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Estratégia de longo prazo na gestão de cabos elétricos de

média tensão

INTRODUÇÃO

Todos brasileiros conhecem a enorme diversidade existente em nosso País. Essa


diversidade se aplica aos mais variados ramos, assuntos e setores. Essa é uma das
características que representa a grande riqueza cultural do Brasil.
Em relação ao setor industrial, é possível encontrar empresas muito pequenas e
gigantes industriais, pode-se identificar empresas de origem familiar assim como
também organizações estruturadas com base em capital internacional, ou ainda no
mesmo mercado existem empresas recém-criadas competindo com centenárias do
setor.
Somada a essa diversidade existe ao fato da enormidade territorial do Brasil e da
capacidade financeira que oitava economia do mundo pode proporcionar. Tais
características fazem com que atualmente estejam presentes no Brasil grandes
empresas dos mais diversos segmentos.
Estas grandes organizações apresentam necessidades importantes para suportar suas
operações relacionadas a infraestrutura. Essa infraestrutura se aplica ao que o poder
público precisa oferecer dos serviços que são de sua competência até a porta destas
empresas, bem como se refere às próprias instalações das organizações.
No que se refere infraestrutura própria, as instalações elétricas representam um papel
muito importante, tendo em vista que no momento em que vivemos praticamente tudo
funciona utilizando eletricidade, portanto a falta desse insumo impacta enormemente a
operação da empresa. Não é incomum empresas que param totalmente suas operações
quando ocorre falta de eletricidade.
Estas grandes instalações industriais em geral recebem a energia elétrica em valores
elevados de tensão, da ordem de 69 kV ou mais. Este elevado nível de tensão é
necessário em função da grande potência elétrica requerida para suas operações.
Esta energia precisa ser transformada e distribuída até os equipamentos que irão utilizá-
la no processo produtivo e operacional da empresa, para isso existem instalações
elétricas compostas de subestações e cabos elétricos de média e baixa tensão.
Os cabos elétricos de média tensão conduzem grandes montantes de eletricidade
sendo, portanto, um elemento mais crítico na operação das organizações. A
confiabilidade do suprimento da eletricidade é um requisito fundamental para a operação
de grandes indústrias. Para isso é preciso que os cabos elétricos ofereçam esse elevado
nível de confiabilidade e este é o tema tratado nos próximos capítulos deste artigo.

1. Confiabilidade em instalações industriais

Está sendo apresentada grande ênfase no aspecto da confiabilidade tendo em vista a


importância do tema, pois ele se aplica aos aspectos financeiros, imagem,
competitividade e sobrevivência da empresa.
O aspecto financeiro é o local onde ocorre o primeiro impacto quando a infraestrutura
da empresa não apresenta confiabilidade. O impacto financeiro direto está relacionado
ao fato da empresa não conseguir produzir e entregar o produto a seu cliente, tendo
como consequência o não pagamento.
Tendo em vista que muitas empresas trabalham com conceito de estoque mínimo,
atrasos na entrega impactam a operação, portanto o cliente da indústria que ficou sem
o produto em geral estabelece multas por atrasos nas entregas, ou seja, há um segundo
impacto financeiro pela não entrega de produtos.
Adicionalmente se a baixa confiabilidade significar quebras nas instalações, sendo
necessária a realização de manutenções, em geral as manutenções corretivas são mais
caras do que as preventivas.
Sob o ponto de vista de imagem, a falta de confiabilidade da infraestrutura que impacta
a operação prejudica a imagem da empresa perante seu cliente pelo fato de não
conseguir cumprir compromissos já estabelecidos.
A imagem é considerada por muitas empresas como um dos seus ativos mais
importantes, tanto que dentre as empresas mais valiosas do mundo se encontram
gigantes de tecnologia como Apple, Google, Microsoft, dentre outras em que o seu valor
não está nos seus prédios e instalações, mas sim no poder de suas marcas, ou seja, na
sua imagem.
Tais condições refletem na competitividade, pois se a empresa não oferece
confiabilidade em sua operação, os clientes podem procurar seus concorrentes que
assegurem a entrega dos produtos nos prazos acordados.
Além da questão da confiabilidade da entrega, os custos da empresa aumentam para
realizar as manutenções corretivas, conforme citado anteriormente, fazendo com que o
preço do produto tenha de ser elevado, reduzindo também a competitividades em
relação aos concorrentes do mercado.
Por fim, com estas condições de baixa confiabilidade, a sobrevivência da empresa pode
ser comprometida, tendo em vista que os maiores custos, a perda de faturamento e de
clientes compromete a sustentabilidade do negócio.

2. Cabos elétricos de média tensão

Os cabos isolados de média tensão são constituídos de várias camadas, conforme


ilustra a Figura 1. É possível observar a existência do condutor ao centro, ao redor a
primeira camada semicondutora, em seguida a isolação, depois a segunda camada
semicondutora, posteriormente a blindagem e por fim a cobertura.
Figura 1: Características construtivas de um cabo isolado de média tensão

O condutor possui a finalidade de conduzir a corrente elétrica, as camadas


semicondutoras uniformizam o campo eletromagnético formado pela indução, a isolação
restringe a indução provocada pela tensão presente no condutor, a blindagem conduz
para terra a corrente gerada por eventual falha da isolação e a cobertura protege
mecanicamente o cabo.
Neste tipo de cabo os elementos mais susceptíveis a falha são a isolação e a blindagem.
A isolação está sujeita a não conseguir mais restringir a indução no interior do cabo,
causando um curto-circuito, haja vista que a blindagem metálica deve estar aterrada.
Por sua vez a blindagem pode falhar pelo fato se ser composta de finos fios ou fita de
cobre. Em função de problemas de instalação ou até mesmo devido a fortes exigências
durante a operação, como por exemplo em situações de curto circuito, a blindagem pode
se romper parcial ou totalmente.

3. Gestão imediatista dos cabos de média tensão

As ações de manutenção das instalações elétricas geralmente concentram seus


esforços e tecnologia nas subestações, onde são realizadas manutenções preventivas
rigorosamente em dia com as melhores práticas de mercado. Os cabos elétricos
isolados de média tensão em geral não recebem tanta atenção. É uma prática comum
das empresas realizar apenas um único tipo de ensaio, a medição de resistência de
isolação.
Este ensaio não apresenta é uma boa forma de avaliar o cabo, tendo em vista que ele
utiliza corrente contínua e um nível de tensão que muitas vezes não chega ao valor
nominal de operação dos cabos. Aplicar corrente contínua em um cabo que opera com
corrente alternada polariza o material isolante e pode introduzir um defeito que
futuramente provoque uma falha. Contudo, tal ensaio é comumente realizado por dois
motivos, ele é rápido e também barato.
O equipamento utilizado para medição da resistência de isolação apenas aplica tensão
em corrente contínua em 5 kV, ou as vezes 10 kV e mede a corrente resistiva que
retorna pela blindagem. Este ensaio dura poucos minutos sendo, portanto prático de ser
realizado. Além do mais o resultado corresponde a um valor de resistência ôhmica
obtido na hora da medição. Tais fatores tornam este tipo de análise bastante tentadora
de ser realizada pela sua praticidade e rapidez, porém o resultado não representa
exatamente o estado de conservação dos cabos.
Este é um cenário muito comum na manutenção das empresas, porém que no presente
artigo busca-se apresentar uma outra visão, relacionada a gestão assertiva, confiável e
de longo prazo das instalações.

4. Gestão estruturada de longo prazo dos cabos de média tensão

Para realizar o trabalho de forma adequada da gestão dos cabos elétricos de média
tensão é preciso realizar um planejamento estruturado que contempla no mínimo as
seguintes etapas:
- Mapear adequadamente os cabos
- Estabelecer as técnicas adequadas de ensaio
- Analisar criticamente os resultados
- Planejar as ações de gestão e acompanhamento

4.1 Mapeamento dos cabos


O mapeamento consiste de conhecer os cabos, suas características, quantificação,
percursos e forma de instalação. Primeiramente é preciso relacionar todos os cabos
elétricos de média tensão existentes na instalação. Neste mapeamento é importante
conter a identificação dos cabos, as cargas as quais ele alimenta, material da isolação,
bitola, sua extensão, tipos de terminações, existência de emendas, dentre outros
aspectos particulares que possam ser de interesse.
Adicionalmente é fundamental conhecer o percurso deste cabo e a sua forma de
instalação. O percurso precisa ser conhecido de modo detalhado, pois caso seja
necessário realizar uma intervenção é preciso saber onde ele está. É comum encontrar
instalações em que não há o conhecimento preciso do percurso dos cabos, nestes
casos faz parte do trabalho de gestão realizar este mapeamento.
Esta é uma das ações que muitas empresas não valorizam, pois em muitos casos não
se identifica valor no curto prazo para essa atividade, porém em uma visão de longo
prazo esse conhecimento é necessário, por exemplo quando houver uma obra na
empresa é preciso saber exatamente onde os cabos passam para evitar algum dano
por conta das atividades civis e de arquitetura. Caso ocorra alguma falha no cabo e for
preciso realizar o seu reparo, é fundamental saber por onde o cabo passa para realizar
uma intervenção.

4.2 Técnicas de ensaio


É muito importante adotar as técnicas de ensaio adequadas ao monitoramento dos
cabos de acordo com suas características. Por exemplo, cabos isolados com papel
impregnado a óleo podem ter ensaios recomendados diferentes de cabos compostos
de isolação com material polimérico. Portanto nessa fase já começa a importância do
encadeamento das ações, tendo em vista que a fase de mapeamento subsidia a
definição do material da isolação. Outro insumo da etapa de mapeamento que deve ser
utilizada na definição da técnica de ensaio, se refere a extensão e tipos de terminações
dos cabos.
Cabos mais longos precisam de equipamentos adequados para realização dos seus
ensaios. O tipo de terminação determina se é preciso de um acessório específico para
conexão. Essa questão, é muito importante porque o uso de conexões inadequadas dos
ensaios pode induzir a resultados distorcidos.
Em geral os ensaios recomendados para serem realizados na isolação referem-se à
medição de tangente delta e descargas parciais da isolação, além da análise de
reflectometria da blindagem. Estes são ensaios recomendados de uma forma geral, mas
que podem ser avaliados para cada caso.
Apesar de serem recomendados não são os ensaios mais disseminados no Brasil,
contudo na Europa esses são ensaios muito comuns. Possivelmente no Brasil eles não
sejam tão disseminados pois os equipamentos de ensaio são mais sofisticados do que
os utilizados na medição de resistência de isolação e também pelo fato dos ensaios
serem mais demorados.
Diferente dos ensaios de medição da resistência de isolação, nestes ensaios de
tangente delta e de descargas parciais, a tensão aplicada é alternada em baixa
frequência. Essas características fazem com que o equipamento de ensaio necessite
de maior controle para gerar essa tensão. Além dessa questão, a realizado destes
ensaios demanda entre 1h e 2h por cabo, o que é um tempo muito superior a simples
medição em corrente contínua.
Há uma técnica que congrega a aplicação de tensão alternada em baixa frequência com
o monitoramento constante e simultâneo dos parâmetros das medições de tangente
delta e descargas parciais, intitulado de Monitored Withstand Test – MWT. Este teste
pode demandar menos tempo, desde que os parâmetros monitorados estejam estáveis,
caso contrário o teste precisa ser estendido.
Portanto, a técnica mais adequada de ensaio é mais complexa e demorada no momento
inicial, porém essa é a forma mais adequada de gestão, tendo em vista uma visão de
longo prazo.
Para analisar a blindagem dos cabos é utilizada a técnica de reflectometria que permite
identificar a existência de descontinuidades neste componente do cabo. Essas
descontinuidades em geral estão relacionadas ao seccionamento de parte dos
condutores que formam a blindagem.
Caso seja identificada alguma condição de descontinuidade pode ser necessário
realizar avaliações mais aprofundadas para entender melhor o problema e estabelecer
as ações corretivas necessárias para assegurar o perfeito funcionamento do cabo.

4.3 Análise crítica dos resultados


Quem está preocupado apenas com ações rápidas, apenas avaliará o resultado das
medições dos testes realizados no momento e não se preocupará em realizar um
diagnóstico mais aprofundado.
Em uma visão de gestão de longo prazo da gestão destes ativos, é importante realizar
dois tipos de avaliações minuciosas, primeiro os resultados das medições atuais
precisam ser analisados com muito cuidado e segundo é preciso comparar com dados
históricos.
As medições de tangente delta, descargas parciais e reflectometria da blindagem
captam muitas informações e se não forem interpretadas adequadamente, pode passar
desapercebido um problema, ou por outro lado um ruído da medição pode indicar um
problema que na verdade não existe. Essa análise deve ser feita após as medições e
utilizando ferramentas de software adequadas.
O outro ponto dessa análise é a comparação com dados históricos. É importante a
comparação com medições anteriores para avaliar não apenas a condição do momento,
mas sim identificar a tendência de evolução do estado de conservação dos cabos.
Com base de todas essas informações oriundas das análises é possível realizar um
diagnóstico preciso do estado de conservação dos cabos elétricos de média tensão e
planejar as ações necessárias, sejam elas para realizar algum tipo de intervenção, ou
apenas para estabelecer a periodicidade de acompanhamento, de acordo com a
situação diagnosticada.

4.4 Ações de gestão e acompanhamento


Com base no diagnóstico pode ser estabelecida a necessidade de realizar algum tipo
de intervenção ou apenas acompanhamento.
A intervenção pode ser a necessidade de troca completa, caso sejam identificados
problemas graves e abrangentes, ou pode apenas recomendar a substituição de
terminações, por exemplo.
Eventualmente o diagnóstico pode identificar uma condição adequada de conservação
onde apenas o acompanhamento periódico pode ser suficiente. A periodicidade desse
acompanhamento pode ser reduzida, caso algum valor esteja próximo a seu limite, ou
pode ser ampla caso o cabo esteja em boas condições.
Essa periodicidade depende também da criticidade das cargas alimentadas pelos
cabos. Cargas críticas merecem acompanhamentos em menor periodicidade, pois tem
maior exigência de confiabilidade.

5. Exemplo de gestão dos cabos de média tensão da Braskem

A Braskem é uma grande indústria petroquímica que produz resinas polietileno (PE),
polipropileno (PP) e policloreto de vinila (PVC), além de insumos químicos básicos como
eteno, propeno, butadieno, benzeno, tolueno, cloro, soda e solventes, entre outros.
Ela possui grandes plantas industriais em diversos locais do Brasil. Para realizar o
trabalho de gestão da confiabilidade dos cabos isolados de média tensão foram
selecionadas as plantas industriais localizadas nos estados do Rio Grande do Sul, Rio
de Janeiro, São Paulo, Bahia e Alagoas.
A título de exemplo, será tratado especificamente dos trabalhos realizados na planta
localizada no Rio Grande do Sul, mais especificamente no município de Triunfo.
Incialmente foi realizado um mapeamento dos cabos que precisam ser analisados.
Tendo em vista a criticidade de cargas do local, foram selecionados os circuitos elétricos
que mais impactam a operação. Foram selecionados desde cabos de 13,8 kV com 120
mm2 de seção até cabos de 34,5 kV com 500 mm2 de seção.
Tendo em vista que a realização das medições depende de desligamento dos cabos,
esse trabalho foi realizado em conjunto com ações de manutenção do complexo
industrial já previstos anteriormente, causando assim a menor interferência possível na
operação.
Ao todo foram contemplados mais de 50 circuitos elétricos, inclusive alguns com mais
do que 1 cabo por fase. Todas as análises realizadas resultaram em um volume muito
grande de dados. Apenas a título de exemplo está sendo apresentada a forma como os
resultados podem ser visualizados de modo gráfico.

Figura 2: Exemplo do resultado das medições de tangente delta e MWT

Figura 3: Exemplo do resultado de medições de descargas parciais

Figura 4: Exemplo do resultado das medições de reflectometria na blindagem


6. Conclusões

Com o desenvolvimento deste trabalho foi possível concluir que atualmente as


empresas apresentam grande dependência da energia elétrica para sua operação e em
especial as grandes indústrias possuem uma operação muito crítica, em que este
insumo é fundamental para a sua competividade e sobrevivência.
Por esse motivo que a infraestrutura elétrica precisa suportar a operação com elevado
nível de confiabilidade. Para assegurar esse nível de excelência é preciso realizar ações
de gestão com visão de longo prazo, pois as medidas mais rápidas e mais baratas no
presente não significam as melhores para a sustentabilidade da empresa.
As subestações já possuem ações de manutenção muito bem estruturadas nas
empresas, porém os cabos de média tensão, em geral, não têm o mesmo tratamento.
É comum que empresas realizem ensaios utilizando corrente contínua nos cabos, o que
não avalia adequadamente seu estado de conservação e ainda pode introduzir um
defeito no cabo.
Tendo em vista uma visão de longo prazo que assegure a continuidade das operações
da empresa, os ensaios em corrente alternada e baixa frequência são os mais
adequados. Em geral os testes realizados são de medição da tangente delta e das
descargas parciais da isolação. Na blindagem pode ser realizado o ensaio de
reflectometria.
A Braskem é uma empresa que adotou essa estratégia, aumentando assim o seu nível
de confiabilidade da instalação e tendo maior controle do estado de conservação,
permitindo realizar a gestão adequada das suas instalações.
Essa gestão ainda permite postergar investimento, tendo em vista que não é necessário
realizar a troca dos cabos apenas pelo fim da sua vida útil estimada, contudo, a partir
do monitoramento do seu estado de conservação, qualquer intervenção é realizada
apenas exatamente quando necessário.

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