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a^rmcíencía d orar com lesus^

C arlos Q u eir o z
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O lh a n d o as Escrituras, é como se
Jesus Cristo estivesse dizendo aos
discípulos: “Primeiro, vocês
precisam descpnstruir as formas
religiosas de oração antes
aprendidas”. Então, de imediato, a
tarefa é saber como não se deve
orar; depois, será mais fácil
entender como se deve orar.

Orar é um estilo de vida e, com


Cristo, não aprendemos a orar com
a mesma lógica dos gurus das
religiões. Ninguém nunca nos
ensinou a respirar, simplesmente ,
respiramos. E como se Jesus Cristo
estivesse dizendo aos seus
discípulos; “Quando vocês orarem,
simplesmente orem”. As religiões
ensinam técnicas de oração como
meio de sensibilização das
divindades. Com o Pai celestial,
essas técnicas não fazem sentido.
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^ o s s c L e ie c c l Á ( /Í c u
A O R A Ç Ã O NOSSA DE C A D A DIA - APR EN DEN DO A ORAR C O M JESUS
Categoria: Espiritualidade / Estudo bíblico / Vida cristã

Copyright © 2013, Carlos Queiroz

Primeira edição: Março de 2013


Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro
Preparação e revisão: Lícia Rosaiee Santana
Diagramação: Bruno Menezes
Capa: Ana Cláudia Nunes

D ados Internacionais de Catalogação na Publicação (C IP )


(C âm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Queiroz, CarlovS

A oração nossa de cada dia : aprendendo a orar com Jesus / Carlos Queiroz. — Viçosa, M G :
Editora Ultimato, 2013.

ISB N 9 7 8 -8 5 -7 7 7 9 '0 8 6 -9

1. Espiritualidade 2. Oração de Jesus 3- Presença de Deus 4. Vida espiritual - Cristianismo


I. Título.

13-01956_________________________________________________________________________________

índices para catálogo sistemático: C D D -242.72

1. Oração de Jesu s: Teologia devocional 242.72

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Su m á r i o

PREFÁCIO 7
A pr esen ta ç ã o 9
Com o não o ra r - o r a ç ã o e h ip o c r is ia 15
C O M O NÃO ORAR - ORAÇÃO E IDOIATRIA 21
C O M O ORAR O U C O M O VIVER? 31
A ORAÇÃO MODELO 43
INTIMIDADE E SOBERANL\ 47
Sa n t i d a d e e testem un h o 57
G O V ER N O E HISTÓRL\ 61
C O M U N H Ã O E BENS 69
ORAÇÃO E PERDÃO 73
ORAÇÃO E TENTAÇÃO 79
AM ÉM 89
PREFACIO

APRENDEMOS A ORAR LENDO LIVROS?

Lembrcvme de bons autores que me ajudaram a crescer na vida


de oração. E agora chegam as reflexões de Carlos Queiroz sobre
a oração do Pai-Nosso. Muitos de nós conhecemos irmãos e
irmãs de oração que nunca leram um livro sobre o assunto. E
possivelmente já ouvimos reflexões sobre a oração de pessoas
que não oravam. Não é o caso de Carlos. Ele fala do que faz e
do que é. Dos meus amigos, é o mais marcado pela vida de Jesus.
Aprender a orar não é algo técnico, com cinco pontos para
lá e sete para cá. Oram as pessoas que desenvolvem uma intimi­
dade duradoura com Deus e que assumem um compromisso
conseqüente com sua vontade. Oram os que fazem uma revisão
de vida constante na presença de Deus, os que buscam pureza de
coração e lutam por um mundo transformado pôr amor e justiça,
as duas normas do reino de Deus. A vida de oração nos leva a
fazer de nossa vicia inteira uma oração.
Primeiro, precisamos encontrar um lugar e um tempo para
estarmos totalmente transparentes na presença de Deus. E na
solidão e no silêncio que superamos os ruídos de dentro e de fora, e
Deus transforma nossos corações. Então, começamos a refletir sobre
seu caráter e nos tornamos pessoas com discernimento espiritual.
n ^r/Lçã/r msso. ã caÁ áo.

Segundo, a vida de oração é firmada em uma relação íntima


com o Pai bondoso, mas cujos mistério e soberania nunca deixam
de existir. Orar não é só pedir coisas, nem manipular pessoas
ou situações. É ser cativado pela presença misteriosa do amor
inefável e ser transformado por ele.
Terceiro, santificar o nome de Deus não é aumentar sua
santidade, mas torná-la visível por meio da conversão e do ar­
rependimento, especialmente por meio de uma vida íntegra e
pura, que testemunha a santidade de Deus porque a reflete em
todas as dimensões de vida.
Quarto, a vida de oração nos torna inconformados com o
mundo e nos faz sonhar com o reino de Deus e sua justiça. Orar
como Jesus orou tem implicações sociais, políticas, econômicas
e ambientais.
Quinto, vida de oração é vida de generosidade. Quer pão para
todos. A falta de pão tem a ver tanto com a falta de Deus, bem
como com a falta de justiça. A vida de oração não se preocupa
em acumular, mas tem o poder de compartilhar.
Sexto, a vida de oração é uma vida que abraça e reconcilia.
Quem recebe o perdão de Deus aprende a perdoar tanto ofen­
sas como dívidas. Cultiva um senso de comunidade, e nunca o
individualismo, muito menos o rancor, o ódio ou á amargura.
Sétimo, a vida de oração discerne as suas tentações e vence o
mal com o bem, embora tenha consciência de que a vida pode
ser desvirtuada. Por isto se apega ã vontade de Deus como bem
supremo. Vida de oração conduz ao comprometimento.
A Oração Nossa de Cada Dia deve ser lido de maneira medi­
tativa, ponderada. Aos que assim o fizerem, brotará uma vida
de oração mais significativa.

Manfred Grellert
[apresentação]

ORAÇÃO,
UM ESTILO DE VIDA

Certo dia Jesus estava orando em determinado lugar. Tendo


terminado, um dos seus discípulos lhe disse: “Senhor, ensina-nos
a orar, como João ensinou aos discípulos dele”.
L U C A S 11.1-2

Os d is c íp u l o s de Jesus Cristo pediram que ele lhes ensinasse


a orar, como João Batista havia ensinado aos discípulos dele. Pos-
sivelmente, os discípulos de Jesus Cristo estavam condicionados
aos formatos das orações de sua cultura religiosa. Em muitas reli­
giões, a oração é praticada de maneira burocrática, com técnicas
conduzidas por mestres especializados, de modo que os iniciantes
10 'oxr MSSO, (ã coÁ £ 0.

precisam ser treinados para fazer as suas preces de acordo com o


enquadramento e forma de tais mestres especializados.
Na verciade, há muitas lições a serem aprendidas dessas
pedagogias litúrgicas; todavia, elas não são suficientes para aten-
der às peculiaridades de cada pessoa. Há pessoas organizadas e
sistemáticas, que conseguem se conectar com peças literárias de
oração mais estruturadas, para quem uma forma litúrgica bem
elaborada pode fazer algum sentido. Mas há também pessoas
de vida espiritual dinâmica, cuja prática de oração acontece
de maneira livre e espontânea, sob a inspiração das atividades
cotidianas e diante das surpresas e dos acontecimentos im­
previsíveis da vida. A informalidade e a espontaneidade são
características, por exemplo, das comunidades carismáticas e
das pentecostais populares.
Com certeza os discípulos presenciaram Jesus Cristo orando
várias vezes. Alguma coisa de especial nas orações do Mestre
deve ter causado admiração. Pode ter sido a sua eficácia, pois,
de fato, suas orações eram sempre respondidas. Havia uma
conexão permanente entre o Jesus Cristo de Nazaré e a vontade
de Deus. Ele rogava, pedia, intercedia e o Senhor respondia.
Os discípulos queriam a mesma eficácia? Estavam realmente
interessados em aprender? Independente das motivações, eles
queriam que Jesus lhes ensinasse a orar.
Em geral, pensamos que há um jeito poderoso de “do­
brarmos” Deus aos nossos interesses e aspirações. Sempre
acreditamos em técnicas especiais para a oração. Conhecemos
várias expressões como “oração poderosa”, “oração de fogo”,
“oração forte”, “orar com ousadia”, “orar com determinação”
etc. Sermos ousados em nossos propósitos e projetos da vida é
uma coisa; sermos ousados e determinados como técnica para
ajimentíçã/T 11

pressionar Deus quando oramos é pura relação idolátrica e


desconhecimento da graça e soberania de Deus.
A princípio, a forma pode fazer algum sentido para quem
ora, mas para o Deus eterno, que nos acolhe em nossas orações,
o mais importante é a comunhão e a relação entre Pai e filho.
Então, quando os discípulos pediram a Jesus Cristo que lhes
ensinasse a orar, qual foi a sua resposta?

O rar é u m m o d o de ser

EM COM UNHÃO CO M DEUS

Aprender a orar com o Jesus Cristo de Nazaré é uma das mais


fascinantes descobertas para o caminho de nossa espiritua­
lidade. Para ele, orar é um estilo de vida, um modo de ser
em comunhão com Deus. Com ele, não aprendemos a orar
segundo a lógica repassada pelos gurus das religiões. Assim
como respirar funciona para a oxigenação do corpo, orar existe
para a pneumatização da alma. Ninguém nunca nos ensinou
a respirar, simplesmente respiramos. E como se Jesus Cristo
estivesse dizendo aos seus discípulos: quando vocês orarem,
simplesmente orem. As religiões ensinam técnicas e artifícios
como meio para sensibilizar as divindades. Para o Pai celestial,
essas técnicas não fazem sentido.
A oração no evangelho não é ensinada, é degustada com
o paladar do coração, contemplada com os olhos da interio­
ridade, escutada no silêncio profundo da alma, sentida pela
aproximação invisível de Deus. A oração é a experiência que
gera um sentimento de se viver na companhia de Deus.
O pedido dos discípulos está na narrativa de Lucas, mas
usamos aqui o texto de Mateus 6.5-13 para explicar o ensino
de Jesus sobre a oração.
12 a. nmâ. i

Na narrativa de Mateus, o Mestre procurou, primeiro,


desconstruir os dois arquétipos negativos mais usados nas
orações para, depois, explicar como orar:
Não orar com o arquétipo mental dos hipócritas - Os religiosos
acreditam em si mesmos, de tal maneira, que fazem suas preces
nos espaços públicos em busca de publicidade pessoal (Mt 6.5).
Não orar com o arquétipo mental dosgentios - Estes acreditam
em artifícios espirituais eficientes, capazes de curvar os ídolos
aos seus interesses (Mt 6.7).
Como se deve orar - Depois da desconstrução, Jesus ensina
o que espera da oração de seus discípulos (Mt 6.9-13)
Observando bem o texto, é como se Jesus estivesse dizendo
aos discípulos: primeiro vocês precisam desconstruir as formas
religiosas de oração aprendidas anteriormente. Então, de ime­
diato, a tarefa é saber como não se deve orar e depois será mais
fácil entender como se deve orar.
Com Jesus, aprendemos que a oração não cabe numa estru­
tura fechada e burocratizada. A oração é tão dinâmica quanto a
vida, é tão livre quanto o Espírito Santo que a fecunda. Quem
ora, nasceu do Espírito e, tal qual o vento, “não sabe de onde
vem, nem para onde vai” Qo 3.8). Quem assim ora-, fica apenas
na certeza de que Deus se interessa, cuida, supre o necessário.
Ele cuida das aves dos céus e dos lírios dos campos, e cuida
muito mais dos seus filhos e filhas (Mt 6.26-34).

O RISCO DE SE TIRAR A MULETA

SEM OFERECER UMA PERNA

Esperamos não falhar na pedagogia desta apresentação. Po­


deríamos apresentar primeiramente como se deve orar. Vamos
yirmntcbÇM 13

começar, porém, pela desconstrução dos dois arquétipos


negativos apontados por Jesus - a oração dos hipócritas e a
oração dos idólatras. Na metodologia de Jesus Cristo aplicada a
Nicodemos, o Mestre lhe disse: “Você precisa nascer de novo”
Qo 3.3). Ou seja, se Nicodemos não nascesse de novo, todo o
ensino repassado por Jesus seria entendido e interpretado por
ele a partir de seus arquétipos mentais, formatados nas suas
experiências culturais e religiosas anteriores.
Portanto, usando essa mesma lógica da desconstrução, co-
mecemos explicando, primeiro, como não se deve orar. Mesmo
assim, ainda corremos um risco.
Ainda hem jovem, fraturei a perna esquerda jogando fu­
tebol. Ele precisou usar muletas por mais de três meses. Elas
foram necessárias para um corpo doente. Evidentemente, ele
preferia a minha perna sadia, com a qual poderia caminhar
e correr livremente. Quando ele se percebeu melhor, desistiu
das muletas. Não andou bem de um dia para o outro, mas foi
retomando o ritmo, o jeito natural de andar. As muletas foram
escoras necessárias, porém totalmente descartáveis quando as
pernas se fortaleceram. Eram as pernas que completavam o
seu corpo em sua totalidade. Então, não vamos tirar as nossas
muletas religiosas sem oferecer “pernas sadias” para a nossa
peregrinação espiritual.
[ 1]

COMO NÃO ORAR


- ORAÇÃO E HIPOCRISIA-

^ ^ £ quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam


de ficar orando em p é nas sinagogas e nas esquinas, a fim de
serem vistos pelos outros. Eu lhes asseguro que elesj á receberam
sua plena recompensa.
MATEUS 6.5

J ESUS C r is t o não está condenando as orações feitas nos


espaços públicos. Ele mesmo orou várias vezes publicamente.
Jesus não está nos animando a vivermos uma espiritualidade
enclausurada, privada e individualista. Seu propósito é des­
mascarar a futilidade do uso publicitário da oração para o
prestígio pessoal. E assim o estilo dos hipócritas: “gostam de
16 a. [^nçcúr rurssa.

orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem


vistos dos homens”. Nos ambientes religiosos, exigem as pri-
meiras cadeiras, tiram proveito de símbolos arquitetônicos que
sinalizem o seu “status espiritual”. Os paramentos religiosos,
as liturgias, as regras cerimoniais dão aos hipócritas a chance
de manipulação, controle e domínio sobre as pessoas. Muitos
se utilizam desta estrutura para tratar as outras pessoas com
legalismo perverso e se revelam incoerentes por não usarem
o mesmo rigor com seus pecados e erros. Conforme afirmou
Jesus Cristo, os hipócritas engolem camelos e se engasgam com
mosquitos. Colocam fardos pesados sobre os outros e não os
ajudam a carregá-los (Mt 23).
Os hipócritas conhecem pouco sobre graça, misericórdia,
bondade e amor de Deus. São pessoas insensíveis e vão se
tornando desumanas e perversas. Em nome da religião, são
capazes de matar pela indiferença e, muitas vezes, tiram a vida
literalmente. Basta observarmos na história as Cruzadas, a
Inquisição ou as guerras religiosas.
Algumas pessoas oram, mas não estão interessadas em se
comunicar com Deus. Estão mais preocupadas em impressionar
os seus observadores. Jesus usa o termo oração para essa prática
publicitária, apenas para efeito de comunicação da ideia. Mas
não há como chamar de oração essa prática litúrgica em que
o orante chama a atenção do público em beneficio próprio.
As frases construídas nessas orações são elaboradas como se
fossem uma comunicação dirigida a Deus, quando, na verdade,
são dirigicJas aos ouvidos da platéia. Em geral, são construídas
com frases sofisticadas, retórica rebuscada, entonação de voz
que impressione os ouvintes, como se aquele que ora estivesse
possuído por um poder sobrenatural.
em a nrn (m r - crcLçãff e ti^crisit 17

Em certa reunião, uma pessoa assumiu o microfone logo


depois de ter sido convidada para fazer uma oração. Lá pelo
meio da prece, a aparelhagem de som deu um problema e o
microfone não parou de funcionar. De imediato, o rapaz in­
terrompeu a oração e perguntou; “Vocês estão me ouvindo?”.
Este episódio pode ter sido apenas a manifestação de um “ato
falho”. Ou seja, no consciente imediato, o cidadão estava usan­
do frases e expressões de oração a Deus, mas, no inconsciente
mais íntimo, estava se comunicando com o auditório e não
com o Senhor.
Essa ilustração tem suas limitações. A reação do orador
pode ter sido reposta ao condicionamento causado pela utili­
zação da tecnologia e não pretendemos estimular ninguém a
fazer julgamento das orações das pessoas. Precisamos, porém,
avaliar nossas motivações e propósitos quando estivermos
orando. Não oremos como os hipócritas. Eles oram para serem
percebidos pelas pessoas. Não estão interessados em nenhuma
comunicação com Deus.
As orações tam bém possuem beleza poética. Os ritos
cerimoniais públicos são inspiradores. O aprendizado pela
repetição ou pela estética do ambiente comunica, de maneira
pedagógica, muitas verdades importantes sobre a vida. Jesus
Cristo não está menosprezando o ato público e litúrgico da
oração (lembremos que ele mesmo orou em público muitas
vezes). Ele está condenando a utilização da oração como arti­
fício para publicidade e promoção pessoal. Na verdade, Jesus
Cristo conhece as limitações e os riscos das artimanhas esté­
ticas. Ele explicou isto várias vezes: falou sobre odres velhos e
vinho novo; chamou os escribas e fariseus de sepulcros caiados;
denunciou a hipocrisia dos religiosos quando fez referência ao
18

cuidado que tinham para lavar as mãos e o exterior dos copos,


sem a mesma preocupação com o mundo interior do “copo”.
Todas essas analogias foram apresentadas para nos ajudar a
valorizar a nossa ética mais profunda, o núcleo básico do nosso
caráter, que naturalmente será percebido ou não pelas nossas
expressões estéticas.
Quando oramos com o Jesus Cristo de Nazaré, vamos
aprendendo que o ensino sobre a oração íntima e pessoal é
uma disciplina espiritual, que nos ajuda a crucificar tanto o
exibicionismo c|uanto a hipocrisia.
Não há problemas em orarmos publicamente. Na verdade, no
Novo Testamento, aprendemos que a oração é uma prática coleti­
va. Oramos ao Pai nosso (primeira pessoa do plural). Referindo-se
a oração, Jesus disse: “Se dois de vocês concordarem na terra em
qualquer assunto sobre o qual pedirem, isso lhes será feito por
meu Pai que está nos céus. Pois onde se reunirem dois ou três em
meu nome, ali eu estou no meio deles” (Mt 18.19-20). Em carta
aos coríntios, Paulo faz referência á necessidade de que se ore
com inteligibilidade, para que as demais pessoas possam confir­
mar dizendo amém (IC o 14.16). A oração pública é, também,
um exercício de edificação da comunidade (IC o 14.17.). Judas,
irmão de Tiago, escreveu: “Edifiquem-se, porém, amados, na
santíssima fé que vocês têm, orando no Espírito Santo” Od 20).
Portanto, oramos publicamente para aprofundarmos a co­
munhão da igreja com Deus, para edificarmos uns aos outros,
para servirmos aos tristes e aflitos em suas dores, seus conflitos
e desalentos. Quando oramos em comunidade, mantendo o
sentimento de temor a Deus, comprometidos com a prática
do amor e serviço às pessoas, somos libertos da arrogância e
dos pedidos egoístas e individualistas.
Círm nã/r arnr - dmçãa e íijuci 19

Resumindo, o problema não é a oração pública, e, sim, a


má utilização que fazemos dos espaços públicos e das oportu-
niciades que nos são oferecidas pelas nossas comunidades. O
problema é o artifício, o engano, a hipocrisia. Os religiosos
hipócritas oram e usam estéticas superficiais com o fim de
atrair o reconhecimento das pessoas - “porque gostam de
orar em pé nas sinagogas, e nos cantos das praças, para serem
vistos dos homens”.
Há pessoas que usam a lógica dos hipócritas com técnicas
diferentes, como o uso da entonação da voz, intercalações
com repetições de sílabas e sons ininteligíveis, como se fos-
sem línguas estranhas (glossolalia). Há situações públicas que
chegam ao ridículo, como certos segmentos em que algumas
pessoas, enquanto oram, começam a “dançar” fazendo movi­
mentos frenéticos com os pés. Essa manifestação é conhecida
pejorativamente como “sapatinho de fogo”. Em alguns espaços
religiosos, presenciamos manifestações ou espetáculos nos quais
os homens, principalmente, fazem rodopios, lançando socos
e pernadas ao ar, com movimentos semelhantes aos das lutas
marciais. Essas manifestações se dão em espaços públicos. Sem
plateia, os religiosos exibicionistas e hipócritas perderiam o
objetivo de serem vistos e reconhecidos pelas pessoas.
As orações com fins publicitários existem nos ambientes
mais ritualistas e burocráticos tanto quanto nos movimentos
mais populares. Mudam as roupagens, os estilos, os formatos,
mas, na essência, as distorções são as mesmas. Em geral, quem
ora como os hipócritas, expressa sinais de arrogância e prepo­
tência. Em qualquer ambiente público, estamos sujeitos a cair
na tentação do exibicionismo, busca por publicidade pessoal,
reconhecimento e fama. Não importa o movimento religioso -
20 ^ ruçãff nassa d!ê caÁ Áa.

desde movimentos liderados por pessoas sem acesso à educação


formal, até onde se encontram os que transitam no mundo
acadêmico, o perigo está sempre presente.
A humildade é a virtude fundamental da oração. A consci­
ência de pecado, pessoal e coletivo, é essencial nos ensinos do
evangelho. Por isso, a primeira exortação do Jesus Cristo de
Nazaré é; “Quando orardes, não sejam como os hipócritas”.
Logo a seguir, vamos verificar que o ensino sobre a oração
íntima e pessoal é uma disciplina espiritual, que nos ajuda a
crucificar tanto o exibicionismo quanto a hipocrisia.
[2 ]

COMO NÃO ORAR


ORAÇÀO E IDOLATRIA

E quando orarem, nãofiquem sempre repetindo a mesma coisa,


comofazem os pagãos. Eles pensam que p or muitofalarem serão
ouvidos. N ão sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe do que
vocês precisam, antes mesmo de o pedirem.
MATEUS 6.7-8

V im o s q u e os hipócritas se expressam com arrogância e


buscam publicidade pessoal. Eles oram em pé nas esquinas das
praças e nas sinagogas para serem percebidos pelas pessoas. Os
gentios, por sua vez, apelam para a crença em seus métodos e ar­
tifícios de manipulação e controle de suas divindades - “... pensam
que pelo seu muito falar serão ouvidos...”.
22 a. \yraça/r
^roLçã/r nma,
ntrssa, £ caÁ ãa.

Estamos considerando gentio os religiosos que se relacionam


com o mundo sagrado com a concepção de que são capazes de do­
brar as divindades para atenderem seus interesses e expectativas.
O primeiro aspecto - Nesta parte, falamos sobre os agentes da
religião, aqueles que tomam as decisões e controlam o espaço
religioso. No espaço religioso idolátrico, como os devotos serão
ouvidos se o ídolo não tem audição nem inteligência?
O segundo aspecto - Aqui, explicamos algo sobre as crenças ou
técnicas de manipulação que os devotos ou os empreendedores
mágicos das religiões presumem possuir nos monólogos de
oração às suas divindades. Neste caso, estamos considerando a
oração um monólogo, porque o ídolo tem boca, mas não fala.

OS AGENTES DA RELIGIÃO

E O ESPAÇO RELIGIOSO IDOLÃTRICO

Toda religião depende de três agentes principais para o seu fun­


cionamento: a) divindade(s), b) sacerdote(s) ou especialistas da
religião e, c) devotos. Os demais elementos são desdobramentos
da criatividade dos especialistas e dos devotos da religião. Eles
vão criando lugares e elementos ou símbolos de poder, utilizados
exclusivamente pelos empreendedores do negócio religioso. A
religião, como uma expressão social, possui outros aspectos -
desde sua representatividade pública, estrutura organizacional,
hierarquias, conjunto de ensinamentos referentes à doutrina
religiosa até questões morais e éticas. Aqui, refletiremos somente
sobre os três agentes referidos acima: a divindade, o sacerdote
e os devotos.
O ídolo não tem inteligência nem vontade; consequen­
tem ente, os sacerdotes ou agentes mágicos da religião e
c/m<r jujt arar - oriiçiío' e 23

seus clientes dom inam e controlam os seus interesses e


propósitos. Os devotos ou clientes oram entendendo que
possuem poder suficiente para dom inar suas divindades.
Fazemos aqui um pequeno resumo sobre religião e idolatria
para que se entenda m elhor qual o esquema de oração dos
gentios ou idólatras.

A divindade inanimada nada controla

A divindade é indispensável no campo religioso. Ela é um ele­


mento funciante, mesmo que não seja fundadora da religião.
Quem dá origem à religião e a organiza é o especialista religioso
(sacerdote, agente mágico) na interação com os devotos.
Sem a crença no sobrenatural não acontece o fenômeno
religioso. Estou denominando de sobrenatural a crença posta
em coisas, doutrinas ou construções imaginárias, como se elas
tivessem poder para realização de fenômenos paranormais. Ou
a tentativa de transformar em objetos concretos percepções
subjetivas anteriores aos objetos ou símbolos representativos
de tais percepções, de modo que a idolatria é anterior ao ídolo.
O ídolo é apenas a materialização da imaginação construída.
No campo religic:)so, o ídolo é uma espécie de simulacro de
divindade, ou melhor, é uma tentativa de tornar concretas as
percepções imaginárias das pessoas a respeito da divindade.
Assim, a divindade representada em coisas palpáveis, visíveis
- mesmo que inanimadas - , passa a ser o objeto de veneração
dos devotos, sob o controle e manipulação do sacerdote ou
agente mágico do ambiente religioso.
Como na idolatria as divindades são uma criação ou pro­
jeção das experiências e desejos humanos, as pessoas existem
24 a, \^ra{(Ur w m ite a

antes de seus deuses, razão pela qual, na Bíblia, os ídolos são


identificados como seres inanimados. Não veem, não cheiram,
não andam, não se comunicam etc., e tanto o sacerdote quanto
o devoto têm controle e domínio sobre eles. Fruto da invenção
imaginativa das pessoas e elaborados a partir de realidades
objetivas anteriormente conhecidas, podemos identificar os
ídolos visíveis ou primitivos, representados por objetos, figuras
humanas, animais, elementos da natureza etc.. - “objetos
sagrados”; e os ídolos modernos, representados pelas ideologias,
esquemas religiosos, pela “mão invisível do mercado”, por um
poder político etc.

ídolo visível - divindade materializada em objetos sagrados

Não é a sacralidade do objeto religioso que define a idolatria


e sim a forma como os seres humanos se relacionam com tais
representações. Quando se dá ao objeto o reconhecimento
de poder sobrenatural, está estabelecido aí o DNA para a
idolatria visível. Diante dessa crença, se fazem oferendas,
sacrifícios, preces, trocas de favores, na expectativa de que a
divindade escute e reaja aos apelos dos devotos. Veremos mais
adiante que, na prática, essa é uma relação entre os clientes
e os empreendedores da religiãti e não entre o ídolo (objeto
inanimado) e as pessoas.
O modelo de idolatria visível é denunciado por Moisés,
Isaías e outros profetas:
Portanto, tenham muito cuidado, para que não se cotrom-
pam fazendo para si uni ídolo, uma imagem de alguma forma •
semelhante a homem ou mulher, ou a qualquer animal da
terra, a qualquer ave que voa no céu, a qualquer criatura...
Deuteronômio 4-15h-18
em a ncur m r - crdçcur e i/ãíntm 25

O ferreiro apanha uma ferramenta e trabalha com ela


nas brasas; modela um ídolo com martelos, torja-o com a
força do braço. Ele sente fome e perde a força; passa sede e
desfalece. O carpinteiro mede a madeira com uma linha e
faz um esboço com um traçador; ele o modela toscamente
com formões e o marca com compassos. Ele o faz na forma
de homem, de um homem em toda a sua beleza, para que
habite num santuário.
Isaías 44.12-13

Paulo sempre considerou os ídolos insignificantes:


Portanto, em relação ao alimento sacrificado aos ídolos,
sabemos cjue o ídolo não significa nada no mundo e que só
existe um Deus. Pois, mesmo que haja os chamados deuses,
quer no céu, quer na terra (como de fato há muitos ‘deuses’
e muitos ‘senhores’), para nós, porém, há um único Deus,
0 Pai, de quem vêm todas as coisas e para quem vivemos;
e um só Senhor, Jesus Cristo, por meio de quem vieram
todas as coisas e por meio de quem vivemos. Contudo, nem
todos têm esse conhecimento. Alguns, ainda habituados
com os íclolos, comem esse alimento como se fosse um
sacrifício idólatra; e como a consciência deles é fraca, fica
contaminada. A comida, porém, não nos torna aceitáveis
diante de Deus; não seremos piores se não comermos, nem
melhores se comermos [...]. Será que o sacrifício oferecido
a um ídolo é alguma coisa? Ou o ídolo é alguma coisa?
1 Coríntios 8.4-8; 10.19

ídolo invisível - perceptível nas conjunturas


de dominação e exploração

O ídolo moderno é uma projeção criativa do devoto ou do


“sacerdote”, chegando a ser, no máximo, resultante das intera­
ções humanas de poder e dominação e somente em algumas
26 í ^ m çU mssa. (ã caÁ Á

vezes materializados em forma de objetos sagrados. A idolatria


moderna de mercado, por exemplo, não possui um ídolo reli­
gioso. A sua crença está fundamentada no poder do dinheiro.
As bênçãos do ídolo de mercado são mensuráveis a partir de
critérios econômicos e de sucesso dos seguidores das regras e
doutrinas do mercado. As “divindades do mercado” protegem os
empreendedores e os clientes da exploração e do lucro e exigem o
sacrifício dos não consumidores e excluídos do poder de compra.
Apenas para efeito de ilustração de uma idolatria invisível,
lembremos a estátua de ouro construída por Nabucodonosor,
no período em que Daniel e outros jovens judeus foram levados
como escravos para a Babilônia. A adoração ao poder bélico
e econômico do império de Nabucodonosor era anterior ã
edificação da estátua. A materialização visível da idolatria se
deu com a construção daquele monumento, mas a experiência
idolátrica invisível já era evidente. O imperador era visto como
divino, seu poder militar reverenciado e temido por todos. Na
verdade, o que denominamos de “invisível” é uma realidade
concreta, que nem sempre assume uma natureza religiosa, mas
exerce domínio sobre a vida das pessoas^. Como exemplos mo­
dernos podemos observar a divinização do estado totalitário
ou da economia neoliberal.
Quantas vezes o povo hebreu foi exortado pelos profetas a
confiar em Deus em vez de confiar no poder bélico da Babi­
lônia ou do Egito? O caso mais evidente aconteceu quando o
Israel trouxe para o espaço econômico e religioso a figura de
Baal, divindade que representava a prosperidade econômica
dos fenícios. Acreditava-se que Baal era o deus da chuva, por­
tanto, divindade que beneficiava todo o progresso agrícola e
da pecuária daquela época.
em a na/r m r - ar^cur e i/ãíaJtria,

A id olatria existe tam bém em to rn o de ídolos não


materializados em forma de objetos religiosos. Nas religiões
que usam menos símbolos e objetos sagrados, os ídolos invisí­
veis são mais sutis e difíceis de serem discernidos. O ídolo de
mercado, representado pelo dinheiro, é adorado por ateus e
religiosos igualmente materialistas. Nesse caso, a confissão da
crença em Deus, enquanto se adora ao deus dinheiro, é tão
pecaminosa quanto o ateísmo.
Sobre o ídolo de mercado, usam-se expressões que lhe
dão um sentido de personificação: “o mercado amanheceu
nervoso”, “o mercado está agitado”. Mesmo assim, não é o
ídolo em si mesmo que exerce qualquer controle ou domínio
sobre a situação. No mundo corporativo, os ricos buscam o
lucro e as benesses a qualquer custo, mesmo sacrificando no
altar dos seus negócios milhares de seres humanos espoliados
e injustiçados. Na religião, são os empreendedores da empresa
religiosa e suas instituições quem mais tira proveito das benesses
ou sacrifícios dos clientes.
No ambiente idolátrico, os clientes e os agentes mágicos da
religião são senhores da liturgia e das orações. Eles dominam e
controlam as relações religiosas. E como exercem esse controle?
Como intermediam as orações entre os clientes/devotos e as
suas divindades? Vejamos a seguir.

OS SACERDOTES, OS DEVOTOS E AS TENTATIVAS

DE MANIPULAÇÃO DA DIVINDADE

Com o vimos, na idolatria o adorador relaciona-se com o


“sagrado” com a concepção de que tem controle sobre as suas
divindades. Facilmente entendemos essas relações quando
28 Æ ^ raçã/r nma á c a Á Áa.

lembramos que tais divindades são ídolos, portanto, entidades


sem inteligência, vontade, iniciativa, enfim, sem poder algum.
Sendo assim, o orante define, a partir de seus interesses, o que
suas divindades devem fazer.
Em qualquer ambiente idolátrico há a crença de que os
devotos ou clientes e os “sacerdotes mágicos” possuem alguma
técnica poderosa para dobrar as divindades aos seus interesses.
A magia funciona como elemento básico da transação entre
os clientes e a mediação dos sacerdotes, de modo que se passa
a acreditar que os objetos consagrados ou as frases mágicas
possuem poder para modificar vidas e situações, seja para o
bem, seja para o mal.
Na idolatria, acredita-se que o devoto ou cliente, através de
um agente intermediário, manipula, negocia ou determina o
que o ídolo deve fazer. Logo, aqueles que oram repetindo pa­
lavras, jargões, acreditando que essas técnicas inclinam Deus
aos seus desejos, estão orando ã semelhança dos idólatras.
Na oração do Pai-Nosso, Jesus Cristo se referiu às pessoas
que acreditam que os seus deuses lhes escutam pela muita
repetição das palavras. Tais pessoas entendem essa maneira
de orar como uma fórmula, cuja finalidade é manusear a
força divina em serviço dos interesses egoístas dos devotos ou
clientes da religião.
No mundo cristão, há também aqueles c|ue se utilizam de
modelos idolátricos, achando que, usando uma frase correta.
Deus irá lhes atender. Quem sabe, usando um argumento forte
baseado nas Escrituras, uma promessa, por exemplo. Deus irá
curvar-se aos seus interesses. Esses artifícios de manipulação
não mudam em nada. Deus conhece todas as nossas necessida­
des, e nos atende por causa do seu amor, graça e misericórdia.
cm c m a orar - oro^oxr e iÁ ãárcí 29

Isto não significa que não devamos pedir alguma coisa em


oração. Significa, sim, que estamos pedindo a um Deus que
conhece, antecipadamente, todas as nossas necessidades. Seu
relacionamento conosco é de amor e confiança. Também,
sendo um Deus soberano, conhecedor de todas as coisas, não
se permite ser manipulado por nossos interesses egoístas e
materialistas. Deus é pleno em sabedoria, tem vontade própria
e projetos eternos, não vive circunscrito às limitações do jogo
de interesses imediatistas de seus filhos e filhas.
Certos ensinos sobre oração dizem que precisamos orar
com ousadia, com determinação. Deus atende aos ousados e
determinados. Nas Escrituras, o máximo que encontramos é
que Deus não despreza um “coração quebrantado e contrito”
(SI 51.17b). Mesmo nesse texto, o propósito é falar muito mais
sobre a atitude de c^uem ora do que sobre ensinar alguma
técnica para sensibilizar Deus aos nossos pedidos.
Nem mesmo, a maravilhosa frase “em nome de Jesus Cristo”
fará c]ualc]uer sentido se o objetivo de nossa oração não fizer
parte dos propósitos eternos de Deus. Orar em nome de Jesus
Cristo não é uma técnica de magia. Orar em nome de Jesus
Cristo é orar em torno das coisas e propósitos em que Jesus
Cristo garante o seu aval, é orar discernindo a vontade de Deus.
Em suma, Jesus Cristo estava ensinando aos discípulos uma
outra forma de se viver a experiência da oração. Chamamos
de “outra forma” pelo fato de ser diferente da burocracia tão
conhecida e imposta pela religião. Mas, na verdade, estava
sendo retomada a gênese da relação livre e espontânea dos
seres humanos com Deus - O Deus que “sopra nas narinas”,
que ao mesmo tempo cria e domina toda a natureza, visita-a na
“viração do dia”, mantém diálogo com a humanidade criada - expõe
30 ^r<Lçã/r nirssú. </é caÁ £ 0.

planos e projetos, estabelece virtudes e princípios, prescreve


limites e fronteiras. O Pai a quem precisamos orar, confessando
reverentemente que Ele está nos céu, é o Deus único e infalível
e, ao mesmo tempo, um ser de tal intimidade que podemos
inalar seu hálito em nossa respiração espiritual. Ser cheio do
Espírito Santo é ser permanentemente visitado pelo sopro de
Deus, que gera vida abundante.
Portanto, “não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe
do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem” (Mt 6.8).
Não vos assemelheis a eles - a “eles” quem? Aos hipócritas e
aos idólatras. Aos hipócritas, por causa da sua prepotência e
arrogância; e aos idólatras, pela prática da manipulação nas
relações com a divindade.
[3 ]

COMO ORAR OU
COMO VIVER?

a
M as quando você orar, v ã p ara seu quarto, feche aporta e ore a
seu Pai, que está em secreto. Então seu Pai, que vê em secreto, o
recompensará.
MATEUS 6.6

A ORAÇÀO é uma experiência singular para cada ser humano.


Como ela nasce da conexão com o Espírito Santo, em relação
com o mundo de nossa intimidade pessoal, cada oração apre­
sentará, também, o mistério da singularidade de cada pessoa.
Portanto, não é possível criar um arquétipo único e fechado
para a oração. Não podemos fechar as possibilidades criativas de
32 I û. ^ ríçã/r ntrssa. d é caÁ Á

nossas orações. Muito pelo contrário, precisamos entender ciiie


orar é se libertar de todas as algemas e dependência da religião
e de seus controladores. O c^ue parece liberdade, nas variadas
possibilidades burocráticas das orações religiosas, na essência
funciona como esquemas de fidelização e dependência dos
clientes à empresa religiosa. Ou, no mínimo, dependência na
maneira de se proceder à oração.
A oração praticada por Jesus é essencialmente libertadora.
Ele não cria regras impossíveis e sacrificiais. Ele nos anima a
voltarmos pelo caminho mais natural de nossa interioridade em
busca do mistério da presença de Deus, em comunhão com a
nossa essência pessoal. Como refluxo cJo amor encontrado em
Deus, em oração, passamos a amar e a cuidar das pessoas como
amamos e cuidamos de nós mesmos.
Portanto, a respeito da oração, vamos aprender com o Jesus
Cristo de Nazaré muito mais sobre o nosso estilo de vida do
que sobre as burocracias ou sobre as técnicas de oração, como
fazem os religiosos.
Quais as recomendações básicas feitas pelo Mestre sobre a
oração?

O r a r é a b r ir o c o r a ç à o em respo sta

AO C O N V ITE de DEUS À IN TIM ID A D E CO M ELE

“Mas quando você orar, vá para seu quarto..."


O termo grego que deu origem á tradução para quarto é tameion.
Mas “quarto” não representa a mesma imagem arquitetônica
do termo em referência. O tameion era uma espécie de depósito
subterrâneo da casa, onde se guardavam os equipamentos da
agricultura ou pecuária. Aquele tipo de ambiente da casa em que
cm c m r au em a H
‘ nr ( 33

depositamos nossas quinquilharias, os vários cacarecos quebrados.


Pela desarrumação ou pela sujeira acumulada, o tameion pode
depor mal contra a nossa capacidade de organizar a vida. Difi­
cilmente alguém convidaria uma pessoa para conversar em um
lugar tão bagunçado. Por isso o tameion é aquele ambiente da
casa para onde levamos somente as pessoas da nossa mais pro­
funda intimidade. E o tipo de lugar em que ficamos despidos
e não nos envergonhamos, não sentimos necessidade de nos
esconder debaixo de qualquer capa. Muitas vezes, é aí também
que guardamos nossos tesouros escondidos.
Para algumas pessoas, ainda que seja importante manter o
hábito de orar em algum lugar específico, orar no tameion não
tem uma cc^notação meramente geográfica. Na verdade, o tameion
é o espaço confuso da alma, é o ambiente dos segredos mais ínti­
mos, é o nosso mundo interior escondido e de pt>rtas fechadas.
Orar é entrar nesse “quarto” ou nesse compartimento confu­
so do coração para cultivar e desfrutar graciosamente da ternura
do Pai, de modo que a oração passa a ser uma condição interior
da mais plena transparência diante de Deus. Jesus Cristo não
recomenda abrirmos a porta desse quarto tão íntimo para todas
as pessoas, mas está dizendo que Deus não está fora dele. Deus já
estava lá, conhecendo todas as coisas e toda a nossa intimidade,
e, como habitante de nosso quarto interior, o Espírito Santo
nt)s cativa com ternura para consolidação de uma amizade
mais sólida. Respondemos ao envolvimento do Espírito Santo
quando oramos. Por isso, orar é viajar com Deus no espaço de
nossa humanidade mais profunda e, na aventura desta viagem,
conhecermos mais sobre Deus, com quem seremos capazes de
reconstruir, na quietude da alma, o “sentimento de humanidade”
que fomos perdendo pelo caminho.
34 a ^rcLçã/r nirssa. (û caÁ ãa^

Orando no Espírito Santo, acolhemos melhor a revelação


sobre Deus e desvendamos mais o núcleo básico de nosso ser
interior.

“Feche a porta...”
A figura da porta é muito fecunda. Uma porta aberta pode
indicar acolhimento, receptividade, aceitação. Uma reunião de
portas fechadas sinaliza o acolhimento e tratamento de assuntos
de interesse apenas das pessoas na parte interior da sala. Mas,
nesse texto, do mesmo modo como quarto não é um espaço
geográfico, “porta” também não é uma peça de madeira ou ferro
facilitando ou impedindo a passagem de alguém. Porta aqui é
o canal de comunicação da alma humana com o eterno Deus.
O apóstolo João, em Apocalipse 3.21, apresenta Jesus Cristo
como visitante de nossa casa interior, “batendo ã porta de nossa
alma”, sinalizando que está do lado de fora, na expectativa de
que, para o nosso próprio bem, tomemos a iniciativa de aber­
tura pela oração e, assim, possamos desfrutar da mais íntima e
profunda comunhão com ele.
Nesta primeira figura da porta. Deus está do lado de fora e
nós abrimos a porta para a sua entrada. Na figura da porta de
Mateus 6.6, no Pai-Nosso, Deus já está em secreto no quarto de
nossa interioridade, nós é que precisamos entrar e fechar a porta.
Talvez fechar a porta para não sairmos em busca de aspirações
e respostas que não tenham sido construídas na intimidade
com o Pai. Portanto, esses textos, usando a porta como figura,
sinalizam a nossa atitude de abertura para conhecermos melhor
sobre Deus e sobre nós mesmos através da oração. Deus bate
á porta de nossa alma, aguardando o nosso acolhimento, em
oração, para o desfrute da comunhão com ele.
em a amr au cama ftn r ? 35

Em outra analogia, Jesus Cristo se apresenta como a porta


- “eu sou a porta” (Jo 10.9). Ele é a mediação entre nós e Deus,
indicando o nosso trânsito livre de acesso ao Pai.
No texto “Mas quando você orar, vá para seu c^uarto, feche
a porta e ore a seu Pai, que está em secreto”, a figura da porta
fechada sugere um ambiente de intimidade profunda. O Pai já
está em secreto no tameion. Então, nós é que precisamos entrar
no ambiente da oração e fechar a porta para mantermos uma
atitude de permanente comunhão com Deus.
Muitas vezes nós não conhecemos o que se passa no porão
de nossa interioridade. Há muito tempo estamos fugindo das
verdades sobre a nossa singularidade mais intrínseca. Olhamos e
julgamos as circunstâncias e pessoas em nosso entorno, contudo,
não tomamos a iniciativa de mergulhar em nossa interioridade.
Por isso, orar com Deus no tameion é se colocar diante do Jesus
Cristo de Nazaré, o reflexo da figura humana que precisamos
alcançar. No tameion, olhando como, por um espelho, somos
transformados, de glória em glória, até a própria imagem e
semelhança do Filho (2Co 3.15-18).
Na intimidade com Deus, cada um descobre esse “mistério
de si mesmo”. Orar é desvendar o mistério de ser acolhido pelo
Pai na privacidade da vida, na intimidade da solitude, na expe­
riência em que não se consegue encenar, esconder ou maquiar
quem somos. O Pai vê em secreto e já sabe de tudo. Ele nos
conhece bem. Orar no “lugar secreto” é a oração confidencial,
íntima e pessoal, de modo que cada pessoa possa se descobrir e
se conhecer melhor, pois o Pai já nos conhece completamente.
Não há nada em nossa vida que Deus não conheça; não apenas
as nossas práticas cotidianas, que revemos quando exercitamos
a memória, mas também a nossa composição singular mais
profunda, que muitas vezes não conhecemos. Esse “mistério
36 í ^m çciõ- nassa iã ca Á ãa.

de si mesmo” pode ser desvendado no espaço amplo da oração


feita e conduzida pelo Espírito Santo, que conhece e sonda
todas as coisas.
Quem ora em profunda intimidade com Deus vai conhe­
cendo mais a respeito dele e, quanto mais conhece sobre Deus,
mais descobre sobre si mesmo. Descobrir-se em oração é uma
virtude da qual poucas pessoas desfrutam. Em oração, temos
a chance de descobrir nossas inadequações, contradições, fra­
quezas, fortalezas, virtudes, pecados. Em intimidade com Deus,
desvendamos todas as poeiras e quinquilharias do cjuarto de
nossa interioridade. Nada do que existe dentro de nosso mundo
interior está escondido aos olhos de Deus. Em geral, vivemos
cegos sobre quem somos. Em oração íntima com Deus, pode­
mos discernir melhor o misterioso ser humano escondido nos
compartimentos de nossa alma.
Sendo assim, orar já não depende de ambiente e sim de
entrega e amizade com Deus. Orar é encontrar em Deus a
paternidade da mais elevada confiança e intimidade. Sendo a
oração um lugar interior de confiança em Deus, uma condição
da alma c]ue descansa no Senhor, a oração já não depende de
lugar, gestos e formas. Podemos orar no quarto ou fora dele,
num deserto solitário ou numa noite‘silenciosa; ajoelhados
ou não, rosto em terra, com ou sem lágrimas. O importante
e significativo na oração é manter uma relação íntima de total
apreciação pelo Pai.
Orar no tameion é abraçar a vida com todas as suas contra­
dições e imperícias, acolhendo todos os sentimentos, inclusive
os inexplicáveis. A vida deve ser primeiramente degustada e,
quando possível, interpretada e compreendida. Em oração,
aprendemos a viver usufruindo das elaborações que geram
melhor entendimento e apreciação pela vida.
cm ff arar au cama yatr 37

Precisamos orar com a atitude de quem aprendeu a cuidar


de si mesmo, amando a Deus e a todas as pessoas. Orar como
exercício de comunhão com Deus no silêncio do deserto da alma,
para lidar com todos os ruídos externos e aprender a discerni-los.
Em oração, os órgãos dos sentidos estarão mais habilitados para
distinguir as vozes vindas de fora. A oração íntima não é um
fechamento para dentro de si e, sim, um diálogo distanciado
com os nossos sentimentos e o mundo “de fora” para, assim,
percebermos melhor as várias necessidades, oportunidades e de­
safios da vida. Desse modo, a oração passa a ser uma construção,
sob a cooperação do Espírito Santo, ajudandonos a elaborar as
nossas dúvidas, fraquezas, dores, certezas e esperanças, ou mesmo
os muitos sonhos perdidos.
Diante da complexidade da vida, em oração podemos nos
perceber amados e acolhidos por Deus. Quando a oração se
transforma no desfrute da graça, do amor e da bondade de
Deus, como resposta nos tornamos pessoas amáveis e graciosas.
Quem se percebe amado e perdoado por Deus, aprende a amar
e perdoar aos outros. Diante da experiência do acolhimento
de Deus, aprendemos a acolher, com ternura, nossos irmãos e
irmãs, mesmo que, tragam consigo suas limitações e fraquezas,
que, na essência, são limitações e fraquezas da mesma natureza
daquelas que levamos conosco quando nos achegamos a Deus.
A oração alicerçada na intimidade com Deus toma-se pública
como testemunho de uma vida marcada pelo amor, bondade,
justiça e paz. O testemunho da vida de quem ora, usando o estilo
de Jesus Cristo, será percebido de longe, tal qual uma luz colocada
no velador, uma cidade edificada sobre um monte (Mt 5.14-16).
Com Jesus, aprendemos que a oração é uma atitude voluntá­
ria de se viver em permanente comunhão com Deus, é manter
38 a. [^mçiíír lurssc. ie Ci

a alma como habitação de Deus. Por isso, a porta, o quarto


são apenas analogias que indicam a predisposição, a iniciativa
humana de responder a essa cativação amorosa de Deus. Deus
não está nos convidando para um enclausuramento espiritual.
Muito pelo contrário, quem vive em comunhão com Deus, se
percebe livre para construir relações saudáveis com as pessoas
e o meio ambiente.
A semelhança dos dois discípulos no caminho de Emaús,
orar é simplesmente peregrinar em diálogo com Jesus, como ele
se fosse um transeunte comum de todos os dias (Lc 24.13'15).
A oração é uma vivência com Deus pelos caminhos de luta e
esperança. Deus toma a iniciativa de caminhar ao nosso lado,
sensibilizando-nos a uma amizade mais profunda com ele; “Eis
que estou á porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a
porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3.20).
Orar é tomar a iniciativa de abrir a porta para atender ao
convite de Deus; é assumir a atitude voluntária que propicia a
invasão de Deus em nosso mundo interior. Estar com Deus no
ambiente da comunhão, permanecer em oração, é “fechar a porta
do quarto” para não sairmos dessa presença tão fecunda e preciosa,
é não nos permitirmos abertos aos encantos geradores da morte.
Resumindo, não precisamos aprender a orar, precisamos
aprender a andar com Deus pelas estradas e ruelas da vida;
precisamos aprender a sentar ã mesa com Ele na busca de uma
amizade mais profunda. Quando oramos, estamos abrindo a
porta da alma e atendendo ã visita amorosa de Deus em nosso
lar interior. Quando oramos, fechamos a porta para que outros
encantos alheios à vida não venham invadir a nossa alma, nem
os nossos medos encontrem portas abertas para as nossas fugas,
diante dos enfrentamentos e desafios da vida.
cmtr an r au. cana y iftr 1 39

Acolhendo Deus em oração, fechamos a porta, evitando a


entrada de toda a forma de perversão, injustiça e opressão. Com
Deus no mundo de nossa interioridade, criamos as condições
para a comunhão com as pessoas e a partilha justa do pão com
quem não o tem. Em comunhão com ele, ampliamos as percep­
ções em favor da vida e lutamos para que o Reino de Deus venha,
trazendo amor, justiça, paz e reconciliação para todas as pessoas.

O r a r é se c o l o c a r e m h u m i l d a d e n a d e p e n d ê n c i a d o

e s p ír it o Sa n t o , o d e u s q u e h a b it a e m n ó s , c o n s o l a n d o ,

INTERCEDENDO, EDIFICANDO

E eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para


estar com vocês para sempre, o Espírito da verdade. O mun­
do não pode recehê-lo, porque não o vê nem o conhece. Mas
vocês o conhecem, pois ele vive com vocês e estará em vocês.”
João 14.16-17

Geralmente, quando pensamos em oração, pensamos em


pedidos, solução de problemas, diálogo com Deus etc. Mesmo
que esses aspectos sejam relevantes em nossas orações, há um
aspecto fundante da oração que não podemos excluir. Por ana­
logia limitada, vou chamar esse aspecto de “choro” pela falta
da essência que fecunda a vida. O choro é a expressão virtuosa
de quem percebe a aproximação do Sopro que nos faz “alma
vivente”. Somente chora quem já começou a viver e somente
chora cjuem ainda vive. Por isso, como manifestação dessa vir­
tude, Jesus Cristo considerou felizes “os que choram, porque
serão consolados” (Mt 5.4). Aqui, Jesus está indicando o choro
como uma virtude. Mas de que virtude ele está falando? Essa
virtude é uma manifestação de nossa alma em busca da parte
40 0. ^ro^ür nassa, (/é coÁ £<l

essencial que perdemos pelo caminho, razão pela qual o choro


não é a resposta, é a expressão de uma sensibilidade humana
que dá conta da necessidade do Consolador. Somente chora
essa lágrima inusitada quem percebe a carência e a chegada do
Consolador, o Deus que habita em nós como conteúdo mais
importante de nossa essência humana. Quem desse modo chora,
tem consciência do quanto precisa do Consolador.
Com a invasão do Consolador, desvendamos nossos pecados,
equívocos, imperícias, e, como consequência, lamentamos as
nossas desventuras. Choramos, buscamos, pedimos, batemos à
porta, insistimos, pois sabemos que, se os nossos pais, que não
são tão bons, não nos dão pedra em lugar de pão, cobra em lugar
de peixe, nem escorpião em lugar de ovo, então o Pai celestial,
que é muito melhor do que os nossos pais terrenos, dará o Es-
pírito Santo àqueles que lho pedirem (Lc 11.9-13).
Precisam do Consolador homens e mulheres que reconhecem
suas limitações e pecados e sentem necessidade de arrependimen­
to. Por isso, somente oram com o acolhimento e o perdão de
Deus as pessoas que confessam suas imperícias e pecados contra
Deus, contra o próximo e contra o todo o meio em que vivem.
<
Até mesmo esse reconhecimento de nossa inadequação, pecados
e falhas só acontece porque o Espírito Santo os desvendou e nos
convenceu em nossa interioridade (Jo 16.8)
Por causa de nossa distância do Espírito Santo, bem como por
causa de nosso egoísmo e condicionamento religioso, o apóstolo
Paulo afirma que “não sabemos orar como convém, mas o Espí­
rito Santo intercede por nós...” (Rm 8.26). Pode parecer radical,
contudo as pessoas habitadas pelo Espírito Santo desfrutam
mais plenamente de uma oração geradora de santidade e vida.
Como está escrito, “edifiquem-se, porém, amados, na santíssima
em a am r au em a T tn r {

fé que vocês têm, orando no Espírito Santo” (Jd 20). A oração é


a intercessão do Espírito que habita nos seguidores e seguidoras
do Jesus Cristo de Nazaré. A vida é edificada pela oração no
Espírito Santo. As pessoas tjue oram movidas e inspiradas pelo
Espírito Santo tornam-se mais humanas, amorosas e justas.
Dt)na Zilda é uma senhora da comunidade de Genipapu,
município cearense de Caucaia. Nós nos conhecemos através de
sua dedicação às crianças pobres de sua comunidade, em 1983.
Na época, trabalhávamos na Visão Mundial Brasil. Dona Zilda
apoiava, em sua casa, mais de trezentas crianças com alimenta­
ção, reforço escolar e atividades culturais e esportivas, contando
apenas com doações de poucos voluntários. Alguns técnicos da
Visão Mimdial ajudaram dona Zilda e a sua comunidade a se
organizarem. Com a fundação de uma organização não-governa-
mental, foi possível ampliar os recursos e as atividades realizadas
por iniciativa daquela senhora, que sempre impressionou por
sua fé e vida de oração. Antes de começar as suas atividades, por
volta das sete horas da manhã, dona Zilda já havia orado cerca
de duas a três horas, todos os dias. Ela atribuía à sua fé e vida
de oração todo o compromisso e dedicação às pessoas pobres.
Numa visita que fizemos a dona Zilda, o pastor Manfred
Grellert (à época diretor executivo da Visão Mundial - Brasil)
perguntou como ela havia sido sensibilizada para o trabalho com
os pobres. De uma forma muito simples, dona Zilda respondeu:
“Eu dirigia um círculo de oração em minha igreja. Numa de
nossas reuniões, o Espírito Santo me disse: levante-se e vá cuidar
dos meus pobres. Eu simplesmente obedeci e nunca mais fiquei
um só dia sem cuidar dos pobres”.
A sua dedicação às pessoas pobres era como uma resposta a
“essa voz do Espírito Santo”.
42 i a nassa, ( ã caÁ áa.

O Espírito pode ser percebido, recebido e acolhido em


oração, entretanto, muitos não o veem nem o recebem. Todos
temos a chance de conhecê-lo e recebê-lo. Jesus mesmo disse ciue
pediria ao Pai um Consolador, que o mundo não conhece, mas
que nós poderíamos conhecer (Jo 14.16-17).
O mesmo Espírito que habita em nós intercede por nós. Ele
conhece a vontade de Deus e é conforme esta vontade que ele
intercede pelos santos (Ro 8.27). Então, quem ora com o discer­
nimento do Espírito Santo, pede somente o cjue é da vontade de
Deus, e, sendo desta forma, terá seus pedidos sempre respondidos.
Precisamos inverter os processos na oração: não oramos para
Deus nos atender. Pelo contrário, sintonizados com Espírito
Santo, oramos como caminho de obediência à vontade de Deus.
Algumas pessoas oram como se Deus tivesse de obedecer-lhes -
terrível engano. Precisamos aprender a orar como caminho de
discernimento da voz do Espírito Santo, que sinaliza o que Deus
quer e não o que queremos. Pedir sem compreender a vontade
de Deus é pedir levianamente. No evangelho, a oração tem um
papel oposto ao da oração religiosa. Na religião, oramos para
Deus atender os nossos pedidos; no evangelho, oramos para
discernir o que Deus está nos ordenando. Compreendida desta
maneira, a oração passa a ser muito mais exercício de escuta da
vontade de Deus do que discurso ou prece litúrgica. A oração
deixa de ser uma disciplina religiosa e passa a ser uma vivência
espiritual, que se manifesta na mais profunda e íntima percep­
ção da habitação de Deus em nosso mundo interior, através
do Espírito Santo - o Deus que habita em nós, edificando,
consolando, intercedendo.
Diante dessas informações básicas, vamos orar e pensar, com
o Jesus Cristo de Nazaré, a oração do Pai-Nosso.
[4 ]

A ORAÇÃO MODELO

^ ^ Vocês, orem assim: Pai nosso, que estás nos céus! Santificado seja o
teu nome. Venha o teu Reino; seja fe ita a tua vontade, assim na
terra como no céu. D á-nos hoje o nosso p ão de cada dia. Perdoa
as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores. E
não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque
teu é 0 Reino, o poder e a glória p ara sempre. Amém”.
MATEUS 6.9-13

“Portanto, vocês orem assim..."


G en te o y E s e g u e o e s t il o d e v id a d o J esus C r is t o de Nazaré

Com o já afirmamos, Jesus não pretendeu ensinar aos seus


discípulos como se deve orar. Ele queria ensinar como se deve
viver. Já que os discípulos queriam aprender a orar, Jesus Cristo
44 Mssa de coÁ áa,

elaborou uma peça literária em forma de oração que explicita


muito mais como devem viver os seus seguidores do que como
devem orar. Claro que, havendo coerência, vida e oração serão
sempre manifestações espirituais consonantes e harmônicas.
A oração registrada pelos evangelistas ficou conhecida como
a oração do Pai-Nosso ou oração dominical. Não é uma prece
para ser meramente repetida na superficialidade litúrgica, não
é uma forma que, decorada e reproduzida, traz efeitos mágicos
para a vida dos discípulos. Orar, segundo o estilo de Jesus, não
se resume à formulação de jargões, fraseados bem construídos,
mesmo que elaborados com bom estilo literário e fundamentos
bíblicos e teológicos corretos. Naturalmente, não precisamos
desprezar a beleza de uma oração bem elaborada. Os salmos,
por exemplo, são peças poéticas elaboradas com muito cuidado
literário e gramatical, comunicando as dores, aflições, sonhos
e equívocos da natureza humana, até mesmo as maldades e
violências de nossa desumanidade; falam também da justiça e
da misericórdia de Deus. Portanto, não se trata de desmerecer a
beleza poética e literária das orações, mas a oração do Pai-Nosso
é muito mais do que uma peça poética; é, acima de tudo, um
estilo de vida a ser desfrutado com graça.e compromisso.
Do ponto de vista da forma e estruturação litúrgica, as
inovações que fazem a grande diferença entre o “Pai nosso que
estás nos céus” e as demais orações são as seguintes:
- O Deus a cjuem se ora deve ser tratado com intimidade
e reconhecimento de sua soberania celestial: “Pai nosso, que
estás nos céus...”
- O Deus a quem se ora é santo e sua santidade precisa
ser revelada através do testemunho de seus filhos e filhas em
missão: “santificado seja o teu nom e...”.
a arquiT m ieitr 45

- O Deus a quem se ora tem o governo de todas as coisas,


portanto, seus filhos e filhas oram e lutam para que a sua
vontade se concretize em nossa história: “venha o teu reino;
faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu”.
- A oração proposta por Jesus expressa a vivência da co­
munidade do povo de Deus - comunhão com Deus e com as
pessoas, sinalizada pelo desejo de socialização dos bens: “o pão
nosso de cada dia, dá-nos hoje...”
- A oração ensinada por Jesus estimula quem ora a incluir,
no seu momento de comunhão com Deus, o ato de perdão por
acjueles que o ofenderam: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim
como nós temos perdoado aos nossos devedores...”.
- O Pai-Nosso reconhece a vulnerabilidade das pessoas e o
perigo de praticarem o mal como resposta às suas tentações:
“E não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal”.
[ 5]

INTIMIDADE E SOBERANIA

^ ^ 0 Deus a quem se ora pode ser tratado com intim idade e


reconhecimento de sua soberania celestial.

“Pai nosso” - Abba-Paí


O r a n d o c o m in tim id a d e

O Pai'Nosso enfoca uma nova maneira de nos colocarmos


diante de Deus, numa profunda e pessoal relação de amizade
de pai para filho. Sem esta relação íntima com o Pai não adian­
tam formas, lugares, bons hábitos de oração, nem a linguagem
rebuscada, correta e burocrática das liturgias religiosas. Oração
48 mssa. clé coÁ áa
a \yraçacr nassa

ao Pai, antes de ser um modelo prefixado, requer uma entrega


na base da confiança, um relacionamento alicerçado no amor,
um desejo profundo de ser perdoado, acolhido e amado pelo
Pai. Este aspecto inovador, relacionai, na oraç.ão de Jesus, é
exclusivo dele e dos seus discípulos. Jesus começa a oração
usando uma expressão aramaica - Ahha-Pai, com a qual o filho,
na sua mais tenra infância, se dirigia ao pai dentro de casa e
que significa “papai”. Fora de casa, o pai era tratado por Kirie,
“senhor”. O c]ue poderia parecer desrespeitoso para a cultura
religiosa judaica, no que se refere à forma de alguém se dirigir
a Deus, de fato, era uma maneira inédita do Cristo explicitar
a sua intimidade como Pai.
O Deus a quem oramos é acolhedor, cheio de graça e mise-
ricordioso. Nele podemos encontrar a maternidade amorosa do
Pai. De modo que, orar Abba-Pai é orar abraçando a ternura de
Deus. Jesus Cristo, ao orar várias vezes “Abba-Pai”, não o fazia para
conquistar uma intimidade, mas para expressar a relação fiimiliar
já existente. Abha-Pai é a oração da intimidade, da depeneJência,
da entrega absoluta e incondicional como desdobramento do
acolhimento da ternura de Deus. Orar nesta perspectiva, pois, não
gera um sacrifício, um peso litúrgico ou uma obrigação religiosa.
Antes, é uma degustação contínua da presença de Deus na vida
cotidiana, de forma que, se bem percebido, gera na pessoa que ora
a necessidade de parar para ficar a sós com Deus. Orar é desfrutar
da amizade entre Pai e filho, sentir o prazer de existir com Deus,
por Ele e para Ele, motivo pelo qual a oração passa a ser uma
pulsação prazerosa de permanecer com Deus. Então, vale a pena
dedicar tempo exclusivo de oração ao Pai celestial.
Abba-Pai é também a oração dos interessados e engajados
nos projetos de Deus. E a oração daqueles c^ue, inciependente
ínUníííÁÁe s(rfera.m 49

de adquirir ou não bens através de suas orações, ou mesmo se


tiverem que correr riscos por causa do Reino de Deus, ainda
assim preferem a comunhão com o Pai. Abba-Pai é a oração do
Filho que confessa: “Pai, se possível, passa de mim este cáU-
ce...”, mas entre a morte e a nossa intimidade, entre a morte e
a quebra da Tua vontade, é preferível a morte (Mt 26.39). Orar
em nome de Jesus Cristo significa que Ele pôs o Seu nome em
risco para os propósitos de nossa oração.
Abba-Pai é a oração dacjuele que fala com Deus e ouve
a sua voz. As vezes não paramos para ouvi-lo. Oramos com
tanta angústia c]ue somente nós falamos. Oração é uma via
harmoniosa de duas mãos. Precisamos falar, mas necessita­
mos discernir as variadas formas de comunicação de Deus,
inclusive o silêncio.
Para filhos que guardam tão estreita relação, o Pai não
somente conhece as suas necessidades, mas pode declarar a
sua apreciação: “Este é o meu filho amado em quem eu tenho
prazer” (Mt 3.17). Deus, porventura, diria o mesmo sobre
nós? Aprendemos com Cristo que a oração é basicamente o
sentido de pertencimento na família de Deus. Quem ora ao
Pai, ora por ter resgatado a relação paterno-filial. Não somos
mais filhos e filhas do mercado, não somos filhos de governos
tiranos, nem dos esquemas religiosos de opressão. Não somos
filhos das trevas, nem da família dos injustos e opressores. Os
cóciigos da nova genética cjue nos geraram produzem justiça,
amor, graça, libertação, solidariedade.
A oração Abba-Pai anuncia a singularidade dos seguidores do
Jesus Cristo de Nazaré. Diante dessa nova identidade familiar,
os filhos e filhas de Deus não oram, por exemplo, pelas coisas
que a divindade de mercado pode dar, especialmente quando
50 I 0. Msso. líê coÁ £a.

representar risco à vida das pessoas e uma ameaça ao mundo


criado por Deus.
Esses filhos e filhas pensam nas “coisas lá de cima”. Ou,
melhor dizendo, coisas da esfera do reino de Deus. As “coisas
de cima” não são aspirações alienígenas, são as realidades de
nosso cotidiano, enfrentadas com todo o nosso amor pela vida
e a nossa sensibilidade na luta pela justiça. As “coisas de cima”
se referem ao reino da vida, contra toda forma de perversão e
morte. Outros textos das Escrituras vão denominar as coisas de
cima de “obras da luz”, diferenciando-as das “obras das trevas”.
Na comunhão com o Pai, os filhos e filhas de Deus, através
da intimidade, discernirão melhor a vontade de Deus e serão
mais criteriosos em seus pedidos de oração.

"Nosso”
O rando em c o m u n i d a d e - com a T r in d a d e
Eo po v o de D eus

A oração ensinada por Jesus Cristo é inovadora porque aponta


para uma nova maneira de se vivenciar a oração na mutuali-
dade do amor. A primeira pessoa do plural, usada na oração
de Jesus, evita que a oração - estilo de vida - seja egoísta. O
“nosso” evita também que a oração seja reduzida a práticas
espiritualistas, nas quais a pessoa é estimulada a sair de si para
o além, considerando-se superiora aos demais seres humanos;
ou a práticas geradoras de personalismo, egoísmo e egotismo,
provocando o isolamento da vida comunitária ou a utilização
dos ambientes coletivos para promoção pessoal.
A oração - modelo de vida - ensinada por Jesus é “Pai
n o sso ”, “pão n o sso ” , “Perdoa as n o ssa s dívidas, assim como nós
'emnuL
íntcm iÁ cíé e strüt 51

perdoamos aos nossos devedores; não nos deixes cair em tentação,


mas livra-nos do m al...” O Pai-Nosso é a oração alicerçada
no amor e no perdão. Para os seguidores do Jesus Cristo de
Nazaré, orar é transformar todos os projetos e sonhos numa
expressão de amor. E amor só é possível quando desfrutado
comunitariamente. Ninguém ama vivendo de maneira isolada.
Na oração do Pai-Nosso, mantém-se o mesmo princípio en­
sinado por Jesus Cristo: “onde estiverem dois ou três reunidos
em meu nome, ali eu estarei com eles” (Mt 18.20). A unidade
e a coerência da vida comunitária são um sinal da presença de
Cristo: “ali eu estarei com eles”.
Jesus ainda fala da oração feita em comum acordo: “Se dois
de vocês concordarem na terra em qualquer assunto sobre o
qual pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus”
(Mt 18.19). Orar em concordância é mais do que pedir a mesma
coisa. Portanto, orar concordando é uma consequência dos
que vivem com o mesmo “coração” vocacional e missionário
do Mestre. Não basta uma concordância temática para sermos
atendidos em oração. Precisamos viver em acordo comunitário,
discernindo a vontade de Deus. Desse modo, orar o Pai-Nosso
é orar com a trindade dentro da comunidade dos seguidores
do Jesus Cristo de Nazaré, quebrando a tentação da oração
privada-individualista.
Quem ora na primeira pessoa do plural, ora com os sofridos
e injustiçados. Quem pede pelo “pão nosso”, está orando com
todas as pessoas famintas. Quem ora pelos “nossos pecados”,
está orando com todas as pessoas pecadoras e excluídas dos
centros religiosos.
Por mais paradoxal que possa parecer, orar é a encubação
da amizade com Deus na intimidade, no lugar secreto da
52 a \^raçaffJiaua
^rof&T mssn (ã coÁ ãa.

alma, sendo, ao mesmo tempo, a amizade vivida e ensinada na


montanha, à vista de todas as demais dimensões e relações da
vida. A comunhão com Deus e com as pessoas, fundamentada
no amor, na fraternidade, na reciprocidade do perdão, é algo
essencialmente novo na oração do Pai-Nosso.
A oração comunitária não exclui a experiência pessoal e
íntima com Deus. O quarto, tameion - ambiente profundo
de nossa interioridade - é o ponto de partida, o depositei sub­
terrâneo onde Deus planta em nossos corações a semente do
amor, aguada e fertilizada pela comunhão com Ele. Porém, os
frutos dessa semente germinam no relacionamento familiar,
na convivência com irmãos e amigos, no trato amável e recon-
ciliador diante de relacionamentos desgastados, na consciência
de nossa vocação e consequentemente na eficácia de nossa
missão no mundo.
O Pai-Nosso é a oração que nos projeta da amizade com
Deus para uma maior comunhão e afeto com os filhos e filhas
do Pai celestial. E a oração geradora do sentimento da compa­
nhia de Deus e, como refluxo, visitada pelo desejo de compa­
nhia da comunidade do povo de Deus. A oração do Pai-Nosso
também nos conclama a amar e cuidar de toda a humanidade.
Porque Deus é pai do irmão que sem motivo se irou contra
outro, quem ora ao Pai, não consegue ficar diante do altar
da liturgia sem primeiro reconstruir o altar da amizade, uma
vez que não existe, no estilo de oração-vida de Jesus Cristo, a
oração egoísta e individualista. O Pai é nosso. Quem ama a
Deus, ama também todas as demais pessoas.
O Pai-Nosso é a oração do Getsêmani, com a comunidade
dos perseguidos e sofridos; é a oração da transfiguração, mar­
cada por outros brilhos e encantos colhidos misteriosamente
intiMidÁÁe scfe)
^eranuL 53

nos momentos tenebrosos da vida. É a oração desse Primeiro


Irmão, cuja ênfase concentra-se na confluência dos relaciona­
mentos. “Com o és tu, ó Pai, em mim, e eu em Ti, também
sejam eles em nós” (Jo 17.21).

“Que estás nos céus”


O rando co m tem o r e trem o r

O Pai celestial é mistério tremendo, mas o termo “celestial”


não representa ausência do nosso mundo terreno. Com o já
vimos, ele é o Ahha-Pai” - Deus da nossa amizade e comunhão.
Contudo, é, ao mesmo tempo o Deus diante de quem os mon­
tes, os altares e todos os poderes se reduzem a nada. Diante do
seu trono, expressamos, no máximo, a nossa insignificância e
lamento. Com o diz o apóstolo João quando se depara com a
visão do trono de Deus: “eu chorava muito” (Ap 5.4); ou o
profeta Isaías, em sua experiência inusitada de visualização da
glória de Deus: “Ai de mim! Estou perdido” (Is 6.5).
Quem ora ao Pai celestial, ora com intimidade, desfrutando
da ternura de Deus, mas ora também com um sentimento de
quem está se permitindo ser moido e triturado pela profundi­
dade do esplendor, conhecimento, amor, sabedoria, justiça e
verdade vindos dessa fonte inominável. A esse Deus não se ora
como fazem os idólatras com as suas divindades inanimadas,
pois com ele não conseguimos fazer joguetes, criar artimanhas
e engano - ele conhece todas as coisas, até as profundezas de
nossa alma.
Jesus Cristo, ao proferir a oração ao Pai celestial, está ani­
mando aos discípulos a assumirem uma prática de vida em
permanente temor e tremor ao Deus eterno. Não é um convite
54 a ^ ru f& r nffisú. ã c a Jl £ í

ao medo e ao pânico. E um desafio ao ato de submissão total


àquele que é tudo sobre todos e sobre todas as coisas. Ele é, em
plenitude, a profundidade de todo conhecimento e sabedoria.
A ele pertencem a honra, a glória e o louvor diante das coisas
tangíveis e intangíveis. Ele é o Senhor da história e do cosmo.
Diante dele, revela-se toda a verdade, desnudam-se enganos
e mentiras. Não há quem possa fugir de sua presença. Ele é
único em seus atributos - somente ele pode ser denominado
Eterno, fonte de todo amor e justiça.
Ele é Deus. Não é um ídolo terreno, fruto do imaginário
coletivo e projetado materialmente em gesso, pedra, ouro ou
qualquer outro material. Não é um ídolo da nossa criação limi­
tada, construído na realidade cultural-religiosa com o nome de
deus, e, em muitos casos, com o nome “Jesus”, cuja expressão
nem sempre representa o Jesus Cristo de Nazaré anunciado nas
Escrituras. Não é um deus como mero resultado das forças que
surgem de nossas inter-relações humanas, como as ideologias,
o mercado ou os mitos religiosos.
A oração deve ser feita a um Deus transcendente, todopoderoso,
imutável, infinito, inominável, onisciente. Ele conhece a natu­
reza humana e, por isso, não se impressiona com aqueles que
oram acreditando que podem usar técnicas para dobrá-lo aos
seus interesses egoístas. Ele não se impressiona com a repetição
das palavras, nem com aqueles que dão esmolas para serem
vistos pelos homens.
Deus acolhe as pessoas em suas aflições e as abençoa, ainda
que muitas sejam enganadas pela magia dos agentes da religião.
Todavia, Deus repudia a iniquidade dos aproveitadores desses
fenômenos da graça de Deus. Estes reivindicarão de Deus al­
gum direito: “Senhor! Nós profetizamos em teu nome, fizemos
LntmiÁiãe safei
terancã. 55

milagres em teu nome, expelimos demônios em teu nome”.


Mas o nosso Pai do céu lhes dirá: “Nunca vos co n h eci...”
(Mt 7.21-23). Deus não reconhece qualc^uer momento de co­
munhão e relacionamento paterno-filial com quem pratica a
iniquidade, ainda que tenha confessado corretamente e com
entusiasmo o seu nome ou tenha realizado grandes milagres.
O Pai que está nos céus não é manipulável, é totalmente
Outro, independente, indescritível, suficiente em Si mesmo,
não se confunde com qualquer ídolo e não se permite promis­
cuído com os hipócritas, com os empreendedores mágicos dos
negócios religiosos, nem com os ególatras.
O pai celestial é o Deus da justiça e se revela indignado
contra toda a forma de tirania e opressão. E ele também iden­
tifica nossos pecados e rejeita hipocrisia e soberba. Não aceita
a incoerência e a superficialidade dos religiosos mentirosos,
nem a indiferença diante das injustiças.
Com o o Pai é celestial, nossa oração indica um estilo de
vida de quem anda com Deus no espaço da interioridade e
na exposição pública, como uma “cidade edificada sobre um
m onte” (Mt 5.14-16). Ou seja, a oração ao Pai celestial gera
seres humanos mais piedosos, amorosos, verdadeiros e puros,
com vida íntima mais santa, simples, e exposição pública
honesta e faminta por justiça. Quem ora e vive com o Pai
celestial, vai eliminando da vida toda a forma de hipocrisia
e idolatria.
O binômio Abba-Pai e celestial desemboca numa espirituali­
dade misericordiosa e justa, cheia de amor e verdade, repleta
de candura e firmeza. Os filhos e filhas que oram-vivem, de
fato, uma relação íntima e de temor a Deus, serão percebidos
e percebidas como pessoas amorosas, justas e confiáveis.
56 a. ^mf&r mssa cíê caÁ <áa.

Nunca é demais repetir: Jesus Cristo de Nazaré está nos


ensinando muito mais como se deve ser e viver diante do Deus
eterno e diante das pessoas, do que como se deve orar.
Diante do Deus celestial, teremos temor em pedir coisas
que possam representar uma ameaça à vida de outras pessoas.
Em alguns casos, por exemplo, certos “pedidos de oração” são
“respondidos” pelo ídolo de mercado e não pelo Deus eterno.
São os “milagres” econômicos que funcionam para religiosos
e ateus de uma classe social privilegiada. O deus Mamon, re­
presentado pelo dinheiro, protege seus devotos, sacrificando
a vida dos enfraquecidos e injustiçados.
Com Jesus, aprendemos que alguns ciesses sucessos aponta­
dos como bênção são manifestações de pecados de poder, fama
e acumulação de bens, e não dizem respeito à essência da vida.
Também aprendemos que alguns aparentes fracassos deveriam
ser acolhidos como bênção. Quantos empresários “bem suce­
didos” alcançaram seus fins sacrificando vidas e destruindo o
meio ambiente! Mesmo aqueles que acumularam bens usando
meios lícitos, findaram surpreendidos com a futilidade de suas
fortunas. Quantos religiosos praticantes não agregaram nada
de importante ao curso de suas vidas. A nossa existência está
cheia de superficialidades e acessórios «que poderiam ser des­
cartados. Por isso, a oração ao Pai celestial implica, também,
em discernimento, com temor e tremor, sobre o quê realmente
precisamos pedir a Deus.
[6 ]

SANTIDADE E TESTEMUNHO

^ ^ o Deus a quem se ora é santo e sua santidade precisa ser revelada,


por meio do testemunho de seusfilhos efilhas em missão.

“Santificado seja o teu nom e”


O rando pa ra q u e a s a n t id a d e d e D eus
se e x p r e s s e n a v id a d o p o v o d e D eus

Nos testemunhos bíbUcos sobre a revelação de Deus ao seu


povo, os narradores procuram de alguma maneira expressar
o contraste entre a pecaminosidade humana e a santidade
de Deus. Não há hesitação: Deus é santo e todos nós somos
pecadores. Portanto, não oramos para Deus se tornar mais
58 0. ^ m çS ir nmso. d ê ca Á £ a

santo, visto que ele já é pleno em santidade. O pedido para


que seu nome seja santificado é, antes de tudo, a oração para
que este atributo, inerente ao Deus eterno, se manifeste em
nosso testemunho pessoal e coletivo, a despeito de nossas falhas
e limitações. “Santificado seja o teu nome” é a consequência
testemunhal que se espera na vida de quem ora.
A ideia do Pai-Nosso é: santifica o teu nome em nós e entre
nós, torna a tua santidade visivel, a partir do testemunho de
nossas vidas. Deus foi revelado ao mundo através da encarna­
ção do Jesus Cristo de Nazaré. Diante do seu testemunho, o
mundo continua tendo a chance de perceber os sinais da gra­
ça, da justiça e do amor de Deus. Com a vida, a proclamação
das boas novas a respeito de Jesus e a prática de boas obras, o
povo de Deus dá seguimento a missão de revelar a santidade
de Deus ao mundo - “Assim brilhe também a vossa luz diante
dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem
a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.16). Os discípulos de Cristo
buscam a santidade em oração a fim de que Deus seja melhor
percebido e apreciado pelos “de fora”.
Pecado e santidade são manifestações antagônicas. Ao peca­
do, relacionam-se todas as manifestações de injustiça, opressão,
arrogância e perversão contra a vida. A santidade, relacionam-se
todas as manifestações de amor, justiça, humildade, huma­
nização e libertação. De um lado, podemos afirmar que o
pecado é tudo aquilo que gera morte - “O salário do pecado
é a morte” (Rm 6.23). Do outro, entendemos que a santidade
é tudo aquilo que gera vida. Referindo-se a Cristo, está escrito:
“A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens” Qo 1-4)-
A santidade também não é um processo de formatação
superficial com a estética da falsa humildade e do rigor ascético
sam’t ü ã d é e testm uníff 59

do religioso. Esse tipo de santidade tem o potencial de gerar


pessoas fanáticas e arrogantes. A santidade nos ensinos de Jesus e
dos apóstolos traz consigo a marca da consciência das limitações e
da vulnerabilidade humana. Por mais puros e santos que possam
parecer os seguidores do Jesus de Nazaré, eles confessarão sempre
suas inadequações, fraquezas e pecados. Mesmo reconhecendo
a suficiência da morte de Cristo para o perdão de seus pecados,
estarão em permanente e humilde reconhecimento de suas fra-
gilidades. Eles não precisam provar nada a ninguém, nem que
são santos, nem que são pecadores. São apenas seres humanos
desfrutando das alegrias e das dores da vida, comprometidos em
viver plenamente a vocação de ser apenas gente.
A santidade é uma condição interior, um estado de alma
de quem foi alcançado pela graça de Deus e, como desdobra­
mento, vive na busca da comunhão com o Espírito Santo,
para que, em processo contínuo, seja transformado num ser
humano melhor, que consegue se deslumbrar com a beleza do
testemunho de tantas pessoas de vida bonita. Quanto mais
santo for alguém, mais humano será.
A santidade como modo de ser e viver dos seguidores do Je­
sus Cristo de Nazaré gera, ainda, uma percepção mais profunda
sobre Deus nas outras pessoas. Se entendermos adoração como
o ato de revelar o caráter de Deus pelo testemunho, quem vive
em santidade, vive em permanente adoração ao Deus da vida.
Em oração, somos, portanto, convencidos dos nossos pecados
pelo Espírito Santo. Em oração, nos confessamos, nos arrepen­
demos e somos transformados. Por isso, continuamos orando:
Santificado seja o teu nome!
Santificado seja o teu nome!
Santificado seja o teu nome!
[7]

GOVERNO E HISTORIA

0 Deus a quem se ora tem o governo de todas as coisas, portanto,


seus filhos e filh as oram e lutam para que a sua vontade se
concretize em nossa história.

“Venha o teu reino”


O rando pa ra v i v e r e m o b e d i ê n c i a a o g o v e r n o d e D eus
s o b r e t o d a s as c o is a s

Com a encarnação do Jesus Cristo de Nazaré temos a inauguração


do reino pela presença do Deus que se fez humano entre nós.
“O verbo se fez carne e habitou entre nós...” 0 « 1.14). Jesus
Cristo veio e é o personagem central do reino. Ele trouxe
62 ^mçãtr nosso, i/é coÁ £ 0.

consigo a proposta de uma nova sociedade e, juntamente com


a primeira geração de discípulos, constitui o núcleo básico
inspirador da nova sociedade. Nesta experiência original,
encontramos um arquétipo do reino de Deus, um modelo
e inspiração de serviço e missão para todas as pessoas, em
todas épocas. Mateus denomina a nova sociedade de “reino
dos céus”. Lucas e Marcos a denominam de “reino de Deus”
e, possivelmente, essa mesma realidade seja compreendida
como “vida eterna” no Evangelho de João. “E a vida eterna
é esta: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus
Cristo, a quem enviaste” 0 « 17.3).
Basiléia é o termo utilizado na Bíblia para o governo de
Deus sobre todas as coisas. O reino é a manifestação da
presença divina sobre tudo o que existe. Deus é a razão e a
sustentação de tudo o que há. Ele tem o controle sobre tudo,
do nada fez todas as coisas e pode tornar em nada tudo que
veio a existir. Portanto, “venha o teu reino” é a oração de
cjuem deseja, em obediência, ser governado por Deus. E a
oração de quem aspira por participar responsavelmente com
Deus da construção de uma nova sociedade para o bem de
toda a humanidade.
Jesus procurou explicar o c}ue era ó reino de Deus para o
seus discípulos através de várias parábolas. Na parábola da
semente (Mc 4.26-29), ele comparou o reino de Deus a uma
semente que, plantada, chega ao momento da produção de
frutos e da ceifa. O reino de Deus é a presença do Eterno
entre nós para nos alimentar dos frutos do seu Espírito.
Conform e afirma o apóstolo Paulo, “O reino de Deus não
é comida nem bebida, mas justiça, paz, alegria e gozo no
Espírito Santo” (Rm 14.17).
)crnni(r e fistén í 63

Na parábola do grão de mostarda (Mc 4.30'32), o Mestre


comparou o reino de Deus a um pequeno grão que, bem se­
meado, germina, transformando-se numa árvore que cresce e
amplia a sua copa para acolher e oferecer sombra e ninho às
aves do céu. Desse modo, entendemos o reino de Deus como
uma sociedade amorosa para o acolhimento de pessoas aflitas
e sem rumo.
Pregando na Galileia, Jesus anunciou: “O tempo está cum­
prido, e o reino de Deus está próximo, arrependei-vos e crede
no evangelho” (Mc 1.15).
Os sinais do seu reino também são visíveis pelo poder evi­
denciado sobre os poderes satânicos. “Se, porém, eu expulso
demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino
de Deus sobre vós” (Mt 12.28).
Jesus Cristo proclamou o evangelho do reino, ensinou
nas sinagogas e curou os enfermos (Mt 4.23-24). Seu reino é,
portanto, a ambiência do crescimento das pessoas, cura das
enfermidades, confrontação das estruturas de poder satânico
e desumano. Seu reino é o reino da vida, em oposição a toda
espécie de injustiça, violência e morte.
Ele é o príncipe da paz, logo, seu reino é de paz. Ele é o
senhor da misericórdia e seu reino atrai desvalidos e pecadores.
Seu reino é de justiça, então, ampara e luta em favor dos aflitos
e injustiçados e põe em derrocada os poderes dos tiranos e
poderosos. Seu reino é o reino da vida!
Quem ora “Venha o teu reino”, luta para que os sinais do
reino estejam presentes na sociedade. Luta para que os direitos
de todas as pessoas sejam preservados e garantidos. Acredita
que há um Deus soberano, então ora e não se curva diante
dos déspotas e poderosos, ora e luta contra toda a forma de
64 ^ ra çM mssa, lã ca Á Áa

injustiça e perversão contra a vida. Quem ora: “Venha o teu


reino”, participa dos processos de construção da justiça e paz.
Então, oremos e lutemos juntos:
Venha o teu reino!
Venha o teu reino
Venha o teu reino

“Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu"


ORANDO PARA DISCERNIR E OBEDECER A VONTADE DE DEUS

A vida do Jesus de Nazaré foi um exemplo de quem viveu


fascinado por discernir e obedecer ã vontade de Deus. A pre-
ocupação de Jesus não era em Deus atender às suas orações.
Naturalmente, sabemos que havia uma conexão ininterrupta
entre as orações de Jesus Cristo e a vontade do Pai. O Filho não
usava técnicas de oração para que as coisas pudessem acontecer
com toda precisão, mas ele fazia da oração o habitat natural de
intimidade com o Pai, o caminho para discernir a vontade de
Deus: “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele
que me enviou e realizar a sua obra” Qo 4.34). “Pai, se c]ueres,
passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade,
e sim a tua” (Lc 22.42). ‘
Para Jesus, a oração é um modo de viver em permanente
comunhão com o Pai. Orar é inalar o Espírito que conhece a
mente humana e sabe qual a vontade de Deus (Rm 8.27). É
caminhar com o Pai de tal forma que aprendemos, na convi­
vência com ele, os propósitos inerentes ao seu reino.
A essência da oração não está na fala, no pedido, na intercessão,
na técnica religiosa. Antes, consiste em discernimos a vontade
de Deus. Os pedidos e clamores são apenas desdobramentos da
^ ^ o T re m ir e /íútá m . 65

busca, até que a vontade de Deus seja revelada. E, neste caso, não
existem regras pré-estabelecidas. A vontade do Senhor virá como
fruto de nossa comunhão com ele, por meio de Jesus Cristo, no
poder do Espírito Santo, que sonda as mentes e os corações e
conhece a vontade de Pai.
Sendo assim, não precisamos aprender a orar do mesmo
modo que não precisamos aprender a respirar - apenas res-
piramos.
No evangelho, a oração não é um aprendizado, é o des­
frute da presença do Espírito Santo. Na religião, entretanto,
é diferente, toda oração precisa ser ensinada e repetida, seja
no seu conteúdo ou na sua forma. Na burocracia religiosa, a
oração tem um começo, um meio e um fim, e cada pedaço
vem permeado de elementos que funcionam como técnicas de
sensibilização da divindade. Por isso, na religião, os devotos são
treinados nos métodos e esquemas das orações.
Jesus Cristo sabia que orar é uma condição natural da
existência humana. Sem oração, estamos desconectados de
Deus e de sua vontade, e, sem Deus, somos incompletos.
Uma pessoa sem oração sofre de asfixia espiritual. Sofre pela
ausência do Deus da vida, sem o qual perde a sua essência
mais profunda, que é a capacidade de amar. Aprendendo a
orar com o Jesus Cristo de Nazaré, porém, inalamos Deus
e o seu amor. Já que, no evangelho, a espiritualidade é per­
cebida pela nossa capacidade de amar, quando oramos com
Cristo, a nossa espiritualidade será uma natural transpiração
e respiração do amor de Deus.
Aprendemos com Jesus que a oração é uma vivência com o
Pai, uma relação de amor com Deus e os nossos semelhantes.
E, antes de tudo, uma atmosfera que propicia acolhimento.
66 a. ^
[yrcLço/r
m çã ir nm a,
c, / ê ca Á Á

que favorece o estabelecimento de um lugar psicológico onde


as pessoas se sentem amadas e recebidas por Deus. A vida só
é abundante quando vivida na plenitude do amor. Quem não
ama, vive apenas um tipo de experiência vegetativa e animal.
Quem ama, vive o que é próprio dos humanos. Em Deus,
encontramos a fonte inesgotável do amor e a oração é uma
espécie de condutor que nos liga a ela.
Não há vida abundante nem compreensão da vontade de
Deus sem oração, aquela oração “estilo de vida”, “modo de ser
em sintonia com a vontade de Deus” que Jesus ensinou. Nas
religiões, qualquer prece é oração. Por isso, falamos em orações
respondidas e não respondidas. Na ótica de Jesus Cristo, toda
oração, “cristicamente” compreendida, é respondida, pois antes
de ser uma prática religiosa, uma lista de pedidos, a oração
é o lugar da comunhão e da intimidade com Deus. Assim,
conhecendo a sua vontade soberana, clamamos e pedimos em
sintonia com os seus projetos: “Se vocês permanecerem em
mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão
o que quiserem, e lhes será concedido” Qo 15.7).
Idealm ente, se sempre orássemos conhecendo a von-
tade de Deus, não teríamos conhecim ento das chamadas
orações não respondidas. Ou seja, não pediríamos o que
antecipadamente sabemos que o Senhor não tem interesse
em responder. Jesus tinha consciência do seu projeto de
vida, sabia o quanto os poderosos se percebiam ameaçados
e queriam tirar-lhe a vida. Então, quando orou “Meu Pai,
faça-se a tua vontade” (Lc 22.42), o Messias sabia do seu
compromisso histórico e, consequentemente, de sua morte e
ressurreição. Portanto, ele não pediu que o projeto mudasse,
mas reafirmou a sua disposição de fazer a vontade de Deus,
e /ústária. 67

a despeito das circunstâncias, inclusive da injustiça de seus


algozes e da tragédia da morte.
Com o Jesus Cristo de Nazaré, aprendemos que a oração é
muito mais uma experiência de escuta da vontade de Deus, do
que a fala no discurso religioso supostamente dirigido a Deus.
Portanto, clamamos:
Faça-se a tua vontade!
Faça-se a tua vontade!
Faça-se a tua vontade!
Assim na terra como no céu.
[8 ]

COMUNHÃO E BENS

A oração proposta p o r Jesus Cristo expressa a vivência da


comunidade do povo de Deus - comunhão com Deus e com as
pessoas, sinalizada pelo desejo de socialização dos bens.

“O p ã o nosso de c a d a d ia nos d á h o je ”
O rando pa r a q u e o D eu s d o c é u n o s a ju d e

A s o c ia l iz a r o pã o d a t e r r a

A oração do Pai-Nosso é, ao mesmo tempo, a oração do “pão


nosso de cada dia”. O pedido pelo “pão” não é um apelo para o
suprimento material. Jesus já havia ensinado aos seus discípulos
a não se preocuparem com o alimento. Também já se conhecia
70 a. ^ n çícr n/rssa £ coÁ £ 0.

a ideia de que Deus dá o pão aos seus amados enquanto eles


dormem (SI 127). Conforme o Mestre, a provisão divina, através
da natureza, se encarrega de suprir a carência das aves dos céus
e dos lírios do campo. Se Deus assim cuida dos pequenos ani­
mais e dos vegetais, há, então, suprimento suficiente para todas
as pessoas do planeta. Como sabemos, o problema da falta de
alimentos para muitos não é causado pela superpopulação, nem
pela falta de solo agriculturável. A monocultura, a concentração
de renda e de alimentos, entre outros fatores, geram a fome e a
miséria que têm penalizado muita gente.
Portanto, no Pai-Nosso, o pedido não por pão e sim pela
prática da socialização do pão. O alimento é um direito de todas
as pessoas e quando uma minoria detém a maior parte dos bens,
outras pessoas irão padecer necessidade. O problema da falta
de alimentos para muitos está na má utilização do solo, visando
apenas o lucro e o acúmulo de capital, o que causa também a
degradação do meio ambiente. O Pai-Nosso não é uma oração
para ser meramente repetida em nossas liturgias, ela é a oração
que acredita na solidariedade de Deus e, como conseqüência,
na solidariedade dos seres humanos entre si, pelo que, pedir
ao Pai pelo pão suficiente para cada dia é um principio ético
contra a acumulação excessiva de propriedades e bens.
Para Jesus Cristo, vale mais uma vida eticamente correta
do que a oração corretamente confessada. Há muitos cristãos
orando o Pai-Nosso sem o reconhecimento de que estão pondo
muitas pessoas sob o castigo da fome e da morte. É por causa
de nosso egoísmo - comendo muito e deixando outras pessoas
com fome - , que há muitos doentes e outros que morrem em
nosso meio. Não discernir esta realidade, significa comer e
beber juízo para si. (IC o 11.23-27).
cm iín fíu e ã ju 71

Para muitos, o Pai-Nosso pode ser compartilhado, dividido,


mas o pão é exclusivamente “meu”. Ele é o ídolo que só per­
tence ao outro na reza, na burocracia religiosa. O máximo que
fazemos, algumas vezes, é uma doação filantrópica de nossas
sobras. E, se damos a sobra, apenas denunciamos o nosso con­
texto de injustiça. E hipocrisia doar o nosso excedente como
se fosse um ato de generosidade. A misericórdia se evidencia
pela doação daquilo que nos faz falta.
O pão é um bem que pode ser acumulado ou socializado,
por isso a oração do Pai-Nosso tem implicações espirituais,
econômicas, sociais e políticas. Espirituais, porque o pão, esse
bem tão necessário ã vida, pode ser reduzido a um objeto de
veneração, e, na categoria de ídolo, passa a exigir sacrifício
das pessoas. O pão, como ídolo de mercado, representado
pela acumulação de propriedades e renda, vive guardado no
altar sagrado dos cofres bancários, sendo venerado pelos seus
adoradores, enquanto sacrificam os mais fracos e vulneráveis
da sociedade. No Brasil, o pão pertence a alguns privilegiados.
Mais de 32 milhões de pessoas passam fome e 65 milhões
alimentam-se de forma precária. Somos uma nação marcada
pela injustiça diante de uma fé idolátrica e materialista. Orar
ao Pai do céu pelo pão de cada dia é uma premissa contra a
idolatria do dinheiro. O mundo seria diferente se todos os
cristãos fizessem do Pai-Nosso uma prática de justiça, solida­
riedade e socialização do pão.
O Pai-Nosso é a oração pelo pão de cada dia do outro. E a
oração que muda a concepção fundiária, de renda e de posse
dos bens. Portanto, digamos outra vez, é muito mais do que um
jeito de orar, é, de fato, um jeito de viver. O bem-aventurado
pobre de espírito (Mt 5.3) vive motivado pela sensibilidade e
72 í ^rtLçãa- uma, e/z coÁ áo.

compaixão e tem prazer em socializar com outras pessoas o


Pão da Vida e o pão da terra. Além do mais, o bem-aventurado
pobre de espírito é também feliz por causa da sua fome e sede
de justiça, aguçadas diante da fome sofrida pelos injustiçados.
A falta de pão na mesa do pobre é um reflexo da falta de
espiritualidade no altar dos cristãos. Não podemos mais admitir
que o nosso Brasil - maior país católico do mundo e o segundo
maior país protestante do mundo, portanto, considerado um
país cristão - seja um dos países mais injustos do planeta. O pão
passa a ser um sinal de nossa falta de espiritualidade quando o
outro não o tem. Arrepender-se, pedir perdão por esta ofensa
e mudar o quadro de miséria que tem afetado tantas pessoas é
uma obrigação ética dos seguidores do Jesus Cristo de Nazaré.
Que o Pai do céu nos ajude a socializar o pão da terra.
O pão nosso de cada dia nos dá hoje!
O pão nosso de cada dia nos dá hoje!
O pão nosso de cada dia nos dá hoje!
[9 ]

ORAÇÃO E PERDÃO

^ ^ yí oração ensinada p or Jesus estimula quem ora a incluir no seu


momento de comunhão com Deus o ato de perdão por aqueles
que 0 ofenderam.

“Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos


aos nossos devedores. ”
O rando c o m a r e c ip r o c id a d e d o pe r d ã o

Na tradição religiosa ju daica, era con h ecid o o perdão


oferecido por Deus àqueles que oram, mas em nenhuma
tradição encontra-se a oração em que aquele que ora perdoa
outra pessoa.
74 CL ^r/Lçã/T TwsscL £ ccÁ cila.

Lucas fala de ofensas, Mateus faz referência a “nossas dívidas”.


Provavelmente Mateus, com seu rigor como cobrador de im­
postos, agindo sempre sem complacência alguma com seus
devedores inadimplentes, o faz estupefato com a misericórdia
do Pai, revelada no Jesus Cristo de Nazaré, perdoando aos
seus devedores.
Se amamos a Deus, amamos também aos nossos irmãos.
Se fomos perdoados por ele, também perdoamos os nossos
irmãos e irmãs.
A capacidade de perdoar, construícJa na vida dos discí­
pulos, é consequência do perdão recebido de Deus. Desse
modo, o discípulo perdoa não para ser perdoado por Deus,
mas por conhecer em sua experiência de comunhão com
Deus o quanto é importante e libertador o pocier do perdão
recebido da parte de Deus: “Pois se perdoarem as ofensas uns
dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará. Mas se não
perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não lhes perdoará
as ofensas” (Mt 6.4-15).
Davi fala da maneira como o pecado lhe consumia os ossos
e abatia o coração. Porém entendia também que a confissão
pessoal e pública era uma porta aberta para acolher o perdão
de Deus e sentir-se sarado (SI 51; 103).
Jesus exercitou o perdão em todo o seu ministério. Perdoou
uma mulher adúltera diante de seus acusadores, perdoou Pedro
depois de este haver-lhe negado três vezes. Concedeu perdão
aos algozes que o torturaram na crucificação.
Pedir perdão e perdoar é uma vocação dos discípulos de
Jesus Cristo. E a vocação da libertação plena, pelo exorcismo de
todas as formas de acusações. Perdoar é uma via de mão dupla,
uma experiência possível somente na primeira pessoa do plural.
íOTfÃr e ju , 75

Confissão e perdão são disciplinas espirituais na perspectiva


de sanar, por completo, os nossos próprios erros e os erros de
nossos irmãos e irmãs. Precisamos aprender a incluir em nossas
confissões todos os nossos pecados, inclusive o pecado de não
perdoarmos as pessoas. “Se confessarmos os nossos pecados,
ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar
de toda injustiça” (IJo 1.9).
Quando confessamos e pedimos perdão, encontramos o
estado de alma que se mantém em paz com Deus e com a
nossa consciência. Quando perdoamos, saramos os nossos
corações da amargura e do ódio; curamos a alma dos rancores
e ressentimentos.
As pessoas de mãos limpas e coração puro podem viver em
comunhão com Deus, e ainda assim continuarão pedindo per­
dão pelos pecados coletivos - “Perdoa as nossas dívidas, assim
como perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6.12).
Só consegue perdoar quem já desfrutou do perdão de Deus.
Não é uma condição, mas uma consequência. Perdoamos
porque sabemos o que significa ser perdoado. Tendo sido
perdoados por Deus, somos alimentados pela capacidade de
oferecer perdão aos outros. A capacidade de amar e perdoar
não depende tanto do que as outras pessoas fizeram contra
nós; depende, antes, de nossa condição interior. Quem já
se reconciliou com Deus passa a ser um elo de reconciliação
com todas as pessoas. O apóstolo Paulo chama essas pessoas
de “ministros da reconciliação”. Sejamos, portanto, cristãos
de coração perdoador.
Tenho encontrado, pelo menos, quatro “tipos de pessoas”
diante da oportunidade de perdoar:
- a pessoa que não perdoa o ofensor, nem esquece a ofensa;
76 ^ raçã/r nirssa, lã caÁ Áa.

- a pessoa que consegue perdoar o ofensor e esquecer a


ofensa. Possui um tipo de memória capaz de apagar todos os
momentos ruins;
- a pessoa capaz de apagar na memcSria todo o sofrimento
causado por um ofensor, mas nunca perdoa o ofensor;
- a pessoa para a qual perdoar não significa esquecer a
situação que feriu e causou sofrimento. Essa pessoa consegue
perdoar seu ofensor, mesmo mantendo na memória a tragédia.
Os discipulos do Jesus Cristo de Nazaré são um exemplo claro
desse tipo de comportamento. Mesmo diante do perdão ofere-
cido por eles aos algozes de Jesus Cristo, a história é mantida
com todos os sinais de injustiça e crueldade. O perdão foi
oferecido aos ofensores, mas as ofensas foram registradas como
memórias inesquecíveis: “Sempre que comerem deste pão e
beberem deste cálice, vocês anunciam a morte do Senhor até
que ele venha”. A despeito da tragédia, Jesus Cristo tomou o
pão e deu graças. Mesmo diante da traição, continuou gracioso
e bondoso.
Arileda é uma senhora que teve um de seus filhos assassi-
nado por outro rapaz. Certa ocasião, perguntei-lhe como era
o sentimento de ter um filho ceifado precocemente, de uma
maneira tão dramática. Fiquei impressionado com a resposta
dela: “Pastor, a dor é muito grande, mas tem sido muito inte­
ressante - eu tenho um profundo sentimento de misericórdia
para com a mãe do rapaz que assassinou meu filho. Penso que
é mais doloroso para uma mulher levar nas costas a história de
ser mãe de um assassino, cio que a história de ser mãe de um
filho assassinado”. A maneira como Arileda trata do assunto
me causa a impressão de que ela seria capaz de assumir a ma­
ternidade do jovem assassino. Na minha percepção sobre este
(rríLçU ejierá ijir 77

testemunho, acho que ela consegue manter a sua profunda


tristeza e saudade do filho, enquanto alimenta uma espécie de
perdão maternal, por se colocar na pele da mãe do assassino.
Ela confessa que perdoou o assassino, sem sofrer de amnésia
quanto à tragédia que se abateu sobre sua família.
Em suma, acredito na importância de acolhermos os fatos
sobre os quais não temos mais controle algum. E, enquanto
sofremos as consequências do mal que alguém nos fez, ali­
mentados por nossa indignação e lutando para que a justiça
se manifeste, cuidamos para cjue o mal da perversidade e da
morte não se instale em nossos corações, como se instalou
no coração de nossos ofensores. Uma coisa é sofrermos as
consequências dos males que nos atingiram; outra é não nos
colocarmos passivos diante das pessoas perversas - diante
dessas pessoas, precisamos nos indignar e lutar pela justiça e
defesa de direitos, ainda que não nos deixemos influenciar pelo
modo de ser perverso. Pior do que sofrer as consequências do
mal é fecundar na alma a perversidade dos nossos ofensores.
O percião não depende de como a pessoa que nos feriu está,
depende do tjuanto misericordiosos somos. E o nosso estado
de alma e a condição de vivermos marcados pela bondade de
Deus que geram, em todos nós, a força para perdoar ou não.
Quando perdoamos, garantimos a preservação de nossa mais
profunda singularidade humana.
A condição espiritual do Jesus Cristo de Nazaré foi a garan­
tia permanente do seu amor e condição para ser “perdo-a-dor”.
No momento da crucificação, Jesus Cristo pediu ao Pai para
perdoar os que estavam martirizando-o: “Pai, perdoa-lhes, pois
não sabem o que estão fazendo” (Lc 23.34). A capacidade de
perdoar é uma das virtudes mais nobres dos seguidores do
78 a. (^riLçèiiT nassa. £ ca Á Á

Jesus Cristo de Nazaré. O perdão nos ajuda a não sofrermos


mais com a mesma dor. É como se não quiséssemos mais que
o mal continue nos corroendo e ferindo.
Aprendamos com o Jesus Cristo de Nazaré a orar: “Perdoa
as nossas dívidas,
assim como perdoamos!
assim como perdoamos!
assim como perdoamos!
[ 10 ]

ORAÇÃO E TENTAÇÃO

A oração proposta pelo Jesus Cristo de N a z a ré reconhece a


vulnerabilidade das pessoas e o perigo de praticarem o m al em
resposta às suas tentações.

“E não nos deixes cair em tentação”


O rando pa ra v e n c e r o m a l , q u e t Ao d e p e r t o n o s a s s e d ia

Na oração ensinada por Jesus Cristo, o Pai, o pão, os pecados


são nossos, mas as probabilidades de não cairmos em tenta­
ções são, também, uma responsabilidade coletiva. Todos nós
vivemos num emaranhado de sistemas e convivências e somos
responsáveis por construir uma ambiência favorável ou não às
80 a 'M M ssí lã c a ã ãa.

tentações e aos males que nos rodeiam. Nossas organizações


sociais, políticas e econômicas impedem ou favorecem as
tentações.
O mal é uma semente germinada na interioridade humana,
e quando encontra terreno fértil no espaço externo tem tudo
para proliferar o dano. Portanto, precisamos vencer o mal em
nossa interioridade, mas, enquanto o vencemos no coração,
precisamos, de maneira sábia, ir transformando os esquemas
e conjunturas do mal que foram se consolidando no processo
histórico de nossas formatações culturais, políticas, sociais e
econômicas.
A Bíblia fala sobre esses males que habitam em nossa in­
terioridade; entre muitos, registra a arrogância, a exaltação, o
orgulho. Por mais que esses pecados, à semelhança de muitos
outros, tenham origem nos desejos interiores, todos são im­
pulsos catalisados por condições externas que organizamos
coletivamente. Nas descrições sobre a tentação de Jesus Cristo
no deserto, aparecem figuras como “parte mais alta do templo”
e “os reinos do mundo e o seu esplendor” (Mt 4.1-5; Lc 4.1-5).
Em Mateus 23, o narrador faz referência ã “cadeira de Moisés”,
símbolo da aspiração pelo poder. Em Tiago, há referências a
“anel de ouro” e “lugar apropriado” (Tg 2.2-3). Essas expressões
são usadas para denunciar um tipo de arquitetura e estética que
alimentam no imaginário coletivo as tentações de poder e os
pecados de discriminação e menosprezo para com as pessoas
desprovidas desses mesmos símbolos.
Quando construímos em nossos templos estruturas arquite­
tônicas que separam o povo do clero e usamos estéticas pessoais
comunicando poder e arrogância, predispomos as pessoas à queda
e não percebemos que arquitetamos, coletivamente, uma cultura
ara^ãff e tentuçm 81

que favoreceu o mal da politicagem religiosa, discriminação de


pessoas, exaltação e altivez. Quando elaboramos ensinos sobre o
poder de magia que os sacerdotes possuem para agregarem valor
aos objetos sagrados, oferecemos aos charlatões a chance de ne-
gociação de tais objetos com os clientes da religião. Desse modo,
a tentação interior vai encontrando nas estruturas e arquiteturas
externas espaço para a sua proliferação.
Quantos líderes religiosos estão emocionalmente doentes.
Alguns já traziam as suas doenças psicoemocionais e encon­
traram na religião o objeto significante catalisador de suas
enfermidades. Outros adoeceram contaminados pelas doenças
emocionais inerentes aos espaços religiosos. Há tentações e
pecados resultantes de nossa experiência coletiva religiosa;
portanto, não é justo condenar o pecado que se torna visível,
por meio de uma única pessoa, quando todos juntos criamos
o ambiente favorável que propiciou a queda.
No Brasil, as leis estão organizadas para o favorecimento de
um grupo privilegiado controlador e manipulador, de maneira
c]ue, diante de seus erros, são protegidos, usando as “formas
da lei”, os fluxos dos processos, os parágrafos etc. Diante
de outras nações, por exemplo, os pecacios de corrupção no
Brasil, praticados por alguns, são pecados do povo brasileiro.
Se concordamos com essa afirmação, então precisamos de
arrependimento, confissão e mudança radical na cultura e
conjuntura sociopolítica, pois todos pecamos.
Orar é o compromisso e a prática de um estilo de vida que,
encontrando-se com Deus, rompe com os círculos perversos
do ambiente social, religioso, político e econômico. Por isso, a
oração do Pai-Nosso é mais do que uma prece religiosa. Quem
ora ao Pai nosso, ora e luta pela erradicação dos males que nos
82 Mssa ã co Á ãa.

rodeiam. É preciso orar de modo que se possa ir erradicando


as sindromes de fanatismo, arrogância, poder e fama, extermi­
nando os males da corrupção, injustiça e violência.
Portanto, Jesus Cristo nos ensina a orarmos para vencer­
mos as tentações, que são nossas. As interiores - quem sabe -,
vencemos pelo poder do Espírito Santo, com exercícios de
espiritualidade, formação cJe um bom caráter, controle social;
as conjunturais, vencemos fazendo revisão das leis e de suas
aplicações, revisando as nossas organizações políticas, sociais
e econômicas.
Da mesma forma, como o pão é “nosso de cada dia”, as
tentações também são nossas e precisamos vencê-las com
sabedoria e mobilização da sociedade civil organizada. Deus,
ajuda-nos e
não nos deixes cair em tentação...
não nos deixes cair em tentação...
não nos deixes cair em tentação.

“Mas livra-nos do m al”

A tentação é apenas a iniciação para a consumação do mal.


Na oração do Pai-Nosso, Jesus Cristo relaciona o mal com as
tentações. Já sabemos que somos tentados por nossa própria ccv
biça. O apóstolo Tiago argumenta muito bem sobre esse tema:
“Quando alguém for tentado, jamais deverá dizer: ‘Estou sendo
tentado por Deus’. Pois Deus não pode ser tentado pelo mal,
e a ninguém tenta. Cada um, porém, é tentado pelo próprio
mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido. Então esse
desejo, tendo concebido, dá ã luz o pecado, e o pecado, após
ter se consumado, gera a morte” (Tg 1.13-15).
(rrciçã/r e tentuçM 83

A concupiscência dos olhos e a soberba da vida não procedem


de Deus, elas são originadas nos fascínios e encantos que ine­
briam os desejos humanos, provocam as tentações e germinam
o mal. Geralmente, achamos que o mal vem tão somente de
fora. Não imaginamos que ele seja proveniente, também, de
nossas malícias interiores. Jesus disse: “Não nos deixes cair em
tentação, mas livra-nos do mal”. Então, tudo indica que o mal
previsto aqui seja resultado de nossa queda nas tentações. Este é
o mal que podemos vencer pelo poder do Espírito Santo, quando
superamos as tentações em nossa interioridade.
Todos nós estamos sujeitos a várias formas de manifestação
do mal. Sofremos o mal por causa da perversidade de pessoas
ruins, sofremos pela imperícia de outras pessoas, sofremos por
causa de fenômenos naturais etc. Porém, aqui, Jesus Cristo
alerta-nos sobre as tentações que visitam a nossa interioridade
e podem gerar o mal. O mal aqui não é um mal qualquer, mas
o mal proveniente de nossas tentações. Assim, concluímos que
as tentações não são o problema final. O problema está no mal
que elas produzem a partir de nós mesmos. A tentação gera o
pecado, e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.
Comer ou beber é saboroso e necessário. Comer demais é
saboroso, mas não é necessário; as consequências para quem
come com glutonaria chegam a ser drásticas. Acumular patrimô­
nios deve ser um desafio fascinante para quem já possui muitos
bens, todavia o desgaste emocional e as injustiças socioeconô-
micas provocadas, a médio e longo prazo, podem trazer males
pessoais e coletivos incalculáveis. Ser tentado a aproveitar-se do
prestígio e poder para tirar benefícios pessoais deve ser muito
atraente, mas as consequências políticas, sociais e econômicas
são danosas. Os males causados por nossas tentações são, também.
84 a [g rafia- nm a. <Le caúL (Ua.

males coletivos. Jesus Cristo anima-nos a vencermos, em oração,


as tentações e as suas consequências maléficas.
A tentação é sempre uma linha tênue entre o que é necessário
à vida e o que é essencial. O pão é necessário, mas a Palavra de
Deus é essencial. Ter prestígio, fama e a chance de acumular bens
pode parecer atraente, mas fazer do prestígio e dos bens uma
plataforma para se perceber divino é um grande mal. Manter-se
firme no propósito de adorar a Deus é essencial. Buscar o pão para
alimentar-se é necessário; usar do poder para transformar pedras
em pães, apenas para efeito de exposição pública, é diabólico.
Orar é a intercessão íntima, profunda, comprometida com
a superação da crise de tentação pessoal e da comunidade. É
o clamor para que o Senhor nos livre do mal, porque, se ele
ferir um membro do corpo, todos os outros membros sofrem
com ele, e, se um membro do corpo for honrado, todos se
regozijam com ele (IC o 12.26).
O reconhecimento de que as tentações são alimentadas pelo
ambiente não anula a responsabilidade pessoal de superação
das tentações e erradicação do mal no coração. O mal que está
na interioridade apenas encontra no ambiente externo uma
pavimentação para ser expandido. Portanto, o mal pessoal que
muitas vezes sofremos tem sido, mais frequentemente, por
causa da vazão que damos às nossas tentações pessoais do que
pela imperícia de outras pessoas.
Com o então, podemos vencer o mal?

D e t e s t a n d o o m a l e a p e g a n d o - s e a o b em (R m 12 .9)

A prática do bem é uma condição de quem vive a simplicidade


da vida. Deus nos criou com a condicão de escolha entre o
araçã/r e íentaçü/r 85

bem e o mal. É esta condição que garante a nossa liberdade


humana. Os binômios bem e mal, e, respectivamente, vida e
morte estão entranhados em nossa humanidade. O bem gera
a vida, mesmo que, em algumas circunstâncias, aquele que
pratica o bem sofra a maldade daquele que, pela prática do
mal, provoca a morte de quem faz o bem. Quem faz o bem
está comprometido com a vida e, portanto, repudia o mal, e
sabe que no enfrentamento dos poderosos e perversos corre o
risco de atrair sobre si o mal praticado pelos tiranos. Foi assim
com os profetas, com o Jesus Cristo de Nazaré, com muitos
mártires na história da humanidade.
Tanto no Antigo, quanto no Novo Testamento, temos a
chance de escolher de que lado caminhamos. Em situações
de opressão e injustiça, o lado da vulnerabilidacle da vida é
o lado dos sofridos e injustiçados. O lado da morte é o lado
dos poderosos e injustos. Escolher entre o bem e o mal é uma
questão de compromisso com a vida.
O repúdio ao mal acontece quando estabelecemos dentro
de nós uma atitude permanente para a prática do bem. Man-
ter o bem como um paradigma do qual não abrimos mão,
como um valor inegociável, é uma ferramenta propulsora
para vencermos o mal. Contudo, isso não é tão simples assim.
Precisamos muito da graça de Deus, da inspiração baseada na
vida do Jesus Cristo de Nazaré, dos profetas e dos mártires
cpe lutaram pela justiça. Necessitamos do poder e da graça
do Espirito Santo.
Ser e viver para o bem é, antes de tudo, uma decisão inte-
rior. Quem se percebe como “sendo o bem” pode proclamar:
“Bendiga o Senhor a minha alma! Bendiga o Senhor todo o
meu ser (SI 103.1). Ou, ainda: “Bendito seja o Deus e Pai de
86 ã. ^ ru çã /r nossa /ã ca Á áa.

nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com todas as


bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo” (Ef 1.3).
Muitos não conseguem “bem-dizer” ou “dizer-bem” sobre
Deus ou sobre a vida. Então, quem bendiz, diz a respeito de
Deus, que merece ser dito. Quem vive dizendo a respeito de
Deus acaba percebendo toda a beleza da vida, mesmo diante
de suas contradições. Para os racionais, a beleza da existência
depende de como elaboramos os cenários e as circunstâncias
em que vivemos. O salmista expressa a sua apreciação pela
totalidade da vida com estas palavras: “Bendiga o Senhor todo
o meu ser”. Acredito nesse jeito de vencer o mal em nossa
interioridade: vivendo e dizendo bem sobre toda a bondade
de Deus, e elaborando bem, mesmo quando diante de circuns-
tâncias adversas. Somente quem entende a importância do
bem e “bem-diz”, pode viver na prática do bem, contra toda
forma de maldade.
As bem-aventuranças, também, são virtudes inerentes às
pessoas que vivem e praticam o bem. Para os virtuosos, a
prática do bem não depende de ações ou pressões externas;
eles praticam o bem por causa dos seus valores interiores. O
bem é o valor supremo dos virtuosos. Logo, alimentados pela
prática do bem, eles conseguem vencer e erradicar o mal na
interioridade da alma.

REPUDIANDO O MAL E PRATICANDO O BEM (RM 12.17, 20, 21)

Muitas pessoas possuem uma forte motivação para a prática do


bem, mas não conseguem transformar esse sentimento na prática
concreta do bem. Portanto, podemos ter um sentimento interior
para fazermos o bem, mas não termos uma atitude suficiente
oriLçlcr e tentação 87

para praticá-lo. Também há situações em que somos vitimados


pelo mal proveniente de outras pessoas e nos percebemos inva­
didos pelo ódio e espírito de vingança. Ainda assim, quem tem a
consciência de indignação contra o mal lutará contra o mal, mas
evitará a prática de qualquer ato que represente ameaça à vida.
As pessoas de bem, mesmo quando sofrem as consequências
do mal praticado por outros, não se permitem ser alimentadas
pelas artimanhas de prática da maldade. Uma coisa é sofrermos
as consequências das pessoas que praticam o mal; outra é nos
tornarmos semelhantes a elas - este é o mal mais terrível. A prática
do bem é a maneira mais eficiente de vencermos a tentação de
entramos para o exército dos perversos e tiranos.
Não estamos recomendando uma resignação passiva frente
ao mal. Precisamos repudiá-lo e lutar contra e;le, e, encjuanto
nos indignamos e lutamos, usando todos os meios legítimos,
precisamos também vencer os sentimentos perversos e injustos
que vão se instalando em nossa interioridade. Se não cuidar­
mos bem, as maldades de outras pessoas potencializarão o
surgimento de uma fábrica de maldades em nossos corações.
Que Deus nos livre desse mal.
Pai! Que o bem impregnado em nossos pensamentos e atitu­
des nos livre da prática do mal. Ajuda-nos para que as virtudes,
que são dadas pelo poder do Espírito Santo, fortaleçam-nos
para vencermos as pressões externas que nos induzem ao mal.
Pai, ajuda-nos a praticar o bem, ainda que os nossos senti­
mentos queiram nos conduzir a praticar o mal.
“Livra-nos do mal!”
“Livra-nos do mal!”
“Livra-nos do mall”
[amém]

TOIS TEU É O REINO,


O PODER EA GLÓRIA
PARA SEMPRE, a m é m ;

E s t a Ú LTI m a frase da oração modelo não aparece em todos


os manuscritos mais originais. Todavia, dada a sua importância
hiblica e teológica, decidi inclui-la como forma de conclusão de
nossa reflexão sobre a oração do Pai-Nosso.
Jesus Cristo começa e conclui sua oração expressando o senti­
mento humano de quem vive uma espiritualidade marcada pela
total rendição e pelo reconhecimento da soberania de Deus sobre
todas as coisas. Aliás, a essência da espiritualidade do Jesus Cristo de
Nazaré é evidenciada pela plena dependência que ele devota a Deus.
90 I a [ y m ç íw n m a I

O pronome teu, em referência a Deus, está no começo e


no final da oração. Não acredito que esta maneira de orar seja
apenas uma opção literária. Antes, é o jeito de viver e de orar
do Jesus Cristo de Nazaré que gera a peça literária. Vejamos:
Pai nosso, que estás nos céus,
santificado seja o teu nome;
venha o teu reino;
faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu;
0 pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e
perdoa-nos as nossas dívidas,
assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e
não nos deixes cair em tentação; mas
livra-nos do mal
pois teu é 0 reino, o poder e a glória para sempre. Amém!

“V enha o teu reino” (no início d a oração)...


“pois teu é rein o” (no fin a l d a oração)

Tudo na vida do Jesus Cristo de Nazaré começa e termina sob


o cuidado de Deus. O nosso é uma consequência de quem vive
em total rendição ao cuidado de Deus. O nosso está garantido
quando o amor e a justiça do reino de Deus se manifestam.
A oração, à semelhança da vida, começa com Deus. Sem
Deus não há vida: “No principio. Deus criou os céus e a terra”
(Gn 1.1); “No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava
com Deus, e era Deus. Ele estava com Deus no princípio. Todas
as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que
existe teria sido feito” Qo 1.1-3).
Na religião, a oração começa para se cultivar uma virtude,
ou para o cum prim ento de certas exigências cerim oniais.
m en 91

Alguns oram motivados por necessidades, aspirações e desejos.


Na oração inspirada na vida do Jesus Cristo de Nazaré, o
discípulo ora cativado pela presença de Deus, movido pela
imantação do Espírito Santo que acolhe, dirige, ensina e inter­
cede. Portanto, Deus já estava antes de todas as coisas. Todas as
coisas vieram a existir por causa dele e para ele, sob o domínio
do seu reino. Orar é iniciar a vida mergulhando no mundo de
Deus, nos seus propósitos, discernindo a sua vontade. Não há
como imaginarmos uma vida de oração ou a oração da vida
sem Deus no começo, durante e em toda a vida.
Quem ora o Pai-Nosso ora buscando “em primeiro lugar o
reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6.33). Ora sabendo que “o
reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e
alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17). Quem assim ora, busca
primeiramente a intimidade com Deus, e, como desdobramento,
vêm as virtudes, os dons e frutos do Espirito Santo. As coisas, os
bens materiais poderão vir, ou poderão ser conquistados, como
direito coletivo. Quanto mais sinais do reino de Deus estiverem
presentes entre nós, muito mais serão acrescentadas “todas
estas coisas” prometidas no Sermão do Monte (as virtudes, a
simplicidade, o suprimento necessário á vida), proferido pelo
Jesus Cristo de Nazaré.

“Seja feita a tua vontade” (no início da oração)...


“pois teu é 0 poder” (no final da oração)

Deus é o Senhor de todas as coisas. A ele pertencem a honra,


a glória e o poder. Quem ora o Pai-Nosso reconhece a insigni­
ficância humana diante da grandeza de Deus. Quem assim ora
não aceita reconhecimento algum que seja uma usurpação ao
92 I a. nossa. £ ca Á Áa.

que é devido exclusivamente a Deus. Desse modo, os seguidores


do Jesus Cristo de Nazaré, enquanto oram, são curados das
tentações de poder. Conheço pessoas que são um exemplo de
vida e, mesmo assim, nunca se utilizaram da imagem pública
que possuem para tirarem proveito do poder. A oração do
Pai-Nosso reconhece o poder de Deus e alimenta no orante a
virtude da humildade.
“Pois teu é o poder” é um fundamento que evita a submissão
do ser humano a qualquer outro poder que não venha de Deus.
Quem ora o Pai-Nosso não se submete aos tiranos e déspotas.
Quem assim ora, resiste e luta contra toda forma de poder c^ue
seja uma agressão ou ameaça à vida.
Quando oro ao Pai, sinto-me encorajado para viver e lutar.
Conheço homens e mulheres de fibra, que aprenderam a en­
frentar os perigos com coragem e a suportar os sofrimentos com
paciência. Algumas dessas pessoas já morreram, mas deixaram
em minha memória a ideia de que conseguiram essa “fibra”
como resultado da confiança no poder de Deus, por meio da
oração. Tornaram-se pessoas livres de toda possessão e não se
permitiram também ser possuídas por pessoas, coisas ou insti­
tuições. A oração que surge como expressão do reconhecimento
do poder de Deus anuncia a singeleza da‘ vida e nos liberta de
todas as formas de escravidão pessoal. Somente os livres amam
intensamente, pois amam condicionados pelo sentimento ine­
rente a sua natureza amorosa.
Tudo o que está incluído na oração é possível, pois Deus tem
todo o poder. Quem ora “pois teu é o poder” reconhece não
apenas a plena misericórdia, mas também a soberania de Deus
sobre todas as coisas.
mém 93

“Teu nome” (no início da oração)...


“e a glória” (no final da oração)

Deus é inominável, indescritivel. Em nossa linguagem limitada,


o que ainda se aproxima da essência de Deus é a ideia de amor,
liberdade e vida. Ele é a essência de toda a nossa existência. Não
há como dar um nome a esse Ser e essa realidade que chamamos
Deus.
Deus é santo em sua natureza mais profunda e sua santida­
de não está condicionada às nossas formas de manipulação e
controle. Aos ídolos, damos nomes, coisificamos, tanto a eles
quanto a nós e às pessoas em nossas relações - e nisto não há
glória alguma. Pode haver mimo, elogio barato, paparicação,
mas não glória. Nada que não seja para Deus e por ele merece
reconhecimento e glória.
O Jesus Cristo de Nazaré não se relaciona com Deus a partir
de um nome, ele se comunica com o Pai. E, como sabemos,
pai não representa um nome; antes expressa uma relação, uma
amizade familiar. E toda amizade alicerçada no amor percebe no
outro graça e encantamento. A glória é de Deus - está nele. A
nossa adoração não é para glorificar a Deus, pois ele já é pleno
em glória. A nossa adoração é uma tentativa de comunicação
aos outros sobre quem é Deus. A glória é inerente a Deus e não
depencJe de atos humanos ou louvação de religiosos. O máximo
que podemos fazer é testemunhar com a vida, palavras e obras
para tjue outras pessoas acolham a revelação a respeito de Deus.
Ou seja, como a glória é inerente ao Deus eterno, ela pode ser
percebida e anunciada por meio do testemunho cie seus filhos e
filhas. Rendemos glória a Deus quando, pelo testemunho e pela
proclamação do evangelho, sinalizamos a bondade, a justiça e o
94 nirssã. (ã ca Á áa.

amor de Deus. Vimos a glória de Deus na vida e no testemunho


do Jesus Cristo de Nazaré Oo 1.14). Referindose às boas obras e
ações, Mateus escreveu: “Assim brilhe a luz de vocês diante dos
homens, para tjue vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai
de vocês, que está nos céus” (Mt 5.16).
Quem ora reconhecendo a glória de Deus liberta-se da arrcv
gância e de toda forma de idolatria e coisificação das pessoas.
Em oração ao Deus revelado no Jesus Cristo de Nazaré somos
inspirados a descobrir a nossa humanidade para além dos
condicionamentos culturais que nos reduzem à escravidão do
poder ou da opressão.
A glória de Deus se manifesta quando nos deslumbramos
pelo seu amor, justiça e paz. Fascinados por estes atributos
divinos, somos alimentados a viver a nossa singularidade hu­
mana - amando, praticando a justiça e construindo a paz. Há
várias figuras bíblicas que nos ajudam a desvendar o mistério
de nossa humanidade, quando nos colocamos face a face com
a revelação de Deus.
Reconhecer a glória de Deus é olhar a sua santidade em suas
mais variadas formas, como se estivéssemos diante de um espelho
que desvenda o mistério de nosso ser interior manchado pelo
pecado, em confrontação com o Ser perfeito do Pai celestial.
Nas Escrituras, todas as experiências de quem confessou ter se
deparado com a glória tle Deus resultaram em constrangimen­
to, confissão e arrependimento, nunca em exaltação pessoal e
jactância.
Viver com Deus em permanente oração ajuda-nos a quebrar­
mos a dicotomia do humano e divino, do sagrado e profano.
Ser com Deus em oração é um estilo de vida de quem deseja
aprender a viver em permanente reconhecimento de suas
SMCTÍl 95

limitações e fraquezas, e, por se perceber vazio de tudo, busca e


acolhe a glória de Deus.
A glória não está no nome - ele é inominável. A glória mais
pura consiste em ele, simplesmente. Ser. Nós o reconhecemos,
também, pelos seus poderosos feitos, mas ele já era pleno em
glória mesmo antes de todos os seus feitos.
Somente o Ser que é merece exclusiva honra e glória. E st>
mente em oração a ele conseguimos ser transformados de glória
em glória, em busca de nossa humanidade mais plena, tendo
como referencial a vida do Jesus Cristo de Nazaré.

Oremos, pois, ao Deus que tem o reino, o poder, e a glória, para


sempre. Amém!
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(Carlos Queiroz é pastor da Igreja
de Cristo no Brasil e professor de
missiologia e realidade brasileira no
Seminário Teológico de Fortaleza. Foi
diretor executivo da Visão Mundial
Brasil e presidente do Congresso
Brasileiro de Evangelização (CBE2).
E também autor de Ser é o Bastante —
Jelirídade à lu^ do Sermão do Monte e i3/ex
Herdarão a Terra.
P a ra q u e ser v e a o ração ?

H á u m je it o d e d o bra r D eu s com as
n o ssa s o r a ç õ es ?

O s discípvlios viram Jesus Cristo orando várias vezes.


E, claro, as suas orações eram respondidas. Os discípulos
queriam o mesmo? Quando pediram: “Ensina-nos a
orar”, eles queriam saber como “funciona” a oração de
Jesus?
Em A Oração Nossa de Cada Dia aprendemos a orar com
Jesus, uma das mais fascinantes descobertas para o
caminho da espiritualidade. Melhor, aprendemos a viver
com ele.

A. Oração Nossa de Cada Dia nunca vai envelhecer.


Primeiro, porque é uma reflexão sobre a mais antiga
oração cristã; segundo, porque a oração é algo perene,
que todo ser humano faz quando reconhece a sua
pequenez diante de Deus!
E lben C ésa r

Conhecemos pessoas de oração que nunca leram um


livro sobre o assunto. E , possivelmente, já ouvimos
sobre a oração de pessoas que não oravam. Não é o caso
de Carlos Queiroz. Ele fala do que faz e do que é.
M an fred G rellert

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