Igualdade Ou Diferença A Questão Da Diversidade e Da Identidade Na Escola PDF

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Igualdade ou diferença?

A questão da diversidade e da identidade na escola


Cinthia Nolácio de Almeida Maia* & Lúcia Gracia Ferreira**

Resumo
O presente artigo tem como objetivo principal desenvolver uma discussão
sobre as diversidades presentes no ambiente escolar, especialmente no que
tange as questões étnico-raciais e de gênero, ressaltando a dificuldade que tal
instituição possui no tratamento das mesmas e a influência disto nos
processos de construção de identidades. Objetiva ainda, contribuir com as
produções e discussões de caráter teórico-científicas sobre a temática e a
consubstanciação duma educação que seja efetivamente de qualidade,
equânime, democrática e inclusiva.
Palavras-chave: diversidade; raça; gênero; identidade; educação escolar.

*
CINTHIA NOLÁCIO DE ALMEIDA MAIA é Mestre em Educação e Contemporaneidade
pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Salvador-BA. Professora da Rede Estadual de Ensino da
Bahia.
**
LÚCIA GRACIA FERREIRA é Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São
Carlos/UFSCar. Bolsista CNPq.

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Introdução Partindo desse suposto, o princípio de
isonomia ou de igualdade, legalmente
Igualdade e diferença são temas velhos
reconhecido e garantido pelos textos
a despeito de sua permanência no
constitucionais dos países com regime
debate atual. Esses temas estiveram
político democrático, como é o caso do
enlaçados com os processos históricos
Brasil, afirma que todos são iguais sem
emergentes e alcançaram várias formas
distinção de qualquer natureza, porém a
de aparição histórico-discursiva que
estrutura concreta das sociedades revela
nem sempre combinavam a igualdade
as diversidades de ordem cultural,
como oposto a uma desigualdade
social, de gênero, étnico-racial e as
naturalizada, que demandava busca de
interferências das mesmas nas
soluções, exemplo disso era na
condições de vida e de história dessas
Antiguidade Clássica, cuja igualdade
sociedades e a necessidade da busca de
não era universalizável aos “não-
uma igualdade material, substantiva,
cidadãos”, aos “bárbaros”, mas sim,
que perpassa pelo reconhecimento do
apenas aos cidadãos.
direito a diferença. Noutras palavras,
Os responsáveis pela dignidade do existem dois tipos de igualdade: a legal
conceito de igualdade – àquela que está
de forma mais presente em
universal foram as dispositivos jurídicos;
filosofias humanistas e a material – àquela
dos séculos XVI e que se consubstancia
XVII, a ética cristã, na vida cotidiana,
os Iluminismos do garantindo que todos
século XVIII e o os sujeitos usufruam
marxismo do século os mesmos direitos e
XIX. Entretanto, a oportunidades.
noção de igualdade Entretanto, o direito a
persistente na cultura igualdade material,
ocidental está real, só se legitima
indissociavelmente quando o direito as
ligada ao diferenças são
Cristianismo, o qual enxerga cada respeitados.
homem individualmente, como uma
pessoa singular, diferente, mas igual Com efeito, nas sociedades pluriétnicas,
perante Deus e dotado da mesma a noção de neutralidade do Estado, nas
origem. esferas econômica e social, se traduz na
Assim, a noção de igualdade para o crença de que a mera introdução de
Cristianismo está intimamente ligada à dispositivos legais é o suficiente para
noção de diferença: igualdade porque garantir a existência de uma sociedade
pela origem comum não há homem harmônica, onde independentemente da
superior e nem inferior, e diferença diversidade, seria assegurado a todos a
porque na relação entre homem e Deus efetiva igualdade de acesso aos bens
existe desigualdade entre criatura e produzidos pela humanidade, mas a
Criador. E essa idéia de uma igualdade discriminação se dá exatamente quando
perante Deus foi ao longo do tempo indivíduos são tratados iguais em
sendo aperfeiçoada e codificada como situações diferentes, e quando
igualdade perante a lei. diferentes, em situações iguais.

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Nesse contexto, a discussão de científicas da inferioridade biológica do
igualdade tem trazido à cena as várias africano e seus descendentes.
coletividades, as diversas demandas
Assim a autora afirma que o racismo e o
específicas dos grupos excluídos
sexismo operam no campo das
histórica e culturalmente, como as
discriminações e efetuam determinações
mulheres, os índios, os negros, os
e condicionamentos às possibilidades de
homossexuais, os deficientes, etc., que
vida das pessoas que estão afastadas do
lutam pelo direito às diferenças como
modelo do universal humano que é
pressuposto ao direito à igualdade, ou
masculino e branco. Ou seja, o
seja, uma discriminação positiva.
patriarcado e suas conseqüências devem
Dessa forma, o objetivo do presente ser analisados a partir do processo de
ensaio é refletir acerca de dificuldades domínio ocidental (colonização),
que a escola tem em lidar com tal processo racista e sexista, pelo qual a
questão e as conseqüências disto nos hegemonia masculina foi instituída e
processos de construção identitária dos legitimada e onde tais desigualdades se
alunos, sobretudo concernente à agudizaram abarcando também as
identidade de raça e de gênero. desigualdades de cunho racial.
Tais estudos realizados a partir da
década de 1950 afirmam que as causas
Igualdade, diferença e a luta pela dos graves problemas relacionados às
afirmação de identidades desigualdades sociais e as disparidades
que atravessam essas desigualdades no
No Brasil, estudos realizados a partir da Brasil, têm profundas raízes na cultura
década de 1950 (HASENBALG, 1979; brasileira e estão ligados a raça e ao
VALLE SILVA, 1960; CORREIA, gênero.
1998) têm revelado as desigualdades
presentes no país, apesar da existência
dos princípios legais e ratificam a A diversidade racial e de gênero e a
existência de um “tipo ideal” de ser construção de identidades
humano construído ideologicamente O Brasil foi a última nação das
pela classe dominante que corresponde Américas a abolir a escravidão e não
a um ser “masculino”, “branco”, construiu um projeto social para
“jovem”, “heterossexual”, “cristão”, assegurar que os ex-escravos fossem
“física e mentalmente perfeito”, integrados à sociedade. Assim, muitos
excluindo os demais, (VIANNA apud ficaram nas fazendas, na condição de
AQUINO, 1997, p, 125) semi-escravos ou foram viver nas
principalmente, as mulheres e negros. cidades, em favelas.
No caso desses dois grupos sociais, Diante de uma população
Nascimento (2003, p. 108) afirmou que majoritariamente negra - só na capital
um dos efeitos psicológicos da da monarquia brasileira, em 1838, havia
inferiorização da mulher no imaginário cerca de 37 mil escravos, numa
coletivo ocorre mediante o processo de população de 97 mil habitantes; em
“naturalização” de desigualdades, que 1849, numa população de 206 mil
também justifica as desigualdades pessoas, 79 mil eram cativas. Os cativos
raciais acompanhadas de representações chegaram a representar de dois quintos
que embutem preconceitos e a metade do total de habitantes da
estereótipos, derivados de teorias Corte, no curso do século XIX e em

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1851 chegou a ter a maior concentração físico, produto final da miscigenação e
urbana de escravos no mundo ocidental começou-se a difundir um pretenso anti-
desde o fim do Império Romano: 110 racismo intrincado com o elogio à
mil num total de 226 mil miscigenação e ao mito da democracia
(SCHWARCZ, 2001, p.41) – a racial.
iminência da escravatura causava medo
à elite dominante que procurou criar Porém, ainda hoje, permanecem
políticas públicas destinadas a incólumes o ideal de branqueamento e a
embranquecer a população, cujo discriminação racial, de forma velada,
objetivo era a construção de um Estado mas cujos efeitos são bastante ativos.
nacional bem aceito entre as “nações Esse é o pano de fundo das graves
civilizadas”. desigualdades raciais e sociais que
atingem os afrodescendentes atualmente
O processo de tentativa de no Brasil. Ou seja,
embranquecimento por meio da
miscigenação (eugenia) como forma de Nesse país miscigenado [...], as
diluir a base inferior do estoque racial cores tenderam a variar de forma
comparativa. Quanto mais branco,
negro, fortalecendo e fazendo
melhor; quanto mais claro,
prevalecer o elemento superior, branco, superior. Aí está uma máxima
foi feito através da imigração européia, difundida que vê no branco não só
subsidiada pelo Estado – entre 1890 e uma cor, mas também uma
1914, mais de 1,5 milhão de europeus qualidade social. Ao contrário, ele
chegaram apenas de São Paulo, 64% se esconde nas brechas do
com passagens pagas pelo governo cotidiano, cuja decodificação é, no
estadual (NASCIMENTO, 2003, p.127) mínimo, passível de dúvidas
– e, ainda, com base da subordinação da (SCHWARCZ, 2001, p.49).
mulher, servindo a branca para manter a
O racismo e o sexismo como sendo
pureza do estoque sangüíneo e a negra
fenômenos culturais e sociológicos, têm
(cuja disponibilidade sexual era
se constituído em verdadeiros
obrigatória no cativeiro) teve sua
obstáculos que impedem mulheres e
disponibilidade e subordinação
negros (as) de se beneficiar de
transferidas para os serviços
oportunidades equânimes nos diversos
domésticos.
âmbitos da sociedade. No caso
Assim, definidos como desqualificados, específico do racismo, é útil uma breve
perigosos e desordeiros, os homens abordagem conceitual de seus
negros foram excluídos do novo “subprodutos”. A começar pelo
mercado de trabalho industrial, lhes preconceito, definido como
restando subempregos, enquanto as
Uma opinião preestabelecida, que é
mulheres negras foram trabalhar como imposta pelo meio, época e
quitandeiras, babás, cozinheiras, educação. Ele regula as relações de
lavadeiras. uma pessoa com a sociedade. Ao
Na década de 1930, a mestiçagem – regular, ele permeia toda a
sociedade, tornando-a uma espécie
menos biológica e mais cultural –
de mediador de todas as relações
passou a ser exaltada no país. A humanas. Ele pode ser definido,
publicação de Casa Grande e Senzala, também, como uma indisposição,
em 1933, de Gilberto Freyre foi um julgamento prévio, negativo,
emblemática nesse sentido. Os mestiços que se faz de pessoas
e morenos surgiram como um novo tipo estigmatizadas por estereótipos

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(SANTANA apud MUNANGA, A ênfase aos casos esporádicos de
2001, p. 46). negros que ascenderam socialmente
As idéias que ligam o negro a através de atividades consideradas
marginalidade, a imbecilidade, a lúdicas, como o esporte, a música e a
promiscuidade ou outros adjetivos encenação são bastante freqüentes.
negativos podem ser considerados Fala-se em Pelé, Lázaro Ramos, Taís
preconceitos raciais e estes, aos poucos, Araújo, Camila Pitanga, para tentar
vão se transformando em posições manter o mito da democracia racial e
diante da vida, ao se espalharem nas ocultar os conflitos em torno do
relações interpessoais, carregando significado da discriminação racial.
consigo os estereótipos e a Entretanto, sendo lúdicas, essas
discriminação. A partir do momento que atividades também alimentam
o preconceito passa pela ação ou estereótipos, já que além de estarem de
comportamento social real que impede fora das funções consideradas de grande
o “outro” de ampliar seus espaços necessidade intelectual, também
sociais, se configura na discriminação. fomenta a mitologia do negro como
As barreiras impostas no mercado de coração do Brasil, pois exigem uma
trabalho por conta do “código da boa maior força física e emoção, como se
aparência” que na verdade é a escolha esses fatores fossem peculiares e
do branco em detrimento do negro, as instintivos dos negros e “a cristalização
dificuldades de acesso e permanência da imagem do negro nessas funções de
bem-sucedida na escola para com os falso status social, pode internalizar
negros e outros exemplos de situações uma falsa concepção de vocação inata
cotidianas de milhares de pessoas que da raça” (SILVA, 2001, p.48)
pelo fato de serem negras têm suas Esse mesmo discurso de omissão de
oportunidades limitadas e são excluídas desigualdades raciais envolve o
em diversas situações, se configuram cotidiano das mulheres, principalmente
em discriminação racial. Ela se expressa no mercado de trabalho, espaço social
exatamente quando numa determinada preferencial para a tentativa de
circunstância se prioriza um grupo referendar tais idéias equivocadas e
social em detrimento de outro, de manter o status quo do grupo
acordo com as características dominante. Costuma-se utilizar
fenotípicas. exemplos de mulheres que exercem
Apesar dessas desigualdades, ainda é funções que outrora eram
forte a tentativa de esconder os conflitos exclusivamente masculinas como
e tensões que envolvem, não apenas as motoristas, gerentes, policiais, entre
relações raciais, mas também as que outras, porém a força de trabalho
abarcam as questões de gênero. Os feminina e masculina não se
discursos exaltando as contribuições dos equalizaram num mercado que se
negros para a cultura brasileira, através diferencia por fatores de ordem extra-
da dança, da arte, da ginga, da comida, econômica, tal como raça e gênero.
revelam a forte intenção de fomentar a
Bruschini e Sorj (1994) analisando a
imagem do negro como o coração do
participação de mulheres em grandes
Brasil, cheio de emoção, sensualidade,
empresas brasileiras, concluíram que
mas sem valorizar qualquer atividade de
apesar do crescimento expressivo da
cunho intelectual, esta fica para os
mulher no mercado de trabalho
brancos.
brasileiro (como demonstram o IBGE e

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o PEA – População Economicamente celebrando a sexualidade afro-
Ativa) ele não teve ressonância na brasileira que sobreviveu à
esfera dos cargos de topo das empresas. colonização portuguesa e aos
Observou-se uma notável sub- costumes ocidentais burgueses, mas
sim explorando a negritude em
representação de mulheres nos cargos
geral, e as mulheres negras em
de comando e o pequeno percentual que
particular, num mercado capitalista
consegue ocupar altos cargos, possui no qual as diferenças raciais podem
salários mais baixos em relação aos ser transformadas em mercadorias
homens com o mesmo cargo, além do exóticas e vendidas (DAVIS, 2000,
fato de elas serem muito mais cobradas p.71).
do que os homens. Isso ratifica a
discriminação da mulher, sobretudo das A identidade, aqui tomada numa
negras, e a necessidade da efetivação da perspectiva socioconstrucionista
luta pela igualdade substantiva das (MOITA LOPES, 2002) é fruto do
mesmas. processo da dinâmica entre o indivíduo
e a sociedade, no qual, o indivíduo
Na base da pirâmide social, as mulheres articula o conjunto de referenciais que
negras ocupam os piores postos no orientam sua forma de agir e de mediar
mercado de trabalho, recebem os piores seu relacionamento com os outros, com
salários, possuem os piores indicadores o mundo e consigo mesmo. Assim, não
socioeconômicos1, além de serem há identidade fixa, mas sim, identidades
vítimas da utilização mercantilista do dinâmicas, plurais, instáveis e até
estereótipo da mulher negra, contraditórias, em que o sujeito
amplamente divulgado pelos meios de interioriza comportamentos e costumes
comunicação de massa como produto de apreendidos no meio social, a partir do
consumo para exportação, além da conjunto de referenciais de que ele
violência simbólica gerada pela dispõe para mediar suas ações e orientar
imposição de um padrão de beleza que suas atitudes perante a sociedade e a si
privilegia as características do branco mesmo.
europeu e que, segundo Munanga
(1996, p.56) pode esfacelar a identidade Sobre isso, Castells (1942) afirmou
daqueles que não se enquadram em tal quem determina os códigos culturais e
padrão. Ou seja, as imagens de representações é a classe
dominante (baseada na razão ocidental,
As mulheres afro-brasileiras são
estereotipadas como promíscuas ou que é branca e masculina), que se utiliza
eróticas e estão associadas, em todo da mídia onipresente e das instituições
o mundo, com certas profissões, sociais para expandir e racionalizar sua
como as “mulatas do carnaval” e dominação em relação aos atores sociais
dançarinas de boates. Essas e impor uma “identidade legitimadora”,
imagens mascaram as relações de instituidora de gestos, modos de ser e
poder e gênero que procuram estar no mundo, formas de falar e agir,
“Manter o negro no seu lugar”. pelos quais os sujeitos vão se
Lembranças, enfeites e camisetas constituindo, arranjando e
com imagens de mulheres negras desarranjando seus lugares sociais.
nuas, que são vendidas em quase
todas as lojas do Pelourinho, em
Salvador, Bahia, não estão

1
Ver DAVIS (2000); BRUSCHINI e SORJ
(1994).

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A escola: território de construção de cotidiano, sujeitos e identidades étnicas,
identidades de raça e de gênero de gênero, de classe.
A escola como sendo uma instituição de
Uma dessas instituições que fomentam
relevância na vida dos indivíduos, pelo
a “identidade legitimadora” é a escola,
tempo que o sujeito passa nela e pela
que apesar de ser definida pelos
importância dada ao
Parâmetros Curriculares Nacionais
ensino/aprendizagem transmitidos por
como sendo um espaço privilegiado
essa instituição, é um espaço importante
para promoção da igualdade e
na perpetuação de comportamentos,
eliminação de toda e qualquer forma de
atitudes, regras, símbolos e códigos
preconceito e discriminação porque
culturais que tornam “naturais” as
possibilita a convivência no mesmo
desigualdades, sobretudo raciais e de
espaço físico de pessoas de diferentes
gênero e interferem na formação das
origens étnicas, religiosas, sociais, não
identidades dos indivíduos que
tem conseguido lidar com a diversidade
compõem o processo pedagógico,
e ainda idealiza um tipo ideal de aluno,
principalmente, os alunos.
professor e ser humano. Segundo Louro
(1997, p.58), a instituição escolar. Entretanto, ela se coloca como uma
instituição igual para todos, mas a
Servindo-se de símbolos e códigos, padronização, homogeneização, acaba
ela afirma o que cada um pode (ou negando a diversidade e pluralidade
não pode) fazer, ela separa e brasileira, que são reais, concretas e
institui. [...] Através de seus verdadeiras e isso além de impor
quadros, crucifixos, santas, ou barreiras para que os alunos negros e as
esculturas, apontam aqueles/as que mulheres tenham um aceso e
deverão ser modelos e permite,
também, que os sujeitos se
permanência bem-sucedida não escola2,
reconheçam (ou não) nesses influencia a estruturação dos currículos
modelos. O prédio escolar informa escolares, a elaboração dos livros e
a todos/as sua razão de existir. Suas materiais didáticos, a organização do
marcas, seus símbolos e arranjos espaço escolar e a postura dos vários
arquitetônicos “fazem sentidos”, profissionais da educação, fatores que
instituem múltiplo sentidos, tentam legitimar e privilegiar o “padrão
constituem distintos sujeitos. ideal” de ser humano, que é branco e
masculino, e exclui significativamente
Ao apontar os símbolos e os códigos os grupos que não se enquadram nesse
que atuam de modo ativo na formação perfil: como as mulheres e os negros.
cultural dos sujeitos no ambiente Assim,
escolar, Louro debate sobre a relação
existente entre a escola e os sujeitos que
a compõe, sobretudo o corpo discente 2
que é o alvo principal da educação, na Segundo o IBGE (1999) mais da metade da
população negra é analfabeta. Menos de 2%
constituição das normas e dos modelos dessa população completa a educação
dominantes vigentes, bem como da universitária.
apropriação de estereótipos veiculados O PNAD (1996) constatou que no Brasil as
pelos grupos hegemônicos no Brasil, já pessoas negras têm menor número de anos de
que a escola é reflexo e refletora da estudos do que as pessoas brancas (4,2 de
negros e 6,2 de brancos). Na faixa etária de 14 a
sociedade. Ou seja, a escola, como 15 anos, o índice de pessoas negras não
campo político, não apenas transmitem alfabetizadas é 12% maior do que entre o de
conhecimentos, ela produz no seu pessoas brancas.

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Em alguns momentos, as práticas [...] A expressão não-verbal no
educativas que se pretendem iguais cotidiano da Educação Infantil e do
para todos acabam sendo as mais ensino fundamental é muito rica e
discriminatórias. Essa afirmação portadora de mensagens que tanto
pode parecer paradoxal, mas servem para estimular a
dependendo do discurso e da participação das crianças quanto
prática desenvolvida, pode-se para diferenciar o lugar de
incorrer no erro da homogeneização ocupação delas (CAVALLEIRO,
em detrimento do reconhecimento 2001, p.153).
das diferenças. Partir do
pressuposto de que os sujeitos Para as alunas negras esses mecanismos
presentes na escola são todos iguais negativos operam de maneira ainda
e, por isso possuem uma mais forte, pois elas são constantemente
uniformidade de aprendizagem, de expostas às situações de desvalorização
cultura de experiências, e os que e até de desumanização dos traços
não se identificam com esse padrão fenotípicos negros. Não raro os livros e
uniforme são defasados, especiais e materiais didáticos exporem os traços
lentos, é incorrer em uma postura estéticos negros de forma animalizada
que, ao desqualificar uma e/ou caricaturadas, enquanto que os
referência, reproduz uma traços brancos são supervalorizados,
dominação (GOMES apud
impondo um verdadeiro culto ao padrão
CAVALLEIRO, 2001, p.84).
de beleza “helênico”. As princesas dos
Desde muito cedo, a criança negra vai contos de fadas infantis, as heroínas, os
sendo exposta a mecanismos de anjos, são sempre representados pelo
discriminação, racismo e preconceitos padrão estético branco, enquanto tudo
presentes no interior da escola que aquilo que é negativo é simbolizado
dentre os muitos prejuízos, podem pelos traços negros. Esses símbolos
abater sua auto-estima, perpetuar a acabam contribuindo sutilmente para a
violência simbólica, contribuir para que construção de identidades negativas.
ela construa uma identidade racial
negativa e buscar assimilar os valores As cobranças cotidianas na “disciplina
culturais do grupo tido como superior. dos corpos”, conforme salienta Auad
Tais mecanismos se manifestam nas (2006), em que as meninas são muito
coisas faladas (apelidos pejorativos e mais cobradas quanto a disciplina no
xingamentos vexatórios), mas também, falar, no brincar, no sentar, na
e sobretudo, nos silêncios, nos não- realização das atividades escolares, na
ditos, na invisibilidade e silenciamentos organização de seus materiais, em
presentes nos currículos, livros e comportamentos de dependência e
materiais didáticos, nos espaços físicos docilidade, em comparação com os
da escola, no que tange as histórias e alunos, é um outro ponto notável nas
culturas dos negros e mulheres, fatores diferenças de tratamento dispensadas a
que contribuem para que os alunos alunos e alunas pela escola e mais um
negros não possuam referenciais exemplo de mecanismo presente nessa
positivos no ambiente escolar para a instituição que contribui para a
construção de suas identidades. Assim, construção de identidades negativas,
pautadas na ideia de inferioridade da
Na expressão verbal o racismo é mulher e de superioridade do homem.
disseminado quando ocorrem falas
explícitas ou implícitas que Os malefícios gerados pelos
depreciam a participação de mecanismos negativos presentes na
alunos/as negros/as. escola vão “eliminando” sutilmente os

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alunos negros, especialmente as alunas Considerações finais
negras, fato que pode ser percebido
A partir das discussões desenvolvidas
através dos ínfimos índices da presença
até aqui, é pertinente a afirmação de que
desses sujeitos no nível superior,
a o direito à igualdade, especialmente
sobretudo, nas universidades federais,
na escola, só se tornará efetivo, quando
situação que Queiroz (2004) explica,
as diferenças étnico-raciais, de gênero,
dentre outros fatores, pela precária
culturais, religiosas, financeiras, forem
situação das escolas públicas brasileiras,
reconhecidas, visibilizadas e
onde está a maioria dos alunos negros; a
respeitadas. A tentativa de
necessidade de atrelar estudo e trabalho
universalismo e homogeneização
desses alunos, muito mais que os
proposta pelo Positivismo já se mostrou
bancos; as condições materiais muito
incapaz de dar conta das demandas
mais difíceis para os negros, que os
diversas impostas pelas diferenças
levam, muitas vezes, a abandonar os
presentes no interior da escola,
estudos para se inserir mais cedo no
revelando esse tal princípio acaba
mercado de trabalho, revelando que as
gerando exclusões e discriminações.
barreiras vivenciadas por muitos negros,
fazem com que a busca pelo acesso ao No caso dos alunos negros,
ensino superior seja empurrada para especialmente das alunas negras, as
longo prazo, além da baixa auto-estima, exclusões se manifestam de maneira
identidades negativas e poucas mais latente, pois apesar dos discursos
expectativas pessoais e profissionais de democracia na escola, as histórias e
que alunos e alunas negras vão culturas dos negros e das mulheres
construindo a partir de suas vivências na ainda são recalcadas e marginalizadas
sociedade e no interior da escola. dos currículos, livros e cotidiano
escolares, contribuindo para a
No bojo dessas discussões é válida a
construção de identidades raciais e de
assertiva de que faz-se necessário que a
gênero negativas, o que impõe urgência
escola entenda que os sujeitos presentes
nas mudanças do trato da diversidade
no seu interior vêm de diferentes
racial e de gênero em tal instituição.
contextos socioculturais, possuem
visões de mundo e experiências de vida
bastante diversas. Respeitar e tratar
Referências
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