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PALEOAMBIENTE E PALEOETNOLOGIA DE
POPULAÇÕES SAMBAQUIEIRAS DO SUDESTE
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
R ita Scheel-Ybert*
Área de estudo
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SCHEEL-Y BERT, R. Paleoam biente e paleoetnologia de populações sam baquieiras do sudeste do E stado do Rio de
Janeiro. Rev. do M useu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 9: 43-59, 1999.
Figura 1 - Localização geográfica dos sítios estudados. (1) Sam baqui do Forte; (2) Sam baqui
Boca da Barra; (3) Sambaqui do Meio; (4) Sambaqui Salinas Peroano; (5) Sambaqui da Ponta da
Cabeça; (6) Sam baqui da Beirada; (7) Sam baqui da Pontinha.
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SCH E EL -Y B E R T, R. Paleoam biente e paleoetnologia de populações sam baquieiras do sudeste do E stado do R io de
Jan eiro . Rev. do M useu de A rqueologia e E tnologia, São P aulo, 9: 4 3-59, 1999.
T odos os fragm entos de carvão com mais de 30 taxons por nível artificial. No Sambaqui do
de 4 mm de lado foram analisados. Em regiões Forte, por exem plo, mais de cem taxons foram
tropicais, a determ inação de fragm entos m eno iden tificad o s. Isto in d ica que os carv õ es c o
res é normalmente impossível, pois em geral eles letados correspondem à am ostragem (coleta de
n ão a p re se n ta m um c o n ju n to de c a ra c te re s lenha) de uma área significativam ente grande no
anatôm icos suficientem ente am plo que perm ita entorno do sítio e a uma atividade temporal rela
sua identificação sequer ao nível de família. tivam ente longa, critérios essenciais para um a
Os fragm entos de carvão foram analisados boa interpretação paleo eco ló g ica b aseada nos
num microscópio metalográfico de luz refletida a carv õ es arq u e o ló g ico s (S ch eel et al. 1996a,
fundo claro/fundo escuro. Cortes transversais, 1996b).
tangenciais longitudinais e tangenciais radiais Na região de Cabo Frio, onde se situam os
foram exam inados a partir de fraturas recentes Sambaquis do Forte, Salinas Peroano e Boca da
feitas a mão. A determinação sistemática foi fei Barra, a restinga, o mangue e a mata seca já esta-
ta com parando-se a estrutura anatômica com as vam presentes desde 5500 anos BP (Figura 2. cf.
am ostras de um a coleção de referência e com Tabela I). Os sambaquieiros tinham acesso tam
descrições e fotografias de obras de referência bém à M ata Atlântica, situada mais para o interi
(Détienne & Jacquet 1983, Mainieri & Chimelo or das terras.
1989, Record & Hess 1943 etc.). A anatomia de Todos os níveis antracológicos se caracteri
m adeiras tropicais sendo muito pouco conheci zam por uma forte predominância de espécies de
da, especialm ente no Brasil, revelou-se indispen mirtáceas. Atualmente, esta família tem represen
sável a constituição de uma coleção de referência tantes na maior parte das comunidades vegetais
de m adeiras carbonizadas. N ossa coleção conta brasileiras, mas ela pode ser considerada como
atualm ente com cerca de 2000 amostras obtidas característica do ambiente de restinga. A restinga
a partir de doações de xilotecas e de coletas de aberta é m elhor representada no Sam baqui do
campo. A identificação dos carvões foi facilita Forte, enquanto nos outros dois sítios predom i
da pela elaboração de um programa informatizado nam a mata seca e a mata de restinga. Isto é uma
de determ inação especialm ente concebido para conseqüência da localização geográfica de cada
a antracologia associado a um banco de dados sambaqui. O Sambaqui do Forte está localizado
anatômicos de amostras atuais e fósseis (Scheel- na beira da praia, dom ínio fitossociológico da
Ybert e ta l. 1998). restin g a, enq u an to os sam baquis S alin as P e
roano e Boca da Barra se situam na margem leste
do Canal de Itajuru, sobre pequenas elevações
R esultados e discussões cristalinas dom inadas por form ações florestais.
No Sambaqui do Meio, somente 9 micro-frag-
/. P aleoam biente m entos de carvão foram encontrados, no setor
A 15, entre 50 e 60 cm de profundidade. Destes,
Os sambaquieiros da Região dos Lagos ocu apenas quatro puderam ser identificados: dois
param um am biente caracterizado basicam ente tipos de mirtáceas e Condalia sp (Figura 3). Es
pela in terface de três associações vegetais: a tes taxons, típicos da restinga, confirm am que
restinga, o mangue e formações florestais como esta vegetação existia no entorno do sítio pou
a mata seca, característica da região de Cabo Frio, co após 5200 anos BP, mas nenhuma reconstitui
e a Mata Atlântica. ção ambiental mais precisa pode ser feita.
Neste artigo, os resultados da análise antraco- No Sambaqui da Ponta da Cabeça, em A rrai
lógica são apresentados sob forma de diagramas al do Cabo, as formações de restinga aberta são
sintéticos (Figura 2). Os diferentes taxons foram predom inantes de ca. 3300 até depois de 2000
reunidos segundo a formação vegetal onde eles anos BP (Figura 2). Este resultado também pode
existem. Diagramas antracológicos completos po ser explicado pela localização geográfica do sí
dem ser encontrados em publicações anteriores tio. Apesar de situado sobre uma colina cristali
(Scheel-Ybert 1998, no prelo). na, ele está muito próximo da praia e numa região
Todas as am ostras estu d ad as ap resentam caracterizada por um clima particularmente seco,
uma grande diversidade florística, em geral mais devido ao fenôm eno de ressurgência centrado
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Figura 2 - D iagram as antracológicos sintéticos dos Sam baquis do Forte, Salinas Peroano, Boca
da Barra, Ponta da Cabeça, da Beirada e da Pontinha. Sambaqui do Forte Nt: 8097; Nsp: 102.
Sam baqui Salinas Peroano Nt: 2052; Nsp: 59. Sam baqui Boca da Barra Nt: 698; Nsp: 47.
Sambaqui Ponta da Cabeça Nt: 1956; Nsp: 58. Sambaqui da Beirada Nt: 519; Nsp: 39. Sambaqui
da Pontinha Nt: 1621; Nsp: 54. (Nt: núm ero total de fra g m en to s estudados; Nsp: núm ero de
taxons identificados).
neste ponto da costa. volta de 2300 anos BP, é muito discreto para ser
Formações de restinga aberta também foram considerado como conseqüência de um a m odi
predominantes na região de Saquarema durante ficação am biental. As oscilações relativam ente
o período de ocupação dos Sambaquis da Beira im portantes nas porcentagens relativas dos di
da e da Pontinha, entre 4300 e 3800 anos BP e de ferentes grupos vegetais no Sambaqui da Beira
ca. de 2300 até após 1800 anos BP (Figura 2). As da, assim como em alguns níveis do Sambaqui
baixas porcentagens de elementos de formações Salinas Peroano (Figura 2), também não devem
flo restais e do m angue nestes sam baquis não ser levadas em consideração. Elas são conseqü
indicam necessariam ente que estas form ações ência do número excessivamente baixo de frag
fossem raras naquela época, mas sim que esta- mentos de carvão estudados nestes dois casos.
vam certam ente mais longe dos sítios. A vege Em c o n s e q ü ê n c ia , as ú n ic a s v a ria ç õ e s
tação de M ata A tlântica se encontrava prova s ig n ific a tiv a s o b se rv a d a s n o s d ia g ra m a s
velmente do lado norte da Lagoa de Saquarema, antracológicos concernem à vegetação do m an
e o mangue em suas margens. gue (Figura 2). Na região de Cabo Frio, estas
O pequeno aumento de elementos florestais variações podem ser atribuídas a oscilações cli
no nível inferior do Sambaqui da Pontinha, por máticas que provocaram variações na salinidade
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da Lagoa de A raruam a (Scheel-Y bert 1998, no Na região de Arraial do Cabo, duas hipóte
prelo), interpretação que é corroborada pela aná ses podem ser propostas para explicar o aum en
lise da curva de variação isotópica dos carbona- to sig n ificativ o dos elem entos de m angue na
tos no sedimento (Tasayco-Ortega 1996). O cli parte superior do diagrama, pouco antes de 2000
ma desta área era mais úmido até aproxim ada anos BP. Ela pode ser devida a um aumento real
mente 5000 anos BP, tendo havido em seguida deste tipo de vegetação no entorno do sítio, ou
um período seco que durou até ca. de 2300 anos pode ser ligada a uma exploração diferencial do
BP. Um breve episódio pluvioso entre 2300 e meio entre o início e o fim da ocupação. Tenório et
2000 anos BP foi seguido então por um novo al. (1992) descrevem os primeiros 90 cm do perfil
período seco que permaneceu pelo menos até o como “uma grande fogueira que cresce e se agre
final da ocupação desta área (Figura 4). ga a numerosas pequenas fogueiras” O aumen-
Tabela I
Datações radiocarbônicas dos sítios estudados*
Sítio Nível Data convencional Data calibrada Material No. labo.
2
cam ada IV 5520 ± 120 BP 6180 5630 cal BP conchas Bah
cam ada III 6 4300 ± 190 BP 4860 3870 cal BP conchas B a h - 1647
Beirada
cam ada II 6 4160 ± 180 BP 4720 3710 cal BP conchas B a h - 1646
(*) D atas convencionais e datas calibradas com 2 sigm a de intervalo de confiança (95% ). (1) S cheel-Y bert 1998; (2)
K neip 1980; l3) T enório 1996; (4) F ranco & G aspar 1992; (5) T enório, inédito; (6) K neip et al. 1991.
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Margem Oeste
Margem Leste
Figura 4 - Com paração dos histogram as de elem entos de m angue dos sam baquis da região de
Cabo F rio com a curva de variação da com posição isotópica dos carbonatos ( S ,sO e ô ,3C) da
Lagoa de Araruam a (segundo Tasayco-Ortega 1996). Baixos valores de d I80 indicam uma influên
cia predom inante de águas pluviais; valores mais altos indicam um aum ento de salinidade.
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Apesar das oscilações da vegetação de man forma extremamente estável durante pelo menos todo
gue, provocadas por variações clim áticas pelo o Holoceno Superior, e nenhuma alteração climática
menos na região de Cabo Frio, nenhum outro nem antrópica pôde ser verificada ao longo deste
indício de mudança significativa no ecossistema período. Estas formações vegetais, que são as mes
vegetal foi observado neste período em nenhum mas que existem atualmente na região, provavel
dos sítios estudados. N orm alm ente, espera-se mente só começaram a sofrer uma alteração signifi
que modificações climáticas afetem a vegetação cativa a partir do período colonial, em conseqüência
e influenciem o m odo de vida das populações do extrativismo, da ocupação da faixa costeira e tam
pré-históricas. E isto especialmente nos am bien bém, mais recentemente, do turismo.
tes co steiro s, g eralm en te co nsiderados com o A estabilidade am biental teve certam ente
mais sensíveis às m udanças clim áticas (Senna conseqüências muito importantes para as popu
1990). O estudo antracológico invalida esta hi lações pré-históricas. Ela foi provavelmente um
pótese, pelo m enos no que se refere à vegeta fa to r d e c isiv o na m a n u ten ç ão do s is te m a
ção costeira de terra firme. sociocultural dos sam baquieiros.
Devemos observar que as formações de res
tin g a são re la c io n a d a s ao so lo are n o so e à 2. P aleoetnologia
geom orfologia dos cordões litorais, ou seja, tra
ta-se de uma vegetação essencialm ente edáfica. 2.1. Ocupação do Sam baqui do Forte
Este é também o caso das associações vegetais
características dos m aciços rochosos da região Kneip (1977) considera que o Sambaqui do
de Cabo Frio, com o a m ata seca. Em bora esta Forte é composto por dois “sambaquis” separa
última apresente igualmente um componente cli dos um do outro por uma camada arenosa esté
mático importante, o caráter edáfico contribuiu ril. No entanto, diversos argum entos dem ons
certamente para que ela não tenha sido influen tram que esta camada arenosa não é estéril, ape
ciada pelas oscilações clim áticas observadas. sar da ausência de conchas:
A análise antracológica aqui apresentada mos (1) Durante a amostragem antracológica foi
tra que a vegetação de terra firme da região costeira observado que ela apresenta várias m arcas de
(restinga, mata seca, Mata Atlântica) se manteve de fogueiras bem delimitadas (Figura 5) e é extre-
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mámente rica em restos de debitagem de quartzo conchas, o que vem finalm ente a reforçar nos
e fragm entos de carvão. sas o b se rv a çõ e s.
(2) O histogram a de concentração de car Em conseqüência, propom os que a ocupa
vões neste sam baqui m ostra que a m assa de ção do sítio tenha sido contínua. Esta proposição
carvões é, na m aioria dos casos, significativa corrobora a opinião de Gaspar (1991, 1992, 1995/
m ente m aior nos níveis arenosos que nos n í 96), que considera que as populações sambaqui
veis ricos em conchas (Figura 6). Note-se que a eiras eram sedentárias.
utilização da m assa para estim ar a quantidade
de carvões num nível arqueológico é delicada, 2.2. Coleta de lenha
pois o peso dos fragm entos pode ser alterado
por im pregnações calcárias, principalm ente nos A coleta aleatória de m adeira m orta certa
sam baquis (Scheel-Y bert 1998, no prelo). No mente constituiu a principal fonte de lenha para
entanto, estas impregnações são em geral mais as p o p u la çõ e s sa m b a q u ie ira s (S c h ee l-Y b e rt
im p o rta n te s ju sta m e n te nos n ív eis rico s em 1998, aceito). A utilização de m adeira morta é
PE R F IL LESTE
(
0-10 "
P E R F IL N ORTE
10-20 ’
20-30
30-40 0 10 20 30 40 50 60 70gC
cam ada de conchas 40-50 40-50 '
50-60 5 0 -6 0 '
60-70 60-70 ’
SAM BAQUI 70-80 70-80 ’
SU PER IO R
80-90 80-90 ’
sedim ento averm elhado 90-100 90-100 '
100-110 ’
110 - 1 2 0 ’
120-130 ’
130-140 '
1 4 0 -1 5 0 '
1 5 0 -1 6 0 ’
1 6 0 -1 7 0 '
170-180 '
1 8 0 -1 9 0 '
190-200 '
200-210 '
210-220 '
220-230 ’
CAMADA
230-240
ARENOSA
240-250 [
2 5 0 -2 6 0 '
2 6 0 -2 7 0 ’
270-280 ’
280-290 I
2 9 0-300 '
3 0 0 -3 1 0 '
3 1 0 -3 2 0 '
2 7 0-280 I
2 8 0 -2 9 0 ]
SAM BAQUI
290-300 '
IN FE R IO R
300-310 \
3 1 0-320 ’
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Janeiro. Rev. do M useu de A rqueologia e E tnologia, São P aulo, 9: 43-59, 1999.
Figura 7 - Fragm entos de carvão apresentando traços de decom posição antes da carbonização:
(1) ataque fúngico; (2) ataque p o r larvas de insetos.
sugerida por num erosos fragm entos de carvão pecialmente selecionada por razões culturais. A
apresentando traços de decomposição, por ata prim eira hipótese deve ser descartada, pois in
ques de fungos ou de larvas de insetos, ocorri dicaria uma vegetação muito diferente das for
dos antes da carbonização (Figura 7). A coleta mações conhecidas atualmente, o que entra em
aleatória de lenha é indicada pela grande diver contradição com todos os outros elem entos do
sidade do cortejo antracológico, tanto entre os esp ectro an traco ló g ico . A segunda h ip ó tese,
carvões dispersos (ver legenda da Figura 2) quan que nos parece a mais provável, pode ser apoia
to nas am ostras de carvões concentrados pro da por diversas características próprias a este
venientes de fogueiras (Figura 8). taxon: a m adeira, m uito densa, é considerada
Todavia, as freqüências relativamente impor com o um excelente com bustível e perm itiria a
tantes de Condalia sp, principalm ente nos síti extração de um pigmento azul; o fruto, uma pe
os da região de Cabo Frio e Arraial do Cabo, são quena drupa, é comestível; e a casca das raízes
dificilmente explicáveis pela coleta aleatória ou de algumas espécies deste gênero é medicinal e
por critérios ambientais (Scheel-Ybert 1998, no pode ser utilizada como sabão (Record & Hess
prelo). Nos diagramas antracológicos, Condalia 1943).
sp é em geral m uito abundante. Com exceção Podemos também aventar a hipótese de uma
das mirtáceas, este é o único taxon representado utilização ritual, cerimonial ou mística desta planta.
em todos os sam baquis estudados. Heizer (1963) observa que cerimônias ligadas ao
Ora, para que um a espécie seja explorada fogo são muito freqüentes em sociedades ameri
sistematicamente durante mais de três mil anos, canas nativas, implicando sempre numa colete' ri-
ela deve ser suficientemente freqüente no ambi tualizada das plantas utilizadas. Um argumento que
ente, senão verdadeiram ente dominante. Este é pode apoiar esta hipótese é o fato de que todos os
por exem plo o caso das mirtáceas, que até hoje fragmentos de Condalia se apresentam vitrifica
são dom inantes na vegetação de restinga, e a dos, o que sugere que esta madeira possa ter sido
caracterizam. Logo, esta planta era pelo menos queimada verde (Scheel-Ybert 1998). Além disso,
mais freqüente na época do que é atualm ente. seu caule é cheio de espinhos, dificultando bas
Condalia buxifolia, característica da restinga e tante a coleta da planta.
única espécie deste gênero que ocorre hoje na No entanto, a seleção de espécies concerne
região, é muito rara (Silva & Oliveira 1989). som ente um a fração lim itada das associações
Podem os então supor que Condalia sp era vegetais. A maior parte das plantas presentes no
realmente muito freqüente, ou senão que era es ambiente são em geral representadas nos restos
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Figura 8 - Sambaqui do Forte. Diagrama antracológico da fogueira 2, nível 160-170 cm. Nt: 159;
Nsp: 28.
de carvão, sobretudo se a lenha doméstica é ob quieiros. Até hoje, vestígios diretos desta ativi
tida a partir da coleta de madeira morta. Além dis dade eram raramente encontrados nos sambaquis,
so, é provável que as espécies mais abundantes nos quais o consumo de vegetais só era verifica
apresentem freqüências mais altas. De fato, para do pela presença de coquinhos, raras sementes,
que um taxon seja selecionado, deve ser suficien e objetos líticos que provavelm ente serviram à
temente freqüente no ambiente: para que uma plan sua preparação (Kneip 1977, 1994; Gaspar 1995;
ta seja escolhida, deve antes existir. Tenório 1991; Tenorio et al. 1992 etc.).
A ¿rande diversidade de taxons encontrada As am ostras estudadas perfazem m ais de
no registro antracológico dos sambaquis indica 15.500 fragm entos de carvão, dos quais 4 %
o caráter pouco seletivo da coleta de lenha pe- correspondem a restos alimentares: fragm entos
losékambaquieiros. Isto justifica a utilização dos de coquinhos, sem entes e resíd u o s de tecido
estudos antracológicos para a reconstituição do parenquim ático provenientes de tubérculos de
paleoam biente vegetal a partir deste m aterial, m onocotiledôneas. A m aior p arte d estes res
mesmo que exista seleção de uma ou de algumas tos ainda não pôde ser determ inada com preci
espécies para fins particulares. são, m as da g ran d e v a rie d a d e de e s p é c ie s
verificada alguns fragm entos correspondem a
2.3. Importância dos vegetais tubérculos de G ram ineae/C yperaceae e outros
na alim entação dos sam baquieiros a carás (Dioscorea sp). Outros ainda poderiam
pertencer a Typha dom ingensis, mas esta hipó
Numerosos restos alimentares vegetais car tese ainda não foi co n firm ad a (S ch eel-Y b ert
bonizados, presentes em todos os sítios estuda 1998, aceito).
d o s, sug erem que a c o le ta de v eg e ta is era Os resto s alim en tares v eg etais são m ais
extrem am ente im portante na dieta dos sam ba abundantes nas am ostras de sedim entos ricos
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em conchas do que nos sedim entos arenosos e frutos, que são consum idos cozidos ou fres
(Figura 9). Isto sugere que, nos sambaquis, uma cos (Munson et al. 1971, apud M iksicek 1987).
maior concentração de restos vegetais carboni A ssim sendo, alim entos desta últim a categoria
zados não indica necessariam ente um a intensi são raram ente preservados por carbonização, e
ficação de consumo, mas sim uma zona arqueo seus restos só são excepcionalm ente encontra
lógica com alta concentração de restos alim en dos em sítios arqueológicos.
tares, tanto animais quanto vegetais (Scheel-Ybert M iksicek (1987) considera que a preserva
1998). Os sambaquis apresentam freqüentemente ção de tubérculos é muito improvável, e, quan
bo lsõ es de sed im en to s rico s em conchas de do p o r acaso eles são co n serv ad o s, os fra g
moluscos e ossos. No entanto, somente escava mentos são frágeis e dificilm ente identificáveis.
ções em superfícies mais amplas e uma melhor H ather (1993, 1994) confirm a que estes vestígi
com preensão da heterogeneidade dos sítios (cf. os são raram ente d eterm inados, mas o bserva
Gaspar et al. 1994) poderão nos informar se eles que, apesar de às vezes serem freqüentes, eles
correspondem ou não a aumentos populacionais. são em geral considerados com o indeterm iná-
Os sambaquieiros foram por muito tempo con veis. De fato, os m étodos de determ inação de
sid e ra d o s qu ase que e x c lu siv a m e n te com o resto s alim e n tares v eg etais são ain d a m uito
“comedores de moluscos” Mais recentemente, a pouco desenvolvidos. Em bora em nosso m ate
pesca tem sido reconhecida como mais importan rial os tubérculos sejam pouco abundantes, sua
te do que a coleta de moluscos em sua dieta (Figuti presença foi observada na m aior parte dos ní
1992, 1993, 1996), mesmo quando os restos de veis arqueológicos de todos os sam baquis es
conchas são aparentem ente predom inantes na tudados. Sua conservação atesta que eles eram
estratigrafía do sítio. Já a coleta de vegetais, em largam ente u tilizados pelos sam baquieiros, e
bora im plicitam ente reconhecida, é freqüente que a coleta de vegetais contribuiu de form a
mente vista como uma atividade secundária, e sua im portante na dieta destas populações.
contribuição à dieta é considerada como pratica Um pequeno inventário dos restos vegetais
mente negligenciável. No entanto, devemos ob encontrados em sambaquis do Estado do Rio de
servar que uma alimentação baseada na coleta de Janeiro m ostra que os resíduos alim entares de
moluscos, caça ou pesca deixa muitos vestígios origem vegetal mais freqüentemente citados são
materiais no sítio arqueológico, ao contrário da fragm entos de coquinhos carbonizados. Estes
coleta de vegetais. Não podendo ser provado, o frutos são em geral pequenos e, em bora muito
consumo de vegetais é geralmente subestimado raramente identificados, pertencem provavelmen
em favor de dietas que deixam vestígios mais vi te em sua m aioria aos gêneros A stro ca ryu m ,
síveis no sedimento arqueológico. Bactris e Syagrus. No Sambaqui Zé Espinho, por
O ra, a conservação de restos vegetais sob exem plo, fragm entos de coquinhos de Bactris
um clima tropical úmido ocorre quase que exclu setosa são muito abundantes em todas as cama
sivamente pela carbonização, e esta depende do das arqueológicas (Kneip & Pallestrini 1987).
material ser ou não exposto ao fogo, intencional O Sam baqui de Sernam betiba é provavel
ou acidentalm ente, visando sua preparação ou mente o único sítio onde foi possível recuperar
consumo. As partes duras dos coquinhos, além um grande número de restos vegetais não car
de serem muito mais resistentes à degradação, bonizados, graças a uma excelente conservação
têm uma grande chance de serem queimadas após dos v estíg io s d ev id a à sua se d im en tação no
separação da parte com estível do fruto, poden m angue sobre o qual se situ a o sítio. Foram
do mesmo ser recicladas como um combustível identificadas duas espécies de frutos de palm ei
adicional. Isto aumenta enormemente a sua pro ras (A crocom ia sp e outra indeterm inada), d i
babilidade de preservação nos sítios arqueoló versos exemplares de frutos de uma mirtácea (cf.
gicos. Sementes, que são freqüentem ente torra Psidium), uma bombacácea (Ceiba ou Bom baxl)
das, podem ser acidentalmente conservadas, por e um a le c itid á c e a (p ro v a v e lm e n te L e c y th is
exemplo, se algumas delas caem na fogueira. Por pisonis) cujas sem entes oleaginosas são m uito
outro lado os tubérculos, geralm ente consum i nutritivas (Heredia & Beltrão 1980).
dos cozidos em água, são dificilmente expostos N o sítio C o ro n d ó , re sto s de fru to s de
diretamente ao fogo, da mesma forma que folhas mirtáceas (Psidium sp, Eugenia sp) e de palmei-
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SCH EEL-Y BERT, R. Paleoam biente e paleoetnologia de populações sam baquieiras do sudeste do E stado do R io de
Jan eiro . Rev. do M useu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 9: 43-59, 1999.
0-10 (0,03)
10-20 (0,03)
20-30 (0,07)
80-90 (0,03)
30-40 (0,08)
40-50 (0,03)
50-60 (0,07)
60-70 (0,04)
70-80 (0,02)
90-100 (0,04)
110- 1 2 0 (0 ,01)
150-160 (0,04)
100-110(0,05)
120-130(0,04)
130-140(0,02)
140-150(0,12)
240-250 (0,002)
260-270 (0,01)
270-320 (0,02)
220-230 (0,005)
230-240 (0,01)
270-320C (0,01)
200-210 (0,02)
210-220 (0,02)
170-180(0,08)
180-190(0,06)
250-260(0,01)
160-170 (0,04)
190-200 (0,02)
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SC H E EL -Y B E R T, R. Paleoam biente e paleoetnologia de populações sam baquieiras do sudeste do E stado do R io de
Jan eiro . Rev. do M useu de A rqueologia e E tnologia, São P aulo, 9: 4 3-59, 1999.
ras (A strocaryum sp, Bactris sp) foram encon Um aporte considerável de am ido era for
trados em três das quatro cam adas arqueológi n e c id o p elo s n u m e ro so s tu b é rc u lo s d a r e s
cas (Carvalho 1984). No Sambaqui da Malhada, tinga. N a restinga aberta e na floresta de res
onde restos vegetais atribuídos à família Menis- tin g a , e x is te m v á r ia s e s p é c ie s de c a rá s
permaceae foram identificados em associação a (D io sc o re a sp p ); nas zo n a s ú m id a s, Typha
um enterram ento, foram encontrados tam bém d o m in g e n s is e u m a g ra n d e d iv e rs id a d e de
v estíg io s de sem entes e de raíz es (M achado gram íneas e ciperáceas.
1992). No entanto, diversos autores argum entam
Estes exem plos, em bora pouco numerosos, que a ausência de cáries nas populações sam
dem onstram que não som ente coquinhos, mas baq u ieiras in d ica um a alim en tação pobre em
também sem entes e frutos faziam parte da ali glucídeos (Machado 1992; Prous 1992; Kneip et
m entação das populações dos sam baquis. D e al. 1995), e portanto baseada exclusivamente na
vido à d ificuldade de p reservação dos restos pesca e na coleta de moluscos. A dentição des
vegetais em geral, a m aior ou m enor abundân tas populações é caracterizada por um a usura
cia de cada vestígio não exprim e a im portância extremamente importante, em geral bastante pre
de cada categoria alimentar, mas sim uma con coce. E ste fato é em geral atrib u íd o à areia
servação diferencial. Em conseqüência, pode consumida junto com os moluscos. Porém, usu
m os d e d u z ir que os ex em p lo s m en cio n ad o s ra dentária não é evidentemente incompatível com
correspondem apenas a um a ínfim a porcenta um a alim entação rica em fibras vegetais, pelo
gem das esp écies realm en te u tiliza d as. U m a contrário.
grande quantidade e d iversidade de produtos Prous (1992) propõe que os sam baquieiros
v e g e ta is e ra com c e rte z a c o n s u m id a p elo s tinham poucas cáries porque a intensidade da
sam b aquieiros. usura era tal que, d estru in d o rap id am en te as
N este sentido, cabe lem brar que o am bien cúspides dentárias, ela facilitava a limpeza. Este
te de restinga é extrem am ente rico em legum ino argumento justificaria a raridade de lesões, mes
sas, que possuem freqüentem ente sementes co mo numa alimentação rica em açúcares e amido,
m estíveis, e em num erosas espécies frutíferas que são aliás elem entos indispensáveis à nutri
que produzem flores e frutos durante todo o ção humana.
ano (M aciel 1984). Alguns exemplos destas úl No Sambaqui do Forte, o único sítio entre
tim as podem ser selecionados entre as espéci os que nós estudam os para o qual existe um a
es de m irtáceas (gêneros E ugenia, G om idesia, referência às características dentárias da popu
M yrcia , M yrc ia ria , P sid iu m ), an aca rd iác eas lação, os dentes apresentam forte abrasão e cári
( S p o n d ia s , T a p ir ir a ), a n o n á c e a s (A n n o n a , es em d iv erso s estád io s de d esen v o lv im en to
D uguetia), brom eliáceas (A n a n a s, B rom elia ), (Messias 1977). Esta observação corrobora nos
cactáceas ( C ereu s), cela strác eas (M a yte n u s), sa hipótese de que o consumo de glucídeos era
c riso b alan áceas ( C h ryso b a la n u s), m alpighiá- provavelmente mais importante do que é admiti
ceas (B yrsonim a ), m oráceas (F icus), passiflo- do atualm ente.
rác eas (P a s s iflo r a ) e sa p o tá c e a s (P o u te r ia , Apesar disso, pensamos que uma alim enta
Sideroxylon), entre outras. A m aior parte des ção rica em amido não indica necessariamente a
tes taxons está presen te no reg istro antraco- ex istên cia de p ráticas ag ríco las. E sta d ieta é
lógico (Scheel-Y bert 1998, no prelo). inteiramente com patível com um modo de vida
Um caso interessante é o de S ideroxylon baseado na pesca e na coleta, devido à grande
o b tu sifo liu m , um taxon abundante na m aioria riqueza do ambiente no qual viviam estas popu
dos sítios estudados e que atualm ente é m uito lações, mas é muito provável que existisse m a
fre q ü e n te nas p ro x im id a d e s dos sa m b aq u is nejo, eventualm ente de várias espécies pro d u
(A raújo, com unicação pessoal). E sta asso cia toras de tubérculos e frutos.
ção perm ite em itir a hipótese de m anejo desta Um maior investimento na pesquisa e no estu
espécie, podendo ter com eçado acidentalm en do dos restos alimentares vegetais carbonizados é
te m as q u e te ria sid o in c e n tiv a d o p e lo s extremamente promissor e fornecerá sem dúvida
sam baquieiros devido à utilização de seus fru informações de suma importância quanto aos há
to s. bitos alimentares de populações pré-históricas.
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SCH EEL YBERT, R. P aleoam biente e paleoetnologia de populações sam baquieiras do sudeste do E stado do Rio de
Janeiro. Rev. do M useu d e A rq u eo lo g ia e E tnologia, São Paulo, 9: 4 3 - 5 9 , 1 9 9 9
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SCH EEL-Y BERT, R. Paleoam biente e paleoetnologia de populações sam baquieiras do sudeste do E stado do Rio de
Jan eiro . Rev. do M u seu de A rqueologia e E tnologia, São P aulo, 9: 43-59, 1999.
Referências bibliográficas
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S C H EEL-Y BERT, R. Paleoam biente e paleoetnologia de populações sam baquieiras do sudeste do E stado do Rio de
Jan eiro . Rev. do M useu de A rqueologia e E tnologia, São P aulo, 9: 43-59, 1999.
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