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A Ação Social Como Resultado Prático
A Ação Social Como Resultado Prático
DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ
RICARDO MARTINS MATIOLI
Tese elaborada na Faculdade Teológica Sul Americana
INTRODUÇÃO.
I - A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ.
1 – A Firmeza da Fé.
2 - Motivação para o Serviço.
3 - Somos a Justiça de Deus
II – AÇÃO SOCIAL EM UMA IGREJA JUSTIFICADA.
1 – A Igreja Primitiva.
2 – A Reforma.
3 - A América Latina.
4 - A Igreja Presbiteriana em Londrina.
III – DESAFIOS DE UMA ECLESIOLOGIA SERVIÇAL.
1 – A diaconal política da Igreja.
2 – Obedecendo a Grande Comissão.
3 – Jesus o Pão da Vida.
4 – Ação Social como provedora da comunhão.
IV - BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO.
1 – A FIRMEZA DA FÉ.
"Devido à certeza que a expressão "segurança da fé" nem sempre se usa no mesmo
sentido, é preciso fazer uma cuidadosa distinção. Há uma dupla segurança, ou seja:
primeiro, a segurança objetiva da fé, que é "a certa e indubitável convicção de que
Cristo é tudo o que declara ser e que fará tudo o que promete". Convence-nos, em
geral, que esta segurança é a da essência da fé. Segundo, a segurança subjetiva da
fé, ou a segurança da graça e da salvação, que consiste em um sentido de segurança
e proteção, que se levanta em muitos casos à altura de uma convicção firme de cada
crente como indivíduo já pode ter seus pecados perdoados e salvo sua alma."
"De um lado, Deus subjuga a alma humana; de outro, o homem volta-se para Deus
e a Ele se entrega. A referência à atividade do homem não implica numa negação de
que a origem e a existência da fé sejam devidas exclusivamente ao "ato" de Deus e
ao "ato" do homem, ou opor um ao outro, envolve uma racionalização
comprometedora."
Aulén nos faz perceber que o homem volta-se para Deus e isto o leva a se comprometer
com Ele, de modo que seu crer não é simplesmente porque lhe dá vantagens, mas porque lhe dá
disposição a não negar o amor divino.
E a este respeito Aulén afirma ainda:
"É evidente para a fé que a atividade do amor divino não pode ser julgada ou
avaliada segundo padrões humanos. Não cabe ao homem decidir, a partir do ponto
de vista do seu próprio poder, o que é e o que não é obra do amor divino. A fé sabe
muito bem que o amor divino pode esconder-se na ira, malgrado esta pareça
diametralmente oposta àquele. Não se atreve a interpretar os modos de agir do amor
divino baseado no desenvolvimento histórico. Não esquece que Deus não só é Deus
revelado mas também o Deus que, nas circunstâncias da vida terrena, se esconde do
homem. A firmeza da fé, apegando-se ao amor divino não obstante o testemunho
dos eventos terrenos, tem sempre um tom de apesar de."
Assim Aulén mostra que a firmeza da fé apegada ao amor divino se torna em um poder que
gera na vida do homem a vontade divina, fazendo com que todas as suas atividades se caracterizem
pelo amor. E na medida que esse amor de Deus penetra na sua vida leva-o em direção ao seu
próximo. Como disse Lutero, "O cristão deve ser um "Cristo" para o seu próximo". Para Lutero, o
homem precisa ser salvo a fim de poder fazer o bem, sendo assim o ego humano descresse, e cresce
nas mãos de Deus como instrumento de seu amor.
Para o apóstolo Paulo, a salvação pela fé é um novo projeto de Deus (Rm 3:21-26; 5:9,11;
6:19,21,22, 7:6; 8:1-18,22; 11:5,30,31 e 16:26) uma vez que a lei se revelou ineficaz, não tornou o
homem justo, não o liberta do pecado e pela fé em Cristo Jesus todo homem pode ser justificado.
Assim, Paulo se opõe entre a lei e a fé e entre as obras da lei e a fé e, neste argumento, não há
exclusão de outros povos que não vivam sob a Lei judaica. Para o apóstolo, a lei sempre demarca
sob os limites da suspeita, pois o justificado não confia nela, mas suspeita de sua verdade, porém o
caminho da fé o fundamenta em uma esperança sólida, de algo que não apenas se crê ser
verdadeiro, mas que é verdadeiro.
Perrot diz que "o homem é justificado só pela fé, independentemente de qualquer mérito de
sua parte. Suas obras nada acrescentam, pois tudo é graça". A despeito de muitas discussões sobre
esta questão, o certo é que Paulo não aboliu a Lei, mas situa o gesto salvador de Cristo como
instrumento de libertação e propiciação, por seu próprio sangue, mediante a fé (Rm 3:25). Assim,
Cristo é substituto dos sacrifícios expiatórios da Antiga Aliança.
Comblin assevera que Deus ama primeiro e toma a iniciativa de perdoar antes que o
homem pudesse realizar sequer algumas obras boas. Envia seu Filho para morrer na cruz,
gratuitamente, sem esperar que nós nos tornemos justos. Ele nos torna justos pelo dom do seu
Espírito Santo. Não pede a iniciativa humana, dos homens só pede a fé em Cristo. Ele faz o resto,
tudo aquilo que a lei não conseguia fazer.
Vê-se com clareza que o cristão depende totalmente de Deus e não pode pensar em ser
autor de sua própria salvação pelas obras. Pelo Espírito Santo e pelo efeito da redenção de Cristo
ele aprende a agir nesta dependência e torna-se capaz de agir fazendo o bem, o que a lei não fazia;
significa renunciar a toda força humana para depender somente da força de Deus para entrar na
prática da fé pelos desafios: da missão, do serviço, da ação social, etc.
"Aqueles que estão na esfera da ação de Jesus, estão abertos às pretensões e à ação
do Espírito Santo. É através do Espírito Santo que se concretizam o contato e o
compromisso com o projeto de vida de Jesus, que se resume na palavra servir."
Pelo fato de a motivação estar inserido no ato da justificação, o homem justificado se
empenha pela libertação de tudo aquilo que oprime, reduz ou acaba com a vida, ou melhor dizendo,
se opõe contra a dignidade humana. Neste sentido, Jesus personificou o reino; significa dizer
também que o justificado vive as qualidades do reino: justiça, paz e alegria no Espírito (Rm 14:17),
seguindo o exemplo de Jesus. Nordstokke conclui ainda: "A partir dessa realidade de onde Deus
reconcilia o mundo consigo, somos chamados a ser embaixadores em nome de Cristo no Ministério
(em grego: diakonia) da reconciliação".
Um outro fator motivador para o serviço está na operação do Espírito Santo na vida do
cristão, pois somente por meio de Sua atuação é que podemos tornar autêntico o serviço e fazer
superabundar as boas obras e a vida.
Na Confissão de Fé de Westminister há a seguinte colaboração com respeito à ação do
Espírito para a realização das boas obras:
"A capacidade de fazer boas obras de algum modo não provém dos crentes, mas
inteiramente do Espírito de Cristo. A fim de que sejam para isso habilitados, além
da graça que já receberam, é necessário que recebam a influência efetiva do mesmo
Espírito Santo para operar neles tanto o querer como o realizar segundo o seu
beneplácito; contudo, não devem por isso torna-se negligentes, como se não fossem
obrigados a cumprir qualquer dever senão quando movidos especialmente pelo
Espírito; pelo contrário, devem esforçar-se por dinamizar a graça de Deus que está
neles."
Pela fé, somos feitos justiça de Deus. A justificação é o ato de justiça de Deus em nós. O
promotor dessa justiça é Cristo.
No Antigo Testamento a situação do povo israelita no Egito reflete a injustiça e nos dá uma
compreensão do significado da justiça de Deus, uma vez que o contexto daquele povo era de
escravidão, opressão e dominação religiosa, e o anúncio da justiça somente poderia ser aquele que
decretasse a liberdade para o povo.
O Êxodo exemplifica a justiça de Deus como sendo o cumprimento de sua vontade. E,
conseqüentemente, será tido como justo aquele que obedece a lei e pratica a justiça, isto é, que
obedece a vontade de Deus (Is 11:4ss; 1:4ss; Gn 18:23; IISm 4:11s; I Rs 3:32; Is 3:10; Ez 3:20; Gn
6:9).
No período monárquico já existia uma grande dificuldade com relação à justiça e à lei da
vida (Torá), que surgiu quando os chefes de Israel confundiram a Torá, que gera vida, com as
tradições, costumes e sistemas de governo de outros povos, que geram opressão e morte. Isso
aconteceu quando Israel elegeu um rei que assumiria o lugar do único Rei Iahweh. O rei deveria
praticar a justiça em sua administração. A justiça foi encontrada nos grandes reis da história de
Israel, Davi (II Sm 8:15; I Rs 3:6) e Salomão (I Rs 10:9). Nesse aspecto, a ênfase dada pelos
sacerdotes e profetas refletia o desejo de que o rei fosse alguém digno da qualidade ideal de justiça.
Além dessa qualidade ideal, o rei muitas vezes era interpretado como a manifestação da era
messiânica.
Com respeito ao período monárquico, SEEBASS diz:
"Antes do exílio, de modo geral, a justiça do homem não é tanto assunto de relacionamento
com Deus quanto de relação com o próximo, sendo que seu comportamento se regula, de
um lado, mediante as relações humanas (e.g. entre membros da mesma família, Gn 38:26,
ou entre o rei e um dos seus oficiais, I Sm 24:15), e, do outro lado, pela lei de Deus (Sf 2:3);
Amós 5:7 e 6:12 referem-se a estes dois aspectos juntos. De outro lado, Amós 5:4, 6, 14 e o
Livro de Oséias testificam, de modo geral, uma preocupação pela justiça diante de Deus
mediante os relacionamentos interpessoais."
1 – A IGREJA PRIMITIVA.
"A palavra "compaixão" é fraca demais para exprimir a emoção que movia Jesus: O verbo
grego spagchnizomai, usado em todos esse textos (Mt 9:36; Mc 6:34, Mt 14:14; Lc 7:13;
Mt 20:34), é derivado do substantivo splagchnon, que significa intestinos, vísceras,
entranhas, ou coração, ou seja, as partes internas das quais parecem surgir as emoções
fortes. O verbo grego, portanto, significa movimento ou impulso que brota das próprias
entranhas da pessoa, uma reação das tripas."
Jesus mostrou um sentimento humano, e este sentimento causou grande impacto sobre as
pessoas que eram oprimidas, e a Igreja primitiva vai assumir também este sentimento e vai
desenvolver uma evangelização através da ação social.
A igreja primitiva narrada em Atos mostra-nos que os primeiros cristãos compreenderam o
significado de serem embaixadores de Cristo, comprometeram-se com a evangelização,
proclamaram (kerigma) as boas novas (evangélion) e supririam as necessidades dos irmãos
(diakonia). E com esta estratégia alcançaram o mundo conhecido do primeiro século sendo
chamados cristãos. (At 11:26), pois ganharam a admiração do povo (At 5:13).
Outro aspecto que podemos ver no livro de Atos, que mostra a Igreja Primitiva como uma
igreja justificada, também retra as ações econômicas de forma organizada Atos fala da ação de por
em comum tudo o que os irmãos possuíam: "Vendiam suas propriedades e seus campos e
partilhavam o resultado entre todos segundo as necessidades de cada qual" (At 2,44; cf. At 4,34).
Este livro cita, em particular, o caso de Barnabé, que possuía um campo: vendeu-o e deu a soma aos
Apóstolos (Atos 4,36-37). Seu nome refletia seu caráter, sua fé, sua vida justificada, um líder cristão
que era notável pela sua bondade (11:24).
A interpretação desta ação de por em comum os bens é difícil. Podemos entendê-la como
uma instituição de ação social para auxiliar os indigentes em suas necessidades, a maneira comum
da assistência social na Sinagoga. Isso faz alusão ao serviço das viúvas (At 2:6,1). Lucas parece
fazer referência a algo mais, a uma verdadeira caixa comum onde os cristãos depositavam suas
ofertas . Isso nos parece hoje menos impressionante, pois descobrimos que tal uso existia entre os
sadocitas (saduceus). Já vimos como a narração de Lucas assume certo colorido essênio. É possível
que se tenha inspirado na descrição da comunidade de Qumrân.
I. Howard Marshal, a este respeito, faz o seguinte comentário:
"Sabemos que pelo menos um outro contemporâneo judaico à seita Qumrãn, adotou este modo de
vida (1QS 6); Filo e Josefo, nas suas descrições dos essênios (com os quais usualmente se
identificaram os cunranitas), dizem a mesma coisa."
Devemos considerar que essa experiência não dura muito tempo, pois a igreja de Jerusalém
vai depender das igrejas gentílicas, mas essa dependência, segundo Champlin, dá-se devido ao fato
de serem elas vítimas das perseguições que os crentes judeus sofrem, e assim eles têm seus bens
confiscados e desmanteladas as suas fontes de ganho.
Existe ainda um fato que é considerado por Coleman a respeito de alguns cristãos que
levianamente largavam os seus empregos e se recusavam a trabalhar, pois achavam que Jesus
voltaria a qualquer momento. O apóstolo Paulo ensina que estes deveriam passar fome. Se essa
medida não modificasse o comportamento do indivíduo, os crentes deveriam evitá-los (2Ts 3:15). A
recomendação é dura. Mas para Coleman o mais comum neste período era que os primeiros
cristãos perdiam seu emprego ao abraçarem a fé, outros eram expulsos do convívio de sua família e
por estes motivos passavam grandes dificuldades.
Assim a igreja de Jerusalém mostra sua generosidade e demonstra espontaneamente que o
dom do Espírito não está apenas na forma de línguas e profecia, mas na forma do caminho mais
excelente do amor cristão. Na verdade sua prática mostra nada mais que a justiça de Deus se
fazendo presente através do povo.
É certo que dentro desta organização econômica da igreja primitiva haviam problemas que
surgiram dos protestos dos helenistas, que se queixavam de verem suas viúvas abandonadas. Os
Apóstolos instituíram entre eles homens que pudessem cuidar destas necessidades, o que vai se
assemelhar muito com o sistema da Sinagoga. Os cristãos instituíram um serviço em favor dos
pobres, que seria controlado pelos apóstolos. Não se destinaram, porém, unicamente ao desempenho
do serviço em favor dos pobres. Vamos vê-los a pregar as boas novas e a batizar (Atos 6). Na
realidade, os apóstolos se aproveitam desta ocasião para se munirem de colaboradores. Mas ainda
não foi neste momento que se instituíram os diáconos. Stanley M. Horton argumenta que os sete
não são chamados diáconos nesta passagem, embora seja uma forma de diakoneo, da qual deriva a
palavra diácono, e que esta eleição vai criar o precedente para o que vamos encontrar como ofício
na igreja mais tarde.
John R. W, Stott dá a seguinte conotação para esta passagem:
"Diakonia é um termo geral para serviço, ele não é específico, a não ser que receba
um adjetivo como "pastoral", "social", político", 'médico" ou outro. Todos os
cristãos, sem exceção, sendo seguidores daquele que veio "não para ser servido,
mas para servir", são chamados para ministrar, ou melhor, para darem suas vidas em
ministério."
De um modo geral, as igrejas tinham muita compaixão pelas necessidades dos pobres de
suas comunidades e de outras também. Na ocasião que Jerusalém sofre perseguição e passa por
grande crise social os crentes de Antioquia enviaram para eles suprimentos (At 11:28-29). Calvino
fala que essa gratidão não merecia pequeno louvor, pois os crentes de Antioquia pensavam que
deveriam ajudar a irmãos necessitados, de quem haviam recebido o Evangelho. Porquanto nada
existe de mais acertado do que aqueles que têm semeado as realidades espirituais, devem colher
também coisas terrenas. Visto que qualquer pessoa se inclina para suas próprias necessidades, todos
aqueles homens poderiam ter objetado, porém, não o fizeram, mas se preocuparam e os ajudaram.
A igreja Primitiva aprendeu o ensino de Jesus pelo qual todos são chamados a servir ao
próximo. E é neste sentido que eles imitaram a Cristo, pois serviram com liberalidade. O apóstolo
Paulo dá um passo decisivo para o avanço missionário mostrando sua concepção social na
evangelização. Sua teoria e prática reflete, em primeiro lugar por nações que estão distantes, e
necessitam serem alcançadas, e em segundo lugar pelo tratamento que dá aos pobres. Todos seus
programas vão derivar destes dois aspectos.
Diante da resistência dos judeus quanto à questão da circuncisão, o apóstolo deixa de lado
as sinagogas para entrar na evangelização no mundo pagão não recebeu nada por este trabalho, pois
fazia o gratuitamente (1Co 9:15-18). Para isso, escolheu o caminho do trabalho pois não queria ser
pesado para ninguém (1Ts 2:9). Comblin comenta que haviam duas motivações para que um
missionário pudesse entrar em uma cidade grega: como filósofo, aparecendo numa praça pública,
onde ficariam os que não trabalhavam e possuíam escravos, e quando um filósofo aparece e o
agrada, é convidado por um chefe de família que o recebe na sua casa e o sustenta, ou então como
hospede na casa de uma família rica e ficaria dependente desta família. Paulo, por sua vez, queria
sempre preservar sua independência, por isto não tinha outro caminho senão trabalhar. Dessa
maneira, Paulo se situa diretamente no bairro dos trabalhadores. O apóstolo não queria entrar na
cidade pelo bairro dos pobres e nem dos ricos. Sua opção era pela classe dos trabalhadores, pois
entrar através dela significava escolher a fraqueza e a carência de poder.
Paulo se apresenta em sua tarefa missionária sem nenhum prestígio que possa lhe conferir
superioridade, ou seja, Paulo esconde-se de sua cultura para se identificar com o povo. Este era o
ponto de partida, pois os pobres o eram tanto de bens materiais como também de cultura. Sua
condição não lhes permitia acesso à cultura grega. Assim, a opção que Paulo e foi justamente
daquilo que ele iria ensinar. Deus rejeita o poder da cultura e escolhe aqueles que são mais fracos,
para confundir os sábios (1Co 1:27). É um fato inegável sua preocupação com os pobres (Gl 2:9-
10). Desta forma, ensina a liberdade, faz dos cristãos servos uns dos outros pela caridade (Gl 5:13).
E, para o apóstolo, a lei de Deus é a caridade, esta simbolizando o serviço mútuo, o amor a Deus e
ao próximo.
Todos estes argumentos nos mostram que a igreja primitiva se preocupava com as
necessidades das pessoas, tinham não apenas o desejo de levar o reino de Deus adiante, mas
entendeu que para ser igreja justificada precisava ser instrumento de justificação, por isso na sua
prática assumiu à sua responsabilidade de fazer ação social.
2 – A REFORMA.
Ao lermos alguns escritos dos grandes Reformadores vimos que a doutrina mais pregada e
ensinada era a da Justificação pela Fé (sola fide), pois para eles a fé não oferecia qualquer garantia
para a vida cristã, a não ser apenas a primeira condição para participar da graça de Deus, que se
completava com a caridade, inspirada por boas obras.
E quando vemos o pensamento de Lutero a respeito da fé, somos incentivados a nos
identificar com ele, pois, dizia ele, a fé tem dois sentidos: um é que, pela fé, o cristão se torna livre
de todas as coisas, e a ninguém subornado, e outro está no amor (que se deriva da fé). O cristão é o
servo submisso a todos. Sobre isto Lutero diz:
"A fim de poder dar-se totalmente, o cristão deve antes possuir-se totalmente, o que
só é possível pela fé. Só assim será possível voltar-se com Deus ao próximo e
consagrar-se ao seu serviço no espírito de cordialidade espontânea; o forte assistirá
o mais fraco... como filhos de Deus, cumpriremos a lei de Cristo... pois nisso
consiste a verdadeira vida cristã. Nosso próximo sofre em sua indigência e carece
dos bens que possuímos, assim como nós também, indigentes diante de Deus,
carecemos de sua misericórdia".
Ninguém se esforçou mais que Lutero para diminuir esse vão e fazer a ligação entre a fé
salvadora e a ação social. Entretanto, sua reforma em prol dos pobres não foi bem sucedida e hoje
caiu no esquecimento. Assim como Lutero defendeu que o cristão liberto (justificado) é submetido
por Deus a todos, devemos também, à sua semelhança, sermos despertados pela imensa pobreza
que nos cerca.
O exemplo que Lutero deixa é simples: o cristão deve se livrar de seu eu e viver uma vida
onde seu amor por Deus seja espontâneo, não visando qualquer recompensa material ou espiritual,
mas simplesmente com o objetivo de fazer a vontade de Deus, pois a vida cristã consiste: "em tudo
querer o que Deus quer, buscar a glória de Deus e nada desejar para si, pois é no cuidado pelos mais
fracos e desamparados que Deus é glorificado" Lutero.
Podemos perceber que Lutero se preocupava com os pobres, pois o crescimento da pobreza
e de mendigos era problema que ninguém podia ignorar. O desejo de agir em prol dos necessitados
apareceu resumidamente nas 95 Teses (1517) onde Lutero argumentou que é melhor dar aos pobres
e emprestar às necessitadas que comprar indulgências.
Sua vigésima primeira proposta começa; "Uma das maiores necessidades é a abolição de
toda mendicância na Cristandade". Alguns escritores afirmam que esta medida em Wittemberg
serviu para três finalidades importantes: manteve os pobres vivos, sustentou o sistema monástico e
providenciou méritos no céu para os doadores. E também contribuiu para que as autoridades
organizassem um sistema para desviar recursos das ordens monásticas em declínio, providenciar
uma verba para o sustento dos pobres e ao mesmo tempo estimular o envolvimento da população na
assistência social.
Lindberg faz o seguinte comentário a respeito deste período:
"O conselho da cidade formulou sua Beutelordnung ou Ordem do Erário, um
rascunho que foi descoberto nos arquivos públicos pelo historiador Karl Müller. Foi
anotado pela mão de Lutero, demonstrando que, embora a administração das
mudanças fossem a responsabilidade de Carlstadt, Lutero do seu refúgio secreto em
Wartburg, foi a força inovadora. A Ordem da Cidade de Wittenberg exigiu que as
receitas das igrejas, irmandades e guildas fossem ajuntadas no erário. Caso os
recursos fossem insuficientes os cidadãos seriam obrigados a contribuir com uma
taxa anual de acordo com seu patrimônio. A receita seria usada para sustentar os
desempregados, órfãos e crianças destituídas, pagar bolsas de estudo nas escolas
públicas, fornecer dotes para as donzelas pobres quando se casarem, e financiar
artesãos no começo da sua profissão. Também, e talvez o mais importante, o
dinheiro seria usado para o sustento do clero. A ordem baniu da cidade os
mendigos, os frades mendicantes e os estudantes estrangeiros sem meios de
sustento".
Todos estes argumentos mostram que Lutero lutou para que os necessitados fossem
amparados e que, pela fé, o cristão estivesse livre das exigências da Lei. Mas nem todos os
protestantes concordaram com essa função tão limitada, dizendo que é inadequada para suas
necessidades. E também não podem negar a preocupação que Lutero teve com os mais fracos e
desamparados, e que o cristão justificado se torna livre para poder, através da fé, viver uma vida de
serviço decorrente do amor a Deus.
O crente justificado deve pensar como Lutero "Darei-me ao meu próximo como Cristo se
ofereceu por mim; farei nada por meu próximo nesta vida senão o que reconheço como sendo
necessário, edificador e saudável, porque pela fé gozo uma abundância de todas as coisas em
Cristo". Este, pois, é o lado social da Reforma, conforme Martinho Lutero: uma mudança voluntária
baseada na liberdade de justificação pela fé. O resultado será um novo compromisso moral com a
sociedade.
Quando se evoca a tradição reformada para falar sobre a ação social no período da Reforma,
não se pode deixar de lado João Calvino, uns dos mais notáveis reformadores, sistematizador das
doutrinas reformadas, que deu muita ênfase à questão dos mais fracos e desamparados. Seu
pensamento nesta área e tão importante quanto o de Lutero.
Calvino tem como princípio básico nesta área que em Cristo não há mais nem escravos nem
livres, pois Cristo aboliu todas as divisões de classes. Isso significa que o cristão vive a fé autêntica
quando toma consciência da influência do seu meio social, mas ainda assim encontra seus irmãos
numa fraternidade que exclui toda discriminação. Por isso Calvino considera que na escala de
valores de Deus não há nenhuma correspondência entre o valor espiritual e o valor moral de um
homem e sua riqueza ou pobreza. Bieler comenta o seguinte pensamento de Calvino: "Somos todos
ricos em relação a alguém. O rico tem uma missão econômica de providenciar ao mais pobre parte
de sua riqueza, de tal maneira que o pobre deixa de ser pobre e ele mesmo deixe de ser rico."
Esta igualdade pregada pelo reformador tem como objetivo levar os membros do corpo de
Cristo à restauração social do mundo, uma vez que pela fé o crente em Cristo está restaurado na sua
dignidade de filho de Deus, reconstitui sua justa relação com o próximo. Calvino devolve ao
cristianismo a comunhão espiritual que Cristo estabelece entre os membros de seu corpo, fazendo
com que estes supram as necessidades uns dos outros. Esta igualdade é da vontade de Deus.
Conforme Calvino,
"A vontade de Deus é que haja tal analogia e igualdade entre nós. Cada um socorra
os indigentes na medida de suas possibilidades, a fim de que alguns não sofram
necessidades enquanto outros têm em supérflua abundância".
A preocupação de Calvino de que a igreja tivesse esta prática fez com que ele recriasse o
serviço diaconal, assim como era na igreja primitiva. Mas sempre advertiu que todos são
responsáveis uns pelos outros. Esta preocupação diaconal da Reforma fica clara com o comentário
de Bieler;
Este pensamento calvinista de que o homem pode socorrer o próximo com seus bens, com
amor, assim como Jesus Cristo deu-se por nós, produziu influência até hoje. No movimento de
reavivamento do século XVIII, a herança da tradição reformada dentro da visão social ganhou
muita força, e a filantropia afetou profundamente a sociedade desta época.
Temos em John Wesley, na Inglaterra, o exemplo mais marcante deste período. O evangelho
que pregava inspirava as pessoas a se envolverem em causas sociais em nome de Cristo. Muitos
historiadores dizem que a influência de Wesley foi tão grande que evitou que a Inglaterra entrasse
em uma revolução, como na França. Segundo John R.W. Stott, Wesley se colocou como um
pregador do evangelho que elevou a consciência social na sua época, tendo sido também um profeta
da retidão social, que lutou contra várias injustiça sociais, e a partir disto as coisas começaram a
mudar ocasionando desde a abolição dos escravos e de seu tráfico, como também a humanização
do sistema penitenciário, a melhoria das condições nas fábricas e nas minas, a educação acessível
ao público e tantos outros avanços para a sociedade. A paixão por justiça social e essa sensibilidade
por erros humanos era tão forte que o escritor Buyers relata que "Por cinco dias Wesley andou na
neve pelas ruas de Londres, pedindo auxílio para socorrer os pobres daquela cidade". Este seu
entusiasmo e compromisso com o evangelismo e com a ação social alcançaram muitos outros
evangelistas.
Um dos resultados mais expressivos do movimento wesleyano se deu em 1780, na
Inglaterra, quando, preocupado com a educação da população, Robert Raikes instituiu a Escola
Dominical como uma maneira de ministrar às crianças pobres a educação religiosa e secular. Em
uma avaliação daquilo que os reformadores ou os de linha reformada produziram, fica claro que a
Reforma e sua tradição proporcionaram muitos frutos sociais. Não nos faltam dados para poder
perceber que estes eventos somente ocorreram pela fé em Cristo, provocando nos corações destes
homens a execução do serviço proposto pela Missão de Deus.
Por certo, o Congresso de Lausane, na Suíça, em julho de 1974, influenciado por este
pensamento reformado, trouxe grande avanço para evangelização e a justiça social. Neste congresso
nasce o Pacto de Lausane, onde constaram as seguintes afirmações: "Após três seções introdutórias
sobre o propósito de Deus, a autoridade da Bíblia e a singularidade de Cristo, seguiu-se a Quarta
palestra, intitulada 'A Natureza da Evangelização' e, em seguida, 'A Responsabilidade Social
Cristã'. Esta última declara que a 'evangelização e o desenvolvimento sócio-político são ambos
parte do nosso dever cristão".
3 - A AMÉRICA LATINA.
"Todo cristão deve se concientizar de que a Bíblia não nos permite acompanhar
indiferentemente a miséria dos que são oprimidos por impiedosos dominadores
avarentos".
"Em cada tempo terá um conteúdo diferente: lutará em favor do índio na época da
conquista, a favor das Reduções na fase dos jesuítas, pela emancipação, em 1810, pelas
classes populares, atualmente".
Neste sentido o Dr. Russel Shedd chama a atenção dizendo que a teologia da libertação vai
ocupar um espaço nesta época, pelo fato do não-envolvimento dos cristãos conservadores ou melhor
os evangélicos, terem se retirado dos campos evangelisticos, uma vez que não se mostram
consistentes na experiência interior e que, agora depois de um tempo, começa renovar-se a
preocupação com a justiça social.
Poderíamos multiplicar o número de textos, pois a variedade destes é muito grande, porém
estes só foram mencionados na tentativa de mostrar que na América Latina a ação dos protestantes
corrobora essas afirmações, que servem como motivação para servir. É a fé em Cristo nasce de uma
ação gerada pelo Espírito Santo. Ficou claro que no passado os protestantes assumiram o
compromisso de igreja justificada e que sua ação na sociedade era muito forte para diminuir as
injustiças, através da ação social. É verdade também que hoje o número de igrejas envolvidas nesta
missão é bem menor, e que a grande maioria não têm se preocupado e demonstram desinteresse
total com esta questão.
Assim, nesta exposição colocamos apenas alguns fatores para afirmar que os cristãos
precisam voltar a mostrar estas características que marcaram a evangelização protestante na
América Latina.
Nas seções anteriores enfatizamos como a justificação pela fé é evidenciada pelos cristãos e
que somos a justiça de Deus. Assim podemos ver como a igreja justificada se desenvolveu através
da história e o que isto significou para nós hoje. Agora, nosso objetivo é mostrar como a Política
Diaconal se aplica na igreja e como esta política pode ajudar de modo prático a ação social e a
missão da igreja. Assim precisamos de uma visão clara desta política.
O termo usado para diaconia se origina do grupo de palavras que acompanha diakoneo que
significa "servir", diakoneo "serviço" e diakonos para servidor. Inicialmente diakoneo se referia a
um garçom que serve a mesa, mas este significado se ampliou e passou a incluir os cuidados do lar
e, finalmente, quaisquer ajuda ou cuidados pessoais. No judaísmo o serviço era exercido através das
esmolas, e não de prestação de serviços. No Antigo Testamento em grego diakonos refere-se aos
servidores profissionais da corte. Algo abaixo da dignidade do judeu livre (Lc 7:44-45). Em o Novo
Testamento, refere-se aos servos ou escravos e seus senhores. (Mt 22:13). Neste sentido todos os
cristãos devem ser diakonoi (servos) de Cristo (Jo 12:26).
Desta forma, diakoneo era uma palavra muito empregada na época de Jesus, e a igreja
guardou essa palavra grega para designar responsabilidades sociais. A igreja primitiva vai instituir o
ofício dos diáconos, anos posteriores ao da narrativa de Atos 6, pois esta passagem é precursora do
ofício diaconal. E a este respeito Nordstokke escreveu:
"Neste texto de Atos, os sete escolhidos para "diaconar" às mesas não são chamados
de diáconos. Suas atividades também não se restringiram a este trabalho específico,
porque vemos alguns, mais tarde, se destacando na diaconia da palavra. Por isso,
também não podemos indicar esta passagem Bíblica como fundamentação para a
instituição do ministério diaconal público, contínuo e representativo de hoje".
Segundo Champlim, Clemente de Roma, na sua epístola aos Coríntios, xlii, xliv, assevera
que a nomeação dos diáconos era originalmente apostólica. O ofício e a função dos diáconos teve
começo no tempo dos apóstolos, conforme Atos 6, mas a passagem do tempo, tal como sucede a
tudo mais, ampliou o objetivo e a natureza desse ofício, até que o mesmo se tornou posição
eclesiástica.
Deduzimos então que o diaconato originou-se do cuidado das viúvas da Igreja de
Jerusalém, e também da necessidade de proporcionar ajuda à comunidade cristã. Eram exigidas
qualificações espirituais e tinham responsabilidades com o trabalho material, e como "auxiliadores
do ministério". Em outras palavras, a função destes diáconos eram aliviar as mão dos apóstolos para
que eles se dedicassem à oração e ao ministério da palavra (At 6:4).
Portanto, podemos ver este serviço sendo introduzido na igreja primitiva de maneira natural
até se aplicar em uma pessoa possuidora de determinado cargo na sociedade cristã. Na Vulgata, o
termo grego usado era diaconus (Fp 1:1; 1tm 3:8), enquanto que as demais versões traduzem
diakonos como ministro. "Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio
de Cristo e nos deu o ministério (diakonia) da reconciliação" 2Co 5:18. O apóstolo Paulo entendeu
que, como Cristo, nossa condição só poderia ser de servos e, em conseqüência, os ministros são
chamados diakonoi (servos). “Ministério é diaconia, é serviço, na verdadeira acepção da palavra e
na sua expressão mais adequada”. Diaconia é na verdade o exemplo de Cristo.
O cristianismo nasce com esta idéia de que o serviço tinha como importância e função
edificar o Corpo. Assim, a diversidade nos serviços, que correspondem às adversidades de serviços
(1Co 12:4). Paulo emprega didasko em Rm 12:7, referindo-se a que um cargo, dentro da igreja, é
um Dom. Paulo emprega a palavra grega charisma significando um revestimento pessoal com a
graça de Deus para o serviço do Corpo de Cristo, para a edificação, multiplicando o amor, a
esperança e a fé. Ou seja o significado deste revestimento espiritual especial para a vida da
comunidade, têm os aspectos que olham para dentro, e outros que olham para fora. Como diz Ray C
Stedman: “A clara intenção de Deus é que através da igreja verdadeira o mundo possa ver Jesus
Cristo em ação”. Todos os dons na igreja estão a serviço da vida e é assim que cada membro deste
corpo é útil.
Também temos que ter a consciência que o Ministério da Palavra (kerigma) e Serviço
(diakonia) andam juntos. Pessoas preparadas e vocacionadas para o Kerigma e a diakonia, fazem
uma comunidade equilibrada que produz frutos de justiça (ações) .
Kjell Nordstokke adverte:
"Onde a natureza diaconal da Igreja é percebida, a ação diaconal vai deixar de ser
algo "periférico", pois vai se fundamentar cristológicamente e eclesiologicamente.
Não vai mais haver dicotomia "palavra x serviço. O serviço passa a ser a marca e o
poder na Igreja e se expressará numa espiritualidade de humildade, solidariedade e
esperança".
Jesus demonstrou compaixão pelos necessitados, operou milagres, alimentou pessoas, mas
teve como propósito principal instalar a fé na sua pessoa como Cristo o Filho de Deus que veio para
salvar os perdidos. Seu convite foi vinde a mim (Mt11:28), trazendo como sempre a idéia de
paternidade, de acolhida, amparo, mas ao chamar (vinde), Ele também preparou para que fossem
por todo o mundo e pregassem o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15). Jesus deixa assim a grande
tarefa de que, assim como Ele amou e se entregou, esta deve ser a missão de todo cristão: não ficar
satisfeito apenas porque recebeu amor de Deus, mas porque o amor tende à busca os outros, à luta
pelos outros, à entrega aos outros estando disposto até a dar a vida, se necessário. Foi para isto que
Ele veio e é com este fim que ele envia. Este é o trabalho que Jesus confiou à igreja que ele mesmo
justificou.
A igreja justificada que vive a herança reformada mantém viva esta chama de proclamar
ao mundo o evangelho, uma vez que a razão de ser da igreja é sua própria missão. Assim a
obra missionária da igreja está totalmente relacionada à fidelidade ao mandamento de Jesus.
Fazer missão é ir ao mundo solitário a fim de, com compaixão, sujar as mãos, sofrer e
gastar-se a serviço do próximo, envolvendo-se com cada um levado pelo amor de Deus.
Sobre isto John Stott faz a seguinte declaração:
Vê-se então que o cristão justificado que está ativamente preocupado com a justiça
social não se preocupa apenas com o "sagrado", mas também com o "secular". Sua preocupação
com a comunidade é tão abrangente quanto a de Jesus. John Stott completa esta idéia dizendo que o
cristão que ama seu próximo não fica apenas conversando, planejando e orando, como os religiosos,
mas sai a serviço do seu próximo para promover-lhe tanto o suprimento espiritual quanto o físico.
Timóteo Carriker defende a tese de que a missão da Igreja se desenvolve em duas
esferas, sendo uma de batalha espiritual e a outra em um engajamento histórico e social, e
que esta missão nestes dois planos ocorrem ao mesmo tempo e têm características coletivas,
pessoais, não só individuais, históricas e sociais, de tal forma que essas características juntas
formam a "espiritualidade missionária", que invade toda dimensão da relação humana, que
não foge do mundo, mas mergulha dentro dele.
Podemos então perceber que a grande comissão surge de uma igreja justificada com o
propósito claro de fazer a vontade de Deus. Assim a igreja participa de sua tarefa missionária
de espalhar as boas novas por meio de testemunho, de pregação, de viagens missionárias, de
boas obras (Tt 3:1,2,8,14), de praticar o bem e a mútua cooperação (Hb 13:16) e de tantos
outros meios. Em outras palavras, a ação social é conseqüência da evangelização.
O sentido da grande comissão é que devemos ir e fazer discípulos por todo mundo (Mt
28:19, Mc 16:15) onde a igreja justificada rompe as barreiras e fronteiras e vai a todas as
partes. No evangelho de João Jesus diz: "Assim como o Pai me enviou, eu também vos
envio" (Jo 20:21). A grande comissão nos faz refletir de como deve ser feita esta obra, pois
fica claro nos textos que a obra tem que ser cumprida.
Podemos dizer então que uma igreja justificada é uma igreja voltada para esta missão, e
esta missão de evangelização não pode ser apenas anunciar as boas novas , mas tem que
haver envolvimento com as pessoas, em amor, uma vez que iniciada não pode ser
abandonada, tem que assumir responsabilidades e se esforçar.
Norman Lewis faz o seguinte comentário a respeito de se esforçar.
O crente justificado pela fé tem no seu coração este desejo de servir a Deus. Mesmo que
isto lhe custe caro podemos ver que uma vida justificada por Deus tem muita importância no
seu reino. Esta tarefa da grande comissão não é para qualquer um, senão para aqueles que já
foram justificados por Deus e separados para tão grande obra.
Ação social é evangelismo através da comunhão. A igreja primitiva mostrou sinais de uma
igreja justificada a partir do momento que começou a viver em comunhão. Este grande sinal de ação
do Espírito sobre a comunidade, ou seja, a comunhão entre os cristãos, caía na graça do povo, e
levava diretamente para o evangelismo (Atos 2:47).
Em Atos, vemos a comunhão se manifestando da seguinte forma. "E perseveravam... na
comunhão" (At 2:42), "todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum" (2:44), e
"tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração" (2:46). A palavra koinonia
("comunhão") no mundo grego significava a estreita união entre os homens. Neste texto de Atos a
koinonia tem um sentido absoluto, como parte essencial da vida de adoração, e pode também ser
traduzida como comunhão ou fraternidade Litúrgica na adoração. Indica a unanimidade levada a
efeito pelo Espírito. O indivíduo era complemente apoiado na comunidade.
A igreja primitiva preocupava-se com os membros da comunidade quanto a problemas
financeiros, e também muitos pescadores e camponeses que migraram para a Galiléia tinham
dificuldades em ganhar a vida na capital. Havia também nesta época uma crise social, em
conseqüência da situação econômica da Palestina e devido a distúrbios contínuos. Paulo trazia a
Jerusalém coletas que eram a expressão tangível da comunhão das igrejas, “pela liberalidade que
contribuís (koinönias) para eles e para todos" 2Co 9:13.
Koinonia fala do nosso relacionamento com outros cristãos. A igreja justificada tem que
viver em comunhão, pois ela revela uma grande oportunidade para a prática do amor ao próximo. É
claro que o próximo pode significar contextualmente os irmãos da própria comunidade como os de
fora. Uma comunidade que pratica a diaconia está concomitantemente oportunizando a prática da fé
justificadora, pois o ministério diaconal possibilita à comunidade a manutenção da comunhão. É,
pois, nesse contexto que Atos considera a ação social como evangelização comunicativa a partir do
contexto da comunhão.
A ação social pertence à missão da igreja e deve encorajar seus membros à
responsabilidade social e à busca da justiça social. Não deve enclausurar-se de maneira a viver
em guetos, mas frutificar a realidade da koinonia (envolvimento e compromisso) como
conseqüência da justificação pela fé. É afirmar que a Igreja justificada se envolve e se
compromete com a missão de servir ao próximo num ato de fé e que, primeiramente, ela
experimenta essa realidade na comunhão dos santos.
Sendo assim, a missiologia evangelizadora do terceiro milênio, a partir do contexto e das
estruturas do Congresso de Lausanne, acentua um ponto de tensão quanto à eclesiologia
atuante, mas que estabelece diretrizes de uma prática de ministério pastoral na América
Latina , viabilizando a evangelização, a preocupação e a ação social sob responsabilidades
cristãs, que devem ser feitas pelos cristãos individualmente e por grupos. Cabe, portanto, à
igreja promover esta ação.
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