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Apresenta
ou
A Física da gravidade
ou
Agosto de 1999
2
Buracos Negros
Índice
Nota prévia 4
Introdução 5
O trilho da gravidade 12
Sobre o caminho percorrido entre o palpite e o cálculo. Entre o aproximado e o exacto. Sobre a
evolução do pensamento. Sobre as personagens da epopeia. E sobre as interacções entre corpos
com massa. Sobre os clássicos.
A relatividade 27
Da falha dos clássicos. Sobre a compreensão da natureza da luz e de como o muito pequeno
influenciou o muito grande. Do génio de Einstein. Do espaço e do tempo absoluto, para o espaço-
tempo absoluto e espaço e tempo relativo. Sobre curvas e distorções.
As estrelas 52
As nuvens, os gases, as poeiras e as esferas. A gravidade e a pressão. A luminosidade e a
temperatura. Sobre supernovas, anãs, gigantes e estrelas de neutrões. Sobre elementos químicos,
átomos e núcleos. Desde Eddington até Oppenheimer.
Os Protagonistas 80
Sobre os buracos negros. Sobre horizontes e singularidades. Das curvaturas infinitas, e das
distorções extremas. Da falta de cabelo, e da evaporação. Sobre o herói da história. Sobre o
abismo sem retorno. E sobre o fim do espaço e do tempo.
Epílogo 103
A viagem de Charlie.
Anexo 122
Sobre a força centrífuga de Huygens e o limite de Roche.
Bibliografia 125
3
Buracos Negros
Nota prévia
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Introdução
1
Por estrela vulgar entende-se uma estrela que se encontre na fase normal da sua vida, na sequência principal,
em que, como veremos, se dá a fusão do hidrogénio em hélio, no seu núcleo.
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Buracos Negros
circunstâncias normais este valor é mais baixo que três vezes a massa do nosso Sol.
Qualquer estrela com uma massa maior que esta tem duas hipóteses:
- ou perde uma parte da massa restando uma quantidade inferior ao valor máximo, e
atinge o equilíbrio;
- ou o seu núcleo continuará a encolher, sem nada que o sustente, e, eventualmente,
transformar-se-à num buraco negro.
Na realidade, existem várias formas pelas quais uma estrela pode perder massa.
Ainda assim, muitas nunca conseguirão perder uma quantidade suficiente. Outras, que
o conseguem, e atingem o equilíbrio, acretam posteriormente mais matéria, e acabam
por colapsar.
Consideremos, então, um observador exterior, que avista uma estrela
perfeitamente esférica e estática em colapso. A velocidade de contracção começa por
ser muito baixa, depois aumenta atingindo um máximo, e, finalmente, diminui,
tendendo assimptoticamente para zero. A estrela parece estabilizar, transformando-se
numa esfera, com um raio mínimo, chamado Raio de Schwarzschild. Durante o
colapso, a luz emitida pela estrela sofre um desvio progressivo para o vermelho, e
quando se aproxima do Raio de Schwarzschild, o desvio tende rapidamente para
infinito.
O quadro apresenta-se substancialmente diferente, quando visto por um
observador em repouso à superfície da estrela. Para ele, a velocidade de contracção
aumenta sem hesitações, e nada de especial acontece quando atravessa o Raio de
Schwarzschild, a não ser o facto de experimentar forças de maré gigantescas que,
muito provavelmente, o despedaçarão. Se isso não acontecer, o nosso observador
continuará a ser arrastado com a estrela em colapso, e acabará sugado para uma
singularidade no espaço-tempo, onde a densidade é formalmente infinita.
Quando a estrela atravessa o Raio de Schwarzschild, fica rodeada por uma
camada de espaço, de dentro da qual é impossível comunicar com o exterior. Esta
superfície é hoje chamada de horizonte dos acontecimentos. Tanto objectos, como a
própria luz podem passar para dentro do horizonte dos acontecimentos, mas jamais
poderão passar para fora. A energia pode deixar o buraco negro, mas em circunstância
alguma poderá transportar informação para o seu exterior.
No caso de a estrela se encontrar em rotação, a implosão vai fazer com que a
velocidade dessa rotação aumente, de modo a que seja conservado o momento angular.
Segundo a relatividade geral, o espaço em torno da estrela vai-se tornando ondulado,
com uma configuração semelhante à de um turbilhão. Alguns traços do quadro da
implosão de uma estrela nestas condições:
- a estrela, devido a rotação acelerada, começa por tomar uma forma elíptica, mas à
medida que a velocidade de rotação aumenta, e contrariamente ao previsto pela
teoria newtoniana (que prevê que com o aumento da rotação, uma esfera tenda para
um disco), retoma a forma esférica;
- nos últimos estádios, a rotação deixa de se opor à contracção, passando a
encoraja-la;
- é emitida radiação gravitacional como resultado de alterações na forma do
espaço-tempo.
Os buracos negros são os frutos mais absurdos da relatividade de Einstein
embora, como veremos, já os clássicos os tenham timidamente previsto. Nunca tanta
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Buracos Negros
teoria se escreveu acerca de algo que nunca ninguém viu, e embora hoje haja
evidências observacionais de que, na realidade os buracos negros existem, o curioso é
que, a maior parte do estudo sobre a sua natureza e propriedades foi feito sem que
houvesse a mínima perspectiva da sua existência.
Ainda há muita coisa por saber, como por exemplo o que é que acontece aos
objectos e informação que cai num buraco negro. Será que re-emergem noutro local do
nosso Universo, ou em outro Universo? E será possível distorcer o espaço e o tempo
de tal forma que se torne possível viajar para trás no tempo? Estas perguntas fazem
parte integrante da nossa busca contínua no sentido de entender o Universo, e são o
âmago do nosso legado de perguntas e respostas que deixaremos às gerações futuras.
Ou então, talvez ou dia, alguém venha do futuro e nos traga as respostas!
David Ferreira
Agosto de 1999
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Se a Terra fosse muito maior, e nós tivéssemos realmente a ilusão de que ela é
plana, poderíamos, se quiséssemos, testar a nossa ilusão traçando na sua superfície um
triângulo com linhas rectas. Verificaríamos então que a superfície da Terra não era
plana mas sim curva (esférica) porque obteríamos uma soma dos ângulos internos do
triângulo superior a 180º, em perfeita discordância com a geometria euclidiana.
Podíamos, ainda, traçar circunferências e verificaríamos que o seu diâmetro não era
igual ao perímetro a dividir por A geometria de Schwarzschild é também uma
geometria de superfícies espaciais curvas em que existem distorções do tempo. Se
fizéssemos a nossa experiências dos triângulos no espaço junto a qualquer corpo
massivo (uma estrela, por exemplo), iríamos verificar que, tal como na superfície da
Terra, também aqui, a soma dos ângulos não daria 180º. Nem os diâmetros da
circunferências se obtinham dividindo o perímetro por O espaço junto à estrela
encontra-se encurvado pela massa (que “gera” atracção gravitacional) da estrela. De
acordo com a relatividade restrita, espaço e tempo unem-se numa entidade chamada
espaço-tempo: uma distorção no espaço é acompanhada por uma outra no tempo. A
geometria de Schwarzschild descreve não apenas a curvatura do espaço mas também a
distorção no tempo – curvatura e distorção produzidas pela gravidade da estrela. Por
exemplo, é previsto que à superfície de uma estrela como o Sol, o tempo deverá passar
mais devagar 2 partes num milhão (64 segundos num ano) do que num local afastado
do Sol (ou de qualquer outro corpo massivo), enquanto que no centro o atraso será de
5 minutos num ano. Como a frequência da luz emitida pelos átomos que constituem
um corpo é governada pelo fluir do tempo nesse corpo, tempos a fluir de forma
diferente conduzem a emissões em frequências diferentes por parte de átomos iguais:
quanto mais lentamente fluir o tempo mais baixa será a frequência com que é emitida
luz, por parte dos átomos nesse local. Grandes atracções gravitacionais conduzem a
grandes contracções no tempo (acompanhadas de grandes curvaturas espaciais) que
levam a que a luz emitida seja muito desviada gravitacionalmente para o vermelho.
Em poucos anos, quase todos os físicos que estudavam o legado de
Schwarzschild concordavam que se uma estrela tivesse um raio muito grande (por
exemplo, como o do Sol), o espaço-tempo em sua volta e no seu interior seria muito
pouco distorcido, e a luz por si emitida seria muito ligeiramente desviada para o
vermelho (no início dos anos 60 Jim Brault mediu o desvio para o vermelho na luz
emitida pelo Sol e constatou que ele se encontrava em muito boa concordância com as
previsões teóricas de Einstein). Todos concordavam, ainda, no facto de que quanto
mais densa fosse uma estrela, maior seria a curvatura do espaço-tempo nas suas
imediações. Mas onde ainda não havia sido atingido o consenso, longe disso, era nas
condições extremas de estrelas altamente compactas. Schwarzschild previra que para
cada estrela havia uma circunferência crítica dada, grossomodo, por:
2GM
r
c2
onde G é a constante newtoniana da gravitação universal, M é a massa do corpo e c a
velocidade da luz, para a qual as distorções são de tal ordem, que o tempo literalmente
congelou e não flui, sendo que, consequentemente a frequência de qualquer luz que a
estrela pudesse emitir se encontra diminuída de tal forma que deixou de existir. Uma
estrela com um raio igual ao raio de Schwarzschild será uma estrela que não emite
luz, no sentido em que, toda a luz que dela tente escapar, ainda que fazendo-o à
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Buracos Negros
Figura 1
Previsões da relatividade geral para a curvatura do espaço e do desvio da luz para o vermelho para três
estrelas muito compactas, com a mesma massa, mas com diferentes raios. A primeira é quatro vezes
maior que a circunferência crítica, a segunda duas vezes maior, e a terceira tem uma circunferência de
raio igual ao raio de Schwarzschild.
Foi por esta altura que, o que mais tarde viria a ser chamado por Wheeler de
buraco negro, recebeu o nome de singularidade de Schwarzschild, e recebeu, ao
mesmo tempo, uma forte contestação por parte de alguns físicos. Outros, como
Einstein, optaram por simplesmente ignorar a existência ou possibilidade de existência
de tais “monstros”, aos quais nem a própria luz poderia escapar. Mas em 1939, como o
assunto singularidades de Schwarzschild, atingisse proporções dignas de nota
(principalmente graças aos escritos semi-especulativos de Eddington), Einstein optou
por vincar a sua posição, que já não era de todo favorável, através de um artigo em que
afirmava e calculava que as partículas que compõem um gás se movimentam mais
depressa quando o gás é comprimido, fazendo aumentar a pressão (o que não era
nenhuma novidade), e que se um gás fosse comprimido num espaço menor do que
1,125 vezes o raio de Schwarzschild, então a velocidade das partículas desse gás seria
tão grande que a pressão se tornaria infinita, o que, como se sabe, não pode acontecer
(e aqui, sim, tínhamos uma novidade), e, por isso, concluía Einstein, coisas com um
tamanho da ordem do raio de Schwarzschild não existiriam na natureza. Um a zero
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para os contestatários. Mas Einstein errara nas conclusões que tirara dos seus cálculos
porque neles não incluiu a possibilidade da ocorrência de uma implosão: o que
Einstein e todos os outros físicos e astrofísicos da altura pensavam, era que as
singularidades de Schwarzschild seriam uma espécie de objectos sustentados, abaixo
do raio limite, por um tipo de força interna como a pressão do gás, e que não
difeririam muito das estrelas que conhecemos, a não ser no facto de que não emitiam
luz e eram, duma forma geral, muito mais pequenos. Na realidade, hoje sabemos que
um buraco negro é um objecto com um formação literalmente inevitável quando
existem condições para que se crie um objecto com um raio de Schwarzschild, porque,
nessa situação, nada pode travar a contracção gravitacional.
Provavelmente, o nome singularidade de Schwarzschild, foi o maior
responsável pela grande dificuldade que os físicos tiveram entre 1939 e 1958, para
entender de que forma pode uma estrela implodir (e formar um buraco negro) 2. O
problema é que, por singularidade, entende-se um tipo de objecto em que a gravidade
é infinitamente grande, situação em que as leis da Física, tal como as conhecemos,
falham. Hoje sabemos que no centro do buraco negro existe, de facto, uma
singularidade, mas a circunferência crítica não é mais do que um local através do qual
coisas podem passar para dentro mas não podem passar para fora (esta definição foi
pela primeira vez demonstrada por David
Finkelstein), e não tem nada a ver com uma
singularidade. Como a situação é de certa
forma similar à que acontece quando o Sol
desce abaixo do horizonte terrestre,3 passou
a chamar-se horizonte ao raio de
Schwarzschild, por iniciativa de Wolfgang
Rindler, que era físico na Universidade de
Cornell, designação que ainda hoje se
mantém. Portanto o horizonte é a camada
esférica que se situa a uma distância igual
ao raio de Schwarzschild da singularidade.
Figura 2
Na figura 2 é apresentado um esquema que
esclarece aquilo que foi dito.
Quanto ao objecto em si, quando se chegou à conclusão que a designação
singularidade de Schwarzschild era desadequada, adoptaram-se outros nomes como
estrela congelada na URSS e estrela colapsada nos países ocidentais, nomes esses que
nunca foram tidos como satisfatórios por não enfatizar o papel do horizonte, cuja
importância começou rapidamente a ser reconhecida. E aqui entrou John Wheeler e a
sua conferência de 1967.
2
Por esta altura, como veremos adiante, já os físicos e astrofísicos tinham adquirido a noção de que a forma mais
corrente de produzir buracos negros seria através de uma implosão estelar. De resto, o artigo de Einstein de
1939, em que era rejeitada a possibilidade de existência de buracos negros, surge dois meses antes de um outro
de Oppenheimer e Snyder (de que falaremos adiante), onde essa possibilidade é apresentada como inevitável.
3
O Sol continua a existir, mas deixa de ser visível para o observador, da mesma forma que uma estrela em
implosão continua a existir quando passa através do raio de Schwarzschild ainda que não emita luz e por isso se
torne invisível.
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O trilho da gravidade
Figura 3
Duas cosmologias frente a frente. No sistema do mundo dos astrónomos gregos e medievais, a Terra
ocupa o centro e não gira sobre si própria (à esquerda). Repare-se que, neste sistema, os planetas
interiores (Vénus e Mercúrio) poderiam encontrar-se em oposição ao Sol, circunstância que, na
realidade nunca se observa. No sistema coperniciano (à direita) o centro está ocupado pelo Sol, as
trajectórias dos planetas interiores são fieis à realidade e a Lua adquire a categoria de satélite.
4
Tycho Brahe chegou à conclusão de que o objecto era uma estrela porque, ao contrário dos planetas e cometas
conhecidos, e tal como todas as estrelas observadas, também este objecto não apresentava paralaxe.
12
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5
O sistema Ptolomaico pressupõe que a esfera celeste é perfeita e imutável. A aparição de uma estrela nova
opõem-se frontalmente a esse pressuposto.
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6
Kepler enunciou três leis que classificam e descrevem o movimento dos planetas do Sistema Solar:
1ª lei (1605) – as órbitas planetárias são elipses no espaço e o Sol ocupa um dos focos;
2ª lei (1602) – o raio vector de um planeta varre áreas iguais em intervalos de tempo iguais;
3ª lei (1618) – a razão entre os quadrados dos períodos de revolução dos planetas e os cubos das respectivas
distâncias médias ao Sol, é constante para todos os planetas do Sistema Solar.
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Galileu concluiu, por exemplo, que, num plano inclinado, a velocidade final alcançada por um corpo, não
depende da inclinação do plano, mas tão só da sua altura.
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Graças a esse perspicillum, luneta, Galileu fez tantas descobertas, que o livro8 que
escreveu para as resumir ainda hoje é considerado a obra mais rica em revelações, da
história da ciência. Entre 7 e 10 de Janeiro de 1610, munido da sua luneta, Galileu fez
grandes observações do planeta Júpiter, e descobriu quatro satélites em sua órbita, que
fazem com que o conjunto se assemelhe a um sistema planetário em miniatura, algo
que já tinha sido exposto na obra do herético Giordano Bruno, que havia morrido na
fogueira em 1600. Estas descobertas e outras, como a das irregularidades à
“superfície” de Saturno que viriam a ser resolvidas por Huygens ou as manchas
solares, cuja prioridade na descoberta esteve envolta em grande polémica com um tal
de Christopher Scheiner a reclamar a primazia, iriam conduzir a um desequilíbrio
decisivo, no “braço-de-ferro” entre ptolomaicos e copernicianos a favor destes últimos.
O objectivo do debate era definir e circunscrever o lugar do Homem no Universo, que
a Igreja queria conservar a todo o custo dentro dos limites das Sagradas Escrituras,
como meio de manter o poder temporal e conservar a autoridade moral. Mesmo assim,
o combate foi duro, e algumas vezes mesmo feroz, tendo o próprio Galileu, que não
tinha qualquer dúvida quanto à configuração heliocêntrica do Universo, sido colocado
em situações particularmente difíceis a partir de 1616, altura em que lhe foi movido
um processo pela Santa Inquisição que, ao bom estilo kafkiano, o haveria de
acompanhar até à data da morte, em 1642. Galileu escapou por um triz à fogueira,
talvez porque, a partir de 1623, o Cardeal Barberini que era seu amigo pessoal, foi
eleito Papa (Urbano VIII, que terminou a construção da basílica de S. Pedro, e que
morreu dois anos depois de Galileu), mas mesmo assim teve que retractar a sua
posição para salvar a pele.
Menos de um ano após a morte de Galileu (que, por sua vez, nascera três dias
antes da morte de Miguel Angelo, um dos maiores artistas do Renascimento), nasceu
em Woolsthorpe, Inglaterra, Isaac Newton. Era o dia de Natal de 1642 e Newton
nascia órfão, porque o pai acabara de morrer em combate ao lado do rei Guilherme I,
no decorrer da guerra civil inglesa. Teve uma saúde extremamente frágil nos primeiros
meses de vida, sendo criado pelos avós quando a mãe casou novamente. Consta que
não se destacava muito nos estudos antes da adolescência, sendo inclusive,
considerado pela sua professora primária, como o segundo pior aluno da sua turma, e
que adorava inventar e construir pequenos objectos, desde pipas até relógios solares e
de água.
Um tio, que trabalhava na Universidade de Cambridge, reconheceu as suas
potencialidades, e conseguiu que Newton fosse admitido para prosseguir os estudos
nessa instituição. Durante os anos em que lá permaneceu, Newton não foi considerado
excepcionalmente brilhante, mas, mesmo assim, desenvolveu um recurso matemático
que ainda hoje tem o seu nome: o binómio de Newton, com o qual se pode obter
rapidamente as potências da soma de dois termos.
Passara quatro anos em Cambridge e, finalmente, obtivera o bacharelato,
quando a peste negra voltou a assolar Londres, obrigando Newton a refugiar-se na
propriedade de sua mãe. Corria o Verão de 1666, e enquanto a morte e a histeria
assolava a capital, Newton dedicava-se a dar grandes caminhadas nos jardins de sua
8
O livro chama-se Sidereus Nuncius e tem apenas 24 páginas. Algumas das descobertas nele anunciadas são: as
montanhas da Lua, as fases de Vénus, a multidão de estrelas da Via Láctea, a existência de cúmulos estelares e
os satélites de Júpiter.
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terra, esmiuçando os pormenores de uma nova matemática que viria a ser conhecida
por cálculo. Conta a história que foi ali que fez a sua observação mais famosa: viu uma
maça cair de uma árvore. Esse fenómeno corriqueiro despertou a sua mente
meditabunda, e encaminhou-o na direcção de tentar compreender de que dependeria
essa força que puxa a fruta para a Terra, e se essa mesma força se poderia estender
mais além e afectar inclusive corpos celestes como a Lua, impedindo-a de escapar da
sua órbita, espaço afora. E se isso acontecesse, porque motivo não caía também a Lua,
uma vez que era puxada9.
Newton pensou, acertadamente, que a Lua não caía porque se encontrava em
movimento circular10, resultando desse movimento uma força centrífuga (do tipo da
que viria a ser descrita por Christian Huygens, em 1673, e que é igual a)11:
mv 2
Fc ,
r
onde m é a massa do corpo, v a sua velocidade e r a distância ao centro do movimento.
A Lua não se afastava porque estava sujeita a uma força de atracção por parte da
Terra, e não se aproximava porque, do seu movimento, resultava uma força centrífuga
que equilibrava exactamente a força da gravidade.
Essa terá sido a primeira vez em que se cogitou uma lei física, aplicável tanto a
objectos terrestres, quanto a corpos celestes. Até então, seguindo o raciocínio de
Aristóteles, achava-se que esses dois mundos - Terra e céu - teriam naturezas
completamente diferentes, sendo cada um regido por um conjunto específico de leis.
As experiências de Newton com a luz, também possibilitaram descobertas
surpreendentes. A mais conhecida delas, foi conseguida quando deixou um pequeno
feixe de luz do Sol penetrar numa sala escura, e atravessar um prisma de vidro.
Verificou que o feixe se abria ao sair do prisma, revelando ser constituído por luzes de
diferentes cores, dispostas na mesma ordem em que aparecem no arco-íris. Para provar
que essas cores não eram acrescentadas pelo próprio vidro, Newton fez com que o
feixe colorido passasse por um segundo prisma. Como resultado, as cores voltaram-se
juntar, originando a sua reunião outro feixe de luz branca, igual ao inicial. O fenómeno
da refracção luminosa ocorria, de facto, sempre que a luz atravessava prismas ou, de
modo menos pronunciado, lentes, o que limitava a eficiência dos telescópios. Newton
projectou então um telescópio reflector, no qual a concentração da luz, em vez de ser
feita com uma lente, era obtida pela reflexão num espelho parabólico. Esse princípio
vem sendo utilizado até hoje na maioria dos telescópios.
Já conhecido pelas suas experiências ópticas, Newton regressou a Cambridge,
onde se tornaria professor catedrático de Matemática com apenas 27 anos. Mais tarde,
foi eleito membro da Royal Society. Nesta sociedade de estudos científicos, passou a
enfrentar a frequente inimizade de Robert Hooke. Esse relacionamento agitado
degenerava, não raras vezes, em situações caricatas, graças sobretudo, à extrema
susceptibilidade de Newton às críticas. A maior contenda entre os dois (dentre as
muitas ocorridas ao longo dos anos) dizia respeito à natureza da luz: Newton
9
Só vinte anos mais tarde, levando em conta os estudos de Galileu e Kepler, além de suas próprias experiências
e cálculos, Newton formularia essa ideia no seguinte princípio: "A velocidade da queda é proporcional à força da
gravidade, e essa força diminui com o quadrado da distância até o centro da Terra".
10
A hipótese de o movimento da Lua em torno da Terra ser circular, a menos de uma pequena percentagem, era
sustentada pelo facto de que o tamanho aparente da Lua é aproximadamente constante.
11
Esta força encontra-se tratada com mais pormenor em anexo.
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Buracos Negros
acreditava que a luz era composta por partículas; já para Hooke, a luz era feita de
ondas, tal como o som, (Essa disputa prosseguiria até muito depois da morte de ambos.
Podemos hoje considerar de acordo com os conhecimentos mais avançados, que essa
partida resultou, por assim dizer, num empate com dois vendedores: a luz tem uma
natureza simultaneamente ondulatória e corpuscular).
Outra disputa, desta vez internacional, envolveu Newton e o matemático
alemão Gottfried Wilhelm Leibniz. Ambos criaram, independentemente - e, para
complicar as coisas, quase ao mesmo tempo - o cálculo infinitesimal, com base nos
estudos feitos pelo francês Pierre de Fermat, e envolveram-se em grande polémica pela
primazia da descoberta. Finalmente foi reconhecido que Newton tinha, de facto, sido o
primeiro.
Em 1687, pressionado por Edmond Halley, que previu a periodicidade (de 76
anos) do cometa que tem o seu nome, Newton publicou sua mais importante obra,
Philosophiae Naturalis Principia Mathematica [Princípios matemáticos da filosofia
natural]. Nessa obra, ele inclui todos os seus conhecimentos científicos. Ali surgem,
por exemplo, as suas famosas três leis do movimento12, que estão no âmago de toda a
mecânica clássica.
Com as suas três leis e as leis de Kepler, Newton ficou finalmente, em
condições de descobrir os factores dos quais depende a força que puxa a Lua e todos
os outros objectos em direcção à Terra. Baseando-se na sua Segunda Lei do
Movimento, e considerando o Sol e os planetas como partículas13, Newton procurou
uma expressão para a força F PS que o Sol exerce sobre um planeta de massa mP,
situado a uma distância r dele. Tendo esse planeta uma velocidade orbital de módulo
constante, resulta que a sua aceleração tangencial é nula, e apresenta apenas
componente normal (centrípeta) resultante da força exercida pelo Sol, estando as
grandezas relacionadas por:
F PS m P . a P
Sabe-se, por outro lado, que a P 2 .r , sendo a velocidade angular, ou seja:
4 2 r
aP
T2
com T igual ao período do movimento.
Aplicando a terceira lei de Kepler resulta:
12
As leis de Newton dizem o seguinte:
1ª lei – Um corpo permanece no seu estado inicial de repouso, ou de movimento com velocidade uniforme, a
menos que sofra a acção de uma força resultante externa não nula.
2ª lei – A aceleração de um corpo é inversamente proporcional à massa do corpo e directamente proporcional à
força resultante externa que sobre ele actua:
Fres ma
3ª lei – As forças aparecem sempre aos pares. Se um corpo A exerce uma força sobre B, então B exerce uma
força igual e de sentido oposto sobre A.
13
Por essa altura Newton já tinha provado matematicamente que, qualquer corpo, poderia ser considerado uma
partícula pontual, se se considerasse toda a sua massa concentrada no seu centro de massa.
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Buracos Negros
4r 4 1
aP ou a P .
Kr 3 K r2
4 2
designando por Ks, sendo Ks uma constante característica do Sol, tem-se, para a
K
aceleração centrípeta do planeta:
1
aP K s . 2
r
Da terceira lei sabemos que para cada força exercida, existe uma força igual,
exercida no sentido oposto. Desta forma sabemos que, a força que o Sol exerce no
K
planeta FPS m p . 2s é exactamente igual à que o planeta exerce no Sol
r
KP
FSP m S . 2 ou:
r
K K K K
m p . 2s ms . 2P P s
r r m P ms
m S .K P m S .G.m P
Fg 2
Fg
r r2
ou:
mS mP
F g G. 15
r2
14
Embora Newton soubesse que G era constante, esse valor ainda permaneceria desconhecido até ser
determinado por Cavendish, em 1798, usando um dispositivo desenvolvido por John Michell. O valor a
que Cavendish chegou foi: G = 6,754 10-11 N m2 Kg-2. O valor mais recente, foi determinado por
Luther e Towner, em 1982, e é: G = 6,6726 10-11 N m2 Kg-2.
15
Newton chamou a esta força atractiva entre dois corpos com massa, força gravítica ou gravitacional. No caso
de um corpo estar à superfície ou na vizinhança de um astro, essa força designa-se por gravidade.
18
Buracos Negros
Gm1 m2
Fg ,
r1 r2 2
e a força centrípeta por:
m1 v12
F1
r1
e
m 2 v 22
F2
r2
Como:
2r1 4 2 r12
v1 v1
2
P P2
e o mesmo para m2:
Gm1 m 2 m1 v12 4 2 m1 r1
F1 F2 Fg ,
r1 r2 2 r1 P2
e
Gm1 m 2 m 2 v 22 4 2 m 2 r2
r1 r2 2 r2 P2
G m1 m 2 4 2 r1 r2
r1 r2 2 P2
ou
4 2
P2 r1 r2 3 .
G m1 m 2
Se
P 2 K .r 3
então:
19
Buracos Negros
4 2
K
G m1 m 2
Com este resultado, Newton, estava em condições de, por exemplo, determinar
a massa do Sol, directamente, ou, mediante manipulações, determinar a massa de
planetas e satélites, ou de estrelas em binários. Era possível ainda, usando a expressão
da força centrífuga deduzida por Huygens e a teoria da gravitação de Newton,
determinar a velocidade orbital dos planetas. Como estes se movimentavam em órbitas
estáveis, quase circulares, era certo admitir que a força atractiva (gravidade) seria igual
à força repulsiva (centrífuga):
GM S m P m P v 2
r2 r
ou seja, a velocidade orbital de um planeta é tanto maior quanto mais perto estiver do
Sol (o que é consistente, como não poderia deixar de ser, com a segunda lei de
Kepler), e não depende da massa do planeta.
A Teoria da Gravitação Universal permitiu a Newton explicar muitos outros
factos, aparentemente não relacionados, como por exemplo, a queda dos corpos, o
movimento dos astros e as marés. As forças diferenciais de maré 16 terão uma certa
importância futura neste trabalho, e por isso, apresento-as desde já. As marés na Terra
constituem um fenómeno resultante da atracção gravitacional exercida pela Lua sobre
a Terra e, em menor escala, da atracção gravitacional exercida pelo Sol sobre a Terra.
A ideia básica da maré provocada pela Lua, por exemplo, é que a atracção
gravitacional sentida por cada ponto da Terra devido à Lua, depende da distância do
ponto à Lua. Portanto a atracção gravitacional sentida no lado da Terra que está mais
próximo da Lua é maior do que a sentida no centro da Terra, e a atracção gravitacional
sentida no lado da Terra que está mais distante da Lua é menor do que a sentida no
centro da Terra. Portanto, em relação ao centro da Terra, um lado é puxado na direcção
da Lua, e o outro lado é puxado na direcção contrária. Como a água flui muito
facilmente, "amontoa-se" nos dois lados da Terra que ficam em linha com a Lua,
ficando o lado mais próximo com um bojo de água na direcção da Lua e o outro lado
na direcção contrária. Enquanto a Terra gira no seu movimento diário, o bojo de água
continua sempre a apontar aproximadamente na direcção da Lua e na direcção
contrária. A dada altura, um certo ponto da terra estará exactamente por debaixo da
Lua (a Lua encontra-se em trânsito) e terá maré alta. Seis horas mais tarde, a rotação
da Terra terá levado esse ponto a 90º da Lua, e ele terá maré baixa. Dali a mais seis
horas, o mesmo ponto estará a 180º da Lua, e terá, novamente, maré alta. Portanto, as
marés acontecem duas vezes a cada 24h 50min, que é a duração do dia lunar. Se a
16
Chamam-se forças de maré precisamente porque é devido à sua existência que ocorrem as marés (alta e baixa)
nos oceanos da Terra.
20
Buracos Negros
Terra fosse totalmente coberta de água, a máxima altura da maré seria 1 m (figura 5).
Como a Terra não é completamente coberta de água, vários aspectos resultantes da
distribuição de massas continental contribuem para que a altura e a hora da maré
variem de um lugar para outro. Em algumas baías e estuários as marés chegam a
Figura 5
Disposição das massas de água, se não existissem marés (a). Nos pontos 1 e 3, a acção da Lua faz diminuir a
força da gravidade na superfície terrestre (b); nos pontos 2 e 4, essa acção faz aumentar a força da gravidade.
Produz-se assim uma elevação do nível das águas nos pontos 1 e 3, e uma descida nos pontos 2 e 4. No ponto 1
a Lua está aproximadamente no zénite. No ponto 3, a força de maré é reforçada pela força centrífuga resultante
do movimento de translação do sistema Terra-Lua em torno do centro de massa. As distâncias não foram
representadas à escala.
atingir 10 metros.
Corpos com simetria esférica agem gravitacionalmente como massas pontuais,
para as quais as influências gravitacionais são facilmente calculadas. Na natureza, no
entanto, os corpos na maioria das vezes não são perfeitamente esféricos. A principal
contribuição à não esfericidade em planetas é a sua rotação. Outra contribuição é
proporcionada pelas forças gravitacionais diferenciais que corpos vizinhos exercem
uns nos outros. Essas forças resultam da diferença entre as forças gravitacionais
exercidas em duas partículas vizinhas por um terceiro corpo, mais distante, ou seja,
precisamente aquilo que tem por resultado uma maré, se considerarmos que, em vez de
termos duas partículas vizinhas, temos dois pontos de um mesmo corpo. A figura 6
ilustra a força diferencial entre as partículas m1 e m2 devido à atracção gravitacional do
corpo M. A força diferencial F F 1 F 2 tende a separar as duas partículas m1
e m2 pois, em relação ao centro de massa, as duas afastam-se. Se as duas partículas são
parte do mesmo corpo, a força diferencial tende a alongá-lo ou mesmo rompê-lo17.
Figura 6
A força gravitacional diferencial exercida por um corpo de massa M em duas
partículas colocadas a distâncias diferentes sobre a mesma linha de acção.
17
Em anexo apresento a dedução do limite de Roche, que constitui a diferença máxima na força da gravidade
exercida entre dois pontos de um mesmo corpo sem que este se desagregue.
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Buracos Negros
F F1 F2
sendo
GMm1
F1
r R 2
e
GMm 2
F2
r2
Temos que:
m1 m2
F1 F2 GM
2
r R 2
r
r 2 r R 2
F1 F2 GMm 2
r r R
2
2R R 2
Para r>>R, 2r R 2r , e 1 1
r r
2R r 2rR R 2
F1 F2 GMmR GMm
r 4 2 Rr 3 r 2 R 2 ,
4
2
r 1 2 R R
r r
2GMm
F R
r3
Da equação podemos inferir que, quanto maior for a massa de um corpo, maior
será a força da maré por ele criada. No entanto, também se percebe, facilmente, que
quanto maior for o raio do corpo, menor vai ser a força da maré . E a dependência do
raio, é muito maior (expoente 3) do que a dependência da massa pelo que, num corpo
for muito pesado, o aumento do tamanho conduz a uma diminuição nas forças da maré
que esse corpo provocará (ver o limite de Roche em anexo).
Em 1713, foi editada por Roger Cotes, a segunda edição dos Principia, na qual
aparece a derivação de funções trigonométricas, da autoria do próprio editor.
22
Buracos Negros
Euler foi o próximo homem forte na nossa história, e a ele coube-lhe a tarefa de
desenvolver métodos de integração de equações diferenciais lineares, que
possibilitaram, entre outras coisas, determinar a energia potencial de um sistema
formado por um corpo que se encontra sob influência gravitacional de um outro corpo
(1739). A energia potencial (U) de qualquer sistema neste caso é dada por:
U r W , r
onde W , r é o trabalho realizado por uma força conservativa, neste caso a força da
gravidade, sobre uma partícula, quando esta se move desde o infinito até à distância r à
massa criadora da força:
U r W ,r F r dr
como se trata de uma força sempre atractiva, terá sempre sentido contrário ao do
vector posição da partícula, daí o sinal negativo:
GMm
r
U r 2 dr
r
ou, integrando:
GMm
U r
r
23
Buracos Negros
superfície terrestre (ou de qualquer outro planeta ou estrela), é dada pela seguinte
expressão:
v2
h ,
2g
obtida usando o princípio da conservação da energia mecânica, e onde v é a velocidade
com que o corpo é lançado e g a aceleração da gravidade. Da expressão conclui-se
algo que é intuitivo: quanto maior a velocidade de lançamento, maior será a altura
atingida pelo corpo. Para qualquer estrela ou planeta existe uma velocidade de
lançamento limite, a partir da qual o corpo, apesar de ver a sua velocidade reduzida, já
não parará e afastar-se-à indefinidamente do astro donde foi lançado. A essa
velocidade chama-se velocidade de escape (ve), e pode, mais uma vez, ser calculada
usando o princípio da conservação da energia mecânica.19 Se lançarmos um corpo
verticalmente, para cima, a partir da superfície da Terra, com uma certa energia
cinética inicial, a energia cinética diminui, e a energia potencial aumenta à medida que
o corpo sobe. Se considerarmos a energia potencial igual a zero à superfície da Terra,
então, a energia potencial máxima será dada por:
GM T m
U max
,
RT
sendo MT a massa da Terra, m a massa do corpo e RT o raio da Terra. Bastará, para que
o corpo escape à atracção gravítica terrestre, ter uma energia cinética inicial igual (ou
superior), à energia potencial máxima do sistema:
1 2 GM T m
mv
2 RT
donde:
2GM T
ve
RT
E esta expressão pode ser aplicada, mutatis mutandis, a qualquer outro corpo,
estrela ou planeta.
Nos finais do século XVIII, ainda prevalecia a ideia newtoniana de que a luz era
composta por corpúsculos, que se admitia que seria afectados pela gravidade como
qualquer outra partícula. A princípio, ainda se pensava que a luz se deslocava a uma
velocidade infinita, de maneira que a gravidade não seria capaz de a retardar, mas a
descoberta de Roemer de que, de facto, a sua velocidade no vácuo rondava os 300000
Km s-1, veio reforçar a ideia de que a luz poderia ser afectada de forma mensurável
pela gravidade. Partindo desta suposição, um catedrático de Cambridge, chamado John
Michell, que desenvolvera já o dispositivo usado por Cavendish na determinação da
constante de gravitação universal, escreveu em 1783 um artigo, publicado no número
de 27 de Novembro dos Philosophical Transactions of the Royal Society of London,
19
Este princípio pode ser aplicado sempre que sobre o corpo lançado não actuarem forças exteriores, p.e.: forças
de atrito. No caso do lançamento vertical de um corpo, a aproximação é bastante boa, dado que a resistência do
ar é, por norma, desprezável.
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Buracos Negros
em que chamava a atenção para o facto de que, se uma estrela tivesse um campo
gravitacional suficientemente forte (ou pela equação acima uma relação massa/raio
adequada), puxaria para si a própria luz de tal forma que ela não poderia escapar. Para
a Terra a velocidade de escape é igual a cerca de 11 Km/s, enquanto que para o Sol é
aproximadamente 617 Km/s ou cerca de 0,2 % da velocidade da luz. A ideia de
Michell era que, para uma dada massa e para um dado raio da estrela, a velocidade de
escape seria igual à velocidade da luz e, portanto, nem mesmo a luz conseguiria
escapar. Fazendo contas, Michell facilmente concluiu que, para uma estrela com uma
massa igual ao Sol, o raio teria de ser igual a 18,5 Km para que a velocidade de escape
igualasse a velocidade da luz. Como no sec. XVIII não existia nada que impedisse
estrelas tão densas de existir, Michell sugeriu que estrelas desse tipo seriam
abundantes no Universo, ainda que invisíveis, porque a sua luz não nos atingiria, mas
sentiríamos a sua influência gravitacional. Treze anos mais tarde, o filósofo natural20
francês Pierre Simon de Laplace desenvolveu e popularizou a ideia de Michell, ao
publica-la nas duas primeiras edições da sua obra mais famosa Le Systeme du Monde,
ainda que não tenha mencionado o nome de Michell, pelo que se pressupõe que a sua
investigação teria sido independente. Todavia, na terceira edição publicada em 1808, o
capítulo destinado às estrelas escuras foi suprimido, porque entretanto, um médico
inglês chamado Thomas Young, tinha levado a cabo um experiência em que era posta
a nu a interferência da luz, que só podia ser explicada pela teoria ondulatória,
defendida, entre outros, por Huygens e Hooke, e levando ao abandono da teoria
corpuscular. A partir daí, a luz passou a ser entendida como uma onda, como o som,
não se tendo nesse caso a mínima ideia de como a gravidade a poderia afectar. Hoje
sabemos que a luz apresenta uma natureza que, como já foi dito, é uma mescla dos
dois pontos de vista.
Michell e Laplace, com a sua visão newtoniana do espaço e do tempo absoluto
e da velocidade da luz relativa, acreditavam que, para estrelas apenas um pouco
menores que o raio crítico, os corpúsculos de luz estariam muito próximos de poder
escapar. Eles conseguiriam subir muito alto, acima da estrela e passar pela órbita dos
planetas que, eventualmente, existissem em torno da estrela. À medida que se
afastavam, a velocidade dos corpúsculos seria cada vez mais diminuída e, algures no
espaço interestelar, finalmente parariam e regressariam de volta à superfície da estrela.
Para as criaturas de um planeta em órbita de uma estrela destas, a estrela não seria
escura, pois a sua luz atingi-los-ia, mas para nós, que estamos para além do ponto
máximo atingido pela luz da estrela, esta seria invisível.
Se Copérnico costuma ser visto como o iniciador de um período de progresso
intelectual chamado Revolução Científica, Newton pode ser considerado o cume dessa
ascensão. As suas conclusões explicavam um maior número de fenómenos, com o
menor número possível de elementos, sendo isto, o que muitos estudiosos chamam de
solução elegante.
Certa vez, o astrónomo Edmund Halley perguntou a Newton como conseguia
realizar tantas descobertas notáveis. Ele respondeu que as atribuía mais a um esforço
contínuo do pensamento, do que à inspiração ou à percepção súbita. Esse esforço
mental, porém, devia deixá-lo tão exausto que, aos 50 anos de idade, precisou de
20
Na renascença, em vez do termo físico, aqueles que se dedicavam a estudar o funcionamento do mundo, eram
designados por filósofos naturais.
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Buracos Negros
interromper a sua produção por dois anos, devido a um esgotamento nervoso (diz-se
que uma vela teria caído sobre um calhamaço de cálculos desenvolvidos ao longo de
vários anos, destruindo-os.) Isso não o impediu, porém, de retomar o seu trabalho, nem
de se tornar membro do Parlamento inglês, ou ser director da Casa da Moeda.
Em 1703, foi eleito presidente da Royal Society (Hooke já tinha morrido), cargo
para o qual foi reeleito anualmente, enquanto viveu. Em 1704, publicou Opticks, livro
que versa sobre as suas descobertas no campo da Óptica.
Curiosamente, Newton ficou grisalho com apenas 30 anos, mas manteve-se em
actividade mental por toda a vida. Aos 80 anos, orgulhava-se de ver e ouvir bem, e de
ainda possuir todos os dentes!
Tentando avaliar a sua carreira científica, um dia disse: Tenho a impressão de
ter sido uma criança brincando à beira-mar, divertindo-me em descobrir uma
pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita que as outras, enquanto o imenso
oceano da verdade continua misterioso diante dos meus olhos.
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