Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DESLIMITES DA RAZÃO:
Um estudo sobre a teoria neorrealista de Kenneth Waltz
Brasília
2011
LARA MARTIM RODRIGUES SELIS
DESLIMITES DA RAZÃO:
Um estudo sobre a teoria neorrealista de Kenneth Waltz
Brasília
2011
LARA MARTIM RODRIGUES SELIS
DESLIMITES DA RAZÃO:
Um estudo sobre a teoria neorrealista de Kenneth Waltz
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________
Professor Doutor Antônio Jorge Ramalho da Rocha
Orientador
Instituto de Relações Internacionais – UNB
______________________________________________
Professor Doutor Estevão Chaves de Rezende Martins
Universidade de Brasília - UNB
______________________________________________
Professor Doutor Samuel Alves Soares
Universidade Estadual Paulista - UNESP
Ao meu orientador, professor Antônio Jorge, que guiou nossas conversas de forma sempre
serena e gentil, auxiliando na edificação dessa pesquisa; pela confiança depositada em meu
trabalho e ideias, obrigada.
Aos funcionários do IREL, que contribuíram para tornar essa etapa mais agradável. Em
especial, agradeço à Odalva e ao Gustavo pela disponibilidade sempre cordial.
Aos professores do IREL, que sustentaram os aprendizados dessa caminhada. Com carinho
especial, agradeço ao professor Estevão, pela generosidade de ensinamentos, de conversas, e
de risadas. Agradeço também ao professor Jatobá, pelo conhecimento compartilhado, e pela
prontidão afável nessa comunhão.
À CAPES, pelo suporte ao desenvolvimento dessa pesquisa; e à UNB, pela excelência de
ensino.
À UNESP – Franca, que enriqueceu meu olhar sobre aquilo a que me comprometo, e em que
acredito: a Educação. Faço menção especial ao professor Samuel, pelo incentivo e apoio ao
meu interesse por Teoria; à professora Bete, pelo exemplo de humanidade; e aos membros do
GARI, pelo compartilhamento crítico, e pelos estudos em roda.
Aos meus pais, por manterem nossas mãos dadas, mesmo quando os pés caminhavam
separados. Obrigada pelo apoio incondicional que tranquilizou toda escolha e toda incerteza; e
pela oportunidade de realizar esse mestrado. Agradeço também aos meus irmãos, que, mesmo
longe, compuseram serenamente meus pensamentos, representando o amor permanente e
independente de palavras.
Ao meu querido poeta, que se fez melodia, se fez força e se fez fé, quando as linhas teimavam
em ser vazio, as idéias, confusão, e o sonho, dúvida. Agradeço pelas correções, pela
cumplicidade, e, principalmente, pelo sentimento “deslugarejado”, que continua a calçar as
lonjuras de minhas lutas.
Às minhas cúmplices-irmãs, Ana Carolina e Tchella, que souberam colorir as dúvidas, e
aumentar as alegrias. Agradeço imensamente por terem doado seus olhos, ouvidos e coração à
minha trajetória e a este trabalho. O “mar só se inverteu” quando vocês me ajudaram a supor
o céu.
Às cúmplices distantes em chão, mas sempre próximas em pensamento: Maíra, Natália,
Luiza, Juliana, Carolina e Patrícia. A amizade e amor sinceros sempre criaram asas até o
cerrado, trazendo ares de paz.
Aos colegas de Brasília e da pós-graduação. Em especial, agradeço aos queridos amigos:
Janira, Matías, Xaman, Wellington, Andrea, Gioava, Rodrigo (e família), pois todos, com sua
luz particular, acrescentaram brisa suave aos dias áridos desse planalto.
Aos demais amigos não dispostos em nomes, mas presentes nas entrelinhas desse trabalho, as
quais, ao revés das linhas textuais, são preenchidas por conversas, discussões, e ideais
indizíveis em palavras, mas sutilmente audíveis ao coração. Que a concretude das letras, não
limite a possibilidade das entrelinhas.
“Precisamos de você”
Bertolt Brecht
RESUMO
This masters research focuses on the study of the neorealist theory formulated by Kenneth
Waltz. The central purpose is related to the presentation and critical interpretation of
neorealism in its theoretical, methodological and sociological levels. Accordingly, the intent
to revisit the neorealist concepts involve some methodical paths: first, the historical one,
oriented by the need of rethink the origins of neorealist ideas; second, the ontological path,
grounded in the reflection about the basic categories of being and their relations; and, finally,
the epistemological study which investigates the nature and limitations of neorealist
knowledge. To reach this goals, at least in the minimal sense, this dissertation uses the
theoretical arguments developed by the Critical Theory, associates with the sociology of
knowledge, and, especially, with the critiques about the cartesian epistemology. In this sense,
the study focuses on the concepts related to international political actors and its practices, in
order to, in a broadened scope, analyse the neorealist political imagination. So, this master
thesis is based on the central argument that the scientific production of Waltz contributes to
the construction of an 'impoverished' idea of politics, since it relies on a technical meaning
about knowledge, problematized by the tendency in produce a conservative subject, that is
incapable of contest the given order.
LISTA DE GRÁFICOS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO
1
Tal expressão também foi utilizada pelo historiador Reinhart Koselleck. Este, por meio das concepções de
―espaço da experiência‖ e ―horizonte de expectativas‖, procurou integrar as três instâncias temporais: passado,
presente e futuro. Nessa perspectiva singular sobre o Tempo, o autor nos chama atenção para a ideia de que o
presente pode ressignificar tanto o passado (―campo da experiência‖) como o futuro (―horizonte de
expectativas‖), atuando, por conseguinte, também na relação entre futuro e passado. Assim, para operar com tais
temporalidades, Koselleck lança as noções de ―experiência‖ e de ―expectativa‖, enquanto duas categorias
históricas que articulam a tensão entre passado e futuro. Desse modo, ―a experiência é o passado atual, aquele no
qual acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados‖ (KOSELLECK, 2006, p.309). Já as
expectativas constituem as formas de sensibilidades com relação ao futuro, bem como as análises racionais a seu
respeito. A metáfora do horizonte representa justamente o limite visual para além do qual não sabemos o que há,
ou seja, expressa a percepção do futuro sobre o qual conseguimos apenas formular ―expectativas‖, mas não
conseguimos de fato fazer previsões efetivas. E assim, a experiência e as expectativas expressariam um Passado
Presente, um Futuro Presente, respectivamente, visto que se realizam no hoje. Ademais, ao passo que não são
simétricas, tais acepções também não compõem uma dicotomia, estando, ao contrário, na posição de
repercutirem-se, reciprocamente.
2
Hans Robert Jauss é um dos expoentes da ―estética da recepção‖. Tendo dirigido seus esforços intelectuais para
transpor a separação entre história e literatura, Jauss dialogou com duas correntes literárias consideradas
12
Dessa forma, a dinâmica do mundo social está vinculada àqueles aparatos intelectuais
que, de certo modo, nos explicam as oportunidades e os limites da imaginação política,
econômica, ou cultural que dada coletividade dispõe para ler os acontecimentos e,
consequentemente, para atuar sobre eles. Em outras palavras, os estudos metateóricos nos
auxiliam na compreensão do campo de possibilidades reflexivas que agem sobre a capacidade
intersubjetiva de transformação prática das sociedades. Assim, a aplicação dessa perspectiva
ao campo das Relações Internacionais3 (RI) favorece a compreensão do vínculo entre os
eventos daquele âmbito e a produção teórica correlata.
antagônicas, o formalismo e o marxismo. Após captar as deficiências teóricas de ambas, o autor propôs sua tese
que inverteu o foco tradicional da análise literária (autor e obra) para atentar-se ao leitor e à sua recepção. Nesse
ponto, insere-se o conceito de horizonte de expectativa, que o autor busca em Gadamer, traduzindo um conjunto
de pressupostos condicionados cultural, histórica e psicologicamente, os quais atuam sobre o significado verbal
de uma obra ou sobre as estratégias interpretativas de seus leitores. Cf. JAUSS, Hans R. A História da
Literatura como Provocação à Teoria Literária. São Paulo: Editora Ática, 1994.
3
As Relações Internacionais (RI), quando exposta em letra maiúscula refere-se à disciplina acadêmica, enquanto
que, quando minúscula, traduz o fenômeno das relações entre Estados.
13
4
Nas palavras de Yosef Lapid, ―The demise of the empiricist-positivist promise for a cumulative behavioral
science recently has forced scholars from nearly all the social disciplines to reexamine the ontological,
epistemological, and axiological foundations of their scientific endeavors. The ‗third debate‘ in the field of
international relations parallels this intellectual ferment and constitutes a still maturing disciplinary effort to
reconsider theoretical options in a ‗post-positivist‘ era‖ (LAPID, 1989, p. 235). Vale ressaltar que, na definição
de outros autores (SODUPE, 2003; WÆVER, 1996) essa mesma fase da disciplina é denominada de ―quarto
debate‖.
14
americana, é fato que este país possui a mais robusta contribuição na área em termos
comparativos mundiais‖5 (JULIÃO, 2009, p. 133).
Isso é, reconhece-se que a função pedagógica dos quadros acadêmicos, e dos atores
políticos, centrados nessas linhas tradicionais, mantém a influência neorrealista sobre a
construção de nossos horizontes de possibilidades, impondo limites ou oportunidades ao
campo da ação, uma vez que agem sobre nossa capacidade intersubjetiva de formular
hipóteses sobre alterações nas relações humanas em um processo histórico duradouro. Dessa
acepção decorre o que cremos ser, ao menos parcialmente, a relevância do empreendimento
metarreflexivo acerca desse aporte teórico vinculado às RI. Olhar esse que, quando investido
do propósito crítico, torna-se igualmente indissociável do fenômeno histórico da ciência
moderna.
5
Em sua pesquisa, orientada para a investigação sociológica sobre a produção de conhecimento e a área de RI no
Brasil, Taís Sandrim Julião expõe, como um dos motivos da força intelectual dos EUA na área, ―o
desenvolvimento que as Ciências Sociais passaram entre as décadas de 1970 e 1980 com o Behaviorismo e o
Funcionalismo‖ (2009, p.133). Assim, embora seja difícil dimensionar a influências teóricas e metodológicas
daquele país sobre o Brasil, ―a título de síntese e ensaio de sistematização podem-se destacar as seguintes
influências dos Estados Unidos nas RI brasileiras: as abordagens realistas e neorrealistas; o liberalismo político e
econômico aplicado as RI; as teorias da democracia e da paz democrática; as discussões sobre segurança
regional e internacional; os revisionismos teóricos contemporâneos relacionados ao pós-modernismo; as teorias
dos regimes; institucionalismo, multilateralismo e organizações internacionais; política internacional; entre
outros.‖ (JULIÃO, 2009, p.133).
6
Para conferir dados sobre a prevalência dessa corrente nos EUA, ver o segundo capítulo.
15
Como objetivo geral, esse trabalho define o intuito de apresentar e interpretar a teoria
neorrealista de Waltz, discutindo seus direcionamentos centrais nos planos teórico-
metodológico e sociológico relacionados com uma perspectiva crítica. Por meio dessas lentes,
focamos, sobretudo, nos conceitos relacionados ao sujeito político internacional e suas
práticas, dada a importância que tais formulações representam para a imaginação política
exposta na teoria. Nesse sentido, a presente dissertação propõe a hipótese central de que a
produção científica de Waltz contribui para construção de uma ideia empobrecida de política,
visto que se apoia em elaborações tecnicistas. Em termos conceituais, supõe-se que o baixo
grau de consideração normativa e intersubjetiva da teoria neorrealista despojou os atores
internacionais de qualquer axioma ético, confinando suas condutas na prática da
autoconservação e da adaptação. Portanto, a escolha dos fins, em termos conceituais, tende a
regredir-se ao automatismo, problemático pela prescrição de subjetividades conformistas,
desdobradas em ações desprovidas do elemento transformador.
7
Essa referência engloba escolas de pensamento como o Construtivismo, a Teoria Crítica, pós-modernismo/pós-
estruturalismo, teorias feministas e pós-colonialistas. Conjuntamente formariam, assim, um dos polos do
‗terceiro debate‘, evidenciando autores como Robert Cox, Andrew Linklater, Richard K. Ashley, R.B.J. Walker,
James Der Derian, Christine Sylvester, dentre outros.
8
Para Santos, ―as acções e as subjectividades são tanto produtos como produtores dos processos sociais. As
determinações consolidam-se na medida em que dominam subjectividades orientadas para identificar limites e se
conformarem com eles, quer porque os acham naturais, quer porque os acham inultrapassáveis. Pelo contrário, as
determinações desestabilizam-se na medida em que prodominam subjectividades orientadas para identificar
possibilidades e as ampliarem para além do que é possível sem esforço‖ (SANTOS, 2002, p. 33).
16
9
Nas palavras de Boaventura de Souza Santos (2002), a teoria critica deve renovar-se ―a partir de uma tradição
epistemológica marginalizada e desacreditada da modernidade, o conhecimento-emancipação. Nesta forma de
conhecimento a ignorância é o colonialismo e o colonialismo é a concepção do outro como objecto e
consequentemente o não reconhecimento do outro como sujeito. Nesta forma de conhecimento conhecer é
reconhecer, é progredir no sentido de elevar o outro da condição de objecto à condição de sujeito. Esse
conhecimento-reconhecimento é o que designo por solidariedade. Estamos tão habituados a conceber o
conhecimento como um princípio de ordem sobre as coisas e sobre os outros que é difícil imaginar uma forma de
conhecimento que funcione como princípio de solidariedade‖ (SANTOS, 2002, p. 29-30).
17
Como apontou a antropóloga Maria Paula Meneses: ―uma das batalhas políticas mais
importantes do século XXI é travada, sem dúvida, em torno do conhecimento‖ (MENESES,
2008, p.7), de modo que, nessa luta, torna-se imprescindível o questionamento da
―possibilidade de diálogos entre várias realidades históricas, entre experiências presentes e as
suas memórias, as quais apontam continuidades e descontinuidades de poder‖ (MENESES,
2008, p.7). Sendo assim, entendemos que revisitar os conceitos do neorrealismo de Kenneth
Waltz integra algumas direções metódicas: a histórica, orientada pela necessidade de repensar
as perspectivas originais que envolveram sua produção; a ontológica, pela qual se contesta as
definições do ser e dos seus sentidos; e, finalmente, a epistêmica, cujo desenvolvimento busca
rever, mesmo que de forma incipiente, os fundamentos da ciência neorrealista, interpretando
seus desdobramentos, e contestando sua validação e extensão a outros contextos. Como
suporte teórico para esses estudos, ressaltamos o argumento formulado pela Teoria Crítica,
nas figuras de Horkheimer e Habermas – vinculados aos desenvolvimentos críticos sobre a
epistemologia cartesiana10 de forma geral – e o debate incitado pelo campo da sociologia do
conhecimento acerca dos fundamentos sociais da teoria.
10
Tal empreendimento enfatiza as obras de Horkheimer, como Teoria tradicional e Teoria crítica (1989), Eclipse
da Razão (2000) e Dialética do Esclarecimento(1985) – esta última em parceria com T. Adorno. Da mesma
forma, a produção habermasiana acresce a esta proposta a variável normativa, enquanto peça importante na
política internacional. Sobre esse autor, destacam-se as obras: O discurso filosófico da modernidade (2000),
Teoría de la acción comunicativa – Racionalidad de la acción y racionalización social (1988), entre outras.
Sobre o campo específico das RI, utilizaremos os estudiosos Robert Cox (1981, 2007) e Richard Ashley (1986,
1981) que articulam aqueles intelectuais ao campo específico dos estudos sobre a PI. A esses autores, somam-se
nomes como Nicholas Onuf (1989), Alexander Wendt (1999), dentre outros, que cumprem importante papel na
medida em que oferecem sustentação teórica para problematizar a natureza do conceito de Estado e de suas
ações.
11
Por questões práticas, ao longo da dissertação utilizaremos a sigla TIP quando tratarmos da obra Theory of
International Politics, de Kenneth N.Waltz.
18
12
Presume-se que a exposição do sistema conceitual de Waltz segundo a perspectiva sociológica permita a
inteligibilidade da qualidade intersubjetiva do procedimento de seleção – inclusão e exclusão – dos temas que
compõem a agenda internacional neorrealista, que, então, promove o esclarecimento de possíveis consequências
ontológicas, e também políticas, de tal seleção para os agentes ligados aos assuntos privilegiados ou
marginalizados. Sobre esse assunto, inserem-se as análises dedicas a compreender “[...] Whose interests get
represented in international theory? Whose interests and identities are ignored and silenced and seen as
irrelevant?‖ (SMITH, 1995, p.33). Revela-se, pois, a função dos estudos dispostos a problematizar as
implicações pedagógicas da engenharia social (vinculada à abordagem científica de Waltz) sobre a esfera da
política internacional, uma vez que presume-se o papel social da produção de conhecimento, cujo processo de
organização intelectual da realidade age ontologicamente sobre a mesma.
19
Guia-me a só a razão.
Não me deram mais guia.
Alumia-me em vão?
Só ela me alumia.
(...)
Como olhar, a razão
Deus me deu, para ver
Para além da visão –
13
Olhar de conhecer
1.1 Introdução
Em seu primeiro livro, Man, the State, and War publicado em 1959, o cientista
político Kenneth N. Waltz lança as primeiras ideias do que viria a se tornar sua versão
estrutural da reflexão realista sobre a política internacional. Tal consolidação advém vinte
anos depois, em 1979, com a obra Theory of International Politics (TIP) que ganha posição
de destaque dentre as publicações do campo, sendo aquela em que o autor expõe
sistematicamente suas perspectivas científicas, ontológicas e propriamente teóricas, dando
origem a sua vertente neorrealista – também denominada de realismo estrutural.
O presente capítulo foca-se fundamentalmente nesse segundo livro, por meio do qual
Waltz se propõe à três objetivos centrais, quais sejam: examinar as teorias sobre a política
mundial ou os discursos que reclamem certa relevância na área; construir uma teoria da
política internacional que solucione os defeitos das construções passadas; e, por fim, analisar
algumas das aplicações dessa nova teoria. Nas páginas seguintes, dedicamos atenção especial
ao esclarecimento daquele segundo propósito, sobretudo pela centralidade de seu conteúdo
para a compreensão total da obra, importante por oferecer as bases para que possamos,
posteriormente, elaborar uma reflexão crítica sobre tais aportes.
13
Cf. PESSOA, Fernando. Guia-me a só a razão. In: ______. Poesias. 15 ª Ed. Lisboa: Ática, 1995, p. 138.
21
pesquisa das ciências sociais. Nas palavras de John Vasquez, aquela corrente delimitou um
paradigma, por meio do qual ―tells the scholar what is known about the world, what is
unknown about it, how we should view the world if we want to known the unknown and
finally what is worth knowing‖ (VASQUEZ, 1998, p.23).
14
―That is, the language of power and interests rather than of ideals or norms. In public discourse in the United
States today, foreign policy prescriptions are rarely justified directly by reference to universal moral principles or
utopian aspirations. When commentators wish to justify policy prescriptions on ethical grounds, they smuggle
their ethics into the ambiguous and elastic concept of the national interest‖(KEOHANE, 1986, p. 9).
15
Dentre os quais, exemplicam: John Mearsheimer, Stephen Walt, Christopher Layne, Fareed Zakaria e Randall
Schweller.
23
assunções básicas como: os Estados (ou cidades-estado) são entes soberanos; tais atores visam
ao poder, tanto como um fim em si ou como meio para outras finalidades; e, por fim, seus
comportamentos são compreendidos dentro de padrões de racionalidade (KEOHANE, 1986)
16
Alguns estudiosos adotam uma origem remota para a realpolitk, identificando nas análises históricas de
Tucídides (460 a.C – 400 a.C) o prenúncio da consciência que define essa concepção política.
17
Além de Hans Morgenthau, outros autores destacaram-se nesse contexto de ascensão do pensamento realista,
como John Herz, George F. Kennan e Walter Lippmann.
18
Os seis princípios do realismo político, segundo Morguenthau, seriam: 1) a política é governada por leis
objetivas que deitam suas raízes na natureza humana; 2) o conceito de interesse na política internacional é
definido em termos de poder; 3) tal conceito de interesse constitui uma categoria objetiva que é universalmente
válida, mas não se outorga a esse conceito significado fixo e permanente; 4) há uma tensão inevitável entre o
mandamento moral e as exigências de uma ação política de êxito; 5) as aspirações morais de uma determinada
nação não se identificam com as leis morais que governam o universo; 6) O realismo político sustenta a
autonomia da esfera política. (MORGENTHAU, 2002).
19
Nesse uso, ‗liberalismo racional‘ faz menção à escola de pensamento que, na história dos EUA, desenvolveu-
se com base nas ideias de Woodrow Wilson, embora suas bases intelectuais bebam nos pensadores iluministas,
com destaque para Immanuel Kant (1724-1804) e Hugo Grotius (1583-1654), aos quais Morgenthau faz, então,
oposição. Tal corrente prevaleceu no cenário internacional no período conhecido como entre-guerras (1918-
1939), particularizando-se pelo forte tom normativo, preocupado em promover soluções que findassem os
conflitos bélicos, sendo, por isso, geralmente denominada de Idealismo. Para uma distinção clara e sintética entre
as duas correntes, idealismo e realismo, ver: NOGUEIRA, João P.; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações
Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
24
To the degree in which the essence and the aim of politics is power over man,
politics is evil; for it is to this degree that it degrades man to a means for other men.
It follows that the prototype of this corruption is to be found on the political scene.
For here the animus dominandi is not merely blended with dominant aims of a
different kind but is the very essence of the intention, the very life-blood of the
action, the constitutive principle of politics as a distinct sphere of human activity.
Politics is a struggle for power over men, and whatever its ultimate aim may be,
power is its immediate goal and the modes of acquiring, maintaining, and
demonstrating it determine the techniques of political action (MORGENTHAU,
1946, p. 195)
20
Para a crítica contemporânea, ou pós-positivista, tal atitude seria problemática, uma vez que ofusca o caráter
voluntário e interessado das escolhas políticas a partir do uso de categorias metafísicas – como Deus, Razão,
História, Leis naturais, dentre outras. Sobre esse assunto, ver: VASQUEZ, John. The post-positivist Debate:
Reconstructing Scientific Enquiry and International Relations Theory After Enlightenment´s Fall. In: BOOTH,
Ken; SMITH, Steve International Relations Theory Today. Pennsylvania: Penn State Press, 1995. p. 217-240.
25
Quase três décadas depois, surge a teoria neorrealista num processo duplo de
revigoramento e revisão das concepções epistemológicas e propriamente teóricas expostas
acima. Como integrante dessa linha teórica derivada dos clássicos, aquela corrente mantém os
princípios centrais da realpolitik21, embora os meios e fins sejam vistos diferentemente como
causas e efeitos (WALTZ, 1988, p.616). Ademais, o neorrealismo diverge do pensamento
clássico quanto ao entendimento da ciência, às estratégias metódicas e, consequentemente, à
natureza de certos conceitos. As teorias consideradas neorrealistas surgem em um contexto de
adequação teórica a uma concepção específica de rigor científico e objetividade metódica que
demarcavam o debate acadêmico dos anos 1960 e 1970.
Man, the State, and War explains how balances result not from the malevolence
of men or of states but from the condition in which all states exist. The tendency
of states to balance is rooted in the anarchy of states […]. Conflict is a by-product of
competition and of efforts to cooperate. In a self-help system, with conflict to be
expected, states have to be concerned with the means required to sustain and protect
themselves. The closer the competition, the more strongly states seek relative
gains rather than absolute ones (WALTZ, [1959] 2001, x prefácio).
21
Na percepção de Waltz (1979) a herança clássica pautar-se-ia, essencialmente, em três postulados, a saber: a
política é instrumento necessário e demandado pela competição não regulada entre os Estados; o cálculo
resultante das condições anárquicas pode desvendar as melhores políticas para o interesse estatal; e o sucesso
dessas políticas apresenta-se em termos de preservação e fortalecimento do Estado.
26
Passemos então aos caminhos percorridos por Waltz a fim de alcançar essa proposta
científica que o destaca, e o particulariza, como principal releitura da vertente clássica,
embora agora o façamos conscientes de seu vínculo básico com essa tradição intelectual
realista.
Embora variado do ponto de vista interno, o neorrealismo pode ser entendido como
um movimento ou um projeto coletivo22, dado que seus autores compartilham um mesmo
contexto de criação, bem como princípios e práticas, orientados ao intuito de racionalizar a PI.
Tal processo caracteriza-se pelo emprego de uma percepção específica sobre a ciência,
compondo uma discussão filosófica particular, impulsionada a partir do século XVII no marco
do pensamento moderno.
22
Segundo Ashley (1986), o neorrealismo representa um movimento intelectual das RI e da Política Comparada,
de origem fundamentalmente norte-americana, e centrado teoricamente na ―virada estruturalista‖. Dentre seus
nomes, além de Kenneth Waltz, destacam-se, Robert Keohane, Stephen Krasner, Robert Gilpin, Robert Tucker,
George Modelski, e Charles Kindleberger.
27
Conforme aponta Steve Smith (1996), há quatro décadas o positivismo guia a maioria
dos estudos em Relações Internacionais. Nessa perspectiva, os últimos anos marcaram o uso
compartilhado daquela metodologia entre as correntes tradicionais do campo, com exceção
das produções da Escola Inglesa que não se adequaram a tal padrão metódico, aproximando-
se, pelo contrário, das preocupações normativas, historicistas e pluralistas na atividade
científica.
A discussão provida pelo positivismo possui uma longa história nas ciências sociais.
Originado no século XIX com Auguste Comte, aquela corrente traduziu um olhar unificador
das ciências, as quais eventualmente poderiam compartilhar uma mesma metodologia. Tal
transversalidade dar-se-ia pela expansão do método das ciências naturais (a observação) para
as demais áreas de conhecimento. Assim, da matemática à sociologia, encontraríamos uma
sequência de estudos, todos capazes de identificar leis e regularidades nos fenômenos aos
quais se dedicavam. Pois, na visão de Comte, as reflexões cognitivas tendem a uma ascensão
progressiva, partindo de uma base teológica para o conhecimento metafísico, até alcançar, por
fim, o conhecimento positivista.
estabelecendo uma visão monolítica sobre o status de conhecimento. Dessa forma, apenas ao
conhecimento científico foi delegada significação cognitiva, devido a seu compromisso com a
prova empírica, qual seria a condição de acesso à verdade.
Ao sistematizarem the covering law model, Carl Hempel e Paul Oppenheim (1948), e
Karl Popper (1980) retomaram a explicação como propósito das investigações científicas,
23
Contudo, cabe notar que, em sua origem, a abordagem positivista possui uma raiz metafísica, uma vez que ela
presume existir um mundo em harmonia, visto que criado por Deus.
29
incluindo o desvelamento das relações de causalidade no rol das funções do pesquisador. Tal
atitude compatibilizou-se com o empirismo, por meio de um olhar epistêmico ampliado,
segundo o qual a ciência passa a ser uma atividade produtora de hipóteses teóricas que,
embora não sejam entidades observáveis, possibilitam inferências logicamente deduzidas,
estas sim, relacionadas aos fenômenos empíricos.
24
O ceticismo epistemológico refere-se à desconfiança com relação à capacidade humana de conhecer, a qual
pode assumir graus distintos, dando origem a um leque de versões. Porém, de forma geral, a fundação da linha
filosófica cética é delegada à Pirro de Elis (360-275 a.C.), que expressava a impossibilidade de sustentarmos
posições e argumentações absolutas, uma vez que sempre existirão visões contrárias. Logo, para aquele
pensador, o caminho mais prudente seria a suspensão do juízo (já que ele não provê certezas), preservando, pois,
uma atitude desconfiada frente a todo tipo de dogmatismo. Tal corrente desenvolveu-se nas teses do falibilismo
epistemológico, adentrando, também, no campo ética, em que encontramos expoentes do ceticismo, como o
filósofo Montaigne.
30
discussão. Porém, nosso interesse nesse item dedica-se ao lado oposto do debate, aos
otimistas.
Waltz, assim como grande parte dos teóricos das RI, reconheceu a possibilidade de se
construir uma ciência sobre a política internacional. Para esse empreendimento, os autores do
campo dispõem da reflexão de muitos teóricos que, como eles e antes deles, creram na
construção de conhecimento científico e racional sobre o mundo, muito embora se dedicassem
a áreas de estudo distintas. Na longa lista de autores, encontramos filósofos antigos como
Aristóteles e Platão (século IV a. C.), Descartes e Leibniz (século XVII) e Kant e Newton
(século XVIII).
25
Tal período não possui cronologia unânime, embora as datas de seu início voltem-se, geralmente, às primeiras
décadas do século XVII. Conquanto sejam ambíguas as datas, os argumentos acerca da modernidade tendem a
apoiar-se em posições convergentes sobre seu vínculo com a racionalidade instrumental. Isso porque é comum
atribuir aos filósofos do século XVII o processo inaugural de inserção corrente de métodos racionais no trato dos
problemas da vida humana (TOULMIN, 1992).
26
Nessa concepção, enquadram-se as leis sistematizadas por Morgenthau (rever nota 18), que delimita tais
princípios como a tradução racional das causalidades naturais que regem o mundo político, atribuindo-lhes, pois,
uma condição objetiva. De forma geral, essas mesmas leis fundam os pressupostos ontológicos de Waltz, cuja
teoria versa sobre uma ―ordem internacional‖ compreendida segundo os padrões teleológicos de causa e efeito,
identificados pelos autores do realismo clássico e resumidos no modelo da realpolitik.
31
Waltz crê que as leis empíricas apontam uma descrição axiologicamente neutra que
estabelece uma relação lógica entre variáveis dependentes e independentes. Tal relação é fruto
de observações repetitivas, as quais possibilitam identificar padrões de ação, cuja
continuidade anterior cria expectativas de reincidências futuras: Se a, então b com
probabilidade x (WALTZ, 1979, p.1). Todavia, tais leis perdem em fôlego explicativo se não
forem associadas a uma teoria com categorias analíticas. A estas caberia função
qualitativamente diversa, visto que demonstrariam os porquês das conexões e repetições
identificas na observação.
teoria. Assim, ele conclui, com auxílio da arguição do físico Weinberg, em prol de critérios de
avaliação mais instrumentais: ―the most important thing for the progress of physics is not the
decision that the theory is true, but the decision that it is worth taking seriously‖
(WEINBERG, 1992, p.103. apud WALTZ, 1997, p.916).
Essa visão substitui a aspiração utópica por verdades, pela busca pragmática de
adequação explanatória aos problemas identificados, sem, contanto, adotar uma postura
aleatória – ―we are not called upon to believe that the scientific theory is empirically true;
only that it is empirically adequate‖ (GORDON, 1991, p.628). Como a teoria
microeconômica, Waltz afirma que o critério de simplicidade e utilidade legitima a natureza
―irreal‖ de seus modelos – como estrutura internacional, unidades racionais –, uma vez que
são funcionais à compreensão da realidade. A inteligibilidade adviria, então, de um processo
cognitivo, pautado na construção teórica lógica e, também, na observação.
Nesse ponto, surge a pergunta: afinal, de posse dessas concepções, como Waltz
constrói sua teoria? No plano das estratégias heurísticas, o realismo estrutural parte da
construção de conceitos simplificadores da realidade e da aplicação da lógica dedutiva
tradicional. Nessa concepção, a teoria é compreendida como uma construção cognitiva cujo
papel seria tornar a realidade inteligível à mente humana. Em outras palavras, as teorias
científicas se dedicam antes à organização e classificação das regularidades empíricas, do que
a sua descrição.
selecionado. Em outras palavras: ―in order to have a theory, you'll have to have a subject
matter, because you can't have a theory about everything‖ (WALTZ, informação oral27).
27
Entrevista concedida por Kenneth Waltz em 2003 ao programa ―Conversations with History‖, produzido por
Harry Kreisler com apoio do Instituto de Relações Internacionais da UC-Berkeley.
28
Como aponta Onuf, ao construir sua teoria Waltz assemelha-se à Milton Friedman, afinal ele: ―acknowledged
the competing tendencies of rationalism and empiricism in Western philosophy by discriminating clearly
between conceptual worlds and the real world‖. (ONUF, 2009, p.193)
29
Dentre os pressupostos teóricos utilizados por Waltz no realismo estrutural, estão: a noção de interesse
nacional pautada na premissa da sobrevivência; o pressuposto do Estado-nação como unidade de análise, ou
mesmo o princípio da anarquia, como condição original, e particular, do ambiente internacional.
30
Sobre as etapas, sublinha-se a ordem: exposição e isolamento das variáveis sob teste; inferência de hipóteses;
submissão das mesmas a avaliações experimentais e observacionais; invenção e aplicação de testes distintos e
necessários e apreciação final dos resultados, seguida de reparos, atualizações ou rejeições completas da teoria
(WALTZ, 1979).
35
o julgamento é dado em termos de sua utilidade, porém sob a condição de que ―if such a
model departs too far from reality, it becomes useless‖ (WALTZ, 1979, p.7).
Por meio dessas acepções, podemos compreender os caminhos que conduziram o autor
até o conceito de estrutura internacional, identificando a função da abordagem estruturalista
no estabelecimento de um domínio independente da PI, qual seria, para Waltz, o fator
condicionante para uma possível teorização acerca desse objeto31. Ou seja, a noção teórica de
estrutura justifica-se enquanto recurso operacional, ou metódico, quando posicionada no
contexto das fundações epistemológicas do autor.
31
Para Waltz, sem tais ferramentas a PI permaneceria conforme pensavam os realistas clássicos, a exemplo de
Hans Morgenthau e Raymond Aron: um ambiente multicausal, cujas variáveis (economia e política nacionais e
internacionais) estariam inter-relacionadas e expostas na construção teórica. Embora descritivamente ricas, tais
abordagens, na visão de Waltz, não formulam um corpo teórico suficientemente forte, em termos explanatórios.
36
de Newton no domínio da filosofia da natureza. Como esse último, que desvelou as conexões
implícitas que uniriam os fenômenos naturais, Adam Smith buscou revelar os princípios que
conectavam e ordenavam a vida social. Abordando o método newtoniano, esse autor declara:
―Nos dá prazer ver os fenômenos que considerávamos os mais inexplicáveis todos deduzidos
de algum princípio (normalmente um princípio bem conhecido) e todos unidos em uma
cadeia‖ (SMITH, 1985, p.133-134).
Embora tais níveis sejam válidos para alguns estudos, Waltz não os consideram
instrumentos de compreensão para o problema da ordem, uma vez que o nível da unidade não
representa, em sua concepção, o lócus das variáveis da política internacional, tomada como
fenômeno autônomo e contínuo. Seguindo o raciocínio do autor, pressupõe-se que, se há
similaridade de resultados mesmo frente a mudanças nas características particulares dos
Estados, é porque devem existir forças estruturais constrangendo e interpondo-se aos atores
unitários e suas ações.
In relating the first and second images to the third, I viewed the third image as
"the framework of state action" and "as a theory of the conditioning effects of
the state system itself." [...] What I then called "the state system," I later defined
more precisely as the structure of the international political system. Strictly
speaking, Man, the State, and War did not present a theory of international politics.
It did, however, lay the foundation for one (WALTZ, [1959] 2001, ix prefácio).
32
Como definiu Waltz ―a ausência de uma autoridade acima dos Estados para prevenir e conciliar os conflitos
que surgem necessariamente de vontades particulares significa que a guerra é inevitável‖ (WALTZ, 1959,
p.225). Entretanto, ao desenvolver seu conceito de estrutura, Waltz elabora sobre os processos de socialização,
os quais denotam um sentido social, mesmo que estreito, à força estruturante (ver página 43 e 44, do tópico
1.3.1, desse capítulo).
38
geral capaz de manter a sobrevivência das unidades, e também de incitar seus desastres
(ONUF, 2009).
Desse modo, conforme abordou Ashley (1984), há diversos aspectos em que a posição
final de Waltz converge com o propósito estruturalista. Primeiramente, haveria uma
aproximação ideológica entre as perspectivas, uma vez que o método estruturalista corrobora
a postura neorrealista, contrária ao conhecimento fenomenológico e especulativo do
pensamento clássico. Isso porque os recortes investigativos elaborados pelo olhar estrutural
distanciam-se das práticas sociais em si, especificando seus objetos nas condições lógicas (ou
sistêmicas) que sublinham as ações, sugerindo proposições explanatórias das mesmas.
A system is then defined as a set of interacting units. At one level, a system consists
of a structure, and the structure is the systems-level component that makes it possible
to think of the units as forming a set as distinct from a mere collection. At another
level, the systems consist of interacting units (WALTZ, 1979, p. 40, grifo nosso).
33
Sobre a sociabilidade humana, Durkheim diz: ―(…) whenever certain elements combine and thereby produce,
by the fact of their combination, new phenomena, it is plain that these new phenomena reside not in the original
elements, but in the totality formed by their union‖ (Durkheim, 1964, p.103).
39
Meyer Fortes, especialmente no que concerne aos fundamentos da relação entre a estrutura
social e suas unidades34:
On the one hand, Waltz‘s own intellectual history suggests that structural-
functionalism plays a greater role than has commonly been recognized. Waltz (1986:
71–2) derives his understanding of social systems not only from Durkheim ―
himself a functionalist ― but also from organizational theorists and anthropologists;
among the latter, S.F. Nadel (1957) and Meyer Fortes (1949) play critical roles […]
(GODDARD and NEXON, 2005, p. 22).
34
Sobre esse assunto, ler: GODDARD, S.; NEXON, D. Paradigm Lost? Reassessing Theory of International
Politics. European Journal of International Relations, v.11, n. 1, 2005, 9-61; e SAMPSON, A.B. Tropical
anarchy: Waltz, Wendt, and the way we imagine international politics. Alternatives, v. 27, n.4, 2002, 429-57.
40
Por fim, com relação aos processos que compõem a teoria de Waltz, lê-se que os
elementos sincrônicos, frequentemente vinculados à estrutura, são destacados em detrimento
das qualidades dinâmicas do sistema, geralmente interligadas às unidades. Portanto, a política
internacional no neorrealismo fundamenta-se em uma imagem uniformizada dos atores
estatais, visto que focalizada nas questões unicamente relacionais dos mesmos. Sendo assim,
passemos, na sequência, do modelo à teoria, ou melhor, à definição específica dessa estrutura
internacional tomada como objeto de explanação substantiva.
Para esclarecer tais demandas, ou seja, para caracterizar a estrutura política internacional,
Waltz parte de três parâmetros base, a saber: o princípio ordenador; a diferenciação formal
entre as partes, e, por último, as capacidades relativas das unidades.
Com relação à ordenação do sistema, são postos dois modelos possíveis traduzidos
pelo tipo de princípio que coordena a disposição das partes, quais sejam: anárquico ou
hierárquico. No caso específico do ordenamento internacional, a anarquia configura-se como
dispositivo central: ―None is entitled to command, none is required to obey‖ (WALTZ 1979,
p. 88). Como efeito decorrente da descentralização do sistema político internacional, a
segunda variável torna-se inoperante. Isso porque, segundo Waltz, apenas em ambientes
marcados pela hierarquização, como no interior dos Estados, em que predominam as relações
de dominação e subordinação, seria possível pensar a diferenciação funcional entre os
componentes.
35
Nesta questão vale ressalva quanto ao discernimento entre ‗capacidades‘ e ‗relações‘, capaz de evitar a
confusão entre número de polos e existência de blocos. Para o realismo estrutural, um sistema bipolar, por
exemplo, só pode ser inferido da preeminência de dois blocos, caso esses sejam líderes, ou seja, caso possuam as
maiores capacidades materiais do sistema. Nas situações em que há o relacionamento entre dois blocos, mas
estes constituem Estados sem potência, tal condição deixa de ser determinante para a qualificação da estrutura
como bipolar.
36
Influenciado pela dinâmica desenvolvida entre as duas superpotências contemporâneas, os EUA e a URSS,
Waltz pontuou: ―never before in modern history have the great powers depended so little on the outside world,
43
Com isso, Waltz substitui o objetivo estatal clássico de maximização do poder, pela
maximização da segurança, que seria alcançada por meio da manutenção, por parte dos
Estados, de seu posicionamento no sistema – manter a distribuição de capacidades
equilibrada. O autor trata do poder no sentido posicional, ou seja, opera com a distribuição do
poder a qual, ao contrário do atributo particular da unidade, constitui uma variável estrutural.
A posição do Estado é medida conforme suas características materiais relativas, essas que, na
definição de Waltz, representam um conjunto de fatores – tamanho da população e território,
capacidade econômica, força militar, estabilidade política e competência – os quais, no
cálculo geral das posições, devem conjugar uma única variável explicativa. Assim, preterem-
se as considerações quanto à estrutura política específica das unidades, como o tipo de
governo (democrático, autoritário, legítimos, ou revolucionários), e os interesses e
preferências respectivos. O que resta, é uma imagem geral do sistema, da qual se depreendem
expectativas a partir do tipo de composição que as grandes potências constituem – sejam dois,
ou múltiplos polos de poder.
Embora ativa, a estrutura internacional não funciona como um agente, mas influi de
forma indireta sobre os resultados. Os efeitos que produz sobre o comportamento estatal são
consequência de dois processos pervasivos: a socialização e a competição entre os atores.
Segundo Waltz, ambos os mecanismos são fundamentais a diversos tipos de sociedade, sejam
elas domésticas ou internacionais.
and been so uninvolved in one another‘s economic affairs, as the United States and Soviet Union have been since
war‖ (WALTZ, 1988, p. 624). Nesse sentido, Waltz acrescenta a função central da nova tecnologia militar,
expressa pelas armas nucleares. Segundo sua tese, tais mecanismos de guerra auxiliaram na manutenção da
estabilidade pacífica da relação entre as potencias.
44
A lógica da socialização, tal qual definida por Waltz, parte da construção recíproca de
uma relação de alteridade entre as unidades. Nesse sentido, aponta-se a circularidade das
relações entre os Estados, pela qual os atores, além de influírem um sobre o outro, também
são influenciados pela situação criada pela interação. Uma vez engajados na relação social, a
ação e reação dos Estados compõem um ambiente que modela seus comportamentos. Assim,
entende-se que para além de responderem uns aos outros, os atorem respondem às tensões
geradas pela interação.
Socialization brings members of a group into conformity with its norms. Some
members of the group will find this repressive and incline toward deviant behavior.
Ridicule may bring deviants into line or cause them to leave the group. Either way
the group's homogeneity is preserved (WALTZ, 1979, p.75-76).
Assim, a interação social dos Estados tende a produzir um padrão comportamental que
preserve as qualidades da estrutura, no caso, a condição anárquica. Segundo Waltz, em
sistemas pouco organizados ou segmentados, como o internacional, a socialização age nos
segmentos, postulando, por exemplo, a busca pela sobrevivência enquanto princípio de ação
externa das unidades. A competição, por sua vez, opera entre os elementos, levando-os a
ajustarem seus comportamentos criando um tipo de regulação sistêmica. Ou seja, no ambiente
anárquico, o processo competitivo constrange os atores a balancearem o poder dos demais, de
modo a equilibrar a distribuição de capacidades e manter as sobrevivências respectivas: ―the
45
structure is defined by the distribution of power; actors react in conformity with their position
therein; their action inevitably tend to restore a balance of power‖ (GUZZINI, 1998, p.134).
sublinhada pela lógica da autoajuda, de forma que, no sistema anárquico – em que os atores
prezam pelo ganho relativo devido à preocupação com a posição vis a vis aos demais –, os
Estados se opõem a toda possibilidade de especialização que estimule a criação de
desigualdades. Do mesmo modo, nessa concepção, as chances de intensificação do
entrelaçamento social são evitadas por abrirem os canais de dependência entre os Estados.
37
―Groups or individuals living in such a constellation [anarchic] must be, and usually are, concerned
about their security from being attacked, subjected, dominated, or annihilated by other groups and
individuals. Striving to attain security from such attack, they are driven to acquire more and more power
in order to escape the impact of the power of others This, in turn, renders the others more insecure and
compels them to prepare for the worst‖ (HERZ, 1950, p 157).
47
Dessa forma, são esclarecidas as condições da ação (ou os vetores estruturais) que
dinamizam a agência das unidades no sistema, quais sejam: a anarquia e a distribuição de
capacidades. No entanto, como aponta Keohane, o canal de influência entre os âmbitos,
agente e estrutura, não se realiza diretamente. Segundo esse autor, o vínculo entre a estrutura
sistêmica e o comportamento dos atores no neorrealismo é realizado pelo auxílio da
importante noção de racionalidade, no sentido instrumental. Tal premissa funcionaria como
garantia aos analistas de que os componentes de um sistema reagirão aos constrangimentos
infligidos pelo ambiente coletivo.
At the market level, dynamics are the result of individual utilitarian value
maximizing behaviour. Here, individual preferences must be assumed and held
constant. At the individual level, the so-called invisible working of the market must
be taken for granted theoretically and held constant, for explaining individual
behavior (GUZZINI, 1998, p.129).
38
Tomado enquanto comportamento universal, o balanceamento dinamiza-se segundo o número de polos
existentes, sendo a configuração pautada em poucos polos mais tendente à estabilidade do que um desenho com
múltiplas potências. Assim, para Waltz, a distribuição bipolar carrega as possibilidades de um resultado mais
pacífico para as interações estatais. Isso porque evitam-se os riscos de cálculos errados no momento de
formulação estratégica, evitando-se igualmente as incursões bélicas deles decorrentes. Como explica Hans
Mouritzen: ―Internal balancing (each superpower regulating its own balancing strength; for example, through
rearmament) is easier to control than balancing through alliance formation. Systemic interdependence —
which may provoke conflict — is especially low during bipolarity, as the two poles are likely to be quite
self-sufficient‖ (MOURITZEN, 1997, p. 75).
48
anarquia sobre os atores sejam validados (GUZZINI, 1998). Ao presumir que os Estados são
entidades sensíveis ao custo, isso é, racionais, o autor ativa a sobrevivência enquanto um
princípio comportamental sistêmico, valendo-se dele para derivar toda uma cadeia de
dinâmicas na anarquia.
Como assinalado, a noção de estrutura pressupõe padrões sociais que influem sobre o
comportamento das unidades. Logo, estrutura e agente estão logicamente implicados, de
modo que conceber uma das partes demanda, ao menos hipoteticamente, a existência da
segunda. Para o neorrealismo, tais unidades interativas da estrutura internacional são
determinadas segundo a força política que representam para a dinâmica externa.
Num olhar mais detido, podemos ainda captar um segundo recorte dedicando atenção
aos Estados líderes do sistema, ou seja, àqueles com posição privilegiada na estrutura,
proveniente de uma capacidade material superior aos demais. Tal enfoque apresenta-se como
estratégia metodológica, uma vez que o sistema interestatal se caracteriza por um grande
número de unidades. Optar pela lógica do small-number possuiria, ademais, conveniência
ideológica, visto que o neorrealismo advoga pela preeminência das unidades hegemônicas,
entendidas como as únicas potencialmente capazes de agir sobre o desenho distributivo da
arena internacional.
39
WALTZ, Kenneth N. Theory of International Politics. Nova York: Mac Graw Hill, 1979, p.91.
49
Porém, qual modelo acerca da natureza desses atores é adotado pelo neorrealismo? De
modo geral, os modelos tradicionais sobre o conceito de Estado estabelecem-se pelas
explanações Weberianas, Pluralistas ou Marxistas. Dos realistas clássicos aos autores
neorrealistas, identificamos uma preferência pelo padrão exposto por Weber, no qual o Estado
é tomado como ator organizacional e intencional, cujas funções assumem duas frentes (uma
doméstica e outra internacional), sendo elas: a manutenção da ordem interna; e a promoção da
integridade externa frente aos demais Estados. O sucesso dessas ações relaciona-se com as
estruturas fortalecidas do Estado, então prescrito, internamente, pelo monopólio legítimo do
uso da força e, externamente, pela soberania.
Não obstante, Waltz realiza suas conceituações a partir de presunções neste nível
micro. Assim, a estrutura internacional é composta por um tipo de agente corporativo, o
Estado, cujo status ontológico supera a ação dos indivíduos que o compõem. Para o
neorrealismo, o Estado conta como um agente internacional, cujo comportamento assume
atribuições antropomórficas. Ou seja, as ações políticas são motivadas por interesses e
expectativas do ator que, dotado de capacidade cognitiva racional, relaciona ambos
determinantes num plano eficaz de alcance dos fins estabelecidos.
As estruturas estatais são tidas como agente unitário e fenômeno real. Para Waltz, tal
validade empírica justifica-se pelos padrões comportamentais que aquele gera ao longo do
tempo. Já a unidade e coerência da agência corporativa, seria oferecida, segundo Wendt
(1999), pela institucionalização temporal da ação coletiva, e o atrelamento das condutas
individuais sob a identidade nacional geral. E assim, mesmo sob a negação do olhar
reducionista, Waltz acaba adotando premissas implícitas, e imprescindíveis, sobre as unidades
sociais da PI.
Nesse sentido, o interesse nacional do ator seria composto por uma base material, as
capacidades, mas também por postulados ideacionais, vinculados à motivação dos agentes e
50
ao caráter do processo que os conecta. Com isso, Waltz (1979) estabelece: a preocupação
central dos Estados é a segurança, uma vez que a perseguição de outros objetivos só faz
sentido se a sobrevivência estiver assegurada. Embora Waltz defenda que tal característica
constitua uma derivação sistêmica40 e um resultado da lógica de socialização41, ao invés de
uma descrição subjetivista, notamos que tal premissa é prescrita por postulados sobre natureza
dos Estados:
By security-seeking waltz means something more: that states want to preserve what
they already have rather than try to get more, for example by conquering other states
or changing the rules of the system. This does not follow from wanting to survive.
After all, what if one can survive and conquer others? Or what if one believes the
only way to survive is by doing so? Schweller argues that by assuming that states
are security-seeking Waltz is tacitly assuming they are satisfied or ―status quo‖
powers (WENDT, 1999, p. 104).
Assim, mesmo com o intuito de substituir o tom psicológico dos enunciados teóricos
do realismo clássico, o neorrealismo de Waltz não conseguiu escapar à caracterização
subjetiva do ator, por mínima que seja. E, portanto, a natureza agressiva e oportunista contida
na visão de Morgenthau torna-se a conduta defensiva e prudente do Estado waltziano.
Ademais, cabe notar que o Estado representa uma figura egoísta, voltada a seu próprio
interesse, seja esse expansionista, ou mantenedor do status quo. Por fim, a dinâmica externa
seria o resultado da combinação entre natureza dos Estados, suas capacidades materiais e a
anarquia da estrutura internacional. O ciclo derivado, e quase tautológico, gera o sistema de
autoajuda em que o medo e a insegurança pressionam os atores às corridas armamentistas,
podendo chegar a guerras de fato, embora essa não seja a norma recorrente do sistema, que
tende, pelo cálculo geral, à estabilidade das condutas do equilíbrio de poder.
(insegurança sobre a ação dos demais) dos Estados, falta-nos compreender como tais vetores
se relacionam. Para tanto, voltemo-nos ao entendimento da orientação instrumental.
Com isso, argumenta-se que a conduta política seria o produto da cognição individual
e instrumental capaz de relacionar eficazmente recursos escassos com fins definidos
autonomamente. A hipótese do interesse egoísta torna-se um suporte previsível e estável para
edificar uma teoria objetiva da racionalidade sociopolítica. Isso porque o vetor solipsista
catalisa a simplificação da ação social estabelecendo elementos comportamentais fixos,
aumentando a possibilidade de antecipação das condutas observadas.
42
Autores como Olson, Coleman, Hechter, Elster e Reis desenvolvem a ideia cognitivo-instrumental da
maximização dos interesses individuais como substrato único da ação social.
53
satisfação pessoal por meio do cálculo racional das consequências de cada ação para seu
ganho particular.
Tais características espelham, ainda, uma condição anterior referente aos processos de
individualização submetidos a uma teleologia social competitiva. A teoria da ação que se
desdobra desse contexto funda-se na noção de competição como modo de interação essencial,
traduzindo, filosoficamente, uma noção oportunista do homem, e uma percepção hobbesiana
do mundo. Como veremos no último capítulo, Waltz faz uso da noção de ator racional
estratégico, em oposição à formulação paramétrica44, conforme exposto pela teoria dos jogos.
Para essa corrente teórica, nas relações competitivas a consideração do Outro fica restrita à
consciência do atrelamento mútuo das ações racionais entre os jogadores, de modo que estes,
43
Dentro do próprio campo da escolha racional, encontramos posição contrária à ideia de um cálculo racional
preciso por parte dos atores. Esta postura defende a proposição de uma racionalidade limitada (bounded
rationality) devido ao aparato de informação incompleta que os indivíduos possuem. J. March e H. Simon
expõem essa perspectiva na obra ―Teoria das Organizações‖ (1979).
44
Basicamente, num sistema interativo, a ação pressupõe o envolvimento do ator num ambiente em que os
objetivos e ações dos outros atores influem sobre suas condutas e decisões. Todavia o ambiente paramétrico
representaria a situação contrária, i.e, àquela em que o ator poderia se despojar dessas variáveis, considerando os
demais atores como constantes (ou como parâmetros). Assim, o sucesso de suas decisões dependeria apenas de
seu controle sobre as informações, sem a consideração direta das decisões dos demais agentes.
54
Pelo olhar da teoria dos jogos, os agentes racionais estão envoltos por influências e
restrições conjunturais, advindas da estrutura de resultados possíveis. As decisões de cada
ator estão conectadas à dos demais, criando uma causalidade geral, da qual podem derivar
equilíbrios distintos. No caso do realismo estrutural, seus atores estariam inseridos
espontaneamente num ambiente competitivo, cuja natureza homogênea e estratégica impede
um equilíbrio social otimizado. Ou seja, supõe-se que as unidades interativas compartilham
um conhecimento comum de racionalidade, que, somado à proposição do alinhamento de
crenças, produziria a expectativa negativa de uma conduta instrumental geral, reforçando a
dificuldade de compatibilização das vontades e, por consequência, de cooperação. Em termos
sociológicos, o neorrealismo aponta um tipo de ação sistemicamente integrada, isto é,
realizada de forma objetivada, em que os elementos da relação se entendem como meio para
alcançar seus fins privados.
conclui Ashley, o neorrealismo trairia, dessa forma, seu propósito de combater o atomismo
lógico dos realistas clássicos, afinal, ―from start to finish, Waltz‘s is an atomist conception of
the international system‖ (ASHLEY, 1986, p.288). Aponta-se, pois, a importância dessa
análise acerca das premissas do ator estatal, as quais, embora geralmente pouco refletidas,
geram efeitos sobre a esfera da socialização, e sobre a própria imagem da política
internacional, conforme teorizado por Waltz. Voltaremos a esse tópico, no último capítulo,
quando problematizamos esses postulados suprarreferidos com suporte do conteúdo ulterior.
―in order to get beyond ―the facts of observation‖, as we wish irresistibly to do, we must
grapple with the problem of explanation” (WALTZ, 1979, p.6 grifo nosso).
45
De acordo com o postulado balconiano da una scientia universalis, a estrutura da ciência estaria voltada à
identificação de uma lógica unívoca, capaz de ligar os primeiros princípios, aos enunciados observáveis.
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 22). O grau de universalidade dessa lógica formal tornaria, então, as
ciências equivalentes.
57
46
Cf. DESCARTES, René. Discurso do Método. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Editora Escala, 2006.
47
Dessa forma, os valores científicos impulsionados com a modernidade, limitaram a noção de ‗racionalidade‘
aos argumentos teóricos que atingissem uma certeza quase geométrica, privilegiando os modelos da física,
comparativamente aos demais, preteridos de valorização cognitiva. Assim, com o advento das reflexões de
Descartes, a retórica deixa de ser reconhecida como um campo legítimo da filosofia por fundar-se em
argumentos apoiados na percepção humana. Afinal, a partir da tradição da filosofia moderna, o conhecimento
―concentrated on formal analysis of chains of written statements, rather than on the circunstancial merits and
defects of persuasive utterances. Within that tradition formal logical was in, rhetoric was out‖ (TOULMIN,
1992, p. 31). Ademais, o próprio referencial da filosofia transforma-se, deixando de pautar-se em reflexões sobre
casos particulares da vida humana, para adotar o plano abstrato dos problemas gerais. Outra alteração similar
relacionou-se ao caráter local dos estudos históricos, etnogŕaficos ou geográficos do século XVI, isso porque
―the demands of rationality impose on philosophy a need to seek out abstract, general ideas and principles, by
which particulars can be connected together‖ (Idem, p.32). Assim, identificar os princípios universais torna-se
atividade privilegiada frente ao estudo da diversidade das idiossincrasias locais. Portanto, paralelamente, o
escopo temporal dos objetos de estudo passou a focalizar os elementos intemporais, opondo-se às descobertas de
fatores transitórios, ou logo, da própria história como processo.
58
sejam eles naturais ou sociais, e às épocas, quais forem) com intuito de derivarem soluções
gerais de problemas universais.
2.1 Introdução
Todavia, outra trilha igualmente importante e paralela deve ser seguida para o alcance
daquele objetivo interpretativo, qual seria: a pesquisa sociológica – voltada a compreender o
porquê das questões, dos modelos e das soluções abordadas. Isso é, analisar a qualidade
normativa subjacente ao processo de seleção – inclusão ou exclusão – dos temas estudados,
desvelando seus possíveis fundamentos políticos e culturais, emanados da sociedade. Afinal,
questiona-se: a natureza materialista e conflituosa das problemáticas abordadas pelo
neorrealismo, ou mesmo a descrição do Estado como ator racional e central aos estudos,
seriam frutos de condicionantes puramente intelectuais? Para os estudiosos da sociologia do
conhecimento, não.
48
Cf. ANDRADE, Carlos Drummond de. Especulações em torno da palavra homem. In: _____. Antologia
Poética. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p.182-185.
60
Seguindo essa linha, a análise que segue será sublinhada pela tese da práxis, sobre a
qual estabelecemos o vínculo recíproco entre o realismo e o ambiente social norte-americano.
Assume-se que o pensamento realista, desde sua versão clássica à revisão de Kenneth Waltz
em 1979, influenciou a disciplina das RI e a política externa dos EUA; tão logo foi
influenciado por essa prática governamental e pela tradição epistemológica das ciências
sociais norte-americanas. Por isso, uma vez pontuada no primeiro capítulo a posição do
neorrealismo dentro do debate interno à escola, atentaremo-nos, por ora, à história externa do
mesmo, isto é, à compreensão de sua evolução enquanto integrante do contexto das ciências
sociais americanas e das contingências sócio-políticas do país. A desnaturalização dos
conceitos tomados como estáveis, ou universais, é importante por expandir os horizontes
analíticos, enriquecendo a reflexão crítica.
Desse modo, argumenta-se pela existência de razões sociais e contextuais para que
Waltz estudasse o que estudou e da forma que estudou. Tais razões de conteúdo coletivo
(crenças, valores, consensos), a partir dos trabalhos de Thomas Kuhn (2006), assumem
relevância não apenas para os estudos da gênese social do conhecimento, mas também para os
processos de validação dos mesmos, anteriormente sob atuação exclusiva da Filosofia das
Ciências. Segundo Kuhn (2006), a produção do conhecimento não comporia um processo
livre de concepções teóricas, ao revés, aquele seria construído por comunidades sociais que
seguem normas, tradições e regras de leitura e interpretação acordadas coletivamente.
49
Dentre seus principais expoentes, destaca-se Karl Mannheim, com a obra ―Pensamento Conservador‖ (1927).
61
Embora haja uma diversidade de correntes, cada qual considerando graus distintos de
implicação do ambiente social sobre a produção intelectual, os estudos desse campo
compartilham a definição do pensar como atividade coletiva, uma vez que, nessa perspectiva,
os meios disponíveis para que expressemos nossas experiências são limitados socialmente.
Afinal, para se comunicar, quer sejam pensamentos ou falas, um indivíduo utiliza um
vocabulário pré-existente, cujos significados determinam, em grande parte, os caminhos do
discurso:
50
O debate lançado por esses autores parte da tese filosófica do externalismo que, há tempos, compõe o campo
das ciências sociais. Tal orientação propõe o entendimento das produções científicas por meio da consideração,
em maior ou menor grau, dos fatores normalmente considerados ―exógenos‖ à própria ciência, i.e., externos à
estrutura teórica, metodológica ou lógica do processo cognitivo. Esses fatores seriam de natureza psicológica ou
sociológica – ambiente social, econômico, político, etc. Sendo que, esses últimos caracterizam as análises
sugeridas pela sociologia da ciência que reconhecem o papel de tais elementos no desenvolvimento das teorias e
mesmo no desenho dos programas de pesquisa. O ‗programa forte‘, apresenta também algumas versões mais
radicalizadas sobre esse debate, as quais declaram: ―It [cultural ambience] determines not only their choices of
problems to investigate, but their so called philosophical conception of nature of science and the criteria of
warrantability that they use in evaluating beliefs‖ (GORDON, 1991, p. 621).
62
51
Por meio do conceito de ‗bloco histórico‘, Gramsci rejeita toda relação mecanicista ou determinista da relação
entre estrutura e superestrutura, entre teoria e prática, ente forças materiais e ideologia. Ao contrário, o autor
defende uma relação de reciprocidade essencial entre esses elementos, qual seria o processo dialético real.
Entende-se, pois, que entre o mundo superestrutural das ideias e o mundo estrutural das relações materiais não há
uma direção unilateral de causalidade, mas sim um movimento dinâmico de relações recíprocas mutáveis
conforme seu desenvolvimento histórico. Para uma discussão aprofundada sobre o conceito gramsciniano de
bloco histórico, ver: PORTELLI, H. Gramsci e o Bloco Histórico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
52
Nesse sentido, o termo refere-se ao quadro amplo de teóricos que, especialmente após a década de 1980,
passam a opor-se ao aos discursos positivistas/empiristas produzidos pela comunidade intelectual anglo-
americana, problematizando-os como o arquétipo da interpretação científica do ocidente moderno, sinônimos da
aplicação de um modelo universal de racionalidade. Tal será a crítica central da chamada ―agenda dissidente‖
nas RI, que, dentre outras questões, aponta o caráter inadequado do modelo positivista para as ciências humanas,
delineando, ao contrário, a necessidade de se fundamentar todo conhecimento sobre o mundo social nas relações
históricas, culturais, ideacionais e de poder que os engloba.
63
53
Nas palavras de Cox, problem-solving theory seria um discurso que ―takes the world as it finds it, with the
prevailing social and power relationships and the institutions into which they are organized, as the given
framework for action. The general aim of problem-solving is to make these relationships and institutions work
smoothly by dealing effectively with particular sources of trouble. Since the general pattern of institutions and
relationships is not called into question, particular problems can be considered in relation to the specialized areas
of activity in which they arise. Problem-solving theories are thus fragmented among a multiplicity of spheres or
aspects of action, each of which assumes a certain stability in the other spheres (which enables them in practice
to be ignored) when confronting a problem arising within its own. The strength of the problem-solving approach
lies in its ability to fix limits or parameters to a problem area and to reduce the statement of a particular problem
to a limited number of variables which are amenable to relatively close and precise examination ‖ (COX, 1981,
p. 128-129).
64
teóricos críticos buscam reconectar o conhecimento teórico aos interesses político-sociais das
sociedades que os contextualizam, destacando o debate acerca da construção da realidade.
Com isso os autores ressaltam a relação dialética entre teoria e prática, de modo que tal
discussão revela o papel ativo do formulador teórico enquanto construtor do mundo.
Entrementes, insere-se a reflexão sobre a natureza social da atividade teórica, na medida em
que o processo de organização intelectual da realidade influi ontologicamente sobre a mesma,
e vice-versa. Deriva-se daí a ideia de que observador e observado estão conectados e, muitas
vezes, exercem efeito constitutivo um sobre o outro.
Desse modo, ―uma ontologia social, sob essa perspectiva da práxis, deve ser
compreendida como um produto social dinâmico, historicamente concreto e contestável‖
(COSTA; SELIS; SOARES, 2009, p.212). Dessa forma, o processo de construção teórica e os
compromissos epistemológicos e ontológicos associados ao neorrealismo passam a ser
atrelados a um contexto sociopolítico concreto. Parte-se, pois, de um conhecimento
―relacional‖, o qual declara ser a ciência da realidade uma função das relações recíprocas
espaciais, temporais e causais entre o objeto e a consciência cognoscente.
Pois então, apoiados nessas acepções, contestamos o status de fato ou de dado das
estruturas e instituições expostas no neorrealismo, investigando suas origens e influências
históricas e sociais. A partir desse estudo, como expõem Robert Cox (1981) e Richard Ashley
(1981, 1986), a teoria neorrealista pode ser percebida como parte da teoria social moderna, a
qual mantém as tensões do período, representadas pelas díades fato/valor, sujeito/objeto,
internacional/doméstico, dentre outras. Assim, entre outros aspectos, a fundamentação teórica
do realismo estrutural é lida, nesse tópico, como possível reflexo de um modus operandi
dominante na produção do conhecimento (racionalidade cientifica), próprio de uma época, de
uma sociedade e de instituições particulares que dele dependem e, por conseguinte, o
promovem. Semelhante à perspectiva de Cox (1981), partimos da ideia de que a tendência
metódica do neorrealismo em objetivar a história pode ser associada ao seu contexto original
da Guerra Fria, implicando um pensamento que constitui, basicamente, ―a concern for the
defence of American Power as a bulwark of the maintenance of order‖ (COX, 1981, p. 131).
54
A utilização de categorias certamente mostrou-se um desafio, dado a intercambialidade entre os níveis
apontados. Esses que, embora apresentados em segmentos, devem ser compreendidos como partes de uma figura
total, cuja causalidade é circular.
55
―The relationship between IR and sociology of science is virtually nonexistent. Sociology of science has
concentrated on the natural sciences, with most of the remaining attention reserved for medicine and law. Of
the fraction left for social science and humanities, most of the attention goes to economics and sociology. A
subdiscipline (IR) within one of the least studied disciplines (political science), there-fore gets no attention
from "professional" sociology of science‖(WÆVER, 1998, p. 691).
66
Durante sua formação e carreira, Kenneth Waltz interagiu com as estruturas macros da
nação estadunidense, como instituições de ensino superior; aparatos governamentais e sociais,
quadros políticos, culturais e históricos. Todavia, o processo de socialização é de natureza
circular, de modo que, para analisá-lo, é preciso reconhecer, também, seu componente micro,
isto é, as trajetórias, experiências e valores individuais daquele autor.
Dessa forma, quando inicia seus estudos universitários no Oberlin College, Waltz opta
pela graduação no campo das ciências exatas, em específico, na área da matemática. Além do
foco nas especialidades desse curso, a graduação nessa área envolvia aulas sobre física,
química e economia57. Logo, sugere-se que tal escolha rendeu à Waltz maior proximidade
com o raciocínio lógico e abstrato, traduzidos na facilidade do autor em transitar entre os
56
As informações transcritas nesse tópico foram em sua maioria obtidas pela entrevista concedida por Kenneth
Waltz em 2003 ao programa ―Conversations with History‖, produzido por Harry Kreisler com apoio do Instituto
de Relações Internacionais da UC-Berkeley. Por esse motivo, optamos por restringir as citações, sintetizando-as
nessa nota geral, de caráter inclusivo. Ademais, as citações diretas referenciadas por ―informação verbal‖ sem
nota fazem menção a essa mesma entrevista, a qual está disponível, em versões audiovisuais, ou transcritas, no
site: http://conversations.berkeley.edu/
57
Informações retiradas do sítio eletrônico do departamento de Matemática da Oberlin College:
http://new.oberlin.edu/arts-and-sciences/departments/mathematics/
67
raciocínios metodológicos das ciências naturais e sociais, conforme expresso na TIP. Nesse
livro, quando disserta sobre a filosofia das ciências, Waltz utiliza um pensamento comparado,
analisando os modelos e técnicas desenvolvidas por Aristóteles, Galileu, Newton, Albert
Einstein, ou, ainda, Henri Poincaré e Werner Heisenberg – todos, nomes reconhecidos pelos
trabalhos no campo da física e matemática58.
No entanto, Waltz não finaliza seu curso nessa especialidade. Este, embora já
avançado, foi interrompido pela decisão do autor em transferir-se para o campo dos estudos
econômicos. Paradoxalmente, tal decisão foi provocada pela insatisfação de Waltz com os
caminhos profissionais oferecidos pela matemática, quais eram: a carreira docente, ou de
pesquisador. A economia, ao contrário, parecia-lhe apresentar opções variadas, como
possíveis cargos no governo, ou no setor privado.
Nesse período, Waltz estreita sua relação com a teoria microeconômica, cujo conteúdo
influi em grande parte de seus trabalhos posteriores – ―It [my work] really is built on a
microeconomic theory, which I would say is the major influence‖ (informação verbal). Nesse
sentido, Waltz ressalta a influência da microeconomia desenvolvida por Adam Smith e seus
seguidores, a qual é avaliada como parte de sua orientação metodológica, ao invés de indicar
um escopo ao qual se dedicou (WALTZ, 1979). Destarte, a construção da perspectiva
neorrealista contou com a incursão de Waltz nos estudos econômicos sobre equilíbrio geral,
condições de informação assimétrica, escolha sob incerteza e aplicações da teoria dos jogos.
Como será assinalado na seção 2.3.2 desse capítulo, nos anos de 1950 tais temas
experimentavam um período de forte debate, reforçado pelas demandas de um novo cenário, a
Guerra Fria. Paralelamente, em 1948, Waltz finalizava sua graduação, mudando-se para Nova
York, onde continuou sua formação superior na Columbia University.
58
Ademais, encontramos no modelo conceitual do realismo estrutural outras heranças do universo da física,
como as aplicações da teoria cibernética, no debate que Waltz elabora sobre os processos de
sociabilização/equilíbrio das unidades estatais sob o efeito da estrutura internacional. A reflexão teórica da
cibernética foi formulada, dentre outros, por Nobert Wiener, cujo livro, Cybernetics: or Control and
Commnucation in the Animal and Machine (1948), consta na bibliografia da TIP, em conjunto com An
introduction to cybernetics (1956) de Ross W. Ashby.
68
The latter dates from my years at Oberlin College where John and Ewart
Lewis led me to feel the fascination of theory and to understand its importance
in the study of politics. Later, at Columbia University I was fortunate enough to
be one of the students of the late Franz Neumann, whose brilliance and
excellence as a teacher can never be forgotten by those who knew him (WALTZ,
1959, xv prefácio).
Dessa forma, migrado para o novo campo, Waltz desenvolve seus estudos dedicando-
se principalmente à teoria política (the major field), não obstante as RI configurassem seu
segundo foco de pesquisa (the minor field). De acordo com o autor, a escolha pela política
internacional como segundo campo deveu-se a sua familiaridade com a economia
internacional, crendo que assim assumiria disciplinas menos distantes de sua formação
anterior.
Porém, quando inicia seus estudos na área das RI, Waltz ateve-se ao temas acerca do
imperialismo e da história diplomática europeia demonstrando pouco interesse pelas demais
disciplinas, como organizações ou direito internacional. Nesse período, Waltz é aconselhado
por um de seus professores, William T. R. Fox59, a dedicar-se a todos domínios que
compunham a área. Destarte, após aproximar-se mais efetivamente da literatura dos estudos
internacionais, Waltz comenta sua dificuldade em traçar um corpo geral e coeso sobre o
assunto, dado o número variado de teorias, com perspectivas e definições distintas.
Empenhado em organizar tais ideias em sua mente e intrigado com o possível motivo dessa
ambiguidade teórica, Waltz chega enfim a uma possível resposta: a razão desse pluralismo
relacionar-se-ia ao fato dos autores utilizarem termos causais diferentes.
Tal insight deu origem ao livro, Man, the State and War (1959), publicado cinco anos
depois de ser apresentado como sua tese de doutorado. Nesse trabalho, Waltz soluciona o
desafio de gerenciar as ideias do campo por meio da criação de três imagens, cada qual
expressando um lócus causal para o fenômeno da guerra, e, por conseguinte, uma categoria
teórica. Por meio desse impulso intelectual de Waltz, podemos identificar um raciocínio
derivado de uma concepção específica de ciência, geralmente vinculada às ciências naturais,
para o qual as análises teóricas são percebidas como ferramentas explanatórias de uma
realidade depurada em relacionamentos causais.
59
Professor Willian T. R. Fox é reconhecido por ter sido um dos pioneiros no estabelecimento dos estudos
sistemáticos sobre diplomacia e guerra como disciplina acadêmica. Dentre outros livros, escreveu The
Superpowers: The United States, Britain and the Soviet Union - Their Responsibility for Peace em 1944, no qual
cunhou o termo ―superpotências‖.
69
Durante a construção dessa proposta, que culminaria em sua tese, Waltz passou um
período, entre 1951 e 1952, servindo o exército na Guerra da Coreia. De volta à Nova York,
por volta do segundo semestre de 1952, Waltz conta novamente com ajuda do professor Fox,
que lhe oferece a posição de pesquisador assistente no Institute of War and Peace Studies,
ainda na Columbia University. Nessa função, Waltz lecionou um ano no curso sobre política
internacional e, conforme declarou: ―spend half of my time on the dissertation and half on
the revision of a manuscript by the historian Alfred Vagts‖ (WALTZ, 2001[1959], viii
prefácio).
Foi entre esses anos, ou mais precisamente, nos anos finais da década de 1960, que
Waltz passa a questionar-se quanto à possibilidade de construir uma teoria sobre a política
internacional, iniciando, a partir de então, um período de estudos focados na área da filosofia
da ciência e antropologia. Neste campo, muitos autores compuseram um corpo importante de
literaturas, como Durkheim, identificado dentre as principais influências sociológicas do
autor.
Os esforços no campo da filosofia das ciências não foram menores. Segundo o próprio
Waltz, obter o domínio dessa área constituiu condição sine qua non para que ele pudesse
construir sua teoria e, por isso, representou grande parcela de suas leituras realizadas naquele
período, que culmina na publicação, em 1979, do famoso livro Theory of International
Politics (TIP). Como apontado no primeiro capítulo, a teoria exposta nessa obra é reconhecida
como fundadora da corrente neorrealista das RI, e está dentre os textos mais lidos, e mais
influentes do campo. Waltz também é autor de Foreign Policy and Democratic Politics: The
60
Waltz também lecionou na Universidade Nacional Australiana, na Universidade de Pequim e na Universidade
de Bologna, além de ter presidido a Associação Americana de Ciência Política (1987-88). Atualmente Kenneth
Waltz é pesquisador sênior do Instituto de estudos de Guerra e Paz ―Arnold A. Saltzman‖ na Universidade
Columbia, onde também é ocupa a cadeira de professor adjunto do departamento de ciência política onde leciona
o seminário Problems of International Political Theory.
70
American and British Experience (1967) e coautor, com Scott Sagan, do livro The Spread of
Nuclear Weapons: A debate (1995); além de diversos artigos, como Nuclear Myths and
Political Realities, premiado como best article pela American Political Science Review, em
1990.
Por fim, cremos que essas contribuições de Waltz perderiam graus significativos de
inteligibilidade caso desconsiderássemos seu papel como expressão social de uma época e de
um país; e, assim seria se fôssemos míopes à influência dos condicionantes sociais e
institucionais que atuaram sobre a produção intelectual daquele autor, que esteve envolto por
sistemas de regras e de tradições específicas. Passemos então, ao olhar detido a tais
ambientes.
Theory is not only the result of knowledge, whereby empirical findings are generalized;
61
theory is also the very condition of knowledge
Dessa forma, compreende-se que a concepção de ciência que Kenneth Waltz julgou
apropriada insere-se num contexto macro (cultural, social e historicamente localizado), qual
seja, os EUA. Por isso, buscamos indicar as condições que teriam sustentado essa consciência
ativa no processo de aquisição do conhecimento, e cujos sujeitos seriam ―grupos de pessoas,
longas linhagens de gerações de homens‖ (ELIAS, 2008, p.546). Assim, tanto a orientação
epistemológica do realismo estrutural, como seu quadro ontológico são lidos por meio das
61
GUZZINI, Stefano. Realism in International Relations and International Political Economy: the
continuing Story of a Death Foretold. New York and London: Routledge, 1998, p. xi (prefácio).
71
It recognizes that every nature human is the product of an enculturation process, and
that cultures may differ from one another in their fundamental conceptions of the
nature of the world […] According to this view, what we call ―scientific knowledge‖
72
reflects the methaphysical beliefs of only a part of humankind, and perhaps indeed
the smaller part. (GORDON, 1991, p. 606).
Nesse raciocínio, partimos da tese de Hoffmann (1977) que sugere uma confiança da
sociedade americana no método científico62, ao qual é atribuída a função motriz do progresso
social. Tal crença constituiria, portanto, o fundamento para as disposições intelectuais do país,
que passa a consultar amplamente o modelo das ciências naturais63 para o estudo das demais
áreas do conhecimento. Segundo Ralf Dahrendorf (2006), os Estados Unidos da América
representam the enlightenment applied, em que a sociedade, além de adepta a inserção dos
métodos racionais no trato dos problemas da vida humana e social, absorveu outras
características centrais da tradição liberal do iluminismo, como os princípios da igualdade,
mobilidade, e comunidade.
Dessa forma, logo nas primeiras décadas do século XX, a sociedade norte-americana
comunica uma tendência metódica pelos modelos das ciências exatas, ou naturais. Naquele
período, marcados pela consolidação nacional e reconstrução econômica, os EUA
aprofundam a crença depositada na capacidade da razão em propiciar soluções neutras e
objetivas aos problemas da sociedade moderna. Assim, presume-se que as questões
emergentes com a delimitação do Estado norte-americano teriam impulsionado os princípios
cartesianos para a racionalidade investigativa interessada no alcance eficaz da previsibilidade.
Com isso, ampliou-se o uso corrente das técnicas científicas, da engenharia social e da
institucionalização de sistemas racionais de regulação e controle da sociedade.
62
Embora seja um termo polissêmico, essa referência ao ―método científico‖ faz menção ao conjunto de práticas
geralmente associadas ao modelo das ciências exatas caracterizado pela investigação empírica e value-free; pela
formulação de hipóteses e pela aplicação de critérios de falsificação. De forma geral, Hoffmann (1977)
argumenta por uma tendência intelectual americana aos desígnios da epistemologia cartesiana.
63
Cabe notarmos que tal argumento não pretende supor uma ausência de correntes filosóficas contrárias ao
modelo racionalista da ciência. A identificação de um determinado programa de pesquisa como predominante
num certo período, ou num determinado ambiente nacional, não pressupõe sua hegemonia absoluta. Muito da
discussão teórica travada nesse capítulo acerca das pesquisas americanas, especialmente após a Segunda Guerra,
centra-se na ampla utilização dos discursos positivistas e racionalistas pelos cientistas políticos de forma geral, e
pelos teóricos das RI, em particular. Todavia, modelos alternativos, como expressos pelas linhas metodológicas
pós-positivistas (no sentido mais inclusivo do termo) também têm demarcado as pesquisas do país, muito
embora, representem uma tendência menos expressiva, em termos relativos e quantitativos (ALKER;
BIERSTEKER, 1984).
73
At the end of the war, a new dogma appeared. One of the social sciences,
economics, was deemed to have met the expectations of the national ideology,
and to have become a science on the model of the exact ones; it was
celebrated for its contribution to the solution of the age-old problems of
scarcity and inequality. This triumph goaded the other social sciences. Political
science, the mother or stepmother of international relations, was particularly
spurred. It was here that the temptation to emulate economics was greatest
(HOFFMANN, 1977, p. 46).
Nessa tradição, em especial nos EUA, os dados e os fatos ganham status privilegiado
por serem considerados instrumentos objetivos e neutros do discurso, ressaltando o espaço
restrito oferecido por essa intelectualidade aos elementos subjetivos, como valores e crenças.
De forma geral, tal compromisso com a secularização das metas sociais e científicas trouxe
para a produção de conhecimento a corrente racionalista, enquanto fundamentação teórica, e o
positivismo, como metodologia.
Nesse sentido, David Easton (1953), Harold Lasswell (1951), Herbet Simon (1965),
dentre outros, guiaram o movimento behaviorista nas décadas de cinquenta e sessenta, o qual
reformulou a epistemologia das ciências sociais combinando o pragmatismo instrumental,
típico do pensamento americano, com o positivismo lógico emergente (AMADAE, 2003).
Assim, conforme as ideias de Lasswell, as principais características da disciplina de ciência
política, por volta de 1950, seriam a interdisciplinaridade, objetividade64, e certo grau de
historicidade;
Lasswell's collaboration with Kaplan, who had been a student of Carnap's, was
one obvious point of intersection. And they had stated in the introduction to
their book (1950) that it reflected a new scientific outlook informed by "a
thorough-going empiricist philosophy of the sciences" based on "logical
positivism, operationalism, instrumentalism". Maybe their position was actually
more justified than informed by this philosophy, but in the face of new
philosophical challenges, political scientists attempted more self-consciously to
ground and articulate their scientific faith. (GUNNELL, 1988, p. 83)
64
Lasswell era sensível aos valores implícitos na política, e na ciência política, por extensão. Todavia, a
aplicação desses fatores subjetivos dar-se-iam apenas no momento de escolha do projeto de estudo. Logo, a
partir dessa decisão, o cientista político deveria manter uma conduta objetiva, ancorada em métodos válidos
(WAGNER et al., 1991, p. 8).
74
Nesse período, os teóricos das RI nos EUA buscaram consolidar sua base científica
por meio do prestígio dos modelos econômicos, ou, em última instância, das ciências naturais.
Destarte, o mainstream no país orientou-se para os discursos da escolha racional, em especial,
referentes à teoria dos jogos. Tal inspiração, como aponta Wæver (1998), foi legada às RIs
pelos debates das outras áreas da ciência política, como a política comparada e política
americana, inseridas na aspiração por bases teóricas sólidas voltadas à aproximação do
modelo positivista na década de 1950/1960.
conceitos, os quais adquiririam precisão e sentido quando conectados à situação que intentam
explicar. Desse modo, reveremos os contextos históricos que condicionaram o realismo
estrutural, perpassando brevemente a origem das ciências sociais enquanto disciplina
formalizada e central às instituições do Estado americano. Ademais, o vínculo entre as RI e a
Ciência Política nos EUA65 majora nossa justificativa para uma reflexão acerca dessa última
área geral, especialmente nas primeiras décadas após a Segunda Guerra Mundial, quando os
contornos da primeira disciplina eram ainda incipientes.
Como sabemos, durante a passagem para o século XX, os estudos sobre a sociedade se
inseriram no processo de modernização das nações ocidentais. Entrementes, a consolidação
das ciências sociais como atividade de pesquisa caracterizou-se por uma vocação investigativa
nos termos daquela transformação societária engajada em questões atentas ao movimento de
racionalização do mundo e ao desenvolvimento da economia nacional e das instituições
representativas do Estado (WAGNER et al., 1991).
65
Nos EUA as RI constitui uma subárea da ciência política, de modo que grande parte de seus autores (como
Waltz) integra o departamento desse campo.
77
66
A administração estatal sob coordenação do presidente Theodore Roosevelt (1901-1909) substanciou essa
linha de intervenção na região. O corolário Roosevelt, como se denominou a atuação expansionista, sustentou-se
sob a autodeclaração norte-americana quanto à função de polícia continental e ao direito de ingerência nos
demais países do continente. Assim, substituindo as nações europeias no papel de fiscalização, Roosevelt declara
em 1904: ―A insistência no erro, da parte de alguma nação americana, poderia exigir a intervenção de outra
‗nação civilizada‘ fazendo com que a fidelidade dos Estados Unidos à Doutrina Monroe nos leve (...) a exercer
um poder de política internacional‖ (ROOSEVELT, 1916, p.8).
78
A vinculação desses fatores com a construção do saber social expõe-se no peso que
esses encerram na formulação científica acerca dos fenômenos humanos no século XX. Isto é,
dado o ambiente de secularização dos valores e do próprio conhecimento na fase de
industrialização, os pesquisadores sociais passam a produzir reflexões segundo critérios
científicos das ciências naturais pautados na busca de um saber empírico e falseável. A
exemplo da reflexão platônica, muitos dos cientistas desse período limitaram a concepção de
racionalidade aos argumentos teóricos que alcançassem uma certeza quase-geométrica
(TOULMIN, 1992). Dessa forma, a física teórica surge como campo padrão para o estudo e
debate racional nas demais áreas.
67
A percepção progressista da sociedade, como sugere Scott Gordon (1991), conectou-se a dois aspectos
relevantes que compunham o cenário intelectual prévio à origem das ciências sociais. Esses seriam: primeiro, a
conexão entre aquele conceito e a própria ascensão do conhecimento científico; e, segundo, a aceitação do
progresso enquanto valor social, voltado ao incremento da vida material e à valorização da vida mundana.
79
ocidente, impulsiona a demanda governamental por uma nova força capaz de controlar e
neutralizar o potencial caótico das políticas democráticas de massa. E assim foram vistas as
ciências sociais no período: uma possível força imparcial e objetiva, cuja aliança com
filantrópicos e agentes políticos impulsionaria seu papel enquanto ferramenta de controle
sobre as decisões da sociedade (AMADAE, 2003).
2.3.2.2 O fortalecimento do Estado nacional e sua inserção nos estudos sociais (1930-
1950)
68
Dentre as agências decorrentes do New Deal, podemos citar: CCC (Civilian Conservation Corps), TVA
(Tennessee Valley Authority), AAA (Agricultural Adjustment Administration), PWA (Public Works
Administration), FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), SEC (Securities and Exchange Commission),
80
Dentre esses valores, destacou-se a noção de cidadania, que foi então ampliada e
vinculada à função nacional. Com isso, implicou-se a predominância cultural do liberalismo
que, por sua vez, atuou no impulso da filosofia racionalista da ciência. Pela ideologia da
época, os estudos científicos sob aquele signo preservavam o princípio da liberdade social,
pois ao esclarecerem as alternativas racionais em curso estavam facilitando as chances de
livre escolha e de controle sobre os fatos (WAGNER et al, 1991). Ademais, as décadas de
1930 e 1940 foram marcadas por autores como Robert Merton e John Dewey que, dentre
outros, promoveram a filiação entre investigação científica e governos democráticos, cujos
ethos apontariam em direção convergente, ambos bastiões do universalismo e da neutralidade
(AMADAE, 2003). E assim, plantou-se a ideia de que tal par constituia polo oposto tanto ao
provincianismo cristão, como aos regimes nazi-fascistas. Desse modo, os valores que
prescreviam a pesquisa nos EUA – busca da verdade, liberdade de investigação, debate e
publicação – legitimavam-se por mostrarem-se consoantes aos mesmos princípios pelos quais
Washington se posicionava no exterior (HOFFMANN, 1977).
É então nesse cenário que ocorre a ampla circulação do termo ciência política, em que
autores como Lasswell, Yehezkel Dror e Alain Enthoven acessam o debate global da
CWA (Civil Works Administration), SSB (Social Security Board), WPA (Works Progress Administration),
NLRB (National Labor Relations Board).
69
Encarregados das políticas públicas, tais agências e consultorias buscaram associar ciência social e os
processos políticos do Estado americano, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial.
81
disciplina argumentando pelo potencial das pesquisas como solução coletiva. Assim, já nos
primeiros anos após a Segunda Guerra (finalizada em 1945), à ciência política confere-se o
papel de estudo ―of the fundamental problems of man in society‖ (LASSWELL, 1951, p. 8).
Isso é, temas relevantes aos regimes democráticos vigentes na Guerra Fria, como os níveis de
emprego, as condições de igualdade e de paz.
Por essa perspectiva, caberia aos pesquisadores uma preocupação com questões de
escopo universal, que escapassem ao mero alinhamento técnico às demandas das burocracias
estatais. Todavia, conforme explica Lasswell (1951), esse último componente não se ausentou
dos objetivos centrais da disciplina nos EUA, que então se revezava entre o desenvolvimento
científico autônomo sobre os processos em curso, e a provisão de informações e
interpretações concretas aos atores políticos da nação70. Tal interação entre o campo teórico e
prático atinge amplo reconhecimento e escopo alargado no pós-1945. De tal modo, o olhar,
antes voltado ao âmbito interno da nação, passa a mirar a paisagem internacional, cada vez
mais atrativa aos pesquisadores dos EUA pela posição inédita deste país no papel de
superpotência.
Segundo a tese defendida por Stefano Guzzini (1998), o novo patamar político
ocupado pelos EUA com início da Guerra Fria criou responsabilidades para as quais a
diplomacia americana não estava preparada. A falta de profissionalismo da elite política do
país tornou necessária a promoção de um curso intensivo: uma formação intelectual ancorada
numa teoria científica que orientasse os tomadores de decisão. Tão logo surge a demanda, os
pensadores realistas assumem o papel de lecionar e formular esse novo conhecimento,
70
Ademais, a defesa do vínculo entre as esferas intelectuais e práticas do campo da ciência política não é inédita,
visto que já apreciada pelas correntes do período entre-guerras, como a ‗filosofia pragmatista americana‘ e a
‗escola de sociologia‘ de Chicago ( Wagner et al, 1991).
82
preservando, em suas variadas vertentes, aquele esforço em estabelecer uma base intelectual
para a aplicação sistemática das produções acadêmicas da área às necessidades dos
formuladores (e executores) políticos.
71
Dentre as quais, exemplificam: a Guerra Mexicano-Americana (1846-1848); a Guerra Hispano-Americana
(1898); a Guerra Civil Americana (1861-19865), dentre outras.
72
O axioma Riga representa um conjunto de visões assim denominadas devido ao local onde estava instalado um
grupo de especialistas no estudo do regime soviético, dentre os quais: George F. Kennan, Loy Henderson e
Charles Bohlen. Após a revolução Bolchevique, Riga, na Letônia, passa a integrar a URSS (GUZZINI, 1998).
73
A ―Doutrina Truman‖ (março de 1947) e seu aprofundamento pelo ―Plano Marshall‖ (junho de 1947)
expressam as aplicações práticas desse programa de contenção do expansionismo soviético. Por outro lado,
alguns anos depois, o conflito entre a nação americana e o Vietnã (1965-73) e os efeitos consequentes
representaram o colapso daquela política de contenção e o início de um período de distensão (détente) das
tensões entre EUA e URSS.
83
base metafísica dos estudos lançados às relações internacionais naquele país. Assim, nesse
período, o fortalecimento dos valores74 realistas, e a presença de imigrantes europeus75 dentre
seu principais autores, trouxe para o campo teórico uma preocupação particular com a
histórica e um interesse especial nas dinâmicas de poder.
For traditionalists, international practice has been seen as more of a practical art than
a natural science. Indeed all traditionalists highly value the study of diplomatic
history, but realists are more likely than communitarians to find in such history
evidence for timeless descriptive and prescriptive laws linking power, survival and
national interests (ALKER; BIERSTEKER, 1984, p. 124-125).
74
―Traditionally, realists have valued prudence, respected the sovereignty of great powers and been concerned
with maintaining world order for one or several of them, while their ‗communitarian‘ opponents (to suggest a
less pejorative label) have sought legal, religious, societal, historical or other communitarian bases for
international government of some kind‖ (ALKER; BIERSTEKER, 1984, p. 124).
75
Especialmente, na figura de Hans Morgenthau .
85
In neorealist eyes [...] classical realists were quite correct in their emphasis on
power, national interest, and the historically effective political agency of the state.
Unfortunately, when held up to modern scientific standards of theory, these classical
realits scholars seemed to fall woefully short (ASHLLEY, 1986, p. 260).
76
Os autores Alker e Biersteker (1984) referem-se ao modelo científico behaviorista por meio de uma concepção
inclusiva. Nessa, são destacados os comprometimentos metódicos comuns aos adeptos de tal modelo, como:
adesão filosófica à apreensão neutra e objetiva da realidade, representada pela estratégia metódica pautada na
construção de hipóteses, empiricamente testáveis; ou, em outras palavras, uma admiração pelo rigor lógico-
empírico das ciências naturais, comprometido com a identificação de leis objetivas, eternas e universais, e com
uma capacidade gerenciamento social, pautado num expertise técnico. Em termos específicos, a tradição
behaviorista seria representada pelas teorias neorrealistas (exemplo, Theory of International Politics, K. Waltz) e
liberal-internacionalista (ex., Power and Interdependence, R. Keohane).
86
compreendido por meio de uma práxis política do país, em especial nos assuntos de defesa e
segurança. Para aquela autora, o desenvolvimento da teoria da escolha racional efetivou-se
inicialmente no âmbito da segurança nacional, passando posteriormente à institucionalização
acadêmica.
Tal cenário intensificou-se dado a ocorrência, em 1962, da conhecida crise dos mísseis
de Cuba; um evento significativo pelo impacto que exerceu sobre o status quo da Guerra Fria.
Em outras palavras, durante essa crise a competição entre as duas superpotências alcançou
níveis mais diretos e conflituosos, o que, somado aos perigos de uma guerra nuclear, agravou
o ambiente de reflexão estratégica. Por conseguinte, esse fenômeno acarretou transformações
no cenário internacional, especialmente com relação a sua agenda que passa a atentar-se aos
cálculos e planejamentos que administrassem as ameaças de um conflito nuclear, encontrando
soluções eficazes.
políticos ao governo, tal grupo representava o prestígio das instituições filantrópicas e civis
que usufruíam de um papel privilegiado frente aos agentes federais. Isso porque, acreditava-se
que, ao contrário desses últimos, os grupos intelectuais seriam suficientemente neutros para
sustentar pesquisas objetivas e desprovidas das controvérsias partidárias (AMADAE, 2003).
Rational choice theory as a social scientific method and rational policy analysis as a
decision technology share key theorists, core ideas, institutional venues, and source
of funding. Any attempt to understand the phenomenal success of rational choice
theory within the social sciences must acknowledge the interconnections between
rational choice as a decision tool for government policy initiatives and as an
explanatory device for predicting the outcomes of human action (AMADAE, 2003,
p. 28).
77
Numa leitura pragmática, tal fidelidade aos desígnios da ciência ocupou função instrumental nas mãos de
Mcnamara. Este que encontrou naqueles métodos um meio eficiente para estabelecer outro critério de
autoridade, que não a experiência militar – ausente em sua formação pessoal. Assim, as técnicas de decisão
racional, dotadas de credibilidade social per si, legitimariam a execução do sistema de defesa proposto,
substituindo o poder dos oficiais militares pelo domínio exercido por Mcnamara, sustentado pela elite tecnocrata
da RAND.
88
Por essa perspectiva, os processos decisórios seriam, pois, esvaziados da política strito
senso, cedendo lugar ao argumento da neutralidade e objetividade da escolha racional e da
autoridade científica. Acreditava-se que o método de resolução de problemas desenvolvido
pela RAND produzia planos realísticos e racionais, sendo assim valorizados por expressarem
resultados supostamente despersonalizados, desburocratizados, e, sobretudo, despolitizados.
As chamadas técnicas de decisão racional expressavam um regime de produção de
conhecimento, orientado a maximizar a capacidade militar em vista de alcançar os objetivos
nacionais; além de promover tecnologias que aperfeiçoassem as escolhas estratégicas, como a
racionalização da gestão por meio do programa de planejamento orçamentário (o ―PPBS‖).
78
Ressaltando os princípios cartesianos subscritos na consciência social americana, a ação de intervenção estatal
é descrita, e legitimada, como um processo de racionalização do mercado de trabalho e da produção, mediante a
aplicação de controles sociais. Isso é, ao invés de constituírem custos, legitimados por aparato moral, as políticas
sociais representariam investimentos preventivos e racionais, em vista do desenvolvimento econômico da nação.
89
Dessa forma, a ampla validação dos modelos econômicos de racionalidade nos EUA
seria credora de sua institucionalização anterior como prática social, que facilitou sua
circulação, antes mesmo de um reconhecimento acadêmico. Na perspectiva de Amadae
(2003), o modelo do ator racional estratégico inaugurado pela teoria dos jogos na década de
1940, antes de se tornar popular entre os economistas, já era utilizado para o estudo das duas
superpotências integradas pelo conflito nuclear. Assim, a crescente relevância do
Departamento de Defesa no país, seguida pela implantação ampliada dos planejamentos
orçamentários e das análises de sistema sobre a máquina estatal norte-americana, geraram
demandas por profissionais qualificados, de modo a avançar tal influência sobre os currículos
universitários.
Conforme aponta a pesquisa de Amadae (2003), grande parte dos autores vinculados
ao modelo metodológico racional da economia (que, como exposto no capítulo 1, influi nas
bases metódicas de Waltz) esteve associada a esse mecanismo triplo, entre a sociedade, os
pesquisadores e as agências federais. E assim, Kenneth Arrow, um dos grandes nomes ligados
79
A agência Office of Economic Opportunity (OEO) foi criada em 1964 pelo presidente Lyndon Johnson, como
parte da agenda legislativa para reforma nacional (Great Society). Àquele órgão foi delegada a função de
coordenação dos programas sociais do governo, incluindo as ações do War on Poverty.
90
a escolha racional, formulou Social Choice and Individual Values no verão de 1948 enquanto
compunha o quadro dos pesquisadores da RAND Corporation. Do mesmo modo, Anthony
Downs, James Buchanan, e Mancur Olson, importantes autores do campo, integraram o corpo
de consultores da RAND nos anos anteriores à formulação de seus textos.
Tal ideia ganha eco acadêmico no premiado artigo de Waltz, The Spread of Nuclear
Weapons, publicado em 1981, no qual o autor formula uma explicação racional para a paz
derivada do conflito nuclear. No entanto, cabe notarmos que o fundamento para essas noções
já preenchia as reflexões de Waltz há alguns anos, como vemos no popular Theory of
International Politics, ou What will the spread of nuclear weapons do to the world?
International Political Effects of the Spread of Nuclear Weapons, ambos publicados em 1979.
80
Ao relembrar tal contexto, Kenneth Waltz (informação verbal) ressalta o aspecto controverso que a percepção
de um mundo reorganizado em dois polos possuía nas conversas acadêmicas e políticas da época. Afinal, como
declara o autor, durante o curso inicial da Guerra Fria as ideias sobre o papel da Europa, ou mesmo sobre os
desígnios do bloco soviético ainda eram bastante nebulosas.
91
racional dedicado aos temas consoantes à segurança nacional. Se nos atentarmos à produção
bibliográfica daquele autor, podemos notar uma progressão paralela às transformações
temáticas e metódicas assinaladas pelos condicionantes político-sociais. Dessa forma,
enquanto as publicações81 de Waltz, entre 1959 e 1962, caracterizaram-se por debates
filosóficos e teóricos, sobretudo sobre a temática das guerras, a partir de 1964 em diante,
assumem tom pragmático, em que grande parte dos artigos e livros discorre sobre análises
voltadas às políticas de segurança e defesa, em especial sobre a guerra nuclear, ou acerca das
características e formas de gerenciamento da estrutura internacional82.
O modo pelo qual Waltz abordou a temática do conflito interestatal no final da década
de 1970 foi geralmente considerado normativamente controverso aos temores da época. Esse
adjetivo, oferecido pelo próprio autor – ―realism is, to put it mildly, controversial‖ (WALTZ,
81
Em 1959, Waltz publicou: Political Philosophy and the Study of International Relations: Theoretical Aspects
of International Relations; Man, the State, and War: A Theoretical Analysis e, Reason, Will, and Weapons. Três
anos depois, em junho de 1962, foi editado Kant, Liberalism, and War.
82
Ver tabela na página 94 e 95
92
Assim, embora com focos analíticos divergentes, grande parte dos estudos da década
de 1970 e início de 1980, como também os programas de pós-graduação em Relações
Internacionais das principais universidades americanas, mantiveram a predileção pelo
interesse técnico da ciência, investido em teorias orientadas por explicações causais,
delegando uma posição secundária às construções metodologicamente direcionadas ao
entendimento interpretativo, ou ao viés crítico (BIERSKETER, 2009). Logo, ao passo que tal
83
Détente é um termo francês, referente a ―relaxamento‖ ou ―distensão‖. Esse termo tem sido geralmente
vinculado à política internacional em curso no final da década de 1960 até o início de 1980, quando, durante a
Guerra Fria, há uma redução da tensão entre os EUA e a URSS. Para mais informações, ver: GARTHOFF,
Raymond L. Détente and confrontation: American-Soviet relations from Nixon to Reagan, revised edition.
Washington: The Brookings Institution Press, 1994.
84
Dentre os pesquisadores que romperam com o estudo restrito ao terceiro nível de analise, destacamos Graham
T. Allison, cuja formulação teórica, publicada em 1971, argumentou a favor da relevância das variáveis
domésticas (burocracias, organizações, processos cognitivo, etc.) na compreensão dos processos decisórios da
política externa dos Estados, utilizando, para tal, um estudo das decisões políticas envolvendo o caso específico
dos mísseis em Cuba. No aspecto teórico, Allison propôs quatro modelos analíticos: 1. Modelo do ator racional
(causalidade: estratégia internacional); 2. Modelo do processo organizacional (causalidade: burocracias); 3.
Modelo da política governamental (causalidade: estratégias domésticas); 4. Modelo cognitivo (causalidade:
psicologia) (ALLISON, 1971).
85
Dentre esses autores, ver: KEOHANE, R.; NYE, J. Power and Interdependence: World Politics in
Transition. 1977.; KRASNER, S. (ed) International Regimes. New York: Cornell University Press, 1983.;
HASS, E. Beyond the Nations State. Stanford: Stanford University Press, 1964.
93
período tenha possibilitado a abertura do campo das RI à discussão, ele o fez principalmente
em termos ontológicos, deixando as questões de natureza metodológicas à parte dos
embates86.
To manage is to control, and the responsible ―manager‖ that tries to lead the world
needs to understand its dynamics in causal terms. Scholars become engaged in this
larger project, not because they all necessarily want to ―advise the Prince‖ (…), but
because they tend to share the assumptions of the political leadership that the world
needs to be managed, that we should conceptualize and address issues on a global
scale, and that it is important to try to make the world a better place. Causal models
and arguments serve this function, and the academy is actively engaged in their
production. (BIERSKETER, 2009, p. 323).
86
A este momento, geralmente denota-se o termo ―debate neo-neo‖ por envolver um período essencialmente
centrado nas discussões teóricas entre as versões neorrealistas e neoliberais das teorias de RI. A princípio, as
partes constituintes desse debate despontam como perspectivas distintas voltadas, cada qual, para o estudo de
uma esfera particular do sistema – uma centrada nas questões de natureza essencialmente político-estratégicas, e
a outra focada nas questões sobre a economia política internacional. Todavia, em termos epistemológicos, o
debate torna-se mais um diálogo, uma vez que ambas as vertentes partem de uma percepção racionalista da
ciência. Em suma, as características centrais do debate, responsáveis por diferenciar os polos, são de natureza
essencialmente ontológica, derivadas das reflexões que cada vertente realiza sobre: a natureza e conseqüência da
anarquia; os ganhos absolutos e ganhos relativos; a atuação das instituições e a possibilidade de cooperação; etc.
94
realiza no livro Realism and International Politics (2008), por meio da qual seus trabalhos,
entre livros e artigos, são divididos em quatro categorias: Teoria, Política Internacional,
Relações Militares e Política Externa87. Lembramos que, naquele livro, Waltz classifica 23 de
seus principais artigos. Para essa análise, acrescentamos outras 24 publicações, a fim de
obtermos uma visão mais ampla sobre a produção intelectual de Waltz entre 1950 e 2000.
Quadro 1
Principais títulos de artigos e de livros de Kenneth Waltz, classificados conforme ano de
publicação e categorias (Teoria, Política Internacional, Relações Militares e Política Externa).
Fins de 1950
1 -―Man, the State, and War: a theoretical analysis‖ (1959)
Teoria
2 - "Political philosophy and the study of international relations" (1959)
Política
Internacional
Relações
Militares 1 - "Reason, will, and weapons" (1959)*
Política Externa
Década de 1960
1 - "Kant, liberalism and war" (1962)*
Teoria
2 - "Realities, Assumptions and Simulations" (1968)
1 -―The stability of a bipolar world‖ (1964)*
Política 2 - "Contention and management in international relations" (1965)*
Internacional 3 - "International structure, national force, and the balance of world power"
(1967)*
Relações
Militares
1 - "The politics of peace" (1967)*
2 - "Foreign policy and democratic politics: the american and british
Política Externa
experience" (1967)
3 - "The politics of british military policy" (1968)
Década de 1970
1 - "Conflict in world politics" (1971)*
Teoria 2 - "Theory of International Relations" (1975)
3 - "Theory of International Relations" (1979)
Política 1 - The myth of national interdependence (1970)*
Internacional 2 - "Interdependence in Theory and Practice" (1978)
Relações 1 - "The use of force: military power and international politics" (1971)
Militares 2 - "What will the spread of nuclear weapons do to the world?" (1979)
1 - "America's European policy viewed in global perspective" (1974)*
Política Externa
2 - "Foreign Policy: An Anthology of Syllabi" (1970)
87
Tais classes dizem respeito à natureza das questões discutidas, ou, ao menos, à sua perspectiva central.
Explicitamos, contudo, a dificuldade de se traçar uma única especialidade a um texto, o qual normalmente
mescla questões representadas por cada uma das categorias, sendo elas próprias bastante intercambiáveis. Porém,
nosso propósito não é o de um estudo taxológico preciso dessas publicações, mas sim de uma compreensão das
possíveis dinâmicas da consciência intelectual coletiva do autor. Nesse sentido, justificamos nossa opção por
seguir a lógica de classificação realizada pelo próprio Waltz, a qual por si reflete uma autoimagem dos assuntos
considerados mais pertinentes e centrais a sua produção.
95
Quadro 1 (Continuação)
Principais títulos de artigos e de livros de Kenneth Waltz, classificados conforme ano de
publicação e categorias (Teoria, Política Internacional, Relações Militares e Política Externa).
Década de 1980
1 - "Reflections on Theory of International Politics: a response to my
Teoria critics" (1986)*
2 - "The origins of war in neorealist theory" (1988)*
Política
Internacional
1 - "A Strategy for the rapid deployment force" (1981)
Relações 2 - "The spread of nuclear weapons" (1981)
Militares 3 - "The central balance and security in Northeast Asia" (1982)
4 - "Toward nuclear peace" (1983)*
5 - "Yes to minimal deterrence, No to abolition" (1988)
6 - "Strategic defenses and the problem of War" (1989)
Política Externa 1 - "Another gap?" (1981)*
Década de 1990
1 - "Realist thought and neorealist theory" (1990)*
Teoria 2 - "Evaluating theories" (1997)*
3 - "International Politics is Not Foreign Policy" (1996)
1 - "The emerging structure of international politics" (1993)*
Política
2 - "The new world order" (1993)
Internacional
3 - "Globalization and governance" (1999)*
1 - "Nuclear myths and political realities" (1990)*
2 - "On the nature of states and their recourse to violence" (1990)
Relações
3 - "The spread of nuclear weapons: a debate" (1995)
Militares
4 - "A reply" (to critics of Sagan and Waltz) (1995)*
5 - "Thoughts about virtual nuclear arsenals" (1997)
1 - "America as a model for the world? A foreign policy perspective"
Política Externa (1991)*
2 - "East-West relations after the Cold War" (1997)
Anos 2000
Teoria 1 - "Thoughts about assaying theories" (2003)*
Política 1 - "Structural realism after the Cold War" (2000)*
Internacional 2 - "The continuity of international politics" (2002)*
Relações 1 - The spread of nuclear wapons: a debate Renewed" (2002)
Militares 2 - "NATO's expansion: a realist view" (2000)
Política Externa
Gráfico 1
Porcentagem relativa das produções conforme categoria/ano.
70%
60%
50%
40% Teoria
Política Internacional
30%
Temas militares
20% Política Externa
10%
0%
1950 1960 1970 1980 1990 2000
A partir desse quadro, percebemos que, no final da década de 1950, quando Waltz
titula-se doutor, as preferências pela teoria política prevalecem. Já na década de 1960,
captamos a prevalência dos trabalhos analíticos (75%), os quais se dividiam,
equilibradamente, entre ―política internacional‖ e ―política externa‖. Desses, todos, com
exceção de um, tratam de uma ordem gerida por políticas de poder associando-se, pois, a
temas como a bipolaridade e políticas militares. Já nos anos de 1970, a categoria teórica ganha
impulso pela publicação da TIP, embora as demais áreas continuem significativas. Nesse
grupo, destaca-se a nova questão da interdependência, nos estudos sobre a política
internacional, e o incremento da categoria militar renovada pelas reflexões sobre as estratégias
nucleares.
No campo das teorias, vale ressalva quanto à convergência ontológica aos temas
citados, geralmente preocupados com o gerenciamento das relações internacionais e a
compreensão dos mecanismos causais em curso nas dinâmicas de poder. Como é sabido,
durante as décadas supracitadas, enquanto a Guerra Fria atingia os picos, ora da deterrence,
ora da détente, Waltz dedicou-se ao estudo dos efeitos estruturantes do sistema internacional
no comportamento geral das unidades. Partindo do princípio sobre a natureza anárquica da
ordem externa, o autor elabora sobre a fragilidade das relações pacíficas dentre seus
elementos, os Estados, decorrentes da dificuldade de se administrar os riscos e equilibrar os
interesses numa realidade tensionada. Dessa forma, Waltz conclui a relevância de questionar-
se sobre as melhores condições de gerenciamento dos eventos e contextos instáveis do
sistema: se numa estrutura bipolar, ou se multipolar.
97
88
Isso porque contesta-se a real natureza do mecanismo nuclear, se um ‗reforço‘, ou se uma ‗causa‘. Ou seja, em
condições preenchidas pela presença nuclear, a estabilidade relacionar-se-ia à organização bipolar da estrutura,
ou à existência per si das armas de destruição em massa? Seguindo esse raciocínio, e sob o julgo positivista, tal
inferência acerca da qualidade estável da bipolaridade parece fugir aos propósitos do neorrealismo (centrado na
explicação dos efeitos da estrutura sobre as dinâmicas de balanceamento entre os Estados), refletindo muito
possivelmente a influência da realidade da Guerra Fria sobre os raciocínios do autor, ao invés de uma derivação
lógica de seus pressupostos teóricos (HUMPHERYS, 2006).
98
Although Waltz seeks to show how multipolar and bipolar systems differ, thus
demonstrating the importance of system structure, his theory explains only that
states pursuing survival in an anarchic system will balance and that more balancing
options are available in multipolar systems. His general account of the nature of
bipolar systems draws heavily on the particular history of the Cold War
(HUMPHREYS, 2006, p. 156).
Por isso, na visão de Humphreys, a conclusão de Waltz acerca das características das
relações bipolares, não constituiria uma inferência estrutural genuína, mas, pelo contrário,
uma resposta às condições específicas das tensões entre a URSS e os EUA. Ou seja, ao
apontar uma transformação do nível das unidades (obtenção de tecnologia nuclear) capaz de
influir num efeito estrutural (a guerra) – ―hot wars originate in the structure of international
politics. So does the Cold War, with its temperature kept low by the presence of nuclear
weapons‖ (WALTZ, 1988 p. 628 grifo nosso) – Waltz exemplifica seu papel como sujeito
histórico, inserido num grupo social com interesses específicos. Nesse horizonte, ―the vision
of the Cold War that Waltz reproduces is distinctly realist: Waltz largely ignores factors not
directly related to the dynamics of power politics‖(HUMPHREYS, 2006, p. 168).
Por fim, tais reflexões analíticas sobre o trabalho teórico de Waltz serão retomadas no
próximo capítulo. Por ora, apoiado nos apontamentos desse tópico, nosso olhar orienta-se a
conclusão, segundo a qual a teoria neorrealista inaugurada na TIP resultaria de uma soma
entre passado e presente, no qual os princípios da realpolitik do realismo clássico (política de
poder) são reunidos aos elementos epistemológicos e metódicos de um debate nacional que
lhe era contemporâneo (década de 1960 e 1970). Ademais, a proposta do realismo estrutural
acrescentou as preocupações com o novo fenômeno nuclear, e a prudência estratégica
(realismo defensivo) de um período em que cada movimento deveria ser calculado no quadro
de equilíbrios possíveis. Com isso, a teoria neorrealista absorveu sua posição social inserida
nos quadros de uma superpotência, expressando um ‗mundo social‘ centrado na agenda
política dos EUA, para a qual os demais países e eventos externos àquela constituiriam fator
marginal. Ou seja, constesta-se a validade universal das pressupostos dessa teoria, por meio
do esclarecimento de seus fundamentos sociais e vínculos históricos.
In the late nineteenth century when the separate organizations split out from the
American Social Science Association, they shared "a commitment to an empirical,
often and increasingly quantitative, methodology and to some conception of the
usefulness of scientific knowledge for the allegedly neutral solution of social
problems (WAGNER et al., 1991, p. 347).
se, à época, a escola de Chicago que atuou como vanguarda do movimento em prol de um
conhecimento metódico e congruente às problemáticas urbano-industriais do período
(WAGNER; WITTROCK; WOLLMANN, 1991).
Desse modo, além dos esforços internos da academia, revelou-se o importante apoio
da iniciativa privada. Fundações como o grupo Rockefeller e Carnegie representaram suportes
significativos no processo inicial de criação de institutos de pesquisa. Tais fundações também
apoiaram projetos governamentais, como na administração de Herbet Hoover (1929-1933)
com o programa President’s Research Committee on Social Trends89.
89
President's Committee on Social Trends foi criado em 1929 pelo presidente Herbert Hoover. Para ele, as
ciências sociais eram capazes de obter conclusões para o progresso social a partir da acumulação e estudos de
dados estatísticos. Assim, tal comitê constituía um grupo composto por cientistas sociais e oficiais das fundações
dedicados na coleta de informações sobre as principais instituições sociais e seus comportamentos. Wesley
Mitchell, economista da Columbia University, foi o presidente de tal instituição, compartilhando com o
presidente Hoover, a perspectiva de uma ciência quantitativa. No cargo de diretores e assistentes de pesquisas,
havia dois outros docentes da Columbia, quais foram William Ogburn e Howard Odum. O relatório final do
comitê, Recent Social Trends, finalizou-se em 1932, incluindo temas diversificados, como questões agrícolas,
tributação e finanças públicas. Todavia, embora bem elaborado, o documento sofreu críticas quanto à sua
utilidade devido às deficiências do método empírico. Essas falhas resultaram da confiança na obviedade e
neutralidade dos dados, que implicou um relatório sem qualquer tipo de comentário que interpretasse as
estatísticas, ou fizesse sugestões de políticas públicas, visto que tais análises eram considerados desvios
subjetivos. Ver: Karl, Barry D. Presidential Planning and Social Research: Mr. Hoover's Experts. In:
Perspectives in American History, p. 347-409, 1969.
102
No entanto, a década de 1960 marca o ponto de viragem dessa relação, que atinge
níveis mais profundos e profissionais. Assim, o tom consultivo é substituído pela reunião, de
fato, entre elementos acadêmicos e os membros tradicionais das agências federais, em que os
primeiros passam a atuar como uma espécie de ―procônsules‖ (HOFFMANN, 1977, p.49).
Logo, desenvolvem-se importantes redes de intercâmbio profissional entre pesquisadores,
fundações filantrópicas, e as demandas do governo – como exemplificado na seção 2.3.2.3
pela relação entre think-tanks (RAND Corporation), financiamento privado (Fundação Ford),
universidades (pesquisadores Havard, MIT) e governo (Departamento de Defesa).
Por outro lado, relembramos nosso intuito em operar com um trabalho teórico segundo
a posição social e a autoimagem de seu autor, Kenneth Waltz, por meio do qual justificamos
nosso desvelamento do campo pela ótica dos pesquisadores norte-americanos. Por isso,
voltando para a reflexão quanto ao saldo da transição de um modelo associativo para uma
ciência social profissionalizada e especializada podemos, igualmente, enxergá-lo por meio de
lentes distintas. Na visão de Shils (1970), a criação de um padrão analítico estável e durável
para os estudos sociais, representou um avanço intelectual significativo; ao passo que, pela
perspectivas mais críticas (HORKHEIMER, 2000; ASHLEY, 1984), aquela mesma
transformação iniciou o movimento pelo qual os pesquisadores norte-americanos demarcaram
seu espaço no campo, definindo os fundamentos da ciência social moderna por meio de
vocábulos positivistas e a-históricos, os quais orientam a conhecida postura tecnocrata das
investigações dos cientistas políticos do país.
Em um estudo mais recente, Biersteker (2009) reforçou tal caráter dos currículos
acadêmicos em Relações Internacionais nos EUA. Segundo o autor, os principais
departamentos das universidades93 americanas, que oferecem doutorado no campo das RI,
possuem orientação teórica racionalista e positivista, com destaque especial a UC-Berkeley94
que apresentou 70% do programa curricular concentrado em literaturas epistemologicamente
voltadas à escolha racional aplicada95.
Logo, a pouca abertura às produções exteriores reforçou-se por meio dos corpos
editoriais dos principais jornais e revistas do campo, que atuaram no fortalecimento da
tendência à reprodução intelectual entre os pesquisadores nos EUA, especialmente com
relação à orientação epistemológica. A análise de Wæver96 (1998) acerca das orientações
metateóricas dos meios de publicação científica do campo contribui para essa reflexão. O
olhar transversal dessa pesquisa nos permite captar de modo mais nítido a intersecção entre as
tradições ideológicas nacionais e as linhas de investigação respectivas, pela qual se conclui o
contraste entre um interesse teórico europeu pelo construtivismo e pós-modernismo, e a
preferência americana pelos discursos da escolha racional. Assim, se comparados à Inglaterra,
os intelectuais estadunidenses particularizam-se pela valorização da sofisticação metódica e
empírica nas pesquisas, ao passo que, noutro país, destaca-se a inclinação intelectual ao tom
96
De forma geral, o autor analisa os quatro principais veículos de publicação acadêmica sobre RI entre 1970-95,
dos quais, dois são americanos (International Studies Quarterly e International Organization) e os outros dois,
europeus (European Journal of International Relations e Review of International Studies). Em termos
taxômicos, Wæver (1998) cria 5 categorias ( ―1-formalized rational choice, game theory, and modeling; 2-
quantitative studies; 3- nonformalized rationalism; 4- non-postmodern constructivism; and 5- the radicals")
em torno do eixo epistemológico, racionalistas-reflexistas. Com isso, identifica-se que as três filiações
racionalistas somavam 77.9% dos textos publicados na International Studies Quarterly, e 63.9% daqueles
promovidos pela I.O.; enquanto que, as duas formas de ―reflexisvismo‖, representavam, nesses mesmos jornais,
apenas 7.8% e 25% das publicações respectivas. Na contramão das comunicações americanas, as mídias
europeias apresentaram na pesquisa de Wæver uma média de 42.3% (European Journal) e 17.4% (Review of
International Studies) de textos racionalistas, ao passo que as metodologias pós-positivistas configuraram um
geral de 40.4% e 40.6% das produções de tais revistas (WÆVER, 1998, p. 702).
106
filosófico e moral nos estudos (WAGNER et al., 1991). Sobre esse assunto, Steve Smith
corrobora:
Dentre as razões para essa disposição da disciplina das Relações Internacionais nos
EUA, Wæver explica:
Although the Realpolitik tradition was the main import from Europe, this is not
simply the story of "the fall of realism": Waltz's realism is (in this sense)
liberal realism and very much an Americanized form of theory. Neorealism's
microeconomic reformulation of realism is probably the clearest example of de-
Europeanization. Liberalism has become the shared premise of American
mainstream rationalism (WÆVER, 1998, p. 722)
Tais parâmetros não são particulares ao neorrealismo formulado por Waltz; mas, ao
contrário, expressam tendências do mainstream da disciplina das RI nos EUA. Por fim, como
conclui Steve Smith, ―in the U.S. the central feature is the dominance of rationalism, with an
emerging consensus around rational choice theory as a method, and this has the powerful
effect of defining what counts as acceptable scholarship‖ (2002, p.81). Assim, ao revés do que
buscamos identificar nesse capítulo, a tendência racionalista predominante na disciplina
americana conduziu seus autores a prescindirem a autorreflexão acerca dos vínculos históricos
entre suas teorias e o contexto político, social e cultural que os englobam. Em substituição,
naquele modelo, os teóricos frequentemente entendem sua atividade como um exercício
debruçado sobre ―um mundo exterior‖ ao qual é possível aplicar os imperativos da razão
científica, constituindo um padrão seletivo e valorativo para as demais investigações.
Nesse sentido, como argumenta Walker (1987), ao invés de representar uma posição
teórica per si, o realismo político é compreendido como um dos lados de um debate delineado
por disputas metafísicas: ―claims to realism in international political theory carry meanings
and implications from a much broader discourse about politics and philosophy‖ (WALKER,
1987, p.67). Por isso, as dificuldades do neorrealismo em captar as transformações e as
práticas das relações internacionais contemporâneas não se devem apenas às aspirações
universalistas sobre o estudo da política internacional, mas também, e talvez
fundamentalmente, em termos do desafio que o historicismo representava para o pensamento
110
filosófico iluminista (WALKER, 1987). Esse, que influiu amplamente no modo de ser e
pensar da sociedade americana, de modo que a análise dos aportes neorrealistas torna-se um
exercício indissociável do olhar sobre a ciência moderna.
Thus gender inequalities are either domestic politics or private or both, and
questions of migration, the environment, human rights and cultural clashes either are
seen as falling outside the core of the discipline or are features to be studied
according to the canon of the social science enterprise, which thereby reconstitutes
them as atomistic and external. Similarly, the massive economic inequalities in the
world are seen as having to do with the discipline of economics, or as falling into the
field of domestic politics or development (SMITH, 2002, p. 82).
Ademais, a importância dessa reflexão é majorada pelo quadro ainda não consolidado
de estudos brasileiros que versem sobre as teorias de Relações Internacionais, sob uma
perspectiva localizada. Nesse sentido, a presente proposta reafirma sua composição sincera –
embora incipiente – ao movimento de estudo comprometido com uma leitura contemporânea
dos modelos conceituais preponderantes, como expressos no neorrealismo, realizada por meio
de lentes historicamente marginalizadas, como as do Brasil e dos demais países em
desenvolvimento, ou subdesenvolvidos.
Por fim, crê-se que os dois capítulos apresentados lançaram suportes interpretativos
importantes para a construção do debate posterior, por meio do qual se possa balancear a
aplicabilidade da teoria neorrealista aos fenômenos contemporâneos, bem como pensar os
efeitos de sua adoção por países com identidades distintas daquelas que deram origem aos
conceitos de Waltz. A perspectiva sociológica exposta nesse capítulo expõe a importância dos
atores e intelectuais externos ao contexto norte-americano ―reflect upon just how much of
what are assumed by U.S. scholars to be global, timeless patterns, experiences, or
universalizing tendencies are in fact the product of a particular American concern and
perspective at a given point in time (BIERSTEKER, 2009, p. 321). Ou seja, a necessidade de
repensarmos o conteúdo de nossa agenda de estudos.
Em parte, são essas as questões que permeiam o pano de fundo do capítulo seguinte
que, a partir dessa perspectiva da teoria como construto social – e não mais uma expressão
verossímil per si – pode, então, empreender sua análise metateórica, que visa problematizar o
neorrealismo avaliando sua influência sobre nossos aparatos cognitivos e, por conseguinte,
sobre nossos ‗horizontes de expectativas‘ vinculados a ação social. Afinal, como se intentou
analisar, a interpretação do realismo está associada a um modo de pensar desenvolvido nos
EUA e na Europa, o qual é informado por acepções filosóficas e políticas específicas. Nesse
sentido, analisaremos a imagem da política internacional proposta por essa teoria, a partir de
seu conceito sobre o sujeito político e suas potencialidades de agência. Com isso, almeja-se
identificar as possíveis consequências políticas e, não raro, éticas, da predominância
metodológica e filosófica do modelo neorrealista sobre o campo geral das RI.
112
Margem da palavra
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
Rosa da palavra97
3.1 Introdução
97
Cf. VELOSO, Caetano; NASCIMENTO, Milton [Compositores]. A Terceira Margem do Rio. Intérprete:
VELOSO, Caetano. In: VELOSO, Caetano. Circuladô Vivo. São Paulo: Polygram, 1992. 1 CD (ca. 1h. 5 min.).
Faixa 10 (4 min. 32 s).
113
98
Da mesma forma, percebe-se na categorização entre Racionalistas e Reflexivistas - realizada por Keohane na
International Studies Association, ISA, em 1988 - a corroboração dos critérios de objetividade científica como
condição de validação teórica na disciplina. Afinal, como aponta James Der Derian, as críticas de Keohane
possuem uma insinuação implícita de que um 'programa de pesquisa genuíno' está pautado nos ditames
iluminados da reflexão racionalista, em contraposição à produção pós-positivista (DER DERIAN, 1990)
115
frakfurtianos, por meio do qual as intenções originárias de Waltz sofrem inversões durante
seu desenvolvimento.
Pois, são esses os apontamentos centrais do debate travado nessa terceira parte,
quando, de posse das explicações dos capítulos anteriores, edificamos uma reflexão acerca
dos desdobramentos conceituais do neorrealismo, segundo uma perspectiva voltada aos
efeitos daquele processo teórico de adequação da realidade a um modelo específico de
objetividade. Tal recorte auxilia na edificação de questões relevantes para um
equacionamento crítico do problema da razão instrumental, em que focamos na atuação dos
agentes políticos:
Ashley (1986), a influência que a microeconomia encerrou na teoria de Waltz, resultou numa
dependência fulcral desta para com os conceitos elaborados na esfera do ator unitário (os
Estados); sem os quais a definição da estrutura como força independente não seria possível.
Sendo assim, desenvolvemos nosso estudo entre aquelas margens, ou seja, sobre as
entrelinhas dos conceitos que envolvem os agentes políticos, partindo da ideia de que a teoria
neorrealista formula uma concepção de autonomia das unidades, que nega a heteronomia
como componente da relação entre elas, ao passo que, dialeticamente, a radicaliza na
mediação entre o agente e a estrutura. Em ambos os casos, o produto seria um processo de
desativação do ator político, enquanto unidade crítica e criativa. Mais especificamente,
propomos que os conceitos neorrealistas operam sob a alienação99 da história como práxis
social, culminando na prescrição da política como uma espécie de ―egoísmo generalizado‖
associado à automatização das ações sociais pela subordinação da liberdade às pressões
estruturais.
99
Conforme apresentado no ―Dicionário do pensamento Marxista‖ (1988), a alienação, no sentido que lhe é dado
por Marx, seria a ―ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade
se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados aos resultados ou produtos de sua própria
atividade (e à atividade ela mesma) e/ou à natureza na qual vivem, e/ou a outros seres humanos, e também a si
mesmos (às suas possibilidades humanas construídas historicamente)‖ (BOTTOMORE, 1988, p.5). Assim, a
alienação ou auto-alienação adviria da desativação do sujeito histórico, que ocorre quando sua configuração é
tomada como única e verdadeira, logo, invariável; ou quando o mundo sobre o qual atua já está dado a ponto de
não poder agir de forma prática e crítica (no sentido revolucionário). Enquanto fato objetivo, a alienação
resumiria uma categoria sociológica que expressa a transformação objetiva da atividade do homem, ou da
sociedade, numa força independente que lhe domina e lhe é contrária, conduzindo o sujeito ativo à objeto no
processo social. (BOTTOMORE, 1988).
100
Essa ideia faz referência à formulação de Ashley (1981), segundo a qual o estruturalismo neorrealista nega a
dimensão histórica de quatro formas: como progresso, como prática, como poder e como política. Naquele
segundo sentido, a negação se faz sobre o ator político destituído de suas qualidades de sujeito consciente e
potencialmente transformador da realidade, o qual se encontra, pois, silenciado.
101
A expressão adverbial ―radicalizada‘ faz-se necessária por compor a causa central da subordinação do sujeito
à estrutura. Isso porque cremos que a heteronomia, como define Onuf (1989), constitui condição implicada a
toda interação social. Portanto, o questionamento não recai sobre a estrutura gerar influência em seus
componentes, qual seria condição sine qua non da relação, mas sim sobre a radicalidade dessa heteronomia que,
sem contrapartida constitutiva por parte dos elementos, acaba exercendo o domínio, ao invés da co-constituição
sobre aqueles. Ou seja, a heteronomia, embora antinomia da autonomia, não seria sua negação, mas sim uma
relação dialética. Já, por ―heteronomia radicalizada‖, lemos uma relação de ‗dominação‘, essa sim pressupondo
relações de subordinação.
117
Por fim, além da argumentação crítica, empreenderemos breves arguições acerca dos
modelos alternativos ao exposto por Waltz. Nesse sentido, ressaltamos a concepção mais
inclusiva de estrutura social, em que se estabelece uma relação dialógica entre as unidades, e
entre essas e a estrutura. Tal mediação refere-se, especialmente, às propostas distintas de
racionalidade e de autonomia dos atores sociais, decorrente de uma visão epistemológica
também diferente do neorrealismo. Nesse sentido, projeta-se o olhar sociológico das vertentes
pós-positivistas como mecanismo capaz de inserir a ação política social numa perspectiva
sistêmica sem que essa recaia num objetivismo mecanicista, ou no extremo oposto, o
subjetivismo.
estrutura social subscrita às práticas políticas. Tal estrutura dinamiza seus componentes pelo
princípio chave da anarquia, segundo o qual a independência entre as partes, dotadas de
autonomia, cria espontaneamente um ambiente competitivo, gerador de um equilíbrio entre as
partes.
Porém, quando confrontada com a vivência prática dialógica dos indivíduos entre si e
com a sociedade, essa condição de uma autonomia como ―ser para si‖, torna-se problemática
uma vez que despojada de predicados de co-constituição socializantes. Nesse sentido, no
âmbito metódico, a assunção dessa acepção de liberdade só pode ser efetivada se restrita ao
plano formal. Ou seja, se objetivada pela postulação de um mundo social estanque, onde as
particularidades do domínio humano são mecanizadas pela confluência com o mundo natural,
de modo que as diferenças entre os atores é reduzida ―to the standardized expression of their
abstract individuality, namely, the pursuit of self-interest‖ (MARCUSE, 1988, p.150).
Nesse cenário, o sujeito exerce sua autonomia em função de uma relação objetivada
com os demais elementos, e os resultados coletivos compõem uma realidade externa,
espontânea, e independente das esferas intersubjetivas. Todavia, sob tais condições, excluídas
de contingências, o sujeito é despojado de suas potencialidades de transformação,
submetendo-se aos imperativos da determinação. Com isso, revela-se o possível processo
dialético da ciência social naturalista: os sujeitos, desprovidos de prática, tornam-se ―vítimas‖
da própria lei transcendental que autonomamente criaram. Ou seja, a própria autonomia,
102
Voltando-se às reflexões filosóficas precedentes, tal concepção de autonomia, vinculada à ideia de
subjetivação livre dos imperativos sociais, remete-nos às categorias criadas por Immanuel Kant quando discute a
questão da moralidade. Nos termos desse intelectual, a autonomia esta vinculada à capacidade da razão humana
em criar normas e fins éticos, independentemente de experiências exteriores. Dessa forma, propõe-se que as
regras às quais os homens se submetem derivam de uma lei moral que reside em si próprios; com isso, o homem,
inserido no mundo social ou dos costumes – per se um espaço indeterminado –, é capaz de se autodeterminar,
seguindo apenas sua vontade autônoma. Em oposição, a heteronomia representa o enfraquecimento daquela
‗razão pura‘ pelo exercício prevalente da faculdade dos desejos. Ou seja, nesse caso, a definição da ação realiza-
se condicionalmente aos elementos contingentes da situação, que dominam as determinações estratégicas. Tais
conceitos são dotados de sentido transcendental, de modo que a heteronomia despojada dos atributos de
liberdade estaria vinculada ao mundo natural e às leis que a regem, sendo, por isso, um contexto da
determinação, desprovido de caminhos para a ativação do indivíduo, qual seria a máxima da autonomia.
120
quando inserida no domínio das forças naturais, revela-se dominação, afinal, ―como a
realidade subjetiva e a realidade social são ‗naturalizadas‘ de modo a ocultar sua origem
humana, os valores e códigos de conduta permanecem praticamente impermeáveis à revisão
crítica‖ (INGRAM, 1994, p. 44-45).
A fim de compreender esse processo dialético, comecemos pelo que julgamos sua
causa: a escolha metodológica de Waltz. Como assinalado, a concepção neorrealista sobre a
estrutura política advém de um quadro científico pautado na racionalização das políticas
internacionais. Segundo Horkheimer (2000), a instrumentalização da razão científica limita a
funcionalidade dos conceitos à sumarização técnica e auxiliar dos dados factuais. Assim, com
intuito de organizar e esclarecer a base objetiva, a teoria dissocia os fenômenos sociais
estudados de suas potencialidades contingentes, criando conceitos fundados na continuidade,
da qual retiram seu valor como instrumentos úteis ao controle intelectual dos acontecimentos.
seriam aquelas relacionadas ao nível dos processos – da interação entre as partes, para além
da relação organizacional reconhecida. Entrementes, a noção multicausal da ação social, em
que o ator modela sua conduta a partir da interação com sistemas social, cultural e individual,
é substituída pelo modelo posicional da estrutura, no qual os agentes relacionam-se
considerando apenas suas dimensões materiais.
103
Entrevista concedida por Kenneth Waltz em 2003 ao programa ―Conversations with History‖, produzido por
Harry Kreisler com apoio do Instituto de Relações Internacionais da UC-Berkeley.
122
realização de dado objetivo. Insere-se, pois, a lógica da consequência como único filtro social
das condutas – ―Behaviors are selected for their consequences‖ (WALTZ, 1979, p.76).
Neste ponto, insere-se uma reflexão importante acerca das implicações da restrição
subjetiva do ator aos atributos materiais. Como sabemos, a distribuição desigual das
capacidades geram uma hierarquia entre as posições, capaz de desfazer a ilusão de uma
competição justa, de modo que a ordem internacional ―it‘s one which the major actors, those
of greater capability, set the scene in which the others must act‖ (WALTZ, informação
verbal)104. Logo, a ficção dos estados livres é expressa concretamente na noção de que
104
Idem nota 103.
123
―competitive systems are regulated, so to speak, by the ‗rationality‘ of the more successful
competitors‖ (WALTZ, 1979, p. 76).
Once socialized, an individual acts as expected in a role, not necessarily for any
conscious reason, but because she has internalized the particular behavior associated
with the position. Acting in such a way, therefore, becomes an individual preference
— although a product of the social system, the individual perceives the role‘s
mandate as a personal need (GODDARD; NEXON, 2005 p. 20).
Por essa perspectiva normalizada, o ator torna-se sujeito consciente e ativo, quando
existem regras que o facultem à participação social. Em outras palavras, seu comportamento
dependerá do modo em que a ‗ação‘ e a ‗norma‘ são relacionadas, ou mediadas. Como
assinalado, no neorrealismo tal mediação é realizada pela noção de racionalidade instrumental
(capacidade que unidades têm de calcular os custos e escolher a melhor conduta dentre as
demais) que surge como solução metodológica aos propósitos positivista da ciência, a fim de
homogeneizar as condutas dos atores, mediando uniformemente a ação das unidades e as
normas comportamentais da estrutura.
dentro das fronteiras instrumentais caracterizaria a individualização da ação social, visto que
apartada das dimensões sociais e culturais do processo de subjetivação, e de todo atributo
móbil, não relacionado à identidade pré-estruturada. Nessa concepção, o sujeito é desposado
daquilo que Weber denota como ―racionalidade substantiva‖, ou que Habermas define como
―razão prática‖ – ambas relacionadas à capacidade do ator conferir julgamentos aos fins e aos
meios.
Por conseguinte, o ator social descrito nesses termos, quando inserido num coletivo
com regulamentos estipulados, tenderia à postura de adequação comportamental. Dessa
forma, a questão pedagógica da socialização é reduzida à assimilação e à obediência das
regras, em que os ‗educandos‘, embora se achem autônomos, estariam assimilando uma
norma disposta heteronimamente. É neste aspecto que a racionalidade estatal, conforme
definida por Waltz, perderia sua espontaneidade e produtividade criativa, ou seja, perderia sua
própria subjetividade.
Nesse cenário, a história como prática é substituída por uma espécie de escapismo
moral e de conduta apolítica, pelos quais a única responsabilidade a que os Estados menores
125
Por esse quadro, os atores mais fracos ajustam seu comportamento ao modelo disposto
pelas posições hegemônicas esperando, assim, receber os benefícios da segurança, e não
sofrerem os efeitos deletérios da conduta desviante. A tendência ao simulacro especular do
comportamento das superpotências mostra-se, pois, uma decorrência da racionalidade
instrumental, conforme disposta pelo neorrealismo. Ademais, as normas internalizadas pelo
medo das sanções atuam como restrição das condutas em prol da preservação da estrutura
social. Por isso, os comportamentos prescritos pela estrutura neorrealista projetam uma
relação mimética entre os atores, de modo que ser racional assemelha-se a não ser refratário,
conduzindo ao conformismo com a realidade tal como ela é disposta.
Para alguns analistas, tal ausência de um elemento progressivo aponta uma incoerência
de Waltz com seu suporte sociológico durkheimiano. Conforme apontou Buzan e Albert
(2010), Waltz opera com uma diferenciação segmentada para referir-se ao ambiente
internacional. Nessa perspectiva, ―differentiation is where every social subsystem is the equal
of, and functionally similar to, every other social subsystem […] In IR it points to anarchic
systems of states as ‗like units‘‖ (BUZAN; ALBERT, 2010, p. 318). Assim, estabeleceu-se
uma equivalência entre a ordem internacional, e a solidariedade mecânica de Durkheim.
Todavia, essa postura refletiria uma interpretação problemática das propostas desse sociólogo,
afinal, segundo Ruggie, Waltz abstraiu a fator da ―densidade dinâmica‖, que, nos termos de
Durkheim, seria o elemento capaz de alterar os fatos sociais, e que englobaria ―the quantity,
velocity, and diversity of transactions that go on within society‖ (RUGGIE, 1986, p. 148) .
capaz de conferir um senso histórico à estrutura, uma vez que seu reconhecimento ampliaria o
conceito de estrutura, inserindo outras variáveis que impulsionariam a transferência da
coletividade de uma organização segmentada (sistema), para uma forma mais complexa de
diferenciação (sociedade). Assim dentre as forças motivacionais da evolução social, a ideia de
Durkheim sobre a densidade dinâmica representa o vetor material capaz de levar a ordem
internacional até uma forma de sociedade diferenciada funcionalmente, e gerida pela coesão
orgânica (BUZAN; ALBERT, 2010).
ainda, ―the tendency towards equilibrium is a necessary result of the analytical assumptions of
the theory itself, not a by-product of feedback mechanisms that can be traced empirically‖
(GODDARD; NEXON, 2005, p.33).
Nas palavras de Dessler, ―Rationality is thus not merely an assumption about the
manner in which nations calculate and act; it is also an assumption about the means through
which those actions are carried out‖ (DESSLER, 1989, p. 459). Nessa sentença, o autor expõe
como a aplicação da racionalidade do tipo instrumental, orientada por valores utilitários,
constitui uma escolha metodologicamente viável à perpetuação de um ambiente competitivo
não conflituoso. Por meio dela, as ações (ou os meios) consoantes ao interesse em si refletem
a interiorização das regras comportamentais prescrita pela estrutura, uma vez que só ganham
sentido se assimiladas num contexto competitivo, no qual, então, tal seria a conduta bem
sucedida. Nesse sentido;
There is a latent normative element which derives from the assumption of neo-realist
theory: security within the postulate inter-state system depends upon each of the
major actors understanding this system in the same way, that is to say, upon each of
them adopting neo-realist rationality as a guide to action. Neo-realist theory derives
from its foundations the prediction that actors, from their experiences within the
system, will tend to think in this way, but the theory also performs a proselytizing
function as the advocate of this form of rationality (COX, 1981, p. 132).
metódicas, resulta uma reflexão prática significativa, qual seria: a problemática da elevação
de uma definição de realidade, isso é, de uma perspectiva imersa numa dimensão cultural
particular, ao status de ideal. Perspectiva essa que, dado os condicionantes assinalados no
segundo capítulo, aproximar-se-ia do imaginário político norte-americano. Nesse mesmo
sentido, problematiza-se a possível função ideológica desdobrada dos postulados
metodológicos que prescrevem a subordinação dos atores à normatividade da estrutura
anárquica. Afinal, a proposta de Waltz absorve um comprometimento com a formulação de
um campo sociopolítico associado à normatividade prescrita pela lógica política competitiva,
sintomática das lentes das superpotências, como os EUA. Nesse cenário, os efeitos práticos da
desativação conceitual dos atores políticos frente à anarquia revelam-se especialmente
problemáticos, uma vez que denunciam as consequências políticas da adoção, por parte dos
países menores, de uma perspectiva fundada numa ‗teoria da ação social‘ que prescreve o
automatismo e a adaptação como linhas normativas centrais da prática internacional.
Moreover, the assumption of fixity is not merely a convenience of method, but also
an ideological bias. Problem-solving theories can be represented in the broader
perspective of critical theory, as serving a particular national, sectional, or class
interest, which are comfortable within the given order (COX, 1981, p. 129).
Tal revelação, antes de apontar uma crítica metódica, demonstra a limitação política
daquele discurso. Ou seja, não se questiona essencialmente a existência de um
posicionamento normativo, uma vez que, a nosso ver, toda teoria política pressupõe graus de
natureza prescritiva. O que de fato problematizamos é a pretensão científica do neorrealismo
em omitir tal propriedade, mantendo os imperativos realistas, sob o bastião da ciência
objetiva, que qualificaria seu discurso como neutro, e, logo, ‗real‘. Dessa forma, os intérpretes
130
Esse enunciado, contudo, não pretende negar a elegância e o poder que a ferramenta
neorrealista apresenta do ponto de vista explanatório, e para determinados fenômenos. Por
outro lado, reflete-se sobre como o fôlego simplificador de seus conceitos efetivou-se à custa
da ‗respiração‘ das entidades sociais, que perdem o qualitativo animado e crítico para se
postularem como unidades homogênias, igualmente esvaziadas de atributos culturais ou
ideacionais, substituídos por raciocínios rotinizados.
Como assinalado no começo dessa seção, Waltz define a objetivação da arena política
como geradora da igualdade, e da liberdade, entre as unidades. Dessa forma, apoiado na
‗impessoalidade‘ ou ‗indiferença‘ da interação sistêmica, aquele autor consegue provar a
capacidade da estrutura (assim como o mercado é descrito pela microeconomia) em exercer
suas próprias condições de normatividade. Todavia, cria-se uma esfera pública com fins
impassíveis de avaliação crítica, visto que se estabelece atores desprovidos das
potencialidades morais, afetivas, e de memória histórica. Entrementes, o postulado do
individualismo mostrou-se consistente com a teoria estrutural neorrealista, ambos inscritos
num movimento tendente à dominação burocrática da imaginação política.
Tal efeito será analisado no tópico seguinte, no qual questionamos as lacunas práticas
deixadas pela incompatibilidade entre as exigências sociais de uma sociedade composta por
relações dialógicas, e a imagem neorrealista desenhada pela justaposição estática das
unidades, governadas por leis externas.
uma ontologia social capaz de submeter seus componentes a uma teleologia social
competitiva.
Dessa forma, a metodologia das ciências exatas (importada para as RI) abstrai-se da
função de esclarecer questões éticas relativas, por exemplo, à justiça social, à normatização do
ambiente internacional, ou à autoridade política. Nesse sentido, insere-se o processo de
autonomia da ciência moderna que associamos à abstração de Descartes sobre os modelos da
ética, da história e da poesia, de forma que o neorrealismo partiu da mesma dissociação, da
qual se opôs moralidade e política. Desse modo, influenciado pelas concepções da ciência
moderna, o neorrealismo focou-se na competência técnica, desconsiderando os demais
aspectos de análise e interpretação, como os componentes prático-morais e prático-estéticos.
Logo, enquanto força produtiva, tal saber atuaria no reforço daquela tecnocracia disposta
pelos aparatos sociais, reduzindo as questões práticas ao fim do progresso técnico-científico.
Este que, então, transporia a fundamentação do conhecimento para atingir as esferas de
proposições normativas que coordenam a sociedade, de modo que a noção de reificação se
estenderia aos domínios da subjetividade e intersubjetividade da vida prática.
reprodução social, que entendemos como um processo de ativação solidária dos sujeitos. Sob
esse intuito, Habermas confronta as garantias positivistas relacionadas à certeza
epistemológica, a partir da noção de intersubjetividade da vida social, que rompe com a
filosofia do sujeito, substituindo-a por uma teoria social. Nesse sentido, o autor sugere uma
perspectiva dual da sociedade, postulada entre o ‗mundo vivo‘ e o ‗sistema‘, que
correspondem a diferentes domínios da interação social, inseridos na recuperação intelectual
da teoria da ação. Logo, em cada esfera predomina um tipo específico de conduta social: ação
comunicativa e ação estratégica, respectivamente.
Por outro lado, como assinalado na seção anterior, a concepção neorrealista assume
uma consideração estreita da lógica constitutiva da ordem internacional, a qual se refere
unicamente à satisfação sistêmico-racional das necessidades da sociedade. Logo, a explicação
da socialização neorrealista realizou-se pela omissão dos elementos teóricos da ação, o que
teria garantido um estudo fora das questões da ―personality/subjectivity, intentionality and
normative theory‖ (WEBER, 2005, p.206). Apoiado numa esfera à parte dos mecanismos de
entendimento mútuo, o neorrealismo adota uma perspectiva monolítica da racionalidade
estendendo para todo domínio da socialização dos Estados um tipo de relação objetivada e
orientada em termos estratégicos.
Acordado com essa reflexão, esse tópico contesta a extensão absoluta daqueles
pressupostos às esferas da vida política internacional onde historicamente coexistem outras
formas de ação, para além da lógica monolítica da racionalidade econômica. Propomos que tal
postura revela a tensão gerada na contradição entre as condições normativas de reprodução
social, que geram expectativas de participação coletiva, e os requisitos da política de poder,
que exige a manutenção da posição estrutural pela apropriação privada do status de potência
No tópico anterior, vimos que tal abstração implicou uma relação agente-estrutura do
tipo regulatória, por meio do qual as unidades precisam conformar suas condutas à
normatividade da estrutura. E quanto à relação entre os agentes, qual teoria da ação desdobra-
se da racionalidade instrumental? Embora Waltz não se detenha sobre essa esfera, sua teoria
constrói-se essencialmente sobre ela, sendo o equilíbrio de poder um mecanismo fundado
num tipo específico de interação, qual seria a conduta estratégica.
Este último caso espelha a definição de Waltz e apresenta uma interação realizada de
forma objetivada, em que os elementos da relação se entendem como meio para alcançar seus
fins privados. Ressalta-se neste aspecto uma concepção pré-social da racionalidade, que
abstrai a formação identitária realizada pela interação dos componentes da comunidade
internacional. Ou seja, evidencia-se o uso técnico desse vocábulo, a racionalidade,
direcionada à eficácia e não ao consenso social da realidade, visto que situada fora da esfera
do universo da relação dos sujeitos, e por isso distante da ideia de ação social dialógica
(SILVA, 2001). Assim, de acordo com a ação política estratégica definida pelo neorrealismo,
os atores são tidos como egoístas e racionais e o sistema dinamizado pelas suas atitudes e
coerções calculadas. A função dessa conduta seria influenciar seu opositor, cuja orientação
central foca-se no êxito.
136
The obvious difficulty with it is that the segmentary/mechanical form is lifted from a
sociological context in which Durkheim understood it as a type of society integrated
by a shared identity (Larkins, 1994: 252), and moved to an IR one in which it is
understood as a mere system, operating mechanically as an anarchic struggle for
power/survival without any integrating social content […] Durkheim‘s
mechanical/segmentary logic presupposes a social context, whereas Waltz‘s
anarchic system one precisely does not (BUZAN; ALBERT, 2010, p. 324).
Because Waltz has narrowed the meaning of functional differentiation down into the
purely political (functions of government, sovereignty), his reading of Durkheim can
only go from segmentary to stratificatory. Being purely political, Waltz‘s ‗functional
differentiation‘ is not, and cannot be, functional differentiation in the sociological
meaning because only one sector — politics — is in play. It can only be
stratificatory differentiation, a point underlined by Waltz‘s focus on great powers
and polarity (BUZAN; ALBERT, 2010, p. 324).
105
Buzan (1993) aponta para a sistematização do sociólogo alemão Ferdinand Tönnies, que distinguiu as formas
de organização social entre dois tipos: Gemeinschaft e Gesellschaft. O primeiro termo refere-se às
―comunidades‖ impulsionadas pela vontade essencial (força orgânica e instintiva), em que os laços são
construídos com base em sentimentos, experiências e identidade comuns. Gesellschaft, por sua vez, denotaria as
―associações‖ impessoais, baseadas no raciocínio instrumental de defesa do autointeresse, e caracterizadas pelo
contrato devido à heterogeneidade dos sistemas de crenças. Nesta última, predominam as ações utilitariamente
calculadas, em que pesam as considerações de eficiência política e econômica, enquanto nas sociedades do tipo
gemeinschaft prevaleceriam os laços sentimentais e tradicionais entre os indivíduos.
137
Dessa forma, o foco nas característica políticas e materialistas teria eximido Waltz de
construir uma teoria social sobre a PI. A remoção do elemento social exclui os setores de
atividade não envolvidos com a dimensão política nos termos de Vestfália. Logo, a noção de
territorialidade nacional é inscrita como o limite entre os subsistemas reconhecidos.
Instituições e atores que atuem fora desse modelo são silenciados. Por sua vez, o mecanismo
impessoal do poder (no seu sentido material) é tomado como único mediador da coordenação
social na arena política internacional.
Like positivist science, technical realism conceives of itself as value neutral and tries
not at all to establish an objective basis for values, ethics, and ends. In so doing,
though, it implicitly sanctions a particular kind of ethics: a decisionistic ethics
based only on the individual actor's personal commitment, belief, or faith
(ASHLEY, 1981, p. 233).
106
Sobre as faculdades do juízo, Kant estabelece duas categorias: juízo determinante e o juízo reflexivo. Com
relação ao primeiro, delimitam-se as situações em que o agente, para avaliar determinado caso, utiliza o
raciocínio técnico, pautado na aplicação de regras, leis ou princípios pré-estabelecidos a casos particulares, a
fim de, então, julgar sua qualidade. Em outras palavras, a faculdade do julgar determinante seria ―a capacidade
de subsumir a regras, isto é, de discernir se algo se encontra subordinado a dada regra, ou não‖ (KANT, 1989,
p. 177-178). Por outro lado, nas situações em que não haja tais critérios a priori, ou seja, quando tratar-se de
um caso novo, sem precedentes, o ator deve aplicar o juízo reflexionante. Este consiste, pois, no processo de
reflexão em que só o particular é dado, de modo que a classificação deve ser feita a partir da ipseidade do
julgado. Por meio desse último raciocínio, evita-se a prática tecnificada, uma vez que não se toma como
parâmetro uma norma ditada anteriormente, mas sim a existência concreta da situação, que, então, liberaria a
razão para o raciocínio espontâneo.
139
Dessa forma, o exercício da política representaria uma relação negativa entre essa
atividade e a ética comunitária. Afinal, a aplicação do julgamento moral é indissociável da
condição de liberdade no processo de escolha, de modo que nas condições extremas, onde
domina a lei da causalidade, ou a lei da razão pura, tal esfera de julgamento seria supérflua,
visto que já se configura sob os imperativos do mundo sensível, ou inteligível. Nesses casos
de ausência dialógica, o sentido de liberdade associa-se à esfera privada, e, com isso, o
sentido autônomo do interesse público global é submetido ao plano secundário, visto que sua
realidade passa a estar meramente vinculada à articulação racional dos interesses estatais,
definidos em termos de poder. Como afirma Enrique Dussel, o utilitarismo tende a simplificar
ao máximo a ordem ética e política para, com isso, poder controlar racionalmente a estratégia
militar, o business econômico e político (2000, p. 109). Nesse sentido, a racionalização da
estrutura internacional implicaria na perda de sentido ―sintomática da fragmentação da
sociedade em egos isolados, movidos pelo autointeresse, desprovidos de fibra moral, do
sentido compartilhado de valor e de propósito necessário para distinguir a personalidade e o
caráter‖ (INGRAM, 1994, p. 91).
Dessa forma, a agência política dos atores é preterida das chances de transformação de
suas relações através da comunicação e dos valores e regras das instituições, bem como
limitada em sua capacidade de edificar modelos alternativos de organização política. Afinal,
os tipos de interesses envolvidos no jogo estratégico seriam unicamente individuais, não
havendo uma distinção entre a vontade pública e privada. A preponderância conceitual da
anarquia como um espaço destituído do componente social e organizado por interesses
egoístas favorece, então, o processo de desagregação coletiva. Tal condição resultou
teoricamente na abstração de estados permanentes de cooperação e ações consensuais, de
forma geral.
Spatially, the principle of state sovereignty fixes a clear demarcation between life
inside and outside a centred political community. Within states, universalists
aspirations to the good, the true and the beautiful may be realizable, but only within
a spatially delimited territory (WALKER, 1993, p. 62).
As long as at least some powers find guidance in the theory, grasp objective
forces identified in it, and, wielding these forces, bend others to the system within
which their own success is assured, the technical theoretical base of realism
proves itself in its own terms (ASHLEY, 1981, p.225).
Dessa forma, os ecos prescritivos da teoria lançam questões sobre as relações de poder
que impulsionam a legitimação, e manutenção, do aporte teórico neorrealista como discurso
central para a formulação da imaginação política sobre as relações internacionais, em especial
nas academias da América continental, onde ainda haveria um tipo de colonialismo
intelectual. Essa problemática majora-se por referir-se ainda à manutenção de uma concepção
de política, muitas vezes em descompasso com as demandas contemporâneas dos países
menos desenvolvidos. Afinal, embora confluente com o período da Guerra Fria, esse discurso
parece perder fôlego analítico frente a um quadro político diverso, e cada vez mais
necessitado de uma retomada humanista;
ou seja, às instituições e aos indivíduos que, por força de investidura política, estão
delas incumbidos (MARTINS, 2001, p.15).
Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra107
107
Cf. VELOSO, Caetano; NASCIMENTO, Milton [Compositores]. A Terceira Margem do Rio. Intérprete:
VELOSO, Caetano. In: VELOSO, Caetano. Circuladô Vivo. São Paulo: Polygram, 1992. 1 CD (ca. 1h. 5 min.).
Faixa 10 (4 min. 32 s).
144
neorrealista, focados na busca por aberturas emancipatórias da ação dos sujeitos, sejam eles
indivíduos ou coletividades.
verdades‘. Dessa forma, a consolidação e coerência da ciência são conseguidas pela produção
e reprodução de alteridades oprimidas‖ (COSTA; SELIS; SOARES, 2009, p.212).
Para tais linhas, a adoção monolítica do discurso cientificista pelo neorrealismo gerou
certas anomalias conceituais, produzidas pela inadequação dos métodos que negam a
intersubjetividade do mundo social. Nesse raciocínio, intelectuais, como Roger Epp (1998),
argumentam sobre a vulnerabilidade da orientação neorrealista em relação aos processos
surgidos com o fim do conflito bipolar, e aos subsequentes desafios interpretativistas
colocados ao positivismo. Simultaneamente, destaca-se a retomada de fôlego das correntes
antes marginalizadas, cujos conceitos têm expandido a disciplina das RI em termos espaciais,
culturais e cronológicos.
108
Cf. TICKNER, J. Ann. You Just Don´t Understand: Troubled Engagements between Feminists and IR
Theorists. International Studies Quarterly, v.41, n.4, p. 611-632, 1997.; _______. What Is Your Research
Program? Some Feminism Answers to International Relations Methodological Questions. International Studies
Quarterly, v.49, p.1-21, 2005. Ou ainda: SYLVESTER, Christine. The Contributions of Feminist Theory to
International Relations. In: SMITH, S.; BOOTH, K.; ZALEWSKI, M. (Orgs). International Theory:
Positivism and Beyond. Cambridge: Cambridge University Press, p 254-278, 1996.
109
Da mesma forma, Alex Bellamy (2005) considera a concepção de Sociedade Internacional uma contribuição
conceitual importante, por operar simultaneamente com elementos de tensão – cooperação e conflito – do mundo
político, capaz de identificar as fontes de mudanças e as forças causais desta realidade. Em suas palavras: Most
147
Nesse sentido, destacam-se as reflexões que leem a sociedade internacional como algo
semelhante a ―experiência dialógica‖ em torno de bases normativas de coexistência. Nessa
linha, Andrew Linklater111, ou os conhecidos construtivistas, Nicholas Onuf e Friedrich
Kratochwill, dentre outros, declaram a importância do interesse prático-hermenêutico na
análise da ordem internacional. Tais autores acentuam o papel da racionalidade normativa que
implica efeito constitutivo sobre as identidades. Ou seja, assumem os agentes enquanto
entidades conectadas ao ambiente social e ao sistema coletivo de significados compartilhados
– sejam esses, normas (expectativa coletiva sobre um comportamento adequado para uma
dada identidade), ou o próprio conhecimento sobre as relações sociais.
significantly, the School's approach combines a concept of international society that captures elements of
conflict and cooperation in world politics and the tension between the pursuit of order and the promotion of
justice with a form of methodological pluralism that promises to generate significant empirical insight on the
subject (BELLAMY, 2005, p. 3).
110
Tais elementos normativos característicos dessa Escola derivam, em grande parte, da obra de Hedley Bull, The
Anarchical Society (2002), na qual o autor expõs sete proposições centrais que, de forma geral, constroem um
guia normativo, voltado à defesa da vida, verdade e propriedade – definidas como os três objetivos elementares e
universais da vida social. Essas premissas são traduzidas na esfera internacional pela limitação da violência entre
Estados, pela observância dos acordos internacionais, e, por fim, pela segurança das propriedades pertencentes à
jurisdição de cada soberania estatal. Dentre os sete pontos, ressalta-se, também, a busca por ordem e justiça,
motivadas pela ação das regras e instituições que compõem a sociedade internacional moderna; concluindo com
a crença progressista na eficácia desta estrutura (SUGANAMI, 2005). Sendo assim, Bull tratou o cenário
internacional sob a perspectiva do sistema de Estados nacionais, porém, diferentemente dos realistas, postulou
que tais unidades, embora soberanas, poderiam submeter suas ações às instituições de regulação comum,
edificando uma comunidade. A estabilidade da ordem adviria, então, dessa base comum relacionada aos
interesses, valores, normas e instituições que compõem a sociedade internacional.
111
Linklater compõe a nova geração da conhecida Escola Inglesa, agora voltada aos desafios apontados pela
configuração contemporânea das relações internacionais. Dentre os nomes ligados à esse novo grupo, temos:
Nicholas Wheeler, Samuel Makinda, Tonny Knudsen, Tim Dunne, Jennifer M. Welsh, Roger Epp, Iver B.
Newmann, Andrew Hurrell e Kai Alderson. Os componentes dessa corrente tendem a aproximar-se do debate
pós-positivista, particularizado pelo comprometimento com a construção de uma agenda ética cosmopolita,
facilitada pelos potenciais normativos dos textos clássicos. Com base nas formulações de Habermas, Linklater
procura resgatar a dimensão ética das questões suscitadas pelas relações internacionais, em específico pela
dualidade cidadão/estrangeiro. Dessa forma, aquele autor questiona as práticas de exclusão providas pela divisão
do mundo em coletividades nacionais, por meio de uma ética do discurso, a qual crê ser capaz de acessar uma
racionalidade prático-moral, responsável pela criação de normas, instituições e ações associadas aos interesses da
humanidade como um todo, e não apenas entre os cidadãos de um mesmo país.
148
112
De acordo com Risse (2000) o construtivismo engloba tanto a lógica da adequação, como o que ele chama de
―lógica argumentativa‖. Esta ultima atua nos momentos em que os atores sociais desafiam os critérios de
validação inerentes às afirmações causais (discursos teóricos) ou normativas (discursos práticos) e assim buscam
um consenso comunicativo sobre seus entendimentos das situações e justificativas para seus princípios.
Pressupõe-se, pois, que no ambiente discursivo as preferências e interesses dos atores não são fixas, mas, pelo
contrário, estão sujeitas a contestações.
113
De modo geral, os debates contemporâneos em política externa vêm reconhecendo cada vez mais o impacto
dos fatores ideacionais sobre os conteúdos e rumos dos processos decisórios e seus desdobramentos. Nas
palavras de Hudson (2007), tal iluminação cria um ponto de intersecção entre os determinantes materiais e
ideacionais do comportamento político. Assim, os construtivistas têm sugerido um modelo teórico mais
dinâmico e criativo aos estudos tradicionais das RI, uma vez que põe em cheque a noção de uma realidade
objetiva, chamando atenção para a construção social da mesma.
149
114
Todavia, cabe ressaltarmos a consciência quanto à característica complexa dos fenômenos humanos, que, não
raro, admitem condicionantes múltiplos e distintos para um único objeto. Dessa maneira, como aponta Risse
(2000), as análises devem partir de uma perspectiva dialética do comportamento dos atores internacionais,
alocando-o dentro de um continuum, pelo qual se desenvolvem ações alternadas e mescladas entre os três tipos
ideais (racionalidade instrumental, o raciocínio normativo, ou a lógica comunicativa). Portanto, durante a
atividade analítica, reconhece-se não só a coexistência entre os tipos de racionalidade, mas também seu
atrelamento recíproco que origina um movimento contínuo de construção, em que cada lógica pode assumir
graus distintos de intensidade conforme espaço e tempo. Com isso, o sistema internacional perderia seu aspecto
estático prescrito pelas teorias neorrealistas, passando a assumir vetores de transformação e de intersecção entre
os agentes e a estrutura.
150
115
Segundo Risse (2000), o tipo de agência estudada pelo construtivismo constitui um ferramental útil para as
análises voltadas ao entendimento do espaço público internacional. Nesse último âmbito, a variável
intersubjetiva permite que aprofundemos nosso entendimento sobre como os atores acordam sobre as regras
básicas da negociação, e alcançam níveis ‗ótimos‘ de cooperação. Ademais, a concepção de que ―as ideias
importam‖, pois modelam os interesses dos atores, amplia o quadro analítico da área inserindo o papel dos
agentes transnacionais na proposição de novas questões e novas soluções para a agenda internacional (RISSE,
2000). Na esfera pública, os atores materialmente fracos ganham poder, por ser um âmbito mais aberto, em
termos do acesso ao discurso, além de tender à prevalência dos argumentos morais e legitimados, sobre aqueles
orientados pela lógica privada. Assim, ao analisar os processos de formação de interesses nessa esfera, os
construtivistas inserem não só novos atores, como também novos temas, como a ética internacional, até então
marginalizada pelos estudos tradicionais.
116
Opondo-se ao aspecto estático da "lógica causal" realista, Wendt questionou a validade, e autenticidade do
modelo estrutural materialista, pautado na distribuição das capacidades como fator causal primário, uma vez que
esse seria inconsistente por desconsiderar a noção implícita em si, qual seria: a distribuição de interesses entre os
151
estrutura estritamente às forças materiais e aos efeitos da anarquia. Isso é, porquanto aceite a
condição anárquica do sistema, a capacidade ofensiva dos Estados e sua busca racional pela
sobrevivência, a formulação construtivista de Wendt amplia e redireciona os vetores de
influência da estrutura, devido ao novo aspecto sociológico dos mesmos. Por conseguinte, a
natureza da política internacional é redefinida pela inclusão de novos atributos subjetivos do
Estado, em que os interesses, as identidades e até mesmo o significado do poder (recursos
materiais) seriam constituídos por ideias, resultantes do processo de interação entre aqueles.
Estados. Nesse sentido, as alterações posicionais do sistema dar-se-iam, apenas, quando também alterados os
interesses dos estados - expansionistas ou mantenedores do status quo.
152
119
Ao lado de outros pesquisadores brasileiros, o prof. Dr. Amado Luiz Cervo compõe o grupo de estudiosos das
relações internacionais da Universidade de Brasília, recentemente denominado Escola de Brasília por Bernal-
Meza (2005), e que tem se destacado dentre as fontes intelectuais do país, na área das RI.
120
Como exposto, algumas dessas acepções apontam a possibilidade de uma sociedade internacional com
atrelamento social do tipo Gemeinschaft. Todavia, Little (2005) relembra, pertinentemente, que nesta discussão
não se pode sugerir que há uma tendência evolucionária operando nas relações internacionais, de forma a mover-
nos de um sistema internacional para uma sociedade internacional, ou de uma sociedade internacional
Gesellschaft para uma Gemeinschaft. Tais configurações têm coexistido desde as origens das estruturas
internacionais, e assim o fazem até hoje, constituindo um cenário plural e dinâmico.
121
As unidades de análise referenciadas por Cox configuram complexos contituídos pelo Estado e pela sociedade
civil. Logo, ao passo que o Estado permanece sendo um ator central, ele é entendido no seu sentido ―ampliado‖,
i.e, incluindo sua base social. Retomando os desdobramentos da noção de hegemonia de Gramsci, Cox disserta:
―when the administrative, executive and coercive apparatus of government was in effect constrained by the
hegemony of the leading class of a whole social formations, it became meaningless to limit the definition of the
state to those elements of government. To be meaningful, the notion of the state would also have to include the
underpinnings of the political structure in civil society‖ (COX, 1983, p.164).
155
hegemonia122, Cox resgata o fator normativo da esfera política, destacando-se das vertentes
economicistas do marxismo ortodoxo. A aplicação daquele conceito possibilitou a Cox
ultrapassar a consideração unívoca do poder material, reconhecendo o papel das ideias
compartilhadas intersubjetivamente e das instituições na construção das ordens políticas
mundiais, sem, contudo, recair no idealismo.
Admitir a diversidade de ações entre os atores – os quais, dentre suas funções, são
capazes de estabelecer relações sociais além do fim utilitário, ou seja, baseada numa
consciência de comunidade – desfaz a característica atomista oferecida pelos neorrealistas às
unidades, assim como, contesta-se a estrutura como mecanismo prescritor de ações
conformistas, ampliando-se teoricamente o espaço político, uma vez que a estrutura anárquica
deixa de se associar a uma só forma de sociabilidade possível. Expandem-se, pois, as
proposições acerca de moldes alternativos de organização política, inserindo a variável
normativa do dever-ser.
Ademais, o mundo pós-Guerra Fria também emerge como ambiente profícuo aos
debates que extrapolam o quadro analítico do sistema de Estados – como exemplificam as
reflexões acerca de redes sociais subnacionais, ordens regionais, ou mesmo, movimentos
sociais transnacionais. Logo, outros discursos inserem-se como instrumentos úteis ao
―alargamento‖ ontológico demandado pelos desafios pós-vestfalianos colocados às
perspectivas estadocentradas. Nesse âmbito, fazemos referência especial às autoras
feministas123, e aos pensadores pós-coloniais124.
122
Segundo Cox (1983), o conceito de hegemonia de Gramsci, quando aplicado às RI, não expressaria a
dominação estrita de um Estado sobre outro, ou mesmo uma espécie de eufemismo para o fenômeno do
imperialismo. A hegemonia, naquela perspectiva, descreve uma ordem mundial universal em concepção, ou seja,
não se trata de uma exploração direta entre dois Estados, mas sim de uma ordem na qual a maioria dos atores
(estatais ou não) identifica compatibilidade com seus interesses. De forma geral, Cox explica: ―Hegemony at the
international level is thus not merely an order among states. It is an order within a world economy with a
dominant mode of production which penetrates into all countries and links into other subordinate modes of
production. It is also a complex of international social relationships which connect the social classes of the
different countries. World hegemony is describable as a social structure, an economic structure, and a political
structure; and it cannot be simply one of these things but must be all three. World hegemony, furthermore, is
expressed in universal norms, institutions and mechanisms which lay down general rules of behavior for states
ad for those forces of civil society that act across national boundaries – rules which support the dominant mode
of production‖ (COX, 1983, p.171-172).
123
Para essas correntes, o conhecimento refletiria o interesse de grupos sociais particulares, detentores da
hegemonia ideacional (e, geralmente, material) na sociedade. Por isso, de forma geral tendem a destacar em suas
pesquisas a questão da exclusão e marginalização ontológica e epistemológica realizada pela via intelectual, que,
não raro, serviria à disputa social visto que projetariam as relações de poder endêmicas desse ambiente. Dessa
forma, o processo de legitimação científica da teoria neorrealista é avaliado pela ótica dos interesses que
possibilitaram tal ascensão, ao passo esse processo silenciou a relevância de outros grupos sociais, como o
feminino, e as comunidades descolonizadas.
124
Desde a formulação da teoria da dependência, os estudos pós-coloniais vêm destacando-se como contribuição
central dos pesquisadores de origem distinta do eixo EUA-Europa ocidental. Essa corrente é ampla e
156
A dinâmica internacional após a Guerra Fria lança luz sobre a emergência de novos
atores, a diversidade de atuação do próprio Estado, seguidas da ampliação dos espaços de
participação e da agenda política, ambos inseridos num leque complexo de modos de
interação e de instituições nas quais a ação acontece. Porém, o reconhecimento dessas novas
dinâmicas demanda a inovação dos nossos aparatos cognitivos, capazes de reelaborá-las.
Nesse sentido, ressaltam-se as correntes que inovaram a crítica epistêmica ao mainstream das
RI por meio de um olhar voltado à contestação da delimitação instrumental e utilitarista da
ciência, projetada em seus conceitos, como, no caso, sobre a ação política internacional.
diversificada, tendo como ponto de convergência o interesse investido no estudo das fronteiras, que, contudo,
podem ser fronteiras epistêmicas, éticas, nacionais, etc. A contestação daquilo que inclui e exclui conduz essa
vertente à crítica dos discursos tradicionais como formas de privar outros atores de terem narrativas próprias.
Para uma aproximação com esse debate, sugerimos: GROVOGUI, Siba N. Beyond Eurocentrism and
anarchy: memories of international order and institutions.New York: Mcmillan, 2006.; DARBY, Philip (ed).
At the edge of international relations: postcolonialism, gender and dependency. London: Pinter, 1997.;
BLANEY, David; INAYATULLAH, Naeem. International Relations and the Problem of Difference. New
York and London: Routledge, 2004.
125
Sobre esse assunto, Ashley (1986) argumenta que o postulado do estado como ator representa um
comprometimento metafísico do realismo, antes mesmo de constituir um suporte de natureza científica Nessa
perspectiva, a defesa do caráter pragmático da ciência – ―the motivation of the actors is assumed rather than
realistically described‖ (WALTZ, 1979, p.91) – serviria como barreira às críticas quanto à premissa estatista.
Afinal, tal conduta ocultaria o fato de que, ―the historically testable hypothesis that the state-as-actor construct
might be not a first-order given of internacional political life but part of a historical justificatory framework by
which dominant coalitions legitimize and secure consent for their precarious conditions of rule‖ (ASHLEY,
1986, p.270).
157
Ademais, esse tipo de saber seria também um conhecimento normativo, muito embora
ressalte-se uma normatividade despojada de referenciais associados a universalismos
abstratos. Nessa perspectiva, argumenta-se por uma ―normatividade construída a partir do
chão das lutas sociais, de modo participativo e multicultural‖ (SANTOS, 2002, p.37). Para
aquele sociólogo, a resposta àqueles dilemas se assenta na inserção de uma ‗teoria da
tradução‘ como parte integrante da teoria crítica:
É por via da tradução e do que eu designo por hermenêutica dialópica que uma
necessidade, uma aspiração, uma prática numa dada cultura pode ser tornada
compreensível e inteligível para outra cultura. O conhecimento-emancipação não
aspira a uma grande teoria, aspira sim a uma teoria da tradução que sirva de suporte
epistemológico às práticas emancipatórias, todas elas finitas e incompletas e, por
isso, apenas sustentáveis quando ligadas em rede (SANTOS, 2002, p.31).
Essa proposta compõe um movimento mais amplo das ciências sociais que propõe
repensar o conhecimento sob novas perspectivas. De acordo, cremos que a construção do
pensamento político e social constitui um quadro verbal conjugado no gerúndio, de modo que
a consciência de sua incompletude essencial potencializa a atividade reflexiva como parte
ativa da transformação social, cujos atores permanecem construindo coletivamente sua ideias,
158
perpassadas pelos condicionantes objetivos da história. Por isso, o saber crítico e propositivo
sobre esse conjunto de teorias estabelecidas intersubjetivamente torna-se um dos elementos
centrais da disputa política contemporânea, especialmente para as vozes vindas da ‗margem‘.
Tal reflexão metateórica tem avançado bastante no campo das RI desde o final do
século XX, embora ainda centre-se nas elaborações advindas de pensadores inseridos entre o
eixo norte-americano e europeu. Certamente, esses aportes teóricos acrescentaram
contribuições intelectuais significativas ao debate, como apresentado em nossa arguição, e as
quais devem ser apreciadas, contando com a prudência intelectual nesse exercício de
importação conceitual. Por outro lado, assinalamos nosso entendimento sobre a necessidade
da ampliação das reflexões próprias aos países externos àquele eixo, especialmente no Brasil,
cujas produções permanecem tímidas, e projetadas a poucas áreas do amplo campo de estudo
das RI.
De modo algum é a dubiedade da antropologia naturalista que torna o positivismo uma filosofia pobre; é antes
a ausência de auto-reflexão, sua incapacidade de compreender suas próprias implicações filosóficas tanto na
ética quanto na epistemologia 126
Como expresso nessa epígrafe, o capítulo apresentado não visa desmerecer a validade
explicativa da teoria neorrealista, mas, sim, contestar suas implicações, e limites filosóficos,
tanto na esfera da ética política, como na epistemologia, que se expressam conceitualmente na
supressão de vias de emancipação social, especialmente para os intérpretes que compõem o
―outro‖ dessa teorização. Por esse motivo, nossa conclusão não se orienta a uma resposta
monolítica sobre a validade, ou não, das produções de Waltz: i.e, não cremos na classificação
do neorrealismo como um aporte que promoveu, em termos absolutos, o progresso ou o
regresso à área de produção de conhecimento das RI. Como apontou Toulmin, ―there is no
way of cutting ourselves free of our conceptual inheritance: all we are required to do is use
our experience critically and discriminatingly, refining and improving our inherited ideas, and
determining more exactly the limits to their scope‖ (1990, p. 179).
Portanto, a opção pelo via média naquela classificação é vista por essa pesquisa como
uma atitude que visa levar o debate por vias mais produtivas. Assim, cremos que um balanço
126
HORKHEIMER, Eclipse da Razão. São Paulo: Centauro Editora, 2000, p. 90.
159
Nessa concepção, cremos que uma postura crítica frente às análises conceituais
realizadas nesse capítulo implica, ao menos, três efeitos, a saber: a retomada da ontologia; a
atenção redirecionada à normatividade constitutiva; e, em decorrência, às implicações
políticas do conhecimento (NUNES, 2008). Neste presente saldo, destacamos, pois, as
preocupações analíticas centradas nas possíveis consequências que o conhecimento produz no
mundo, em substituição aos debates exclusivos sobre as questões de validação e produção do
conhecimento. Nessa atitude revela-se a procura pela renovação da relação entre a
epistemologia, a ontologia e a discussão prático-ética.
127
Vale ressaltar que, para alguns autores a convenção sobre a estabilidade do período da Guerra fria é
contestável. Para esse debate, ver: BIGO, Didier. Novos olhares sobre os conflitos?. In: SMOUTS, Marie-Claude
(org). As novas relações internacionais. Brasília: Editora Unb, 2004.
128
Esta concepção fundou os sistemas filosóficos tais como de Platão, de Aristóteles, dos escolásticos e do
idealismo alemão, segundo os quais a racionalidade é um princípio inerente da realidade, não focalizados na
―coordenação de comportamentos e objetivos, mas sim nos conceitos tais como a ideia do bem supremo, o
problema do destino humano e o modo de realização dos fins últimos‖ (HORKHEIMER, 2000, p. 15). De
acordo com Horkheimer, essa concepção afirma ―a existência da razão não só como uma força da mente
160
individual, mas também do mundo objetivo: nas relações entre os seres humanos e entre classes sociais, nas
instituições sociais, e na natureza e suas manifestações‖, afinal, nessa acepção, ―a estrutura objetiva e não apenas
o homem e seus propósitos, era o que determinava a avaliação dos pensamentos e das ações individuais. Esse
conceito de razão jamais exclui a razão subjetiva, mas simplesmente considerou-a a expressão parcial e limitada
de uma racionalidade universal‖ (HORKHEIMER, 2000, p. 14).
129
Esse tipo de razão foi vinculado por Horkheimer (2000) às faculdades de classificação, inferência e dedução,
ou seja, ao funcionamento abstrato do mecanismo de pensamento. Nesse sentido, a razão seria uma faculdade da
mente individual, em que apenas os sujeitos poderiam verdadeiramente possuí-la. Nas palavras daquele autor
―em última instância, a razão subjetiva se revela como capacidade de calcular probabilidades e desse modo
coordenar os meios corretos com um fim determinado‖ (HORKHEIMER, 2000, p. 15). Lembrando-se que esse
fim é tomado como racional no sentido subjetivo, isso é, de que servem ao interesse do sujeito quanto à auto-
preservação.
130
De acordo com Habermas, a expressão ‗subjetividade‘ expressa na obra de Hegel comporta quatro conotações,
a saber: ―(a) individualismo: no mundo moderno, a singularidade infinitamente particular pode fazer valer suas
pretensões; (b) direito de crítica: o princípio do mundo moderno exige que aquilo que deve ser reconhecido por
todos se mostre a cada um como algo legítimo; (c) autonomia da ação: é próprio dos tempos modernos que
queiramos responder pelo que fazemos; (d) por fim, a própria filosofia idealista: Hegel considera como obra dos
tempos modernos que a filosofia apreenda a ideia que se sabe de si mesma‖ (HABERMAS, 2000, p. 25-26).
161
Como questionou Toynbee, ―no mundo da ação, sabemos como é desastroso tratar
animais ou seres humanos como se eles fossem paus e pedras. Por que devíamos supor que
esse tratamento fosse menos equivocado no mundo das ideias? (TOYNBEE, 1947, apud
HORKHEIMER, 2000, p. 30). Nessa frase, o autor contesta as consequências do movimento
de instrumentalização da linguagem, geralmente desdobrado numa conceituação equivocada
sobre o mundo social. Paralelamente, questionamos tal movimento no campo das RI,
concluindo a tendência da teoria neorrealista à formalização das forças políticas, que
estabelecem objetivos e fins, embora percam a capacidade intelectiva autorizada a avaliá-los e
a ligá-los a uma realidade histórica e social. Ou seja, refletimos sobre a abstração crítica e
moral dos agentes, decorrente de um tipo de racionalidade técnica aplicada aos Estados, que
se mostra problemática dado os riscos da normatização burocrática da ordem política
internacional.
Sobre essas questões, destacamos as limitações práticas de uma teoria que prescreve
uma conduta, por parte dos Estados materialmente fracos, incapaz de contestar da ordem, e de
elaborar, coletivamente, novas vias de atuação. Assim, sob o quadro fixo de escolhas
comportamentais da anarquia, os Estados são despojados do julgamento de suas ações, e da
131
Esse aporte teórico, segundo W. Carlsnaes, ―is essentially a meta-theoretical standpoint in the study of social
phenomena, and hence is foundational to political analysis rather than being a specific analytical or ‗theoretical‘
approach within IR‖ (2001, p. 339).
162
Sobre isso, finalizamos com a relevância das reflexões assinaladas na seção 3.4 desse
capítulo, as quais se dispõem a pensar a PI de formas diversas, reinserindo a valor da razão
prática como integrante da atividade intelectual, capaz de suscitar novas e variadas maneiras
de relacionamento objetivo com as relações internacionais. Com isso, emergem novas
abordagens teóricas, que ampliam a memória literária das sociedades, renovando o ―horizonte
de expectativas‖ dos atores, e, logo, as interpretações, e ações, desses sobre o mundo
internacional. Mundo esse que, cada vez mais, torna-se, também, um ambiente das relações
intersociais, interculturais, intereconômicas, dente outras vozes que, entre palavras e anti-
falas, fazem-se audíveis.
163
CONCLUSÃO FINAL
O estudo elaborado nessas páginas parte da periferia, embora ainda utilize a linguagem
do centro, como não deixaria de ser – e daí sua dificuldade – a ruptura que precisa emergir de
dentro. Afinal, presumimos nossa imersão na hegemonia cultural e intelectual dos atores do
núcleo político e econômico do globo, embora caracterizemo-nos distintamente daqueles. Por
conseguinte, estaríamos também imersos na ontologia daquela tradição, que situa suas
instituições ―como entes interpretáveis, como ideias conhecidas, como mediações ou
possibilidades internas ao horizonte da compreensão do ser‖ (DUSSEL, 1977, p.9).
Ontologicamente, isso significa que certos atores seriam sutilmente ocultados, como, no caso
dos complexos estatais da margem, que aparecem no neorrealismo como objetos epistêmicos,
mas estão omitidos enquanto sujeitos empíricos potencialmente distintos.
Assim, justificamos o estudo realizado nos três capítulos pela noção de que, ao
analisar nossos fundamentos impensados, colocamos tal senso comum em movimento,
abrindo novos horizontes antes ocultos pela delimitação do dito absoluto ou intransponível.
Dessa forma, essa dissertação comprometeu-se, mesmo que de modo incipiente, com um
processo de rompimento com os relativos abstratos, naturalizados e universalizados, e por isso
procurou inserir-se na prática pedagógica que visa romper com a legalidade transcendental do
164
132
Seguindo a lógica habermasiana, Ashley resume: ―1) The practical cognitive interest: This is an interest in
knowledge as a basis for furthering mutual, intersubjective understanding. It guides knowledge toward the
development of "interpretations that make possible the orientations of action within common traditions."
The practical cognitive interest is the knowledge constitutive interest of the historical and cultural sciences. 2)
The technical cognitive interest: This is an interest in knowledge as a basis for extending control over
objects in the subject's environment (possibly including strategic dominance over other human beings). It
guides knowledge to obtain "information that expands powers of technical control." The technical cognitive
interest is the knowledge-constitutive interest of the empirical analytic sciences. 3) The emancipatory
cognitive interest: This is an interest in securing freedom from "hypostatized forces" and conditions of distorted
communication (e.g., ideology). It is rooted in the human capacities for the communicative exercise of
reflective reason in light of needs, knowledge, and rules; it guides knowledge to achieve human autonomy
and self-understanding by bringing to consciousness previously unapprehended determinants of the human
species' "self-formative process." The emancipatory interest is the knowledge-guiding interest of all critically
oriented sciences‖ (1981, p. 298).
165
133
―The subjective process of theory construction, rendered mysterious, is bracketed and set beyond the scope of
rational inquiry and criticism. There is no allowance for questioning the background intersubjective
166
intersubjetivos não os tornam ausentes dos textos neorrealistas, como expresso no segundo
capítulo dessa dissertação. Por outro lado, a negação desses apontamentos por parte da
metodologia aplicada pelo neorrealismo permitiu que Waltz se postulasse cartesianamente
enquanto sujeito cognoscente capaz de apreender os ‗fatos‘ de forma neutra. E, assim, tudo
que lhe escapasse como valores ou percepções foi reduzido a relações reificadas134, no sentido
epistemológico. Segundo os teóricos críticos, esse tipo de conduta ―determina o trajeto da
desmitologização e do esclarecimento, que identifica o animado ao inanimado, assim como o
mito identifica o inanimado ao animado‖ (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.29). Tornadas
objetos, as relações humanas são preteridas dos predicados subjetivos podendo então ser
depuradas num conhecimento sintetizador, capaz de delinear uma direção na relação de
causalidade.
understandings that permit the theorist to arrive at just this "brilliant intuition," the background language of
experience through which his "creative idea" is communicable to others, or the background intersubjective
understandings that permit the theorist and others to agree on the facts in need of explaining. Nor is there
allowance for questioning the dependence of these background under – standings on evolving historical
conditions that might be beyond the frame of consciousness‖ (ASHLEY, 1981, p. 216-217).
134
Nesse sentido, a reificação refere-se à transformação das propriedades, relações ou ações humanas em
‗coisas‘, cujo caráter social aparece como uma característica objetiva conduzida conforme as leis do mundo
natural.
167
Muitos autores do campo (Walker, 1987; Cox, 1981; Ashley, 1986; Ruggie, 1986)
expressam essa postura, discutindo as aderências estruturalistas na área das RI, especialmente
durante a década de 1980, quando o ―giro estruturalista‖ teria demarcado grande parte das
teorias americanas, tanto daquela área, como do campo da política comparada, como
exemplificam os expoentes, ―Kenneth Waltz, Robert Keohane, Stephen Krasner, Robert
Gilpin, Robert Tucker, George Modelski, e Charles Kindleberger‖ (Ashley, 1986, p. 256-
257). Para aqueles autores, o intuito de Waltz em produzir inferências lógicas generalizantes o
conduziu a uma apreensão parcial da ordem internacional, pela qual se desconsiderou os
elementos que confeririam o vetor de contingência à estrutura, ou seja, aqueles responsáveis
pela reconstrução permanente das projeções do real.
168
135
As dificuldades do enquadramento objetivo pelas pesquisas humanísticas derivam de seu objeto de estudo
particular, qual seja, o homem. O fator da intencionalidade, adicionado à conectividade entre as múltiplas
variáveis através do tempo, conferem ao mundo social o vetor de contingência, expresso na reconstrução
permanente das projeções do real. Sendo assim, os fenômenos do mundo social possuiriam um aspecto temporal
determinado e singular, o que dificultaria a elaboração de leis gerais e de vaticínios teóricos. Ainda sobre a
multicausalidade dos fenômenos, acresce-se a dificuldade que esta traz para a fragmentação dos mesmos em
variáveis independentes e dependentes ou, ao menos, ao estabelecimento de uma única direção na relação de
causalidade. Outro aspecto inerente desse tipo particular de estudo, seria a negação da prioridade ontológica
atribuída ao objeto. Ou seja, observador e observado estão conectados e, muitas vezes, exercem efeito
constitutivo um sobre o outro. Nesse sentido, a concepção de um conhecimento axiologicamente neutro é
questionada pela compreensão de que as dimensões subjetivas do pesquisador, inequivocamente, influenciam
tanto as interpretações que este fará de seu objeto, quanto as suas escolhas metódicas para o desenvolvimento da
pesquisa. Sendo assim, a consciência dessas particularidades, auxiliaria na tentativa de se evitar as trilhas da
reificação, e dos objetos abstratos, sem, contudo, desconsiderar a organização lógica do argumento.
169
Presumimos que tais opções metódicas renovam os objetos teorizados por meio da
retomada conceitual das esferas dialógicas próprias da relação heterônoma, mas não
estritamente dominadora, das entidades humanas. Afinal, a relação entre as esferas individuais
e coletivas disponibiliza a diversidade e mutabilidade à estrutura social, e a liberdade aos
sujeitos, desligados das formulações teóricas sobre subjetividades conservadoras da ordem.
Ademais, nessas acepções os atores retomam sua esfera moral, ou seja, a possibilidade de
julgamento implicado em escolhas, antes supérflua pela condição de um ser isolado. Entre os
extremos da lei da causalidade, ou da lei da razão absoluta, está a noção do ser como entidade
simultaneamente afetada pelas esferas sensíveis e inteligíveis, sendo essa natureza dual a
condição necessária para se falar em liberdade, num sentido ampliado (e não restrito a
arbitrariedade), visto que associado à heteronomia que inclui a alteridade (e a
responsabilidade) na fonte da moralidade.
Ademais, essa dissertação sugere a relevância dessa reflexão por parte dos agentes,
cujas forças criativas foram minimizadas idealmente pela concepção neorrealista. Isso é, pelos
atores que compõem os Estados da margem do sistema, ou por aqueles sem identificação
estatal. Como anunciado na Introdução desse trabalho, o reconhecimento intelectual das
subjetividades políticas como essencialmente móveis, criadoras, e produtoras de diversidade
revela-se especialmente importante pelo papel que a teoria desempenha na orientação da vida
social e política, sob a qual influi e é influenciada. Nesse contexto, a o reconhecimento do
Outro enquanto sujeito ativo funcionaria como mecanismo de combate contra a descrição
teórica redutora, que promove estratégias de exclusão e uniformidade.
Ademais, esse movimento acelera a abertura do campo para grupos que não possuíam
canais de expressão nos mecanismos formais da ciência. Desde Hobbes, as produções que
versam sobre teoria política ‗falaram‘ nos termos dos sistemas nacionais, e, com isso,
Our reflections on the order of society, as well as nature, are still dominated by the
Newtonian image of massive power, exerted by sovereign agency through the
operation of central force, and have lost our feeling for all the respects in which
social and political achievements depend on influence, more than on force. For the
moment, the varied political relations and interactions between transnational,
subnational and multinational entities, and the functions they can effectively serve,
still remain to be analyzed, by an ‗ecology of institutions‖ that has, as yet, scarcely
come into existence (TOULMIN, 1990, p. 208-209).
Os desafios impostos pela ordem atual nos levam a repensar a política para além dos
modelos desenvolvidos pelas correntes tradicionais, em que a capacidade material e o
raciocínio utilitário constituíam as forças motivacionais do sistema. No contexto
contemporâneo, as comunidades locais, ou os movimentos sociais transnacionais auxiliam na
172
136
Sobre isso,Toulmin disserta: ―When antinuclear demonstrators march with candles through the streets of
Leipzing, when prisoners of conscience bring General Pinochet's tortures into public scorn, when women's
organizations speak for their fellow-women in fundamentalist states, they question the nightmare side of the
modern inheritance, and challenge the moral authority of absolute, centralized nation-states. In this resistance,
the candles, voices, and other tools of powerless may seem of little help. Even the intellectual model of ecology,
with its decentralized concern for each distinct habitat, gives us little foundation for building institutions that are
more just. But, in the long run, we have seen power and force run up against their limits. In the third phase of
Modernity, the name of the game will be influence, not force‖ (TOULMIN, 1990, p.208).
173
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
I. KENNETH WALTZ
Livros
WALTZ, Kenneth N. [1959] Man, the state and war: A theoretical analysis. New York:
Columbia University Press, 2001.
Artigos
WALTZ, Kenneth N. The stability of a bipolar world. Daedalus, v. 9, n.3, p.881-909, 1964.
______ . Contention and management in international relations. World Politics, v. 17, n.4,
p.20-44, 1965.
______ . The origins of war in neorealist theory. Journal of Interdisciplinary History, v. 18,
n.4, p.615-628, 1988.
______ . Realist thought and neorealist theory. Journal of International Affairs, v. 44, n.1,
p.21-37, 1990.
______ . Nuclear myths and political realities. The American Political Science Review, v.
84, n.3, p.731-745, 1990.
______ . The Emerging Structure of International Politcs. International Security, vol. 18, n.
2, p.44-79, 1993.
______ . Evaluating theories. The American Political Science Review, v. 91, n.4, p.913-917,
1997.
______ . Globalization and governance. Political Science and Politics, v. 32, n.4, p.693-700,
1999.
______ . Structural realism after the Cold War. International Security, v. 25, n.1, p.5-41,
2000.
174
Livros e Capítulos
ALLISON, Graham T. Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis. Boston:
Little Brown, 1971.
AMADAE, S.M. Rationalizing capitalist democracy: the Cold War origens of rational
choice liberalism. Chicago: The University of Chicago Press, 2003.
ARON, Ramond. Paz e Guerra entre as Nações. Editora UnB. São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado, 2002.
BADIE, Bertrand. Le diplomate et l' intrus. L'entrée des sociétés dans l'arène
internationale. Paris: Fayard, L'espace du politique, 2008.
BELLAMY, Alex J. International Society and the English School. In: ________. (Ed.)
International Society and its Critics. New York: Oxford UP, 2005. p.1-26.
BOOTH, Ken; SMITH, Steve (Ed). International relations theory today. Pennsylvania:
Penn State Press, 1995.
BULL, Hedley; WATSON, Adam (Org.). The expansion of international society. Oxford:
Oxford University Press, 1984.
175
CARLSNAES, Walter. Foreign Policy. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B.
Handbook of International Relation. London: Sage Publications, 2001. p. 331-349.
CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. Brasília: Editora da Universidade
de Brasília, 2001.
COSTA, Juliana A. da; SELIS, Lara M. R.; SOARES, Samuel A. De Afrodite à Melíade? O
Feminismo nos Estudos de Segurança. In: MATHIAS, Suzeley K. (Org). Sob o Signo de
Atena: Gênero na Diplomacia e nas Forças Armadas, São Paulo: Editora Unesp, 2009. p.
205-228.
DUNNE, Tim. Inventing International society: a history of the English school. London:
Macmillan, 1998.
______ . The New Agenda. In: BELLAMY, Alex J (ed.) International Society and its
Critics. New York: Oxford UP, 2005. p.65-79.
DURKHEIM, Émile. The Rules of Sociological Method. Trad. Sarah A. Solovay e John M.
Mueller. New York: Free Press, 1964.
DUSEEL, Enrique. Filosofia da Libertação. Trad. Luiz João Gaio. São Paulo: Edições
Loyola/UNIMEP, 1977.
EASTON, D. The Political System: An Inquiry into the State of Political Science. New
York: A. A. Knopf, 1953.
_______. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. Trad. Luiz Sérgio Repa e
Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HORKHEIMER, Max. Teoria tradicional e teoria crítica. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
INGRAM, David. Habermas e a dialética da Razão. 2º Ed. Brasília: Editora da UnB, 1994.
KANT, Immanuel. Introdução à Analítica dos Princípios. In: ___. Crítica da Razão Pura.
Trad. Manuel Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. 2 ed. Lisboa: Gulbenkian,
1989.
KEOHANE, Robert O. Realism, Neorealism and the Study of World Politics. In:_______.
(Ed) Neorealism and its critics. New York: Columbia University Press, 1986. p.1-26.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e
Nelson Boeira. 9ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.
LITTLE, Richard. The English School and World History. In: BELLAMY, Alex J (ed.)
International Society and its Critics. New York: Oxford UP, 2005. p.45-64.
MARCUSE, Herbert. Some Social Implications of Modern Technology. In: Andrew Arato
(ed.) The Essential Frankfurt School Reader. New York: The Continuum Publishing
Company, 1988.
MILL, John Stuart. A system of logic ratiocinative and inductive: Being a Connected
View of the principles of Evidence and The Methods of Scientific Investigation. Canadá:
University of Toronto Press, 1974.
MOURITZEN, Hans. Kennth Waltz: a critical rationalist between international politics and
foreign policy. In: NEUMANN, Iver; WÆVER, Ole. (Eds). The future of International
Relations. London and New York: Routledge, 1997. p. 71-95.
ONUF, Nicholas. World of our making: rules and rule in social theory and International
Relations. Columbia: University of South Carolina Press, 1989.
ROUANET, Sérgio Paulo. As Razões do Iluminismo. São Paulo Cia. das Letras, 1987.
RUGGIE, John Gerard. Continuity and Transformation in the World Polity: Toward a
Neorealist Synthesis. In: KEOHANE, R. O. (Ed.) Neorealism and its Critics. New York:
Columbia University Press, 1986.
SMITH, Adam. Lectures on rhetoric and belles lettres. Ed. J. C. Bryce. Indianapolis:
Liberty Fund, 1985.
_______. Positivism and Beyond. In: BOOTH, Ken; SMITH, Steve; ZALEWSKI, Marysia.
(Ed) International Theory: Positivism and Beyond. Cambridge: Cambridge University
Press, 1996
SODUPE, Kepa. La teoría de las Relaciones Internacionales a comienzos del siglo XXI.
Bilbao: Universidad del País Vasco, 2003.
SUGANAMI, Hidemi. The English School and International Theory. In: BELLAMY, Alex J
(Ed.) International Society and its Critics. New York: Oxford UP, 2005. p.29-44.
VASQUEZ, John. The role of paradigms in scientific inquiry: a conceptual framework and a
set of principles for paradigm evaluation. In: _____________. The Power of Power Politics:
from Classical Realism to Neotraditionalism, Cambridge: Cambridge University Press,
1998. p.19-31.
WÆVER, Ole. The Rise and Fall of the Inter-paradigm Debate. In: BOOTH, Ken; SMITH, Steve;
ZALEWSKI, Marysia. (Ed.) International Theory: Positivism and Beyond. Cambridge:
Cambridge University Press, 1996.
WAGNER, Peter; WEISS, Carol; WITTROCK, Björn; WOLLMANN, Hellmut. The policy
orientation: legacy and promise. In: _________. (Eds). Social Sciences and Modern States:
National Experiences and Theoretical Crossroads. Cambridge University Press, 1991. p. 2-
28.
WAGNER, Peter; WITTROCK, Björn; WOLLMANN, Hellmut. Social Science and the
modern state: policy knowledge and political institutions in Western Europe and the United
States. In: WAGNER, Peter; WEISS, Carol; WITTROCK, Björn; WOLLMANN, Hellmut.
(eds). Social Sciences and Modern States: National Experiences and Theoretical
Crossroads. Cambridge University Press, 1991. p. 28-85.
WALT, Stephen M. The enduring relevance of the realist tradition. In: KATZNELSON, Ira;
MILNER, Helen (Eds.). Political science: The state of the discipline. New York: W.W.
Norton, 2002. p. 197-230.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 5ª Ed. São Paulo: Pioneira,
1987
Artigos
ALKER, Hayward; BIERSTEKER, Thomas. The Dialectics of World Order: Notes for an
Archeologist of International Savoir Faire. International Studies Quarterly, v. 28, n. 2,
p.121-142, 1984.
179
ASHCRAFT, Richard. Political Theory and Political Action in Karl Mannheim's Thought:
Reflections upon Ideology and Utopia and Its Critics. Comparative Studies in Society and
History, vol.23, n.1, p. 23-50, 1981.
ASHLEY, Richard. Political Realism and Human Interest. International Studies Quarterly,
v. 25, n. 2, p. 204-236, Jun.1981.
ASHLEY, D. Marx and the excess of signifier: domination as production and as simulation.
Sociological Perspectives, v.33, n.1, Critical Theory 1990, p. 129-146.
______ . Idealism and the Sociology of Knowledge. Social Studies of Science, vol. 26, n 4,
p. 839-856, 1996.
______ . Remember the Strong Program? Science, Technology, & Human Values, vol. 22,
n. 3, p. 373-385, 1997.
BUZAN, Barry. From International System to International Society: Structural Realism and
Regime Theory Meet the English School. International Organization, v. 47, n.3, p. 327–
352, 1993.
CAMPBELL, David; GEORGE, Jim. Patterns of dissent and celebration of difference: critical
social theory and international relations. International Studies Quarterly, v. 34, 269-293,
1990.
COX, Robert. W. Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations
Theory. Millennium: Journal of International Studies, vol. 10, p.126-155, jun.1981.
DER DERIAN, J. The (S)pace of International relations: simulation, surveillance and speed.
International Studies Quartely, vol.34, nº 3. Special issue: Speaking the language of exile:
dissidence in international studies, 1990.
EPP, Roger. The English school on the frontiers of international society: a hermeneutic
recollection. Review of International Studies, v. 24, n.5, 1998, pp 47-64.
FEMIA, J. V. An historicist critique of ―revisionist‖ methods for studying the history of ideas.
History and Theory, v. 20, n. 2, p. 113-134, 1981.
FOUCAULT, M. What is Enlightenment? In: Rabinow (P.), ed. The Foucault Reader, New
York, Pantheon Books, 1984, pp. 32-50.
GALTUNG, Johan. Structure, culture, and intellectual style: an essay comparing saxonic,
teutonic, gallic and nipponic approaches. Social Science Information, v. 20, n. 6, p.817-856,
1981.
GOLDMAN, Harvey. From Social Theory to Sociology of Knowledge and Back: Karl
Mannheim and the Sociology of Intellectual Knowledge Production. Sociological Theory,
v.12, n. 3, p. 266-278, 1994.
GORDON, Scott. The history and philosophy of social science. London: Routledge, 1991.
GUNNELL, John. American Political Science, Liberalism and the Invention of Political
Theory. The American Political Science Review, v. 82, n. 1, p. 71-87, 1988.
HAACKE, Jürgen. The Frankfurt School and International Relations: on the centrality of
recognition. Review of International Studies, 31, p. 181-194, 2005.
HEMPEL, Carl G.; OPPENHEIM, Paul. Studies in the Logic of Explanation. Philosophy of
Science, v. 15, n. 2. p. 135-175, 1948.
HERZ, John. Idealist Internationalism and the Security Dilemma. World Politics, v. 2, n. 2,
p. 157-180, 1950.
KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos
Históricos, v. 5, n. 10, p.134-146, 1992.
LAPID, Yosef. The third debate: on the prospects of international theory in a post-positivist
era. International Studies Quartely, v.33, n.3, 1989.
LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LERNER, Daniel; LASSWELL, Harold
(eds.) The Policy Sciences. Stanford, CA: Stanford University Press, 1951. p. 3-15.
LINKLATER, Andrew. The problem of harm in world politics: implications for the sociology
of states-systems. International Affairs, vol. 78, n. 2, p. 319-338, 2002.
MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 80,
p. 5-10, mar. 2008.
______ . The Geopolitics of Knowledge and the Colonial Difference. The South Atlantic
Quarterly, v.101, n.1, p.57-96, 2002.
MOURA, Gerson. Distância e Diálogo: História e ciências sociais nos Estados Unidos.
Estudos Históricos, v. 3, n.5, p. 3-28, 1990.
182
PELS, Dick. Karl Mannheim and the Sociology of Scientific Knowledge: Toward a New
Agenda. Sociological Theory, v. 14, n. 1, p. 30-48, 1996.
ROOSEVELT, T. Fear God and take your own part. New York: George H. Doran
Company, 1916.
SHILS, Edward. Tradition, Ecology and Institution in the History of Sociology. Daedalus,
vol. 99, p. 760-825. 1970.
______ . ―Ideology and Utopia" by Karl Mannheim. Daedalus, v.103, n 1, p. 83-89, 1974.
SKINNER, Quentin. Some Problems in the Analysis of Political Thought and Action.
Political Theory, v. 2, n. 3, p. 277-303, 1974.
SMITH, Steve. The United States and the Discipline of International Relations: Hegemonic
country, hegemonic discipline. International Studies Review, v.4, n.2, p. 67-85, 2002.
VASQUEZ, John. A. The Realist Paradigm and Degenerative versus Progressive Research
Programs: An Appraisal of Neotraditional Research on Waltz's Balancing Proposition. The
American Political Science Review, v. 91, n. 4, p. 899-912, 1997.
WÆVER, Ole. The Sociology of a Not So International Discipline: American and European
Developments in International Relations. International Organization, v. 52, n. 4, p. 687-
727, 1998.
183
WATSON, Adam. Hedley Bull, States Systems and International Societies. Review of
International Studies, 13(2), 1987, pp. 147–53.
WEBER, Martin. The critical social theory of Frankfurt School, and the ‗social turn‘ in IR.
Review of International Studies, 31, 2005, pp. 195-209.
CARVALHO, Bruno Sciberras de. A Escolha Racional como Teoria Social e Política: uma
Interpretação Crítica. 2006. 258f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro, 2006.
Entrevista