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FACULDADE CÁSPER LÍBERO

Rafael Barcellos Machado

Uma religião midiatizada:

Apropriação de mídias móveis nas práticas religiosas de

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias

São Paulo

2016
RAFAEL BARCELLOS MACHADO

Uma religião midiatizada:

Apropriação de mídias móveis nas práticas religiosas de

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias

Trabalho de conclusão de curso de Pós-


Graduação lato sensu apresentado à
Faculdade Cásper Líbero como requisito
parcial para a especialização em Teorias
e Práticas da Comunicação.

Orientador: Prof. Dr. Liráucio Girardi Júnior

São Paulo

2016
1.1.1.1 Machado, Rafael Barcellos

Uma religião midiatizada: Apropriação de mídias móveis nas


práticas religiosas de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias /
Rafael Barcellos Machado. -- São Paulo, 2016.

45 f. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Liráucio Girardi Júnior


Trabalho de conclusão de curso (lato sensu) – Faculdade
Cásper Líbero, Programa de Pós-graduação em Teorias e Práticas da
Comunicação

1. Midiatização. 2. Religião. 3. Mídias interativas. I. Girárdi, Liráucio Júnior.


II. Faculdade Cásper Líbero, Programa de Pós-graduação em Teorias e
Práticas da Comunicação. III. Título.
RAFAEL BARCELLOS MACHADO

Uma religião midiatizada:

Apropriação de mídias móveis nas práticas religiosas de

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias

Trabalho de conclusão de curso de Pós-


Graduação lato sensu apresentado à
Faculdade Cásper Líbero como requisito
parcial para a especialização em Teorias
e Práticas da Comunicação.

Orientador: Prof. Dr. Liráucio Girardi Júnior

__________________________

Data da aprovação

Banca examinadora

__________________________

__________________________

São Paulo

2016
À minha querida esposa, Katya, que me incentivou a concluir este trabalho.

À meus filhos, Amanda e Thomas, pela alegria.

A meus pais, Wanda e Milton, pela vida.

A Deus, meu Pai Celestial, pelo dom do arbítrio.


AGRADECIMENTOS

Aos excelentes professores da pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, em


especial Luís Mauro Sá Martino, Dimas A. Künsch, Roberto Chiachiri, Michelle
Prazeres Cunha e José Eugenio Menezes.

Ao professor Liráucio Girardi Júnior, meu orientador e grande incentivador durante a


redação deste trabalho.
RESUMO

Este trabalho compreende um estudo sobre a midiatização da religião, levando em


conta não apenas a mídia de massa, mas principalmente a apropriação de dispositivos
móveis e mídias interativas nas práticas de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias, buscando entender como a virtualização das interações sociais tem
modificado a estrutura, o conteúdo e a própria cultura dessa instituição religiosa.
Palavras-chave: Midiatização. Religião. Mídias interativas.
ABSTRACT

This research comprises a study on the mediatization of religion, not only taking into
consideration the mass media, but focusing mainly on the appropriation of mobile
gadgets and interactive media as part of the practices of The Church of Jesus Christ
of Latter-Day Saints, trying to find out how the virtualization of social interactions has
changed the structure, content and the very culture of this religious institution.
Key-words: Mediatization. Religion. Interactive media.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 08
2 MIDIATIZAÇÃO 12
2.1 Mídia como agente de mudança cultural e social 12
2.1.1 O conceito de midiatização 13
2.1.2 Mídia: uma instituição independente 15
2.1.3 Intervenção da mídia nos meios de interação social 17
2.1.3.1 A virtualização das instituições e a nova geografia social 17
2.1.4 A virtualização da religião 19
2.2 Mídias interativas e novas formas de interação social 20
2.2.1 A evolução do consumo de produtos midiáticos 20
2.2.2 O que muda com a nova lógica contemporânea de comunicação 21
2.2.2.1 A crescente integração entre a televisão e a internet: o Social TV 22
2.2.2.2 A comunicação na cultura digital: o paratexto 23
2.2.3 Dispositivo, sacralização e profanação 24
2.2.3.1 Formas de participação do indivíduo nos processos de circulação 25
2.2.4 Espalhamento midiático e presença religiosa na mídia 26
3 UMA RELIGIÃO MIDIATIZADA 27
3.1 A conferência geral mórmon 30
3.2 Os eventos “cara a cara” 34
3.3 Os devocionais com a presidência da área brasileira 35
3.4 As reuniões locais 36
3.5 As aulas do instituto de religião de ribeirão preto 38
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 40
5 REFERÊNCIAS 42
1 INTRODUÇÃO

A sociedade cibercultural em que vivemos nos expõe a uma quase


onipresença da mídia, visto que muitas das ações que fazemos são – ou podem ser
– desempenhadas tanto através dos meios de comunicação de massa quanto dos
meios de comunicação interativos. Por exemplo, ouvimos música, aprendemos coisas
novas, nos orientamos no trânsito, chamamos táxis, lemos notícias, trocamos
mensagens e fazemos pesquisas acadêmicas por meio de interfaces virtuais (e não
raro nos perguntamos: como essas coisas eram feitas antes da internet?). Essa
imersão num ambiente permeado pela mídia alarga nossas oportunidades de
interação temporais e espaciais, mas ao mesmo tempo nos deixa dependentes do uso
de dispositivos midiáticos para a realização das mais corriqueiras atividades.

Talvez nem tenhamos ciência disso, mas o fato é que caminhamos em direção
a uma realidade em que praticamente tudo será feito através de um dispositivo
midiático. Seremos cada vez mais e mais dependentes da conexão com a internet por
meio de aparelhos tecnológicos. Essa dependência de tecnologia é chamada de
midiatização, um fenômeno que tem alterado o caráter, o propósito e mesmo a
estrutura dos processos e instituições sociais, inclusive as mais tradicionais, como a
religião. Não é novidade que as diversas religiões há anos se utilizam da mídia de
massa para difundir seus preceitos e princípios, porém, a midiatização diz respeito,
também, à utilização das mídias interativas para fins religiosos e às práticas religiosas
particulares e pessoais de cada indivíduo, quando mediadas pela tecnologia. A esse
respeito, Stig Hjarvard explica que

os meios de comunicação interativos criaram novas possibilidades


para que os indivíduos se engajem em comunicação e práticas
religiosas fora do campo de controle das igrejas. O resultado geral não
é um novo tipo de religião como tal, mas sim uma nova condição social
em que o poder de definir e praticar a religião mudou (HJARVARD,
2012, p. 58).

Dos antigos manuscritos guardados quase em segredo durante a Idade


Média, hoje qualquer um pode baixar em seu celular ou tablet um aplicativo com a
Bíblia e lê-la no momento que lhe for mais conveniente; programas televisivos são
8
veiculados para que os fiéis possam acompanhar serviços de adoração; blogs,
páginas e canais surgem por meio do esforço de fiéis, sem terem o aval ou o controle
das igrejas; e esses são apenas alguns exemplos dessa nova condição social
mencionada por Hjarvard.

Diante dessa mudança significativa na maneira como se dá a relação entre os


fiéis e sua fé, vale a pena buscarmos uma compreensão melhor do assunto, tentando
perceber como as novas tecnologias de comunicação têm influenciado as práticas
religiosas na contemporaneidade.

Muitos autores têm pesquisado a maneira como a mídia de massa vem


alterando o caráter e o funcionamento das religiões, em especial no que diz respeito
aos rituais religiosos transpostos para o ambiente midiático de massa.

Por exemplo, podemos citar o livro The Mediatization of Religion: When Faith
Rocks, por Luis Mauro Sá Martino, que aborda questões relativas à relação entre
mídia de massa, religião e política, procurando entender a influência que a religião
pode ter sobre as pessoas numa época tão secularizada. Por meio de uma profunda
análise teórica e de estudos de caso, o autor sugere que essa influência se torna
possível por meio da aproximação com a cultura pop, permitindo às religiões levarem
sua mensagem a um público mais amplo, ao mesmo tempo em que fortalecem sua
influência em assuntos políticos e de interesse público.

Um outro exemplo desse tipo de estudo foi conduzido pelo pesquisador Luis
Ignacio Sierra Gutierrez, dentro do programa de pós-graduação em ciências da
comunicação, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O trabalho, intitulado A tele-
fé: religião midiatizada - estratégias de reconhecimento de sentidos religiosos de
telefiéis do canal REDEVIDA de televisão em Porto Alegre, R. S., propõe a tese de
que os programas telerreligiosos veiculados na televisão católica caracterizam novas
formas de se fazer religião na contemporaneidade, e ocupa-se em analisar tanto a
lógica da criação do discurso telerreligioso quanto a lógica da apropriação e do
reconhecimento dos sentidos telerreligiosos por parte dos telefiéis do canal Rede
Vida. A conclusão a que o estudo chega é a de que os telefiéis reconhecem os
produtos religiosos ofertados pelo canal e com eles interagem, desenvolvendo assim
práticas sociossimbólicas que dão origem a novas maneiras de se fazer religião.

9
Ambos os estudos ocupam-se em analisar a midiatização da religião a partir
da interação dos fiéis com a mídia de massa, especialmente a televisiva. Porém, no
que diz respeito às interações através das mídias interativas, poucos se dedicaram ao
estudo da influência que essas novas tecnologias têm exercido sobre a relação dos
fiéis com sua fé. De fato, não conseguimos encontrar nenhum estudo mais amplo e
aprofundado sobre o assunto, o que justifica nosso interesse por esse tema de
pesquisa.

O objetivo deste trabalho, portanto, é verificar como as novas mídias


interativas são utilizadas pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias,
popularmente conhecida como Igreja Mórmon, e possivelmente identificar o que muda
nas relações existentes entre os fiéis e sua fé.

A escolha por essa instituição religiosa se dá em parte pela familiaridade do


autor deste trabalho com essa religião, mas também pela interessante relação que a
Igreja mantém com a mídia.

A Igreja Mórmon foi fundada em 1830, em Nova York, Estados Unidos, por
Joseph Smith Jr, e desde o início se valeu de iniciativas midiáticas para a propagação
de sua fé. Desde aquela época, vários jornais, revistas, livros e outras publicações
impressas foram e têm sido publicadas pela Igreja. Posteriormente, com o advento do
rádio e da televisão, a instituição logo lançou programas para ambas as mídias, como
o famoso Music and the Spoken Word [Música e palavras de inspiração], transmitido
semanalmente em mais de 60 idiomas, sem interrupção, há mais de 80 anos.1

Além das iniciativas na mídia de massa, chama a atenção o fato de a Igreja


Mórmon investir grandemente em recursos para as novas mídia interativas, para
facilitar tanto o trabalho da liderança eclesiástica quanto dos membros das
congregações. O uso de tais recursos midiáticos tem favorecido a virtualização de
interações sociais que antes só ocorriam presencialmente, o que por sua vez tem
causado alterações culturais que merecem ser estudadas mais atentamente.

1 Ver History of Music and the Spoken Word. Disponível em


<https://www.mormontabernaclechoir.org/music-spoken-word/history-of-music-and-the-spoken-
word.html>. Acesso em 15 ago. 2016.
10
Esta pesquisa é estruturada em duas partes: a primeira é um estudo
bibliográfico sobre a midiatização e as mudanças culturais que ela traz para a
contemporaneidade; a segunda é uma reflexão sobre a Igreja Mórmon e quais
mudanças culturais típicas da midiatização já podem ser verificadas dentro dessa
instituição.

A fim de compreender o conceito de midiatização, estudamos Stig Hjarvard,


que ajuda a definir a midiatização como agente de mudança social e cultural; e Edson
Fernando Dalmonte, que traz mais luz sobre as novas formas de comunicação
possibilitadas pelas mídias interativas.

Os autores sugerem formas pelas quais a midiatização tem modificado o


caráter, o funcionamento e a estrutura da religião, por isso em nosso estudo de caso
procuramos evidências que corroborem suas afirmações e exemplifiquem as
alterações culturais pelas quais a Igreja Mórmon tem passado em função das novas
mídias interativas.

Para colher impressões a respeito da Igreja e de sua relação com as novas


mídias interativas nos valemos de observações etnográficas e de consultas a sites e
canais criados pela própria instituição e também por outras fontes independentes. As
observações etnográficas foram colhidas presencialmente, durante as reuniões
dominicais da Igreja localizada na Rua Ibituruna, 82, no bairro da Saúde em São
Paulo, durante os meses de março e agosto de 2016.

11
2 MIDIATIZAÇÃO

O ponto de partida desta pesquisa é compreender o conceito de midiatização


e quais mudanças essa condição traz para a cultura, a sociedade e a comunicação
no mundo contemporâneo. Para isso, nos apoiamos no trabalho de Stig Hjarvard
sobre a midiatização como um processo de mudança social e cultural, e no trabalho
de Edson Fernando Dalmonte sobre novos cenários comunicacionais possibilitados
pelas mídias interativas.

Com Hjarvard, encontramos a definição do conceito de midiatização, por isso


começaremos fazendo uma análise do texto Midiatização: teorizando a mídia como
agente de mudança social e cultural. Em seguida, debruçamo-nos sobre a
argumentação desenvolvida por Dalmonte no artigo Novos cenários comunicacionais
no contexto das mídias interativas: o espalhamento midiático, a fim de descobrirmos
alguns aspectos comunicacionais específicos que são alterados devido às novas
formas de interação proporcionadas pela midiatização.

2.1 Mídia como agente de mudança cultural e social

Segundo Hjarvard, a midiatização é um quadro teórico que surgiu para


investigar a interação da mídia com a cultura e a sociedade, não apenas como uma
instituição à parte das demais, mas também como uma nova condição social, um
processo ou lógica que permeia todas as outras instituições.

Tradicionalmente, alguns pesquisadores tendem a separar mídia, cultura e


sociedade, ocupando-se em investigar o efeito de mensagens mediadas sobre
instituições e indivíduos. Porém, a contemporaneidade nos revela uma sociedade
quase que completamente envolvida pela mídia, o que requer uma abordagem

12
investigativa que procure entender como as instituições mudam de caráter devido à
onipresença midiática. Nesse contexto, Hjarvard explica que

a midiatização é um processo de dupla face no qual a mídia se


transformou em uma instituição semi-independente na sociedade à
qual outras instituições têm que se adaptar. Ao mesmo tempo, a mídia
se integrou às rotinas de outras instituições, como política, família,
trabalho e religião, já que um número cada vez maior das atividades
destes domínios institucionais é realizado através tanto dos meios de
comunicação interativos quanto dos meios de comunicação de massa
(HJARVARD, 2012, p. 53).

Com isso, depreendemos duas proposições que são relevantes para nossa
pesquisa. Em primeiro lugar, o caráter duplo da mídia como instituição e também como
processo. Instituição, porque permanece até certo ponto à parte, distinta das demais
estruturas sociais que a ela se adaptam; processo, pois sua lógica é adotada e
abraçada pelas demais instituições, que mudam seu modo de fazer para estar em
harmonia com o fazer da mídia. Em segundo lugar, aprendemos que essa adaptação
de outras instituições à mídia ocorre tanto pelos meios de comunicação de massa,
quanto pelos meios de comunicação interativos, sendo estes últimos o foco principal
deste estudo.

2.1.1 O conceito de midiatização

Após fazer uma breve análise sobre a evolução do estudo da midiatização,


Hjarvard propõe definir o termo como um “conceito central em uma teoria sobre a
importância intensificada e mutante da mídia dentro da cultura e da sociedade”
(HJARVARD, 2012, p. 64). Tal perspectiva considera a midiatização como um
“processo pelo qual a sociedade, em um grau cada vez maior, está submetida a ou
torna-se dependente da mídia e de sua lógica” (HJARVARD, 2012, p. 64), resultando
numa transposição das interações sociais para os meios de comunicação. De fato, “a
midiatização implica uma virtualização da interação social” (HJARVARD, 2012, p. 53).

Hjarvard também considera a midiatização como um conceito não-normativo,


ou seja, que não estabelece regras ou normas a serem seguidas. Antes, é uma ciência
mutável, cujas consequências sobre as instituições não podem ser pressupostas de
maneira geral, mas devem ser estudadas caso a caso. Nesse sentido, ele afirma que

Se a midiatização tem consequências positivas ou negativas é algo


que não pode ser determinado em termos gerais; é uma questão
concreta e analítica que precisa ser abordada em termos de contextos

13
específicos, onde a influência de meios de comunicação específicos
sobre certas instituições é avaliada (HJARVARD, 2012, p. 65).

Uma ressalva importante feita pelo autor é a de que não devemos confundir
midiatização com mediação, pois enquanto esta trata de qualquer forma de
comunicação mediada, num sentido mais amplo, aquela lida com os efeitos que a
frequente utilização da comunicação mediada podem trazer à cultura. O autor
especifica essa diferença ao afirmar que

A mediação descreve o ato concreto da comunicação através de um


meio em um contexto social específico. Por outro lado, a midiatização
se refere a um processo mais a longo prazo, segundo o qual as
instituições sociais e culturais e os modos de interação são alterados
como consequência do crescimento da influência dos meios de
comunicação (HJARVARD, 2012, p. 66).

Finalizando suas considerações iniciais, Hjarvard salienta que existem duas


formas de midiatização, chamadas de direta (ou forte) e de indireta (ou fraca), as quais
não são exclusivas, mas podem ocorrer concomitantemente. A forma direta de
midiatização descreve atividades antes não mediadas, que passam a ser realizadas
através da interação com um meio. Como exemplos, ele cita o ato de jogar xadrez no
computador e a possibilidade de utilizarmos um banco online. Em ambos os casos,
essas interações costumavam se dar presencialmente, mas com a virtualização das
atividades, inúmeras oportunidades são abertas e surgem várias mudanças
comportamentais.

Quanto à forma indireta de midiatização, a atividade em si não


necessariamente passa a ser realizada através de um meio, mas sua forma, seu
conteúdo ou sua organização passam a ser influenciados pelos símbolos e pela lógica
midiática. Por exemplo, ao visitar um Burger King ou McDonald’s, somos expostos a
uma gama de filmes, animações e até brinquedos inspirados nalógica e mesmo em
personagens midiáticos. A atividade em si (ir ao restaurante) permanece quase a
mesma, mas o contexto em que está inserida agora relaciona-se intimamente aos
meios de comunicação. Outro exemplo desse tipo de midiatização é o
“desenvolvimento do discurso intertextual entre os meios de comunicação e outras
instituições da sociedade” (HJARVARD, 2012, p. 67), como o conhecimento que
formamos a respeito de países estrangeiros por meio das representações da sua
cultura, dos seus costumes e da sua história, as quais recebemos pela mídia.

14
Apesar dessas manifestações da midiatização não ocorrerem
separadamente, Hjarvard explica que, para fins de análise, pode ser necessário criar
uma distinção entre os dois conceitos. Dessa forma, ele pontua que

A midiatização direta torna visível como uma determinada atividade


social é substituída, isto é, transformada de uma atividade não-
mediada a uma forma mediada e, em tais casos, é bastante fácil
estabelecer um antes e um depois e analisar as diferenças. Sempre
que os meios de comunicação, a partir disso, passam a funcionar
como uma interface necessária para o desempenho de tal atividade
social, estamos lidando com uma forma forte de midiatização. A
midiatização indireta não afeta necessariamente os modos pelos quais
as pessoas executam uma determinada atividade.
Consequentemente, a midiatização indireta de uma atividade ou
esfera tem um caráter mais sutil e geral e está relacionada ao aumento
geral da dependência por parte das instituições sociais dos recursos
de comunicação. Isso não significa afirmar que a midiatização indireta
é menos importante ou que, visto a partir de uma perspectiva da
sociedade, tem menos impacto. A midiatização indireta é, no mínimo,
tão importante quanto as formas diretas (HJARVARD, 2012, p. 67-68).

Vale destacar que esse fenômeno ainda não atinge todas as sociedades, mas
é uma tendência que acompanha o processo de globalização, tendo-se disseminado
com maior rapidez desde o fim do século XX, especialmente em sociedades modernas
com alto índice de industrialização e notadamente ocidentalizadas.

2.1.2 Mídia: uma instituição independente

No processo de ascensão da mídia a uma condição de instituição


independente na sociedade, Hjarvard identifica três períodos distintos. Num primeiro
momento, até por volta dos anos 1920, os meios de comunicação serviam como
instrumentos para outras instituições divulgarem e propagandearem seus próprios
interesses, como era feito através da imprensa partidária, de periódicos científicos, de
publicações religiosas, etc. Num segundo momento, que se deu entre a década de
1920 e a década de 1980, a mídia firmou-se gradualmente como uma instituição
cultural, orientada pelo interesse público e pela representação de interesses comuns
da sociedade, atuando por meio da imprensa coletiva e pela prestação de serviços
em massa. Por fim, a partir da década de 1980, os meios de comunicação foram
alçados a uma condição de instituição semi-independente, integrando-se a outras
instituições e atuando cada vez mais por meio dos conteúdos criados pelos próprios
usuários e para grupos segmentados de usuários.

15
Essa ascensão e essa primazia da mídia na contemporaneidade resultam em
duas alterações na maneira como a mídia e as demais instituições sociais se
relacionam. Segundo o autor,

Os meios de comunicação influenciam e intervêm na atividade de


outras instituições, tais como família, política, religião organizada etc.,
ao mesmo tempo que também proporcionam um espaço público para
a sociedade como um todo, isto é, fóruns de comunicação virtuais
compartilhados que outras instituições e atores, cada vez mais,
utilizam como espaços para sua interação (HJARVARD, 2012, p. 68).

A fim de compreender os efeitos dessa nova condição alcançada pela mídia,


o autor propõe considerarmos a midiatização com base nos conceitos de instituições
e interação conforme propostos pela sociologia.

Por instituições, entendemos os elementos estáveis e previsíveis da


sociedade, tais como a família, a política, o trabalho e a religião, os quais “constituem
a estrutura para a comunicação e a ação humanas em determinada esfera da vida em
um determinado momento e lugar” (HJARVARD, 2012, p. 68). Ou seja, para
comunicar-se e agir dentro de cada instituição, o indivíduo precisa estar familiarizado
com o comportamento padrão que dele é esperado naquele contexto específico.
Nessa condição, as instituições valem-se de dois componentes importantes: as regras
e a alocação de recursos.

As regras correspondem a leis internas, sejam explícitas ou implícitas, que


regem o funcionamento e o convívio dentro de cada instituição. E onde há regras,
deve necessariamente haver sanções para o descumprimento delas, sanções essas
que podem variar desde repreensões até processos legais. Já a alocação de recursos
diz respeito tanto aos recursos materiais (sua administração e controle) quanto aos
recursos relativos à autoridade (distribuição de responsabilidades, quem pode falar
em nome da instituição, quem pode interagir com quem, etc.).

Com a conquista do status de instituição, os meios de comunicação também


são orientados por regras, leis e regulamentações, e também possuem controle sobre
recursos de patrimônio e de autoridade. O que mais chama a atenção, entretanto, é o
fato de que, por causa da midiatização, as regras e os recursos da mídia passam a
ser adotados por outras instituições. Ou, como afirma Hjarvard,

a midiatização implica que outras instituições, cada vez mais, tornem-


se dependentes dos recursos que os meios de comunicação
16
controlam, e têm que se submeter a algumas das regras pelas quais
os meios funcionam a fim de ganhar acesso a esses recursos
(HJARVARD, 2012, p. 70).

2.1.3 Intervenção da mídia nos meios de interação social

Após discutir a definição, o surgimento e a evolução do conceito de


midiatização, Hjarvard propõe examinarmos os modos pelos quais a sociedade tem
sido influenciada pela midiatização, ou as maneiras pelas quais a mídia tem
modificado as interações sociais.

A mudança mais evidente ocasionada pela midiatização é que “os meios de


comunicação possibilitam que as pessoas interajam a distância, ou seja, sem que
tenham que estar no mesmo local ao mesmo tempo” (HJARVARD, 2012, p. 76). Isto
traz consigo algumas consequências importantes, tais como a possibilidade de se
comunicar em múltiplas frentes ao mesmo tempo (como quando abrimos várias abas
de apps interativos); a otimização da participação em atividades sociais ou da
obtenção de informações (por exemplo, é muito mais fácil enviar uma simples
mensagem de feliz aniversário do que ter de encontrar-se pessoalmente com um
amigo para felicitá-lo); e a capacidade de gerenciar e filtrar as informações que
compartilhamos com os outros, podendo-se inclusive decidir quando uma mensagem
será respondida e também ter mais controle sobre a impressão de si mesmo que é
transmitida aos outros.

2.1.3.1 A virtualização das instituições e a nova geografia social

É interessante notar, entretanto, que o uso das novas tecnologias interativas


não só expande nossa percepção de espaço, mas também a complexifica. Hjarvard
afirma que

O meio conecta diferentes localidades físicas e contextos sociais em


um único espaço interativo, mas não anula a realidade dos contextos
físicos e sociais separados. A televisão, os telefones e a internet
encurtam distâncias, mas os usuários dificilmente abandonam seus
sofás ou mesas para entrar no espaço interativo. Assim, os meios de
comunicação tanto conectam os participantes na interação quanto, ao
mesmo tempo, criam uma distância entre o palco virtual do espaço
interativo e os respectivos contextos sociais delimitados dos
participantes, dos quais eles continuam a fazer parte (HJARVARD,
2012, p. 81).

Ou seja, apesar de podermos interagir virtualmente com pessoas que estejam


fisicamente em qualquer local do mundo, ainda permanecemos separados por
17
territórios físicos e também pelas diferenças sociais nas quais estamos inseridos.
Porém, atores que antes talvez não tivessem o desejo de interagir face a face (não
devido à distância física que os separa, mas por causa de preconceitos ou outros
fatores que demarcam as diferenças sociais) podem vir a se conectar no espaço
virtual. Isso ocorre pois as normas para o convívio no ciberespaço são diferentes
daquelas do ambiente físico, e a imagem própria que se constrói naquele espaço pode
contribuir para a anulação de barreiras sociais e outros impedimentos. O autor
também comenta que essa

crescente complexidade dos territórios na interação mediada


testemunha um efeito geral da midiatização: a virtualização de
instituições sociais. Antes, as instituições eram mais ligadas a lugares
específicos: a política ocorria no parlamento, na prefeitura e em salas
de reunião; a educação ocorria nas escolas e universidades; e a arte
era apresentada no palco e nos museus e galerias. Como
consequência da intervenção dos meios de comunicação, os
indivíduos podem participar de e juntar-se a diferentes instituições
sociais, independentemente de sua localização física (HJARVARD,
2012, p. 82).

Estando em qualquer lugar do mundo, podemos então interagir com outros


atores e instituições, por meio de fóruns e de outras ferramentas virtuais, em vez de
precisarmos nos deslocar para os locais específicos onde a interação costumava
acontecer, o que constitui uma evidência da virtualização das instituições,
característica marcante da midiatização.

Hjarvard comenta ainda que a maior parte das nossas interações agora
acontecem no lar, de modo que essa instituição também tem se modificado para
abraçar essa nova forma de interação social. Ele explica que

A virtualização das instituições sociais caminha lado a lado com uma


domesticação dessas instituições. Normalmente, o lar e a família são
cada vez mais o ponto em torno do qual gira o acesso a outras
instituições. Jornais, rádio e televisão levaram a política e a expressão
cultural para o lar; estações de trabalho via internet levaram o trabalho
remunerado para a vida familiar; e os meios de comunicação digitais
em geral tornaram possível a interação com atores tanto de esferas
públicas quanto privadas a partir do conforto do lar. Por um lado, tudo
isso implica um aprimoramento do lar e da família como uma
instituição onde outras instituições agora são acessíveis. Por outro
lado, a nova acessibilidade também altera o lar e a família, uma vez
que os membros destes podem estar fisicamente presentes no lar
mas, no entanto, mentalmente em sintonia com outras instituições. A
virtualização das instituições implica em que o lar perca um pouco da
sua capacidade de regular o comportamento dos membros da família,
e cabe ao indivíduo decidir de qual instituição está participando e
ajustar seu comportamento de acordo com isso. Os contextos
institucionais não são mais definidos pelo seu locus, mas, sim, são
18
cada vez mais uma questão de escolha individual (HJARVARD, 2012,
p. 83).

De dentro de casa temos acesso à fóruns de discussão e diálogo pertinentes


a outras instituições, não somente as locais (que estejam fisicamente próximas), mas
também as nacionais e internacionais, o que promove uma

desterritorialização da experiência cultural e da interação social. Com


a internet, os telefones celulares e um crescente mercado global para
séries de televisão, filmes, música, publicidade etc., a experiência
humana não é mais vinculada nem a um contexto local nem a um
contexto nacional, mas também tem lugar em um contexto globalizado.
Da mesma forma, os meios de comunicação possibilitam a interação
com outras pessoas além das fronteiras políticas e culturais
(HJARVARD, 2012, p. 83).

2.1.4 A virtualização da religião

Hjarvard deixa claro que o processo de midiatização, por meio do qual a mídia
assumiu um caráter como instituição independente, tem implicações sobre a cultura e
a sociedade, especialmente na maneira como ocorrem as interações sociais, de modo
que as relações entre indivíduos e instituições são alteradas.

Muitas das atividades que antes eram realizadas sem a intervenção midiática
hoje são virtualizadas e carecem da utilização de um dispositivo tecnológico para que
aconteçam. Além disso, atividades que ainda não foram totalmente transpostas para
o ciberespaço tiveram seu caráter modificado, na medida em que sua forma, seu
conteúdo ou sua organização agora sofrem influência dos símbolos e da lógica
midiática.

Tendo em vista essas mudanças trazidas pela midiatização, interessa-nos


saber como a instituição religião tem sido alterada e virtualizada. Sendo assim,
propomos as seguintes indagações a respeito da Igreja de Jesus Cristo dos Santos
dos Últimos Dias, para servirem de base para as reflexões etnográficas do próximo
capítulo, sobre a religião midiatizada:

1. Que atividades do domínio religioso já foram transpostas


para o ambiente virtual e podem ser realizadas através dos meios de
comunicação de massa e interativos?
2. Que interações tipicamente presenciais já foram
virtualizadas?

19
3. Que exemplos podemos encontrar de midiatização direta
e indireta dentro da Igreja?
4. Como o conceito de domesticação das instituições se
aplica à Igreja Mórmon?
5. Que exemplos de conteúdos criados por fiéis, fora do
controle da Igreja, podemos encontrar?

Em consonância com essa última pergunta, passamos agora à discussão


proposta por Edson Fernando Dalmonte, que em grande parte trata do
empoderamento do consumidor na sociedade midiatizada, que deixa de ser um mero
receptor para tornar-se também um produtor de conteúdo.

2.2 Mídias interativas e novas formas de interação social

Dalmonte (2014) reconhece a presença crescente da mídia na vida das


pessoas, o que, em essência, resume o conceito de midiatização. Essa participação
cada vez maior da mídia em nosso cotidiano tem possibilitado tanto uma maior
circulação de informações quanto uma maior participação dos indivíduos nos
processos de elaboração e distribuição de conteúdos, evidenciando uma mudança
cultural que rapidamente se disseminou por toda a sociedade.

No que diz respeito a esta pesquisa, interessa-nos procurar identificar se essa


mudança cultural já pode ser percebida em produtos midiáticos de cunho religioso, e
como essas inovações e o uso das tecnologias interativas têm sido apropriados em
especial pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

2.2.1 A evolução do consumo de produtos midiáticos

A maneira como as mídias são usadas tem evoluído tanto quanto as


tecnologias que as tornam possíveis. Essa evolução do consumo midiático se deu ao
longo do tempo, podendo ser distinguida em três fases distintas. Na primeira fase, o
consumo de mídia era partilhado, ocorrendo quando os indivíduos se reuniam em
volta de um único dispositivo receptor para ouvir programas radiofônicos ou
20
televisivos. Nessa fase, a troca de impressões a respeito da programação era
imediata, mas se restringia apenas ao grupo reunido fisicamente no mesmo local.

A segunda fase foi a do consumo individualizado, que originou-se em


decorrência do barateamento dos aparelhos receptores, permitindo que o consumo
de mídia pudesse ser feito de forma privada e, quase sempre, de maneira individual,
já que não havia mais a necessidade de se reunir um grupo em um mesmo local para
assistir ou ouvir a programação.

A terceira etapa, que é a atual, é marcada pelo consumo privado e


compartilhado, em que os indivíduos consomem os produtos midiáticos
individualmente, mas ao mesmo tempo utilizam as mídias interativas para
compartilhar suas impressões nas redes sociais, retomando assim o sentido
comunitário de ver junto, como acontecia na primeira fase. Nesta nova etapa, porém,
a estrutura da conversação se amplia, e o indivíduo pode se conectar a um grupo
muito maior de pessoas com interesses específicos em comum.

2.2.2 O que muda com a nova lógica contemporânea de comunicação

Esse cruzamento midiático dá origem a novas formas de consumo e de


produção de conteúdo, como a recirculação e a reverberação, que trazem consigo
características como o rompimento com a temporalidade do consumo, pois o antigo
modelo síncrono de circulação de informações agora passa a ser assíncrono, ou seja,
a audiência consome, critica e discute os conteúdos a qualquer momento, não apenas
durante a transmissão do programa.

Outra característica é o importante elemento de promoção adquirido pela


esfera de consumo, visto que os botões de “curtir” e “compartilhar” podem de fato
alavancar temas e levá-los para a grande mídia. Por sua vez, isso faz com que os
produtos atuais já sejam planejados para se adequarem a essa lógica “barulhenta” e
caótica de consumo, em que não há linearidade, mas todos os fluxos possíveis são
considerados, obedecendo à lógica do “espalhamento midiático”.

Essa nova lógica é um modelo híbrido, que abarca tanto o fluxo comercial (de
cima para baixo), quanto os fluxos alternativos (de baixo para cima), em que os
conteúdos circulam e recirculam. Dalmonte (2014, p. 3) chega a citar as palavras de

21
Jenkins, Ford e Green para enfatizar a importância desse fator: “se não se espalhar,
está morto”. Ou seja, o conteúdo que não é programado para ser difundido em outras
midias, corre o risco de perecer.

Todo esse interativismo traz à tona uma outra característica marcante da nova
lógica contemporânea, que é o imediatismo, o desejo pelo consumo imediato de
mídia, o qual configura uma nova relação com a experiência temporal e, por
conseguinte, uma nova forma de manifestação cultural, notadamente fazendo com
que a divulgação, o consumo e as críticas passem a fazer parte do produto midiático
desde a origem. Em outras palavras, os produtos midiáticos são planejados para
convocar as audiências à interação.

2.2.2.1 A crescente integração entre a televisão e a internet: o Social TV

Evidenciando esse interativismo, Dalmonte relembra que o conteúdo


televisivo e a internet têm se integrado cada vez mais, e diversos estudos têm surgido
com o intuito de averiguar a influência que uma mídia exerce sobre a outra. Um novo
termo foi cunhado para descrever essa relação e a dinâmica fomentada pelas novas
tecnologias, o chamado “Social TV”, que designa o uso social da televisão, o qual
ocorre por meio da interação entre os telespectadores nas mídias digitais. Essa
sociabilidade televisiva pode se dar de duas maneiras: diretamente (quando a TV
fornece o contexto, e a interação acontece durante a exibição do programa), ou
indiretamente (quando a interação ocorre antes ou após o evento, por meio de
ferramentas como fóruns online).

Essa conversação intermediada é chamada de backchannel, um “canal por


trás do canal” (Proulx & Shepatin, apud Dalmonte, 2014, p. 5), formado pelas milhares
de interações em tempo real que se originam a partir de produtos televisivos e se
espalham para outras mídias, às vezes em escala global. É como uma retomada do
antigo consumo midiático partilhado, porém elevado à enésima potência, pois o
indivíduo, no conforto de sua casa (ou onde quer que tenha acesso a uma tela), pode
participar de um diálogo desenvolvido por um gigantesco grupo virtual e que origina
um engajamento sem par da audiência.

Em suma, a Social TV é resultado da convergência entre o sistema televisivo


tradicional e as novas midias sociais, marcada fortemente pela descentralização e
22
pela recirculação de produtos midiáticos, seja de maneira simples, quando se mantém
a formatação original; ou de maneira modificada, quando algum tipo de adaptação é
feita para adequar o produto aos interesses do usuário.

2.2.2.2 A comunicação na cultura digital: o paratexto

Diante de todas essas alterações culturais na maneira como pensamos,


produzimos e consumimos produtos midiáticos, inovações essas surgidas em
decorrência das novas mídias interativas, faz-se necessário reconhecermos que a
comunicação no contexto contemporâneo é intrinsecamente relacionada à cultura
digital, “que tem no contato interativo do leitor com modalidades textuais seu ponto
principal” (DALMONTE, 2014, p. 6).

O texto interativo é fluído, extrapolando os limites puramente “textuais” para


incluir outras modalidades de comunicação, tais como imagens e vídeo, por exemplo,
de modo que adquire sentido não só pelo que traz dentro de si mesmo, mas também
pelo que orbita a sua volta.

Para estudar esse fenômeno, Dalmonte recorre à noção de paratexto,


proposta por Genette, segundo a qual o texto liga-se intimamente à estrutura que o
envolve, fazendo com que o sentido do conteúdo seja reforçado pela forma em que é
apresentado. Dentro da lógica interativa da comunicação contemporânea, a cada
nova atualização ou modificação de conteúdo recirculada pelos próprios
consumidores/produtores, o sentido do texto se amplia e se transforma. Nas palavras
de Dalmonte,

os elementos que constituem o paratexto são oriundos de um conjunto


marcado pela diversidade de práticas e discursos, que confluem para
a formação do sentido da obra num contexto mais amplo. O
interessante é que a noção de atualização envolvendo a obra resulta
de uma movimentação social em torno de um produto que, não
obstante traga as marcas que lhe foram agregadas no processo de
feitura, está aberta a receber outras “inscrições”, como resultado da
apropriação social (DALMONTE, 2014, p. 7)

A partir das potencialidades das novas mídias interativas, os textos são


modificados e constantemente renovados por diversos autores, sendo então
espalhados pelas redes sociais, onde adquirem novos sentidos que, apesar de
distantes, continuam conectados ao assunto original. Um fator interessante decorrente
disso é a permanência prolongada de produtos da cena midiática, que podem
23
continuar sendo renovados por anos a fio dentro de nichos de audiência, o que
demarca a transição de um mercado geral e massivo para um mercado segmentado
e fragmentado, mas ainda assim significativo.

2.2.3 Dispositivo, sacralização e profanação

Outro conceito importante ao qual Dalmonte recorre é o de dispositivo, que,


segundo ele, “é fundamental para os estudos acerca da realidade midiática
contemporânea, pois permite avaliar a natureza dos meios e de suas mensagens em
interação com as novas dinâmicas de apropriação/consumo” (DALMONTE, 2014, p.
8). Para isso, o autor fundamenta-se na noção desenvolvida por Agamben, segundo
a qual um dispositivo é “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de
capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos,
as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (AGAMBEN, apud
DALMONTE, 2014, p. 8). O termo dispositivo, então, não trata de aparelhos
midiáticos, como estamos comercialmente habituados a usá-lo, mas sim de processos
por meio dos quais os indivíduos passam a ser sujeitos e estabelecem padrões de
conduta em sociedade.

Partindo dessa compreensão, Dalmonte esclarece que os dispositivos têm


como função conformar os modos pelos quais os indivíduos interagem com máquinas
e artefatos culturais, sendo estabelecidos sobre outros dois importantes conceitos: o
de sacralização (a separação ou transferência de algo para uma esfera superior) e o
de profanação (o retorno de algo à esfera do cotidiano e livre uso dos homens).

O que nos chama atenção aqui é que, como resultado da profanação, a


sacralização (ou separação/transferência de algo para uma esfera superior) perde o
sentido, e o uso do processo antes intocável retorna para os sujeitos-usuários, que
são agora livres para imprimir novos usos ao dispositivo. Daí podem surgir
apropriações inusitadas, que promovem uma reaproximação entre os indivíduos e
aquilo que lhes havia sido subtraído.

A título de exemplo, uma arma é separada e sacralizada como um instrumento


de guerra. Porém, uma criança que a tome nas mãos para brincar com ela conferirá
ao dispositivo um novo uso, totalmente diferente do sentido original. Assim, a

24
separação original entre a criança e a arma não apenas é desfeita, mas um novo uso
é inventado para o dispositivo.

2.2.3.1 Formas de participação do indivíduo nos processos de circulação

Tendo esses conceitos em vista, podemos utilizá-los para analisar as relações


entre produtos midiáticos e os consumidores/produtores que surgem com as novas
mídias interativas na contemporaneidade. Dalmonte indica três fluxos para essas
relações de espalhamento midiático: o prolongamento da obra ou do seu tempo de
circulação, o que retoma a ideia de transição da temporalidade síncrona para a
assíncrona; o reforço da obra, que percebe a movimentação, reconfiguração ou
fortalecimento da audiência nas redes sociais; e a desqualificação ou profanação
da obra, que cuida dos usos desviantes daquilo que originalmente havia sido
pensado.

No contexto da Social TV, em que as redes sociais aparecem como


instrumentos de divulgação da programação televisiva, Dalmonte relaciona ainda dois
caminhos distintos e um intermediário, por meio dos quais o espalhamento ocorre. O
primeiro e mais simples é reconhecer que os produtos midiáticos são projetados para
espalharem-se em redes que possibilitam ações como curtir, compartilhar, comentar,
etc., estando essa modalidade associada ao conceito de mídia viral.

O segundo caminho é o que leva em consideração alguma ação criativa por


parte da audiência, que se apropria de um produto para espalhá-lo com outros
sentidos agregados, mesmo que diferentes das intenções originais, como é o caso
das famosas trollagens.

O terceiro caminho, ou via intermediária, trata das ações desenvolvidas por


usuários nas redes sociais e que acabam sendo apropriadas pelas empresas, como
numa tentativa de se retomar o controle de alguma ponta solta do processo de
produção.

Por fim, a conclusão a que Dalmonte chega é a de que, diante de todas essas
mudanças culturais, a audiência hoje desempenha um papel muito maior no contexto
do consumo midiático, sendo entendida não apenas como a meta final a ser
alcançada, mas sim como parte do processo de circulação de conteúdos.

25
2.2.4 Espalhamento midiático e presença religiosa na mídia

Após nossa análise da argumentação sustentada por Dalmonte, fica evidente


que a midiatização trouxe consigo uma mudança cultural que rapidamente se
expandiu por toda a sociedade na forma de um empoderamento do consumidor, que
agora passa a ser também produtor do conteúdo que é circulado nas redes.

Agindo nesse papel, o consumidor/produtor toma para si parte do controle


sobre as informações, o que antes era exclusividade dos grandes veículos midiáticos.
E esse poder e controle adquiridos pelo usuário trazem à tona características como o
desejo imediato pelo consumo e a necessidade de se planejar conteúdos com o
objetivo de serem recirculados e reverberados nas redes.

No que concerne ao uso de mídias interativas por instituições religiosas, em


especial por parte de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, interessa-
nos saber até que ponto essa mudança cultural já pode ser sentida no uso que a
referida Igreja faz dos canais digitais interativos. Portanto, propomos os seguintes
questionamentos para serem abordados e considerados no próximo capítulo:

1. A nova lógica de comunicação contemporânea pode ser


percebida nos produtos midiáticos lançados pela Igreja?
2. As publicações da Igreja preocupam-se em ser
espalhadas para outras mídias?
3. A integração entre produtos televisivos e a audiência nas
mídias sociais é perceptível?
4. No que diz respeito aos processos de sacralização e
profanação, existe algum movimento no sentido de retornar ao uso
comum algo que havia antes sido separado e transferido para uma
esfera superior?

26
3 UMA RELIGIÃO MIDIATIZADA

O movimento de adaptação da religião à mídia de massa é bastante


perceptível, como evidenciam os inúmeros programas e canais televisivos e de rádio
que veiculam esse tipo de conteúdo. Esse movimento tem sido amplamente estudado
e documentado academicamente, deixando claro que a mídia, como instituição,
abraça a programação religiosa e a incorpora, ao mesmo tempo em que a religião
adota o modo de fazer midiático. Por outro lado, o efeito do uso das mídias interativas
para fins religiosos parece não ter tido ainda a devida atenção acadêmica que merece,
pois foi-nos bastante difícil encontrar referências que tratassem especificamente
desse assunto.

Apesar de não se aprofundar nessa questão, Hjarvard propõe dois


interessantes conceitos no tocante à relação entre religião e mídias interativas:
primeiro, o de que a midiatização contribui para a transformação do caráter da crença;
segundo, o de que esse fenômeno molda a religião por meio da cultura popular:

a midiatização implica uma transformação multidimensional da religião


que afeta textos, práticas e relações sociais religiosos e,
consequentemente, o caráter da crença nas sociedades modernas. A
mídia tornou-se uma importante – se não a principal – fonte de
informação e experiência sobre essas questões, e os meios não
apenas produzem e difundem a religião, mas também a modelam de
diferentes maneiras, principalmente através dos gêneros da cultura
popular (HJARVARD, 2012, p. 58).

Partindo dessa observação feita por Hjarvard, propomos agora um breve


estudo de caso com base em observações etnográficas sobre A Igreja de Jesus Cristo
dos Santos dos Últimos Dias, com o intuito de verificar de que maneiras a relação dos
fiéis com sua fé tem sido alterada devido à apropriação de dispositivos móveis nos
textos, nas práticas e nas relações sociais dentro dessa instituição. Faremos isso
levando em consideração as indagações sugeridas no capítulo anterior, procurando
identificar os indícios da midiatização e entender as consequências que tem trazido
para a instituição.

27
A Igreja Mórmon teve início em 1820, com a busca pessoal de um rapaz de
14 anos de idade, Joseph Smith Jr., que queria descobrir qual era a verdadeira Igreja
Cristã sobre a Terra. Em sua busca, ele visitou as várias denominações religiosas que
havia na região do condado de Manchester, zona rural de Nova York, onde habitava
com sua família. Porém, a cada visita sua dúvida aumentava, pois não conseguia
entender por que as diversas religiões interpretavam as Escrituras de maneira tão
diversa.

Assim, enquanto meditava sobre essa questão, ele um dia leu um trecho da
Bíblia, o versículo 5 do primeiro capítulo do livro de Tiago, onde está escrito “E se
algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, sem
repreensão, e ser-lhe-á dada”.2 Após ler isso, Joseph Smith Jr. decidiu retirar-se para
um bosque perto de sua casa, a fim de orar a Deus e pedir sabedoria em relação ao
assunto que tanto ocupava sua mente.

Para sua surpresa, ele teve uma visão durante sua prece, em que viu o próprio
Deus, o Pai Celestial, e Jesus Cristo, o Redentor do mundo, os quais falaram com ele
e disseram-lhe que a verdadeira Igreja Cristã havia se corrompido e não estava mais
na Terra, mas que no devido tempo seria reestabelecida entre os homens, e que ele,
Joseph Smith Jr., poderia ser um instrumento nas mãos de Deus para o cumprimento
desse propósito, se permanecesse fiel e digno.

Nos dez anos seguintes, aquele rapaz teve uma série de outras visões,
através das quais recebeu, por meio de anjos enviados por Deus, instruções e tarefas
que deveria cumprir a fim de preparar-se para trazer a Igreja de volta à luz. Numa
dessas ocasiões, ele foi incumbido de ir até uma colina onde deveria desenterrar um
conjunto de antigas placas de ouro, as quais haviam sido escondidas na terra por um
grupo de ancestrais dos índios americanos. As placas continham um relato sobre
aquela civilização, que culminava com a descrição de um dos eventos mais
significativos de sua história – a visita de um homem que havia descido dos céus para
ministrar entre eles, cujo nome era Jesus Cristo.

2
Ver Bíblia Sagrada. Disponível em <https://www.lds.org/scriptures/nt/james/1.5?lang=por>
Acesso em 15 ago. 2016
28
Joseph Smith Jr. foi então incumbido de traduzir aquele relato, que havia sido
escrito por um ancestral dos índios americanos cujo nome era Mórmon. Por isso o
livro utilizado pela religião se chama O Livro de Mórmon, mesmo motivo pelo qual a
alcunha da Igreja é a Igreja Mórmon.

Após cumprir com todas as tarefas que lhe foram designadas, Joseph Smith
Jr. foi considerado preparado para dar início à obra da restauração da verdadeira
Igreja Cristã. Dessa forma, no dia 6 de abril de 1830, de acordo com as revelações
recebidas diretamente de Deus e de outros mensageiros celestiais, ele organizou
formalmente A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, com menos de 10
membros. Daquele início humilde, hoje a Igreja se encontra presente em mais de 100
países, com cerca de 15 milhões de membros, contando com um aparato midiático
gigantesco – tanto na mídia de massa quanto nas mídias interativas – para propagar
sua mensagem.

A fim de verificar como a midiatização tem influenciado a cultura dentro da


Igreja Mórmon, colhemos observações etnograficamente por seis meses na capela
localizada na Rua Ibituruna, 82, em São Paulo. Durante esse período percebemos
vários momentos distintos em que a lógica e o fazer midiático se tornaram evidentes,
tanto através da mídia de massa quanto da mídia interativa. No entanto, para fins
deste trabalho, escolhemos trabalhar com cinco situações/eventos que nos pareceram
os mais significativos.

O primeiro diz respeito ao maior evento midiático organizado mundialmente


pela Igreja, chamado de Conferência Geral, em que é possível perceber uma grande
presença da mídia de massa e um esforço para o estabelecimento de interações nas
mídias digitais, ainda que com algumas limitações.

O segundo são os eventos chamados de Cara a Cara, que também são


transmissões mundiais da Igreja, porém com uma presença muito mais marcante das
mídias sociais e da interação que elas permitem, apesar de algumas possibilidades
não serem exploradas.

O terceiro elemento são os Devocionais com a Presidência da Área Brasileira,


eventos nacionais que acontecem esporadicamente e que apresentam uma estrutura

29
e um conteúdo bastante midiatizado, mas que também deixam de aproveitar algumas
possibilidades permitidas pelas mídias móveis.

No quarto contexto, falaremos um pouco sobre a midiatização que se percebe


nas reuniões semanais da Igreja. Nota-se uma apropriação muito grande de
dispositivos móveis por parte dos líderes e dos fiéis, ainda que as práticas religiosas
em si mesmas não estejam plenamente imbuídas da lógica midiática.

Por fim, o quinto evento de que trataremos são as aulas do Instituto de


Religião de Ribeirão Preto, talvez o maior exemplo de midiatização pelas mídias
interativas que pudemos encontrar. Por meio do aplicativo Skype e de um canal do
Youtube, um professor se conecta com alunos que estejam distantes ou que não
tenham tempo de frequentar suas aulas, transformando assim as relações sociais
religiosas através da tecnologia.

3.1 A Conferência Geral Mórmon

A Igreja Mórmon é uma instituição global, e é fácil perceber o cuidado que se


tem para que a experiência de entrar em um de seus edifícios seja familiar para o
visitante, onde quer que esteja. A arquitetura e a decoração procuram seguir padrões
definidos, de modo que basta bater o olho para reconhecer os locais de adoração dos
mórmons. Além disso, percebe-se uma padronização das práticas, rituais e
ensinamentos propagados pela Igreja em todo o mundo. E, neste caso, a midiatização
desempenha um papel predominante.

No que diz respeito à mídia de massa, para sustentar a padronização


doutrinária global da instituição, duas vezes por ano, sempre no primeiro fim de
semana de abril e de outubro, realiza-se um evento chamado de Conferência Geral,
uma série de palestras que ocorrem ao longo de dois dias na sede da Igreja em Salt
Lake City, nos EUA. Durante essas reuniões, os líderes globais da Igreja proferem
discursos, elucidam questões contemporâneas e apresentam relatórios estatísticos
sobre a situação atual da fé mórmon em todo o mundo, dividindo o tempo com
números musicais sacros apresentados por três ou quatro corais distintos. O mais
30
interessante, porém, é que os trâmites do evento são transmitidos, na íntegra e em
tempo real, pela TV e pelo rádio para os EUA e Canadá, e via satélite para as sedes
locais da Igreja ao redor do planeta. Além disso, a transmissão também é feita ao vivo
pela Internet, por meio do site oficial da Igreja3 e do Canal Mórmon no Youtube.4 Tudo
isso com tradução simultânea para mais de 100 idiomas, para garantir que todos
possam ouvir a plenitude do evangelho em sua própria língua e em seu próprio idioma.

Não bastasse todo o aparato midiático para transmitir o evento, logo após o
término de cada reunião o programa completo é disponibilizado online para consulta
ou download, nos formatos de vídeo, áudio e, após uma semana, também no formato
de texto. Certamente, este é o maior e o principal acontecimento midiático da Igreja
em nível mundial.

Assistir ao evento em uma capela da Igreja Mórmon permite-nos constatar


algumas interessantes modificações culturais causadas pela apropriação de mídias
interativas nesse contexto. O evento é exibido em um telão, dentro do salão principal
da capela, onde reunem-se cerca de trezentas a quatrocentas pessoas. As luzes
estão apagadas e as cortinas fechadas para facilitar a projeção, enquanto os membros
da Igreja assistem aos discursos dos líderes mundiais da instituição. Anos atrás,
veríamos essa mesma cena acontecer, mas hoje temos um diferencial: vários focos
de luz levemente azulada acendem e apagam de tempos em tempos no meio da
escuridão. São as telas dos smartphones e tablets utilizados pela congregação
durante toda a conferência, para os fins mais diversos. Há quem use o bloco de notas
para fazer anotações e outros que compartilham citações e impressões sobre os
discursos nas redes sociais. Obviamente, também é possível ver crianças,
adolescentes e mesmo adultos entretendo-se com jogos virtuais, ou com as próprias
redes sociais, praticamente alheios à transmissão.

3Ver Conferência Geral de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias. Disponível em <https://www.lds.org/general-conference?lang=por>. Acesso em
12 ago. 2016.
4 Ver Canal Mórmon em português. Disponível em
<https://www.youtube.com/user/MormonMessagesPOR>. Acesso em 12 ago. 2016.
31
Isso nos chama a atenção para dois pontos já discutidos nos capítulos
anteriores. Em primeiro lugar, a desterritorialização da instituição, percebida naqueles
que se encontram fisicamente presentes na capela, mas cuja escolha individual é
estar virtualmente em outro contexto. Nas palavras de Hjarvard, “os contextos
institucionais não são mais definidos pelo seu locus, mas, sim, são cada vez mais uma
questão de escolha individual” (HJARVARD, 2012, p. 83). Em segundo lugar, o
conceito de Social TV, apresentado por Dalmonte (que sugere uma integração cada
vez maior entre o conteúdo da programação televisiva e a promoção de ações para a
interação nas redes sociais), é de certa forma percebido no uso que alguns fiéis fazem
das mídias móveis, porém com algumas ressalvas.

Dalmonte enfatiza o fato de que, cada vez mais, a produção de conteúdo


televisivo procura, desde o planejamento inicial, tornar a programação mais adequada
ao espalhamento midiático, pois aquilo que não espalha, morre. Nesse sentido,
durante a transmissão da Conferência Geral Mórmon, o site e as mídias interativas
oficiais da Igreja (assim como sites e canais não oficiais) publicam memes com
citações marcantes dos que discursaram e notícias importantes que tenham sido
veiculadas. Nos dias seguintes ao evento, trechos das palestras são transformados
em vídeos motivacionais, com a incorporação de dramatizações, músicas e outras
técnicas relacionadas ao fazer midiático, num claro esforço de fazer com que a forma
das apresentações se adeque à lógica das mídias digitais e o espalhamento midiático
aconteça.

Porém, um detalhe importante não pode passar despercebido: parece não


haver uma preocupação no sentido de transformar o conteúdo original da transmissão
em algo mais imbuído da lógica midiática. Acessando os arquivos da Conferência
Geral no site da Igreja,5 vemos que as transmissões de hoje se assemelham muito
àquelas feitas em anos tão distantes quanto a década de 1970. Os discursos são
feitos de um púlpito, onde cada pessoa anunciada fala por um período que varia de
10 a 20 minutos, seguindo um teleprompt onde é projetada a fala que tiver

5Ver Arquivos da Conferência Geral de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos


dos Últimos Dias. Disponível em <https://www.lds.org/general-
conference/conferences?lang=eng>. Acesso em 13 ago 2016.
32
previamente preparado para o evento. Os relatos tratam majoritariamente de
experiências pessoais e como se relacionam aos princípios ensinados pela Igreja, e
sempre são encerrados com uma declaração de testemunho pessoal, testificando as
verdades do evangelho. Ocasionalmente alguém conta uma piada leve, no que talvez
seja a maior demonstração de interação entre o palestrante e a plateia.

Entretanto, diferindo grandemente da lógica midiática da contemporaneidade,


não há muito dinamismo nem interação nas apresentações. Os discursantes, por
exemplo, permanecem parados atrás do púlpito durante toda a sua fala, sem se
movimentar lateralmente e sem fazer perguntas para os espectadores, como num
sermão. A câmera que transmite o evento muda a perspectiva de tempos em tempos,
mas o foco é sempre no discursante, seja de frente ou a partir de uma lateral.
Ocasionalmente, são mostradas fotos em telões ao lado do púlpito (nas transmissões
via satélite ou internet, as imagens são exibidas diretamente na tela, em modo tela
cheia), em geral para ilustrar uma experiência pessoal ou elucidar algum conceito, e
muito raramente veremos vídeos.

Chama a atenção uma certa monotonia, falta de interação e previsibilidade


nas apresentações, que se sucedem durante duas horas. Em suma, os discursantes
falam, os fiéis ouvem e essa dinâmica é transmitida via TV, satélite e internet. No
entanto, os trechos isolados dos discursos, que são transformados em vídeos
motivacionais nos dias subsequentes ao evento, parecem ter um apelo midiático muito
maior do que o conteúdo original.

Assim, parece claro que há, sim, uma transposição da pregação religiosa para
a mídia de massa e um certo esforço no sentido de promover o espalhamento
midiático. Porém, o evento como um todo não parece estar completamente permeado
pela lógica do fazer midiático, pois sua forma e seu conteúdo originais ainda não são
planejados para promover a interação desde o princípio, nem se utilizam de elementos
comuns da cultura pop para aumentar sua possibilidade de recirculação. Resta
esperar para ver se o futuro trará alguma mudança em relação a isso para as
Conferências Gerais Mórmons.

33
3.2 Os eventos “Cara a Cara”

Ainda que as Conferências Gerais não estejam completamente permeadas


pela lógica da mídia móvel e interativa, já é possível ver alguns indícios de mudança
em outras transmissões feitas pela Igreja em nível mundial, como tem sido o caso dos
eventos chamados de Cara a Cara, que são realizados esporadicamente (em torno
de três a quatro vezes por ano) e transmitidos via satélite e pela internet para mais de
100 países, com tradução simultânea. Nessas transmissões, alguns convidados
respondem a perguntas enviadas previamente por meio das mídias sociais pelos fiéis
de todo o mundo. O interessante é que esses convidados não se limitam apenas aos
líderes mundiais da religião (como acontece nas Conferências Gerais), mas incluem
celebridades mórmons como a violinista e youtuber Lindsey Stirling, e o grupo de
músicos e també youtubers The Piano Guys, um indício de que a religião começa a
abraçar elementos da cultura pop e a se submeter a algumas das regras pelas quais
os meios interativos funcionam.

O espalhamento midiático é visivelmente um dos objetivos dos eventos Cara


a Cara, permeando todo o processo, desde a organização até a transmissão. Por meio
das mídias sociais, fiéis de todas as partes do planeta enviam perguntas antes do
evento ocorrer, de modo que o fluxo do conteúdo pode ser considerado de baixo para
cima, pois é estabelecido pelos membros da Igreja e não pela liderança. Obviamente,
nem todas as milhares de perguntas são respondidas, mas elas certamente ditam a
pauta e o tom daquilo que será visto na transmissão. Durante o evento, também é
possível usar hashtags para fazer comentários e proporcionar a recirculação do
conteúdo nas mídias sociais, o que aproxima esses eventos do conceito de Social TV
conforme proposto por Dalmonte, apesar de que as interações nas redes sociais não
retornam para o evento, no sentido de que não são usadas para complementar ou
enriquecer a transmissão.

A despeito disso, muito mais do que as Conferências Gerais da Igreja, os


eventos Cara a Cara permitem que haja uma certa interação a distância,
exemplificando uma característica importante da midiatização, que é o alargamento
das noções de tempo e espaço. Esses eventos também servem de exemplo para os
conceitos de desterritorialização e de virtualização das instituições, pois os membros
da Igreja podem enviar perguntas de qualquer lugar do mundo, independente não só
34
de sua localização geográfica, mas também de suas condições sociais, desde que
tenham acesso a internet. Além disso, a Igreja torna-se um espaço virtual durante a
transmissão, que pode ser assistida via Internet, onde quer que o espectador esteja,
um exemplo da domesticação das instituições, visto que não é preciso estar
fisicamente presente no local do evento ou nas capelas para onde é retransmitido.

Talvez ainda seja cedo para afirmar, mas talvez esse tipo de evento possa
servir como uma plataforma de testes para modificações futuras que viessem a ser
incorporadas na Conferência Geral.

3.3 Os Devocionais com a Presidência da Área Brasileira

Na esteira dos eventos mundiais Cara a Cara, começaram a ser realizados


localmente os Devocionais com a Presidência da Área Brasileira, que são transmitidos
por satélite para todo o país, mas não pela Internet, apesar de serem disponibilizados
neste meio instantes após o encerramento da atividade.

Diferentemente dos eventos Cara a Cara, os Devocionais não são uma


sessão de perguntas e respostas, mas estão mais para um serão com três ou quatro
discursos, intercalados por apresentações musicais. Apesar disso, o programa não se
assemelha à Conferência Geral, pois os discursantes não falam em pé nem detrás de
um púlpito, mas em geral colocam-se sentados em cadeiras no meio dos
espectadores, com quem interagem em alguns momentos por meio de perguntas
feitas para o grupo ou para pessoas específicas. Percebe-se que as falas dos
discursantes seguem um script ou pelo menos um roteiro, dependendo de quem
falará.

Os números musicais são apresentados ao vivo, mas nem a banda nem os


cantores são celebridades mórmons. Em geral, são jovens membros da Igreja que
demonstram seu talento amador ou semi-profissional por meio de canções
motivacionais e de inspiração, com ritmos que variam do pop ao pop-rock e country,
diferindo do estilo de música sacra apresentado nas Conferências Gerais. De qualquer
forma, são elementos da cultura pop trazidos para o ambiente religioso.

35
A presença das mídias interativas é perceptível durante o evento: os
discursantes usam seus smartphones para consultar suas anotações; alguém
responsável pelas mídias sociais posta memes, fotos e vídeos em tempo real, sempre
procurando alavancar a hashtag do evento; os espectadores espalham os conteúdos
a partir do próprio local ou mesmo das capelas onde estejam assistindo; porém, assim
como acontece nas Conferências Gerais e nos eventos Cara a Cara, a repercussão
nas mídias digitais não é trazida para dentro da transmissão, além de não ser utilizada
para pautar os temas discutidos.

Apesar disso, fica evidente que há uma preocupação por parte da liderança
brasileira da Igreja em tornar a pregação um pouco mais familiar para os jovens, com
a entrada de elementos da cultura pop num ambiente que até pouco tempo atrás era
extremamente conservador e tradicional.

3.4 As reuniões locais

Os locais onde os mórmons se congregam são chamados de capelas e


costumam abrigar várias reuniões locais semanais da Igreja, desde aulas, bailes,
casamentos até, obviamente, as cerimônicas sacras como os batismos e o
sacramento. Ao frequentar esses locais, podemos perceber várias evidências de que
a midiatização começa a alterar a cultura mórmon.

Uma grande mudança cultural tem sido percebida quanto ao uso dos livros
sacros adotados pela religião e utilizados em praticamente todas as reuniões locais.
Desde 2011, por exemplo, a Igreja tem desenvolvido e atualizado um aplicativo
chamado Biblioteca do Evangelho, que atualmente está disponível gratuitamente para
os principais sistemas operacionais de dispositivos móveis, em mais de 100 idiomas.
A ferramenta é voltada para o estudo e o aprendizado do evangelho, e inclui:

● O texto na íntegra dos quatro livros sacros adotados pela


Igreja (A Bíblia Sagrada, O Livro de Mórmon, Doutrina e Convênios e A
Pérola de Grande Valor), também chamados coletivamente de
Escrituras ou obras-padrão.
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● Um Guia para Estudo das Escrituras, contendo um
glossário de termos-chave e referências para versículos sobre um
mesmo tema encontrados nas escrituras.
● Uma coletânea de discursos proferidos por líderes
mundiais da Igreja.
● Letra e áudio de hinos sacros.
● Manuais, revistas e livros utilizados tanto para a
administração quanto para o ensino e o aprendizado do evangelho
dentro da Igreja e no lar.
● Vídeos, gravações de áudio, reproduções de obras de arte
com temática religiosa, entre outros.

Além de prover acesso a todo esse conteúdo, o aplicativo também permite


que o usuário faça buscas e marque trechos que considere importantes, por meio de
cores, etiquetas, referências cruzadas e comentários. O aplicativo também permite o
compartilhamento de trechos de texto, porém de uma maneira bastante rudimentar: o
botão compartilhar apenas copia o trecho selecionado para que o usuário então o
envie como uma mensagem de e-mail, Whatsapp, Facebook ou outra ferramenta
disponível em seu smartphone. Ainda não há uma funcionalidade para compartilhar
conteúdos com outros usuários da Biblioteca do Evangelho, de forma que abram
diretamente dentro do próprio aplicativo.

O app conta atualmente com mais de 2.000 itens que no plano físico muito
provavelmente ocupariam o espaço de uma pequena biblioteca domiciliar, o que
impossibilitaria seu transporte. Porém, ao serem midiatizados, todos esses conteúdos
cabem na palma da mão e podem ser levados no bolso, o que de certa maneira
transforma nossa percepção espaço-temporal. Prova disso é que, seja para fazer
discursos, ler passagens durante uma aula ou simplesmente estudar a palavra de
Deus em casa, os membros da Igreja têm preferido amplamente a versão digital das
Escrituras, em vez dos livros impressos. Os raros casos de pessoas que ainda levam
as Escrituras impressas para a Igreja costumam ser de indivíduos que ainda não estão
familiarizados com a tecnologia.

Notadamente, esse aplicativo explora a transposição para o meio digital de


uma atividade muito importante para o domínio religioso (o estudo da palavra de
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Deus), mas ainda não permite explorar todas as possibilidades de virtualização da
interação social que um dispositivo móvel permitiria.

Outro exemplo significativo é o uso de ferramentas de comunicação


instantânea, como o WhatsApp, para a realização de interações que antes ocorriam
presencialmente, como a marcação de reuniões e entrevistas, ou mesmo para a
divulgação de eventos e anúncios, especialmente porque facilitam o envio dos
comunicados para grandes grupos de indivíduos. Um caso interessante que pudemos
observar foi uma reunião de bispado que ocorreu, em parte, através do aplicativo
Skype. O bispado é um grupo de quatro homens, sendo um deles o Bispo, que exerce
um papel semelhante ao de um pastor evangélico ou de um padre católico, que é
auxiliado por dois conselheiros e um secretário. Todos exercem essa função
voluntariamente, pois o clero mundial da Igreja é leigo e não remunerado. Uma de
suas obrigações nesse encargo é reunir-se uma vez por semana para tratar de
assuntos pertinentes aos membros da Igreja na região que supervisionam.

Na situação que presenciamos, o Bispo estava viajando a trabalho, mas


alguns assuntos importantes precisavam ser discutidos com os outros membros do
bispado. Assim, a reunião ocorreu com os conselheiros e o secretário estando
presencialmente na capela, enquanto o Bispo se comunicava com eles por meio do
Skype instalado em um notebook. Essa não parece ser uma prática frequente, pois foi
observada apenas uma vez, mas abre um precedente que pode vir a causar uma
mudança cultural futura, pois a midiatização implica a virtualização das interações
sociais. Seria possível que no futuro essas interações se tornassem mais frequentes
e, talvez, o padrão em vez da exceção?

3.5 As aulas do Instituto de Religião de Ribeirão Preto

O Instituto de Religião é uma instituição afiliada à Igreja Mórmon, presente na


maioria das cidades onde há uma sede local da Igreja. No instituto são ofertados
cursos gratuitos sobre as Escrituras e os princípios do evangelho. As aulas de cada
curso acontecem semanalmente ao longo de um ano, e os alunos precisam se

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matricular e ter um mínimo de frequência a fim de ganhar um certificado de conclusão.
Infelizmente, devido à distância ou à falta de tempo, muitos não conseguem alcançar
a frequência necessária para concluir o curso.

A fim de facilitar a vida dos alunos, um professor do Instituto de Religião de


Ribeirão Preto decidiu usar a tecnologia a seu favor. Por meio do Skype, ele dá uma
aula todas as quartas-feiras às 8h da manhã e depois disponibiliza o conteúdo em seu
canal do Youtube.6 Tanto os alunos que assistem à aula em tempo real quanto os que
a assistem posteriormente recebem presença e assim podem ganhar o certificado de
conclusão no fim do ano. O mais importante, porém, é que essa iniciativa é
provavelmente o maior indício de midiatização que encontramos em nossa pesquisa.

A interação social nas aulas, que antes precisava se dar presencialmente, foi
totalmente virtualizada, rompendo assim com as limitações de tempo e espaço.
Alunos do mundo todo (havia duas alunas morando em Londres na aula que
observamos) assistem e participam das aulas, com comentários e perguntas que
enriquecem a experiência, tanto por voz quanto por texto. A experiência toda é
desterritorializada, e percebemos a domesticação da instituição religiosa, que é levada
para dentro do lar das pessoas, as quais interagem umas com as outras a partir de
seu próprio contexto.

Por meio dessa iniciativa, a mídia se integra à rotina da instituição, e essa


atividade que antes não era mediada, passa a ser feita através da interação com um
meio que, por sua vez, passa a funcionar como uma interface necessária para o
desempenho da atividade social, de forma que a instituição então se torna midiatizada,
ou dependente dos recursos de comunicação. E apesar de ser uma iniciativa isolada
e ainda tímida, certamente está de acordo com as tendências que futuramente talvez
prevaleçam em relação à midiatização das práticas religiosas.

6 Ver Envios do canal Ricardo Mendonca. Disponível em


<https://www.youtube.com/user/mendoncasud/videos?sort=dd&view=0&shelf_id=0>.
Acesso em 13 ago 2016.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de figurar como uma das instituições sociais mais tradicionais e


antigas, a religião, de maneira geral, tem sempre estado atenta às mudanças
ocasionadas pelo surgimento dos meios de comunicação em massa e também
interativos. Por exemplo, é muito sugestivo e interessante o fato de que a Bíblia tenha
sido a primeira obra impressa na prensa de tipos móveis de Guttemberg. 7

A relação entre religião e mídia é fundamental para compreendermos a


sociedade contemporânea, e mereceria um estudo à parte.

No entanto, neste trabalho pudemos nos ocupar de apenas uma ponta solta
sobre o assunto, que é a midiatização da religião através das novas mídias interativas.
Como tudo que está no começo, essa nova relação ainda está evoluindo e sendo
moldada, enquanto velhos paradigmas precisam ser substituídos por novas
concepções que ainda não estão bem claras.

A Igreja Mórmon é uma instituição muito tradicional e conservadora, mas em


termos midiáticos costuma ser bem aberta e receptivas a novidades, como pôde ser
constatado através de nossas observações etnográficas. Tanto os líderes quanto os
fiéis da Igreja parecem ter o desejo de se apropriar das novas mídias interativas para
facilitar e expandir sua atuação dentro da esfera religiosa. Acreditamos que a Igreja
tem se esforçado para acompanhar as mudanças culturais da comunicação na
contemporaneidade, mas que também há ainda um grande trabalho a ser feito a fim
de que a nova lógica da midiatização seja completamente assimilada pela instituição.

A fim de aprofundar-nos ainda mais nesse tema, consideramos duas opções


possíveis de pesquisas que poderiam ser conduzidas em um programa de mestrado.

7 BURKE, Peter, BRIGGS, Asa. Uma


Para um aprofundamento nessa questão, ver
história social da mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
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A primeira seria continuar na mesma linha que foi apresentada aqui, porém valendo-
nos de uma bibliografia mais apurada – talvez partindo para outros campos de estudo,
como a sociologia – para desvelar melhor o sentido das mudanças culturais que a
midiatização traz para dentro da religião. Interessa-nos especialmente as questões da
virtualização das interações sociais, a desterritorialização e a domesticação da religião
e a comunicação e as práticas religiosas fora do campo de controle da igreja.

Essas questões estão no cerne das grandes inovações institucionais de nossa


época. Por exemplo, a Amazon é uma das maiores varejistas do mundo, sem ter uma
única loja física; o Uber é uma das maiores empresas de transporte do mundo, sem
ter um único carro; a University of People é uma universidade inteiramente virtual, que
atende estudantes de todo o mundo e cresce a cada ano. Todas essas empresas
revolucionaram seus campos de atuação por meio da midiatização. Seria possível que
o futuro apontasse para uma religião com características semelhantes, ou seja,
completamente virtualizada? Seria possível que uma religião tão tradicional e
conservadora como a Igreja Mórmon viesse a adotar tais inovações?

A segunda opção seria modificar o foco de nossa atenção e partir para um


estudo de recepção, procurando entender como os fiéis da Igreja Mórmon percebem
as mudanças culturais trazidas pela midiatização. Uma maneira interessante de
abordar esse tema seria através de um paralelo entre a maneira como as diferentes
gerações encaram o uso de dispositivos móveis dentro da Igreja.

Os jovens estão ávidos para abraçar as novas tecnologias interativas, assim


como algumas pessoas mais velhas. Porém, sempre há aqueles que resistem à
mudança e prefeririam as coisas como eram “em seu tempo”. E no meio disso tudo
está a Igreja, um espaço frequentado por ambos os grupos, que obviamente a
encaram de maneira distinta. Para verificar esses diferentes posicionamentos, seria
necessário partir para uma pesquisa de campo baseada em entrevistas e
questionários que pudessem lançar mais luz sobre o assunto.

Acreditamos que os estudos sobre a midiatização da religião, em especial em


face das novas mídias interativas, ainda têm muito a contribuir, e que ainda há muitas
perspectivas a serem estudadas e pesquisadas em relação a esses saberes.

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5 REFERÊNCIAS

DALMONTE, Edson Fernando. Novos cenários comunicacionais no contexto


das mídias interativas: o espalhamento midiático. Revista Famecos. Porto Alegre, v.
22, n. 2, pp. 1-16, abril, maio e junho de 2015. Disponível em
<http://compos.org.br/encontro2014/anais/Docs/GT14_PRATICAS_INTERACIONAIS
_E_LINGUAGENS_NA_COMUNICACAO/comps14final_2260.pdf>. Acesso em 28
jul. 2016.

GUTIÉRREZ, Luis Ignacio Sierra. A tele-fé: religião midiatizada - estratégias


de reconhecimento de sentidos religiosos de telefiéis do canal REDEVIDA de televisão
em Porto Alegre, R. S. 2006. 560 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade
do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2006. Disponível em
<http://biblioteca.asav.org.br/vinculos/tede/tele%20fe%20religiao.pdf>. Acesso em 20
jun. 2016.

HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança


social e cultural. Revista Matrizes. São Paulo , v.5, n.2, pp. 53-91, jan. 2012.
Disponível em <http://www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/view/338/pdf>.
Acesso em 15 abr. 2015.

MARTINO, Luís Mauro Sá. The Mediatization Of Religion: When Faith Rocks.
Abingdon: Taylor & Francis Ltd, 2013.

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