Belém-PA, 27/10/2013
FOTO: WAGNER ALMEIDA E REPRODUÇÃO RBA
Com centrais de triagem abarrotadas, são comuns as cenas de tentativas de fugas e rebeliões
A dona de casa M. D., de 49
anos tem sete filhos. A mulher
de traços indígenas e a voz um
tanto rouca não recorda a idade
de todos os sete filhos, dos quais
três dois garotos cumprem pena
no complexo de Americano. O
mais novo morreu assassinado e
das meninas duas são amigadas
e moram no interior, outra mor-
reu atropelada e a caçula, S.D, de
19 anos, mora com ela. “Eu não
gosto de visitar meus filhos não,
deixo as mulheres deles irem. É
tanta pouca vergonha nessas visi-
tas.Ixi”, reclamou. O constrangi-
mento ao qual a dona de casa se
refere se dão nas visitas íntimas
nas quais as noras dela são acom-
panhadas pela filha. Entre vári-
as conferidas no celular moderno
sob um casebre humilde de ma-
deira a jovem disse que o namora-
do dela também está preso, apre-
sentado pelos irmãos.
As duas descrevem o que
classificam como “horror” vivido
pelos detentos. Parte desse trata-
mento elas observam nas visitas,
e outra parte ficam sabendo em
primeira mão quando recebem li-
gação diretamente das celas. Per-
guntada sobre os planos para o fu-
turo dela e dos irmãos, a jovem dá
de ombros. “Sei lá”, resume. Ques-
tionada sobre escolaridade dela e
dos irmãos, ela responde com tom
irônico, beirando o deboche: “Esse
negócio de estudar não tá com
nada. O negócio é o tráfico”, brin-
ca. A mãe ri, constrangida, tenta
tapar a boca da filha como sinal de
reprovação, mas nada além disso.
Nem ela ou a mãe souberam dizer
se os amados delas deixarão de co-
meter crimes quando saírem. “Do
jeito que esses dois são desguia-
dos, mano, sei não”, descontrai a
moça.
Já o filho de R.S, de 42 anos,
foi um dos 8.368 presos em 2013,
no mesmo período em que outros
6.724 detentos saíram. Ele passou
à custódia da Susipe na Central
de Triagens da Cidade Nova onde
permaneceu três meses, prazo li-
mite de permanência. A mãe se
queixa da falta de experiência
dele e dela, e que a pressão exer-
cida por agentes penitenciários e
colegas de cela. “Me deram uma
lista enorme com material pra
comprar na Cidade Nova. Até col-
chonete eu tive que comprar, mas
Pará tem déficit de
quase 5 mil vagas
Atualmente há um déficit
prisional de 4.839 vagas nas
casas penais paraense. No co-
tidiano de quem vive recluso
isso significa, em muitos casos,
mais do que a perda de liber-
dade, conforme determina a
lei, mas a perda de dignidade.
A situação mais aguda se dá
nas centrais de triagem, se-
gundo o defensor público
Adriano Souto, membro do
Núcleo Avançado de Atendi-
mento Criminal de Belém.
Conforme parecer do núcleo,
a Central de Triagem de São
aí teve rebelião, queimaram tudo Brás deve fechar as portas
e tive de comprar de novo. Depois imediatamente. “Aquilo não
que ele foi pro presídio a lista au- tem qualquer condições de re-
mentou. Cheguei com um agente ceber presos, porque ali são
e perguntei se era obrigado e ele privados de banho de sol, de
me disse que era, mas não tenho mínimas condições de higie-
como comprar”, se queixou. ne. Por isso constantemente
O filho dela, segundo ela realizam motins”, argumen-
mesma, nunca foi preso. Foi le- tou.
vado à cadeia por estar próximo Segundo ele, remanejá-los
de criminosos. Ela revela temer dali para outros centros com
como o filho sairá dali. “Quero um pouco mais de condições
que ele saia logo. Está me saindo significa impedir seguidos
muito caro essa prisão. Disseram motins. “Tem animais que vi-
que, além dessas compras ainda vem em condições melhores
preciso deixar R$ 50 pra comprar do que aquelas pessoas tran-
gelo. Mas não tenho como dei- cafiadas naquelas celas aper-
xar. Eu vendo coxinha na rua, pra tadas pra tanta gente”, avalia.
quê um preso precisa de dinhei- A Susipe divulgou na última
ro, meu Deus?”, se questiona. semana que até o fim de 2013 a
Central de Triagens de São
Brás fechará, e no futuro todas
SÍNTESE as outras centrais fecharão. Os
presos dali devem ser levados
à nova Central de Triagem
RESPOSTA DA SUSIPE Metropolitano III (CTM3), no
A Susipe informou em nota que as complexo penitenciário de
famílias de internos recebem listas Santa Izabel, quando esta ficar
contendo materiais que podem ser pronta.
levados em dias de visitas. Ninguém Outra solução para dimi-
é obrigado a levá-los e nem a deixar nuição de contingente seria
qualquer quantia em dinheiro.
acelerar os julgamentos. Há
detentos que aguardam deci-
são judicial período às vezes
próximo da pena máxima
para o seu crime antes de se-
rem condenados. “Atual-
mente 50% da população
carcerária paraense ainda
são presos provisórios, pes-
soas que poderiam aguardar
pelo julgamento em liberda-
de, como as pessoas que têm
dinheiro o fazem. Mas o ju-
diciário paraense parece ain-
da ter predileção por manter
essas pessoas presas, como
se isso apenas não aumentas-
se a criminalidade, deixando
essas pessoas em verdadeiras
faculdades do crime”, provo-
cou.
“No total, cerca de 20 no-
vas unidades prisionais estão
com obras previstas para o sis-
tema prisional paraense, ge-
rando cerca de seis mil novas
vagas, até o fim de 2014. Os in-
vestimentos totalizam mais de
R$ 115 milhões”, informa a as-
sessoria de comunicação. Há
divergências entre as declara-
ções do defensor e o superin-
tendente da Susipe, o coronel
André Cunha. O primeiro de-
fende que as mudanças em re-
lação a São Brás são fruto da
pressão conjunta com o Mi-
nistério Público, já o coronel
alega que desde 2011 o gover-
no apresenta como meta o fe-
chamento dessas casas transi-
tórias. Mas ambos concordam
que a melhor saída para impe-
dir o crescimento progressivo
de número de reclusos é in-
vestimento em políticas so-
ciais.