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SEM LIVRE-ARBÍTRIO: A necessidade de repensar

a teoria do delito a partir da neurociência


Felipe Amore Salles Santiago1

RESUMO: O presente artigo tem como principal objetivo discorrer sobre o livre-arbítrio, após as descobertas da área da neurociência, que
começa a modificar o entendimento de autodeterminação e ação consciente do indivíduo. Com base nesses avanços científicos, caberá, ao
presente texto, discutir a teoria do delito, com o foco na culpabilidade, com a possível ausência da vontade nas escolhas humanas.

Palavras-chave: Culpabilidade; Neurociência; Teoria do Crime; Consciência.

1 INTRODUÇÃO Isso significa que o experimentador podia dizer


antecipadamente a decisão que o sujeito ia adotar,
vários segundos antes de o sujeito ter a consciência
Este artigo propõe uma reflexão sobre a aplicação da teoria do dessa decisão. Finalmente Matsuhashi y
crime a partir das descobertas da Neurociência que podem modificar Hallet, em outro experimento, concluíram que
o entendimento corrente sobre o livre-arbítrio. a consciência da ação não podia ser sua causa.
(RUBIA, 2013, p.185)
No Brasil, adota-se o conceito analítico de crime. Ou seja, para
se ter crime é necessário identificar uma conduta típica, ilícita e cul-
Pode-se dizer que a tomada de decisões de uma pessoa é
pável. O presente trabalho irá abordar principalmente o conceito de
iniciada em um nível inconsciente e só depois percebida pela cons-
culpabilidade, que, de acordo com Bitencourt, abrange um múltiplo
ciência do agente. Estudos apontam que as ações não são causa-
sentido, como explica o autor:
das por uma vontade consciente, mas sim por processos neuroló-
Em primeiro lugar, a culpabilidade, como gicos inconscientes. Como se percebe, nessas pesquisas, não há
fundamento da pena, refere-se ao fato de ser espaço para o livre arbítrio, da maneira que concebemos hoje, uma
possível ou não a aplicação de uma pena ao autor vez que cada ato nosso está determinado por estados imediatamente
de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido
pela lei penal. Para isso exige-se presença de uma anteriores de nossa mente.
série de requisitos – capacidade de culpabilidade, Assim, questiona-se: podemos aplicar a Teoria do Delito a partir
consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta- das descobertas da Neurociência, que mudam o entendimento cor-
que constituem os elementos positivos específicos
do conceito dogmático de culpabilidade. rente a propósito do livre arbítrio?
(BITENCOURT, 2009, p. 35)
2 A ORIGEM DO LIVRE-ARBÍTRIO
Para o autor, em segundo lugar, a culpabilidade também é
elemento de dosimetria penal, ou seja, serve para medição de uma Pode-se dizer que a questão do livre-arbítrio é um dos debates
punição a ser aplicada, funcionando como fator limitador, impedindo mais antigos e calorosos da nossa existência, uma vez que a liberda-
que a pena seja maior que a própria ideia de culpabilidade, conforme de está intimamente ligada ao poder de escolha.
previsto no artigo 59 do Código Penal brasileiro. Em sua essência, o livre arbítrio denota vontade livre, as deci-
Percebe-se, com essas explanações, que a definição de crime sões livres, escolhas pautadas na consciência e na vontade de cada
é construída a partir do preceito da livre vontade do agente. Para se um, permeando sempre a ideia de bem e mal, certo e errado.
ter a aplicação de uma pena é preciso avaliar o grau de liberdade Apesar da grande influência católica no entendimento atual, o li-
do sujeito na prática delitiva; avalia-se o entendimento próprio, livre e vre arbítrio começou a ser discutido pelos Gregos, em suas tragédias,
consciente, para imputar a responsabilidade por uma ação ou omis- bem antes de Cristo.
são sancionada com pena criminal. A ideia de livre-arbítrio entra em choque com a do destino ines-
Nesse ponto entram os novos questionamentos sobre a livre capável, personificada através das Moiras, que para Hesíodo, são as
e consciente vontade. Os mais modernos estudos da Neurociên- três filhas dos Deuses Themis e Zeus, que recebem a incumbência
cia implicam uma quebra no entendimento sobre responsabilida- de traçar o destino de cada homem, dando a eles a felicidade ou
de penal, uma vez que demonstram que, durante um ato “volun- infelicidade.
tário”, o cérebro se ativa antes que o sujeito tenha a consciência De acordo com Brandão, para os Gregos, o significado da pa-
subjetiva da vontade. lavra Moira, traz a ideia de quinhão ou lote que lhe cabe por sorte,
Através da ressonância magnética funcional, ficou comprovada o destino. Pensamento este presente no livro Mitos Gregos, de Paulo
a ativação cerebral antes mesmo da consciência da ação. Para Libet Sérgio de Vasconcellos :
(1998), tal ativação começa de seis a dez segundos antes que o sujei-
to tenha consciência subjetiva da vontade (SANT’ANNA, 2015, p.75): Com o raio em uma das mãos e o cetro de rei na
outra, Zeus velava pela ordem do universo, pela
Para Francisco Rubia: concórdia entre os deuses e o cumprimento das

1 Graduando da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

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promessas e juramentos. Era o soberano do céu, e Tebas, salva daquele flagelo, fez de Édipo o rei
como Possêidon era o deus do mar e Hades o das da cidade e lhe deu em casamento Jocasta, viúva
regiões infernais. Mas uma força superava a de de Laio e, portanto, mãe de Édipo. Estavam assim
Zeus: a do Destino. Havia três Moiras que teciam realizadas as duas predições do oráculo, embora
a sorte dos homens, e nem Zeus poderia mudar Édipo e Jocasta permanecessem na ignorância da
o que elas estabeleciam. Cloto esticava o fio dos imensidade de seu infortúnio. Por muitos anos Édipo
destinos, Láquesis o colocava no fuso da roca e governou Tebas como um grande e valente rei; de
Átropos o cortava, determinando a duração de cada seu casamento com Jocasta nasceram duas filhas
vida humana de acordo com o tamanho do pedaço — Antígona (Antigone) e Ismene — e dois filhos —
de fio. (VASCONCELLOS, 1998, p.88 e 89) Polinices (Polineices) e Etéocles —, que cresciam
em meio à paz e à prosperidade aparentemente
presentes no palácio real. Os deuses, todavia,
Tal representação de destino inescapável, fatalidade, e impo- estavam atentos aos fatos nefandos resultantes da
tência que o Homem tem sob diversos aspectos da sua vida, fica cla- desobediência aos seus oráculos, e no devido tempo
ro com Sófocles(496 a.C), em sua Tragédia de Édipo Rei, como se fizeram tombar sobre Tebas uma peste que lhe
dizimava os habitantes. Compelido pela calamidade,
percebe nesse breve relato de Mário da Gama Kury, em sua tradução Édipo enviou seu cunhado Creonte a Delfos a fim de
da obra citada : consultar o oráculo sobre as causas da peste e os
meios de contê-la. Nesse ponto começa o Édipo Rei.
Os antecedentes da lenda em que Sófocles se (KURY, 2011, p.06)
inspirou para compor o Édipo Rei (e as outras duas
peças aqui apresentadas) são bem conhecidos, Presente na obra de Sófocles, passagens demonstram que Ho-
mas convém resumi-los para poupar a atenção
dos leitores, que deve ser inteiramente dedicada ao mem tem a liberdade para agir, mas independente dessas escolhas
desenrolar da tragédia, um primor de composição há o destino inescapável, como se pode perceber na fala de Corifeu,
tanto do ponto de vista puramente literário como — em Édipo Rei:
e principalmente — teatral.
Laio (Laios), filho de Lábdaco (Lábdacos) nutrira
em sua juventude uma paixão mórbida por Crísipo Ah! Sofrimento horrível para os olhos, o mais
(Crísipos), filho de Pêlops, inaugurando assim, horrível de todos que vi! Ah! Que loucura,
segundo alguns autores gregos, os amores infortunado Édipo, tombou neste momento sobre
homossexuais. Laio raptou Crísipo e foi amaldiçoado ti? Que divindade consumou agora teu trágico
por Pêlops, que desejou a Laio o castigo de morrer destino inelutável, prostrando-te com males que
sem deixar descendentes. Posteriormente Laio ultrapassam a intensidade máxima da dor? Ah!
casou-se com Jocasta (Iocaste), irmã de Creonte Como és infeliz! Faltam-me forças para encarar-
(Crêon), e tornou-se rei de Tebas. Apesar de um te, e eu desejava tanto fazer indagações, ouvir-te,
oráculo haver-lhe anunciado que, como castigo por olhar-te; é muito forte a sensação de horror que teu
seus amores antinaturais com Crísipo, se nascesse aspecto lastimável causa! (SÓFOCLES 2011, p.84)
um filho dele e de Jocasta esse filho o mataria, Laio
tornou-se pai de um menino. Para tentar fugir à Para completar o pensamento Grego, mais à frente, Aristó-
predição do oráculo, mandou Jocasta dar o recém-
nascido a um dos pastores de seus rebanhos, teles (384-322 a.C) traz que a ação moral do homem estava ligada
após perfurar-lhe os pés e amarrá-los. A ordem foi intrinsecamente com a liberdade da vontade, tendo a escolha
abandoná-lo no monte Citéron (Citáiron) para morrer individual como base do pensamento. Porém liberdade para o autor
naquela região inóspita, na esperança de fugir assim
à decisão divina. O pastor, entretanto, movido pela não se dão totalmente através do racional, mas também sob influên-
piedade, salvou a vida do filho de Laio e de Jocasta cia do irracional, como podemos ver nesse trecho de sua obra, Ética
e o entregou a um companheiro de profissão, que a Nicômaco :
costumava levar os rebanhos de Pôlibo (Pôlibos), rei
de Corinto, às pastagens situadas no vale do Citéron.
Esse pastor levou o menino, chamado Édipo em Sobre esse assunto, já existem considerações
alusão a seus pés feridos e inchados (Oidípous = adequadas o bastante nos nossos escritos para
Pés Inchados), a seu senhor, o rei Pôlibo, que não o público; e a elas devemos recorrer agora. Por
tinha filhos e vivia lamentando-se por isso. Pôlibo exemplo: que a alma é constituída de uma parte
e sua mulher Mérope criaram Édipo como se fosse racional e a outra privada de razão. Se estas
filho deles. Quando Édipo chegou à maioridade foi partes são distintas como as partes do corpo ou
insultado por um habitante de Corinto, embriagado, de qualquer coisa divisível, ou se são distintas por
que o chamou de filho adotivo. Diante dessa definição, mas inseparáveis por natureza, como
revelação Édipo se dirigiu sozinho a Delfos, para os lados côncavos e o convexo na circunferência
consultar o oráculo de Apolo (Apôlon) a respeito de de um círculo, não tem importância alguma na
sua ascendência. O deus nada lhe disse quanto à sua questão presente. (ARISTÓTELES, 2000, p.37)
pergunta, mas revelou-lhe que ele um dia mataria
seu pai e se casaria com sua própria mãe. Édipo, Aristóteles, em sua obra já citada, traz ainda sobre a origem da
supondo que Pôlibo fosse seu pai e Mérope fosse sua
mãe, resolveu não voltar jamais a Corinto. Naquela vontade, sendo esta voluntária ou não, sugerindo ainda qual trata-
época os habitantes de Tebas estavam alarmados mento do legislador para tais ato:
com a Esfinge, que vinha devorando os tebanos,
incapazes de decifrar os enigmas propostos pelo Posto que a virtude se relaciona com paixões e
monstro, pondo em perigo a cidade toda. Em sua ações, e apenas as paixões e ações voluntárias
fuga ele passava pelos arredores de Tebas quando, são louvadas ou censuradas, ao passo que as
em uma encruzilhada de três caminhos, avistou involuntárias recebem perdão e às vezes inspiram
um carro em que vinha um homem idoso seguido compaixão, parece necessária a quem estuda a
por criados. O homem gritou-lhe insolentemente natureza da virtude a distinção entre o voluntário
que deixasse o caminho livre para seus cavalos e o involuntário. Tal distinção também será útil ao
passarem e um dos criados da comitiva espancou legislador com respeito à atribuição de honras e
Édipo. Este reagiu e matou o homem que vinha no aplicação de castigos.
carro, sem saber que se tratava de Laio, seu pai, São consideradas involuntárias aquelas ações que
e os criados que o acompanhavam, à exceção de ocorrem sob compulsão ou por ignorância; e é
um, que fugiu. Em seguida Édipo chegou a Tebas compulsório ou forçado aquele ato cujo princípio
e, passando pela calamitosa Esfinge, decifrou o motor é externo ao agente, e para o qual a pessoa
enigma que esta lhe propôs. A Esfinge desapareceu

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que age não contribui de maneira alguma para o Adiantando o andar da história, abandona-se a ideia grega do
ato, porém, pelo contrário, é influenciado por ele. “Penso, logo existo” e surge, com a psicanálise, o pensamento Freu-
(ARISTÓTELES, 2000, p.56)
diano do “Desidero, ergo sum” (eu desejo, logo sou), juntamente com
a construção dos conceitos de Ego, superego e id.
O pensamento católico/cristão segue a existência do livre-arbítrio,
Freud, em “Novas Contribuições à Psicanálise” (1932), traz o id
como podemos perceber na Primeira Carta aos Coríntios, 10;13 – o
como pura força bruta, que desconhece “qualquer valor, não conhece
Apóstolo Paulo escreve o seguinte trecho: “Todas as coisas são lícitas,
o Bem nem o Mal, nem moral alguma” (p.81). Completa o autor di-
mas nem todas as coisas me convêm; todas as coisas me são lícitas,
zendo que o id é a parte obscura e inacessível de nossa personalida-
mas nem todas as coisas edificam”. Existe ainda outra passagem do
de e que “aspira somente dar satisfação as necessidades instintivas
Evangelho, que chama atenção e coloca em debate esse assunto. Em
[pulsionais] de acordo com a norma do princípio do prazer.” (p.80).
Cartas aos Romanos, o Apóstolo Paulo traz em sua reflexão:
Traz ainda que o id é a noção de inconsciente, sendo uma parte mais
Não entendo o que faço. Pois não faço o que primitiva e menos acessível.
desejo, mas o que odeio. De acordo com Alcione Aparecida Messa:
E, se faço o que não desejo, admito que a lei é boa.
Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o Freud desenvolveu um modelo de estrutura do
pecado que habita em mim. aparelho psíquico, composto de três instâncias
Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em (DAVIDOFF, 1983)
minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que Id: É o núcleo primitivo da personalidade, domínio
é bom, mas não consigo realizá-lo. de instintos e impulsos primitivos. É a parte
Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o menos acessível à personalidade, sem lógica
mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo. de organização ou juízo de valor. Constitui-se de
Ora, se faço o que não quero, já não sou eu quem o conteúdos inconscientes, inatos ou adquiridos que
faz, mas o pecado que habita em mim. buscam contínua gratificação, sob predominância
Assim, encontro esta lei que atua em mim: Quando do princípio do prazer.
quero fazer o bem, o mal está junto a mim. Ego: responsável pelo contato do psiquismo com a
Pois, no íntimo do meu ser tenho prazer na lei de realidade externa, contendo elementos conscientes
Deus; e inconscientes. Atua sobre o princípio da realidade,
mas vejo outra lei atuando nos membros do meu fazendo a conciliação das reinvindicações do id e
corpo, guerreando contra a lei da minha mente, do superego com o mundo externo, harmonizando
tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua tais exigências. É uma instância controlada, realista
em meus membros. e lógica.
Miserável homem eu que sou! Quem me libertará Superego: responsável pela formação dos ideais. É a
do corpo sujeito a esta morte? força moral, formada com a internalização de regras
Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De sociais, valos, crenças e mecanismo de contenção.
modo que, com a mente, eu próprio sou escravo da As contribuições mais importantes são feitas pelos
lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado. pais nos primeiros anos, ao introduzir a criança aos
(Romanos 7:15-25) limites da sociedade. (MESSA, 2010, p.07/08)

Avançando no tempo, depara-se com os pensadores católicos, Para Messa (2010, p.08), uma má formação no superego pode
e na figura de Santo Agostinho, que escreveu sua obra clássica “De gerar problemas de conduta que afetam os valores sociais, pois afe-
libero arbitrio” (395 D.C), na qual ele aborda o poder dado por Deus tam o senso de realidade.
aos seres humanos de utilizar suas escolhas tanto para o bem quan- Para outro fundador da psicanálise, Jung (2005, p.83), o homem
to para o mal, colocando acima de tudo o poder da consciência, da gosta de acreditar que é o senhor de sua alma, mas no fim das contas
razão, sob o lado obscuro do inconsciente, no caso as paixões, con- não é capaz de controlar os seus humores e emoções. O ser humano
forme trecho de sua obra: não é capaz de “tornar-se consciente das inúmeras maneiras secretas
pelas quais os fatores inconscientes se insinuam nos seus projetos e
Julgas que a paixão seja mais poderosa do que a
mente, à qual sabemos que por lei eterna foi-lhe decisões”. Para o autor, assim como para Freud, o homem nunca foi
dado o domínio sobre todas as paixões? Quanto dono de si.
a mim, não o creio de modo algum, pois, caso Para Jung :
o fosse, seria a negação daquela ordem muito
perfeita de que o mais forte mande no menos forte.
Por isso, é necessário, a meu entender, que a mente Não é matéria de fácil compreensão, mas é preciso
seja mais poderosa do que a paixão e pelo fato entendê-la se quisermos conhecer mais a respeito
mesmo será totalmente justo e correto que a mente dos métodos de trabalho da mente humana. O
a domine. (AGOSTINHO, 1995, p.50) homem, como podemos perceber ao refletirmos
um instante, nunca percebe plenamente uma
coisa ou a entende por completo. Ele pode ver,
O entendimento sobre o tema não é restrito à Igreja Católica, ouvir, tocar e provar. Mas a que distância pode ver,
mas também é o juízo de outras religiões, principalmente as de ori- quão acuradamente consegue ouvir, o quanto lhe
significa aquilo em que toca e o que prova, tudo
gem cristã, que possuem a mesma base filosófica, divergindo apenas isto depende do número e da capacidade dos
em alguns pontos. seus sentidos. Os sentidos do homem limitam
Tal determinismo possui raízes em outras religiões: a percepção que este tem do mundo à sua volta.
Utilizando instrumentos científicos pode, em parte,
compensar a deficiência dos sentidos. Consegue,
Este determinismo tem contrapartidas igualmente por exemplo, alongar o alcance da sua visão
fortes no hinduísmo (conceito de Karma) e no através do binóculo ou apurar a audição por meio
islamismo [a própria palavra islame vem do árabe de amplificadores elétricos. Mas a mais elaborada
“resignação”(à vontade de Deus). Embora de certo aparelhagem nada pode fazer além de trazer ao seu
modo assustador, pela impossibilidade de escape, âmbito visual objetos ou muito distantes ou muito
este determinismo é por outro lado conveniente, pequenos e tornar mais audíveis sons fracos. Não
pois o peso da responsabilidade criada pelo importa que instrumentos ele empregue; em um
livre arbítrio talvez seja mais apavorante ainda. determinado momento há de chegar a um limite de
(MARQUES,2005, p.69)

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evidências e de convicções que o conhecimento Cesare Lombroso, um dos principais expoentes da Escola Posi-
consciente não pode transpor. (JUNG, 2005,p.21) tiva, explica em seu livro, O Homem Delinquente, sobre o homem ser
entregue à causalidade:
Para os psicanalistas, conhecer esse lado obscuro do nosso
ser é de extrema importância para entendermos nossas reações e Desta pervertida afetividade, deste ódio excessivo
podermos controlá-las, conforme encontramos nessa passagem no e sem causa, desta falta ou insuficiência de
freios, desta tendência hereditária múltipla deriva
livro “Física da Alma”: a irresistibilidade dos atos dos dementes morais.
Schule escreveu que eles têm um fundo de
A Alegoria da caverna deixa a situação clara. irritabilidade pronta para explodir como um vulcão.
Platão imaginou que a experiência humana era um Não podem dirigir à sua vontade os impulsos do
espetáculo de sombras: estamos em uma caverna ciúme, da sensualidade, sem poder resistir a eles.
atados a cadeiras, por isso enxergamos sempre São ingratos, impacientes, vaidosos, desde seus
uma parede, sobre a qual a luz de fora projeta as atos mais maldosos. Pinel fala de um demente
sombras de formas arquetípicas ideais. Achamos moral que, mal educado, se habituou aos últimos
que as sombras são a realidade, mas suas fontes excessos; os cavalos que não lhe servem, os mata;
estão atrás de nós, nos arquétipos. No final das quem se opõe na política é por ele espancado;
contas, a luz é a única realidade, pois tudo que se uma senhora lhe responde joga-a no poço.
vemos é luz. (GOSWAMI, 2008, p.23) (LOMBROSO, 2010, p. 217)

Tais estruturas colocam a pergunta: o ser humano possui livre Sobre os pontos centrais da Escola Positiva, Luiz Regis Prado
-arbítrio e tem consciência de todas as suas ações? explica em sua obra:

3 TEORIA DO CRIME E O LIVRE-ARBÍTRIO Os postulados basilares dessa escola são: a) o


Direito tem uma natureza transcendente, segue a
ordem imutável da Lei natural: O direito é congênito
O livre arbítrio e o estudo do Direito Penal encontram-se entrelaça- ao homem, porque foi dado por Deus à humanidade
dos desde o surgimento das primeiras escolas penais. Como o pensa- desde o primeiro momento de sua criação, para
que ela pudesse cumprir seus deveres na vida
mento jurídico se molda de acordo com a moral e os costumes da épo- terrena. O direito é a liberdade. Portanto, a ciência
ca, o entendimento do que é crime e de como é cometido o ato muda criminal é o supremo código da liberdade, que
de acordo com o passar do tempo, conforme indica Bitencourt (2009): tem por objeto subtrair o homem da tirania de si
mesmo e de sua próprias paixões. O Direito Penal
A primeira escola que surge, intitulada por seus críticos como a tem sua gênese e fundamento na lei eterna da
Escola Clássica, traz o pensamento da responsabilidade penal, fun- harmonia universal; b) o delito é um ente jurídico,
damentado pela responsabilidade moral, que é composta por dois já que constitui a violação de um direito. É dizer:
o delito é definido como infração. Nada mais é
elementos: inteligência e livre-arbítrio, sendo que esse segundo pres- que a relação de contradição entre o fato humano
supõe inteligência, pois sem ela não seria possível fazer uma boa es- e a lei; c) a responsabilidade penal é lastreada na
colha. Para esses pensadores, o crime é obra exclusiva da vontade imputabilidade moral e no livre arbítrio humano; d)
a pena é vista como meio de tutela jurídica e como
livre do agente e não um produto natural e social. A pena deveria retribuição da culpa moral comprovada pelo crime.
ser adotada como forma de prevenção de novos crimes, “punitur ne O fim primeiro da pena é o restabelecimento da
peccetur” (pune-se para que não se peque). ordem externa na sociedade, alterada pelo delito.
Em consequência, a sanção penal deve ser aflitiva,
Desta escola, destaca-se Cesare Beccaria, que em sua obra exemplar, pública, certa, proporcional ao crime,
Dos Delitos e das Penas, traz: célere e justa; e) o método utilizado é o dedutivo
ou lógico-abstrato; f) o delinquente é, em regra, um
Da simples consideração das verdades, até aqui homem normal que se sente livre para optar entre
expostas, fica evidente que o fim das penas não é o bem e o mal, e preferiu o último; g) os objetos
atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer do estudo do Direito Penal são o delito, a pena e o
o delito já cometido. É concebível que um corpo processo (PRADO, 2008, p. 79-80).
político que, bem longe de agir por paixões, é o
tranquilo moderador das paixões particulares, poss Na Itália, por volta de 1891, aparecem os primeiros pensadores
albergar essa inútil crueldade, instrumento do furor
e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam da Scuola Italiana, ou Escola Crítica. Junto com ela vêm os conceitos
talvez os gritos de um infeliz trazer de volta, do de imputabilidade e inimputabilidade, que acabam por não modificar
tempo, que não retorna, as ações já consumadas? o entendimento em relação ao livre arbítrio, mantendo a relação da
O fim da pena, pos, é o de impedir que o réu cause
novos danos aos seus concidadãos e deover os pena como defesa social da escola anterior.
outros de agir desse modo. Na mesma época, surge na Alemanha a Escola Moderna Alemã,
É, pois, necessário selecionar quais penas e ou Escola de Política Criminal. Apesar de manter os entendimentos
quais os modos de aplica-las, de tal modo que,
conservadas as proporções, causem impressão anteriores sobre a prevalência do determinismo, os pensadores da
mais eficaz e mais duradoura no espírito dos Escola Moderna trouxeram avanços em relação à pena. Segundo os
homens, e a menos tormentosa no corpo do réu. adeptos dessa linha, aplica-se pena aos imputáveis e a medida de
(BECCARIA , 1999, p.52)
segurança para os inimputáveis, começando uma abertura também
para a substituição da pena privativa de liberdade de curta duração
Dando seguimento às Ciências Penais, surge a chamada Escola
por outras medidas.
Positiva e seu determinismo psicológico, negando os clássicos, colo-
Já para outra escola, a Técnico-jurídica, o delito é um fenôme-
cando o homem entregue à causalidade, considerando sua vontade
no individual e social, sendo quem o pratica dotado de livre-arbítrio e
um ato automático do cérebro, que recebe a sensação exterior e a
responsabilidade moral. Após essa escola surgem ainda outras que
transforma em vontade. Fazem, portanto, a vontade deixar de ser uma
trazem o entendimento do livre arbítrio como fundamento para a prá-
“faculdade da alma”. Para os pensadores positivistas, a pena justifi-
tica delituosa.
ca-se na defesa social e na tentativa de prevenção de crimes.
De acordo com Bitencourt (2009, p.10/11), a tipicidade é resul-

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tado do princípio da reserva legal: “nullum crimen, nulla poena sine de vontade conforme norma. Toda culpabilidade
praevia lege” que é abordado no artigo 1º, 1ª parte, do Código Penal é, pois, culpabilidade de vontade. Apenas aquilo
que depende da vontade do homem pode ser-lhe
brasileiro: “Não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena reprovado como culpável. Suas qualidades e suas
sem prévia cominação legal”. aptidões- tudo aquilo que o homem simplesmente
Em breve explicação, a ilicitude consiste na relação de contrarie- “é” – pode ser valiosas ou de escasso valor
(consequentemente, pode ser também valoradas),
dade que se estabelece entre a conduta do agente e o ordenamento mas apenas o que tenha feito delas ou como as
jurídico. Será lícita a conduta do agente caso este comportamento en- tenha empregado- em comparação com o que
contre amparo nas causas excludentes de ilicitude presente no artigo tivesse podido e devido fazer delas ou como as
tivesse podido e devido empregar -, só isso pode
23 do Código Penal. ser-lhe computado como “mérito” ou reprovado
Já o conceito de culpabilidade, que tem ligação direta com o como “culpabilidade” (WELZEL, 2011, p.109)
tema abordado neste trabalho, funda-se no próprio princípio da cul-
pabilidade, que, em sua explicação mais básica, define que “não há Para Welzel (2011,p110) a culpabilidade pode ser definida como
crime sem culpa”. a essência da reprovabilidade, sendo aquilo que reprova o autor que
Percebe-se, com essas explanações, que a definição de crime, podia atuar conforme as normas ante a comunidade jurídica, sendo
na atualidade, depende da livre vontade do agente. Para se ter a apli- portanto um conceito valorativo negativo e graduável, podendo che-
cação de uma pena é preciso avaliar o grau de liberdade do sujeito na gar a um maior ou menor grau dependendo da facilidade ou dificulda-
prática delitiva; avalia-se o entendimento próprio, livre e consciente, de do agente satisfaze-la.
para imputar a responsabilidade por uma ação ou omissão sanciona- Para Francisco de Assis Toledo, o conceito valorativo traz ao de-
da com pena criminal. bate o juízo de previsibilidade e voluntariedade do resultado danoso,
construindo assim a concepção psicológica da culpabilidade:
4 A CULPABILIDADE E O LIVRE-ARBÍTRIO
Sobre esses dois elementos anímicos, um volitivo,
outro intelectual (o voluntário e o previsível),
Como visto, não há como se falar de crime sem abordar a cul- construíram-se dois importantes conceitos
pabilidade do agente, e este tema está diretamente ligado à liberdade penalísticos – o dolo e a culpa. Dolo, quando
de agir e seu poder de decisão. há voluntariedade e previsão do fato; a culpa,
em sentido estrito, quando há a previsibilidade,
A palavra culpa é utilizada diariamente em nosso vocabulário sem a voluntariedade do resultado danoso. O
cotidiano, conforme explica Francisco de Assis Toledo em sua obra, desenvolvido dessas idéias, no decorrer dos
Princípios Básicos de Direito Penal: séculos, desaguou na elaboração de um conceito
dogmático puramente psicológico da culpabilidade,
que chegou até nossos dias: culpabilidade é uma
A palavra “culpa”, em seu sentido lato, de que ligação de natureza anímica, psíquica, entre o
deriva “culpabilidade”, ambas empregas, por vezes, agente e o fato criminoso(TOLEDO , 2008, p.219)
como sinônimas, para designar um dos elementos
estruturais do conceito de crime, é de uso muito
corrente. Até mesmo crianças a emprega, em seu Concluindo com Luigi Ferrajoli, em sua obra Direito e Razão:
vocabulário incipiente, para aponta o responsável Teoria do Garantismo Penal, explica que não há crime sem culpa:
por uma falta, por uma travessura. Utilizamo-
la a todo instante, na linguagem comum, para
imputação a alguém de um fato condenável. Seria A terceira condição material requerida pelo modelo
incorreto dizer-se, por exemplo: Pedro tem culpa garantista, como justificação do “quando” e do “
pelo progresso da empresa que dirige; o mesmo que” proibir, é a da culpabilidade. No sistema SG,
não aconteceria, porém, se disséssemos: Pedro expressa-se no axioma nulla actio sine culpa e
tem culpa pela falência da empresa que dirige. O nas teses que dele derivam: nulla poena, nullum
termo culpa adquire, pois, na linguagem usual, crimen, nulla lex poenalis, nulla iniuria sine
um sentido de atribuição censurável, a alguém, culpa. Para exigir dita condição, que corresponde
de um fato ou acontecimento. Veremos que o seu ao chamado “elemento subjetivo” ou “psicológico”
significado jurídico não é muito diferente. Todavia, do delito, nenhum fato ou comportamento
se olharmos de frente a culpabilidade jurídico- humano é valorado como ação se não é fruto
penal, será fácil perceber que não estamos diante de uma decisão; consequentemente, não pode
de algo tão simples como parece. Para transformá- ser castigado, nem sequer proibido, se não é
la em um tema bastante problemático, basta que intencional, isto é, realizado com consciência e
formulemos três ordens de indagação: vontade por uma pessoa capaz de compreender e
1ª) Que coisa é a culpabilidade? Será um fenômeno de querer. (FERRAJOLI , 2006, p.447)
psíquico? Será um juízo que se emite a respeito de
algo? Será ambas as coisas? Welzel trabalha a ideia da vontade e liberdade da seguinte maneira:
2ª)Onde está a culpabilidade? Em que lugar
podemos encontrá-la? Estará ela no psiquismo do
criminoso, ou estará na cabeça do juiz que julga o A culpabilidade não significa “livre” decisão
criminoso? Estará ela, nos dois lugares? em favor do mal, mas ficar preso pela coação
3ª)Por fim, qual o objeto do juízo de culpabilidade? causal aos impulsos, sendo o sujeito capaz de
Será ele a pessoa do criminoso? Será ele apenas autodeterminação conforme os fins. O delito é, por
o fato criminoso, isto é, um fato episódico na isso, efetiva e inteiramente, um produto de fatores
vida do criminoso? Ou será ele ambas as coisas causais, e a suposição e mesmo a indicação
mencionadas? (TOLEDO , 2008, p.216/217) da porcentagem com que a “vontade livre do
autor” tenha participado, junto à disposição e ao
mundo circundante, da gênese do delito (Sauer,
Hans Welzel traz em seu conceito valorativo da culpabilidade: Krinminologie, P.59 e ss) é um jogo incerto. O direito
penal tampouco parte da tese indeterminista de que
Culpabilidade é a reprovabilidade da resolução de a decisão de cometer o delito proceda inteiramente,
vontade. O autor podia adotar no lugar da resolução ou em parte de uma vontade livre e não do concurso
de vontade antijurídica - tanto se esta se dirige à entre a disposição e o mundo circundante; parte
realização dolosa do tipo como se não se aplica do conhecimento antropológico de que o home,
a direção final mínima exigida - uma resolução como ser determinado à responsabilidade, está

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existencialmente em condições de conduzir posteriormente, a partir do desenvolvimento
(conforme os fins) a dependência causal dos da epistemologia e das ciências humanas
impulsos. A culpabilidade não é um ato de livre em geral, como a sociologia, a psicologia e a
autodeterminação, mas precisamente a falta de psicanálise. Segundo Padre Vaz, a colocação
uma decisão conforme a finalidade em um sujeito do ser humano como indivíduo no centro da
responsável (WELZEL, 2011, p.127/128) interpretação e avaliação da realidade (chamada
“inflexão antropocêntrica”), que marca a virada da
filosofia do objeto para a filosofia do sujeito, tem
Para Sant’anna (2015,p. 56/57), o finalismo de Welzel pode ser como uma de suas consequências a pluralidade
criticado por sua abordagem do que seria a liberdade e a suposta “ca- de significações do termo “consciência”
pacidade de agir de outra maneira”, pois, efetivamente, a demonstra- (BROCHADO, 2002, p.47)
ção empírica desta comprovação é impossível, como traz Claus Roxin:
Para John Searle (1998, p.24/26) a consciência é o ponto cen-
Os defensores da concepção do “poder atuar de tral para a compreensão de nossa própria existência como seres hu-
outro modo” se fixam não no poder do sujeito manos, sendo a existência dela a condição que possibilita qualquer
individual, mas sim no poder da pessoa média que
existe conforme a experiência, na capacidade da coisa ter alguma importância para alguém. O autor ainda afirma que
maioria das pessoas. A reprovação da culpabilidade a consciência não aparenta ser “física” como outras propriedades do
contra o indivíduo se formula então assim: “o sujeito cérebro, nem parece ser redutível a processos físicos através de aná-
havia podido atuar de outro modo na situação em
que se encontrava, no sentido de que, conforme as lises científicas utilizando o calor e a solidez.
nossas experiências em casos análogos, outro, em Nas palavras de Searle:
seu lugar, atuaria, possivelmente, de outro modo
nas circunstâncias concretas”. Mas, desde uma A consciência é um fenômeno biológico natural
perspectiva indeterminista, é impossível basear uma que não se enquadra apropriadamente em nenhum
reprovação moral contra uma pessoa individual com das categorias tradicionais do mental e do físico.
capacidade que outras pessoas tenham, mmas que É causada por microprocessos de nível inferior
precisamente faltam ao sujeito! Isso não só carece no cérebro e é uma propriedade do cérebro em
de lógica, como supõe um abandono do ponto de níveis macrossuperiores. Para se aceitar esse
partida de que ao próprio sujeito era possível uma “naturalismo biológico”, como eu gosto de
decisão livre. (ROXIN, 2003,p.800) chamá-lo, temos de abandonar primeiramente as
categorias tradicionais. (SEARLE, 1998, p 25/26)
5 A CONSCIÊNCIA
De acordo com Zaffaroni, a consciência no direito penal se limita
O estudo da consciência está cada vez mais interdisciplinar. De a definição clínica:
acordo com Silva Junior(2013, p. 92), o tema que era restrito as áreas
filosóficas e psicológicas, atualmente ampliou seu leque de interesse, “Consciência” pode ser usada com significados
diversos, segundo se empregue a palavra em
passando para a área da neurociência e voltou ao debate no âmbito metafísica, psicologia, clínica e etc. O sentido que
jurídico. Para o autor, que traz as palavras de Precht, os neurocientis- aqui nos interessa é o clínico. Prescindindo das
tas estão fazendo o mesmo que os filósofos antigamente, pensando diferenças de escolas, em síntese podemos dizer que
a “consciência” é o resultado da atividade das funções
sobre o próprio pensamento, só que utilizando outros métodos. mentais. Não se trata de uma faculdade do psiquismo
Dentre as tentativas de conceituar a consciência, Eugenio Raúl humano, e sim o resultado do funcionamento de
Zaffaroni e José Henrique Pierageli trazem em sua obra um profundo todas elas. Não é uma faculdade (como a memória, a
atenção, a percepção sensorial, o juízo crítico e etc.),
desconforto na definição: mas o resultado do funcionamento destas faculdades.
(ZAFFARONI, 2011, p.382)
(..,)a consciência é uma função sintetizadora, ou
melhor, um conceito clínico com o qual se sintetiza
o funcionamento de toda a atividade psíquica. A Para Silva Junior (2013,p.107) Damásio traz a ideia de que ter
consciência não deixa de ser um conceito prático, no ciência sobre o próprio saber é algo que a consciência possibilita. Nas
sentido psiquiátrico da expressão, talvez indefinível em palavras de Damásio:
uma fórmula geral, mas para o trabalho de diagnóstico
mostra-se eficaz: afirma que não se encontra
perturbada quando o sujeito parece revelar ao A consciência permite saber que as imagens existem
interrogatório um quadro de comportamento em que dentro do indivíduo que as forma, situa as imagens
os aspectos intelectuais e afetivos de seu psiquismo na perspectiva do organismo, relacionando-as a
se acham harmonicamente dispostos, permitindo- uma representação integrada do organismo, e,
lhe manter um adequado contato e adaptação com com isso, permite a manipulação das imagens e
o mundo objetivo. Denomina-se sensorium todo o favor dele. No processo de evolução, quando a
complexo funcional que desemboca na consciência consciência surge, ela anuncia o despontar da
, mas, por mais que pesquisemos os tratados de antevisão do indivíduo. (DAMÁSIO, 2000, p.44)
psiquiatria, veremos que neles não há uma definição
satisfatória, expressado um conhecido especialista Em seu artigo, Silva Junior (2013,p.115/116) traz a consciência
que, “embora seja um conceito claro, não podemos
defini-lo bem”(Bleuler). Cremos que não é um dividida entre a psicológica, moral e a jurídica, sendo que a primeira
conceito facilmente definível, porque se trata mais possui um papel importante em relação ao comportamento humano,
de uma impressão clínica do que de um conceito tendo como objeto qualquer tipo de ato, não importando se cognos-
abstrato disponível. (ZAFFARONI, 2011, p.544)
citivos ou afetivos-volitivos. Ficando a cargo da consciência moral a
interpretação exclusiva dos atos volitivos. Por sua vez o autor aborda
A autora Mariá Brochado traz, em sua explicação, um pouco
a passagem da consciência moral para o domínio da lei.
mais sobre a dificuldade de conceituar a palavra consciência:

A acepção originária do termo consciência era 6 A CONSCIÊNCIA SEGUNDO A NEUROCIÊNCIA ATUAL


(...) a do sentido de consciência moral; a acepção
intelectual e psicológica do termo sugeriu Para Sant’Anna (2015, p.74), a neurociência ganhou destaque

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durante os anos 90, que ficaram conhecidos como a década do cé- do mencionado autor brasileiro, a partir dos
rebro. Tal crescimento se deu após ao largo uso da neuroimagem, estudos sobre tais pesquisas, o cérebro seria um
órgão como qualquer outro e, assim, seria tão
que possibilitou assim pesquisar as atividades psicológicas dos seres determinista em seu funcionamento, quando o
humanos. Anteriormente, as pesquisas cerebrais aconteciam apenas coração ou o fígado. (SANT’ANNA, 2015,p.77)
através de autópsias, realizadas em cadáveres de pacientes que pos-
suíam alguma disfunção cerebral. Para Sant’anna (2015,p79), de acordo com o neurocientista
Tais avanços nas pesquisas trouxeram três aspectos importantes: David Eagleman, todos os atos estão associados a uma espécie de
piloto automático. Uma atividade cerebral é ocasionada por outra ati-
Diante dessa nova tecnologia, podem-se destacar vidade no cérebro, formando-se uma rede conectada, não restando
três aspectos principais abordados pelos
neurocientistas a fim de extrair conclusões sobre espaço para falar em livre-arbítrio.
os seus experimentos, quais sejam: o problema Nas palavras do autor:
mente-cérebro; a questão da ação intencional
e o tradicional confronto sobre a liberdade e o O princípio declara que a resposta à questão do livre-
determinismo (SANT’ANNA, 2015,p.75) arbítrio simplesmente não importa. Mesmo que o
livre-arbítrio tenha sua existência conclusivamente
Damásio aponta outros aspectos da importância da neurociên- provada. Mesmo daqui a cem anos, não alterará o
fato de que o comportamento humano opera em
cia na busca de entendimento sobre o comportamento humano: grande parte quase sem ligar para a mão invisível
da volição. (EAGLEMAN, 2012, p.12)
(...) tornou-se especialmente frutífero, pois o
desenvolvimento de novas técnicas para observar
o cérebro, visando conhecer sua estrutura e Com isso, por intermédio da neurociência, descobriu-se tam-
função, permite-nos agora associar determinado bém outras ligações dessa rede cerebral. Uma delas é importância da
comportamento que observamos, clinicamente ou região frontal do cérebro na tomada de decisões. Esta região é res-
em um experimento, não só a um correlato mental
presumido desse comportamento, mas também a ponsável pelos impulsos emocionais e morais, ficando responsável
marcadores específicos de estrutura ou atividade por valorar e arquitetar os atos.
cerebral. (DAMÁSIO, 2000, p.30) Estes estudos apontam a importância da emoção e cognição
na mente humana, principalmente no que diz respeito à capacidade
Já para Precht (2009,p.46) a tarefa não é tão simples, uma vez moral. Em seu estudo, Moll(2003), traz que o lado emocional e moral
que a pesquisa neurocientífica são cérebros humanos tentando en- do cérebro são decisivos na tomada da decisão, colocando o agente,
tender algo sobre cérebros humanos, em suas palavras: “o sistema que não tem seu lado emocional ainda completo ou sofre de alguma
quer entender a si próprio”. enfermidade, como incapaz de compreender o caráter ilícito do ato,
Como exemplo dos primeiros estudos, ainda nos anos 90, po- ou tomar outra atitude com base na sua compreensão limitada.
de-se citar os experimentos de Benjamin Libet, que percebeu que an- As lesões na região frontal impactam diretamente na capacida-
tes do agente tomar consciência de uma ação, uma área cerebral é de moral, que confere ao sujeito a capacidade de distinguir um ato
acionada antes: licito do ilícito, mas tornando-o incapaz de utilizar esse conhecimento
para controlar o seu comportamento. Para Pinker (2013, p.672), en-
Nos temos liberdade? Eu realizei uma experiência
para essa questão. Atos de liberdade voluntários contra-se no lobo frontal todo o circuito da raiva, que está ligado ao
são processados por uma específica mudança sistema dos circuitos emocionais. Nas palavras do autor:
elétrica no cérebro (the ‘radinesspotential’, RP)
que começa 550 milissegundos antes da ação. A Situado no topo de todo o circuito da raiva está
subjetividade humana que produz a intenção do o córtex cerebral – a fina camada de substancia
ato vem 350-400 milissegundos depois que o RP cinzenta na superfície externa dos hemisférios
começa, mas 200 milissegundos antes da atividade cerebrais em que se efetuam os processamentos
motora. O processo voluntário é, por tanto, iniciado por trás da percepção, pensamento, planejamento
inconscientemente.(LIBET, 1998,p.48) e deliberação. Cada Hemisfério cerebral é dividido
em lobos, e o que fica na fronte, o lobo frontal,
Partindo desse ponto outros pesquisadores, como Wolfgang processa as decisões relevantes sobre como
se comportar. Uma das principais áreas dos
Prinz, desenvolveram experimentos importantes contrapondo o com- lobos frontais situa-se acima das cavidades do
portamento cerebral com o livre-arbítrio: crânio onde ficam os olhos, também conhecidas
como órbitas, sendo por isso chamada de
Na realidade, disse Prinz, em primeiro lugar córtex orbitofrontal, ou simplesmente córtex
geramos uma ação, para só depois sugerir em orbital. Este está densamente conectado com
nós a consciência de que a estamos realizando. amígdala e outros circuitos emocionais, e ajuda
A percepção que temos de nossas ações seria, a integrar emoções e memórias em decisões
assim, um fenômeno que acompanha, com certo sobre o que fazer a seguir. Quando um animal
delay, processos neurológicos inconscientes modula sua disposição de atacar em resposta às
responsáveis por elas. Prinz expressou suas circunstâncias, inclusive seu estado emocional
conclusões com a frase emblemática “ Não e todas as lições que aprendeu no passado,
sabemos o que queremos, mas queremos o que essa parte do cérebro, por trás das órbitas, é a
fazemos” (PORCIÚNCULA, 2012, p.275) responsável. (PINKER, 2013, p.673/674)

Em contra ponto aos apontamentos feito por Porciúncula: Silva (2012) traz que os pacientes com lesão frontal conseguem
atingir o conhecimento puramente intelectual, racional, quando se
Paulo Queiroz, a partir dos estudos de Wolf Singer, relacionam com imagens de conteúdo emocional, podendo evocar
afirma que a neurociência pretende provar que o conhecimento relacionado com as imagens, mas sem conseguir
aquilo que se apresenta como ações refletidas
e conscientes seria, em vede, uma ilusão criada conectar esses conhecimentos com respostas emotivas medidas a
pela consciência, inclusive porque, na leitura nível corporal.

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Nas palavras de Pinker: Responsavel é todo homem mentalmente
desenvolvido e mentalmente são. D’ahi segue-
Na maioria dos casos, a tentação de tomar se que a tjeoria da culpabilidade criminal deve
seres humanos como presa é inibida por encontrar o seu centro de gravidade na exposição
constrangimentos emocionais e cognitivos, daquellas situações ou estados excepcionaes que
porém em uma minoria de indivíduos esses excluem a imputabilidade. (LISZT, 2006, p.257)
constrangimentos estão ausentes. Os psicopatas
soam de 1% a 3% da população masculina, O doutrinador Francisco de Assis Toledo (2008, p.312/314) traz
dependendo de usarmos a definição mais ampla
de transtorno de personalidade antissocial, que que a imputabilidade é sinônimo de atributividade, é o atribuir algo a
inclui muitos tipos de encrenqueiros impiedosos, outrem. Para o autor, é o fato de um agente ter toda a capacidade para
ou a definição mais restrita, que seleciona os ser penalmente responsável, em suas palavras:
manipuladores mais astutos. Psicopatas são
mentirosos e atormentadores desde crianças, não
mostram capacidade de compaixão ou remorso, Quais os elementos da imputabilidade, isto é, da
compõem de 20% a 30% dos criminosos violentos capacidade de culpabilidade? Dos art.26 a 28 do
e cometem metade dos crimes graves. Também Código penal podem-se inferir, essencialmente
cometem crimes não violentes, como privais dois, a saber: 1º) que o agente possua, ao tempo
casais idosos das economias de toda uma vida e da ação ou da omissão, a higidez biopsíquica
gerir negócios com um desprezo cruel pela mão de necessária para a compreensão do injusto e para
obra ou pelos acionistas. Como vimos, as regiões do orientar-se de acordo com essa compreensão;
cérebro que manejam as emoções sociais, sobretudo 2º) que o agente tenha completado 18 anos.
a amígdala e o córtex orbital, são relativamente (TOLEDO, 2008, P14)
atrofiadas ou inativas nos psicopatas, embola eles
possam não apresentar outros sinais de patologia. Para Welzel (2011,p.130) a definição legal de imputabilidade
Em alguns indivíduos, os sinais de psicopatia se
desenvolvem após uma lesão dessas regiões por possui dois elementos inseparáveis, sendo eles:
doença ou acidente, mas a condição também é
parcialmente hereditária.(PINKER, 2013, p.687) A capacidade de culpabilidade tem, por tanto,
um elemento de conhecimento (intelectual) e
um elemento de vontade (volitivo): a capacidade
O cérebro pode influenciar na tomada das decisões, poden- de compreensão do injusto e de determinação
do condicionar o comportamento, inibindo o controle dos impulsos da vontade (conforme uma finalidade).
e dificultando o reconhecimento de emoções, como as dores, por Apenas a soma dos dois elementos constitui
a capacidade de culpabilidade, Se falta só um
exemplo. Portanto, a incapacidade de valoração interfere na tomada deles - em razão da juventude ou dos estados
de decisões, parte indispensável para avaliar a liberdade do agente e mentais anormais -, o autor não é capaz de
definir sua imputabilidade. culpabilidade (WELZEL, 2011, p.130)

7 A IMPUTABILIDADE PENAL Sobre tais elementos, de entendimento e de autodeterminação,


Bitencourt traz que o primeiro é determinante para o controle do se-
A imputabilidade, no sistema adotado no Brasil, reflete a capa- gundo, pois a capacidade de autodeterminação está ligada a capa-
cidade de culpabilidade, é a aptidão do sujeito para ser culpável. Po- cidade de autocontrole, e essa pressupõe a capacidade do entendi-
rém, não se pode confundir a imputabilidade com a responsabilidade, mento do agente.
que, de acordo com Bitencourt(2009, p.378), é o princípio segundo Portanto, sendo a liberdade de agir a base da teoria do delito, e
o qual a pessoa dotada de capacidade de culpabilidade (imputável) o aval para a culpabilidade penal, só com a liberdade de agir a pessoa
deve responder por suas ações. pode ser criminalmente responsabilizado por sua conduta.
O Código Penal brasileiro não define o conceito de imputabili- A imputabilidade é oriunda de um juízo acerca da capacidade
dade penal; aborda apenas as causas que a afastam, criando assim do autor de atuar conforme seu próprio entendimento, sempre cons-
o conceito de inimputabilidade nos casos de doença mental e de de- ciente e livre. Para Welzel (2011, p.129), a liberdade humana pauta-se
senvolvimento mental incompleto ou retardado, avaliando sempre o na liberdade da vontade, na possibilidade de atuar de outro modo.
momento em que é cometido o injusto penal.
De acordo com Franz Von Liszt, autor do sistema clássico da 8 CONCLUSÃO
teoria do delito, em sua obra Tratado de Direito Penal allemão, tal
omissão deixou a cargo da psicologia e da ciência jurídica trazer uma O debate sobre livre-arbítrio versus determinismo ficou alguns
definição para a imputabilidade: anos frio e sem grandes novidades. Porém com a neuroimagem e as
pesquisas na área comportamental, a discussão voltou a ter o desta-
Com razão a legislação penal do Imperio absteve- que que merecia.
se de fixar a idéa da imputabilidade. Deixou a O ser humano tem a liberdade da escolha livre e consciente? Ou
solução do problema aos esforços da psychologia
e da sciencia do direito, limitando-se a indicar á está sujeito ao determinismo de seu inconsciente ou largado a própria
administração da justiça alguns pontos de vista sorte definida pelo tão temido destino inescapável?
directores. Não exgotou nem pretendeu exgotar A tragédia grega traz que mesmo dentro de um possível destino
a idéa da imputabilidade, quando exigio aqui «o
livre exercício da vontade» (C. p., art. 51), e alli «o inescapável, definido pelas moiras, o ser humano tem seu livre-arbítrio
discernimento necessário para a comprehensão do mantido. Na história de Édipo Rei, Édipo ao saber que mataria seu
caracter delictuoso do facto» (C. p., §§ 56 a 58) pai, se afastou , escolheu mudar de cidade, não sabendo que sua
(LISZT, 2006, p.259)
liberdade de escolha te levou concretizar as previsões, indo de encon-
tro com o seu determinismo.
Explica Liszt:
Ora, o caso de Édipo Rei mostra que o filho não sabia que era
Já na introdução notámos que a imputabilidade adotivo, e que a previsão era para matar o seu pai biológico, tal in-
criminal nada tem que ver co o livre arbitrio. formação torna a escolha de Édipo, que parecia ser consciente, em

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algo inconsciente. Caso ele tivesse ciência de toda a situação que o REFERÊNCIAS
cercava, talvez tivesse escolhido diferente e teria escolhido ficar onde
estava. Tal conflito de determinismo (destino inescapável) e livre-ar- A BÍBLIA sagrada: Nova versão internacional. 10 ed, Vida: São Paulo, 2012
bítrio mostra a enorme impotência da vida humana diante dos fatos.
Por sua vez a psicologia e a psiquiatria contribuíram para o de- AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona, 354-430.O livre-arbítrio / Santo
bate com a existência do consciente e o inconsciente, demonstrando Agostinho ; [tradução, organização, introdução e notas Nair de Assis
que todos são leigos sobre sua própria existência, uma vez que não Oliveira ; revisão Honório Dalbosco]. — São Paulo : Paulus, 1995.—
conhecem o seu lado sombra. (Patrística)
Esse não conhecer a motivação de ações e reações humanas
pode ser discutido à luz do que traz Zaffaroni (2011, p.529), a respeito ARISTÓTELES. Ética e Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. Cole-
da chamada “coculpabilidade”: ção Obra prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2000.

Todo sujeito age numa circunstância determinada BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi di, 1738-1793, Dos delitos e
e com um âmbito de autodeterminação também
determinado. Em sua própria personalidade há uma das penas/ Cesare Beccaria. Tradução J. Cretella Jr. E Agnes Cretella.
contribuição para esse âmbito de autodeterminação, 2ª ed. Ver. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999.
posto que a sociedade – por melhor organizada
que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a
todos os homens com as mesmas oportunidades. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v.
Em consequência, há sujeitos que tem um menor 1.12. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
âmbito de autodeterminação, condicionado
desta maneira por causas sociais. Não será
possível atribuir estas causas sociais ao sujeito BRASIL. Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940
e sobrecarrega-lo com elas no momento da
reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que BROCHADO, Mariá. Consciência moral e consciência jurídica. Belo Ho-
há, aqui, uma “coculpabilidae”, com a qual a própria
sociedade deve arcar.(ZAFFARONI, 2011,p.529) rizonte: Mandamentos, 2002.

Tais ideias são fruto da influência do direito penal socialista, tra- DAMÁSIO, Antônio. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia
zida por Jean Paul Marat, e explicada pelo Zaffaroni (2011,p.238), com das Letras, 2000.
a seguinte pergunta: “ os indivíduos que não obtinham da sociedade
mais do que desvantagens estavam obrigados a respeitar as leis?”. EAGLEMAN, David. Incógnito: as vidas secretas do cérebro. Tradu-
A resposta é negativa, pois para o autor, uma vez que a sociedade os ção:Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
abandona, toda autoridade que se lhes oponha será tirânica.
A neurociência, mesmo com todos os avanços e dedicação a FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal/ Luigi Fer-
pesquisa comportamental, ainda não trouxe certezas capazes de co- rajoli; prefácio da 1.ed. italiana, Norberto Bobbio. 2.ed.rev. e ampl. São
locar em xeque a estrutura da responsabilidade criminal. Porém, tais Paulo: Revistas dos Tribunais, 2006.
estudos demonstram a necessidade constante em continuar deba-
tendo a culpabilidade, orientada sempre no viés da liberdade. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 2000. Editora Vozes.
Apesar de apontamentos neurocientíficos, como as pesquisa de
Libet e Pinker, o próprio Libet explica: FREUD, S. (1932) – Novas Contribuições à Psicanálise – in: “Obras Com-
pletas de S.Freud” – V.17 – Rio de Janeiro: Ed. Delta, 1958, p.05-192
A liberdade, por tanto, não é excluída. Essas
descobertas colocam restrições em visões de GOSWAMI, Amit. A física da alma-Amit Goswami ; tradução Marcello
como a Liberdade pode se processar; não se
iniciará um ato voluntário, mas é possível controlar Borges. – 2 ed. – São Paulo : Aleph, 2008
a performance do ato. As descobertas também
afetam a forma de ver a culpa e a responsabilidade. JUNG, Carl G. – O Homem e seus símbolos. Tradução: Maria Lúcia
Mas a questão mais profunda ainda permance:
são os atos livremente voluntários sujeitos às leis Pinho – 6ªEd: Nova Fronteira, 2005
deterministas ou eles podem aparecer sem tais
restrições, sem determinação pelas leis naturais e KURY, Mário da Gama. A trilogia Tebana – Édipo Rei, Édipo em Colono e
verdadeiramente livres? (LIBET, 1998,p.48)
Antígona.SÓFOCLES. Tradução de Mario da Gama Kury. Coleção Tra-
gédia Grega – Volume 1. 15ª reimpressão. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
Mesmo que algumas pesquisas apontem a existência de uma
reação cerebral antes da ação, mesmo que demonstre as cadeias
LOMBROSO, Cesare; ROQUE, Sebastião José. O Homem Delinquen-
existentes no cérebro humano, a ideia da liberdade do agente esco-
te. São Paulo: Ícone, 2010.
lher, em momento algum pareceu afirmada, distante ou inexistente.
Sendo assim, não afastada a autonomia da vontade das ações
LIBET, Benjamin. Do wehave free will? IN: LIBET, Benjamin; FREEMAN,
humana e a vontade do agir, não há que se questionar, no momento,
Anthony; SYTHERLAND, Keith (Eds). The Volitional Brain. Towards a
a teoria do delito adotada hoje.
neuroscience of free wil. EUA: Imprint Academic, 1999.

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LISZT, Franz von. Tratado de direito penal allemão/ Franz Von Liszt; pre- VASCONCELLOS, Paulo Sérgio de. Mitos Gregos. São Paulo: Objetivo, 1998.
fácio de Edson Carvalho Vidigal; Tradução José Hygino Duarte Perei-
ra. Brasilia:Senado Federal, Conselho Eleitoral: Superior Tribunal de WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal. Uma introdução a dou-
Justiça, 2006. trina da acção finalística. Tradução de Luiz Regis Prado. 3ª ed. São
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MAGALHÃES, Carlos. Teorias da criminalidade: uma abordagem crítica.
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LETRAS JURÍDICAS | N.6 | 1o semestre de 2016 | ISSN 2358-2685 CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA
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