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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Depto. Ciências Sociais – Curso: História (Bacharelado)

Disciplina: Brasil III – 2º/2017 Aluno: Luiz Felipe de Oliveira –


RA00182273

Resumo: A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi alvo de diferentes


interpretações desde o fim do conflito até os dias de hoje. O presente paper
busca analisar as construções historiográficas dominantes no Paraguai e no
Uruguai e abordar a visão da Nova História da Guerra do Paraguai, surgida nos
finais do século XX e início do XXI nos países beligerantes.

Historiografia paraguaia a respeito da das produções historiográficas sobre o


Guerra do Paraguai período. A tese de Benedetto Croce
que, em 1938, afirmou que toda história
A Guerra do Paraguai (1864-
é história contemporânea influenciou o
1870), ou a Guerra da Tríplice Aliança,
historiador britânico Collingwood
foi um evento cujas consequências aos
apresentar a ideia de que “o historiador
países envolvidos – Paraguai, Brasil,
parte do presente para pôr questões ao
Argentina e Uruguai – perduraram por
passado”1. O que incorre em
muito tempo em sua história. Sendo o
estabelecer que a historiografia da
maior conflito armado na América do Sul
Guerra da Tríplice Aliança, como
no século XIX, ocasionou em cerca de
qualquer outra historiografia, é feita por
300 mil mortes, dentre as quais o
sujeitos que estão localizados no
perecimento de 20% da população
espaço e no tempo e que respondem a
paraguaia, o destruimento de sua
questões políticas e ideológicas. Eis,
indústria e grandes prejuízos
portanto, a razão da heterogênea
econômicos para o Brasil. No entanto,
produção historiográfica.
ainda que haja consenso na ideia de
que os envolvidos na guerra causaram Liliana M. Brezzo, doutora em
um enorme genocídio, não há, História e membro da Academia
historicamente, um consenso paraguaia de História, ao analisar as
hermenêutico quanto as motivações do ideias pré-concebidas, estereótipos e
conflito, sendo prova disso a pluralidade interpretações sobre a Guerra, afirma

1
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad.
Ruy Oliveira. – Lisboa : Edições 70, 1977, p.26
que a importância dela para o Paraguai viveram no Paraguai: Jorge Thompson,
é dada não apenas pelas Jorge Federico Mastermann e Carlos A.
consequências econômicas e sociais Washburn. No final do século XIX era
em seu território, mas também pelos esses autores que circulavam na região
vastos movimentos historiográficos que da Prata, Europa e etc. Outros autores,
fizeram do evento o centro da história como Juan Crisóstomo Centurión, que
nacional paraguaia. Em contrapartida, escreveu Las Memorias de Solano
os argentinos vincularam o conflito à Lopez, e o general Francisco Isidoro
consolidação nacional de seu país. Mas, somaram-se a esses três primeiros.
ainda que, parte da historiografia Relatos de viajantes também surgiam
argentina defendesse a causa nesse contexto, como o de Sir Richard
paraguaia, esta não defendia os Burton que escreveu Letters from the
historiadores paraguaios. Cecílio Baez, Battlefield of Paraguay. Na Argentina
historiador paraguaio, afirma que o também começaram a surgir projetos
objetivo dos argentinos era atacar com a pretensão de relatar uma História
Bartolomé Mitre e o Brasil. Há também Geral da Guerra. Bartolomé Mitre, em
uma produção de propaganda uma carta de 1884 dirigida a Estanislao
desempenhada pelos atores da guerra Zeballos, afirma que não escreverá os
preocupada com a captação de opiniões relatos das batalhas, mas gostaria que
das massas. No caso paraguaio, ele [seu amigo] escrevesse.
destaca-se as obras de Claude La Posteriormente, em 1921, o Coronel
Poëpe/Charles Expilly e Theodore Juan Beverina escreveu La Guerra del
Mannequinn. Liliana afirma que “el Paraguay centrando-se em operações
componente ideológico de la guerra militar.
tuvo instrumentos de control muy
Liliana Brezzo ao avaliar toda
importantes del lado paraguayo” . Em 2
essa produção historiográfica paraguaia
todo caso, essa literatura difundida
e argentina mostra que há um traço
influencia a criação de imagens
comum entre todas as obras: “el
estereotipadas dos vizinhos envolvidos
acontecimiento se explicaba como una
na guerra.
respuesta a la agresión de López –
Curiosamente, as primeiras único responsable – y a sus ambiciones
obras de caráter geral sobre a guerra desmedidas de liderar la región”3.
foram escritas por estrangeiros que Portanto, os primeiros relatos de autores

2
BREZZO, Liliana M. La guerra de la Triple emergências historiográficas. Prohistoria, año
Alianza: Historia del vencido y nuevas VII, número 7, 2003, p.193.
3
Ibidem, p.195.
paraguaios sobre o evento surgiram no passou despercebido pelos autores
final do século XIX. Dentre os autores, argentinos. Luis Castiñeras afirmava
destaca-se, novamente, Cecílio Baez, “que si el tirano resucitara em la
que articulou uma leitura histórica plenitude [...] la maza del pueblo se
estabelecendo juízos severos à guerra e alzaría em su favor y em contra
a tirania que assolou o povo paraguaio nuestra”4. Conclui-se que essa corrente
anteriormente. nacionalista tinha uma ideologia e
objetivos políticos bastante claros:
Mas é nessa mesma época que,
visavam a ampliação do relato de
no Paraguai, se busca uma recuperação
origem e o sentimento de coletividade
da memória nacional através de outros
através da reivindicação da pátria
olhares que consideram Solano López
indígena. A vitória militar contra a
como figura central da guerra e digna de
Bolívia, em 1935, veio a afirmar esse
exaltação. Se inicia, assim, uma série de
nacionalismo e trouxe confiança à
publicações no jornal La Patria, que é
nação.
orientado por Enrique Solano López,
que buscam uma heroicização de Durante a segunda metade do
Solano. Ainda que tais construções século XX a produção historiográfica
historiográficas no momento não tomará novos rumos no Paraguai e,
atingiam a academia, ela estava na seguidamente, em outros países. A
memória de boa parte da população. O visão predominante se baseará nas
cinquentenário da guerra e as teorias do imperialismo, que possuirão
preparações posteriores para o três vertentes, e a teoria da
centenário de Solano só reforçaram o dependência. A primeira vertente
movimento heroicizador realizado pelos teórica considerava a Grã-Bretanha
Lopistas. Todo esse construto começou culpada pela guerra. A segunda,
a contribuir para que a sociedade apontava a crise do algodão em meados
paraguaia voltasse a ter sentimentos do século XIX nos Estados Unidos como
nacionais. Liliana destaca que a fator causador de um desequilíbrio
reelaboração nacionalista do passado é econômico que tornava o Paraguai
uma ferramenta extremamente eficaz nocivo aos interesses britânicos. Por
para situações como o conflito com a fim, elaboraram a teoria de que a
Bolívia que Paraguai viria a incompatibilidade política entre um
desenvolver. No entanto, isso não governo liberal europeu e um

4
REPÚBLICA ARGENTINA. Archivo del
ministério de relaciones exteriores. Divisão
Política, Paraguay, Año 1923.
capitalismo estatal paraguaio levou a governos militares na América Latina,
Grã-Bretanha financiar um conflito na outra forma de resistir era minar as
América do Sul. No entanto, na década bases ideológicas dessas ditaduras.
de 80-90 essa historiografia começou a Através da revisão dessas
ser revisada. Em 1989, com a interpretações, surgiu uma nova linha
restauração da liberdade no Paraguai, o temática que visava abordar os temas
acesso às fontes, arquivos, métodos e tabus do conflito. Na Argentina, Dardo
novos campos temáticos possibilitaram Braschi escreveu La guerra de la Triple
o surgimento de novas interpretações Alianza a través de los periódicos
sobre a guerra. Os investigadores correntinos 1865-1870 no ano 2000.
paraguaios mostraram que qualquer Augusto Roa Bastos, em Los
que fosse a explicação imperialista, o Conjurados del Quilombo del Gran
suporte empírico era fraco. O que revela Chaco (2000), mostra a existência, na
que o mercado consumidor paraguaio zona do Chaco, de uma “república da
não era uma potência como se afirmava. selva”, que nasceu de um armistício
A população era carente de poder entre as quatros nações. Outros
aquisitivo, de modo que seu mercado estudos abordam a guerra como um
não despertava interesse à Grã- feito cultural, de uma forma que não
Bretanha. Novamente, outorgar ao opõe a cultura e a guerra como atividade
exterior a culpa do conflito significava construtora e destruidora. Abordam
nada menos que satisfazer os pensando na possibilidade de uma
interesses políticos surgidos na década análise geral do contexto através dos
de 60 a 80. Para alguns era a relatos de guerra. Miguel Angel
possibilidade de defender a construção Cuarterolo, um dos expoentes dessa
de uma América Latina não dependente corrente, publicou a obra Soldados de la
das potências europeias. Mas Memoria – Imágenes y hombres de la
acabaram por negar essa possibilidade guerra del Paraguay. O estudo da
na medida que a Grã-Bretanha aparecia historiografia da guerra revela, portanto,
como potência onipotente capaz de se que a pluralidade de interpretações é
impor em suas ‘periferias’. dada devido a pluralidade dos contextos
sociais, políticos, militares e culturais.
A visão maniqueísta e
heroicizante de Solano Lopes também Uma breve abordagem a
respondia a interesses políticos historiografia uruguaia
paraguaios da época, como a ditadura
Ao escrever sobre a
de Stroessner. Por outro lado, por serem
historiografia uruguaia sobre a guerra
as décadas de 60 e 70 marcadas por
da Tríplice Aliança, Tomás Sansón
Corbo – professor de História da Roberto Ares Pons e Carlos Machado.
Universidade da República (URU) – Esses intelectuais afirmavam que “la
afirma que durante o conflito e nos anos evocación del conflito les permite
posteriores houve uma grande develar las razones por las cuales los
produção de caráter testemunhal, países latino-americanos (y em
jornalista e polêmica. León de Palleja foi particular Uruguai) entraron em la órbita
um grande representante dessa imperialista”5. O tema entrou em
corrente. No final do século XIX decadência entre os anos 80 e 90, mas
surgiram diversas polêmicas entre retornou com através de duas correntes
autores que foram protagonistas de distintas: uma tendência revisionista
acontecimentos, como José Vázques com Mario Dotta e Juan Carlos di Nicola
Sagastume e Juan José de Herrera. Já e uma tendência inovadora com Antonio
nas primeiras décadas do século XX María Boero, Daniel Pelúas, Alberto del
emergiram diversas interpretações que Pino e etc. Tomas Sansón afirma que o
questionavam a corrente predominante interesse sobre a guerra esta em
(liberal e mitrista). Luiz Alberto de relação com o grau de envolvimento que
Herrera foi um dos principais nomes os países tiveram na guerra e seu papel
dessa nova corrente, abordando o desenvolvido. Um dos motivos
conflito através de uma perspectiva principais para que o Uruguai aderisse
revisionista e respondendo à interesses timidamente as reflexões da “Nova
do partido Blanco. Somente a partir da História” (que será abordada em seguir)
década de 1940 se iniciou o é justamente o caráter considerado
desenvolvimento de uma corrente que vergonhoso desempenhado pelo país
visava estabelecer reflexões de caráter historicamente (isso, é claro, na
geral da história uruguaia. Juan Pivel interpretação dos autores envolvidos).
Devoto foi um dos historiadores mais
Por uma nova historiografia da
importantes do século XX e representou
Guerra do Paraguai
essa corrente. Abordou a guerra de
maneira extremamente breve e de Ricardo Henrique Salles em A

caráter panorâmico. Guerra do Paraguai: escravidão e


cidadania na formação do exército
Já em meados da década de 70
afirma que o ponto fraco da versão
surgiram interpretações revisionistas de
revisionista é justamente se inserir no
esquerda protagonizadas,
amplo contexto de expansão do
principalmente, por Vivian Trías,
capitalismo no século XIX. Em outras

5
CORBO, Tomás Sansón. La historiografia Trayectos, tradiciones, resignificaciones.
uruguaya sobre la Guerra de la Triple Alianza. Diálogos (Maringá. Online), v.19, n.3, p.974.
palavras “a supervalorização da ação entanto, com a ascensão do partido
direta da Inglaterra e a subestimação Blanco ao poder, em 1862, essa tensão
das motivações particulares das nações aumentou, na medida em que o partido
envolvidos (à exceção do Paraguai) defendia a nacionalização das fronteiras
acabaram por obscurecer a eventual e, não obstante, em 1863 estoura uma
originalidade da abordagem”6. Há então, guerra civil no Uruguai entre os
uma nova corrente de abordagens que blanquistas e os colorados (opositores
surge no final do século XX e início do do partido Blanco). Tal conflito envolvia
século XX, destacando-se as pesquisas interesses argentinos e brasileiros que
do próprio Salles e Francisco Doratioto. iam de encontro com as ideias do
partido Colorado. Os estancieiros do Sul
Ao explicar as causas da guerra,
então pressionaram o governo imperial
Vitor Izecksohn afirma que durante a
para intervirem na situação, intervenção
década de 1860, o Paraguai passou por
esta que veio ocorrer em 1864 e que
transformações na estrutura política
veio ferir os interesses paraguaios, que
externa e na região7. O país tinha
haviam oferecido mediar
grande interesse na área do Rio da
diplomaticamente a situação. No
Prata que, desde a época colonial serviu
entanto, os paraguaios não levaram em
como grande via comercial entre
consideração o novo contexto da região:
Buenos Aires e o interior do continente.
o processo centralizador argentino com
O Brasil, por outro lado, também
a ascensão de Bartolomé Mitre e a
possuía grande interesse na região,
crescente capacidade interventora
pois, a forma mais fácil de chegar ao
brasileira no rio da Prata. Eles pregavam
interior do Brasil, o Mato Grosso, era por
o equilíbrio de poder na bacia do Prata
meio da navegação e não por terra. Isso
e, graças ao desprezo brasileiro com a
tornava a bacia do Prata, no Uruguai,
intervenção no Uruguai, seria
um grande ponto de interesse para os
necessária uma intervenção paraguaia
países beligerantes. O Uruguai era,
para “reestabelecer” esse equilíbrio. A
também, o grande ponto de tensão para
resposta do Paraguai veio com a
o Brasil, ao passo que os estancieiros
apreensão do navio mercante brasileiro
do Rio Grande do Sul ignoravam a
Marquês de Olinda em dezembro de
existência de fronteiras na região e
1864 que desencadeou os conflitos
insistiam em manter a circulação de
posteriores.
gados, trabalhadores e mercadoria. No

6 7
SALLES, Ricardo Henrique. A Guerra do IZECKSOHN, Victor. A Guerra do Paraguai. In:
Paraguai: escravidão e cidadania na formação GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (Org.). O
do exército. São Paulo : Paz e Terra, 1990, p.36- Brasil Imperial – Vol. II – 1831-1889. Rio de
37. Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
Assim, cristalizava-se uma nova que, como já foi abordado, essa
interpretação da Guerra do Paraguai. A interpretação causava vergonha por
nova historiografia levava em serem catalizadores de um massacre –
consideração as contradições platinas e busca uma interpretação que
a consolidação dos Estados nacionais responsabiliza as potências sul
na região. “A guerra era umas das americanas pelo conflito. Ela se impõe
opções possíveis, que acabou por se como uma crítica às versões patrióticas
concretizar, uma vez que interessava a e também as versões revisionistas que
todos os Estados envolvidos”8. culpavam a expansão imperialista
Francisco Doratioto afirma que não há britânica pelo conflito.
heróis nem vilões, mas sim conflitos de
A historiografia acerca da Guerra
interesses. Para Solano López era
do Paraguai, dessa forma, foi um campo
oportunidade de tornar o Paraguai uma
fértil para manipulações ideológicas e
potência regional e ter acesso ao mar
políticas que pluralizou debates desde o
através do porto de Montevidéu. Para a
fim do conflito até os dias atuais. Refletir
Argentina era a possiblidade de
sobre todas as correntes
consolidar seu estado centralizado e,
historiográficas, é refletir o papel do
para o Império, a guerra não era
historiador enquanto sujeito localizado
desejada, mas iniciada. Portanto, essa
no espaço e no tempo e enquanto ser
nova historiografia que nasce não só no
social
Brasil, mas nos outros países
beligerantes – com ressalva ao Uruguai

Bibliografia:
BREZZO, Liliana M. La guerra de la Triple Alianza: Historia del vencido y nuevas
emergências historiográficas. Prohistoria, año VII, número 7, 2003.
CORBO, Tomás Sansón. La historiografia uruguaya sobre la Guerra de la Triple Alianza.
Trayectos, tradiciones, resignificaciones. Diálogos (Maringá. Online), v.19, n.3.
DORATIOTO, Francisco. A maldita guerra – Nova História da Guerra do Paraguai. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
IZECKSOHN, Victor. A Guerra do Paraguai. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (Org.). O
Brasil Imperial – Vol. II – 1831-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Ruy Oliveira. – Lisboa : Edições 70, 1977.
SALLES, Ricardo Henrique. A Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do
exército. São Paulo : Paz e Terra, 1990.

8
DORATIOTO, Francisco. A maldita guerra –
Nova História da Guerra do Paraguai. São
Paulo : Companhia das Letras, 2002, p.93.

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