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Se esta posição teve função importante, pois recuperou a e não somente quanto à integração social do negro. Já no
memória acerca dos tão desprezados quanto desconhecidos século XIX, um dos líderes do movimento abolicionista,
pioneiros, por outro lado impediu uma análise mais fecunda Joaquim Nabuco, previa que os problemas decorrentes do
das relações entre cinema e sociedade. Um exemplo de trabalho servil e da estrutura social engendrada por ele eram
monta: as questões do negro e do racismo quase não são de difícil superação.
discutidas. Paulo Emílio Salles Gomes dedica brevíssimo
comentário emHumberto Mauro, Cataguases, Cinearteao “Essa obra – de reparação, vergonha ou arrependi-
forte preconceito racial expresso por Adhemar Gonzaga e mento, como a queiram chamar – da emancipação
Pedro Lima nas suas colunas jornalísticas na segunda dos atuais escravos e seus filhos é apenas a tarefa
metade da década de 202 e Alex Viany menciona na Introdu- imediata do abolicionismo. Além dessa, há outra
ção ao cinema brasileiro que Também somos irmãos aborda maior, a do futuro: a de apagar todos os efeitos de um
“o problema racial entre nós”3, mas são dos poucos exem- regime que, há três séculos, é uma escola de desmo-
plos encontrados na produção intelectual de ambos4. ralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade
Possivelmente o primeiro filme brasileiro de ficção a para a casta dos senhores, e que fez do Brasil o
debater diretamente a questão racial foi o mencionado Paraguai da escravidão.
Também somos irmãos (1949), de José Carlos Burle, (...) O nosso caráter, o nosso temperamento, a nossa
produção da Atlântida que contava com a presença dos organização toda, física, intelectual e moral, acha-se
atores Grande Otelo e Aguinaldo Camargo, este último terrivelmente afetada pelas influências com que a
membro do Teatro Experimental do Negro, dirigido por escravidão passou trezentos anos a permear a
Abdias do Nascimento, figura de proa na luta contra o sociedade brasileira.”6
racismo no Brasil. A trama versa, segundo o próprio Burle,
sobre dois irmãos negros com destinos opostos, enquanto No período do cinema silencioso, época que nos
um entrava na marginalidade – o personagem interpretado interessa tratar, já podemos anotar a existência de persona-
por Grande Otelo – o outro se tornava advogado – o persona- gens negros nos filmes de ficção, ou “posados”, como eram
gem interpretado por Aguinaldo Camargo –, apesar de todos então denominados. Segundo João Carlos Rodrigues, emOs
os preconceitos de que era vítima5. guaranis (1908), de Antônio Leal, versão circense do
A questão do negro na sociedade brasileira é central. clássico romance O guarani de José de Alencar, o palhaço
A herança do sistema escravista está longe de ser superada, negro Benjamin de Oliveira – figura bastante popular no Rio
A filha do advogado
(1926, 92’, 35 mm, 16 qps, pb, silencioso)
Direção: Jota Soares
Notas
1 Para uma crítica aprofundada de alguns destes autores, ver BER- 7 RODRIGUES, João Carlos.O negro brasileiro e o cinema. Rio de Janeiro:
NARDET, Jean-Claude.Historiografia clássica do cinema bra- Globo / Fundação do Cinema Brasileiro, 1988. p.39-40. (2.ed. Rio de
sileiro:metodologia e pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995. Janeiro: Pallas, 2001).
2 GOMES, Paulo Emílio Salles.Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. 8 GOMES, op. cit., p.147.
São Paulo: Perspectiva / Editora da Universidade de São Paulo, 1974.
p.310. 9 RODRIGUES, op. cit., p.40.
3 VIANY, Alex.Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto 10 GOMES, op. cit., p.147.
Nacional do Livro, 1959. p.121.
11 ARAÚJO, Luciana. Ciclo do Recife. In: RAMOS, Fernão; MIRANDA, Luiz
4 Para uma análise ideológica deste livro, ver AUTRAN, Arthur. Alex Viany Felipe (orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac,
e a Introdução ao cinema brasileiro. Cinemais, Rio de Janeiro, n.26, 2000. p.125.
p.161-203, nov.-dez. 2000.
12 GALVÃO, Maria Rita.Crônica do cinema paulistano. São Paulo: Ática,
5 Depoimento de José Carlos Burle.Filme Cultura, Rio de Janeiro, v. XV, 1975. p.61.
n.40, p.10, ago.-out. 1982.
13 VIANY, op. cit., p.73-82.
6 NABUCO, Joaquim.O abolicionismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1999. p.7-9. 14 BERNARDET, Jean-Claude.Cinema brasileiro: propostas para uma
história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p.23-28.