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RELATOS DE SALA DE AULA

Reflexões Epistemológicas e a Determinação de Fórmulas e Pesos


Atômicos a partir das Leis Ponderais e da Teoria Atômica de Dalton

Murilo Cruz Leal

O presente artigo tem sua origem no contexto de aulas de Química Geral desenvolvidas no ensino superior sobre a estrutura
atômica da matéria. Alerta para a necessidade de reflexões e abordagens de cunho epistemológico, nos diversos níveis do
ensino, que considerem aspectos históricos do desenvolvimento da química como uma forma organizada de saber, como um
sistema teórico-conceitual que permite representar e explicar o comportamento do mundo material. Suscita reflexões sobre as
formas como se trabalha com teorias, princípios, hipóteses, modelos, leis, regras, conceitos, resultados experimentais ou unidades
arbitrárias em aulas de química.

epistemologia e história da química; leis e relações ponderais na química;


teorias, leis e resultados experimentais no ensino de química

8
Recebido em 29/2/00, aceito em 19/12/00

Introdução dades arbitrárias e à determinação de livro didático dirigido ao ensino médio:


pesos atômicos (massas atômicas Fazendo um raciocínio semelhante

A
s idéias apresentadas neste
relativas), conforme ocorreu ao longo a esse, William Kossel e Gilbert New-
trabalho foram organizadas
da primeira metade do século XIX. ton Lewis propuseram, independente-
durante as aulas que trataram
Além da teoria de Dalton e das leis mente, no ano de 1916, uma teoria para
do tópico ‘estrutura atômica’ no curso
ponderais, este explicar a ligação entre os átomos, que
de Engenharia Mecânica
Usa-se todo o tempo estudo envolve ficou conhecida como modelo de octe-
da Funrei (Fundação de
tratando de temas também a regra to de elétrons ou, simplesmente, regra
Ensino Superior de São
químicos. Nunca toma-se a da máxima sim- do octeto (Peruzzo e Canto, 1999,
João del-Rei), no início do
química (sua estruturação e plicidade de Dal- p. 43).
primeiro semestre letivo de
seu funcionamento) como ton, a lei volumé- É surpreendente, na citação acima,
1998, na disciplina Química
tema de estudo trica das combi- como em um único parágrafo apare-
Geral. Na ocasião, reali-
nações químicas cem três referências diferentes à regra
zamos um estudo das re-
de Gay-Lussac e a hipótese de Avo- do octeto: teoria do octeto, modelo do
lações entre as leis de Lavoisier, Proust
gadro. octeto e regra do octeto. Teoria, mo-
e Dalton com a teoria atômica de
delo e regra são a mesma coisa?
Dalton, com o objetivo de evidenciar o
O que se quer dizer com Nenhuma discussão sobre isto é apre-
papel de suporte empírico (experimen-
“funcionamento da química”? sentada pelos autores.
tal) da teoria de Dalton desempenhado
Quando me refiro ao funciona- Muitas vezes, quando estamos
pelas leis ponderais e, no sentido
mento da química, estou pensando em ensinando química, utilizamos todos
contrário, a teoria fornecendo explica-
suas teorias, modelos, conceitos, leis, esses conceitos (teoria, modelo, lei
ção para as generalidades indicadas
resultados experimentais e unidades etc.), mas eles não são discutidos. Fi-
nas três leis. Na seqüência, as conclu-
arbitrárias, no que essas entidades camos todo o tempo tratando de temas
sões e “ferramentas interpretadoras”
significam e em quais são as relações químicos, mas nunca tomamos a quí-
geradas a partir da teoria atômica de
existentes entre elas. Recentemente, mica (sua estruturação e seu funcio-
Dalton são associadas à proposição
encontrei a seguinte seqüência em um namento) como tema de estudo. Neste
de fórmulas químicas, ao uso de uni-
trabalho, utilizo o processo de desen-
Na seção “Relatos de sala de aula” são socializadas experiências desenvolvidas por professores de química na perspectiva volvimento da química ocorrido entre
de se ampliar as reflexões sobre as práticas de sala de aula, de reconstruí-las e de melhorá-las sistematicamente. o final do século XVIII e meados do sé-

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culo XIX para discutir o modo como a As leis ponderais (ou leis das
ciência química funciona. combinações químicas) e a teoria
Esse tipo de temática é tratado de atômica de Dalton
forma privilegiada pelo campo de estu-
Apresento, primeiramente, versões
dos denominado epistemologia. Tal
simples dos enunciados, retiradas de
campo de estudos vem conquistando,
livros-texto comuns entre nós. Em
nos últimos anos, uma posição impor-
seguida, os materiais apresentados
tante no universo das iniciativas e refle-
são discutidos e utilizados para a ela-
xões voltadas para o aperfeiçoamento boração de novos conhecimentos. Es-
da educação científica escolar. sa estrutura será utilizada ao longo de
Uma ressalva fundamental: sobre as todo este trabalho.
origens da teoria atômica de Dalton Lei da conservação da massa
Embora a teoria atômica de Dalton (Lavoisier - 1789)
tenha surgido em um momento histó- Numa reação química, a soma das
rico no qual era muito grande o volume massas dos reagentes é sempre igual John Dalton (1766-1844)
de informações sobre as quantidades à soma das massas dos produtos da
para 1 sempre deveriam existir (Mahan
de substâncias envolvidas em reações reação (Feltre, 1997, p. 292).
e Myers, 1993, p. 3).
químicas, a atenção de Dalton estava Lei das proporções definidas
voltada para outra direção. De acordo
(Proust - 1799) Discussão 1:
com Ferreira (1987), o seu interesse ori- definição e relação entre leis e teorias
ginal e permanente foi a meteorologia: Uma determinada substância, qual-
quer que seja sua origem, é sempre Como podemos verificar a partir
ele estava preocupado com a solubili-
formada pelos mesmos elementos quí- das três leis ponderais enunciadas
dade dos gases na água, com a expan-
micos, combinados na mesma pro- acima, lei é uma generalização, uma
são do vapor em função do calor e com
porção em massa (Feltre, 1997, p. 292). afirmação válida para qualquer caso 9
o vapor d’água presente na atmosfera.
que se enquadre em sua estrutura. As
Conforme uma análise de manuscritos Lei das proporções múltiplas leis ponderais não se referem a rea-
de Dalton, realizada por Henry Roscoe (Dalton - 1808) ções químicas específicas, mas a
e Arthur Harden e publicada em 1896, Quando dois elementos químicos quaisquer reações que se encaixem
a teoria atômica de Dalton foi intuída formam vários compostos, fixando-se em seus enunciados (a lei de Lavoisier,
por ele a partir de seus estudos das a massa de um dos elementos, as mas- por exemplo, se refere a toda e qual-
diferentes solubilidades dos gases na sas do outro elemento variam numa quer reação química). Dito o que é uma
água. Desde 1803, Dalton considerava proporção de números inteiros e, em lei, é importante também dizer o que
a natureza atômica da matéria. Após geral, pequenos (Feltre, 1997, p. 295). ela não é: uma explicação. A lei de
uma repercussão muito favorável de Lavoisier afirma a conservação da
conferências realizadas em 1807, Dal- Teoria atômica de Dalton (1803)
massa mas não a explica. Da mesma
ton publicou, no ano 1- A matéria é constituída de partí-
forma, a lei de Proust não explica por-
seguinte, A new sys- culas indivisíveis cha-
Embora a teoria atômica que as proporções são sempre as
tem of chemical phi- madas átomos.
de Dalton tenha surgido mesmas, só afirma que são. As leis são
losophy (Um novo 2- Todos os átomos
em um momento histórico afirmações gerais geradas a partir de
sistema de filosofia de um mesmo elemen-
no qual era muito grande o to têm as mesmas pro- coleções de resultados experimentais
química). Os pos- (empíricos).
volume de informações priedades (...) as quais
tulados da teoria atô- São nas teorias que estão as expli-
sobre as quantidades de diferem das proprie-
mica de Dalton apre- cações. As teorias são conjecturas ra-
substâncias envolvidas em dades de todos os ou-
sentados nesse livro reações químicas, a atenção cionais, elaboradas para descrever e
tros elementos.
permitiram a com- de Dalton estava voltada explicar, no caso da química, a estru-
3- Uma reação quí-
preensão racional para outra direção tura e o comportamento das substân-
mica consiste (...) num
dos resultados co- rearranjo dos átomos cias e dos materiais.
nhecidos sobre as de um conjunto de combinações para As leis e as teorias guardam uma
transformações e a constituição das outro (Brady e Humiston, 1986, p. 21). relação muito importante. As teorias
substâncias (organizados nas leis devem ser capazes de explicar o que
ponderais). Além disso, a adoção da Regra da máxima simplicidade de as leis afirmam. Dito de outro modo,
teoria de Dalton permitiu um grande Dalton as teorias têm que estar de acordo com
avanço na compreensão de fórmulas Dalton considerou que as molécu- as evidências experimentais dispo-
químicas e pesos atômicos, conforme las são tão simples que combinações níveis (que são os temas organizados
tratado neste artigo. atômicas obedecendo a razão de 1 na forma de leis).

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Discussão 2: 3) Se representamos os átomos por
a lei das proporções múltiplas permite bolinhas (elementos químicos diferen-
a predição das fórmula de compostos tes, bolinhas diferentes), como pode-
formados pelos mesmos elementos ríamos representar as reações relacio-
nadas em a e em b?
Resultados experimentais Discussão 3:
a) 1,00 g de C combina-se com a partir da definição arbitrária de um
1,33 g de O formando 2,33 g de padrão, os pesos atômicos ou massas
produto.
atômicas relativas começaram a ser
b) 1,00 g de C combina-se com
determinados
2,66 g de O formando 3,66 g de
produto.
Resultado experimental
Levando em consideração a lei de
Proust, podemos concluir que as rea- c) 8,0 g de O combinam-se com
ções descritas em a e b levam à for- 1,0 g de H para formar água.
mação de dois produtos diferentes, Com os valores numéricos apresen-
mesmo que formados pelos mesmos tados acima (a, b e c), mais as fórmulas Amedeo Avogadro (1776 - 1856)
elementos químicos, C e O. Mas, como das substâncias formadas, pode-se
isso é possível? definir valores relativos de massas
atômicas (pesos atômicos) para os MAr(C) = 3,0 x 2 = 6,0
Como sabemos, não é só a natu-
reza (qualidade) dos elementos quími- elementos químicos envolvidos. É o Questão sugerida para os alunos
cos presentes em uma fórmula que que faremos agora.
4) Na lista acima, a massa atômica
define a substância que está sendo Tomemos o CO (a). Na sua forma-
relativa igual a 1,0 para o H está correta
representada. Conta também a quanti- ção temos um átomo de C combinado
(de acordo com nossas convicções
dade em que cada elemento químico com um átomo de O. Logo, os valores atuais). No entanto, os valores rela-
10 participa da fórmula. Por essa razão, das massas envolvidas na sua forma- cionados ao C e ao O estão incorretos
metano e etano são substâncias dife- ção podem ser tomados como as (correspondem à metade dos valores
rentes, mesmo que igualmente forma- massas relativas (MA r) desses dois aceitos atualmente). Tente encontrar a
das por C e H. O mesmo é válido para elementos. Para ficar mais elegante, fonte desse problema nas operações
H2O e H2O2 e CO e CO2. vamos multiplicar os valores dessas e considerações realizadas até este
Voltemos à análise dos dados de a massas atômicas relativas por 3 para momento.
e b. Pelas informações apresentadas, transformarmos 1,33 em um número
e pensando de acordo com a visão que inteiro. Lei volumétrica das combinações
Dalton tinha de reação, concluímos, MAr(O) = 1,33 x 3 = 4,0 (valor químicas (Gay-Lussac - 1808)
como já foi dito, que nos dois casos aceito hoje: 16,0) Numa reação química, os volumes
os produtos são compostos por C e MAr(C) = 1,00 x 3 = 3,0 (valor aceito gasosos, medidos nas mesmas condi-
O. A quantidade de C envolvida nas hoje: 12,0) ções de T e P, estão numa proporção
duas reações é a mesma. No entanto, Como se pode ver, os valores assim de números inteiros e pequenos. (Net-
a quantidade de O em b é o dobro da obtidos são diferentes, porém propor- to, 1989, p. 89)
quantidade em a. O que poderemos cionais aos valores que utilizamos
concluir com Proust e com Dalton? atualmente. Resultado experimental
Resposta: A fórmula do produto for- Tomando o oxigênio como padrão d) 2 volumes de H combinam-se
mado em a é CO e, em b, CO2. e usando MAr(O) = 4,0, utilizando os com 1 volume de O formando 2 volu-
É uma coisa realmente impressio- valores apresentados em c e conside- mes de água.
nante. Combinando um tanto de resul- rando que a fórmula da água é HO (de
tados de laboratório com uma boa do- acordo com a regra da máxima simpli- Hipótese de Avogadro (1811)
se de especulação, é possível chegar cidade de Dalton), obtemos o peso Sob as mesmas condições de T e
a conclusões bastante sofisticadas! atômico para o hidrogênio: P, volumes iguais de quaisquer gases
8,0 g de O para 1,0 g de H (substâncias simples, compostas ou
Questões sugeridas para os alunos ou seja, misturas) contêm o mesmo número de
1) 2,00 g de C combinam-se com 4,0 g de O para 0,50 g de H. partículas (traduzido de Hernández et
2,66 g de O formando 4,66 g de pro- Portanto, MAr(H) = 0,50. al., 1997, p. 176).
duto. Nesse caso, o produto formado Multiplicando esses valores por 2, Observação: Para justificar resul-
é o mesmo de a ou de b? de modo que MAr(H) passe a ser igual tados experimentais, Avogadro admitiu
2) Quanto de O vai combinar-se a 1,0, obtemos: que moléculas de certos elementos se-
com 2,50 g de C para formar dióxido MAr(H) = 0,50 x 2 = 1,0 riam formadas por dois átomos (o que
de carbono? MAr(O) = 4,0 x 2 = 8,0 não era aceito por Dalton).

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A oposição de Dalton aos resultados e
às idéias apresentadas por Gay-Lussac +
e Avogadro
De acordo com Mahan e Myers
Figura 1: Representação da reação de formação da amônia.
(1993), Dalton obteve as fórmulas
corretas para CO, CO2, NO e NO2, mas
insistia que a fórmula da água deveria Em 1860, o primeiro Congresso In- 2 volumes de gás amônia. Quais de-
ser HO e não H2O (como se pode ternacional de Química tinha como vem ser as fórmulas dessas três subs-
concluir a partir da lei de Gay-Lussac objetivo encontrar uma concordância tâncias?
e da hipótese de Avogadro, conforme para o problema dos pesos atômicos. Com a hipótese de Avogadro nas
exposto na Discussão 4). Como a lei Uma grande quantidade de dados mãos, poderemos resolver essa ques-
volumétrica de Gay-Lussac tinha base experimentais precisos havia sido obti- tão. Utilizemos os modelos de bolinhas
experimental, o único argumento que da desde a época de Dalton, e era (vide Figura 1).
Dalton podia usar para refutá-la é que necessário encontrar uma solução para Para um volume de nitrogênio dar
Gay-Lussac tinha se equivocado em o problema dos pe- origem a dois volumes
suas medições (Hernández et al., sos atômicos. Neste A discussão da presença de de amônia é preciso
1997). encontro, estava pre- posições conflitantes no que consideremos o
De acordo com Hernández et al. sente Stanislao Can- seio do desenvolvimento nitrogênio tendo molé-
(1997), Dalton rejeitava a idéia de que nizzaro - de origem das ciências é um elemento cula diatômica. A rela-
amostras gasosas com o mesmo nú- italiana como Avoga- importante para a ção de 3 para 2 do
mero de átomos de diferentes elemen- dro - que falou em fa- desmistificação da ciência e hidrogênio com a amô-
tos ocupam volumes iguais. Segundo vor da hipótese deste para o seu nia também nos leva a
Hernández et al. (1997), o modelo que último [...] (Mahan e desenvolvimento dentro considerar o hidrogê-
Dalton tinha dos gases considera que Myers, 1993, p. 4). A da educação escolar nio como sendo diatô-
eles são formados por átomos está- partir do posiciona- mico.
ticos em contato uns com os outros. mento de Cannizzaro no Congresso de Com o tipo de representação que 11
Como a dimensão dos átomos de ele- 1860, a hipótese de Avogadro teve sua utilizamos atualmente, teremos a se-
mentos diferentes deveria ser distinta, consagração (Netto, 1989; Mahan e guinte equação para a formação da
o mesmo número de átomos diferentes Myers, 1993). amônia:
não poderia ocupar o mesmo volume. A discussão da presença de posi-
N2 + 3H2 → 2NH3
A rejeição da hipótese de Avogadro ções conflitantes no seio do desenvol-
vigorou entre a maioria dos químicos vimento das ciências é um elemento As três fórmulas ficam assim deter-
durante quase cinqüenta anos e fez importante para a desmistificação da minadas. Mais um resultado surpre-
com que houvesse confusão sobre ciência e para o seu desenvolvimento endente!
valores de massas atômicas e mole- dentro da educação escolar. É impor- Observação: Ao analisarmos todos
culares durante todo esse tempo tante buscarmos uma nova visão de os exemplos trabalhados, constata-
(Mahan e Myers, 1993). desenvolvimento científico que se opo- mos que as leis de Lavoisier e de
nha à idéia de uma seqüência de con- Proust estão sempre na base de nos-
tribuições lineares e cumulativas. sos raciocínios. Estamos tão acostu-
mados com o que elas afirmam que
Discussão 4: suas aplicações nos passam desper-
fórmulas de substâncias simples e cebidas.
compostas vão sendo obtidas com a
aplicação da hipótese de Avogadro A formação da água
A água, segundo Dalton (de acordo
De posse do princípio da máxima
com o resultado experimental c),
simplicidade de Dalton, da lei volumé-
possui a seguinte fórmula:
trica das combinações químicas de
Gay Lussac e da hipótese de Avoga- HO (H + O → HO),
dro, partimos para a determinação de que implica massa do O oito vezes
mais fórmulas químicas e pesos atô- maior que a do H.
micos e para a revisão de fórmulas e A água, segundo Gay-Lussac/Avo-
pesos atômicos já disponíveis. gadro (de acordo com os resultados
A formação da amônia experimentais d e c), possui a fórmula:

Consideremos que 3 volumes de H2O (2H2 + O2 → 2H2O),


gás hidrogênio combinam-se com 1 que implica massa do O dezesseis
Joseph Louis Gay-Lussac (1778 - 1850) volume de gás nitrogênio para formar vezes maior que a do H.

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Considerando as informações de c, professores para os aspectos rela- como fonte de informação. Ele foi ela-
a fórmula da água como sendo H2O e cionados à organização e ao desenvol- borado a partir de informações trazidas
MAr(O) = 8,0 (conforme determinado vimento da química como um sistema em livros de química geral utilizados no
mais acima), obte- teórico-conceitual com ensino médio e no ensino superior. O
mos, para o hidro- A reflexão epistemológica o qual buscamos re- que importou aqui foi retratar, com base
gênio: anda de mãos dadas com o presentar e explicar o nos textos consultados, minha percep-
MAr(H) = 0,50 (de- conhecimento histórico. É comportamento do ção da lógica dos avanços obtidos a
zesseis vezes menor na evolução histórica dos mundo material. Como partir dos recursos empíricos e teóricos
que 8,0) conhecimentos químicos foi dito anteriormente, disponíveis naquela fase do desenvol-
Finalmente, se cor- que costumamos obter muito falamos sobre vimento da química (final do século XVIII
rigirmos (multiplican- materiais férteis para o saberes internos à quí- e primeira metade do século XIX). Nesse
do por dois) a massa tipo de abordagem aqui mica e pouco ou nada sentido, foi tratado o desenvolvimento
atômica relativa (peso apresentada falamos sobre a quími- dos conceitos de elemento químico,
atômico) do padrão ca como forma de sa- molécula, reação química, unidade arbi-
oxigênio para 16,0, MAr (O) = 16,0, ber. Acredito, também, que dessa trária, peso atômico e fórmula química
então a MAr(H) passa a ser igual a 1,0 maneira mais “amarrada” os conheci- (incluindo os cálculos e raciocínios para
e a MAr(C) vai para 12,0. mentos químicos são melhor compre- a obtenção destes últimos).
MAr(H) = 0,50 x 2= 1,0 endidos e assimilados pelos estudantes. Algumas outras idéias poderão ser
MAr(O) = 8,0 x 2= 16,0 A reflexão epistemológica anda de desenvolvidas a partir deste material.
MAr(C)= 6,0 x 2 = 12,0 mãos dadas com o conhecimento A indução e a dedução, a relação en-
Como podemos verificar, esses histórico. É na evolução histórica dos tre modelos e teorias e o papel da ma-
valores são iguais aos que utilizamos conhecimentos químicos que costuma- temática na química, dentre outros.
atualmente! mos obter materiais férteis para o tipo
de abordagem aqui apresentada. É Murilo Cruz Leal (mcleal@funrei.br), licenciado em
Considerações finais importante ressaltar que este trabalho química, mestre em agroquímica e doutorando em
educação, é docente do Departamento de Ciências
12 Minha pretensão com este trabalho não se trata de um estudo no qual Naturais da Fundação de Ensino Superior de São João
é contribuir para aumentar a atenção dos documentos históricos são tomados del-Rei, em São João del-Rei - MG.

Referências bibliográficas Para saber mais p. 242-249, 1992. Leitura indicada para
uma revisão bastante condensada, mas
BRADY, J.E. e HUMISTON, G.E. Quími- ASTOLFI, J.-P. e DEVELAY, M. A didática
ao mesmo tempo bastante rica sobre as
ca geral. 2ª ed. Trad. de C.M.P. dos Santos das ciências. Trad. de M.S.S. Fonseca.
fases racionalistas da química clássica
e R.B. Faria. Rio de Janeiro: Livros Técni- Campinas: Papirus, 1990. Este pequeno li-
(que começa com os estudos que trata-
cos e Científicos, 1986. v. 1. vro trata de uma variedade de temas im-
mos neste artigo) e moderna. O artigo
FELTRE, R. Química (Química Geral). 4ª portantes para o ensino de ciências. Dentre
discute também a importância do realis-
ed. São Paulo: Editora Moderna, 1997. v. outros, ele trata de reflexões epistemoló-
mo e do empirismo na química e no seu
1. gicas relacionadas com a didática de ciên-
FERREIRA, R. Notas sobre a origem da cias, da valorização da história da ciência ensino pela aplicação da noção de perfil
teoria atômica de Dalton. Química Nova, e do uso de experimentos no ensino. epistemológico (de Bachelard) aos
v. 10, n. 3. p. 204-207, 1987. CHALMERS, A.F. O que é ciência, afinal? conceitos químicsos.
HERNANDÉZ, J.L.; VIOLANT, A.; BINI- Trad. de R. Fiker. São Paulo: Brasiliense, MORTIMER, E.F. O ensino de estrutura
MELIS, M.I. e GUTIÉRREZ, J.L. Química. 1993. Este é um livro de introdução à episte- atômica e de ligação química na escola
Barcelona: Ediciones Nauta C., 1997. mologia. Como diz o prefácio: este livro de 2o. grau: drama, tragédia ou comédia?
MAHAN, B. M. e MYERS, R. J. Química. pretende ser uma introdução simples e clara Belo Horizonte: UFMG, 1988 (Dissertação
Um curso universitário. Trad. de H.E. Toma [...] às opiniões modernas sobre a natureza de mestrado). A parte inicial da disserta-
(coord.), K. Araki, D.O. Silva e F.M. da ciência. São apresentadas e discutidas ção (a partir da p. 53) conceitua os fenô-
Matsumoto. São Paulo: Editora Edgard idéias de Karl Popper, Thomas Kuhn, Imre menos, as teorias e a linguagem química
Blücher, 1993. Lakatos, Paul Feyerabend e do próprio au- como sendo os aspectos constituintes de
NETTO, C. G. Química básica. Química tor, tudo começando com uma crítica ao quaisquer conteúdos químicos. Trata das
geral. São Paulo: Editora Scipione, 1989. indutivismo. relações que se estabelecem entre eles,
v. 1. MORTIMER, E.F. Pressupostos epistemo- conceitua fatos, conceitos, indução, mi-
PERUZZO, T.M. e CANTO, E.L. Coleção lógicos para uma metodologia de ensino cro e macrocosmo, compara modelos e
base: química: volume único. São Paulo: de química: mudança conceitual e perfil teorias e discute como esses aspectos
Editora Moderna, 1999. epistemológico. Química Nova, v. 15, n. 3., aparecem na educação escolar.

Abstract: How Chemistry Works? Epistemological Reflexions and the Determination of Formulas and Atomic Weights Based on the Mass Laws and Dalton’s Atomic Theory - This paper has its origin in the
context of general chemistry classes on the structure of atomic matter, at the university level. It calls the attention to the necessity of reflections and approaches of an epistemological nature at the different
levels of teaching, that take into account historical aspects of the development of chemistry as a form of organized knowledge, as a theoretical-conceptual system that allows representing and explaining
the behavior of the material world. It gives rise to reflections on the ways that theories, principles, hypotheses, models, laws, rules, concepts, experimental results and arbitrary units are worked in chemistry
classes.

Keywords: epistemology and history of chemistry; laws and ponderal relationships in chemistry; theories, laws and experimental results in the teaching of chemistry

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