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Trajetória da Política Social:

Das velhas leis dos pobres ao Welfare State.

Capítulo II

Editora Cortez
Para a autora a política social é um “processo complexo e multideterminado, a
par de ser
contraditório e dinamicamente relacional.” (p. 15) Os principais
temas e questões discutidos no texto, destacam-se em base às relações
deantagonismo e de reciprocidade, ao mesmo tempo, entre capital x trabalho
eEstado x sociedade, tendo como referência os paradigmas marxistas e
nãomarxistas que as presidem. Um dos principais temas tratados e discutidos
dizrespeito à controvertida identificação entre política social (social policy) eWelfare
State. Para muitos, isso se trata de fenômenos equivalentes pelo fatode o Welfare
State ser um modelo estatal de intervenção que implantou eprogramou sistemas de
proteção social, especialmente a partir da proteçãosocial, especialmente a partir do
segundo pós-guerra. Logo, ambos,constituiriam uma resposta combinada aos
embates de classes, que tiveramseu ponto alto nos fins do século XIX no auge da
segunda revolução industrial,no qual a classe operária conquistou direitos sociais.
“Tendo em mente esses acontecimentos que, na verdade, só ajudam a
desnudar a índole igualmente explorada do capitalismo industrial

apesar dariqueza que foi capaz de produzir e acumular

entende-se a contínua luta dostrabalhadores pela melhoria de suas condições de
trabalho e existência. E isso,inevitavelmente, redundou na expansão da cidadania
das esferas civil e política
para a social, requerendo políticas sociais como direitos devidos.” (p.60).
As políticas sociais na verdade, só foram realmente vistas necessárias com aentrad
a do Welfare State, que começou a ser formado na Europa pelo séculoXIX, porem
só ganhou forças no século XX, como consequência do aumento
das necessidades sociais. Essas necessidades sociais foram
desencadeadasprincipalmente pela Revolução Industrial, que deu a capacidade de
produzirbens materiais em larga escala, aumentando assim o consumo, e também
pelamobilização das classes sociais, que ao ver as condições de trabalho e de
vida,lutavam pelos seus direitos individuais. Com o aumento da produção e com
aexploração do capitalismo industrial, as riquezas aumentaram, porém,
ostrabalhadores eram usados ao máximo, levados a exaustão e a
condiçõesprimitivas de trabalho, tudo era focado somente ao lucro produzido.
Pelodescaso que vinham sofrendo, os trabalhadores se mobilizaram e começarama
reivindicar seus direitos como trabalhador. As bases para a formulação daspolíticas
sociais, como na Alemanha Imperial, quando Bismarck introduziu umaforma de
proteção social, uma ideia inovadora onde reconhecia que ocapitalismo era a causa,
porem era voltada ao controle social.
“[...] indicava, implicitamente, o reconhecimento das autoridades públicas de
que a pobreza no capitalismo era produto do próprio desenvolvimentopredatório
desse sistema que, para ser preservado, exigia que o Estadoprotegesse o
trabalhador contra a perda de renda advinda de doenças,acidentes, envelhecimento,
mortes prematuras, dentre outras contingências
sociais.” (p. 60). Ou seja, devemos observar que este seguro social legitimado
pelo Estado pode ser comparado a uma prática muito realizada nos dias dehoje, de
tratar a política social como direito requerido pela sociedade eencampado pelos
direitos públicos.
Na Inglaterra, os pobres ou “vagabundos” eram vistos como perigo à ordem
social e com isso foi formulada a Lei dos Pobres. Essa lei foi um retrocessopara a
garantia de vida e ao significado real das políticas sociais. Em 1576, o
Estado começou a classificar os pobres, se eram “válidos” ou “inválidos”, e
encaminhavam-nos para as Poor Houses. Nelas os pobres eram misturados
e jogados em velhos palácios, lá eles tinham que trabalhar para manter o lugar,pois
se não trabalhasse era sinal de vergonha, já que o trabalho era o que
definia o homem. “De um modo geral, a Lei dos Pobres constituíam um
conjunto de regulações sociais assumidas pelo Estado, a partir da constataçãode
que a caridade cristã não dava conta de conter possíveis desordens quepoderiam
advir da lenta substituição da ordem feudal pela capitalista, seguida
de generalizada miséria, desabrigos e epidemias.” (p. 61). No ano de 1351
,Eduardo III reinava a Grã-Bretanha, neste mesmo ano, o Statute of Labourers(Lei
dos Trabalhadores), foi instituído na Alemanha, com o principal objetivo decontrolar
as relações de trabalho. Sendo três anos depois restaurados a Leidos Pobres.
“Esta, por s
eu turno, funcionava simultaneamente, como controle sobre otrabalho e sobre
possíveis consequências negativas, para a ordemprevalecente, de uma pobreza não
confinada territorialmente.

(p. 62).Com a Lei dos Pobres referida, isso estimulou um extremo
esquemaantivagabundagem. Por pressão das Paróquias e dos proprietários
fundiários,que queriam manter nos seus domínios trabalhadores de que
necessitavam, foipromulgada em 1662, uma Lei de Residência (Settlement Act), que
impediaque os trabalhadores se deslocassem para outras Paróquias mais
atraentesquando à remuneração do trabalho, assim como dava aos magistrados
locaisde direito de devolver ao seu lugar de origem qualquer recém-chegado
queonerasse os cofres públicos. Mas, o marco diferencial entre estas iniciativas
decontrole dos pobres foi à criação do Sistema Speenhamland (mais tarde
transformado em Lei), que “instituiu a ideia de direito do trabalhador (e não sódo
incapaz) à proteção social pública”. (p. 68).
As prescrições da Nova Lei dos Pobres, com o tempo, mostraram-se falaciosas

não era o caráter das pessoas pobres que a destinavam à pobreza, masfatores
estruturais, alheios a sua vontade. Todavia, essa constatação não
derrubou imediatamente tal Lei. “Ainda acreditava
-se que suas prescrições
eram vitais para o livre mercado e para erradicar a pobreza em longo prazo.”


[...] Além disso, as precárias, perigosas, insalubres e extenuantes exigênciasde
trabalho, especialmente nas minas de carvão de pedra, acompanhadas daausência
de educação e lazer, expôs inevitavelmente a fragilidade da doutrinautilitarista que
atribuía ao pobre e às antigas Poor Laws a culpa pelo
pauperismo.” (p.79).
Mas havia vozes divergentes de contestação e repúdio: Movimento Cartista(1838 a
1848) e personalidades importantes à época: Dickens, Owen, Simon,
Fourier, Proudhon. Fabianos: Shaw, Webb, Marshall, Beveridge, Titmuss.Contudo
entre os grupos empenhados em combater a Lei dos Pobres, destaca-se a dos
Fabianos, constituído por renomados intelectuais, como BernardShaw, Breatice e
Sidney Webb e, mais tarde, T. H. Marshall, WilliamBeveridge, Richard Titmuss.
“Cada vez mais as críticas e pressões contra o pauperismo das massas –
que
passou a ser chamado de “Questão Social” –
ganhavam adeptos e forneciamelementos que justificavam, já no século XIX, a
introdução de medidas pontuais
de proteção social, ao arrepio dos princípios liberais.” (p. 81).
Os líderes do novo liberalismo se preocupavam com a eficiência econômica ecom a
competitividade internacional e eles estavam cientes de que a defesa eo
fortalecimento da economia tinham uma estreita relação com o bem-estar
dostrabalhadores e da população em geral. Ou seja, a Política Social dessa
épocaconstituiu um fator de preparação de recursos humanos para fazer face
àsdemandas da sociedade industriais altamente
competitivas. A partir desse ponto, Potyara Pereira traz à tona reflexões sobre a polít
ica
social a partir do “Paradigma dominante de Estado de Bem
-
Estar”, que,
conforme Roche (1992), contem três fases importantes, a saber: a defesa dopleno
emprego, com John Maynard Keynes, como meio de regulaçãoeconômica e social; a
construção da Seguridade Social, com WilliamBeveridge, que uniu ações no âmbito
da assistência social, saúde, trabalho eeducação, com base no keynesianismo; e a
sistematização dos direitos decidadania, com T. H. Marshall, que rompe com a visão
que aliava a políticasocial ao paternalismo.
“O receituário keynesiano comtempla a crença, sustentada pelo seu mentor
John Maynard Keynes, de que o equilíbrio econômico depende da interferência
do Estado” (p. 91).
A defesa do pleno emprego, segundo Keynes fundamenta-se no princípio deque o
ciclo econômico não é autorregulado como pensam os neoclássicos,uma vez que é
determinado pelo "espírito animal" (animal spirit, no original eminglês) dos
empresários. É por esse motivo, e pela incapacidade do sistema
capitalista conseguir empregar todas as pessoas que querem trabalhar, queKeynes
defende a intervenção do Estado na economia, agindo assim,regulando a economia
à sociedade. A teoria keynesiana atribuiu ao Estado o direito e o dever de concederb
enefícios sociais que garantam à população um padrão mínimo de vida comoa
criação do salário mínimo, do seguro-desemprego, da redução da jornada
detrabalho (que então superava 12 horas diárias) e a assistência médica
gratuito,garantindo assim, a possibilidade de um pleno emprego.
“Ancorado no receituário keynesiano surgiu, nos anos 40, o que pode ser
identificado como uma das pedras fundamentais do Welfare State de pós-guerra: o
Relatório ou Informe Beveridge sobre o Seguro Social e Serviços Afins, elaborado
por um Comitê coordenado por William Beveridge, e publicado
em 42”. (p. 93).
O relatório pretendia através da completa racionalização do sistema de
segurossociais vigente, inovar e superar as experiências realizadas até
então,formulando um modelo que atendesse toda a população mediante um
esforçoconjunto do Estado e da sociedade. Os benefícios deveriam ser ajustados
paracompreender todas as necessidades básicas dos indivíduos e das famílias,
esua duração seria ilimitada até a resolução do problema, pretendendo criar
umsenso de orgulho e solidariedade, promovendo a igualdade e ocomprometimento
dos indivíduos. Ademais, os usuários que fizessem dosbenefícios sua única fonte de
renda, tendo a possibilidade de buscar outrosmeios de subsistência, seriam
punidos.Juntamente com as medidas de seguridade social, o relatório previa que
ogoverno deveria assegurar serviços de saúde com qualidade e gratuidade,fornecer
meios para a reabilitação profissional e promover a manutenção doemprego.
Segundo o Relatório Beveridge, evitar o desemprego em massa eraa condição para
o êxito do seguro social. O plano tinha ainda preocupaçõescom a taxa de natalidade
e mortalidade, amparo à infância, proteção àmaternidade, reforma do sistema
previdenciário, preocupação com doenças eincapacidades, além de despesas
especiais com aluguel, nascimento,casamento, viuvez e morte. Beveridge,
entretanto, elegeu os maiores
problemas que a sociedade inglesa deveria enfrentar, os
“cinco gigantes”: a
doença, a ignorância, a miséria, a imundície e a desocupação.O desenvolvimento
das políticas sociais inglesas teve sob a influência doRelatório Beveridge, um
inquestionável aprimoramento qualitativo. Há clarasevidências de que as
circunstâncias da época e do país colaboraram muitocom o surgimento de um
relatório nos moldes em que foi organizado. AInglaterra encontrava-se em uma
posição geopolítica favorável, sendo um dospaíses mais avançados e ricos do
mundo. Além disso, contaria com plenoapoio para a reconstrução no pós-guerra
através do Plano Marshall de 1947,amenizando problemas econômicos e facilitando
a aplicação de algumasmedidas de Bem-Estar já em curso.Desta forma, o conflito
mundial foi um fator ainda mais importante, pois damaneira como se desencadeou,
fortaleceu a unidade nacional, o consenso emtorno das medidas de seguridade
social e promoveu reflexões quanto ao futuroda nação.
“No final dos anos 40, o sociólogo inglês T. H. Marshall elaborou uma teoria
trifacetada, que incluiu na categoria dos direitos de cidadania, os serviços
sociais públicos incumbindo ao Welfare State o seu provimento e garantia”. (p.
95). A teorização de Marshall consiste em uma interpretação referencial, que temco
mo ideia de seguridade social, uma rede de proteção que obriga o estado aassumir
a responsabilidade pelos rumos da sociedade e, consequentemente, acompensar as
desigualdades geradas pelo mercado na distribuição de riquezasentre as pessoas.
“Em seu estudo, Marshall expôs que a cidadania compunha
-se de três gruposde direitos, que se desenvolveram em diferentes épocas: os civis
(séc. XVIII),os políticos (séc. XIX) e os sociais (
séc. XX)”. (p. 95)
.
Adotando como noção central o conceito de “classes sociais” e considerando
as suas tensões nas disputas pelo poder político, Marshall aponta umprogresso em
relação ao modelo liberal restrito de cidadania. Assim, reconheceuma sucessão
cronológica de conquista de direitos: no século XVIII, dos
direitos civis (direito de propriedade, direitos de liberdade de expressão,pensamento,
religião e de contratar, direito à intimidade e à privacidade, etc.);no XIX, dos direitos
políticos (direitos de votar e ser votado, de fiscalizar ascondutas dos representantes
do povo, de formar e integrar partidos políticosetc.); e, no XX, dos direitos sociais
(direitos ao trabalho, à seguridade social, àeducação, à saúde, à habitação, à
associação sindical, etc.) no séc. XX.Marshall caracteriza sua visão institucional da
materialização dos direitos decidadania por meio da apresentação de quatro
entidades políticas que, em seuentender, têm a responsabilidade de efetivá-los, a
saber: os tribunais, oscorpos representativos, os serviços sociais e as escolas. No
aspectoideológico, a formulação de Marshall é pautada na social democracia.
Eleindica que o desenvolvimento de um Estado Social leva a que a cidadaniaevolua
e se amplie, deixando de ser um sistema de direitos que se originamnas relações de
mercado para se transformar em um sistema de direitos que é,em parte,
contraditório com o modelo capitalista liberal e a desigualdade entreas classes
sociais.Na década de 1980 ficou mais clara a crise do pacto reformista. Hoje, cada
vezmais, a força do Estado passa a ser usada para submeter todas as
relaçõessociais à lógica mercantil. Formou-se, na verdade, uma nova articulação

maisdireta e íntima

entre Estado e mercado. O Estado passa a legitimar e atégerir nos espaços
nacionais as exigências do capitalismo global.
“E é no âmbito dessa problemática, que o Welfare State vem perdendo força,
desde meados dos anos 70, e a Política Social vem assumindo uma
novaconfiguração sob o comando do ideário liberal, agora revisitado e denominado
neoliberal.”. (p. 98)

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