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As Diretrizes Gerais para uma Política de Atenção Integral à Saúde Mental das
Populações Indígenas, publicada em 25 de outubro de 2007 via Portaria n.º 2.759 do
Ministério da Saúde, institui como primeira diretriz o apoio e o respeito à capacidade
dos coletivos e sujeitos indígenas de identificar os problemas e agravos por eles
vivenciados e, consequentemente, de mobilizar recursos e criar alternativas para a
construção de estratégias para enfrentá-los, visando solucionar ou minimizar estes
problemas.
Partindo do princípio de que toda ação deve ser dialogada e construída com os
próprios indígenas, promovendo o protagonismo das comunidades e o fortalecimento da
organização social, optamos por ofertar aos aprendentes um leque de possibilidades que
permitam a abordagem dos problemas decorrentes do uso de álcool. Por isso,
organizamos uma caixa de ferramentas para orientar a produção de subsídios para a
intervenção sobre esses problemas. Até porque, para que tenhamos êxito em nossas
ações, precisamos conhecer as realidades sobre as quais estaremos intervindo.
De qualquer forma, recomendamos que a estratégia participativa seja adotada tanto nas
investigações epidemiológicas, em que prepondera o emprego de métodos quantitativos
com a aplicação de instrumentos de triagem, quanto nas pesquisas antropológicas, que
recorrem a métodos qualitativos para fazer uma caracterização dos processos de
alcoolização particulares, vigentes entre os povos indígenas. Ambas as frentes de
investigação devem atuar de forma complementar na produção de conhecimentos
emancipatórios interdisciplinares e interculturais, na medida em que a produção de
informação em saúde é imprescindível para a compreensão sobre o impacto das práticas
alcoólicas sobre a vida e a saúde de cada comunidade indígena, subsidiando as
estratégias de intervenção a serem desenvolvidas.
VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA
“Os estudos sobre o uso de álcool em população indígena são muito escassos e
os dados epidemiológicos não servem somente para uma análise comparativa entre os
diferentes grupos, uma vez que possibilitam o reconhecimento dos danos e as
repercussões no grupo, servindo, ao longo do tempo, como parâmetro de avaliação,
além de fornecerem subsídios para o enfrentamento do problema, tanto na prevenção
quanto no tratamento” (OLIVEIRA, 2004, p. 78).
Uma das formas de dimensionar a magnitude dos problemas, necessidades e
agravos decorrentes do uso prejudicial das bebidas alcoólicas entre os povos indígenas é
a proposta pela vigilância epidemiológica. Os instrumentos para triagem epidemiológica
do abuso ou dependência de drogas atualmente existentes constituem ferramentas
elaboradas para identificar os “níveis de uso de álcool e outras drogas” e facilitar a
adoção de estratégias de ação direcionadas para evitar “que o uso dessas substâncias
traga problemas de saúde para os usuários, ou que eles se tornem dependentes”
(BRASIL, 2017a).
1. CAGE – Com uma sigla elaborada a partir das quatro perguntas que o integram, o
CAGE tem como objetivo principal detectar casos de dependência do álcool;
Questionário CAGE
C (cut down) Alguma vez o(a) sr.(a) sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida
ou parar de beber?
A (annoyed) As pessoas o (a) aborrecem porcriticarem o seu modo de beber?
G (guilty) O(a) sr.(a) se sente culpado(a) pela maneira com que costuma beber?
E (eye opened) O(a) sr.(a) costuma beber pela manhã (ao acordar), para diminuir o
nervosismo ou a ressaca?
Mais de 45% das mulheres que fazem uso de bebidas se encontra na faixa de 30
a 49 anos. À primeira vista, parece que, entre os Kaingang, as mulheres apresentam o
problema do alcoolismo em idades mais avançadas que entre os homens. (OLIVEIRA,
2003, p. 55-56).
Figura 2: problemas de alcoolismo entre KAINGANG. Fonte: SEAD/UFSC(2017).
Diante das limitações dos instrumentos de triagem convencionais para dar conta
das especificidades do fenômeno do uso de bebidas alcoólicas junto aos povos
indígenas, a Ficha de Monitoramento do Uso Prejudicial do Álcool está alinhada à
perspectiva adotada pela Redução de Danos, optando enquanto proposta de
sistematização de informações de saúde, pela utilização da categoria Consumo
Prejudicial de Álcool, definido principalmente pelas consequências negativas e não pela
quantidade de bebida ingerida ou pela frequência de consumo. Essas consequências
podem ser individuais ou coletivas, de saúde, sociais ou espirituais e estão diretamente
relacionados ao uso de álcool, como as situações de violência doméstica e comunitária,
conflitos com a polícia, dificuldades com dinheiro, negligência ou abandono de
crianças, adoecimentos físicos e/ou comportamentais relacionados ao álcool e outros
que causem danos ao usuário ou a outros.
assistência nas equipes de atenção básica divididos por região do país. Fonte:Ministério
da Saúde, SESAI, adaptado por SEAD-UFSC (2017).
Em relação à distribuição por faixa etária, observa-se que, tanto para homens
quanto para mulheres, a maior parte dessas pessoas têm entre 30 e 59 anos, seguidas
pela faixa etária de 18 a 29 anos. Esses dados demonstram que os indígenas que
buscaram por algum tipo de assistência estão no período da vida adulta. O número de
indígenas menores de 18 anos que demandaram cuidados, no entanto, é pequeno,
podendo demonstrar que a juventude não considera as consequências decorrentes do uso
de álcool como problemas.
Figura 10: indígenas com problemas decorridos do uso de álcool que buscaram
assistência nas equipes de atenção básica com ou sem pelo menos uma consulta nos
CAPS. Fonte: Departamento de Atenção à Saúde Indígena, SESAI, Ministério da
Saúde, adaptado por SEAD-UFSC (2017).
Apesar da extrema importância dos dados produzidos pela estratégia de
vigilância epidemiológica, seja através da aplicação de instrumentos de triagem, seja
por meio de um enfoque centrado nos problemas decorrentes do uso prejudicial das
bebidas alcoólicas e na busca da atenção à saúde, tal como desenvolvido pela
SESAI/MS, faz-se necessário que tais dados sejam complementados com informações
produzidas por estudos qualitativos aprofundados que permitam a compreensão das
configurações específicas que os processos de alcoolização assumem em contextos
socioculturais particulares. Por meio do emprego de metodologias qualitativas
participativas, não apenas será possível acessar os modelos explicativos das
comunidades indígenas sobre o uso de álcool como também construir ações para o
enfrentamento dos problemas decorrentes desse uso que articulem as possibilidades de
atenção disponibilizadas pelos serviços e os saberes e práticas indígenas de cuidado com
a saúde. O método de pesquisa-ação, recomendado pelas Diretrizes Gerais para uma
Política de Atenção Integral à Saúde Mental das Populações Indígenas (Portaria n.º
2.759/2007), parece ser adequado para conhecer e desenvolver estratégias locais de
intervenção sobre os problemas e agravos decorrentes do uso abusivo de bebidas
alcoólicas.
PESQUISA-AÇÃO
Síntese Reflexiva
REFERÊNCIA