Você está na página 1de 1

Capítulo I

Primeira Parte

1° Episódio: “O diabo se apresenta, e ele não tem chifres”.

Cidade de São Gabriel, Ilhas Gêmeas, RFB - 30 de Maio de 2014

Meu nome é Carlos Aurélio dos Santos, ou só, cabo Aurélio, mas eu também era
conhecido com o cabo da morte em 1966, onde eu exerci a função de executor e torturador
mestre, na extinta Secretaria de Ordem e Política Social (SEOPS). Antes eu era barbeiro lá
no Bairro da Capela de Nossa Senhora das Dores, eu também havia servido as forças
expedicionárias em 1945, acho que por isso me “contrataram” pro “serviço”: Matar, torturar,
espancar e ocultar cadáveres de qualquer pessoa com tendências comunistas. Eu matei
muita gente senhor secretário, e matei em nome da lei. Dizem que o primeiro assassinato
você nunca esquece, e é verdade, ainda sinto o “tranco” da Magnus, o cheiro da pólvora e
aquela voz que ainda me acusa: “Assassino, assassino…”. Não sei o que fazer com ela, já
fui em várias igrejas, candomblé, rituais duvidosos, mas ela continua bem aqui (Aponta para
a cabeça), rosnando… Certa vez um pai de santo me essa voz era minha culpa, não de
demônios ou almas. Hoje eu acredito nele. Eu comecei cedo, meu pai, coronel João
Albuquerque, tinha uma fazenda lá na várzea, antigamente era só mato, e por anos criamos
gado ali, tinha uma parte que fazia divisa com outra fazendo, do seu Gálio, alemão e com
convicções bem fortes acerca de negros. Nessa divisa meu dividia uma plantação de
milhos, que vendíamos na cidade, e seu Gálio começou a perceber certas perdas à beira da
estrada, e chamou meu pai, que fez uma investigação (na sua cabeça) e concluiu que fora
uns “pretos” que moravam na vila ali perto. Decreto? Matar um por um. E foi aí que eu
conheci ela, a “Bella Donna”, toda cromada, 6 tiros e com o cano refrigerado. Meu pai selou
os cavalos e me apresentou a Bella, e me deu meu primeiro assassinato, matar uma família
de negros, que ele mesmo concluíra que além de ladrões de milhos eram fugitivos de
alguma fazenda, então de qualquer forma estávamos fazendo a vontade de Deus (Faz o
sinal da cruz). “São aberrações filho, atira, atiraaa! (Quadro com o pai do cabo histérico-
velho bigodudo com chapéu- e com olhos esbugalhados). Até hoje escuto o estalar da
Bella, um brado tão alto quanto de um trovão, ainda sinto o cheiro da pólvora… Quatro
homens, duas mulheres e uma criança! Resultado da justiça do meu pai, que colocou um
sabugo de milho na boca de cada cadáver, para servir de exemplo pros outros “preto” da
região! Ficaram ali por duas semanas até a polícia aparecer e procurar o que acontecera,
ninguém havia visto nada. Nenhuma testemunha ocular e nenhum vizinho ouviu nada. Só
que não ficou por isso mesmo. Sempre tem alguém que viu ou ouviu algo.

Você também pode gostar