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Ela chegou ao Ocidente como mais um item da lista de atrações exóticas do Oriente.
Hoje, está se transformando em um dos mais respeitados recursos terapêuticos usados
pela medicina que conhecemos. Está se falando aqui da meditação, uma prática milenar
cujo principal objetivo é limpar a mente dos milhares de pensamentos desnecessários
que por ela passam a cada minuto, ajudando o indivíduo a se concentrar no momento
presente. É por essa razão que um de seus benefícios é o de ajudar as pessoas a lidar
com sentimentos como a ansiedade. Mas o que se tem visto, de acordo com as
numerosas pesquisas científicas a respeito da técnica, é que a meditação se firma cada
vez mais como uma espécie de remédio – acessível e sem efeitos colaterais – indicado
para um leque já amplo de enfermidades: da depressão ao controle da dor, da artrite
reumatoide aos efeitos colaterais do câncer.
FELICIDADE
A atriz Cláudia Ohana, 46 anos, aderiu ao método há dez anos. Foi uma
das formas que escolheu para diminuir a ansiedade, que lhe provoca
irritação e dor de estômago. “Depois de uma semana de prática, fico mais
tranquila e paciente.” Para ela, a técnica diminui o stress causado pelo
excesso de trabalho e pela vida na cidade grande. “É praticamente uma
pílula de felicidade”, afirma
O Hospital Albert Einstein, em São Paulo, decidiu oferecer a prática tanto para
pacientes quanto para funcionários, depois de testá-la por dois anos no setor de
oncologia. “Nos pacientes em tratamento contra o câncer, notamos uma diminuição na
ansiedade e maior disposição para enfrentar a doença”, afirma o médico Paulo de Tarso
Lima. Ele é responsável pelo serviço de medicina integrativa no hospital, que promove
a adoção de terapias complementares – entre elas, a meditação – para auxiliar no
tratamento convencional.
PREVENÇÃO
Em São Paulo, idosos usam o método como auxílio contra a hipertensão
CONTROLE EM CENA
Outra frente de pesquisas tenta decifrar seu impacto nas doenças mentais. Novamente,
as conclusões são bem animadoras. Na Universidade de Exeter, na Inglaterra, o
pesquisador Willem Kuyken verificou que o método é uma opção concreta para auxiliar
no controle da depressão a longo prazo. Depois de 15 meses comparando a evolução de
pacientes que meditavam e tomavam remédios com a apresentada por aqueles que
apenas usavam os antidepressivos, o cientista constatou que crises mais sérias
ocorreram em 47% dos meditadores, enquanto entre os outros o índice foi de 60%. Na
Universidade George Washington, nos Estados Unidos, a técnica provou-se uma aliada
no tratamento de crianças com transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. “Houve
redução de 50% dos sintomas após três meses de prática”, disse à ISTOÉ Sarina
Grosswald, coordenadora da pesquisa. Há ainda evidências de benefícios na luta contra
transtornos alimentares como bulimia e dependência de drogas. “A meditação relaxa os
dependentes e os torna mais fortes para resistir à vontade de consumir drogas”, explicou
à ISTOÉ Elias Dakwar, do Instituto de Psiquiatria do Columbia-Presbyterian Medical
Center, em Nova York, instituição que passou a usar o método recentemente.
DESCANSO GARANTIDO
Há apenas três meses, o médico cearense Lúcio Guimarães Xavier, 37
anos, começou a meditar duas vezes ao dia, durante 20 minutos. Ele já
nota uma melhora na sensação de bem-estar, na capacidade de
concentração e na qualidade do sono. “Costumava ter insônia e hoje
durmo muito bem.” Ele também se surpreendeu com o desaparecimento
de um tremor nas mãos, que tinha desde criança
O segredo que possibilita efeitos dessa magnitude nestes tipos de patologias é o fato de
a meditação ensinar o indivíduo a viver o presente, sem antecipar medos e sofrimentos.
“E como o ato de pensar é ‘desligado’, a mente transcende seu estado ocupado e
experimenta um profundo silêncio”, explica Sarina Grosswald. “O corpo, por sua vez,
fica totalmente relaxado.” É este o mecanismo que também explica parte do seu poder
contra a dor. “O método ajuda os pacientes a perceberem a dor e a deixá-la ir embora,
sem se prender a ela”, disse à ISTOÉ Paula Goolkasian, da Universidade da Carolina do
Norte, nos Estados Unidos. Ela faz parte de uma equipe que estuda intensamente a
relação entre dor e meditação e é autora de alguns artigos científicos a respeito do tema.
Permeando todos esses processos, porém, está a redução do stress proporcionada pelo
método – e os benefícios advindos disso. O controle da tensão implica mudanças
importantes na química cerebral, entre elas a diminuição da produção do cortisol.
Liberado em situações de stress, o hormônio tem consequências danosas. Uma delas é a
elevação da pressão arterial. Portanto, quanto menor sua concentração, mais baixas são
as chances de hipertensão. E como a meditação diminui o stress, acaba reduzindo,
indiretamente, a pressão. Este mecanismo explica por que a técnica contribui para a
prevenção de doenças cardiovasculares, como o infarto e o acidente vascular cerebral,
causadas, entre outras coisas, por uma pressão arterial acima dos níveis recomendados.
Um estudo recente realizado na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, deu
uma ideia desse potencial. Durante nove anos, os cientistas acompanharam 201 homens
e mulheres com média de 59 anos de idade. Parte foi orientada a meditar todos os dias e
o restante recebeu recomendação para mudar hábitos. Os meditadores tiveram 47%
menos chance de morrer de um problema cardiovascular em comparação com os outros.
Com base nesse resultado, o coordenador da pesquisa, Robert Schneider, considera que
a descoberta equivale ao encontro de uma nova classe de “remédios” para evitar essas
enfermidades. “Nesse caso, a medicação é derivada dos próprios mecanismos de cura do
corpo e de sua farmácia interna”, disse à ISTOÉ.
Uma das mais intrigantes abordagens de pesquisa é a que estuda a relação entre o
método e o envelhecimento precoce. Os pesquisadores começaram a fazer essa
associação a partir da certeza do vínculo entre o stress – ele de novo – e a ocorrência de
uma deterioração celular acentuada. Partindo desse raciocínio, eles querem saber se a
meditação também teria efeito indireto nesse mecanismo, já que atua sobre o stress.
Cientistas da Universidade da Califórnia estão investigando se a redução do stress
causada pela meditação poderia provocar um efeito benéfico sobre os telômeros –
espécie de capa protetora das extremidades dos cromossomos cujo comprimento está
associado ao grau de envelhecimento celular. Quanto mais comprido, menor o índice de
desgaste. E um dos fatores de desgaste dos telômeros é o stress. Portanto, quanto menos
stress, mais preservadas essas estruturas.
No Brasil, o interesse por esse tema, especificamente, também cresce. O médico José
Antônio Esper Curiati, do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo,
por exemplo, coordena grupos de meditação para idosos “Estou medindo os efeitos da
prática em aspectos como memória, humor e qualidade do sono”, diz. No Centro de
Estudos do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo, o médico Fernando
Bignardi é outro que acompanha os reflexos em indivíduos na terceira idade. “O que
notamos de mais imediato é uma mudança na condição emocional”, relata. “Depois há
uma melhora no sono, nas condições metabólicas e, finalmente, alterações clínicas que
levam à melhora de doenças como hipertensão e diabetes.”