Você está na página 1de 3

Brasil. (Neo)desenvolvimentismo ou luta de classes?

Autor(es): Pinassi, María Orlanda


Pinassi, María Orlanda. Profesora de Sociología, FCL/UNESP, integra el Consejo Asesor de la
revista Herramienta y es autora del libro Da miséria ideológica à crise do capital: uma
reconciliação histórica. San Pablo: Boitempo Editorial, 2009. Colaboradora habitual de
Herramienta.

(versión en español)

Às vésperas de completar 25 anos no Brasil, o neoliberalismo vem sendo o mote de


importantes análises e balanços acerca do seu desempenho no país, sobretudo por
estudiosos do campo da crítica marxista.
De modo breve, o processo neoliberal é apresentado em dois momentos distintos e
complementares ao mesmo tempo. O primeiro marcou os anos do governo de FHC através
das privatizações de empresas públicas, da desnacionalização da economia, da
desindustrialização, da reprimarização da produção interna (produção e exportação
de commodities) e da integração da burguesia brasileira ao imperativo capital
transnacionalizado.
O momento seguinte enseja o chamado neodesenvolvimentismo, processo que caracteriza os
governos Lula e Dilma. Sem romper com a lógica neoliberal, o “modelo” sugere formas
neokeynesianas, de modo a administrar os estragos causados pelo neoliberalismo das
gestões anteriores. Segundo consta, o Estado procuraria, então, recompor sua função (de
“alívio”) social – através da criação de empregos (quase sempre precários e temporários),
políticas de recuperação do salário mínimo e redistribuição de renda (Bolsas Família, Escola,
Desemprego etc.) -, enquanto a economia se renacionalizaria por meio de financiamentos do
BNDES à reindustrialização pautada na substituição de importações. Argumentos fortemente
questionáveis visto que as empresas públicas privatizadas hoje são fortemente controladas
por capitais externos (vide Vale), numa lógica em que a economia transnacionalizada do
sistema reconduz o Brasil ao papel produtor de bens primários para exportação.
É desse modo subalternizado que, pelas mãos do neoliberalismo, o capitalismo brasileiro
vem apresentando alguns dos melhores desempenhos econômicos do sistema. O capital, em
processo de crise generalizada, tem pouco a lamentar e muito a comemorar por aqui: veja-
se a estratosférica lucratividade bancária e o enorme crescimento da indústria da construção
civil. Mais impressionante ainda é o desempenho da mineração, do agronegócio, do setor
energético e dos números que apontam para o grande aumento de áreas agricultáveis[1], de
florestas, de rios e outras tantas de proteção ambiental, invadidas e destruídas por pasto,
monocultivo de cana, de soja, de celulose, de laranja, por extração mineral, por barragens.
Com razão, é unânime a condenação que se faz da hegemonia do capital financeiro sob o
neoliberalismo tendo em vista as consequências sociais nefastas que provoca.
Estranhamente, porém, a solução que alguns estudiosos do tema encontram para esse
“impasse” vem da Economia Política e não de Marx. Ressaltam os avanços das políticas
sociais dos governos petistas, mas, acometidos de uma espécie de “síndrome de Proudhon”,
ouvem o sino tocar sem saber onde ele se encontra. Procuram-no num revival antidialético e
romântico do Estado de Bem Estar Social, do predomínio da indústria fordista, com suas
formas mais “humanizadas” de extração da mais-valia relativa. Saudades de algo que jamais
existiu por aqui.
Para além dessas boas intenções, o neoliberalismo, desde suas primeiras aparições já nos
anos de 1990, compõe a processualidade de uma mesma dinâmica de expansão e
acumulação de riquezas baseada na superexploração do trabalho. Só que desta vez sem os
entraves que as políticas keynesianas originais de controle das crises cíclicas certamente
apresentariam à lógica de uma atuação absolutamente intolerante a qualquer limite.
Isso quer dizer que a década de 1990, apesar de ter registrado um desempenho econômico
pior do que nos anos 1980, não foi perdida, como pensam, nem de estagnação para o
capital. Durante esses anos, o neoliberalismo pôs em prática seu fundamento mais
importante, aqui e em todo o mundo capitalista: interrompeu o avanço da classe
trabalhadora. A reestruturação produtiva implantada destruiu empregos e a estabilidade
(onde ela existia), criou o desemprego estrutural, disseminou a precarização – algo bastante
familiar ao mundo do trabalho no Brasil - e começou a desmantelar cada um dos direitos
trabalhistas conquistados pela classe trabalhadora desde Getúlio. Se o momento FHC criou
as condições da miséria, sem, contudo, destruir completamente a classe, o momento
seguinte lograria ainda maior sucesso nesta investida, criando e reproduzindo o miserável.
FHC ainda combatia a objetividade da classe trabalhadora, seus sindicatos e os movimentos
sociais. Os governos de conciliação de Lula e Dilma mantiveram a política de fragilização da
classe trabalhadora e investiram sobre a subjetividade do trabalhador. Numa obra magistral
de engenharia política, não mais o reconhecem como antípoda do capital. Tratam sindicatos
e movimentos populares como parceiros e ainda são pródigos na concessão de direitos para
as chamadas “minorias”, os direitos de cidadania que vão fortalecer a democracia formal.
Inegável o avanço da Lei Maria da Penha, dos direitos ampliados dos negros, dos índios e
dos homossexuais. O problema é a individualização desideologizada do tratamento,
devidamente orientado pelo Banco Mundial, de controle social do miserável. [2]
Caminho livre para a lógica da produção destrutiva e nele não há solução jurídica capaz de
conter o extermínio de comunidades indígenas, as expropriações sem fim das terras
quilombolas, de pequenos produtores e trabalhadores rurais sem terra – acampados ou
assentados -, não há solução possível para as remoções de levas imensas de moradores de
comunidades urbanas, muito menos para conter a superexploração de mulheres e crianças
ou a disseminação do trabalho escravo no campo e nas cidades.[3] Para os segmentos
atingidos, a criminalização e os rigores da repressão policial. Ou seja, a mais perfeita
democracia hoje realizada pelo mundo do capital é a sua absoluta “tolerância” com qualquer
forma de extração do sobre-trabalho: pode ser mais valia relativa, pode ser mais valia
absoluta.
Vistos dessa ótica, os tempos são inegavelmente difíceis, tornando urgente a tomada de
decisão: ou jogamos mais água no moinho satânico ou buscamos caminhos mais autênticos.
Ou somos apologetas ou críticos radicais.
Florestan Fernandes foi categórico a respeito: “[...] defendo toda carga possível da
saturação-limite dos papéis intelectuais dos sociólogos - não como servos do poder, porém
agentes do conhecimento e da transformação do mundo”. Sem meias palavras, define muito
claramente sua opção pela sociologia concreta baseada no “horizonte cultural socialista em
sua plenitude revolucionária”. [4]
Não poderia dispor, portanto, de melhor companhia para dizer que não pretendo
encontrar soluções para estabilizar o capital; não pretendo dar contribuição para torná-lo
mais funcional; nem venho propor algum tipo de pacto social com frações da burguesia
supostamente lesadas pelo imperativo capital financeiro. O ponto de vista que defendo está
ideologicamente comprometido com as necessidades mais legítimas dos indivíduos que
compõem a classe trabalhadora, cujo desafio maior da atualidade é conseguir transpor as
misérias materiais e ideológicas e reassumir, através da luta, a condição diuturnamente
vilipendiada de sujeito da história. Um primeiro passo deveria ser dado por suas
organizações – ou o que sobrou delas – no sentido de compreenderem, definitivamente, que
o agir revolucionário precisa aprender a se “virar” sem o canto de sereia das instituições
mediadoras da ordem.

[1] Há quem diga que, no Brasil, não há mais latifúndios improdutivos, então, para que
Reforma Agrária? Não temos espaço suficiente aqui para demostrarmos quão questionável é
essa “ideia”.
[2] Ver a respeito o Projeto de Lei PPA 2012/2015 (2011) através do qual a gestão da
presidenta Dilma Rousseff se propõe a enfrentar e dar visibilidade através dos programas
que englobam o Plano Brasil sem Miséria.
[3] Ao contrário, tudo tende a se agravar com a revisão do Código Florestal, da Mineração,
da demarcação das terras indígenas.
[4] Florestan Fernandes. A natureza sociológica da sociologia. São Paulo, Editora Ática, 1980
(p. 32)

Você também pode gostar