
alem de sua existência material. Segundo McAdams, Hart e Maruna, em
texto de 1998, é expressão do desejo simbólico de imortalidade.
O cuidado comporta múltiplas manifestações, incluindo a
interdependência entre os contemporâneos, os mais jovens e os mais
velhos, e as entre estes e as novas gerações. Cuidar na meia idade e
na velhice é uma tarefa normativa que, se por um lado pode acarretar
ônus de natureza física, social, e psicológica, por outro pode trazer
ganhos afetivos e sociais. Numa perspectiva de interdependência, cuidar
é um processo de dar e receber, um caminho de mão dupla. Implica
responsabilidade, palavra que remete à ideia de responder pelo outro.
Implica respeito, que significa olhar para o outro, ou seja, de conhecê-lo
e levar em conta as suas características e os seus desejos.
O cuidar implica igualmente autoconhecimento advindo de nossos
contatos com os nossos iguais. Esse é um grande motivo que leva as
pessoas mais velhas a buscar apoio nos contemporâneos, principalmente
se são relações de longa data e selecionadas ao longo da vida. Na
velhice o bem-estar dos idosos depende muito mais de associações de
livre escolha e das amizades de pessoas da mesma geração do que das
relações obrigatórias, como as conjugais, as parentais e as familiares. Elas
são úteis à adaptação se e quando proporcionam conforto psicológico,
informação sobre si mesmo e confirmação da identidade, da relevância
da trajetória individual e dos valores pessoais.
O segundo aspecto do amor é a amizade, ou filia. “A glória da
amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo
a delícia da companhia, mas a inspiração espiritual que vem quando
você descobre que alguém acredita e confia em você”, diz um inspirado
autor desconhecido. Essa é a essência das relações interpessoais, tão
valorizadas entre as pessoas mais velhas, e cuja ausência as faz sofrer.
O conceito da amizade remete às noções de rede de relações sociais e
de companheirismo. A existência de uma rede de relações sociais oferece

105
garantias de pertencimento a uma rede de relações comuns e mútuas. Ao
longo de toda vida, ajuda as pessoas a encontrar sentido nas suas experiências
de desenvolvimento, principalmente quando elas são não normativas ou
são adversas (exemplos: morte de entes queridos, doenças, desemprego,
exílio, imigração, sofrer violência). O grupo auxilia pessoas de todas as
idades a interpretar expectativas pessoais e grupais e a avaliar as próprias
realizações e competências, com base em processos de comparação social
e temporal. Estes ajudam a manter e a melhorar a autoestima, propõem
metas de desenvolvimento e dão elementos para o autoconhecimento.
Como em qualquer idade, os velhos precisam das redes de relações
sociais para saber que são amados, cuidados e valorizados. Adicionalmente,
garantem que, em caso de doença e incapacidade, poderão receber
apoio instrumental, material e afetivo. É comum idosos dizerem quer
têm poucos amigos mas que eles são suficientes para preencher suas
necessidades afetivas. Não se trata de um problema, mas de um processo
de seletividade socioemocional, que favorece a adaptação. Na velhice de
fato ocorre uma redução na rede de relações. A ênfase é na qualidade e
não na quantidade. Ao contrário, as interações dos jovens dos jovens são
dominadas pela necessidade de ampliar o leque de informações sobre o
mundo e sobre si. Na velhice, também ocorre uma redução adaptativa
na intensidade e na variedade das expressões emocionais, o que ajuda os
idosos a lidar com as perdas e a otimizar suas capacidades. A regulação
emocional, ou equilíbrio entre afetos positivos e negativos, é muito
melhor na velhice do que na juventude. Nos velhos existem mais afetos
positivos, embora a expressão deles seja menos variada e intensa.
Os idosos são mais capazes que os jovens de vivenciar emoções mais
complexas e, simultaneamente, emoções positivas e negativas. Os velhos
têm maior satisfação na vida, ao contrário do que vulgarmente se pensa;
têm menos tédio e menos pressa. Têm mais senso de domínio sobre
o meio, quando as condições de atuar sobre ele estão preservadas, ou
quando são capazes de gerar estratégias compensatórias.
A terceira manifestação do amor é a comunhão, não só de corpos,
mas de mentalidades. Esse significado do amor coloca os seres humanos
em contato com a transcendência, que dá sentido à existência material.

106
O senso de transcendência pode ser um apoio para lidar com eventos
incontroláveis, cuja probabilidade de ocorrência aumenta com o passar
dos anos. Idosos mais capazes de atribuir sentido ao sofrimento e de lidar
com os sentimentos e as cognições, em substituição a procurar resolver
os problemas de forma instrumental, são menos expostos à depressão, à
ansiedade, a doenças e à vulnerabilidade psicológica.
O amor sob suas três formas de manifestação é, portanto, uma
importante necessidade afetiva dos idosos. Outra necessidade afetiva
importante é a alegria que se associa à exploração do ambiente, por
exemplo por meio do lazer, do desfrute e da exploração das relações
com outras pessoas. Não é verdade que os velhos não têm interesse por
nada. Idosos de todos os níveis sociais podem ter uma vida interior rica,
com objetivos orientados ao self e ao mundo externo. A presença de
afetos positivos resultantes dessas interações está associada à maior
longevidade, a respostas mais adaptativas do sistema cardiovascular e
do sistema imunológico, a mais recursos cognitivos, incluindo o senso
de autoeficácia, à maior capacidade de eliciar suporte social, a mais
comportamentos de autocuidado em saúde e à melhor saúde física.
Quanto mais intensos e frequentes os afetos positivos, maior a
capacidade dos idosos de acionar recursos psicológicos para enfrentar
emoções negativas e para diminuir a intensidade das respostas fisiológicas
automáticas associadas a afetos negativos. Quanto maior a complexidade
emocional, maior a capacidade de preservar emoções positivas em
situações difíceis de dor e de estresse. Em contextos mais seguros e mais
previsíveis, o idoso torna-se mais capaz de expressar emoções positivas
e negativas, ao contrário do que acontece em contextos de ameaça e
incerteza, onde prevalece a atenção a demandas imediatas e ocorrem
emoções mais negativas. Quanto mais afetos positivos, mais fortalecidos
se tornam os idosos para enfrentar estresse, dor física, ansiedade e o ônus
físico e psicológico do cuidado. Competências emocionais traduzem-se
em resiliência psicológica, que significa a capacidade de adaptar-se,
mediante recursos pessoais em interação com os sociais. Idosos mais
resilientes tendem a sentir-se mais felizes, a ter mais gosto pela vida e
mais esperança, que funcionam como mecanismos protetores.

107
Uma terceira necessidade afetiva dos idosos é de domínio, controle
e autonomia, temas recorrentes ao longo do desenvolvimento, mas de
importância peculiar nessa idade, justamente porque a velhice ocasiona
riscos à manutenção dessas condições. Estatisticamente falando, uma
porcentagem muito pequena de idosos na faixa dos 65 anos tem grave
incapacidade – cerca de 6% –, mas a taxa sobe para cerca de 25% por
volta dos 75 anos e de 50% nos idosos de mais de 90 anos. No entanto,
mesmo com incapacidade, desde que na ausência de depressão grave,
dores crônicas e inatividade física, os idosos podem funcionar bem
com as competências físicas, sociais e psicológicas de que dispõem. As
autocrenças sobre capacidade física e cognitiva e a resiliência emocional
funcionam como recursos adaptativos relevantes à manutenção do
bem-estar subjetivo e da funcionalidade, mesmo na presença de perdas.
A existência de recursos de apoio social e, paralelamente, a competência
do idoso para evocá-los ou lidar com eles interage de forma decisiva com
os recursos pessoais.
Retomemos a pergunta inicial. As necessidades dos idosos são
diferentes daquelas que caracterizam pessoas vivendo outras fases
da vida? Como se pode perceber, o ponto de vista central à minha
apresentação é que não. Existe universalidade quanto às manifestações
do amor erótico, que transitam para a intimidade, para o cuidado e
para a geratividade; da necessidade de afiliação, que é fundamental ao
desenvolvimento e que se relaciona com a constituição e a manutenção
da rede de relações sociais e, na velhice, com a seletividade emocional;
da necessidade de comunhão, que é uma forma de encontrar sentido
na existência e de ampliar o autoconhecimento. As manifestações
do amor ligam-se à alegria, à exploração e ao desfrute; ligam-se ao
domínio, à autonomia e à realização, que colaboram para a construção
de afetos positivos e contribuem para o senso de autorrealização e o
senso de autoeficácia.
Estamos, pois, diante de um conjunto de necessidades que existem
em continuidade ao longo de toda a vida, com diferentes formas de
manifestação, diferentes relações com a adaptação individual e

108
diferentes contribuições à cultura. Essas relações remetem à questão da
subjetividade, que é construída com base na interação da pessoa com
seu grupo e com os elementos da cultura. Na velhice, ela é da maior
relevância para a adaptação, por moderar a influência dos riscos e das
perdas físicas, psicológicas e sociais sobre a funcionalidade física e
cognitiva e sobre o bem-estar subjetivo.
Qual é o papel do psicólogo e, por extensão, do Conselho Federal
de Psicologia em relação à promoção de saúde na velhice, tendo a
subjetividade como um mediador? Um dos papéis do Conselho Federal de
Psicologia deve ser incentivar a formação de psicólogos nos campos do
envelhecimento e da velhice, psicólogos com uma boa e específica base
teórica, infelizmente ainda pouco conhecida e desenvolvida no Brasil.
Entre os caminhos possíveis, aponto a produção de conhecimentos
e o ensino de qualidade, em uma perspectiva life span, ou seja, de que
a velhice e o envelhecimento ocorrem no contexto do desenvolvimento
que dura toda a vida. Aponto também a produção de literatura de
divulgação e a educação permanente orientada a idosos e a não idosos, as
quais podem ajudar a diminuir os preconceitos em relação aos idosos e à
velhice. Um terceiro caminho importante é a preparação de profissionais
para atuação nos sistemas público e privado de saúde, oferecendo
suporte, orientação, reabilitação e alívio, investindo em possibilidades de
autocuidado e autodesenvolvimento.
Nesse campo, impõe-se uma mudança de perspectiva. Os idosos não
são indivíduos a ser tutelados pelos profissionais, pelo governo ou por
outras instituições. São indivíduos donos de sua história e da história
de seu tempo. Têm discernimento, capacidade de escolha e experiência,
condições que devem ser respeitadas. Envelhecer implica perdas, mas
também em ganhos. Mediante atuações embasadas em solidez teórica
e discernimento na análise das condições de contexto, os psicólogos
podem apoiar os idosos, na sua justa busca por continuidade no
desenvolvimento e por bem-estar. Podem ajudar a sociedade a construir
as condições necessárias ao desenvolvimento e ao envelhecimento bem
sucedidos de todos os seus membros.

109
Referências Bibliográficas
ERIKSON, E. O ciclo de vida completo. Porto Alegre: Artes Médicas. Trad. do original em inglês de
1997 por Adriana Veríssimo Veronese. 1998.
FROMM, E. A arte de amar. Belo Horizonte: Itatiaia. Trad. do original em inglês s/d por Milton
Amado. 1964.
McADAMS, D. P.; HART, H. M. e MARUNA, S. Anatomy of generativity, p. 7-44. In: McADAMS, D.
P.; AUBIN, E. de St. Generativity and adult development. Washington, DC: American Psychoogical
Association. 1998.
NERI, A. L. Qualidade de vida na velhice e subjetividade, p.13-60. In NERI, A. L. (org). Qualidade de
vida na velhice. Enfoque multidisciplinar. Campinas: Papirus. 2007.

110
Saúde e envelhecimento:
prevenção e promoção

Afetividade e sexualidade na maturidade: a vida continua

Helena Brandão Viana22

Nesses anos de estudo na área do envelhecimento, tendo contato com


a literatura específica e trabalhando com pessoas idosas, pude verificar
alguns fatos que ocorrem com o envelhecimento, como é fantástico
o desenvolvimento da personalidade do idoso e seu posicionamento
diante de alguns fatos. Porém, quando a minha mãe começou ter o
mesmo comportamento descrito na literatura, parece que não foi assim,
tão interessante e natural. Como, então, a sociedade vai lidar com essa
realidade que o idoso vive?
Meu tema desta tarde é afetividade e sexualidade na maturidade. Meu
estudo de doutorado foi sobre sexualidade na velhice e a primeira barreira
que eu encontrei foi a falta de literatura nacional, porque é uma temática
bastante estudada já em outro países, mas ainda há falta de literatura no
Brasil, pelo menos de autores nacionais sobre a sexualidade do idoso.
Trago os dados de uma pesquisa da professora Carmita Abdo sobre
sexualidade geral. Ela descreve esses resultados no livro Descobrimento
da Sexualidade no Brasil. Num pequeno trecho da pesquisa que fala
sobre a sexualidade do idoso, ela traz um dado: após os 60 anos de
idade, 20% de mulheres e 5% dos homens relataram que o desejo sexual
diminuiu com a idade, ou seja, 80% das mulheres e 95% dos homens têm
desejo sexual semelhante ao que tinha na vida adulta. E a sexualidade
não é restrita ao ato sexual em si, mas envolve outros aspectos da vida,
inclusive afetividade, que inclui sentimentos, emoções, paixões, estado
de humor e as pulsões.

22. Graduada em Educação Física, mestre e doutora na área de envelhecimento pela Faculdade
de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Participou de intercâmbio
no Departamento de Pós-graduação em Gerontologia na Simon Fraser University, no Canadá.

111
Muitas vezes a sexualidade é discutida como se fosse ligada somente
ao ato sexual, e como se pessoas que não mais de relacionam sexualmente
estivessem destituídos da própria sexualidade. Como isso então se processa
no envelhecimento? A temática da vida afetiva e sexual do idoso é pouco
abordada pelos pesquisadores, ou seja, nós temos inúmeros estudos sobre
inúmeras temáticas na gerontologia, mas a questão da sexualidade ainda
é pouco abordada, ainda temos muito a aprender.
Foi um pouco desse caminho que tentei trilhar nessa trajetória do
doutorado, em que tive de fazer uma incursão nessa população idosa. Eu
já trabalho com idosos há sete anos na universidade, um grupo grande
que tenho lá, mas também precisei ir a outros grupos e ouvir o que
os idosos tinham a me dizer sobre sexualidade na velhice. Com meu
grupo de idosas, até aquele momento, nunca havia conversado sobre
sexualidade. Nós fazíamos atividades físicas, culturais e muitas outras
coisas. Um dia, escrevendo um artigo sobre sexualidade do idoso, fui
conversar com esse grupo. Foi fantástica a troca de informações com
elas. Percebemos que, quando nos dispomos a falar de um assunto como
o sexo, de maneira natural, da mesma forma que costumamos abordar
outros assuntos como desenvolvimento humano, ou temas nutricionais,
e quando os idosos percebem que você está ali profissionalmente,
querendo ensinar e aprender, as dúvidas aparecem, eles conversam com
você, eles perguntam e contam coisas que nos ajudam a começar a
construir como realmente é a sexualidade do idoso a partir da fala dele.
Não adianta ficarmos conjeturando, precisamos realmente coletar esses
dados e essas informações do próprio idoso.
Lembrando de um documentário em que Gianni Rato, já velhinho,
de cabeça branca, fica muito bravo quando está indo para uma reunião
de trabalho e o taxista pergunta-lhe se ele ainda trabalha. O taxista se
espanta e diz: “Nossa, mas o senhor ainda trabalha?” E ele fica muito
bravo e fala que o “ainda” não existe. Ele comenta que, quando somos
crianças, as pessoas nos perguntam se você “já”. Você “já” sabe escrever?
Você “já” vai à escola? Então quando vamos envelhecendo as pessoas vão
perguntando se “ainda”. Você “ainda” ouve bem? Você “ainda” enxerga
bem? Você “ainda” trabalha? Você “ainda” faz sexo? Você “ainda” tem vida

112
sexual? É como se o envelhecimento trouxesse todas essas perdas, e que
algumas coisas não são mais próprias ao idoso.
Quem costuma ditar essas regras de comportamento, do que é ou não
adequado ao idoso, normalmente não são idosos. Alguns jovens dizem a
suas mães: “Mas você vai com essa roupa? Não está boa, acho que a saia
está muita curta para a sua idade!”. E não é só a questão do vestuário.
Muitas idosas, que ficaram viúvas, afirmam que não “puderam” refazer a
vida, ou mesmo namorar, por proibição ou oposição de filhos e parentes.
Na questão da viuvez e nova vida amorosa após a perda de um
cônjuge, alguns filmes têm tratado de forma carinhosa e bela esse fato.
Temos os Filmes Elsa e Fred e Camila, que abordam de maneira natural e
cheia de poesia a sexualidade do idoso. Mas cenas de amor entre pessoas
idosas são bem recebidas pelo público em geral? O que é bonito de se
ver na tela? Que tipo de pessoas, na opinião do público, é agradável de
ver na tela em um ato de amor? E o que acontece com o olhar do outro,
quando é o idoso que está nessa situação? Trabalhando isso com meus
alunos na faculdade, ao passar esses filmes, algumas vezes esses há certas
manifestações de espanto ao ver a cena de amor ou de beijos entre dois
idosos. E pergunto a eles se quando eles envelhecerem, não vão mais
beijar na boca ou fazer amor com a sua companheira porque ficaram
velhos? Parece às vezes que o campo da sexualidade e da afetividade é
restrito à juventude.
Pudemos ouvir nas palestras anteriores o culto que existe ao corpo
jovem, do que é belo e das questões comportamentais que não são mais
apropriadas para o idoso. José Ângelo Gaiarsa afirma que não se sabe o
que pesa mais sobre o velho: se é a idade que ele tem ou a forma como a
sociedade os trata. A visão que a sociedade tem cria os estereótipos.
Certa vez pedi para a um aluno que entrasse na sala de aula e
convencesse a todos, sem falar nada, de que ele era um idoso. Ele entrou
devagarzinho, fingindo usar uma bengala, e com uma voz diferente,
rouca, fraca. Quer dizer, qual é o estereótipo que as pessoas têm dos
idosos? Esse não é o idoso que nós temos na atualidade A porcentagem
de idosos fragilizados que tem esse estereótipo é muito pequena. Nós
temos realmente uma presença enorme, e cada vez maior, de pessoas

113
que estão vivendo mais, que estão chegando à velhice com muito mais
saúde e podendo vivenciar todas as coisas que nós vivenciamos na vida
adulta, podendo manter todas essas atividades. Mas a sociedade ainda
enxerga o idoso com uma fragilidade excessiva.
E então temos a questão da imagem corporal que esse idoso
desenvolve, pelo olhar do outro. Isso fica retratado na fala de Simone
de Beauvoir, quando ela fala que se olha no espelho e não se reconhece
na velhice. Porque a gente realmente não se vê velho. O velho é sempre
o outro. Afirmações do tipo: “Nossa, você viu fulano, como está velho?”.
Sempre o olhar do outro nos envelhece, porque a gente realmente não
se enxerga na idade que temos, parece que, por dentro, as mudanças são
diferentes. Se não tivéssemos tantos espelhos em nossa sociedade, talvez
o processo de envelhecimento pudesse ser mais ameno, pelo menos
nesse quesito.
O olhar do outro sobre nós reflete em nossa autoestima. Isso não afeta
só o idoso, mas com esse bombardeamento da mídia e essa busca pela
juventude, como se só a juventude fosse bela, afeta mais intensamente
os não “jovens e belos”, aqueles todos que fogem dos padrões de beleza
ditados pelos veículos de comunicação visual. Numa sociedade que
valoriza um corpo ativo, um corpo útil, como fica o corpo do idoso
nessas transformações, de algumas perdas naturais que ele sofre nesse
processo? Como isso tem afetado emocionalmente o idoso? Como isso
tem afetado a sexualidade os relacionamentos afetivos dos idosos?
Montagu, em seu livro, fala da importância da afetividade e do
contato físico propriamente dito, embora a maioria das pesquisas que
ele cita tenha sido feita com crianças e adolescentes, ele menciona
também que o idoso é a faixa etária que menos recebe naturalmente
contato físico. Quando a gente é criança todo mundo abraça, aperta,
aperta a bochecha. Os pais também abraçam, põem no colo. Enfim,
a criança recebe geralmente bastante afeto. O adolescente, vai se
afastando paulatinamente dos afetos paternos, mas se envolvem com
as namoradas e amigas, e continuam a receber carinho e afeto físico.
Na fase adulta, vem o casamento, onde temos o companheiro, os filhos
pequenos com quem trocamos afeto.

114
Mas quando envelhecemos, os filhos já foram embora e vem a questão
da síndrome do ninho vazio que já foi mencionada. Às vezes os netos não
moram mais perto, porque avô adora também apertar os netos, e os netos
normalmente são muito afetivos com os avós. Mas se o idoso perde seu
parceiro, quem dá afeto para essa pessoa? E o contato físico, como várias
pesquisas na literatura mostram, é imprescindível para a saúde humana. A
falta de afeto e de contato físico afeta a saúde do adulto, do adolescente e
do próprio idoso. Em detrimento disso, o idoso conta com uma vantagem
para compensar algumas dessas perdas. Uma delas é a libertação.
A libertação é uma coisa muito interessante de percebermos no
idoso. Normalmente, quando chegam aos 60 anos, uns antes, alguns um
pouquinho depois, quase todos alcançam uma libertação social, quando
então não se importam muito com a opinião do outro. Nessa fase da
vida, o idoso alcança um nível de desenvolvimento da personalidade no
qual importa mais o que ele próprio acredita. Isso é muito bom para o
idoso, quando ele deixa aquela regra, aquele estereótipo, aquele padrão
de comportamento que a sociedade dita para ele e começa a fazer aquilo
que ele acredita ser apropriado, inclusive no tocante à vida afetiva e
sexual. Então há a oportunidade de assumir aquilo que ele quer e de
fazer suas próprias escolhas. Na experiência de trabalho com os idosos,
isso é muito visível. Eles realmente se apropriam disso. E falam assim:
“Não, não quero mais, não faço mais isso”.
Em uma das entrevistas nas quais tive oportunidade de falar sobre o
meu trabalho de doutorado, o repórter perguntou-me por que algumas
pessoas idosas deixam de se manter ativas sexualmente na velhice, e por
que algumas se negam a continuar ativas. Na experiência que tive, do
contato e entrevista com as idosas, o que se percebe, às vezes (a mulher
mais que o homem), é que o idoso se utiliza da velhice para interromper a
vida sexual. Alguns falam: “Vou me aposentar”, para deixar a vida sexual,
não porque eles não possam se manter ativos, mas, muitas vezes, porque
não tiveram, ou não estão tendo, uma vida sexual satisfatória. Como não
têm tanto prazer nisso, então se “aposentam”. Eles se dão o direito de
não fazer mais o que não lhes dá prazer. Isso acontece em vários setores
da vida, e acontece na sexualidade também.

115
De certa forma, com esse desenvolvimento da personalidade, o que
observamos é que o idoso pode se manter feliz nessa parte também,
pois tem outra perspectiva e outra visão sobre a sexualidade. Entende
que a sexualidade envolve outras coisas da vida, como a afetividade,
o companheirismo, o comprometimento. Isso foi abordado de forma
muito linda no filme, pois, embora a personagem brigasse bastante com
ele, de repente, apareceu a questão do afeto, a valorização de estar com
o outro. E o idoso, supostamente, tem mais tempo para amar. O idoso
não está mais nessa correria em que o jovem está, de criar os filhos, de
estar na busca do trabalho incessante. Ele vive mais o seu presente do
que o próprio jovem.
O jovem vive numa perspectiva de felicidade futura: “Quando eu me
aposentar, eu vou fazer isso”; “Quando eu terminar isso, eu vou viajar
pelo mundo”. E o idoso tem essa possibilidade de, então, com sabedoria,
vivenciar aquilo que ele tinha vontade em tempos passados, porque
o tempo para ele agora tem outra dimensão. Eles também são mais
experientes em muitos aspectos, e alguns aprenderam muito sobre o
próprio corpo, sobre o funcionamento do corpo e muitas vezes têm
um diálogo diferente com o seu próprio parceiro ou com outro com o
qual se relaciona.
Bárbara Anderson afirma que talvez só com a idade, quando a
personalidade alcança seus últimos estágios de desenvolvimento, o sexo
e a forma de amar alcancem seu mais profundo crescimento. Interessante
que em uma das palestras que fiz no processo de doutorado, tive uma
experiência de um casal que me chamou para conversar no final da
minha fala. Ele havia sido padre, e falou: “Eu sou padre ainda, pelo
menos me considero”. E contou a sua história. Ele, padre espanhol, veio
como missionário para trabalhar na Amazônia. Lá conheceu uma freira
que estava no mesmo projeto e se apaixonaram, aos sessenta e poucos
anos, os dois. Ele conta que perdeu seu posto na igreja, porque um padre
não poderia casar. Eles relataram ali a linda história de amor que eles
encontraram na maturidade. A paixão da vida dele era a igreja, até que
ele encontrou Maria, que foi uma pulsão enorme à qual ele não pôde
resistir. E eles estão juntos, vivendo ali, não têm filhos pois ela já estava

116
na menopausa. Estavam extremamente felizes de terem encontrado o
amor nessa fase da vida. E vemos claramente aqui a relação do amor, do
sexo e da qualidade de vida.
A própria Organização Mundial de Saúde preconiza a questão da
vida sexual como um fator de qualidade de vida. Na minha pesquisa
de mestrado, isso foi o que me impulsionou a estudar sexualidade no
doutorado. Quando apliquei um questionário da Organização Mundial
de Saúde numa população de idosos, tínhamos dois grupos, um de idosos
ativos e outro de sedentários. As pessoas que eram ativas fisicamente
avaliaram sua vida sexual como mais satisfatória do que os não ativos.
Aquilo ficou martelando na minha cabeça. Qual a influência da atividade
física na sexualidade e na percepção da qualidade de vida?
O próprio Instituto Nacional de Envelhecimento confirma que muitas
pessoas continuam com uma vida sexual ativa e satisfatória na velhice.
Pesquisas francesas e americanas têm apontado que a vida sexual da
pessoa idosa é muito semelhante à vida que ela teve na fase adulta.
As mudanças fisiológicas que acontecem, que muitas vezes podem
prejudicar a vida sexual, são mínimas, e a maioria pode ser solucionada
com acompanhamento médico e/ou psicológico. Se mantivermos uma
vida ativa fisicamente, vamos poder continuar correndo, jogando bola,
quando envelhecermos. O que falamos para os idosos é o seguinte: não
adianta não treinar e querer jogar, pois então vai se sentir muito cansado.
Quem não treina com frequência, no dia do jogo, também não tem um
bom desempenho. Para manter a vida sexual com qualidade, tem de
manter-se ativo nessa atividade também.
Li num artigo escrito por um médico em um jornal de Jundiaí, no qual
ele recomendava atividade sexual, no mínimo três vezes por semana,
com duração mínima de 20 minutos, para melhorar o funcionamento
cardiovascular das pessoas idosas. Era um artigo voltado realmente para
o público idoso. A atividade sexual é importante até para o bem da saúde
física. A sexualidade também é uma autoafirmação do funcionamento do
próprio organismo, de como esse organismo ainda está ativo, saudável.
A melhora na autoestima é muito visível, consequentemente trazendo
melhora para a qualidade de vida.

117
Já ouvimos falar hoje sobre a questão do narcisismo e do olhar do
outro. Uma das minhas idosas testemunhou que a afetividade dela, quer
dizer, a disposição dela em estar com o marido depende de como ele a
olha, e o que ele fala para ela. Então o dia em que ele fala: “Nossa, como
você está bonita”, ela fala: “Ai, nossa, hoje até namoro com ele”. Mas se
ele faz uma crítica, ela não quer saber dele aquele dia. A mulher é muito
alimentada pelo olhar do outro e nós temos também de entender que
nosso desenvolvimento, o desenvolvimento da personalidade da mulher,
é muito diferente do homem. Homens e mulheres devem procurar
entender melhor as estruturas emocionais um do outro para que possam
encontrar, na questão da vida sexual, uma sintonia que possa ser ainda
usufruída na fase do envelhecimento.
Por todos esses fatos, é importante que a sexualidade da pessoa idosa
seja discutida nas universidades, em palestras, nos centros que trabalham
com os idosos. Atualmente tem ocorrido um aumento na incidência de
doenças sexualmente transmissíveis entre os idosos, pois eles não têm
informação adequada, têm dúvidas sobre a questão da sexualidade. Na
época em que ele foi criado, pelos tabus que existiam, não se falava
naturalmente de sexualidade na família e muitas vezes nem na escola.
Portanto ele cresceu com essas dúvidas. Muitas mulheres relataram que
tiveram dificuldade em ter uma vida sexual com o próprio parceiro,
porque cresceram escutando que sexo era feio, pecado e errado. Essa
castração cultural, e muitas vezes religiosa, que existe em relação à
sexualidade, muitas vezes minimiza que o ser humano, que o adulto e,
principalmente, a pessoa idosa viva com intensidade tudo aquilo que ela
merece, incluindo a continuidade da vida sexual para uma promoção de
saúde e uma melhora da qualidade de vida.

118
Saúde e envelhecimento:
prevenção e promoção

A atuação do psicólogo na detecção precoce das alterações cognitivas


e na prevenção e reabilitação das demências

Mônica Sanches Yassuda23

Eu sou a Mônica Yassuda, agradeço a presença, especialmente devido


ao adiantado da hora, agradeço a permanência de todos aqui na nossa
última mesa. Queria agradecer o convite também e fico muito feliz de ver
o nosso Conselho se debruçando sobre a questão do idoso. Eu também
estou comemorando vinte anos de Psicologia, então também para mim
é uma alegria muito grande estar aqui como vocês hoje. Na verdade eu
acho que eu me sinto um pouco prova viva de que o casamento entre a
Psicologia e a Gerontologia é absolutamente viável.
Minha formação inicial foi na década de 80, no Instituto de Psicologia
na Universidade de São Paulo, depois fiz a pós-graduação voltada para
o envelhecimento. E hoje dou aula, sou docente na Universidade de São
Paulo, no primeiro curso brasileiro de graduação em Gerontologia. Fico
muito contente de poder atuar nesta área hoje no Brasil. Selecionei
aqui, para minha participação neste evento, falar um pouco sobre a
participação do psicólogo no universo do declínio cognitivo, das
demências e do que nós chamamos hoje de comprometimento cognitivo
leve. Poderia também ter falado sobre a depressão, que também é uma
patologia frequente entre idosos. Apesar de menos frequente do que em
pessoas mais jovens, há presença significativa de sintomas depressivos
entre os idosos. Mas eu achei mais útil voltar meu tempo aqui à
questão das demências e do declínio cognitivo, porque acho que
a participação do psicólogo no tratamento da depressão já é mais
consagrada do que a participação do psicólogo no diagnóstico e no

23. Mestre e doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano, professora doutora da


Universidade de São Paulo (USP), atua na área de Psicologia, com ênfase em Gerontologia.

119
tratamento dos pacientes portadores das demências e também no
acompanhamento das famílias.
Vou falar sobre esse contínuo cognitivo. Na verdade, quando pensamos
em cognição, estamos falando das nossas funções mentais superiores,
das nossas funções mentais mais complexas, como linguagem, memória,
funções executivas, atenção, habilidades visoperceptivas, visoconstrutivas.
E esse fenômeno, o envelhecimento cognitivo, é muito heterogêneo. O
perfil cognitivo do idoso realmente se apresenta de diversas maneiras.
Assim, temos indivíduos idosos que envelhecem, e apresentam
o que nós chamaríamos de um envelhecimento normal, ou então de
senessência cognitiva, isto é, aquele idoso que apresenta as alterações
na memória que são já esperadas, que nós sabemos que ocorrem mesmo,
mesmo na ausência de patologia. Por exemplo, as alterações que são
notórias na memória episódica, que é a capacidade do idoso de fazer
novas gravações. Sim, ele grava, mas ele tem mais dificuldade para fazer
essas gravações, ele precisa de mais pistas do contexto, ele precisa se
esforçar mais, precisa de várias exposições. Temos também a tradicional,
já muito divulgada e documentada, dificuldade que os idosos têm em
memória operacional.
Depois nós temos os idosos que desenvolvem quadros patológicos,
neurodegenerativos, como é o caso da doença de Alzheimer, ou as
demências de origem vascular, que explicam a vasta maioria das demências
entre os idosos. Temos também as demências menos frequentes, como
as demências por corpúsculos de Lewy, a degeneração lobar-fronto-
temporal, etc.
E temos o que vem recebendo muita atenção dos pesquisadores e
dos profissionais da saúde, o que é chamado, hoje, de comprometimento
cognitivo leve (CCL), isto é, as alterações cognitivas que estão além daquelas
que já são conhecidas para o envelhecimento dito normal ou saudável,
mas esses indivíduos idosos não apresentam prejuízo significativo na
sua vida ocupacional, na sua vida social. Continuam cuidando das suas
medicações, dos seus afazeres financeiros, mas quando é realizada uma
testagem objetiva, esses idosos estão muito abaixo, ou pelo menos, 1,5
desvios-padrão abaixo da média. Este critério é muito problemático na

120
realidade brasileira, porque nós não sabemos exatamente o que é normal
em termos de desempenho cognitivo para muitas provas, mas, enfim,
essa zona de transição tem recebido atenção, porque idosos que são
diagnosticados como portadores de comprometimento cognitivo leve
têm mais risco de desenvolver quadros demenciais.
Meu objetivo aqui é discutir a inserção do psicólogo no diagnóstico
dessa zona de transição das demências e o que nós podemos fazer
para a promoção e a prevenção desses quadros, a promoção da saúde
mental e a prevenção dessas dificuldades. Quanto à epidemiologia
das demências, é bonito ver como esse campo tem crescido no Brasil.
Nós temos diversos estudos realizados no Brasil, publicados nacional e
internacionalmente. Estes que eu listei aqui são só alguns dos estudos
publicados. Queria destacar dois trabalhos do grupo do professor Cássio
Bottino, do Projeto Terceira Idade (Proter), que já existe há dez anos no
Instituto de Psiquiatria.
Eles publicaram recentemente uma estimativa da prevalência
de demência em uma amostra de 1.563 idosos na cidade de São
Paulo, em três grandes bairros, e acharam uma prevalência de 6,8%,
ou seja, aproximadamente 7% de demência, e uma prevalência de
aproximadamente 16% de prejuízo cognitivo e/ou funcional, não
exatamente de demência, mas idosos que pontuavam positivamente
em provas cognitivas ou em escalas de atividades de vida diária. Temos
também o estudo de Catanduva, coordenado pelo professor Nitrini, do
setor de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP, que também
encontrou 7,1% de demências nessa cidade.
Temos o estudo Sabe (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento), que já
foi mencionado hoje aqui, temos também o Epidoso (Epidemiologia do
Idoso), de São Paulo. Assim, temos hoje sólidos estudos sobre o declínio
cognitivo no Brasil, nem todos realizados em São Paulo. Apenas para
destacar, no estudo do Cássio Bottino, ele encontrou a doença de
Alzheimer como sendo responsável por 60% dos casos.
Tanto as estimativas de prevalência como a frequência de cada uma
das demências encontradas no Brasil estão alinhadas com os estudos
internacionais, isto é, nós temos encontrado prevalências próximas às

121
de outros países. A demência vascular, que está associada a episódios
cardiovasculares, representa uma porcentagem bastante inferior, 16%,
e o restante são outras demências. Os estudos vêm confirmando a forte
associação entre idade, escolaridade e os quadros demenciais. Então,
quanto mais alta a idade, maior o risco para desenvolver demência, e
quanto menor a escolaridade, maior a chance também de o indivíduo
idoso desenvolver essas patologias.
O que eu destaco são oportunidades de contribuição do profissional
psicólogo, desde que treinado e capacitado para fazer essa atuação.
Queria destacar aqui os critérios diagnósticos que são encontrados
no DSM-IV, que é o Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação
Americana de Psiquiatria, na sua quarta edição, para a doença de
Alzheimer. Não vou me aprofundar, mas um dos critérios, que é muito
importante, é o desenvolvimento de múltiplos déficits cognitivos, e o
prejuízo de memória. No caso da doença de Alzheimer, é importante
que haja documentação de que aquele indivíduo idoso tem um prejuízo
de memória e também um declínio em alguma outra função cognitiva,
que pode ser linguagem, visopercepção, funções executivas, etc. E para
atingir critérios de demência, a pessoa tem de ter também uma alteração
na esfera social, uma alteração na esfera profissional, que é o oposto
do caso do paciente com comprometimento cognitivo leve, que tem
preservação nessas esferas.
No caso da doença de Alzheimer, é importante que haja uma evolução
gradual e contínua, o que é o oposto do que ocorre na demência
vascular, que normalmente ocorre em degraus. E não pode haver outras
doenças que expliquem o declínio cognitivo, ou outras desordens do
eixo um, por exemplo, a depressão, explicando o declínio, porque senão
não seria Alzheimer. E também esses déficits cognitivos não ocorrem
somente na presença de delirium, que é o estado confusional agudo. O
que eu queria destacar aqui é que o profissional psicólogo devidamente
treinado, e principalmente um profissional que tem especialização em
neuropsicologia, pode contribuir para o diagnóstico das demências,
na documentação objetiva do declínio cognitivo, porque o profissional
médico, seja ele neurologista, psiquiatra ou geriatra, normalmente não

122
tem o treinamento necessário para fazer uma avaliação detalhada das
funções cognitivas.
Eu destaco aqui os critérios diagnósticos para o comprometimento
cognitivo leve, que estão bastante consagrados na literatura, apesar de
polêmicos. Para um idoso ser considerado portador de comprometimento
cognitivo leve, ele deve ter queixas de memória, que são confirmadas por
alguém da família ou alguém próximo. O desempenho cognitivo dessa
pessoa deve estar abaixo do que é considerado normal, isto é, abaixo
de 1,5 desvios padrão, tendo, entretanto, estabilidade funcional, social,
ocupacional, e, em geral, não atingindo os critérios para demência.
Novamente, o profissional psicólogo devidamente treinado pode
contribuir para essa avaliação cognitiva detalhada que consegue
identificar idosos que estão com o desempenho abaixo do esperado. Já
vou ressaltar aqui a dificuldade que nós temos com os instrumentos,
porque muitos instrumentos psicométricos não se encontram ainda
devidamente validados, normatizados para a população idosa brasileira.
É um dos grandes desafios que nós temos nessa área e os psicólogos
podem significativamente alterar esta situação.
Nós temos de nos preocupar com o CCL. É um grupo que tem maior
risco para desenvolver demência. Identificando pessoas que estão
declinando, nós podemos também iniciar uma intervenção precoce,
antes que a pessoa efetivamente desenvolva um quadro demencial.
Luiz Ramos, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), escreveu
um artigo, em 2003, e documentou na amostra do Epidoso, que ele
vem seguindo há mais de dez anos, quais fatores estavam associados
à mortalidade naquela amostra. Como é um estudo longitudinal, as
pessoas vão morrendo ao longo dos anos, infelizmente, e ele estudou
quais os fatores que tinham a capacidade de predizer quem iria a óbito.
E ele destaca coisas conhecidas como idade (quanto mais idoso maior
a chance), quanto maior o número de doenças também maior a chance
de falecer, mais hospitalizações prévias, etc. E ele destaca que o declínio
cognitivo também foi significativamente preditivo de mortalidade, assim
como dependência, isto é, precisar de ajuda de outras pessoas para as
atividades diárias.

123
E ele destaca que nessa lista de fatores preditivos de mortalidade
somente dois poderiam ser considerados mutáveis e passíveis de
intervenção: a dependência e o declínio cognitivo. Então, como eu trabalho
na área de treino cognitivo, eu sempre uso este artigo do Luiz Ramos para
justificar o nosso trabalho. Talvez possamos intervir no declínio cognitivo
e promover a autonomia e a independência do indivíduo idoso.
Destaco também as contribuições do psicólogo na prevenção das
demências, onde o psicólogo poderia atuar para evitar o declínio cognitivo
ou então postergar o aparecimento das demências. Temos um campo muito
fértil de atuação, por exemplo, nas atividades educativas, informando sobre
declínio cognitivo, sobre o que são as demências, a promoção da noção do
engajamento mental e dos seus benefícios. Quando eu comecei a estudar
cognição, na década de 90, a tese de que o engajamento mental poderia
proteger o indivíduo idoso do declínio cognitivo era uma hipótese. Hoje
nós temos estudos sólidos, todos recentes, de 2000 para cá, envolvendo
1.500, 4.000, 5.000 pessoas, alguns feitos na Europa. A doutora Fratiglioni
trabalha muito nessa área, assim como Scarmeas e Stern em Nova Iorque,
vem seguindo coortes de idosos com metodologias sofisticadas. Esses
pesquisadores vêm conseguindo mostrar que aqueles idosos que se
mantêm engajados em atividades – e é interessante observar que não
são só atividades intelectuais, que exigem o funcionamento do cerebral
mais intensamente, mas também idosos que se mantêm engajados
socialmente, que mantêm uma rotina de lazer intensa – são idosos que
têm risco menor para o desenvolvimento das demências.
Nós temos evidências hoje muito interessantes, muito significativas,
apoiando essa noção da atividade mental, do envolvimento, do
engajamento com a vida. E o psicólogo pode promover a noção de que é
importante, sim, se manter engajado.
O terceiro ponto diz respeito à oferta de intervenções cognitivas, como
as oficinas de memória, o treino cognitivo, quando nós ensinamos o que
são as estratégias mnemônicas, como implementá-las, e oferecemos a
oportunidade de prática intensa com atividades cognitivas.
Nós estamos fazendo isso no curso de gerontologia da USP, no
Campus Leste, e já estamos na nossa terceira oficina de memória, que é

124
uma das oficinas mais procuradas. Neste ano eu tenho aproximadamente
60 pessoas inscritas. Fazemos um trabalho educativo com relação às
estratégias. Uma parte das aulas é teórica, e a outra parte é prática, na
qual os idosos praticam intensivamente as estratégias com os alunos
de gerontologia. Tem sido uma experiência muito interessante. Temos
tentado publicar os resultados, e nos congressos também estamos
apresentando esses dados.
Quero falar também sobre um estudo que fizemos no Hospital das
Clínicas, no Instituto de Psiquiatria. Uma aluna da gerontologia da Escola de
Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) fez seu Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) sobre treino cognitivo com pacientes diagnosticados como
portadores de CCL. Ela trabalhou com 34 idosos e, nesse caso, o treino foi
voltado para as atividades de vida diária. Nós trabalhamos com atividades
simuladas de compra e de troco. O idoso tinha de fingir que estava no
supermercado, comprar uma lista de itens que ele tinha de memorizar.
Chegando ao caixa, ele tinha de fazer mentalmente a soma dos itens,
e conferir troco. Depois, ele fingia que era o caixa do supermercado. O
protocolo era bastante ecológico, voltado para os desafios diários que
todos nós vivemos. Fizemos as análises estatísticas desses dados e foi
muito interessante, pois conseguimos um aumento bastante significativo
na habilidade para fazer compras e lidar com dinheiro, medidas por meio
de uma escala de atividade de vida diária objetiva, na qual você pede para
o idoso fazer várias coisas, várias tarefas. Nós estamos em processo de
validação e normatização para a população idosa.
Fizemos também outro estudo no Instituto de Psiquiatria, em 2005.
Nós medimos uma enzima, que está associada ao bom funcionamento
dos neurônios, e detectamos alterações biológicas como efeito do treino
cognitivo. Esta é uma área na qual temos investido bastante e temos
obtido alguns resultados muito interessantes, tentando olhar qual é o
impacto do treino cognitivo nas medidas biológicas.
Sobre as contribuições do psicólogo no diagnóstico das demências e
do CCL, creio que nós podemos contribuir documentando se há ou não
declínio cognitivo além do esperado, podemos elaborar um perfil cognitivo
que contribui tanto para o diagnóstico, como para orientar as famílias e

125
também para o desenho da reabilitação. É importante que o profissional que
irá oferecer a reabilitação saiba se há prejuízo de memória, se há prejuízo
de atenção, de linguagem, para poder modelar a reabilitação. E, como
eu disse a vocês, temos enorme carência de instrumentos psicométricos
validados, padronizados, normatizados para a população idosa brasileira.
O Conselho Federal de Psicologia vem fazendo um trabalho muito
significativo incentivando que nossos instrumentos passem por estudos
rigorosos de validação, normatização, padronização. Muitos dos nossos
instrumentos estão validados para as crianças, para os adolescentes, mas
nós não temos as normas para a população idosa brasileira. É um grande
desafio sabermos o que é normal para a nossa população, principalmente
devido à escolaridade limitada da maioria dos nossos idosos.
Tenho aqui um exemplo. Eu sempre digo que a tabela abaixo é o sonho
de toda neuropsicóloga que trabalha com idosos no Brasil.

Malloy-Diniz et al., 2007, Rev Bras Psiq

Esse instrumento, o Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey, é


um dos poucos instrumentos para o qual nós temos normas. O estudo

126
foi publicado em 2007, na Revista Brasileira de Psiquiatria, por Malloy-
Diniz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e o pessoal de
São Paulo, como o Daniel Fuentes, também contribuiu. Num esforço
colaborativo, conseguiram fazer tabelas para os idosos de 60 até 89
anos, estratificadas por homens e mulheres – o que é muito raro para os
instrumentos disponíveis no Brasil. Eu fico muito feliz que ele já exista,
mas nós temos um viés nesse estudo.
Todos os idosos que participaram daquela amostra têm pelo menos
quatro anos de escolaridade. Ainda assim, nós temos dúvidas: e quando
for avaliado alguém que tenha 0, 1, 2, 3 anos de escolaridade? O que seria
então normal? Então, esse estudo deveria ser replicado com escolaridade de
0 a 3. Mas nós estamos lentamente avançando. Temos um campo enorme,
uma oportunidade enorme de trabalho no desenvolvimento das normas
para a população idosa brasileira dos instrumentos neuropsicométricos,
neuropsicológicos, para avaliar a cognição do idoso.
E também temos a esfera das possíveis contribuições do psicólogo no
cuidado ao portador e sua família. As intervenções psicoeducativas na
família são importantes para que saibam o que são as demências, como
deve ser o cuidado da pessoa que é portadora, para que as pessoas também
compreendam qual é o impacto dessas patologias na dinâmica familiar.
Muitas famílias e muitos pacientes precisam de suporte terapêutico para
poder enfrentar esses desafios. Arranjos familiares precisam ser feitos,
assim como ajustes ambientais. Equipes de cuidado muitas vezes têm
de ser contratadas. Em muitos casos, vale a pena investir em reabilitação
neuropsicológica, principalmente nos quadros mais iniciais. O psicólogo
pode ser integrado a uma equipe multiprofissional, porque na maioria
das vezes o cuidado ao portador de demência não é uniprofissional. Ele
envolve o profissional médico, o profissional fisioterapeuta, o profissional
psicólogo e vários outros que precisam se comunicar, se entender, se
coordenar, para que a pessoa possa receber um bom cuidado.
Queria destacar que nós temos ainda poucas iniciativas de estudos
sobre reabilitação multiprofissional para idosos portadores de demência.
No Instituto de Psiquiatria nós iniciamos, em 2007, o que chamamos de
“hospital dia” para portadores da doença de Alzheimer que tenham pelo

127
menos 17 pontos no Miniexame do Estado Mental. Nós não estamos
trabalhando com idosos que tenham prejuízo muito significativo, mas que
ainda podem participar de atividades grupais. Aliás, esse projeto recebeu
o prêmio do Banco Real Talentos da Maturidade na sua 10ª edição, na
categoria Programas Exemplares. Cinco programas foram contemplados e
este programa foi um deles, recebendo a premiação em novembro de 2008.
O paciente que entra nessa intervenção participa de sessões de
arteterapia, terapia ocupacional, estimulação cognitiva por meio de
xadrez e outros jogos, pelo menos noções básicas de xadrez, fisioterapia.
Depois, na quinta-feira, participa de sessões de reabilitação cognitiva,
fonoaudiologia e educação física. Temos hoje uma equipe de psiquiatras,
gerontólogos, alunos de gerontologia, fisioterapeutas, psicólogos,
trabalhando em equipe multiprofissional, oferecendo este programa de
reabilitação para os idosos portadores.
Nós temos feito, também, pesquisas com esses dados. Existe uma tese
de mestrado e um TCC tentando avaliar a eficácia dessa intervenção. Temos
de verificar quais são os benefícios da participação, que leva doze semanas,
24 sessões. Temos um grande desafio à nossa frente, a necessidade urgente
de formar recursos humanos, e nós estamos aqui tratando do caso dos
psicólogos, para atuar e intervir nesse campo, no campo da gerontologia.
Como nós podemos preparar os psicólogos para detectar declínio
cognitivo? Todos que trabalham com a população idosa têm de estar
minimamente preparados para enxergar o declínio cognitivo, para poder
encaminhar, e também para contribuir com o processo diagnóstico e
todo o processo de cuidado aos portadores das demências. Nós temos
na lei a previsão que os currículos de graduação e pós deveriam inserir
na sua programação disciplinas sobre envelhecimento, mas nós estamos
muito longe ainda dessa realidade. Eu queria até destacar pela experiência
que eu tive aqui, conversando com várias pessoas, observando que as
instituições mais recentes têm conseguido se adaptar a essa exigência
mais facilmente do que as instituições tradicionais.
Eu fiz uma breve busca no Sistema Júpiter da USP – sinto-me mais
à vontade para falar sobre a USP porque eu estudei lá e sou docente lá,
assim estou falando sobre a minha própria casa. Fiz ali um levantamento

128
sobre as disciplinas da graduação em Psicologia e existem 267 disciplinas
registradas no Sistema Júpiter. O interessante é que as palavras
envelhecimento ou idoso não aparecem nenhuma vez, em nenhuma
dessas 267 disciplinas. Então a situação, pelo menos da USP, é ainda
muito parecida com a situação de quando eu estudei lá, nos anos 80.
As palavras criança e adolescente aparecem várias vezes nas
disciplinas, mas as palavras envelhecimento e idoso não aparecem ainda.
Entrei até nas ementas das disciplinas sobre desenvolvimento e nem
nelas o tema envelhecimento é abordado. Não existe, pelo menos eu
não achei, envelhecimento IV. Nós temos uma instituição tradicional,
que oferece esse curso há vários anos, e nós temos aí o grande desafio
de inserir, atrair profissionais que possam dar conta dessas disciplinas e
desses temas na USP. Vejo que em outras instituições mais jovens esses
temas estão contemplados.
Conversando com a Kátia Maria Pacheco Saraiva, que apresentou
trabalho aqui no seminário, sobre a Pontifícia Universidade Católica
(PUC) de Poços de Caldas, soube que neste curso bem mais recente, que
tem três anos, esta exigência já está contemplada. Nos cursos tradicionais
nós temos ainda muito trabalho a fazer.
Quero fazer algumas sugestões, por onde eu acho que nós temos de
caminhar. Temos de trabalhar mais duramente na divulgação dos eventos
científicos, das pesquisas, das oportunidades de atuação na graduação
em Psicologia, sobre as oportunidades no campo do envelhecimento.
Conversei com a professora Anita Neri e acho que nós, os psicólogos
que fazem parte das associações de gerontologia, como a Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), talvez possamos nos
esforçar mais para aproximar o Conselho Federal de Psicologia do que
acontece na SBGG. Eu acho que é importante tentar divulgar os eventos
no site, enfim, fazer uma aproximação. Todos nós temos de nos empenhar
pela inclusão de disciplinas sobre o envelhecimento na graduação e pelo
oferecimento de disciplinas também nos cursos de pós-graduação e nas
especializações que existem na área. Acho que nós temos também que
lutar por maior apoio aos programas de graduação, de pós-graduação e
pelas especializações em gerontologia.

129
Compartilhando experiências

131
Compartilhando experiências

Envelhecimento, subjetividade e saúde: experiências de intervenção


psicológica por meio da extensão universitária

Hilma Tereza Tôrres Khoury24

Eu selecionei para falar nesta roda de conversa um assunto a que dei


o nome, para combinar com o título do seminário, de Envelhecimento,
subjetividade e saúde: experiências de intervenção psicológica por meio
da extensão universitária. Na verdade, vou apresentar uma experiência
de trabalho com pessoas idosas que faz parte de um programa de
extensão, por mim coordenado na Universidade Federal do Pará (UFPA).
O título do programa é Velhice bem-sucedida, intervenções psicológicas
para adaptação ao envelhecimento, a promoção da saúde, do bem-
estar e da qualidade de vida. Os objetivos são: a) oferecer serviços de
orientação e apoio psicológico a pessoas na meia-idade (45 a 59 anos)
e idosas (60 anos e acima); b) contribuir para a adaptação ao processo
de envelhecimento; c) favorecer a preservação da capacidade funcional,
que é o critério de velhice saudável, de acordo com a geriatria e a
gerontologia; d) contribuir para a melhoria da qualidade de vida.
A equipe desse programa de extensão, além da coordenadora, é
constituída atualmente por três bolsistas, estudantes de graduação em
psicologia, Marina Dalmácio, Paulyane Nascimento e Rafaela Gurjão.
Os primórdios desse programa de extensão remontam a 1994,
mais precisamente de 1994 a 1999, quando eu tinha um projeto de
extensão que chamei de Trabalho com grupos: uma proposta para o
desenvolvimento psicossocial de idosos. Esse projeto acontecia na
Universidade da Terceira Idade (Uniterci), no programa de extensão do
curso de Serviço Social, onde eles ofereciam cursos, palestras, educação

24. Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB), professora e pesquisadora com
ênfase na área de Psicologia do Envelhecimento Universidade Federal do Pará (UFPA).

133
física e uma série de outras atividades para pessoas idosas. Em 1994,
não só eles não tinham um psicólogo, mas quase nenhum dos grupos de
convivência ou centros de convivência possuía o profissional psicólogo.
Então eu lhes ofereci um projeto para fazer atividades psicossociais com
os idosos e eles aceitaram, foi uma experiência muito bonita.
Na época, inclusive, a Olga Morais, que está aqui presente, era estudante
e trabalhava comigo como bolsista nesse projeto. Nosso referencial era a
Psicologia Social mesmo, que foi uma disciplina que eu lecionei por muitos
anos lá na UFPA. Nós trabalhávamos com dinâmica de grupo: reuníamos
os idosos em grupo, fazíamos exercícios de dinâmica, exercícios de
sensibilização, dramatizações e, a partir dali, procurávamos discutir com eles
atitudes em relação à velhice, visando a resgatar a autoestima; ressignificar
a velhice como uma fase onde não há somente perdas, mas onde ainda é
possível aprendizagens, descobertas e realizações. Tivemos bons resultados,
evidenciados nos depoimentos dos participantes. Algumas senhoras vinham
contar que tinham resolvido ser “garota propaganda” para uma farmácia
que estava recrutando idosos para um comercial e coisas do gênero.
Outro antecedente foi o período de 2000 a 2004, quando estive na
Universidade de Brasília (UnB), fazendo meu doutorado sob orientação
da professora Isolda Günther. Minha pesquisa para a tese de doutorado
tinha o título: Controle primário e controle secundário: relação com
indicadores de envelhecimento bem-sucedido. Foi uma pesquisa
realizada em Brasília com 315 idosos, 104 homens e 211 mulheres.
Os dados, entre tantas outras coisas, mostraram associação entre a
percepção de controle e indicadores de velhice bem-sucedida, tais como
independência e diversificação de atividades. Quando eu voltei para
Belém, para a UFPA, decidi fazer a mesma pesquisa lá. A amostra foi
constituída por 471 idosos (178 homens e 293 mulheres) e os dados
confirmaram alguns dos resultados que nós obtivemos na pesquisa de
Brasília. Além disso, corroboraram a literatura nacional e internacional,
que apontam a percepção de controle, juntamente com a percepção
de autoeficácia – da qual a professora Anita Neri falou aqui – como
crenças associadas a maiores níveis de independência, desempenho e
plasticidade comportamental na velhice.

134
Esses dados todos, somados à literatura da geriatria e gerontologia,
mostram que o critério de velhice saudável – capacidade funcional – se
traduz em independência e autonomia. Além disso, dados da Psicologia
do Envelhecimento, especialmente aqui no Brasil, nos trabalhos da
professora Anita Neri e seu grupo, têm revelado que fatores psicossociais,
como as crenças de controle e crenças de autoeficácia estão associadas
à manutenção da capacidade funcional na velhice.
Assim, concluímos que a velhice saudável não depende apenas de
aspectos biológicos e de hábitos de vida, como geralmente a medicina
costuma enfatizar. Quando você assiste à palestra de algum geriatra, eles
sempre mostram aquela famosa curva do envelhecimento saudável e do
envelhecimento patológico. Mostram que a curva do envelhecimento
saudável não declina tanto em relação ao patamar em que estava
quando você era adulto, mas no envelhecimento patológico, a curva
declina bastante. Quais são os fatores responsáveis? Fatores genéticos,
hábitos de vida, fatores ambientais e sociais. Ninguém se lembra dos
fatores psicológicos.
No entanto, há inúmeras pesquisas nacionais e internacionais
mostrando que os fatores psicológicos, especialmente as crenças de
controle e de autoeficácia, contribuem para preservar a capacidade
funcional. Mesmo em idosos que já estão em situação de fragilidade,
como bem lembrou a professora Anita Neri em sua palestra.
Todos esses dados serviram para que reformulássemos aquele velho
projeto de extensão e, assim, nasceu este programa de extensão que
vou lhes apresentar. Inicialmente o programa tinha apenas um projeto
(como vocês sabem, um programa pode ter vários projetos) que nós
chamamos de Desenvolvimento Psicossocial para Idosos. Na verdade,
era aquele projeto antigo, acrescido de outras informações que naquele
tempo nós não tínhamos. Depois surgiu também a possibilidade de outro
projeto. Em nossa universidade, UFPA, temos dois hospitais universitários
e num deles, no Hospital João de Barros Barreto, descobri que havia
um serviço chamado Proadi – Programa de Atendimento Domiciliar ao
Idoso. Fui lá saber do que se tratava. Tem psicólogo? Falaram assim: “Não,
é uma equipe multidisciplinar, médico, nutricionista, fisioterapeuta,

135
enfermeiro, assistente social, mas não temos psicólogo. Tem capacidade
para atender 12 idosos, que já ficaram internados no hospital e estão
precisando de acompanhamento em casa. Você será muito bem-vinda
se você quiser ficar com a gente”. Assim, ingressamos no PROADI. Minha
fala vai apresentar esses dois projetos para vocês, para mostrar e discutir
com vocês o que nós fizemos lá.
O primeiro projeto, Desenvolvimento Psicossocial para Idosos,
atualmente acontece na Uniterci e também no Centro de Atenção à
Saúde do Idoso, a CASA do Idoso, órgão da Prefeitura Municipal. O objetivo
geral é orientação psicoeducacional, visando a desenvolver atitudes ou
habilidades psicossociais que favoreçam a autoestima, auxiliem a preservar
a independência e a autonomia, bem como melhorar a qualidade de
vida. Como objetivos específicos, procuramos identificar e avaliar com
eles: a) aspectos psicossociais como a autoimagem, o autoconceito,
crenças de controle e de autoeficácia, atitudes em relação à velhice; b)
expectativas; c) grau de exigência para consigo e os outros; d) adequação
e viabilidade de objetivos e metas nesta etapa da vida. E, aliado a tudo
isso, favorecer – que é o que a gente pretende com o nosso trabalho –
mudanças de atitudes e comportamentos, favorecer o desenvolvimento
da flexibilidade, que seria considerar várias possibilidades de pensar e de
agir, e auxiliar na formulação de estratégias adaptativas, sejam cognitivas
ou comportamentais, para enfrentar o envelhecimento, especialmente
as perdas que o acompanham. E, além disso, estimular o investimento
em metas e projetos de curto e médio prazo.
O projeto Desenvolvimento Psicossocial para Idosos (re)começou em
2006, apenas na Uniterci, onde nós atendemos 30 idosos. Em 2007 se
estendeu para o Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, onde nós
trabalhamos com 10 idosos que pertenciam ao programa de diabéticos.
Mas o trabalho foi muito difícil com esse grupo, especialmente por
conta da frequência intermitente de muitos participantes. Assim, não
teve continuidade nesse hospital. Nesse ano, 2007, o grupo da Uniterci
teve 32 participantes. Em 2008, além da Uniterci, o projeto estendeu-
se para a Casa do Idoso; participaram 23 pessoas na Uniterci e 40 na
Casa do idoso.

136
Trabalhamos em grupos de 10 a 25 pessoas. Não gostaríamos de ter
25 pessoas, a nossa proposta era ter de 10 a 15, mas na Uniterci eles
matriculam cerca de 40 idosos por ano e, mesmo com as evasões que
lá ocorrem, no final ficam 30 ou 35 pessoas, o que acaba extrapolando
o número desejado. Por isso, no primeiro ano em que nós trabalhamos
lá, em 2006, dividimos os idosos em dois grupos, mas eles não gostaram
disso – preferem trabalhar num grupo só. Então, fizemos um grande
esforço para manter 30 pessoas em um grupo.
O número de encontros com o grupo varia de 10 a 16. Na Casa do Idoso
fazemos 16 encontros, na Uniterci eles só nos permitem 10 encontros. É
que na Uniterci, o idoso se matricula no início do ano, para fazer o que eles
chamam de Curso de Atualização Cultural, composto por quatro módulos.
Um dos módulos tem informações sobre saúde, palestras com médicos,
dentistas, etc. Outro tem informações sobre direitos e cidadania e há o
módulo que eles chamam de psicossocial, que é onde eu entro com essa
oficina. Na Casa do Idoso é mais livre e pudemos fazer 16 encontros.
A participação no grupo é voluntária: fazemos uma palestra antes,
onde explicamos os objetivos e a metodologia do trabalho, e dizemos
que, se o idoso quiser participar, ele pode ficar. Mesmo na Uniterci, onde
o idoso está matriculado no Curso de Atualização Cultural, dizemos que
não vamos fazer chamada, não vamos tomar frequência; ele participa se
quiser, se na palestra ele achar que é importante ficar.
As atividades realizadas no grupo somos nós da equipe que planejamos,
mas esse planejamento é flexível. Dependendo do movimento do grupo,
dos acontecimentos, podemos mudar um pouco o nosso script. As
técnicas advêm da psicologia social, da dinâmica de grupo, e há também
técnicas cognitivas e comportamentais adquiridas em cursos e práticas
na área da terapia cognitivo-comportamental, mas que, segundo a
própria Judith Beck, hoje se aplicam a uma ampla gama de situações.
Nós utilizamos, especialmente, o questionamento.
Antes da intervenção, divulgamos o trabalho e fazemos a inscrição.
Lá na Casa do Idoso, divulgamos por meio de cartazes. Na Uniterci eles
já sabem que vai ter aquele módulo. Depois fazemos a palestra, como
eu falei antes, e então formamos o grupo. Ou seja, fazemos alguns

137
encontros, em que as pessoas se apresentam, falam seus nomes, contam
alguma coisa das suas vidas, para se apresentar mesmo, se conhecer. Em
seguida, fazemos alguns trabalhos nos quais procuramos sensibilizar as
pessoas para aprender com o outro, para aprender com as diferenças,
para estar mais aberto a aprender com as diferenças. Depois de tudo isto,
que dura mais ou menos uns quatro encontros, aplicamos a Escala de
Desenvolvimento Pessoal (Edep), criada pela professora Anita Neri. Nós
usamos a Edep no início, antes da intervenção psicossocial propriamente
dita, que visa a atingir aos objetivos propostos, a fim de fazer uma
avaliação objetiva das habilidades psicossociais dos membros do grupo.
Durante a intervenção psicossocial, fazemos atividades que
começam com alguma dinâmica de grupo, dramatização ou exercício
de sensibilização. Depois, discutimos a atividade realizada, explorando
o desempenho dos participantes, seus pensamentos, sentimentos
e comportamentos ocorridos durante a atividade, e fazemos
questionamentos e comentários. No final dos encontros, tornamos a
aplicar a Edep, de forma a ter um indicador objetivo do resultado da
intervenção. Fazemos também uma avaliação subjetiva, por meio de
uma atividade lúdica, onde os idosos relatam o que significou aquela
experiência para eles, o que eles aprenderam durante aquele trabalho.
A Edep, para quem não conhece, possui 25 itens, julgados em uma
escala de cinco pontos, que organizamos assim: 1 = “nada a ver”; 5 =
“tudo a ver comigo”. Os itens avaliam nove dimensões: domínio sobre
o ambiente; crescimento pessoal; relações positivas com os outros;
aceitação pessoal; autonomia; propósito de vida; criação ou geração;
oferta e manutenção. Os resultados, até agora, têm demonstrado que as
dimensões domínio sobre o ambiente, crescimento pessoal e propósito
de vida, são as que revelam diferença significativa entre as médias da
primeira e da segunda avaliação. Essas são justamente as dimensões que
têm a ver com o que a gente trabalha, com os nossos objetivos.
A avaliação subjetiva tem sido sempre positiva, tanto que com
frequência há solicitação de continuidade: “Ah, mas já acabou, não vai
continuar”? Lá na Uniterci não temos como continuar com eles. Na Casa
do Idoso, decidimos dar continuidade, só que dissemos para eles que

138
teria tempo limitado. Além disso, a continuidade não seria mais uma vez
por semana, porém, semana sim, semana não, e que depois terminaria
mesmo. Esse espaçamento tem o objetivo de prepará-los para o término.
Essa foto foi tirada na Uniterci: uma atividade de encerramento de
grupo, uns aviõezinhos de papel onde eles escreviam uma mensagem,
mostrando o que eles aprenderam com a atividade, depois jogavam o
aviãozinho e depois quem pegava lia para o grupo.
O outro projeto é o Atendimento Psicológico Individual a Idosos, que
consiste na nossa participação na equipe multiprofissional do Proadi,
no Hospital Universitário João de Barros Barreto. Assim, o objetivo é a
finalidade deles que nós encampamos, ou seja, favorecer a reabilitação
dos pacientes, a maioria diabéticos que sofreram amputação, outros com
problemas respiratórios graves. Os objetivos específicos visam a auxiliar o
desenvolvimento de estratégias adaptativas para que o paciente possa: a)
enfrentar as perdas e se adaptar a situação atual; b) recuperar a capacidade
funcional, no máximo de setores possível; c) melhorar a percepção de
bem-estar e qualidade de vida. Além destes, há objetivos acessórios como
o estímulo à adesão ao tratamento e ao suporte familiar, porque sem isso
não se tem nada. A nossa participação no Proadi começou em abril de
2008. Desde então, já atendemos 15 idosos.

139
A nossa metodologia é a seguinte: atuamos, como eu disse, em equipe
multiprofissional. A capacidade do PROADI é para atender a doze idosos,
residentes na Grande Belém. Mas nem sempre tem doze, às vezes tem
dez, oito ou seis, e também nem todos necessitam da nossa intervenção.
Porém, a chamada equipe médica, grupo formado pelo médico, enfermeiro
e assistente social, sai três vezes por semana – segunda, terça e quarta-
feira – visitando todos os idosos que estão no programa. A quinta-feira
é reservada para a fisioterapeuta e para a nutricionista. A sexta-feira é
o único dia que resta para nós, os psicólogos. Além disso, as visitas são
realizadas somente na parte da manhã. Assim, não conseguimos ver os
pacientes toda semana. Tem paciente que visitamos de duas em duas
semanas; aqueles que estão melhorando, vemos de três em três semanas
ou até uma vez por mês.
A abordagem é individual, no domicílio. Há também a abordagem ao
cuidador principal e outros familiares, quando necessário. Inicialmente
fazemos uma avaliação, visando a conhecer o estado de saúde do
paciente, suas expectativas na situação atual, sentimentos, estado de
humor, atividades exercidas anteriormente – por exemplo, trabalho,
que consideramos uma variável importante –, e o nível de capacidade
funcional do paciente antes e depois da internação hospitalar. As
informações sobre o estado de saúde e composição familiar já estão no
prontuário, na fichas das avaliações médica e social; as outras obtemos
na avaliação psicológica. Conforme o caso, selecionamos as estratégias
de intervenção mais apropriadas, utilizando técnicas cognitivas e
comportamentais. Geralmente essas técnicas consistem em comparação
social, correção de distorções na avaliação da situação, levantamento de
coisas que o paciente pode começar a fazer, dependendo da situação
dele, e demonstração das formas adaptadas que ele pode utilizar.
Só para citar dois exemplos, havia um senhor com capacidade
respiratória muito complicada e que não andava, utilizava cadeira de
roda. Porém, não tinha nada nas pernas, apenas estava com as pernas
fracas porque estava sem comer, não tinha apetite, mas ele achava que
não ia andar nunca mais. Esse foi um caso de muito sucesso e que nos
deixou bem feliz. Na primeira intervenção que nós fizemos com ele, duas

140
semanas depois voltamos lá e ele já tinha deixado a cadeira de rodas. O
outro exemplo foi uma senhora diabética, que já tinha perdido quatro
dedos de um pé e dois dedos do outro. Ela também achava que não
ia mais poder andar, e estava muito deprimida com isso. Essa paciente
demorou mais, foram muitas intervenções, mas depois ela percebeu que
poderia andar com uma bengala, apoiada no calcanhar. Então, o hospital
forneceu-lhe a bengala e ela melhorou bastante. Assim, dos 15 pacientes
atendidos de abril para cá, seis já receberam alta, um foi a óbito, dois
interromperam o tratamento por motivos alheios a nossa vontade, e seis
estão em tratamento no momento.
O trabalho vem sendo reconhecido, tanto pelos próprios pacientes
quanto pela equipe multiprofissional que tem apontado os benefícios
que esta parceria está proporcionando aos pacientes, possibilitando-lhes
melhor qualidade de vida e recuperação mais rápida.

141
Compartilhando experiências

Trabalho voluntário entre idosos:


a experiência americana e a brasileira

Andrea Lopes25

Eu sou Andrea Lopes, cientista social. Nestes últimos 15 anos, venho


trabalhando bastante com Antropologia e Gerontologia. Essa é a primeira
vez que eu falo para uma plateia cuja a grande maioria é de psicólogos.
É um enorme prazer poder compartilhar as minhas experiências
advindas da Antropologia, especialmente alocadas e compartilhadas
no universo da Gerontologia. Ao chegar ao local do evento ontem e
participar das atividades do seminário, eu fiquei pensando qual seria a
melhor maneira de contribuir para as reflexões dos aqui presentes. Ao
me acomodar na plateia, eu olhava para trás e via muitos psicólogos,
eu olhava para a frente e lia na faixa colocada na mesa dos palestrantes
a palavra “envelhecimento”, olhava para trás, psicólogos. Então, percebi
que eu não consigo falar para psicólogos, eu consigo falar para
pessoas interessadas no envelhecimento. Quando a gente pensa em
envelhecimento, não tem psicólogo, médico, cientista social, mas sim
existe um fenômeno complexo e multifacetado que a gente precisa
tratar com a devida qualidade que ele merece. Foi um pouco com essa
postura que eu procurei fazer o meu trabalho de doutorado em Educação,
cuja base teórico-metodológica esteve ancorada na Antropologia e na
Psicologia, a fim de produzir conhecimento em Gerontologia.
Minha apresentação trata de uma experiência de pesquisa, cuja
investigação tinha como objetivo pensar variáveis psicológicas e sociais,
vinculadas ao trabalho de voluntário desenvolvido por idosos brasileiros

25. Cientista social, mestre em Gerontologia, doutora em Educação, com ênfase em Gerontologia.
Pesquisadora visitante no Max Planck Institute, Alemanha, na University of Southern California
e no Center for Healthy Aging, Estados Unidos. Docente do curso de graduação em Gerontologia
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.

143
e americanos. Esse trabalho foi orientado pela professora doutora Anita
Liberalesso Neri (Unicamp – Brasil), pela professora doutora Monica
White (Universidade do Sul do Califórnia e Centro para o Envelhecimento
Saudável – EUA), recebendo colaboração das professoras doutoras Evelyn
Freeman (Centro para o Envelhecimento Saudável) e Jackie Smith (Max
Planck Institute – Alemanha).
Eu queria agradecer muito o convite e queria agradecer também
e parabenizar a comissão organizadora pela escolha do tema e pelo
carinho e competência com que vem nos orientando e fazendo que esse
evento aconteça. Muito obrigada a todos!
Bom, esses dois fenômenos, envelhecimento e trabalho voluntário, são
fenômenos aparentemente recentes, no Brasil especialmente. Na verdade,
a gente envelhece desde que nasce, mas a visibilidade e legitimidade que
o envelhecimento vem ganhando no Brasil e no mundo parte dos últimos
cinquenta anos. O mesmo se dá com relação ao trabalho voluntário, com
a organização desse tipo de ação social e, propriamente, com o Terceiro
Setor no Brasil. Quando a gente olha esses dois eventos de maneira mais
atenta, percebe que o trabalho voluntário e o envelhecimento vêm se
encontrando de maneira sistemática no âmbito do cenário internacional
e na organização de políticas e públicas.
Ao investigarmos os documentos oficiais da Organização das
Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS),
encontramos frequentemente, no que se refere às diretrizes propostas ao
envelhecimento, em especial, à atenção voltada aos idosos, as seguintes
afirmativas: “faça trabalho voluntário”; e “o trabalho voluntário promove
o bem-estar, o envelhecimento ativo e saudável”. Bom, eu comecei a
olhar os meus parentes, comecei a olhar os meus professores, comecei a
olhar meus amigos e ninguém fazia trabalho voluntário. Então, está todo
mundo fadado à infelicidade?
O contato com esse material e essa forma de pensar e gerenciar o
envelhecimento foi me inquietando. Logo depois de acabado o mestrado
em Gerontologia coincidentemente aconteceu o Ano Internacional do
Voluntário, em 2001, não sei se vocês se recordam. Enfim, comecei a
intensificar a coleta de dados ao longo daquele ano de celebração.

144
Agora, em 2010, vão ser comemorados os 10 anos do Ano Internacional
do Voluntário. Quem tiver interesse, filie-se à ONU. Eles estão recebendo
filiações de grupos organizados, a fim de que estes integrem as atividades
que serão promovidas. Parece-me uma iniciativa bem interessante.
Mas, voltando ao ano de 2001, em contato com instituições e pessoas
envolvidas em atividades voluntárias, além dos documentos e a pouca
literatura disponível, eu comecei a investigar a relação que trabalho voluntário
e o envelhecimento estabeleciam entre si. Aos poucos, fui percebendo que
ambos os fenômenos são multideterminados, multidimensionais, que
existem profissionais de muitas áreas envolvidos com esses dois temas e,
como eu disse, são temas que se entrelaçam no cenário internacional, nos
cenários socioculturais, das maneiras mais variadas.
Então, como eu sou antropóloga, é claro que a minha primeira
postura foi olhar a ação voluntária na velhice no que se refere às variáveis
socioculturais envolvidas, considerando principalmente o trabalho
voluntário como fruto de construções sociais. Essas construções, para
a Antropologia, são cultural e historicamente contextualizadas. Esse
tipo de ação social, as organizações que a abrigam e a dinâmica que
desenvolvem geram impactos na sociedade. Com isso, eu pensei, se o
envelhecimento e o trabalho voluntário são socialmente construídos,
como esses fenômenos acontecem em culturas diferentes? Será que no
Brasil é diferente do que acontece na China, no Japão, na África do Sul?
Será que a solidariedade é algo próprio da espécie humana ou algo das
culturas? A solidariedade é uma produção humana ou ela é um gene que
a gente traz junto como tantos outros?
Quando a gente investiga a literatura, os documentos oficiais e as
políticas, o trabalho voluntário, como eu disse, está muito associado a essa
ideia de promover o envelhecimento saudável, ativo e a velhice produtiva.
Quando associado ao envelhecimento produtivo, o trabalho voluntário
é percebido como uma das principais categorias de engajamento social.
Ele é visto como a principal forma de trazer o idoso para o seio da
sociedade, afinal de contas, “o idoso tem tanto a colaborar”, “ele já tem
tanta experiência”, “ele sabe tanto”, “o idoso é um recurso”. Então, “vamos
engajá-lo por essa via, por esse tipo de espaço de atuação social”.

145
Quando eu realizei a revisão de literatura, em meados do ano 2000,
foi possível notar que existia pouca produção nacional sobre o tema,
passando a ser quase inexistente o conhecimento produzido a respeito
da relação entre trabalho voluntário, envelhecimento e velhice. A
literatura internacional, mais avançada, diz que o trabalho voluntário
gera interações sociais significativas e aprimora no idoso a saúde mental,
em toda a sua amplitude, e a saúde física, melhorando a sua qualidade
de vida. O que essa literatura percebe e aponta é que, de fato, há algo
positivo entre ser velho e fazer trabalho voluntário.
Avançando nesse raciocínio, tínhamos que fazer uma escolha: investigar
aquela idosa que ajuda voluntariamente outra idosa a carregar a sacola
do mercado, que chamo de trabalho voluntário informal, ou aquela idosa
que já está há 10 ou 20 anos vinculada semanalmente a uma instituição,
desenvolvendo voluntariamente atividades de diversas naturezas?
Apesar de perceber o potencial das relações voluntárias informais na
sociedade, e o quanto o trabalho voluntário não institucional, mas familiar
e religioso, por exemplo, de caráter sazonal, era pouco visto e estudado,
decidimos naquele momento eleger o trabalho voluntário formal como
objeto de pesquisa, possivelmente pela maior facilidade de investigação.
A partir desse investimento, fui procurar onde o exercício do trabalho
voluntário formal, ou seja, aquele regular e vinculado a uma instituição
era mais consolidado, onde existe, em contrapartida, recompensas sociais
e psicológicas. Em outras palavras, onde esse tipo de ação comunitária
era mais organizada, contínua e privilegiada?
O que eu mais encontrei como espaço de construção dos significados
a respeito da ação voluntária formal é no chamado Terceiro Setor. O
Terceiro Setor hoje pode ser considerado como o local onde a organização
da solidariedade ganha status institucional, através do trabalho
voluntário formal. É a partir desse contexto que grande parte dos
significados a respeito da ação voluntária vem sendo divulgada, muitas
vezes desconsiderando tantas outras dinâmicas e formas anônimas e
informais de ação voluntária.
No contexto do Terceiro Setor restava saber ainda o que significava
“ser voluntário”. Quem é o voluntário? A literatura aponta que o conceito

146
de voluntário é muito interessante porque é um conceito histórico e
culturalmente situado, ou seja, ele vem se organizando de diferentes
maneiras, ao longo do tempo.
Na época da pesquisa, e ainda atualmente, percebe-se que no Terceiro
Setor a dinâmica que sustenta o conceito de voluntário é a ideia de
interdependência. Hoje, as instituições trabalham muito mais nessa
linha do voluntariado como exercício da troca, do que como da doação.
Atualmente, uma das mensagens presentes no marketing que promove
o Terceiro Setor baseia-se na “troca de talentos, troca de competências,
de solidariedade e de benefícios”. A cada dia, ganha destaque uma noção
de dependência recíproca entre os realizadores da ação voluntária e seus
supostos beneficiários.
Isso não significa que antes desse período os voluntários não
achassem que eles “ganhassem mais do que recebiam”, conforme
ouvimos nos dias de hoje largamente nos meios de comunicação,
quando o assunto é captação de voluntários. O que quero dizer é que,
atualmente, o status envolvendo esse tipo de ação mudou daquele que
supostamente e simplesmente apenas doa sem esperar retorno – como
o caso das damistas, que promoviam os chás beneficentes na cidade de
São Paulo – mas que a forma de acionar e sensibilizar para esse tipo
de ação social passa, no século XXI, claramente e publicamente pela
obtenção de benefício por parte de todos os envolvidos.
Bom, diante a discussão desses conceitos, eu comecei a pensar
qual era a problemática do Brasil em 2001, que o Ano Internacional do
Voluntário trouxe para a gente. O Brasil, ao se vincular à ONU – só foram
123 países que promoveram esse evento em todo mundo – a cada mês
promovia a ação voluntária em um grupo, um segmento específico. O
mês de setembro foi o mês dos idosos, que foram muito motivados.
Naquele ano, o Brasil passou o ano inteiro motivando pessoas,
instituições, verbas, políticas organizacionais, mídia, em suma, uma
gama variada de agentes sociais. Ao término do Ano Internacional do
Voluntário houve um aumento considerável de pessoas que se dispuseram
a integrar instituições que envolviam esse tipo de participação, a fim de
se filiar e desenvolver uma “ação solidária”. O que houve por parte das

147
instituições? Elas não tinham estrutura material, financeira e humana
para recebê-los. O que os líderes de organizações sem fins lucrativos me
contavam era que não havia computador para o cadastro dessas pessoas,
espaço físico, não havia recurso humano para recebê-las, selecioná-las e
treiná-las. Não havia clareza, por parte das instituições o que exatamente
fazer com aquelas pessoas candidatas a ser voluntárias.
Portanto, nós tínhamos, no Brasil, naquela ocasião, uma enorme
mobilidade para o exercício da solidariedade no âmbito institucional e
uma baixa capacidade de instrumentalização dessa vontade, desse desejo.
Esse desequilíbrio acabou tornando-se um grande problema, porque
as pessoas e instituições sentiam-se frustradas por não efetivar essas
parcerias. Esse percurso de desencontro me chamou muita atenção, pois
ampliava meu olhar para além da ação voluntária, apontando que no
caso do trabalho voluntário formal, o universo de exercício dessa ação
deveria igualmente ser investigado.
A partir dessa experiência, eu e a professora Anita Liberalesso
Neri começamos a delinear a pesquisa, que veio a se chamar, quando
concluída no doutorado na Unicamp, de Trabalho Voluntário e
Envelhecimento: um estudo comparativo entre idosos americanos e
brasileiros. Nós avaliamos, como eu disse, variáveis psicológicas e sociais,
nos valendo de contribuições teóricas, metodológicas, conceituais,
bem como instrumentos, provenientes da Psicologia, da Antropologia
e da Gerontologia. Nosso desafio foi realizar uma pesquisa de caráter
interdisciplinar. Esse tipo de pesquisa não é fácil, mas vale muito a pena,
porque você ganha como pesquisadora, assim como também ganha
a ciência, enquanto campo de saber que pode diretamente contribuir
para a compreensão desses fenômenos e de políticas que promovam
envelhecimento e trabalho voluntário.
Assim, para pensar ações voluntárias eu preciso entender quais
os contextos que eu estou analisando, uma vez que eu entendo ação
voluntária como uma construção histórica e sociocultural. Por que,
então, escolhemos o Brasil e os Estados Unidos?
Quando a gente retoma um pouco o processo colonizador desses
dois países percebemos que são países que têm um projeto de

148
colonização diferente em aspectos muito importantes, basilares na
formação de um povo.
Em termos religiosos, o Brasil ainda se considera católico e os Estados
Unidos, protestantes. Em linhas muito gerais, percebemos no catolicismo
que há um número razoável de pessoas entre você e Deus: os padres,
os santos, os bispos, o papa. Estes são responsáveis pela intermediação
entre o praticante daquele tipo de fé e a sua espiritualidade. Quando a
gente vai estudar Weber, no que se refere ao protestantismo, relacionar-
se com o divino é uma ação muito mais direta, ou seja, a construção
da espiritualidade é algo cujo praticante da fé arca uma grande
responsabilidade. Dessa maneira, podemos entender que em termos de
ação social o protestante age diretamente na produção de si e do meio,
enquanto no catolicismo a ação tem grandes chances de ser intermediada
por esse outro onipotente, seja Deus, o padre, os santos, como o professor,
o marido, o empregador, o governo. Poderíamos avançar nessa discussão,
mas o que já dá para perceber é como um povo, de alguma maneira, se
direciona mais para um tipo de ação voluntária, se organiza, em termos
formais, muito antes do que o outro.
Em termos de cultura político-econômica, o Brasil vem de uma
colonização estatal, extrativista, onde se retiravam riquezas e distribuíam
terras, de acordo com os mandos da Coroa Portuguesa. Nos Estados
Unidos, por outro lado, percebemos o associativismo e a fixação como
formas político-econômicas de nascer uma nação. Os imigrantes que
iam para o Oeste americano que se fixassem mais de cinco anos na terra,
tornavam-se donos, diferentemente do que vemos na lógica promovida
pelo sistema de Capitanias Hereditárias no Brasil.
Todas essas informações históricas vão nos dando clareza sobre
as atuais configurações sociais das culturas a ser investigadas. Não
podemos esquecer da política americana neoliberal do Estado mínimo,
em que o Estado praticamente delega à comunidade a resolução dos
seus problemas – o que acaba encontrando no trabalho voluntário sua
forte via de organização social.
Após essa exposição, podemos perceber o quão diferentes ambos
os países são em termos socioculturais, ampliando nossa possibilidade

149
de pensar a experiência brasileira. No entanto, promover a comparação
entre culturas tão aparentemente opostas não implica o pensamento:
“Ah, então o Brasil não sabe fazer trabalho voluntário formal”; “Nós não
somos competentes para esse tipo de ação social organizada, talvez a
informal sim, mas não a manutenção permanente da ação voluntária”;
“Nós fazemos outras coisas bem, mas não isso”; “O modelo americano é
ótimo, pois é muito organizado”.
Bem, é óbvio que nós não fazemos ciência assim. Não fazemos
ciência para desacreditar ou maltratar ninguém. Nós fazemos ciência
para entender os fenômenos. Assim, eu gostaria que a minha fala
fosse interpretada desta maneira: o que acontece no Brasil e o que
acontece nos Estados Unidos, em termos de trabalho voluntário formal
e envelhecimento, sem julgar que um modelo é melhor ou pior que o
outro. Possivelmente, faz-se pesquisa transcultural apenas para provar
que existem semelhanças e diferenças, procurando apontar e registrar
as maneiras encontradas para a organização desses modos e estilos de
vida específicos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, como acontece o Terceiro Setor?
O Terceiro Setor americano desfruta de uma crescente quantidade de
investimentos financeiros de diferentes naturezas. Quem já trabalhou
em organizações não governamentais (ONGs) no Brasil sabe, mesmo na
universidade, que nós não temos recursos para muitas coisas. Nos Estados
Unidos, por sua vez, eu percebi que existia muito dinheiro envolvido em
ações da comunidade, provenientes do Estado, dos empresários, das
organizações internacionais e de doações individuais. Há no Terceiro
Setor americano um crescente volume de dados. Existem ONGs que
existem só para produzir dados para outras ONGs. Existem ONGs que
disponibilizam informações e banco de dados diversos gratuitamente e
online, como a Associação Americana de Aposentados. O fluxo e acesso a
informações é muito maior. Portanto, há também uma grande circulação
de pessoas, recursos e instituições.
Não podemos deixar de mencionar ainda a volumosa produção
acadêmico-científica a respeito desse setor que pode ser verificada
no contexto americano, que acaba gerando influência na formulação

150
de políticas públicas e destinação de verba pública. O Terceiro Setor,
por exemplo, tem assento nas discussões de políticas públicas. A
comunidade, de alguma maneira, chega, por meio das organizações sem
fins lucrativos, à organização da vida pública com mais legitimidade,
visibilidade e poder de pressão. Por fim, a literatura aponta que
a força do modelo do Terceiro Setor americano acaba hoje sendo
utilizada como referência internacional na promoção e na organização
de verbas, temas, dinâmicas, que o Terceiro Setor pode, de alguma
maneira, promover em outras culturas que pensam esse modelo como
de excelência. Repito, não se trata aqui de fazer uma apologia a este
modelo, mas sim de compreender a sua dinâmica, força e capacidade
de organizar pessoas e instituições.
Como está o Brasil nessa história? O Terceiro Setor entra no cenário
do debate público brasileiro na década de 90, com muita substância, com
muita força, especialmente, é obvio, devido ao empenho do sociólogo
Herbert de Sousa, o Betinho, que vem com toda aquela discussão da
campanha contra a fome e a miséria. Nesse período, começamos a
perceber uma série de ações mais institucionais tentando organizar
o voluntariado no Brasil. Não que o Brasil não viesse se valendo há
séculos de uma forte rede de cooperação comunitária. Estudiosos
apontam que este caminho é, muitas vezes, o que resta para a periferia
das grandes metrópoles brasileiras. No entanto, o que me importa
pensar aqui é como a ação voluntária formal foi sendo delineada nos
últimos 15 anos no Brasil.
Após a organização que as mobilizações de Betinho ocasionaram no
começo da década de 1990, percebemos alguns marcos importantes na
organização e legitimação da ação voluntária formal. A primeira delas
foi em 1995 com a chamada Comunidade Solidária, organizada pela
então primeira-dama, professora doutora Ruth Cardoso, antropóloga.
Em seguida, em 1997, vemos a criação dos Centros de Voluntariado no
Brasil inteiro, acompanhados no final dessa década da promulgação de
duas leis, a Lei nº 9.609 e a Lei nº 9.790, que organizam o exercício do
trabalho voluntário no país e as instituições envolvidas com esse tipo de
participação social.

151
O Brasil vai realizando avanços em termos de dar visibilidade a sua forma
de organização voluntária. Em 2001, que foi o Ano Internacional do Voluntário,
a Pastoral da Criança é indicada pelo então presidente Fernando Henrique
Cardoso para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz, a primeira instituição
brasileira nessa categoria. O que foi um marco para o Brasil em termos de
Terceiro Setor, num período tão curto de tempo. Para finalizar, aponto ainda,
também em 2001, o reconhecimento da ONU referente às ações do Portal do
Voluntariado, como uma das principais iniciativas em termos de sistematização
de informação quanto ao trabalho voluntário no Brasil. O país passa a ser
reconhecido como um dos países participantes que mais mobilizou agentes
sociais para a questão naquele ano, especialmente a mídia.
Como vemos, nomeações desse porte e visibilidade internacional
apontam que os brasileiros vêm realizando ações voluntárias há muito
tempo. A diferença em termos do modelo americano é que nós realizamos
essas ações por séculos no formato de filantropia, benemerência, que
era típico, como eu já mencionei, das chamadas “damistas”, ou seja, chás
beneficente que eram organizados pelas das damas da sociedade, com a
finalidade de obter fundos para os pobres e miseráveis.
Bom, esse é o cenário: temos estes dois países, estas duas culturas, e
dentro de tudo isso nós temos os idosos. Como será que acontece a ação
voluntária de idosos lá e aqui?
Nós selecionamos duas instituições para coletar os dados. Quando
fazemos pesquisa transcultural, devemos eleger critérios que nos ajudem
a promover uma comparação o mais precisa e de qualidade possível. Os
critérios foram: 1) instituição não governamental, sem fins lucrativos;
2) sem fins políticos e religiosos; 3) ter voluntários acima de 60 anos
e, 4) oferecer atividades de recrutamento, treinamento e supervisão
aos voluntários participantes. Encontrar esse tipo de instituição nos
Estados Unidos foi bastante fácil. Na minha primeira ida eu voltei com
sete possíveis instituições parceiras na mala. No Brasil, passaram-se seis
meses para conseguirmos uma instituição que atendesse esse perfil e,
mesmo assim, não foi nada fácil fechar parceira.
Vou começar a contar do Brasil. Muito poucas instituições não têm
vínculo religioso. A grande maioria tem vínculo religioso e político. Poucas

152
instituições sabem a idade das pessoas que são filiadas, pois ou não
possuem banco de dados ou, se possuem, não estão atualizados por falta
de recurso humano. É quase zero o número de instituições brasileiras
que oferecem e dispõem de sistema de recrutamento, treinamento e
supervisão da sua ação voluntária, elementos que eu aprendi como
sendo fundamentais para fazer os interessados permanecerem naquele
tipo de engajamento.
Nos Estados Unidos, a primeira instituição a ser contatada foi no
Centro para Envelhecimento Saudável (Center for Healthy Aging – CHA),
que ficava em Los Angeles. Hoje o CHA passou a integrar outra instituição
chamada Wise, uma instituição de maior porte. Eu fiquei coletando dados
no CHA de março de 2004 a março de 2005. Na ocasião, eles tinham dez
programas de atendimento ao idoso. É uma instituição que eu chamo de
formato piramidal. A base dela era composta por aproximadamente 100
idosos voluntários, o meio era composto por profissionais de diferentes
formações, alto nível educacional, e o pico da pirâmide composto
novamente por idosos voluntários, agora líderes comunitários, que
traziam para a instituição dinheiro, recursos humanos, visibilidade, ou
seja, que tinham grande influência na comunidade. A tarefa do CHA era
organizar a ação voluntária de idosos para atenderem idosos mais frágeis
da comunidade. O modelo de ação é de promover a relação entre pares.
Bom, é incrível a contribuição que o psicólogo pode fazer em instituições
dessa natureza. É absolutamente interessante a possibilidade de a Psicologia
interagir com instituições que possuem voluntários idosos.
Como eu disse, eu estudei todos esses programas sociais oferecidos
pelo CHA. No meu trabalho, também tenho detalhado o que eles são. O
que eu quero destacar aqui é esse programa conduzido pela Dra. Evelyn
Freeman, que está aposentada atualmente. Ela fez a tese de doutorado
dela com 70 anos, fruto da sua experiência profissional como psicóloga.
Quando estive com ela, acompanhando o Peer Counseling Program,
convivi com o treinamento e supervisão de idosos, que não têm formação
em Psicologia, realizando o que eles chamam de aconselhamento entre
pares. Neste grupo havia muitas idosas cujo sonho era ser psicóloga
na juventude, mas que tiveram de abandonar o sonho para ajudar o

153
marido nos negócios da família, ou mesmo cuidar das tarefas da casa.
O que a participação no programa propiciava a elas, como voluntárias,
era tomar contato com a técnica de atendimento de pares desenvolvida
no doutorado da Dra. Freemam, que as supervisionava semanalmente,
as capacitando a ter contato com idosos da comunidade que sofreram
alguma perda ou estavam sofrendo de isolamento social.
Alguém falou ontem que muitas pessoas que passam a vida inteira
sem poder trazer significado para suas escolhas. Foi exatamente isso
que animou a minha busca e convivência com esses programas de
voluntariado, aqui e nos Estados Unidos: a possibilidade de mensurar
o quanto esses espaços sociais são fortes promotores de significados
na vida de seus participantes. Essa experiência sustentou a proposição
da minha linha de pesquisa na Universidade de São Paulo intitulada
Envelhecimento Significativo.
Na instituição americana, em especial, era possível ainda vermos a
composição de programas voluntários organizados por raça e etnia, o
que é típico nos Estados Unidos. No CHA havia programas para idosos
brancos, negros e latinos. Então, a gente começa perceber como que,
de alguma maneira, as demandas e os grupos vão se organizando e vão
ganhando fôlego nas pautas sociais, econômicas e políticas. Isso é o que
interessa na produção de conhecimento em Antropologia e, em especial,
em se tratando de envelhecimento e velhice, em Gerontologia.
No Brasil, eu estudei o Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança
com Câncer (GRAACC), localizado na cidade de São Paulo e ligado à
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Essa instituição tem, através
de parte da formação do seu presidente, uma inspiração americana.
Fiquei também aproximadamente um ano lá. Assim como nos Estados
Unidos, realizei uma etnografia, a partir de cinco técnicas, em todos esses
departamentos que constituíam o GRAACC na época. O hospital, onde
grande parte do atendimento às crianças e adolescentes com câncer é
prestado, encontra-se o setor de coordenação de voluntários, que era
composto de 300 voluntários, sendo por volta de 100 pessoas com 60
anos e mais de idade. A grande maioria dos voluntários idosos estavam
concentrados na costura e artesanato e na Quimioteca. Assim como o

154
CHA, o GRAACC dispunha de um programa de recrutamento, treinamento
e supervisão, apresentando-se também como outro ambiente muito
interessante para a atuação de psicólogos.
Qual foi o perfil da minha amostra?
A minha amostra foi formada por 103 idosos, sendo 54 brasileiros e
49 americanos. No total, a grande maioria era de idosos jovens, 60 a 69
anos, mulheres, sendo no Brasil 100% e nos Estados Unidos 60%. Em
ambas as amostras a grande maioria ainda era de casados, com filhos,
advindos da área administrativa, aposentados, com frequente contato
com amigos, realizavam atividades instrumentais e básicas da vida diária,
realizavam atividades de lazer e culturais, participam de outros tipos de
engajamento social, possuíam renda média acima de cinco unidades
monetárias, eram bem-educados, com nível médio ou superior. Nos
Estados Unidos, uma boa parte tinha doutorado e pós-doutorado.
Então, eu lhes pergunto: nesses contextos investigados, ser voluntário
é para idoso isolado? Analfabeto? É para idoso que perdeu o cônjuge?
É para idosos sem família? É para idoso pobre? É para idoso bem mais
velho? É para idoso deprimido? Será que esse perfil encontrado não só
no campo, mas também nas inúmeras pesquisas levantadas e realizadas
ao redor do mundo relacionadas ao tema, nos leva a continuar a dizer
que trabalho voluntário é a receita da felicidade para todos os idosos?
Será que devemos continuar creditando ao trabalho voluntário, conforme
apontam as diretrizes internacionais, como o único lugar social para
enviarmos os diferentes perfis de idosos que convivemos, seja na nossa
família e comunidade, seja nas nossas atividades profissionais, a fim de se
engajarem socialmente, fazerem amigos e ampliarem a sua rede social?
O que a literatura investigada mostrou, bem como a experiência nos dois
países, conforme dito, é que o trabalho voluntário formal e permanente
não é para qualquer idoso. Esse é apenas um tipo de engajamento social,
talvez um dos mais elitistas, pelo menos da forma como está montado
hoje. Mas continuando, o que mais a gente encontrou? Quais foram os
resultados alcançados pela pesquisa?
Nós trabalhamos com variáveis de natureza sociocultural e
psicológica. Na grande maioria, apesar das peculiaridades de frequência

155
de pontuação nas escalas psicológicas, as duas amostras, apesar
de localizadas em culturas diferentes, se comportaram de maneira
muito semelhante. O perfil sociodemográfico, como eu disse, é muito
parecido. Os idosos, em ambas as amostras, têm um tipo de vínculo
institucional também parecido, ou seja, fazem em média cinco horas
de trabalho voluntário por semana, com participação no máximo em
dois programas, sendo que uma parte dos dois grupos possui idosos
que mantêm vínculo regular com a instituição, em média, nos últimos
cinco anos.
Os idosos investigados apresentam modos de vida muito semelhante.
Eles autorrelataram ir ao teatro, praticar leitura regularmente, passear,
viajar, ou seja, realizar uma série de outras coisas, além dessa atividade.
Eles relatam significados muito parecidos com relação ao que significa
ser voluntário. Quando eu perguntava: o que significa ser voluntário para
a senhora? E para o senhor? As respostas provenientes da grande maioria
reforçaram o que socialmente está consolidado: “Ajudar o outro”, “Me
disponibilizar para o amor”, “Promover a paz mundial”, ou seja, motivos
orientados ao outro.
Em seguida, perguntávamos para os entrevistados: quais foram as
suas motivações iniciais ao se envolver com esse tipo de atividade?
Por que é que há 20 anos a senhora vem aqui no CHA, pega táxi, se
embeleza e para receber as mulheres da comunidade que têm câncer
de mama? Qual foi a sua motivação inicial? As respostas continuavam
na linha humanista, voltada para o outro, muito semelhantes ao que
significa ser voluntário na visão deles: “Ah, porque eu queria ajudar os
outros, eu queria ajudar a humanidade”. Assim, as pessoas relataram
que começaram a fazer trabalho voluntário muito ligadas ao que isso
significa na sociedade, então é ajudar o outro, o próximo.
Porém, eu perguntava ainda por que elas continuavam a fazer essa
prática por tanto tempo e semanalmente. Qual era a sua motivação de
permanência? As respostas foram: “Ah, porque eu me encontrei”. Então,
vemos aqui motivações voltadas para o eu, para o self. Dentre as respostas
destacamos: “Eu me encontrei”, “Eu me desenvolvo”, “Eu fiz amigos”, “Eu
me acho bonita”, “Eu passei a me achar interessante”.

156
A promoção desse elo entre a vontade de ajudar o outro, como atração
inicial para o engajamento voluntário, e o investimento em termos de
treinamento e supervisão, para promover o interesse no vínculo de forma
contínua, buscando promover desenvolvimento pessoal, parece outro
ambiente de ação muito interessante aos psicólogos. Como podemos ver, não
basta ser bem-educado, possuir família, ser integrado socialmente, possuir
renda elevada, entre outros aspectos das amostras aqui apresentadas, para
termos a garantia de que os idosos com esse tipo de perfil não devem ser alvo
de atenção, por supormos que já possuem espaços suficientes de construção
da satisfação e exercício da autoestima, do autodesenvolvimento e da
elaboração de significados importantes na composição do seu curso de vida.
No que se refere aos benefícios percebidos, também alvo dessa
pesquisa, ambas as amostras consideram positivamente os quase 25
benefícios elencados na escala utilizada, como, por exemplo, senso
de pertencimento e senso de autoeficácia. Os idosos relataram ótima
satisfação global com a vida e em todos os domínios perguntados,
inclusive o sexual, que a gente tratou ontem. Demonstram afetos
positivos, bom ajustamento psicológico e são interessados em questões
da comunidade e do mundo, especialmente as brasileiras.
Nossas conclusões apontam para a lógica da interdependência, tratada
especialmente na obra do sociólogo Norbert Elias, que propõe a Teoria da
Figuração e explora as relações de dependência recíproca entre indivíduo
e sociedade. Essa é lógica que identificamos como presente nos dois
grupos que convivemos, principalmente quanto às suas características,
sua história, suas motivações e construção de suas subjetividades. Esse
voluntário se relaciona intensamente e de forma significativa com a
instituição, a sua causa, com o cliente, com os feedbacks dos clientes
– que são importantíssimos para manter a motivação –, com os outros
voluntários e com os produtos que aquilo gera para o ambiente, na
comunidade e, por fim, para a sua própria subjetividade.
Então, considero que o voluntário é também um cliente da instituição,
uma parte importantíssima para que várias instituições continuem ativas,
demandando cuidados, atenção, serviços e recursos físicos e humanos
específicos. O voluntário não é um funcionário tempo integral, mas um

157
apoio muitas vezes direto às atividades desenvolvidas pelos gestores e
funcionários de determinadas instituições. Quando temos voluntários em
nosso quadro de atendimento institucional precisamos que alguém se
responsabilize em recebê-los, selecioná-los, treiná-los, supervisioná-los,
que ligue para saber por que um ou outro voluntário faltou, se dispondo
a ajudar no que for do alcance da instituição. O voluntário precisa desse
tipo de ambiente institucional para que possa permanecer vinculado à
instituição de maneira satisfatória para ambas as partes.
Mediante essa experiência, nós elaboramos um modelo que busca
correlacionar variáveis de natureza psicológica e sociocultural, ao qual
não vou me deter em função do tempo, mas que sinaliza o que por
agora é importante destacar: o quanto variáveis psicológicas estão
intensamente correlacionadas a variáveis socioculturais, e vice-versa.
No centro de tudo isso, convergindo e, ao mesmo tempo, emanando
essas correlações, está o poder da força e da influência dos significados
construídos pelos sujeitos na relação com o entorno, e vice-versa, e, o
que me parece que mais interessa a vocês, a sua construção como sujeito
de si, definindo escolhas e o valor de suas vidas.
Exemplos dessa tese são encontrados em muitos trechos das
entrevistas concedidas que, em geral, giravam em torno desse tipo de
experiência: “Ah, eu passei a vida trabalhando e sonhando que quando eu
aposentasse ia viajar pelo mundo. Eu viajei um ano e não aguentava mais.
Voltei para a minha cidade e deprimi. Tomei remédio e passei por alguns
profissionais. Me sentia isolada e sem sentido na vida. Ao ser convidada
por uma amiga para fazer trabalho voluntário, passei a frequentar essa
instituição, que me acolheu de braços abertos. Hoje realizo quatro horas
de trabalho por semana e eu me sinto ótima”.
Nós tratamos no encontro de ontem sobre o sentido de transcendência,
de geratividade, do significado, que é o que particularmente eu trabalho.
O trabalho voluntário, quando é bem supervisionado e treinado, é muito
mais que uma oportunidade de socialização, é uma oportunidade de
educação, de sustentabilidade social e de autodesenvolvimento.
Ambas as amostras, especialmente a brasileira, apontam o trabalho
voluntário como uma oportunidade de autodesenvolvimento. Para os

158
americanos, o trabalho voluntário aparece mais como uma oportunidade
de exercitar a geratividade, é mais um lugar para o exercício social do
chamado give back, da gratidão de devolver para a sociedade tudo
que obteve ao longo do curso da vida. Já no Brasil, vemos algo mais
voltado para: “Olha, eu me descobri, eu sei agora quem eu sou”. Eu ouvia
muito isso das idosas brasileiras, porque elas entendiam e vivenciavam
o trabalho voluntário como um lugar de autonomia da escolha, pois
entendem que estão lá porque elas querem, ninguém as obriga e elas se
sentem poderosas de fazer essa escolha, principalmente porque muitas
viveram boa parte da vida para as funções domésticas e sob o domínio
das decisões do cônjuge e da família.
A convivência no âmbito do trabalho voluntário formal, para aqueles
que conseguem permanecer vinculados com certa frequência, leva
à capacidade de enfrentamento, à promoção da qualidade de vida e
amplia a rede social. Nos contextos institucionais que trabalham com
esses conceitos mais atuais de cidadania, reciprocidade e solidariedade,
encontramos mais semelhanças do que diferenças. Apesar de fazermos
parte de contextos socioculturais tão díspares, quando a ação voluntária
idosa é organizada em ambientes institucionais parecidos, como foi o
caso do GRAACC e do CHA, podemos afirmar que as experiências são
muito mais semelhantes do que diferentes.
Eu trouxe algumas questões para finalizar que gostaria de deixar para
a reflexão de vocês: o envelhecimento produtivo e a formalização da
ação voluntária vêm respondendo a um modelo global de Terceiro Setor?
Será que atualmente apenas por meio do Terceiro Setor conseguimos
organizar a vida social de maneira inclusiva, especialmente em se tratando
de idosos? Nós brasileiros iremos adotar esse tipo de modelo? Que tipo
de gestão o Terceiro Setor vem organizando em que a população idosa
participante, em sua grande maioria, é educada, jovem, saudável, casada,
desfruta de boa renda e é feminina? São apenas espaços dessa natureza
que podemos promover?
Por fim, a pergunta que iniciou as primeiras questões orientadoras
dessa pesquisa: ser voluntário é para todos os idosos? O que a minha
pesquisa aponta é que não. Alguém que está na chamada velhice inicial

159
e é ativo, independente, saudável, tem uma estrutura familiar estável,
tem um grupo ativo de amigos, antes de ser voluntário, tem papéis
sociais adultos cumpridos, tem uma boa renda, escolaridade, tem acesso
à informação, tem tempo e é a grande maioria mulher. Agora, por que
mulher? Ser voluntário também é uma questão de gênero no Brasil?
Novas pesquisas devem continuar esses caminhos iniciais que
trilhamos até aqui, especialmente procurando dar visibilidade e
legitimidade para outros espaços de engajamento social que vem
sendo igualmente construídos, a fim de atender outros perfis de
idosos, que também querem se valer de benefícios psicológicos que
não só obtidos por meio do trabalho voluntário. Talvez, precisamos
legitimar os espaços já existentes que os idosos vêm ocupando e não
ficar inventando a roda. Se é para inventar a roda, então que seja com
eles e para eles, os idosos.
Precisamos fazer pesquisa transcultural, precisamos de dados
empíricos, para a gente entender o que é esse negócio que a gente
chama de envelhecimento produtivo e saudável, saindo do discurso e
promovendo dados e informações, especialmente transculturais. Isso
significa comparar não apenas São Paulo e Los Angeles, mas comparar
Brasília e São Paulo, Taguatinga e São Caetano, o grupo de idosos que eu
trabalho com o que você atua. Isso significa ampliarmos as possibilidades
de acesso a grupos voluntários já estabelecidos a outros perfis de idosos.
Nos Estados Unidos estudava-se a possibilidade de oferecer uma ajuda
de custo aos idosos mais desfavorecidos em termos de renda, a fim de
poderem se deslocar da sua residência até a instituição. Ser voluntário
custa caro para muita gente: significa comprar uniforme, frequentar os
lanches promovidos pelo grupo, locomoção, deixar de cuidar do neto,
para que a filha trabalhe, participar de passeio e campanhas.
Nossa pesquisa concluiu que devemos legitimar e dar status para
diferentes formas de ser engajado na velhice, buscando também ampliar
o debate em torno do tema para além do trabalho voluntário como algo
puramente altruísta. As pessoas vão se voluntariar sim, de posse dos seus
próprios interesses ao se envolver em nome de uma causa e de uma
população específica.

160
Como profissionais e pesquisadores interessados no tema, precisamos
ficar atentos para as motivações e significados que sustentam esses
universos de engajamento, procurando torná-los ambientes férteis e
significativos para a troca, a promoção do sujeito e da sociedade.

161
Compartilhando experiências

Velhos consumidores, novos (super)endividados?


Impactos do crédito consignado

Caroline Stumpf Buaes26

Agradeço ao Conselho Federal de Psicologia o convite para participar


do Seminário Nacional Envelhecimento e Subjetividade. A proposta de
discussão que será apresentada está centrada nos impactos de uma
modalidade de empréstimo – o crédito consignado – na vida dos idosos.
Para começo de conversa, é importante pontuar alguns aspectos que
caracterizam a dita “sociedade do consumo”. Vivemos em uma sociedade
na qual consumir é um imperativo que interpela, cada vez com mais
intensidade, os sujeitos a buscarem a satisfação de desejos produzidos em
um determinado contexto social e cultural. É justamente a perspectiva
da promessa de satisfação de desejos irrealizáveis que move a economia
das sociedades contemporâneas.
Se a sociedade industrial moderna valorizava o homem por sua
capacidade de produção, a sociedade de consumo o valoriza por sua
capacidade de consumir. Essa perspectiva produziu transformações no
modo como o sujeito percebe seus desejos e constrói suas relações.
A sociedade do consumo, conforme teoriza Baudrillard, para existir, precisa
da produção dos objetos, mas, sobretudo, necessita da destruição deles para
se manter estruturada. Nesse contexto, valores de duração e de permanência
foram substituídos pela ostentação da qualidade do que é transitório e
novo. O sociólogo Zygmunt Bauman, em suas reflexões sobre a sociedade
contemporânea, pontua que tanto a depreciação e a desvalorização dos
produtos, logo após terem sido alçados ao universo dos desejos do consumidor,
quanto da constante suscitação de novos desejos produz a permanente

26. Psicóloga, especialista em Gerontologia Social, mestre em Educação, professora do curso de


Psicologia do Centro Universitário Franciscano – Santa Maria (RS), pesquisadora no campo da
interface em Psicologia, Educação e Gerontologia.

163
insatisfação do sujeito. Nunca se está satisfeito com o estilo de vida que se
tem e se vive constantemente a sensação de estar desatualizado.
Nesse sentido, o consumismo, governado pela ordem do desejo, acaba
deslocando o crédito produtivo, antes destinado para a aquisição de bens
duráveis, para a aquisição de bens de consumo. Com uma disposição
facilitada de créditos e a vontade de consumir, muitas vezes, a pessoa
pode não perceber suas limitações financeiras. Dessa forma, produz-
se uma nova categoria de consumidor: os superendividados. Segundo
Claudia Lima Marques, professora da Universidade Federal do Rio Grande
Sul e reconhecida pesquisadora na área do Direito do Consumidor, no
contexto brasileiro e internacional, o superendividamento é definido
como a impossibilidade do consumidor pessoa física, leigo e de boa-
fé, pagar a totalidade das suas dívidas atuais e futuras de consumo.
Essa situação é conseqüente do abuso de crédito e consumo demasiado,
práticas cada vez mais características da sociedade contemporânea.
O mercado alicerçado no consumo, para se manter equilibrado,
necessita “descobrir” constantemente novas fatias de consumidores.
No contexto brasileiro, observam-se, atualmente, dois fenômenos que
possibilitam a “descoberta” de novos consumidores.
O primeiro deles é a ascensão das classes populares para a camada
média, que se deve, principalmente, à maior formalização do trabalho
por parte das empresas contratantes, ao aumento do salário mínimo
e aos programas assistenciais promovidos pelo governo, como o Bolsa
Família. No levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), de 2007, observa-se que, entre 2001 e 2007, 13,8 milhões
de pessoas subiram de faixa social, sendo a maioria originária da base da
pirâmide: 10,2 milhões saltaram da camada de baixa renda (entre R$ 0
e R$ 545,66 de ganho mensal por família) para a de renda média (entre
R$ 545,66 e R$ 1 350,92). O restante, 3,6 milhões de pessoas, subiram da
faixa de renda média para a alta renda (acima de R$ 1.350,82).
Sabe-se que é difícil conceituar classe média em razão de suas
subdivisões e do fato de que, num país de dimensões e características
regionais diversificadas como é o Brasil, o fator “renda” não delimita
claramente a condição econômica familiar. Aquilo que se pode fazer com

164
um salário de mil reais, no Nordeste brasileiro, não garante a mesma
condição de vida a quem recebe essa mesma quantia no cenário de estados
mais desenvolvidos, como os da Região Sudeste do país. Mas, esses dados
possibilitam compreender que uma camada da população está se tornando
um nicho de consumidores em potencial, descoberto pela área do marketing
e da publicidade como mais um segmento que move a economia.
Outro fenômeno que vem se configurando no contexto brasileiro nos
últimos anos é o aumento do poder de consumo de idosos. No Brasil, o
número de pessoas idosas, acima de 60 anos, está crescendo rapidamente
e sua participação na população geral aumentou de 4,7% em 1960 para
10,2% em 2006, representando hoje um grupo com mais de 18 milhões
de pessoas. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostragem de
Domicílio, do IBGE, de 2006.
Muitos idosos obtiveram melhoria na sua situação financeira com
a ampliação dos benefícios, especialmente para os trabalhadores rurais
a partir da Constituição de 1988. Observa-se que a grande maioria dos
idosos é caracterizada por possuir uma renda baixa, mas regular.
Neste cenário, percebe-se o aumento das estruturas familiares
contemporâneas que possuem idosos residentes. Ana Amélia Camarano
e Solange El Ghaouri, pesquisadoras na área de Estudos Populacionais
e Demografia do IPEA, diferenciam em seus trabalhos essas famílias em
dois grupos: famílias de idosos, nas quais o idoso é o chefe ou o cônjuge,
e famílias com idosos, nas quais eles moram na condição de parente do
chefe. No Brasil, predominam os arranjos em que o idoso é o chefe –
membro denominado como responsável pelo domicílio – chegando a 86%
do total de famílias com idosos residentes. Além disso, as famílias brasileiras
de idosos apresentam melhores condições econômicas do que as famílias
com idosos. Nesse sentido, se pode pensar no idoso como um sujeito que
constitui um arrimo de muitas famílias, porque se observa que, hoje, se tem
muito mais gerações convivendo e coabitando os mesmos espaços.
É neste “caldo”, em que se articulam transformações na estrutura
social, econômica e demográfica e nas políticas de consumo que, em
2003, no Brasil, surge a possibilidade de um crédito consignado, com
baixas taxas de juros, para as pessoas que recebem aposentadoria ou

165
pensão através do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Essa
modalidade de crédito – debitado automaticamente do benefício do
aposentado e do pensionista – foi criada por meio da medida provisória
130/2003 e regulamentada em 2004, para aposentados e pensionistas, e
alcançou uma adesão impressionante entre os idosos.
Desde a sua criação, houve problemas com a regulamentação do crédito
consignado, o que levou a mudanças constantes das normas reguladoras,
que não cessaram até hoje. Em 2004, não havia limites para o valor
financiado. Contudo, hoje, o valor máximo da renda a ser comprometida, não
pode ultrapassar 30% do valor da aposentadoria ou pensão recebida pelo
beneficiário, dividida da seguinte forma: 20% da renda para empréstimos
consignados e 10% exclusivamente para o cartão de crédito. O número
máximo de parcelas é de 60 meses, conforme instrução normativa do
Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), publicada em 2008.
Por ser tratada como política pública de inserção do idoso no mercado
de consumo e incentivado pela legislação, o crédito consignado está
sendo fomento de diversas atividades. Como exemplo, podemos citar
a recente iniciativa criada na área do turismo, lançada em setembro
de 2007 pelo Ministério do Turismo. Trata-se do Programa Viaja Mais
- Melhor Idade, que oferece pacotes turísticos com preços reduzidos
e possibilidades de pagamento por crédito consignado, no período de
baixa temporada. Como justificativa para a concepção de tal programa,
encontra-se o argumento de que o incentivo ao turismo tem por objetivo
reduzir a taxa de desemprego durante a baixa ocupação e dinamizar
anda mais a atividade turística do Brasil. Assim, observa-se a relação
direta do crédito com a movimentação da economia.
Frente a este aumento repentino dos créditos aos aposentados e
pensionistas, torna-se indispensável compreender o que representa o
crédito consignado para este grupo da população e que repercussões ele
provoca na vida dos idosos que o contratam. A partir do levantamento dessas
questões, o grupo de pesquisa27 do qual faço parte na Universidade Federal

27. Coordenador Prof. Dr. Johannes Doll (Faculdade de Educação da UFRGS). Grupo de pesquisa:
Alexandre Ferreira, Ana Carolina Sousa, Caroline Stumpf Buaes, Cristiano Schmitt, Maria Luiza
Jobim, Roberto Lopes, Rubia Poletto.

166
do Rio Grande do Sul (UFRGS), composto por professores e estudantes
de graduação e pós-graduação em Educação e Direito - desenvolveu um
estudo em parceria com o PROCON de São Paulo. A pesquisa “O idoso
frente ao empréstimo consignado: implicações educacionais” foi realizada
junto a pessoas que freqüentam grupos de convivência em Porto Alegre e
em São Paulo. Nesse estudo foram entrevistadas 215 pessoas idosas, 125
em São Paulo e 98 em Porto Alegre.
Para contribuir com as discussões deste evento quero compartilhar
algumas características da realidade do Rio Grande do Sul –
especificamente da cidade de Porto Alegre. Os enfoques principais do
estudo foram: quem são as pessoas que contratam crédito consignado?
Quais são as razões para contrair tal crédito? Quais são os efeitos desse
crédito na vida dos sujeitos?

O perfil do idoso endividado: o caso de Porto Alegre


Os resultados da pesquisa realizada em Porto Alegre indicam que do
grupo entrevistado, 43 (43,9%) informaram que tinham feito pelo menos
um crédito consignado, um dado muito próximo ao número geral do
INSS. Dos 43 participantes, 38 eram mulheres e 5 eram homens. Observa-
se um número maior de mulheres, característica associada à expressiva
participação destas nos espaços de socialização em que foram realizadas
as coletas de dados. A maior parte dos idosos (58%) que relataram já ter
contratado crédito consignado tem entre 66 e 75 anos.
Sabe-se que os participantes da pesquisa não são representativos para
caracterizar os idosos do Brasil, em função dos locais onde foram feitas as
entrevistas – grupos de convivência. Contudo, o perfil sócio-econômico
é muito semelhante ao de um grande grupo de idosos brasileiros: uma
renda estável, mas pequena (12% até um salário mínimo; 42% entre um
e dois salários mínimos; 37% entre dois e quatro salários mínimos) e
uma escolaridade bastante baixa (9% sem escolaridade; 39% entre um
e quatro anos de escolaridade). Este dado é muito preocupante, pois nos
faz questionar sobre a real capacidade de os sujeitos compreenderem as
regras dos contratos e se planejarem para os impactos dos empréstimos
em seus orçamentos mensais.

167
Grande parte dos idosos coabita com filhos e netos. Nesse sentido, é
possível verificar a existência de uma influência do núcleo familiar para
a contratação dos créditos, já que praticamente um terço dos idosos
revelou que contrataram empréstimos para terceiros (27,9%) ou para
reformar a casa (23,3%).
Os “terceiros” comumente são pessoas da rede familiar e as reformas
casa podem estar associadas a um “ninho cheio” de familiares. Outra
questão que pode ser levantada a partir desses resultados é a configuração
do crédito como mais um elemento de suporte – como o afeto e o
cuidado – nas relações de trocas intergeracionais familiares.
Em relação às conseqüências do crédito na vida dos participantes, um
considerável grupo (64%) enfrenta certas dificuldades e contraiu novas
dívidas. Destes, 41% cortaram gastos com necessidades básicas, saúde ou
atrasaram outros pagamentos. Quando questionados sobre a situação de
vida após o contrato do crédito, as opiniões dos participantes mostraram-
se bastante diversas: cerca de 35% referiram que sua situação melhorou,
35% mencionaram que nada mudou, e para 30% a situação piorou.
Mesmo frente às adversidades provocadas pelo impacto do crédito na
vida dos idosos, a maioria dos entrevistados faria um novo empréstimo
por considerar que embora o crédito não seja bom, às vezes “não se tem
alternativa”. Esse discurso evidencia o empobrecimento desses grupos sociais.
Pergunta-se, então: qual é a base do sucesso do crédito consignado?
Um dos elementos é a produção de necessidades pela ordem do desejo. A
modelagem e fabricação da subjetividade são feitas através de diferentes
artefatos culturais e técnicos com os quais as pessoas têm contato.
Assume um lugar de destaque na contemporaneidade a produção e
circulação de formas simbólicas por meio das atividades da mídia.

Mídia e crédito consignado


A mídia vem transformando-se em uma das fontes mais poderosas da
produção de desejos. Mike Featherstone, na década de 90, ao discutir as
funções contemporâneas da publicidade aponta que ela é especialmente
capaz de fixar imagens de romance, exotismo, beleza, realização, progresso
científico e vida boa em diversos bens de consumo do dia-a-dia, tais como

168
sabões em pó, máquinas de lavar roupa, pastas de dente, refrigerantes,
entre tantos outros. Dessa forma, captura-se o sujeito por meio de
uma economia emocional que o torna desejante de viver aquilo que
ele interpreta dos signos que lhe são oferecidos como possibilidades de
identificação. Conforme Severiano, em uma pesquisa realizada em 2006
a acerca dos processos de individuação/homogeneização no contexto
das sociedades de consumo contemporâneas, a partir de publicidades
de celulares e carros, as estratégias utilizadas para captar os sujeitos
baseiam-se na promessa de realização dos seus desejos de completude,
com ênfase aos ideais de singularidade de distinção social.
Destaca-se, nesse sentido, a importância do Código de Defesa do
Consumidor – Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – como norma
geral das relações de consumo no contexto brasileiro. Especificamente em
relação à publicidade, cita-se o art.6º., IV, em que o legislador determina
que é direito básico do consumidor sua proteção “contra publicidade
enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem
como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento
de produtos e serviços”.
Outras estratégias que vão ao encontro da identificação do
consumidor são personagens apresentados em filmes e programas de
televisão. Artistas em geral tornam-se pontos de referência comuns
para milhões de indivíduos. Especificamente em relação à propaganda
de crédito consignado pode-se citar o exemplo do Banco Panamericano
que, para divulgar o produto Cred Pan em 2005, tinha uma foto da Hebe
Camargo, artista amplamente conhecida no contexto brasileiro, como
referência de seu anúncio publicitário, promovendo o Crédito Amigo. A
artista contratada pode ser vinculada aos signos de dinamismo, beleza,
irreverência. Esse anúncio mobiliza, assim, diferentes emoções no público
para o qual é destinado, pois a linguagem utilizada opera no sentido
de produzir certos significados para que o sujeito invista-os de sentido
conforme suas experiências.
A pesquisa “O idoso frente ao empréstimo consignado: implicações
educacionais” apontou os três bancos mais contratados pelos participantes
do estudo residentes em Porto Alegre (RS). São eles: Caixa Econômica Federal,

169
Banrisul e Banco do Brasil. Uma rápida análise dos folders de divulgação
desta modalidade de crédito podem auxiliar nas discussões acerca das
estratégias utilizadas pela publicidade para “fisgar” esses consumidores.
O folder da Caixa Econômica Federal instituição responsável, apresenta
na capa dois casais que veiculam as impressões de alegria, companheirismo
e bonança. A mensagem transmite a idéia da segurança e tranqüilidade,
apelando para uma narrativa de cunho ilusório de salvação quando
anuncia o crédito com a palavra “ACREDITE” em destaque, assumindo
lugar central da propaganda.

Consome-se, assim, por antecipação uma situação que se apresenta


distante da realidade, no momento em que basta acreditar para

170
contratar o crédito e resolver todos os problemas ou satisfazer todas as
necessidades/desejos de forma instantânea e fácil.
Destaca-se também o caráter abusivo da publicidade – comum à
propaganda dos três bancos citados – observado na parte externa e
interna do material “informativo”. As informações não são claras, tanto
do ponto de vista do conteúdo quanto do tamanho da letra do texto,
dificultando a compreensão e alcance do seu teor. Há, também, na
narrativa do texto, uma pressão para que o sujeito “confira a simulação
e faça já seu empréstimo”.
Assim, não se apresenta nenhum respeito à oportunidade de tomar
conhecimento prévio do conteúdo dos contratos de empréstimos. “Sem
necessidade de consulta ao SPC/SERASA e sem avalista, o crédito consignado
CAIXA oferece as melhores condições do mercado e sem burocracia”,
demonstrando, desse modo, não se preocupar se o contratante tem
condições de cumprir o contrato. Assim, apresenta mais um ato abusivo.
A propaganda também reforça a confiança do banco em seus clientes,
utilizando-se, novamente, dos efeitos produzidos pelos significados do verbo
acreditar expresso na parte interna do anuncio por meio da frase “O banco
que acredita nas pessoas”. Assim, o sujeito sente-se
importante e valorizado por uma instituição boa
que acredita na boa fé das pessoas.
A propaganda do Banrisul traz algumas
semelhanças com a praticada pela Caixa no que
tange à falta de clareza das informações. Observa-
se especificamente a imprecisão acerca das taxas
de juros. Contudo, há diferenças nas emoções
que podem ser mobilizadas pela imagem da capa
do folder. O folder da Caixa valoriza a relação de
parceria entre casais. Já o folder do Banrisul faz
um apelo romantizado para a manutenção de
afetivas e prazerosas relações familiares.
Tem-se, então a casa como figura de fundo
e em maior destaque um idoso recebendo um
abraço de uma mulher mais jovem. O idoso

171
está em evidência com uma expressão facial e corporal que remete à
idéia de uma satisfação e empoderamento, enquanto a jovem o abraça,
de maneira afetuosa e acolhedora, com o olhar voltado para baixo e
expressando um sorriso.
No caso analisado, a casa e as relações afetivas são elementos
importantes para o segmento alvo do anúncio, visto os resultados da
pesquisa de O idoso frente ao empréstimo consignado: implicações
educacionais que apontam como principais razões para contrair o
empréstimo o contrato de crédito para outros membros da família e para
reformar a casa. Desse modo, percebe-se que o produto a ser anunciado
aparece vinculado com elementos do dia-a-dia da vida do consumidor,
levando-o a interagir de forma automatizada na sua aquisição.
Por fim, a capa do folder do Banco do Brasil
apresenta outras mensagens vinculadas ao
crédito consignado. Contudo, há um elemento
comum com o anuncio do Banrisul: trata-se
do uso da expressão “melhor idade”. Esse termo
possui uma equivalência à terminologia terceira
idade no sentido de representar um sinônimo de
envelhecimento ativo e independente.
Também se observa que nos anúncios que
utilizam a designação de melhor idade para
identificar seu público alvo, os idosos parecem
ser mais velhos e estão vivenciando uma relação
intergeracional, que pode ser vinculada às trocas
promovidas pelas redes sociais de reciprocidade.
Por outro lado, o anúncio da Caixa que não
utiliza essa expressão veicula imagens de casais
de idosos mais jovens, remetendo a um suporte
solidário, fundamentado nas trocas entres as
pessoas de uma mesma geração.
O folder do Banco do Brasil utiliza-se das cores rosa, lilás, azul – que
por si só remetem a uma sensação de doçura e candura – para representar
a relação intergeracional. As expressões e posturas da idosa e da criança

172
transmitem a ideia de carinho e admiração. A figura central do anúncio, que
une menina e idosa, pode representar na cena a entrega de um cartão da
neta dado para avó ou a leitura de um livro. Ambas as situações envolvem
uma troca e uma valorização positiva dessa situação.
É possível conceber que o crédito consignado pode ser positivo,
aumentar o bem-estar das famílias e proporcionar o acesso ao mercado
de consumo de bens e serviços. Nesse sentido, se o sujeito utiliza o crédito
consignado de forma consciente – isto é, contrai o crédito conhecendo
o contrato e as taxas de juros e organiza seu orçamento mensal para
o débito das parcelas durante os meses acordados – este pode ser
compreendido como um mecanismo de inclusão social. Mas, como já
foi citado, também pode acarretar consequências mais problemáticas
na vida de quem o contrata. Dessa forma, é importante pensar tanto
em medidas de proteção legal como na criação de intervenções que
permitam aos sujeitos uma compreensão das ferramentas do consumo
contemporâneo, e assim usar de forma consciente os novos recursos de
acesso ao mercado como o crédito consignado.
Neste evento, falou-se em educação para a saúde e a proposta da
discussão aqui apresentada dirige-se à importância de se pensar em
uma educação para o consumo. A Psicologia, neste sentido, é convocada
a criar estratégias nas suas diferentes áreas de prática profissional, que
possibilitem o surgimento de condições para a produção de um novo
tipo de subjetividade. Felix Guattarri e Suely Rolnik na obra Micropolítica,
Cartografias do desejo, propõem que se singularize por meio de outras
maneiras de ser, outras sensibilidades, outras percepções que se opõem
à subjetividade capitalística. Não se trata de diabolizar a contratação de
empréstimos, mas de criar mecanismos que ofereçam ao consumidor a
possibilidade de se posicionar perante os apelos do consumo.
E quais são os nossos possíveis parceiros? Conselhos Municipais e
Estaduais de Idosos, Grupos de Convivência, Universidades da Terceira
Idade, escolas que oferecem Educação de Jovens e Adultos (EJA)28,
Associação de Aposentados e Pensionistas, Procon’s.

28. Cabe destacar que, conforme Censo do IBGE de 2000, 22% das pessoas que frequentam
alfabetização de adultos têm mais de 50 anos.

173
Referências Bibliográficas
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THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria crítica na era das dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.

174
Compartilhando experiências

A coordenação nacional de terceira idade e pessoas idosas da


Confederação Nacional Trabalhadores na Agricultura – Contag

Juraci Moreira Souto29

Nós vamos procurar trazer aqui nessa roda de conversa uma experiência que
nós vivenciamos no nosso campo, trazer uma experiência dos trabalhadores
e das trabalhadoras rurais, aqui hoje representados nacionalmente pela
nossa Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, a nossa
Contag. Primeiro vamos falar um pouco da nossa organização sindical, da
nossa estrutura, como ela funciona e como se organiza.
Quem é a Contag? É a Confederação Nacional dos Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais, foi criada em 22 de dezembro de 1963 e seu
reconhecimento oficial ocorreu em 31 de janeiro de 1964, por meio
de um Decreto presidencial, nº. 53.517. Como estamos organizados?
Em 27 federações de trabalhadores e trabalhadoras rurais e em 3932
sindicatos, nos municípios. Essas federações são de âmbito estadual, e
os nossos sindicatos são de âmbito municipal. Nós representamos os
interesses, os anseios da nossa categoria, composta dos trabalhadores
e trabalhadoras rurais, assalariados, permanentes ou temporários, os
agricultores e agricultoras familiares, assentados pela Reforma Agrária e
ainda daqueles que trabalham em atividade extrativista, um complexo de
segmentos que compõe a categoria trabalhadora rural. Somamos hoje
em todo o Brasil em torno de 25 milhões, entre os quais 5,36 milhões na
faixa etária a partir dos 60 anos de idade, que formam a organização da
terceira idade no nosso movimento.
É bom esclarecer aqui que, nesses 45 anos de existência da organização
sindical rural, só passamos a perceber que haveria necessidade de fazer

29. Agricultor familiar, secretário de Finanças da Confederação Nacional Trabalhadores na


Agricultura – Contag, membro da Coordenação da Terceira Idade, representante da entidade no
Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – Secretaria Especial de Direitos Humanos.

175
organizações por segmento a partir de quinze, vinte anos para cá. Primeiro
compreendemos a necessidade de fazer a organização por segmentos,
e começamos pelas mulheres.Nossa organização tratava todos os
componentes da nossa categoria de forma igual e percebemos que, em
nossos sindicatos, nós só tínhamos homens, eram sindicatos eminentemente
machistas. As mulheres eram consideradas dependentes dos maridos, e por
isso não eram associadas dos sindicatos. O marido ia para a assembleia,
o marido se sindicalizava e a mulher ficava em casa, não participava das
assembleias, por isso nós descobrimos que o nosso movimento, apesar de
ser um movimento forte, classista, lutador, era eminentemente machista.
E então começamos, há uns vinte e poucos anos, a fazer a organização
das mulheres de forma específica, de forma especial, com o tratamento
que ela merecia, que precisava ser dado. Nós buscamos a inclusão das
mulheres em nossa estrutura, e hoje as mulheres são mais de 50% da
nossa categoria sindicalizada. Não só sindicalizada, mas nas diretorias
dos sindicatos, das federações, criamos a cotas obrigatórias de mulheres.
Nenhuma entidade nossa pode registrar uma chapa se não tiver pelo
menos 30% de mulheres fazendo parte dessa chapa.
Outro passo importante foi a organização da juventude rural. Com o
jovem saindo para a cidade, houve um esvaziamento do campo, ficando só
as pessoas de meia a terceira idade. Nós sentimos a necessidade também
de construir política sindical direcionada à juventude. E, por último, nós
estamos começando política específica para a nossa terceira idade, para
os nossos idosos. Abri esse parêntese para vocês entenderem um pouco
do mecanismo, como é que nós estamos funcionando na área rural.
Como é que nos começamos? A partir dos nossos últimos congressos,
a cada quatro anos a gente faz um congresso nacional, onde nossas
políticas são avaliadas e reprogramadas. Foi trazida para nós, da direção
nacional, a necessidade de criar políticas específicas, organizativas, para
as pessoas da terceira idade, as pessoas idosas do campo. Nós criamos
primeiro uma coordenação nacional da terceira idade, da qual eu sou
um dos componentes. E essa coordenação está dentro das secretarias
que compõem a estrutura da Contag, que são as Secretarias de Políticas
Sociais, a Secretaria de Finanças e a Comissão Nacional de Mulheres.

176
A partir dessa Coordenação Nacional, nós criamos o nosso Coletivo
Nacional da Terceira Idade e da Pessoa Idosa, formada por um membro
titular e um outro suplente das 27 federações que compõem o sistema
Contag. Então nós temos hoje um coletivo, que é composto por 32
pessoas. São 27, um de cada estado, e mais cinco representantes da
Contag. Semestralmente nós fazemos uma reunião desse Coletivo
Nacional onde toda a política desenvolvida no país, em cada estado, a
partir das nossas federações, é avaliada e programada. Ele é responsável
também por traçar as linhas estratégicas do movimento para a pessoa
da terceira idade, as pessoas idosas. Nos estados, as federações também
possuem os responsáveis pelas ações.
Existem hoje, já constituídos e qualificados, treinados para trabalhar
com as pessoas idosas, 26 coletivos estaduais, falta apenas um estado para
fazermos toda a cobertura nacional. Isso a partir de 2006, 2007, estamos
fechando nossa agenda em 2008, na construção dessa estrutura.
Formada por representantes dos sindicatos filiados, nossa estrutura
se organiza com a federação no estado e polos regionais. Vou citar o
exemplo do meu estado, que é Minas Gerais. É um estado grande, a
nossa federação lá se divide em doze polos regionais, cada um discute
a regional e tira dali um nome para fazer parte desse coletivo estadual.
É importante lembrar que necessariamente tem de ter a presença das
mulheres nesse coletivo estadual.
Qual é nosso processo organizativo, como é que nós construímos esse
processo nesses últimos três, quatro anos? A Contag realizou encontros
e capacitação dos coletivos estaduais, abordando as seguintes temáticas:
organização da terceira idade, da pessoa idosa, do movimento, direitos das
pessoas idosas. Nós utilizamos os instrumentos institucionais como o Código
Civil, Código Penal, Constituição Federal, Código de Direito do Consumidor,
Política Nacional do Idoso e por último o Estatuto do Idoso. Então, nós
utilizamos esses instrumentos que já existem para que possamos dentro
deles fazer com que prevaleçam os direitos dos idosos já constituídos.
Políticas públicas: Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, Direito
ao Transporte Interestadual, Política de Assistência Social e o Crédito
Consignado, que para nós, na nossa avaliação, ao invés de ser uma coisa

177
benéfica, passou a ser um grande problema. Nós temos inclusive um
material que vamos distribuir, estamos fazendo uma campanha em
relação à questão do crédito. Foi muito oportuno o momento em que a
Caroline Buaes trouxe essa questão do crédito consignado. Porque uma
coisa que deveria ser um benefício passou a ser um malefício daqueles
dos mais complicados que nós temos hoje para administrar. Bom, eu
estou citando assim o crédito que nós entendíamos que era uma política
pública e passou a ser um problema.
Ações nos municípios: os sindicatos possuem coordenadores da terceira
idade, da pessoa idosa, e nós também já estamos conseguindo chegar lá
nos municípios, onde se organizam grupos de pessoas da terceira idade,
das pessoas idosas, nas comunidades. Nós estamos cada vez mais nos
aproximando dos locais onde mora e trabalha nosso povo. Entre esses
grupos se realizam várias atividades, entre as quais destacamos reuniões
dos grupos para autoconhecimento, festas em datas comemorativas, festas
religiosas, palestras de cunho educativo, sobre saúde, educação, entre outras,
passeios turísticos. Inclusive, nacionalmente, nós temos passeios, às vezes, o
pessoal sai do Sul e vai conhecer o Nordeste, o Norte, e vice-versa, nós temos
intercâmbio nesses passeios, conhecimento de outras regiões. Há encontros
de diversos grupos na sede do município, às vezes são intercâmbios dentro
do próprio município. É muito comum as nossas famílias nascerem em uma
comunidade e não conhecerem nem as outras comunidades do município,
então nós estamos promovendo esse intercâmbio a partir do município, e
encontros também de grupos a nível estadual.
Destacamos aqui algumas conquistas, frutos da luta do nosso
movimento em prol da terceira idade e das pessoas idosas da área rural.
Em 1971, é de conhecimento de todos nós, conquistamos o primeiro
programa de assistência ao trabalhador rural, chamado de PRO-RURAL,
garantindo, já naquele momento, a aposentadoria por velhice ao chefe
da família que completasse 65 anos, no valor de meio salário mínimo,
a aposentadoria por invalidez, auxílio-funeral, serviço de saúde, serviço
social. Em 1988, com a chegada na nova Constituição, com muita luta,
muito sacrifício, nós conquistamos a aposentadoria em regime do
segurado especial, então nós saímos do meio salário mínimo para o

178
salário integral. Foi uma das conquistas importantes que conquistamos.
Nós reduzimos a faixa etária, a idade do homem, de 65, para 60 anos.
Conseguimos incluir a mulher no processo da aposentadoria já com
uma idade menor do que o homem, 55 anos de idade, e no valor do
salário integral. São alguns benefícios que nós destacamos, que merecem
uma atenção maior, ou seja, uma aposentadoria com salário mínimo, a
inclusão da mulher, que foi um ganho para nós importante, e a redução
da idade, de 60 para 55, e do homem de 65 para 60.
Em 1996 a Política Nacional do Idoso foi uma conquista de todos
nós, não só dos rurais, mas também dos urbanos. O Estatuto do Idoso,
em 2008, também foi uma conquista interessantíssima. Uma conquista
de toda a população idosa brasileira. É um dos instrumentos que nós
ultimamente temos usado para fazer a nossa caminhada e a nossa
organização. E a manutenção dos trabalhadores e trabalhadoras rurais
no Regime Geral da Previdência Social na condição de segurado especial.
É a única categoria profissional no Brasil que tem um tratamento
diferenciado dos demais, são os nossos trabalhadores rurais.
Como nós estávamos assegurados por uma lei que teve quinze anos
de duração e o prazo para o término era 2006, nós, com muita pressão e
muita negociação, conseguimos que o Presidente da República, por meio
de uma Medida Provisória, prorrogasse por mais dois anos, mas em 2008
estaríamos de novo sem nenhum amparo, sem nenhum respaldo legal
nosso Sistema de Previdência. E, agora, conseguimos que o Congresso
Nacional votasse definitivamente a nova lei, que nos mantém no Sistema
Geral da Previdência Social na condição de segurado especial, garantindo
toda aquela diferenciação, por ser uma categoria, na nossa compreensão,
diferente das demais. E já foi sancionada pelo Presidente da República,
estamos aguardando a sua regulamentação para podermos começar a
operacionalizar a partir dessa nova lei.
A atuação do nosso movimento com a terceira idade, a pessoa idosa:
em 2004 realizamos o primeiro Congresso Nacional dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais, só dos aposentados. Os chamamos aqui em Brasília,
mais de 500 delegados, em caráter de congresso mesmo, teve documento-
base, teve grupos temáticos. A partir de 2004 eles nos ajudaram a construir

179
esta estratégia de luta, esta caminhada, e foi tirado daí um documento
que serviu de orientação para a nossa caminhada; o Congresso aprovou
importantes diretrizes que demandaram um reordenamento da estrutura
do processo organizativo do movimento sindical.
A Contag vai fazer um congresso, agora no começo do ano que vem.
Além do número de delegados que vão ser inscritos para o congresso,
nós temos mais 10% de acréscimo tirado do número de delegados de
pessoas da terceira idade, então isso é obrigatório, o estado que não tirar
isso não se inscreve para participar do congresso.
Bem como novas políticas públicas a ser destinadas ao campo para
contemplar a especificidade das pessoas da terceira idade, de pessoas
idosas. Em 2006 participamos efetivamente da 1ª Conferência Nacional
dos Direitos das Pessoas Idosas, apresentando experiências na área rural.
Em 2007 realizamos vinte encontros estaduais da terceira idade, de
pessoa idosa da área rural. Em 2008 realizamos mais quinze encontros
estaduais da terceira idade, de pessoa idosa na área rural. Foi realizado
o Encontro Nacional de Construção das Políticas para a Terceira Idade,
do movimento que tem a participação de 180 lideranças sindicais. Nós
fizemos o 1º Congresso em 2004 e agora em 2008 voltamos a realizar
novamente um encontro nacional. Não foi um congresso, mas um
encontro nacional, já com as lideranças que se constituíram nos estados
para rever esse documento e tirar dali novas orientações.
Em 2009 nós pretendemos fazer o nosso 10º Congresso, no qual vai
ser eleito o diretor-coordenador da Comissão da Terceira Idade, da Pessoa
Idosa, da Contag, com um mandato de 4 anos. Somos hoje 11 dirigentes
da Contag, a partir do ano que vem passaremos para 13, porque vão ser
acrescentados na estrutura da direção o secretário nacional de Meio
Ambiente e o secretário nacional da Terceira Idade, que vai coordenar
o processo. Nós vamos ter uma pasta específica dentro da Contag para
fazer a coordenação da organização das pessoas da terceira idade, das
pessoas idosas, que hoje é feita por aquela comissão de que falamos
aqui, incorporada em outras secretarias, mas a partir de março de 2009
vamos ter uma secretaria específica, dentro da nossa estrutura, que vai
cuidar especificamente desse segmento.

180
Compartilhando experiências

Compartilhando experiências:
acolhendo pessoas em serviço de geriatria

Regina Celia Gorodscy30

Sou professora na graduação do curso de Psicologia da Pontifícia


Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Participo do núcleo de Psicologia
Hospitalar e do núcleo Corpo em Psicologia com o curso: o corpo em
diversas fases da vida. Procuramos nesse curso não repetir noções sobre
desenvolvimento humano, mas sim problematizar questões referentes à
corporeidade no existir humano. Temos discutido, com os alunos, questões
sobre o espelho quebrado, na corporeidade de pessoas acima de 65 anos,
semelhantes às apresentadas nas discussões de ontem.
Trabalhei como psicóloga em hospital público. Minha visão sobre
psicologia hospitalar é uma visão de atendimento à saúde de pessoas. Eu
queria agradecer muito ao Conselho Federal pelo tema Envelhecimento e
Subjetividade. O compromisso social primeiro não está apenas no discurso,
o compromisso está no atendimento concreto à pessoa hospitalizada, no
entendimento e no tratamento dos aspectos psicológicos subjetivos em
torno do binômio saúde-doença.
Em relação à clínica, ontem também ouvi alguns jovens depreciarem
o atendimento clínico e a questão do poder do terapeuta. Eu sonhei esta
noite que precisava falar sobre isso hoje. Como psicóloga, me disponho a
escutar, enxergar, tocar pessoas, estar com pessoas, para compreendê-las.
Eu acredito que, de alguma forma, quer em grupo, quer individualmente,
é importante que a gente seja um pouco ator como assistimos ontem
o filme, que a gente se coloque um pouco no papel da pessoa que está

30. Doutora em Psicologia Clínica, especialista em Psicomotricidade e Psicologia Hospitalar, professora


da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Supervisora de atendimento psicodiagnóstico
e psicoterápico com abordagem corporal. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Corpo em Psicologia –
terapias corporais. Orientadora de pesquisas acadêmicas e projetos de iniciação científica. Professora
de Psicossomática no Núcleo de Psicologia Hospitalar e no Núcleo Corpo em Psicologia.

181
doente, que está sofrendo, e que está vivendo algumas contingências
sociais e econômicas diferentes das nossas. É só assim que podemos
entendê-la: através de emoções.
Bem, eu vou falar de pessoas que se descobriram e ampliaram sua
consciência, a partir dos seus corpos e das suas doenças. O Grupo de
pesquisa Khalaó, ao qual pertenço, coordenado Pela doutora Ruth G.
Lopes, tem desenvolvido alguns trabalhos sobre o toque em idosos.
Mostrarei agora para vocês o resultado do toque em idosos com
Alzheimer e AVC, documentados em nossa pesquisa sobre Calatonia em
idosos Institucionalizados.
O idoso envelhece na contramão dos padrões de beleza de nossa
sociedade: feio, cheio de manchas, pele grossa, veias saltadas, rugas.
Muito diferente da pele do bebê que todo mundo quer beijar, apertar. Nas
instituições asilares, os idosos podem ser bem cuidados, bem tratados,
arrumados, perfumados, mas a qualidade do toque é diferente.Temos
trabalhado na instituição a qualidade do toque, pois estudos mostram
a importância do tocar não apenas do ponto de vista relacional, mas
também do ponto de vista fisiológico e psiconeuroimunológico. Nós
temos trabalhado também em pesquisas sobre terapia assistida por
animais e observado que o toque elicia respostas associativas de memória,
a partir da memória afetiva no contato com animais. Encontramos em
Damásio e Isquerdo suporte psiconeurológico para nossas observações.
Fui convidada pelo geriatra Dr. Ney Geraldo Perracini para trabalhar,
em 1986, na equipe do Serviço de Geriatria e Gerontologia que estava
se formando no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público
Estadual (IAMSPE). Neste trabalho, entrei em contato com pessoas idosas
que, a partir de buscas sobre os sintomas que apresentavam, passaram
ao autoconhecimento, pelo despertar da consciência de seus próprios
corpos. Assim, percebi a unidade psicofísica que somos e a importância
de espaços para acolher a subjetividade destes idosos.
Dona C, que não está mais com a gente, mãe de sindicalista morto pela
repressão, me ensinou como era lúcida, ligada à vida, como aguentava
todas as batalhas e os sofrimentos e como era organizada. Em certo
momento, com uma pneumonia, a senhora referida estava totalmente

182
desorganizada e parecia apresentar quadro de demência. E fui percebendo
que nós somos um todo. Melhorou o físico, melhorou o psíquico.
Outra senhora, E, referiu: “Eu não sei por que minha pressão está
sempre alterada, eu me alimento na base do nervoso, meu diabetes
está sem controle”. E tinha perdido o filho com Aids. Compartilhou
com a psicóloga, individualmente e depois em grupo, as suas questões,
suas emoções. Sua pressão arterial começou a se regularizar e passou
a cuidar do diabetes.
Outra questão que pretendo tratar a respeito de subjetividade e
envelhecimento está relacionada à criação de espaços de atendimento
em equipe interdisciplinar que permitam o acolhimento da subjetividade
dos idosos. Em 1994, solicitei transferência de Serviço de Psiquiatria para
trabalhar integralmente na Geriatria. Deparei-me na prática com poucos
recursos humanos e refleti que as políticas públicas são importantes,
mas, mais importante do que elas, é a mobilização dos profissionais
para fazê-las acontecer concretamente. Então, junto com a terapeuta
ocupacional, a nutricionista e a assistente social, criamos um programa
de aprimoramento: “Equipe interdisciplinar em Geriatria e Gerontologia”,
que continua existindo, com modificações.
Por meio desse programa, percebemos a importância do acolhimento
e da escuta a pessoas idosas. Em grupos, observamos que sofreram
perdas em suas vidas, como, por exemplo, morte de familiares, pais, filhos,
amigos, enfrentaram muitos obstáculos, tais como doenças de alguém da
família, alcoolismo. Mas nem por isso se renderam e perderam a vontade
de viver. Muito pelo contrário, algumas trabalham e frequentam grupos
de terceira idade, têm atividades sociais. O grupo de voluntariados do
hospital surgiu desse grupo preventivo.
As mulheres, sobretudo, no papel de cuidadoras de pais com
demência, têm preocupações com a manutenção de suas memórias,
com a sua sexualidade, ao mesmo tempo em que referem sentimentos
depressivos. São pessoas que procuram mudanças na qualidade de vida e
se preocupam com a manutenção de sua saúde. Documentamos nossos
achados em apresentação de diversos pôsteres no encontro do Conselho
Regional de Psicologia (CRP) “Psicologia e Compromisso Social”.

183
Compartilhando experiências

Um serviço de neuropsicologia ofertado ao idoso atrelado à pesquisa


e ações clínicas

Sérgio Leme da Silva31

Gostaria primeiramente de agradecer ao Conselho Federal de


Psicologia pelo convite para participar desse evento, e à professora
Isolda Günther, obrigado por estar aqui. Eu vou tentar, de uma maneira
informal, passar para vocês um relato sobre as nossas atividades na área
de neuropsicologia dentro do Centro de Medicina do Idoso do Hospital
Universitário de Brasília. Não será meu objetivo aqui aprofundar questões
teóricas científicas, mas sim descrever o Serviço de Neuropsicologia,
sua composição profissional, seu programa clínico ambulatorial, sua
abordagem teórica, suas dificuldades e seus acertos.
O nosso Serviço de Neuropsicologia conta com uma equipe composta
por: a) um neuropsicólogo concursado, com dedicação de quatro horas
semanais ao nosso serviço; b) dois neuropsicólogos bolsistas da Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep), contratados por um período de dois anos,
para execução de atividades presenciais ambulatoriais de neuropsicologia
–grupos de reabilitação e avaliação neuropsicológica dirigida a idosos –
e atividades virtuais educativas dirigidas à capacitação de profissionais e
interessados pelo assunto. As atividades desses bolsistas fazem parte de
um projeto que denominamos de Projeto Gedarni, ou Programa Presencial
e Virtual de Gerontologia, Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica para
Inclusão Social de Idosos; c) estudantes de graduação em Psicologia cursando
as disciplinas: Estágio para formação de Psicólogo em Neurociências
e Cognição e Pesquisa em Psicobiologia, recebendo em média de dois a

31. Psicólogo, mestre em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutor em Ciências pela
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Coordenador do Serviço de
Atendimento e Pesquisa em Neuropsicologia do Centro de Medicina do Idoso do Hospital Universitário
de Brasília. Professor adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB).

185
quatro alunos por semestre; d) estudantes de pós-graduação, recebendo
em média um aluno por semestre; e por fim, a figura do professor-
orientador, representada por mim. Em resumo, 80% da nossa equipe clínica
em neuropsicologia apresentam-se como voluntária, entretanto ligada ao
treinamento supervisionado dentro um hospital escola.
Nosso serviço está orientado por bases teóricas das neurociências,
com enfoque a aplicar a neuropsicologia clínica. As neurociências,
conforme os pesquisadores clássicos Pierre Karli nos anos 80 e Kandel nos
anos 90, possuem como postulado, a ideia de que os ambientes físicos e
sociais determinam mudanças no sistema nervoso e de que essa ação é
recíproca, ou seja, o cérebro é sem dúvida gerador dos comportamentos,
mas ele próprio fruto da relação que se mantém com o meio ambiente,
desde a filogênese, e, principalmente, em todo nosso desenvolvimento
ontogenético. Assim, acreditamos que a estimulação promove alteração
no sistema nervoso, mesmo no envelhecimento.
Dessa forma, fundamentamos uma hipótese de plasticidade cerebral em
função ou resultante de reabilitação ou intervenções neuropsicológicas. Isto
é, uma plasticidade cerebral devida à promoção de atividades cognitivas,
nutricionais, ambientais ou sociais que comumente ocorrem ao propormos
a idosos um programa de reabilitação neuropsicológica ou, como também
vem sendo chamado, programa de intervenção neuropsicológica.
Acreditamos ainda que essas intervenções neuropsicológicas possam
potencializar as ações psicomarfacológicas de medicamentos utilizados
para melhora da memória, como os anticolinesterásicos – hipótese que
vem sendo atualmente defendida na literatura. Atualmente existem muitos
trabalhos no sentido de estudar as alterações neurofisiológicas associadas
às mais diversas intervenções neuropsicológicas, como cognitiva, social
e outras. Por exemplo, medir o nível de cortisol em participantes dessas
intervenções, fazer comparações antes e depois da intervenção, etc. Essas
alterações do nível de cortisol vêm sendo observadas, o que nos leva a crer
que qualquer intervenção psicológica e neuropsicológica aplicada a um
paciente ou dirigida a um sujeito repercute no sistema nervoso do idoso.
O relato de nossa experiência no atendimento ao idoso portador
de Alzheimer, de outra demência ou de declínio cognitivo pode ser

186
relatado através de vários pontos, objetivos e enfoques temáticos que
desenvolvemos durante o nosso programa de atendimento.
O primeiro ponto é esclarecer que o nosso atendimento em
neuropsicologia está dentro de um programa de hospital dia do Sistema
Único de Saúde (SUS). Esse programa de hospital dia se caracteriza como
um atendimento multidisciplinar composto por quatro equipes, que
atendem em dois horários semanais. O primeiro atendimento da semana
é formado por duas horas de sessão de psicologia clínica e duas horas de
sessão de neuropsicologia. O segundo atendimento na semana se compõe
por duas horas de fisioterapia e duas horas de terapia ocupacional. Por
oito semanas esses dois grupos de sessões semanais vão ocorrendo.
Relatarei aqui os objetivos das sessões de neuropsicologia nesse
programa de hospital dia. A sessão de neuropsicologia compõe-se em
duas ações clínicas. A primeira tem como objetivo proporcionar aos
idosos um conjunto de atividades de estimulação cognitiva da memória.
A segunda tem como objetivo proporcionar aulas psicoeducativas sobre
envelhecimento, memória, o cuidado com idoso e outros temas pertinentes.
É importante ressaltar que esse programa é dirigido a idosos com declínio
cognitivo ou portadores de demência em estágios leve a moderado.
O programa das ações de estimulação cognitiva dirigida ao idoso tem
como primeiro enfoque a conscientização da deficiência de memória, ou seja,
além de haver uma discussão no grupo sobre o porquê de todo mundo estar
ali, que é estimular a memória, é realizado também uma conscientização
sobre o esquecimento. De maneira a refletir sobre a ideia de que “esquecer
pode ser é uma coisa natural, ou um aspecto adaptativo”. Isto porque,
independentemente da idade ou da patologia, todo mundo esquece. Essa
questão é também levada para o grupo psicoeducativo, dirigido aos cuidadores,
principalmente em suas primeiras aulas. Isto porque é importante o cuidador
ou familiar acompanhante do idoso, reconhecer a informação que “esquecer
é importante para todos nós”. Isso porque o esquecimento nos ajuda a
adaptar as nossas situações de estresse, e ainda, na maioria das vezes quando
cobramos esquecimento dos idosos, esquecemos que nós esquecemos.
Ou seja, não é somente o idoso com declínio cognitivo que esquece. É
importante o cuidador perceber que também esquece e que comete falha de

187
memória, para que ele não cobre tanto do idoso, as suas falhas de memória. Essa
questão, sobre o papel do esquecimento, é muito bem relatada pelo renomado
pesquisador Daniel Schater em seu livro ”, de forma que a aprendizagem do
papel do esquecimento, a nosso ver, retrata o primeiro e importante aspecto
aprendido pelos idosos e principalmente pelos cuidadores.
A aprendizagem desse aspecto tem se mostrado, na nossa prática
clínica, capaz de minimizar em algum grau o fardo de se conviver
com alguém que comete um número excessivo de falhas de memória.
Nesse momento terapêutico também é importante esclarecer que o
esquecimento que não é benigno é aquele que comumente atrapalha a
atividade de vida diária e as atividades instrumentais, devendo explicar
o que são as atividades de vida diárias e instrumentais, e que elas
representam atitudes básicas do nosso comportamento, como saber
onde você mora, o nome e quem são os parentes próximos que moram
com você, como se utilizam instrumentos básicos do nosso cotidiano
como faca, colher, garfo, copo, etc. Para o idoso acometido de uma
Síndrome Amnésica Orgânica, de etiologia demencial de Alzheimer,
Vascular, ou outra, quando ele reconhece, conscientiza, ou descobre,
mesmo que seja por pouco tempo, que esquecer também é um aspecto
normal da vida, comumente ele demonstra elevação de autoestima. Isso
pode ser observado nas declarações desses idosos que expressam que as
falhas de memória que perturbam sua vida de certa maneira também
aparecem em outras pessoas. Isto é, podemos neste momento promover
sentimentos de igualdade de idosos com outros, que não são idosos.
Outro enfoque temático é mostrar ao idoso e ao seu cuidador ou familiar,
que o idoso em estado de declínio cognitivo ou demencial de inicial a moderado,
possui um potencial residual mnemônico, ou, que ele ainda possui algumas
capacidades cognitivas preservadas. A partir desse ponto, tentamos mostrar
aos cuidadores e familiares como utilizar esse potencial residual cognitivo.
Para tanto, explicamos o que é e como utilizar estratégias compensatórias
cognitivas, com intuito de minimizar as falhas de memória. Essas estratégias
se caracterizam por serem apoios externos, como, por exemplo, agendas,
grade de horários fixados em local público da casa, sinalizações que de
alguma maneira auxiliam na recordação do fato registrado.

188
Esse ensino das estratégias compensatórias ocorre na prática nas
sessões de estimulação cognitiva do programa da neuropsicologia,
como também o incentivo em evocar reminiscências e a utilização de
recursos mnemônicos como associações e semânticas. Por exemplo, para
aprender os nomes, incentivamos que os pacientes façam associações.
Para aprender meu nome, foi lembrado e associado o meu nome ao ator
“Sérgio Bittencourt”, um ator que eu nem cheguei a conhecer, mas o
paciente conheceu, e fez parte de sua história remota, pois foi por ele
levantada tal associação, em virtude deste ator ser o meu “xará”. Para
aprender o nome “Gabriela”, que era de outra psicóloga da equipe, outro
paciente associou esse nome a personagem “Gabriela Cravo e Canela”,
história muito divulgada há mais de 20 anos atrás.
Outro aspecto que salientamos no programa é a estimulação da atenção
e da concentração. O coordenador do grupo confere a todo instante se
as discussões estão sendo acompanhadas por todos os idosos do grupo.
Também se flexibiliza o uso do controle do tempo, para emissão de
respostas e desempenho de tarefas. No geral o tempo é determinado pelo
ritmo do idoso, de forma a ajustar com o tempo que temos para execução
da sessão e das tarefas. Por exemplo, se o idoso é lento para responder, o
coordenador do grupo estima um tempo diferenciado para ele, de maneira
a não perder a dinâmica do grupo. Isto é, colocando essa preocupação
de esperar o colega para todos os outros idosos do grupo. Se ele não
responder dentro do tempo diferenciado que foi dado a ele, o coordenador
responde para ele, ou outro idoso do grupo acaba respondendo. Nesse
momento também, estamos fazendo uso do que Squire nos anos 90
denominou aprendizagem sem erro. Ou seja, evitamos que o idoso possa
emitir palpites, e ainda, se caso ele emitir algum palpite, que envolva
uma resposta errada, não daremos atenção a essa resposta errada. Isto
é, forneceremos a ele a resposta correta, sem mencionar que ele emitiu a
resposta errada. A utilização da aprendizagem sem erro parte do princípio
que é muito complexo para o idoso amnésico aprender que a resposta que
emitiu é errada e ainda aprender qual é a correta, pois são dois aspectos
antagônicos a se memorizar. Por isso, reforçamos ou enfatizamos sempre o
que é correto fazer, e nunca o que não é correto. E ainda, a aprendizagem

189
sem erro é fundamentada na hipótese de habilidades ainda preservadas
em sujeitos com distúrbios de síndrome amnésica orgânica.
O exercício da repetição é muito utilizado nas sessões de estimulação
cognitiva. O coordenador do grupo deve ser sempre um incansável
repetidor de informações, sem gerar aborrecimentos e impaciências.
Deve também conferir sempre a compreensão dos idosos do grupo no
que se refere às tarefas que lhe são solicitadas, como também, conferir
sempre se a situação está promovendo bem-estar, satisfação, prazer,
divertimento, integração entre os participantes.
Muitos pesquisadores da área de reabilitação neuropsicológica
da memória, como Wilson, Prigatano, Abrisqueta-Gomez e outros, já
apontaram por diversas vezes que o exercício de evocar reminiscências é
muito prazeroso para o indivíduo portador de amnésia anterógrada. Isto
é, para o indivíduo que tem dificuldade em armazenar novas memórias,
mas que tem preservado suas memórias remotas, autobiográficas, por
fim sua identidade, é compreensível que seja prazeroso evocar aquilo
que se lembra aquilo que lhe dá identidade e significado de existência.
Acreditando nesse potencial cognitivo da reminiscência, o nosso
programa de estimulação cognitiva vem utilizando as reminiscências
desses pacientes para associar a sinalizadores de novas memórias. No
nosso modelo, já há algum tempo, nós estamos utilizando sinalizadores
que são cores. A escolha desse sinalizador-cor ocorre através de uma
discussão em grupo envolvendo um significado para cada idoso ligado às
reminiscências históricas, emocionais e individuais de cada um que podem
ser associadas a uma cor. Por exemplo, uma das pacientes que participou
da oficina concluiu no grupo que escolheu o sinalizador vermelho por
ser a “a cor do coração de Jesus”. Esta paciente se sentia muito orgulhosa
por ser religiosa católica da irmandade denominada “Coração de Jesus”
(reminiscência). Assim passou a associar o sinalizador “cor vermelha” com
a “cor do coração” ligando à sua reminiscência “sou religiosa da Irmandade
Coração de Jesus”. Assim, diante da solicitação do coordenador do grupo
de recordar a cor do seu avental em cada sessão, a paciente chegou a
evocar: “a cor do coração, a cor do amor, a cor de Jesus, a cor do meu
avental é o vermelho.” Outro paciente preferiu a cor preta que passou

190
então a ser o seu sinalizador. Isto porque a sua reminiscência associada foi
ele ter sido advogado. E cor da beca utilizada pelo advogado em exercício
é o preto. Assim, para os exemplos citados, “o vermelho relacionado ao
coração de Jesus”, a dica contextual da reminiscência para esta paciente
foi “a sua cor tem a ver com a sua religião”, enquanto que para o “preto
relacionado à cor da beca utilizada pelo advogado”, a dica contextual para
este paciente foi “a cor que você escolheu tem a ver com a roupa utilizada
no exercício da sua profissão em tribunais de justiça”. Dessa maneira,
todos os pacientes em situação de grupo vão escolhendo dentre 12 cores
ofertadas, a cor de seu avental, ou seja, o seu sinalizador, as quais passam
a utilizar durante todas as sessões de estimulação cognitiva, também
chamada de reabilitação cognitiva da memória.
O planejamento do nosso programa de neuropsicologia, tanto a
reabilitação como o grupo psicoeducativo, é extremamente sistemático, ou
seja, as sessões a ocorrer nas oito semanas do programa são pré-planejadas.
Em todas as sessões da estimulação cognitiva, são utilizados jogos, como
liga-pontos, quebra-cabeças, bingos, e várias outras atividades cognitivas,
mas há uma atividade que percorre horizontalmente a terapêutica em
pelo menos seis semanas de atendimento e ainda é sistemática em todas
essas sessões, que é uma atividade de aprendizagem e memória utilizando
o tema “jardinagem”. É um desafio, de certa maneira, realizar uma oficina
de jardinagem dentro do hospital-dia para pacientes atendidos pelo
SUS. Todo o trabalho é sempre recuperado na sessão posterior, onde
relembramos a cada semana a escolha do sinalizador-cor (cor do avental),
pintura e o reconhecimento do vaso pintado na cor do sinalizador, plantio
e o reconhecimento da muda plantada nesse vaso, tarefas que ocorrem em
diferentes semanas. A ideia é que eles reconheçam sua obra durante todo
o processo terapêutico e que, por meio dessa oficina, eles reconheçam que
estão realizando uma estimulação da memória e, ao mesmo tempo, elevem
sua autoestima através dos reconhecimentos e acertos que ocorrem no
desenvolvimento das sessões, como também da própria produção obtida
(vaso pintado com uma muda plantada) ao final da oficina.
Para avaliar o impacto dessa estimulação cognitiva, realizamos
uma avaliação neuropsicológica prévia à oficina na primeira semana e

191
uma avaliação posterior do perfil cognitivo dos idosos logo depois que
eles terminam essas sessões da oficina, na oitava semana. As sessões
psicoeducativas (sobre o que é envelhecimento, cuidado, memória, etc.) para
os familiares ocorrem no mesmo horário e dia das sessões de estimulação
cognitiva dirigida aos idosos. Entretanto, essas atividades são realizadas
em salas distintas, enquanto o idoso está no atendimento de reabilitação
neuropsicológica, os cuidadores estão fazendo a psicoeducação.
Sobre os testes que utilizamos, vou apenas citar e não vou entrar em
detalhes. Alguns testes utilizados são comuns ao uso do psicólogo, do
médico ou de outro profissional gerontologista, como os Testes Miniexame
do Estado Mental – (Minimental), Escala de Depressão Geriátrica (EDG),
Teste do Desenho do Relógio e Teste de Fluência Verbal (FAS). Entretanto
outros utilizados pelo nosso serviço de neuropsicologia são específicos
para o uso do psicólogo ou neuropsicólogo, como Escala de Memória de
Wechsler e os Subtestes Semelhanças e Repetição de Dígitos Diretos e
Indiretos da Escala de Inteligência de Wechsler (WAIS). Por isso, em nosso
serviço de neuropsicologia todos os profissionais são psicólogos.
Os resultados de nossas avaliações neuropsicológicas revelam que, em
um terço dos nossos pacientes atendidos na reabilitação durante esses
dois meses de processo terapêutico de intervenção neuropsicológica, o
perfil cognitivo do idoso em demência pôde se estabilizar. Na literatura
o desenvolvimento da demência, na maioria dos casos em que não há
estimulação, a tendência é ir declinando e, em alguns casos, muito
rapidamente. Dessa forma, para nós, o resultado de um terço do grupo
permanecer com o perfil cognitivo por durante dois meses já é alguma
vitória. Vitória maior ainda é, quando percebemos que outro terço dos
pacientes atendidos na reabilitação melhorou minimamente seu perfil
cognitivo na média em até (1,6) pontos no Minimental. Entretanto, existe
a proporção restante de outro terço de idosos atendidos que reduziu
seus escores cognitivos, na média em até (1,3) pontos no Minimental.
Por outro lado, o resultado mais importante advindo desse nosso serviço
vem sendo a redução significativa dos indicadores de depressão desses
idosos avaliados na Escala de Depressão Geriátrica. Podemos afirmar
com certeza que esta oficina promove redução de estados depressivos.

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O nosso grupo envolvido no Projeto Gedarni (DA-SILVA, S. L., VELOSO, F.,
PEREIRA, D. A. e colaboradores) publicará em 2009 um artigo com o
título Neuropsychological rehabilitation of memory applied to dementia
reduces depression and promotes cognitive gains, que relatará com
detalhes esses resultados.
É possível para os senhores conhecer alguns outros detalhes do nosso
trabalho, consultando um artigo de minha autoria e de título Reabilitação
Neuropsicológica da Memória: Vitória por uma gota no oceano, publicado
na Revista Eletrônica ComCiência, da Unicamp, por meio do endereço
http://www.comciencia.br/reportagens/memoria/16.shtml.
O nosso serviço também promove uma atividade de enfretamento na
oitava sessão. Essa atividade se trata de um passeio realizado com o grupo
todo de idosos e cuidadores. O serviço sempre prefere dar preferência a
visitar locais públicos, como restaurantes e parques ecológicos. Fotos das
oficinas de jardinagem e desses passeios poderão ser vistas no site do
Centro de Medicina do Idoso e do Projeto Gedarni, no seguinte endereço:
http://www.cmi.unb.br ou http://www.gedarni.com.br.
Como relato de experiências, podemos citar também dois exemplos
de projeto de mestrado em Ciências do Comportamento do Instituto de
Psicologia com enfoque na área de neuropsicologia, que foram realizados
no Centro de Medicina do Idoso, sob minha orientação.
A primeira dissertação de mestrado que podemos discutir foi a
realizada por Mariana Balduíno. O impacto da estimulação cognitiva sobre
testes neuropsicológicos validados e testes adaptados contextualmente
à atividade social promovida pela estimulação foi o foco da dissertação
de Balduíno. Nosso objetivo foi examinar os efeitos de um teste de
memória lógica contextual à atividade vivida pelos idosos no programa
de estimulação cognitiva. As avaliações ocorreram antes e depois da
oficina de estimulação cognitiva para comparar o impacto da oficina
sobre o desempenho na avaliação neuropsicológica posterior. O tema
da oficina de reabilitação ou de estimulação cognitiva para os idosos
estudados por Balduíno foi “pescaria”.
Os idosos nesse programa foram convidados a um passeio que envolvia
uma pescaria num clube de pesque-pague. A atividade de pescaria ocorreu

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durante uma tarde toda. Entretanto duas sessões semanais de estimulação
cognitiva foram realizadas no hospital duas semanas antes a esse passeio
que auxiliaram os idosos a escolherem sua cor sinalizadora estampados em
coletes salva-vidas. Assim cada idoso escolheu o seu colete salva-vida entre
12 diferentes coletes. As escolhas foram feitas também com associações
dessas cores sinalizadores e reminiscências particulares de cada um.
O teste de memória lógica se caracteriza por ser composto de duas
histórias divididas em 25 trechos de uma narrativa. A primeira história
narra “Ana Soares, do Sul, empregada doméstica, foi assaltada, e assim
por diante”. A segunda história narra “Roberto Mota, um caminhoneiro,
que sofreu um acidente na estrada”. Balduíno aplicou essas histórias
e uma história contextual, que foi construída para esse estudo. A
história contextual narra a que “Dona Maria atendida no HUB foi a uma
pescaria com outros idosos amigos, assim por diante”. Os resultados
demonstraram que os pacientes idosos portadores de Alzheimer que
passaram pela oficina de estimulação cognitiva com a temática de
pescaria conseguiram lembrar mais trechos da história contextual do que
aqueles não passaram pela oficina de pescaria. Esses resultados revelam
a necessidade de nos preocupar em desenvolver testes mais ecológicos
à realidade dos avaliados. Os pacientes desse estudo que participaram
da oficina de pescaria também tiveram uma significativa redução de
indicadores de depressão. Essa dissertação está disponível online no site
http://biblioteca.universia.net no endereço URL: http://bdtd.bce.unb.br/
tedesimplificado/tde busca/arquivo.php?codArquivo=4361.
A dissertação de Fabíola Krystine Celestino é outro trabalho que está
sendo finalizado e foi desenvolvido também sob minha orientação no
Centro de Medicina do Idoso do HUB. A ideia nesse trabalho está sendo
realizar correlações entre desempenhos neuropsicológicos em diferentes
escalas que avaliam qualidade de vida, depressão, ansiedade, carga
emocional do cuidador, enfretamento e outros aspectos avaliados antes
e depois de uma oficina de lazer desenvolvida por nove semanas. Essa
oficina foi composta por um passeio semanal em locais históricos de
Brasília, como Catetinho, Esplanada, Igreja Matriz, Parque Água Mineral,
Centro Cultural do Banco do Brasil e outros lugares. A oficina de lazer

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desenvolvida por Celestino repercutiu principalmente no cuidador
enquanto que, no idoso, repercutiu na redução de indicadores de
depressão. Esses resultados poderão ser visto de forma mais detalhada
a partir de maio de 2009, quando estará disponível no site da http://
biblioteca.universia.net, no qual deverá ser procurado pelo nome
completo da autora Celestino. Por enquanto, o que podemos dizer é que
o fator mais importante observado por Celestino é que atividades de lazer
também possuem potencial de impactar desempenhos neuropsicológicos
dos participantes dessas atividades.
Por último, nosso serviço de neuropsicologia teve contato com a
escola de extensão da UnB. O projeto de extensão propicia ao aluno de
graduação vivenciar realidades de idosos moradores de comunidades
distantes dos centros urbanos. O Centro de Medicina do Idoso está
desenvolvendo, desde 2007, um estudo de pesquisa e extensão em áreas
rurais isoladas, habitadas por populações quilombolas, denominado
Projeto Viver Kalunga. Este trabalho está sendo financiado pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Edital
MCT/CNPq/MS-SCTIE-DECIT 26/2006 – Estudo de Determinantes Sociais
da Saúde, Saúde da Pessoa com Deficiência, Saúde da População Negra,
Saúde da População Masculina.
Seus primeiros resultados têm nos demonstrado a necessidade urgente de
divulgarmos que a atenção ao idoso rural no Brasil tem de ser diferenciada.
O idoso rural tem um perfil cognitivo particular diferente do idoso de centros
urbanos como Brasília, São Paulo, Rio, Belo Horizonte, etc. Isto ocorre em
virtude do baixo nível escolar do idoso rural e do seu particular modo ou
estilo de vida. Esse estudo Projeto Viver Kalunga está sendo desenvolvido
no nordeste goiano, na região de Cavalcante, com os quilombolas Kalungas.
O relatório desse estudo poderá determinar novas preocupações na gestão
da saúde do idoso rural e do idoso negro rural isolado e privado da oferta
de saúde pública, como também fornecer um banco de conhecimentos
antropológicos a respeito da terapêutica alternativa dessa população,
principalmente ao que se refere ao uso de plantas medicinais.
Esses foram os pontos e enfoques de experiências em Neuropsicologia
que me propus a trazer até vocês. Agradeço a todos a atenção.

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Leituras recomendadas
ABRISQUETA-GOMEZ, J. et al. Neuropsychological rehabilitation program in cognitive impairment
and dementia. In: BATTISTIN, L.; DAM, M.; TONIN, P. (Orgs.), Proceedings of the 3rd World Congress
Neurological Rehabilitation (pp.399-407). Venice: Monduzzi Editore. 2002.
ABRISQUETA-GOMEZ, J. Avaliação neuropsicológica nas fases inicial e moderada da demência
do tipo Alzheimer. 162 f. Tese (Doutorado em Ciências). Universidade Federal de São Paulo –
Escola Paulista de Medicina. 1999.
DA SILVA, S. L. Reabilitação neuropsicológica em idosos: Uma gota no oceano. Revista Eletrônica
ComCiência, Maio LaborJor-Unicamp-SBPC. 2004.
KANDEL, E. R., SCHWARTZ, J. H. e JESSEL, T. M. (Orgs.) Essentials of neural sciences and behavior.
New York: Elsevier. 1995.
PRIGATANO, G. P. Personality and social aspects of memory rehabilitation. In: BADDELEY, A. D.;
WILSON, B. A. e WATTS, F. N. (Orgs.). Handbook of memory disorders. p. 603-14 Chichester: John
Wiley. 1995.
SCHACTER, D. L. The Seven Sins of Memory: How the mind forgets and remembers. Houghton
Mifflin Company, New York, USA. 2001.
SQUIRE, L. R. Memory and Brain. NY, Oxford Univ. Press. 1987.
WILSON, B. A. Rehabilitation of memory. New York: Guilford. 1987.

Agradecimentos do autor

Pelo apoio financeiro a


FINEP – Financiadora de Estudos e Pesquisa
CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa

E à equipe da Neuropsicologia do CMI (2007 e 2008), Fabrizio Veloso, Danilo Assis Pereira (bolsistas
GEDARNI), Emanuela B Carvalho (psicóloga concursada do HUB), aos pós-graduandos Mariana
Balduíno, Fabiola Krystina Celestino, Lucia Inês Araújo, Corina Satler e Natália Massarotto e aos
graduandos Tamie Takeda, Felipe Brasil, Luís Arantes, Fernando Honório, Paulo Gontijo, Pedro Ivo
M Ferreira, Ricardo B. Silva, Gabriela da Silva e as psicólogas voluntárias Regina Nogueira e Elza
Maestro e ao Dr. Renato Maia Guimarães pela sempre confiança no trabalho de nossa equipe.

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