Você está na página 1de 137

Jepnfe ap icnie Ipj..4.

p
AÇÃO SOCIAL: a difícil arte de ajudar
00 00 03 I CU a) cu c vl . OJ VI „o 0 0; C:,-,• .0
vo ,...„
00 acc
o, o o to ,. o o, o o O.• O lil
'E t K1
O
<I, -0 .'' -c .5 — ''.' t., O ,0 ''' C, ',5 O 0 ,7, r-
o .
0- cz ,
to
. O 9,
0 a .,.z, , E
cr.,2 ,, ,, §6 - 7 ., ,- .gs
Q- ,L., O
o . vo
,, d.) cc, O v1 CU v1 o c. g 2 00
,-. co 05 •-• oCC .- VI le1 00
o. CJ ..:
C,3
-03 -0 ..-, -0 '"' E_ g ,,,
O )-, tuC), C) „, 00 v1
00
c), O 4-, cil C., v, N E ',,5 g 0, i o ,.- oO
,a, -■
.■ e) ,•-•
,.. O O I Z
I (2Z CO
a) c) -O r., g E .r,
O r, ;Ej ,_ O- t.,
(i) -o ti., o ,-.
.0 5:;) o o g tà C"fo
,•._, cu- ca
,,L2 as s.
a.■
0 ,.- ,...- ^,-, 3- ul $0- E a, -c,
,,,, 0
e , N
C) 03 C. P
,-4 "O O 0 0
t'„, -c u, O O
eu
.',n o ;'_5.). o ,2 u,
> P:' P- V o
t.) '7, ;,. c.) •P .,...
P '7, '2 , g O ,,, .„
° '
oo o .o ,,, ,/,?, E clÀ ic
o .'-' - o v, E â1 75 .iãg 2 a., u Eo
go 0 ..■ 0. u >.
- N- .- en c,
C1J ,,,, O
.,_,
v1 O ,,_,
0. •!:: .é,"3 "0 E O ,L, ,‘) O ,-,- co , se
,.., o '0 cu :o
0
't;
03 _ g, "- Cr, 5 ,r:L...,ca:. 17
::, c, E
co a. > ci., '-e; >.
•'' noO Cl
OL , 7g 6) ro Ca O 'CS N
'E" C C)
-0 03 . 0 a) o v, o u, .1-• 0 '0 VI 00 ra• .
0 00 ,c
o
cr t...
.. , .,,,
o, E
C)^ O 1,..C ..„, •-■ -0 -. :"C' ca .C)"O O C.) ._
oo
'
ob E t,, ,2 5 O' C'S 51 . ,a,' Ecl.) R, g, ot.
E c. ''''.. E
c) arc1
c.). ;...
a)
'`-
C„,.,
U O•-•.1-,
- ,-,a)C) Ca,- ,L7
, d. o o t,, , ,, z ov)EC)
- ,, ?ra CD c.
u, a..+ — 0 03 .1-, 0 ,...; CU
E" E vo
.4-. o ,,- o o ``)
.=
— c• E 40 o,tY.3 o
o '-; to o o ,o <1., 2 .. 03
:0
,,,, N VO "R E
a) O k, E ,„ 5 c 1-, 5 E o G ,,,, 0O
O
Cr
CO Ca,
c_ , C.•T,,
• CT dl p , , Cr ,,,,
O, o
E
O E o- o
E
. 03 ,r. c) o . Cr)..,, o o c., ), 2 cc., xcC3 VI
cp
.v1 0 .co
H.- 'Cl) j5 . .="' Ri - tei CD c).
C) o E tr.'
o 75 C'
••V,
.. uO, xO ,"2-') .ã
,-,
'"' 2 E ,--
3 ,L.,
E a.
[3, ,,, 1- . , -
- .F, o o N o .L. E 'te °.' ,- P- oo
. ro
d. CD ''' E 0 a)" g E
'--
5 `‘:,' .. cL)
cn .-5..
.,- E c,
,.,
E .' E . ci. 0 .9) '7, u
CUcci„ ú
' :' ' - :'
6 v.9. t><
,.,„ i 3 s''n'';
OJ C.• th l
ci 0
,c . CU
! :(1 ..'""O
o E o - p_ ,, 2 V) E
t27.' 8 . ''E
o''
cp
"F3 0 an I=9 CU .2 JO ‘''
' vo CV
-c:■
',,,',, o 03 CU
-..' '''a n,3
o . to - , ,o, É' ,/,
0 ,,, 0 cr
,3 cr o tu
0 E .,c, •,c
X O C).' o. o .o..
u, c,
r, . -o . E '',, ,, ,,,
,,, : o c., . E
cr. ,... E o- ""'
o
a03 O
L- ° o g `'
E
'O 03
..• N c0 ,0 ,. ,_,
c). ci .c., C) O r13 ,5 ,, ct,' ç ...

E C, O
VI uo
03 E ,- ¢..,
O e' o .- •. CO C 1.) tL; O ,,9 ,,,
E O
,t( c.., "r"ii 0 c, 'a ca CLJ < .0 c•J Cr ir AZ
' CT C'' il -0
0 (-9 < C2
Ação Social
A difícil arte de ajudar

Edson Luz

11K
Rio de Janeiro
2006
Pelo mesmo autor AÇÃO SOCIAL, A DIFÍCIL ARTE DE AJUDAR
Copyright Edson Luz
Deus fala no siêncio de
Publicado por MK Editora
nossas angústias

O selo MK Editora faz parte do
Grupo MK de Comunicação.
Proibida a reprodução parcial ou total
do texto sem a autorização
por escrito da editora.

Todos os direitos em língua portuguesa
reservados por:

f1K
MK EDITORA
Rua Gotemburgo, 211 - São Cristovão
CEP 20941-080 - Rio de Janeiro - RJ
Tel. 3891-9300
Fax. 3891-9343
Televendas: 0300 -789-2502
www.mkeditora.com.br

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Luz, Edson Ferreira, 1944 -
Ação social: a difícil arte de ajudar / Edson Luz — Rio de Janeiro : MK Ed., 2006
144p..

ISBN 85-89516-73-3

1. Solidariedade. 2. Ação social.


I. Título.

06-2709 CDD 177.7 CDU 177.7


Agradecimentos

Um autor que se debruça durante algum tempo sobre


uma nova obra vai sempre sombrear outra prioridade. Co-
migo não é diferente. Embora minha família seja integrada
no que faço, certamente, além da presença voluntária, e
sábias e oportunas opiniões emitidas com vivo interesse,
reservam-se também em bondoso silêncio diante das horas
que subtraio do convívio familiar, e as emprestam à minha
dedicação à produção. A minha gratidão diante disto é
ainda maior. Porque os tenho na essência do meu fazer, tor-
nando-o além de útil para mim, sensivelmente prazeroso.

Os meus sinceros agradecimentos:

- A Eloísa Elena de Souza Luz, minha esposa e com-


panheira de jornada por longos anos.

- Aos meus filhos, Eliane, Elcio, Érica, Eara e Elton de


Souza Luz, e aos meus netinhos queridos, Raquel e Rodri-
go. Todos têm sido de singela inspiração e parâmetros para
a minha disposição de continuar vivendo e produzindo.
- Aos que não estão aqui no corpo, mas estão sau-
dosamente no coração, meus pais, pastor Antônio Bispo
Luz e Josefina Ferreira Luz. Além de Miriam, pastor Davi,
Marli e Edna. Saudades!

- Às minhas irmãs, Helena e Marlene, que coopera-


ram sempre como puderam.

- Às minhas ovelhas queridas da Igreja Batista Memo-


rial em Cachambi, a minha gratidão pelo convívio cristão
recheado de satisfações.

- Ao prezado pastor Ilson Ferreira, colega e amigo,


companheiro para todos os momentos, que com tanta
dedicação se ocupou em ler o manuscrito e oferecer sig-
nificativas ponderações.

- Ao prezado pastor Russell Shedd, que sendo bri-


lhante palestrante, teólogo referencial para o nosso tempo,
se ocupou em prefaciar esta obra, valorizando-a em nível
imerecido. O meu muito obrigado!

- Ao meu Deus, Pai do Nosso Senhor e Salvador


Jesus Cristo, cujo Espírito guiou o meu pensamente e
conduziu-me à compreensão do que seja ajudar, a ponto de
instruir-me a escrever estas linhas saídas do meu coração.
E ao Seu Filho Jesus, pela graça da salvação.

A Deus, portanto, toda a honra, toda a glória e todo


o louvor!

Pr. Edson Luz


Sumário

Prefácio 9
Introdução 13
Capítulo Um
As lágrimas 19
Capítulo Dois
Ação Social: Um Desafio de Evangelização 27
Capítulo Três
Ação Social Está Implícita na Vontade de Deus 37
Capítulo Quatro
Ação Social no Antigo Testamento 45
Capítulo Cinco
O Que Foi o Ano da Remissão 55
Capítulo Seis
Ação Social no Novo Testamento 61
Capítulo Sete
Quando a Vida Profissional Sofre um Retrocesso 71
Capítulo Oito
Ação Social Faz Crescer 81
Capítulo Nove
Todos Podem e Querem Ser Ajudados 91
Capítulo Dez
O Que Significa Ajudar? 99
Capítulo Onze
Queda: de Quem É a Culpa? 105
Capítulo Doze
Os Discípulos Contextualizaram a Ação Social 117
Capítulo Treze
O Incrível Mendingo que se Impôs 125
Capítulo Quatorze
Algumas Ponderações e Sugestões 133
Conclusão 139
Prefácio

Poucos têm parado para pensar mais


profundamente sobre os dilemas do ser-
viço social. A arte de dar assistência so-
cial à degradação daqueles que sofrem
da profunda pobreza, fome e falta de
abrigo tem suas barreiras. O pastor
Edson Luz não somente parou para
refletir, mas também escrever um li-
vro desafiante para aqueles que sentem
grande desconforto pela gritante falta de
interesse por parte de muitas igrejas evan-
gélicas no serviço social. Fala da obrigação
que homens de Deus sentem por causa da
sua generosidade e espírito solidário, e aponta
uma falta da reação de gratidão da parte dos que
recebem essa ajuda. Freqüentemente, o sacrifí-
cio feito não tem retorno. Muitos são ingratos.
Muitos se tornam dependentes. O autor sabe que
nem sempre é bem-sucedido em querer ajudar de
verdade. Mas isso não nos isenta da obrigação de
10 AÇÃO SOCIAL

demonstrar o amor de Deus. Esse amor não pode despre-


zar a pessoa, destruir sua confiança e anular a esperança
dum futuro melhor.

Pastor Edson não quer nenhuma dicotomia entre


o social e o espiritual. Parece que Jesus também pensou
assim. Ação social é a intermediação que dá a condição
humana de entender o amor de Deus. Amor na prática
abre a porta para assistência espiritual que bem pode ser
uma isca para a bênção maior da salvação. Carência ofere-
ce uma oportunidade de mostrar os efeitos do afastamento
de Deus e ao mesmo tempo apelar para sua volta. O Filho
Pródigo também sentiu os efeitos da pobreza até voltar
para a casa paterna.

O autor sabiamente nos lembra de que não temos


apenas o objetivo de ajudar os necessitados, mas também
servir o Senhor. Ação social recomendável quer dizer fazer
o que Jesus Cristo faria em nosso lugar. Ele não caiu na
armadilha de criar dependência, já que Deus não criou
ninguém para ser dependente. Após a alimentação dos mi-
lhares de famintos, Jesus não continuou multiplicando pães
dia após dia. Este livro desafia o leitor a ser criativo para dar
oportunidades às pessoas que querem ter uma chance de
melhorar sua vida ou criar seus filhos sem mendigar. Como
Deus ordenou no Antigo Testamento de não permitir que a
condição de dependência seja permanente, ele deu ordens
para que os escravos sejam libertos e as dívidas perdoadas.
Daria um trampolim para um novo começo.

Neste livro o leitor encontrará boas histórias e "his-


tórias" de pessoas que sofreram grandes dificuldades e
PREFÁCIO 11

carências. Pastor Edson sabe contar fatos e envolver o


leitor. O livro não é maçante. Tem mais. O livro inclui
excelentes sugestões que serão mais do que úteis para os
menos criativos como eu!

Recomendo a leitura deste livro. Fará bem. Não te-


nho dúvida alguma de que o leitor será encorajado e vai
pensar diferentemente após meditar em suas páginas.

A Deus toda a glória!

Russell Shedd
Introdução

A Ação Social expressa o desejo de


Deus para a convivência humana e está no
coração do homem como um dos valores
em referência à semelhança com Deus.
Seu objetivo é ajudar ou contribuir para
que as outras pessoas possam viver com
mais qualidade e com a mente liberada
para se aproximar de Deus sem o incô-
modo da necessidade de ajuda, ou seja,
suprida nas suas carências e sem incomo-
dar-se mais que o suficiente com a fonte
que a ajudou.

Tem também o objetivo de cumprir os


propósitos do reino de Deus no seio da socie-
dade, visando a proporcionar a plena realização
da pessoa humana em relação a si mesma e ao
próximo, além de conduzir à reflexão e ao exercí-
cio da sua própria vida. Percebendo que o movi-
mento da ação social é algo que nasce no coração
14 AÇÃO SOCIAL

de Deus, o homem somente capta esse amor. Ação social


é intermediação da providência de Deus para a vida das
pessoas.

A razão lógica sugere, tanto à pessoa que se pre-


tende alcançar pelos serviços da ação social, quanto às
que trabalham com objetivo de alcançá-las, que estejam
conscientes de que estão dentro do exercício de assistência
emergencial, ou seja, providenciando para não permitir
que as pessoas à volta sintam o constrangimento da falta
de suprimentos para as suas primeiras e principais necessi-
dades, mas não deverão perder de vista que jamais tal ação
deverá ter caráter definitivo ou prolongado. Entretanto,
deve atender condignamente e pelo tempo necessário à
recuperação da autonomia e automanutenção da pessoa
necessitada.

Os fatos comprovam quando observamos o trabalho


voluntário da ação social a serviço de alcançar um neces-
sitado, que atender a pessoa necessitada satisfaz as duas
partes porque equilibra a carência emocional de quem
serve. Neste aspecto o fato ocorre muito mais pelo impul-
so, via de regra comandado pela emoção, enquanto que a
pessoa que está sendo beneficiada dificilmente consegui-
rá entender a extensão do sentimento do voluntário, ao
contrário, tal pessoa olhará para a ação como um incen-
tivo à sua dependência. Assim terá mais facilidade para
exigir, e até recriminar por não receber ou receber algo
que não satisfaz a sua expectativa, e optar por continuar
recebendo sempre, do que criar os seus próprios meios
de sobrevivência e se esforçar para satisfazer-se pelo seu
próprio esforço.
INTRODUÇÃO 15

Outra realidade é que a "cultura do pedir" se instala


com muita facilidade na expectativa de algumas pessoas.
Neste caso, atendê-las é "faca de dois gumes".

Primeiro, porque tal cultura ultrapassa os limites


da auto-análise e vai se instalar na observação das pos-
sibilidades de o outro ajudar. Estamos dizendo que
muitas pessoas atingidas pela "cultura do pedir" não
adquirem forças para mudar esse quadro, pelo menos
enquanto encontrar pessoas que as atendam. O resul-
tado quase sempre é de decepção para ambos — para
quem atende e para o atendido. De um lado está quem
desejou servir. Do outro lado está quem só aprendeu
a ser servido.

Em segundo lugar, quem desenvolve a "cultura do


pedir" o faz simultaneamente à cultura de exigir e de cobi-
çar. Não tem forças para ser agradecido, mas está sempre
disposto a desejar um pouco mais do que o outro tem,
chegando a olhar com simpatia a posição social ou finan-
ceira do outro, ou a se permitir arquitetar uma forma de
usufruir dos frutos dos esforços que possibilitaram que o
outro alcançasse tal posição.

A "cultura do pedir" é uma verdadeira arma voltada


para a própria dignidade. É bom que o voluntário que
trabalha com ação social tenha em mente que, embora
seja prazeroso servir, poderá ser também desgostoso e até
frustrante. O equilíbrio e a prudência na hora de servir
será atitude aconselhável. Ceder na medida certa, sem
ultrapassar nunca os limites e sem deixar-se comandar
somente pela emoção.
16 AçAo Socam

É preciso o voluntário ter em mente sempre que tem


diante de si alguém que está com o autocontrole amea-
çado, pendendo para o caos, ou seja, alguém que perdeu
o caminho da independência; a auto-suficiência e a au-
tomanutenção se desgastaram e plantaram a semente da
incompetência dentro dela. O papel primordial é ensiná-la
a fazer o caminho de volta.

É fundamental, então, que haja planejamento adequa-


do para a prática da ação social. Os benefícios não podem
ter conotação de sustentação, pois isto significará ajuda va-
liosa à pessoa ou família beneficiada porque não a tornará
dependente; não estreitará a sua dignidade. A dignidade
pessoal se sustenta na capacidade de encontrar caminhos
e soluções para os questionamentos próprios. Cada pessoa
precisa responder a todas as perguntas que lhe são feitas
e que estejam relacionadas com ela. Ninguém responde a
pergunta que diz respeito a outro. Estou dizendo que nin-
guém resolve problema que outros criam. Porque a solução
de um problema está intimamente ligada às razões que o
motivaram e estas razões são individuais e pessoais.

A ação social é uma arte. Principalmente porque o


agente da ação precisará descobrir as verdadeiras premis-
sas que formam a argumentação da pessoa que necessita
de ajuda, atentando para o que está no bojo da sua argu-
mentação, seja ela representativa ou recheada de palavras
de sensibilização. Às vezes será preciso representar junto,
para se permitir caminhar um pouco mais com a pessoa
até encontrar-se com ela nos reais fundamentos da sua
situação. Isto não significa envolver-se, mas administrar
a aproximação.
INTRODUÇÃO 17
É fundamental que haja treinamento e capacitações
periódicas. Elas vão permitir atualização diante dos novos
quadros sociais, e principalmente na troca de experiências
que vai enriquecer e propor caminhos novos. Criando os
artistas da ação social. É claro que arte para definir a
resistência ao impacto causado pelos desencontros emo-
cionais que permeiam as respostas das pessoas atendidas
não satisfaz. É preciso muito mais. É comum observar-se
resposta abrupta tanto nas atitudes quanto no sentimento
muitas vezes indiferente ou totalmente frio por parte de
quem recebeu carinho, atenção e respeito. Como imaginar
um comportamento assim? Quanto prejuízo para o ben-
feitor que esperava agradecimento adequado que em vão
se expõe ao vazio da ingratidão? O que acontece? Como é
possível conviver com tais respostas e continuar servindo,
procurando o melhor para os outros, renovando espaço na
emoção para essa dura e interminável realidade?

Não há duvida de que esta é a história de quem faz


ação social, de quem tem vocação para se dar para ajudar
as pessoas a se reerguerem das suas quedas cruéis! Tra-
tamos aqui então dessa situação, que exige inteligência
emocional para ver por trás das atitudes e olhar por cima
delas. É uma arte, aqui designada como a difícil arte de
ajudar.
As lágrimas

As crianças têm o dom da solidarieda-


de: sempre gostam de fazer alguma coisa
de útil, ajudar alguém. É uma caracte-
rística do ser humano, da sua natureza
para viver em sociedade, ajudando-se
mutuamente a sobreviver. Mas mesmo
assim, sempre aparece alguém instruin-
do as crianças nesta direção, ajudando-
as a aumentar o seu potencial, dando
exemplos com ênfase na realidade.

Sem dar muita importância se é uma


coisa ou outra, é possível que todos se lem-
brem de episódios que os instruíram quanto
a procurar sempre fazer alguma coisa de bom
para alguém, e que de certa forma seria a melhor
maneira de deixar espaço para receber quando
precisasse. Não que isto fosse necessário, mas
é uma lei natural da seqüência dos fatos. É in-
teressante, talvez, mais pela possibilidade de ser
atendido quando precisar. Saber que alguém sem-
20 AçÃo Soda.

pre vai jogar uma corda quando precisarmos e estivermos


em queda livre é bom, mas pode até causar algumas im-
prudências, como confiar excessivamente nisso e não nos
precaver. O sentimento de receber tem cheiro de egoísmo,
de jogo de interesse, mas não é, na minha avaliação, cen-
surável. Afinal, qual ser humano não quer receber coisas
boas quando precisar, principalmente se tiver antes feito
algo de valor para o outro?

Não é regra geral, mas a resposta social aponta para a


disposição das pessoas não se excluírem de ajudar alguém
que precise delas. Conheço muita gente assim. Sou feliz
por ser brasileiro e essa é uma marca do nosso povo da qual
me orgulho: um povo solidário, de vocação direcionada a
se aproximar da dor dos outros. Ajustar-se à realidade de
que ajudar é humano, é para nós coisa natural, que faz
parte da nossa cultura.

Estar disponível é prova de companheirismo, e isto


fica mais evidente na fase da adolescência. O adolescen-
te tende até a ser corporativista, tem amizade confessa,
mesmo quando não há necessidade. Mal se conhecem,
já são amigos inseparáveis, confessando ser capazes de
qualquer coisa um pelo outro. A sensação que dá é que
adolescente é grudado um ao outro de tal forma que pode
ser comparado à abelha, que só anda em grupo e só vai
aonde tem mel.

Adolescentes à parte, outras questões da vida sugerem


a necessidade de as pessoas se cobrirem atrás de uma fide-
lidade impensada ou pelo menos mal medida, pronta para
decepcionar. É que quando o relacionamento não é bem
aferido corre-se o risco de exigir das pessoas respostas à
As LÁGRIMAS 21

nossa fidelidade que elas não têm capacidade ou não estão


preparadas para dar. Chamo isto de crueldade porque elas
não estão nem foram preparadas para fazer felicidade, mas
para ajustar os fatos às suas necessidades de sobrevivência.
Fazer juízo errado quanto à capacidade das pessoas de res-
ponder às nossas expectativas tal e qual esperávamos é um
equívoco. Normalmente tal juízo é muito romântico e não
deixa margem para erros das pessoas conosco, e quando
eles vêm nos decepcionamos e queremos culpá-las; quan-
do na realidade a culpa é do juízo malfeito. Podia a tal
pessoa ter se precavido e não esperar tanto da vida, ou pelo
menos admitir a possibilidade de decepção. Na fase mais
madura é mais fácil compreender e equilibrar as emoções de
tal maneira que não se sinta excessivamente a dor do outro
a ponto de ferir-se com os ferimentos dos outros. A atitude
ideal é manter-se saudável para ajudar na recuperação do
próximo, embora isso possa aparentar frieza para alguns.

Entretanto, os capacitados para a função sabem que


este é o ponto de partida para estar sempre pronto a enten-
der a diversidade de necessidades, mantendo as emoções
intactas e preservando-se de sofrimentos excessivos e perda
de valores que impliquem prejuízos para o exercício da ação
social. Isto pode ser aprendido com capacítação ou a duras
penas no exercício da função. O ideal é que ninguém se
ufane de ter aprendido o suficiente, pois pode ser pego de
surpresa e ser traído em algum momento pela sua própria
emoção. Não é bom duvidar dessa realidade. Confessar
para si próprio que pode voltar a cair faz parte do preparo
para evitar decepções que venham machucar.

As minhas lágrimas aconteceram em episódios cujas


avaliações foram malfeitas. Precipitei em juízos, mas na reali-
22 AÇÃO SOGA¡.
IAL

dade confundi-me entre o que eu gostaria que acontecesse e


o que aconteceu de fato. Como já disse, sou como os outros
brasileiros, gosto de me aproximar da dor dos outros para ver
se posso fazer algo para ajudar. Não que os outros povos não
sejam solidários também, mas o meu é a fonte de análise.
Gostamos de fazer coisas para ver outras pessoas felizes.
Não precisam ser coisas grandes. Pode ser coisa simples,
desde que haja convicção de que aquilo era necessário para
fazer o que dificilmente a pessoa alcançaria sozinha.

Assim foi que o desejo de fazer coisas para os outros


foi maior que a necessidade de calcular se elas realmente
precisavam, ou se eu estava sendo paternalista a ponto de
impor ajuda quando o ideal seria deixar as pessoas conse-
guirem sozinhas. Só quando se somaram decepções desco-
bri o quanto é difícil ter ou manter o coração aberto para
fazer bem às pessoas à custa de algumas renúncias, como
descanso ou interesses pessoais e familiares, colocando
em risco e perdendo capital destinado à sobrevivência, e
ainda partir com o coração aberto para ajudar.

Na minha relação de expectativas não estava a pos-


sibilidade de decepcionar-me. Tinha em mente ajudar e
que tal esforço seria aproveitado. Achava sempre que seria
muito bom e jamais receberia ingratidão ou mau reconhe-
cimento como resposta. Enganei-me. As primeiras vezes
pensei tratar-se de casualidades, que não era regra geral
ou uma exceção lamentável. Assimilei com dificuldade,
mas assimilei. Outros fatos foram se sucedendo e o que
era exceção passou a ser freqüente. Pensei em fenôme-
no, ajustei meu pensamento e tentei encontrar soluções.
Afinal, as pessoas são boas. Deus as fez boas. Elas não
erram porque querem, nem maltratam a quem lhes faz
As LÁGRIMAS 23
bem por mero prazer. Tem de haver explicação e forma de
solucionar esse lamentável desfecho para o relacionamento
que prometia ser saudável. Uma coisa é certa, nunca me
magoei a ponto de transferir sentimentos negativos para
as pessoas. Mas o sofrimento era inevitável: a tristeza, as
dores, a perda do sono e muitas vezes as lágrimas!

Até aí o olhar era totalmente voltado para as respostas


humanas. Percebia que precisava entender as pessoas sem
levar em conta as suas limitações. Afinal, não era bom vê-
las assim. Eu caminhava com elas até onde podia, ou até à
beira do precipício onde às vezes terminava sendo empur-
rado por elas, justamente as pessoas que tinha ajudado a
içar de lá. Como todos os recipientes que enchem devagar
precisam ter escape para não transbordar, assim era a mi-
nha emoção. Sentia-me cada dia menos capaz de suportar
mais uma empurradela precipício a baixo. Até que ocor-
reu novamente de forma inesperadamente cruel, quando
pessoas a quem eu dediquei muito respeito e tolerância
cometeram o inesperado. Refugiei-me no meu quarto de
estudos sem vontade de falar com ninguém, só com o meu
Jesus, pois queria lhe fazer algumas perguntas.

"Senhor", perguntei: "É assim mesmo? Esta vai ser


sempre a reação das pessoas que o Senhor manda que
ajude, respeite e ame? Elas vão sempre dizer que gostam de
mim, mas mesmo assim me viram as costas e me empurram
despenhadeiro a baixo? Quando é que vou conseguir culti-
var a boa e duradoura convivência? Como isto é feito?"

Como que para amenizar, justifiquei-me: "É bem ver-


dade que algumas pessoas têm sido muito íntegras. Muito
obrigado por elas! Mas outras machucam demais a ponto
24 AÇÃO SOCIAL

de arrancar lágrimas como estas!" Estava quase inconso-


lável, porque a experiência tinha sido dura demais.

Percebi que Jesus ficou algum tempo em silêncio, pa-


recia me olhar de tal maneira que se dividia entre compla-
cência e admiração. Aos poucos a minha dor foi passando
como mais um milagre realizado por ele. Acho que Jesus
estava esperando a minha emoção acomodar-se para eu ter
capacidade de compreender a realidade da mensagem que
ele estava para me passar. Aquietei-me, como diz a sua pa-
lavra: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus, sou exaltado
entre as nações, sou exaltado na terra" (Salmo 46.10). A
palavra entrou no meu coração e refrigerou todo o meu ser.
Aos poucos fui me acalmando. Ajoelhei-me e orei nova-
mente, e a resposta veio através da palavra doce e audível
de Jesus: "Meu filho, você pensa que foi fácil estar dividindo
aquele palco de julgamento com um malfeitor que eu amava
e queria salvar, como Barrabás, enquanto ele só conservava
o seu olhar para o mal e usava a minha dor para escapar e
continuar perdido, apesar de estar tão perto de mim.

A minha dor não foi ser trocado por ele. Foi vê-lo
rejeitar a minha salvação e não perceber que eu sofria
para dar-lhe liberdade. Ele não deve ter entendido o que
significava liberdade; o meu corpo foi empurrado para
cruz pela indiferença de Barrabás. Você pensa que foi fácil
ver cegos a quem eu voltei a dar visão, coxos que curei
e cujos movimentos restabeleci, leprosos que eu limpei,
pessoas que eu amei intensamente e por quem sofri, san-
grei, dei a minha vida, depois olhando para mim com ódio
inexplicável, louco, com os braços levantados e punhos
fechados em gestos que confirmavam toda a força dos seus
sentimentos, exigindo que me pendurassem naquela cruz?
As LÁGRIMAS 25
Eu os via como loucos arrebatados pela insanidade espi-
ritual e lógica. Definitivamente não eram os meus filhos
queridos. Eram outros seres, transformados e distantes
daqueles que criei à minha imagem e semelhança. Estavam
furiosos justamente com quem os amou e ama. Foram
transformados, mas eu não podia deixar de amá-los por
isto. Tinha que olhá-los além deles mesmos. Não podia
basear-me naquele momento para aplicar o meu juízo. O
Pai me ensinou que precisava confiar no poder transfor-
mador, herança do seu amor. Foi aí, meu filho, que pedi
ao meu Pai que lhes perdoasse, pois eles não sabiam o que
faziam. Aquela crueldade não fazia parte definitivamente
deles. Eles estavam, mas não eram cruéis".

O próprio Jesus exclamou: "Estas coisas vos tenho


dito para que tenhais paz em mim. No mundo passais
por aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo"
(João 16.33).

Não tive dúvida. Jesus enfrentou a difícil arte de aju-


dar. Deus previu esta dura resposta do ser humano para
aqueles que recebem mãos estendidas. Pude depois en-
tender por que Jesus enxergou com estranha naturalidade
a resposta da cura dos dez leprosos. Ele não se surpreen-
deu com a magra resposta daquele tão grande milagre.
Podemos imaginar o que representou a cura da lepra para
cada um daqueles pobres homens que viviam abandonados
pela sociedade, perambulando juntos para se protegerem
enquanto a doença os corroía, levando-os à decomposição
em vida. Só Jesus podia fazer o que fez: devolver a saúde e
oferecer oportunidade de conservar-se ao lado deles. Mas
somente um decidiu voltar para dizer: Muito obrigado!
Os outros foram embora, já que não precisavam mais do
26 AçÃo SocIAL

seu benfeitor, pois já tinham conseguido o que queriam:


"Um dos dez, vendo que fora curado, voltou dando glória
a Deus em alta voz" (Lucas 17.15). A expectativa de quem
está necessitado é receber. Mas, às vezes, as pessoas que
recebem não colocam como prioridade agradecer!

Jesus começava a me ensinar o que significa de fato


fazer ação social e como preparar o coração e a emoção
para receber as respostas. O sentimento de utilidade deve
ser afinado com o amor nos moldes que Deus quer ensinar.
Não há como se preparar emocionalmente para respostas
mal-agradecidas. Compreendê-las e continuar amando é
temperar-se com o amor de Jesus. A palavra que anula o
sentimento de mágoa nestes e em outros casos semelhan-
tes é o perdão. Dentro do exercício da ação social o perdão
faz parte do mesmo pacote que move o sentimento para
servir. O agente da ação social precisa perdoar antes de
receber a ofensa. Quando ela vier, se vier, o perdão já está
pronto. O coração já está limpo.

Ajudar é arte difícil, que só Jesus pode ensinar. Ele


foi o modelo mais eficaz e eficiente. Sou seu aluno, ainda
que com noites maldormidas, com tristezas, decepções e
lágrimas, mas com a certeza de que é uma das melhores
oportunidades que podem surgir para imitar Jesus, porque
é prenúncio de desprendimento de nós mesmos. Dá muita
paz e oportunidade de ter as lágrimas enxugadas pelo amor
de Jesus! Glórias a Deus pelo seu amor expresso até na
forma meiga de ensinar.

Fazer arte no palco da vida contracenando com Jesus


fica fácil. Só assim é possível exercitar esta difícil arte:
Fazer ação social.
Capítulo 1.)ab

Ação Social:
Um Desafio de
Evangelização
A ação social praticada na igreja, nas co-
munidades, assim como nos condomínios,
associações de moradores, empresas etc.
é parte do imperativo de Deus para as-
sistirmos o necessitado. O homem, física
e mentalmente, precisa de socorro. So-
zinho, a tendência é perder a estrada da
razão espiritual entrando no desconfor-
tável ambiente do descontrole emocional
aplicado em uma ou mais áreas da vida.

Em vários momentos Jesus ensinou


que não podemos encolher as nossas mãos
para repassar aquilo que ele tem permitido
sobejar. Quando algo está excedendo em nos-
sas mãos significa que Deus quer que dividamos
com alguém, seja material ou emocional. Se Jesus
faz parte da nossa vida, temos paz, somos supri-
dos, não nos falta comunhão, compaixão e amor.
Quanta coisa nós temos para dividir!
28 AçÃo Soc IAL

As pessoas necessitadas, em contato com a ação so-


cial aplicada no contexto de pessoas salvas e remidas por
Cristo Jesus, recebem a oportunidade de saírem comple-
tamente satisfeitas, não somente pelo que as igrejas e os
crentes têm para dar, mas pelo que Jesus tem a dar através
deles. Sem Jesus não há ação social completa.

O episódio relatado em Marcos 6.30-44, quando


Jesus alimenta cinco mil homens, mostra que na rea-
lidade não havia materialmente todo aquele alimento,
mas tudo existia no coração de Deus. O celeiro a ser
procurado era a certeza de que Deus supre. Tudo poderia
ser materializado pela fé e servido àqueles homens. Por
isso Jesus levou os discípulos a exercitarem a fé quando
disse: "Dai-lhes vós mesmos de comer" (Marcos 6.37). Os
discípulos poderiam imaginar que Jesus estivesse falan-
do de algo absurdo! Porque era impossível compreender
que com tão pouco dinheiro pudessem comprar alimento
para tanta gente.

Os discípulos poderiam, naquele momento, não en-


tender como seria possível comprar alimento para tanta
gente com tão pouco dinheiro (duzentos denários'). A
realidade é que ali não se tratava necessariamente de
uma ação social para um grupo de pessoas que estives-
sem socialmente carentes e inferiorizadas, mas de um
grupo de pessoas que priorizaram estar ao lado de Jesus,
ouvindo a sua palavra. Ali permaneciam e continuariam

1 Duzentos denários: Denário era uma moeda corrente na Palestina.


Era feita de prata e valia aproximadamente um dia de trabalho de um
agricultor.
AÇÃO SOCIAL: UM DESAFIO DE EVANGELIZAÇÃO 29
por muito tempo sem alimentação, se fosse necessário.
Era quase uma obrigação supri-los. O que acontece é
que Jesus sempre supre a fome espiritual e física. Tanto
o milagre de receber a Palavra e ser transformado por
ela pela ação do Espírito Santo pode levar a reavaliar a
satisfação espiritual, como a ingestão do alimento pode
reavaliar o sentido da fome. Jesus pode atender de for-
ma completa. O homem satisfeito tem mais condições
de refletir.

A ação social é a intermediação que dá condição


humana de entender o amor de Deus; é a experiência
necessária que todos que estão com fome ou com outra
carência qualquer precisam para viver; é um compromis-
so cristão ensinado pela igreja primitiva. Ela é aplicada
com o objetivo de proporcionar a plena realização da
pessoa humana em relação a si mesma e ao próximo,
visando a conduzi-la à reflexão e ao exercício da vida
espiritual sadia e orientada pelo nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo. O que move a igreja a realizar a ação so-
cial é seu compromisso em cumprir a vontade de Cristo
de forma completa. É procurar fazer o que Jesus faria
se estivesse no nosso lugar e nas circunstâncias em que
estamos. Jesus sempre atendeu as pessoas e as liberou
para continuar as suas vidas livremente. Muitas delas não
foram mais alvos de destaque de encontros pessoais com
Jesus, e isto é uma prova inequívoca de que o atendimen-
to a necessidade é emergencial, considerando que cada
um deve se preocupar em adaptar-se à vida, e produzir
soluções. Entretanto precisamos dizer que assumir a sua
própria vida e desligar-se da dependência não significa
abandonar.
30 AçAo Soc IAL

Produzir soluções faz parte do universo de recursos


que Deus deu ao homem para sobreviver. Portanto, Deus
sabe quando o homem realmente está precisando de ajuda
e toma a iniciativa de criar os caminhos para que ele seja
atendido. Um deles pode ser através da igreja, de uma
pessoa em particular ou de outra instituição. Mas seja
qual for o recurso, será providência divina.

Suprir foi e será sempre uma providência de Deus.


Entretanto, não está descartada a idéia de sofrimento ou
falta de suprimento contínuo, porque entre a providência
de Deus e o ser necessitado está o pecado, que precisa ser
anulado para que haja perfeita comunicação.

O pecado tira o homem do lugar aonde Deus destina


suas bênçãos. Quando falamos de obediência nos referi-
mos ao lugar onde Deus deseja que o homem esteja, e é
para esse lugar que Deus providencia o suprimento de
todas as necessidades. Obedecer a Deus é estar no lugar
onde Deus quer que o homem esteja quando ele destina
as bênçãos. Lugar espiritual e físico.

Deus mandou Abraão sair do meio da sua parentela


e ir para o lugar que ele ia indicar:

"Ora, disse o Senhor a Abraão: Sai da tua terra, da tua


parentela e da casa de teu pai, e vai para a terra que te
mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei
e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção: Abençoarei
os que te abençoarem, amaldiçoarei os que te amaldi-
çoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra.
Partiu Abraão como lhe ordenara o Senhor, e Lá foi com
AÇÃO SOCIAL: UM DESAFIO DE EVANGELIZAÇÃO 31

ele. Tinha Abrão setenta e cinco anos quando saiu de


Harã" (Gênesis 12.1-4).

A obediência incondicional de Abraão foi a base para


que todas as bênçãos prometidas por Deus se tornassem
realidade na vida dele e de sua descendência. Deus queria
abençoá-lo, mas queria que ele estivesse a caminho. Deus
queria guiar os passos de Abrão.

A providência pessoal é a demonstração de que Deus


precisa para ver a disposição do homem. A ação social,
assim como toda atitude que pretenda satisfazer tanto a
Deus quanto o necessitado, é acompanhada de atitude.
Ninguém pode ou deve receber pelo que não fez, pois isso
será um prejuízo para a sua dignidade.

A iniciativa precisará ser entendida sempre como pro-


vidência de Deus. O trabalho, a criatividade, a disposição
são oportunidades dadas por Deus. Entre a nossa possibi-
lidade e a nossa iniciativa está a ação de Deus.

Quando Deus orienta, o sucesso da atitude é prova


de que ele aprovou a iniciativa. Ninguém poderá atribuir
a si os valores das bênçãos: elas acontecem por iniciativa
de Deus em abençoar. Quando Deus não está presente
pode haver o maior esforço e até grandes iniciativas, mas
elas não satisfarão. Terão fim melancólico.

Qualquer iniciativa em ajudar através da ação social


precisa ser precedida da orientação de Deus. As pesso-
as-alvo da ação social precisarão conhecer a origem da
bênção que estão recebendo. Do contrário poderá ocor-
32 AçAo SocIAL

rer o esvaziamento da presença de Deus e tal espaço ser


prontamente preenchido pelo ego. Neste caso haverá ini-
ciativa, todos os caminhos naturais da ação social, mas o
fim será triste, porque a motivação não tem participação
de Deus. Acontecerá iniciativa e até satisfação física, mas
não haverá satisfação espiritual.

A pessoa com carência física, com fome, não tem


como prioridade satisfazer-se espiritualmente. A sua prio-
ridade é suprir a fome. Ela não sabe ou não consegue refle-
tir sobre a razão da fome. A carência física é um sofrimento
que tira a capacidade de análise lógica. O lógico é comer e
saciar-se. A autocensura não tem sentido para elas, porque
estão encobertas pelas suas necessidades emergentes.

Outra questão interessante é que a busca de solução


para a fome é corporativa. Há tendência de aglomeração
de pessoas carentes, mas à medida que a possibilidade de
serem atendidas aparece, elas podem representar motivos de
desavenças e até de confrontos. Isto leva a crer que a fome
jamais será pacífica. Portanto, não tem origem em Deus. A
ação de saciar a fome precisará de orientação de Deus e de
aplicação por pessoas comprometidas com a ação divina.

A maior obra da ação social, então, não será saciar a


fome física, mas saciar a fome espiritual. Permitir que o
homem se descubra e venha vislumbrar os seus reais valo-
res, como explica o pastor Irland Pereira de Azevedo:

"Entendo que a carência maior do homem é de saber


quem ele é, quanto vale, qual a sua dignidade como pes-
soa e criatura de Deus, feita a sua imagem e semelhança.
AÇÃO SOCIAL: UM DESAFIO DE EVANGELIZAÇÃO 33

Mas as demais carências, além da do ser, são importantes


e devem ser focalizadas"2

O compromisso de transmitir essa verdade é de res-


ponsabilidade do agente da ação social.

É importante que a igreja ou instituição que pretende


fazer ação social implante um programa de treinamento e
capacitação para que o grupo tenha oportunidade de inte-
ragir, compartilhando suas experiências e refletindo sobre
elas no sentido de alcançar mais objetividade e eficiência.

Fazer ação social é, então, aproximar-se o máximo


daquilo que seria a ação de Jesus na direção de atender as
pessoas carentes que se apresentam a nós. Não há dúvida
de que isto implica a crise de atender pessoas como Deus
atenderia, e isto é impossível ao homem, não pelo simples
fato de atender, mas porque implicará também o exercício
de amor que transcende o comportamento do carente.

Diante disto podemos entender como carente a pes-


soa abastecida nas suas necessidades físicas e sociais, mas
de situação de calamidade espiritual. Ação social é com-
padecer-se do homem em qualquer situação de carência.
No caso da pessoa suprida fisicamente, a evangelização é
a própria ação social.

Algumas instituições são especializadas em socorrer


pessoas que nunca imaginavam que precisavam de aju-

2 BERNARDO, Salovi e MORAES, Luiz Paulo de L. Ação Social


da Igreja de Cristo. Rio de Janeiro: JUERP, 1998.
34 AçAo Soc IAL

da. É que pessoas de vida social ajustada, bem-sucedidas


profissionalmente, com prosperidade financeira, tendem
a não perceber as suas carências em outras áreas da pró-
pria vida. O vazio existe, mas está encoberto pelas muitas
opções que a vida pode a oferecer. A velocidade mental e
o desejo de aproveitar cada minuto da vida não permitem
perceber que se está perdendo devagarzinho toda a vida.
O exemplo bíblico é bem claro para esta situação que o
próprio Jesus classifica de difícil:

Eis que alguém aproximando-se de Jesus perguntou: Mes-


tre, que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna?
Respondeu-lhe Jesus: Por que me perguntas acerca do
que é bom? Bom, só existe um. Se queres, porém, entrar
na vida, guarda os mandamentos. E ele lhe perguntou:
Quais? Respondeu Jesus: Não matarás, não adulterarás,
não furtarás, não dirás falso testemunho. Honra teu pai
e tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Replicou-lhe o jovem: Tudo isto tenho observado; que me
falta ainda? Disse Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende
os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu;
depois vem, e segue-me. Tendo, porém, o jovem ouvido esta
palavra, retirou-se triste, por ser dono de muitas proprie-
dades. Então disse Jesus a seus discípulos: Em verdade
vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos
céus (Mateus 19.16-23).

O difícil não é impossível, mas precisa de algumas


providências decisivas para alcançar o sucesso. Uma delas
é a decisão do próprio necessitado. Neste particular, en-
tender-se necessitado quando a própria necessidade não
se mostra é muito difícil. Normalmente é o sofrimento
AÇÃO SOCIAL: UM DESAFIO DE EVANGELIZAÇÃO 35
ou a perda que se encarrega de apontar tal necessidade.
O ideal é que o homem use a arma que Deus lhe deu,
capaz de descobrir as coisas encobertas, que é a reflexão
espiritual. Mas via de regra esse espaço está bloqueado
pelo desinteresse ou até o medo de se convencer de que
a vida que tem é vazia. A realidade, ou até a possibilidade
de enxergar a verdade, assusta.

Algo importante está nas mãos do agente da ação


social, que precisa ver esse necessitado com divina compai-
xão, enxergar o potencial que existe em cada ser de receber
a Palavra de Deus e por ela ser transformado. Mesmo
que a pobreza esteja encoberta e solidificada no coração
petrificado pela riqueza, dura rocha de ser demolida, nada
é impossível para Deus. Se houver divina compaixão de
Deus e amor no coração daquele que será o portador da
mensagem divina, haverá vitória.

Na crise de comportar-se conforme a orientação do


Espírito e receber reações de comportamento vindas da
carne, só Jesus pode ajudar. Será preciso exercitar essa
difícil arte de ajudar.
Ação Social
Está Implícita
na Vontade de Deus
A vontade de Deus sempre esteve vol-
tada para o bem-estar do homem. Depois
de toda a sua obra, ele criou o ser que
deveria comandar todas as coisas. Esta
posição administrativa estava reser-
vada a um ser que teria possibilidade
de comunicar-se com Deus em todo o
universo da sua percepção. Os animais
eram limitados nesta comunicação.
Embora eles expressassem emoção e
sensibilidade, faltavam valores essenciais.
A natureza, embora deslumbrante em si
mesma, está mais vocacionada para servir.
Tudo é muito belo e completo — Deus mesmo
achou que tudo era muito bom (Gênesis 1.25)
— mas faltava algo. Deus precisou completar o
seu próprio cenário. Tudo ficaria para sempre
como estava, não evoluiria, não haveria quem
interferisse para transformar, compartilhar. Al-
gum ser precisaria ter o valor da criatividade. O
homem foi esse ser.
38 AçAo SOCIAL

Deus é criador e compartilhou esse valor com o ho-


mem. O homem é criativo, ele é capaz de transformar
coisas simples e aparentemente imprestáveis em outras
maravilhosas e úteis. Neste universo de valores fantásti-
cos, como de pensar, repensar, concluir e evoluir no seu
pensamento, valores que podem ser designados por inte-
ligência, capacidade de evoluir no pensamento, somente
o homem tem. A eficácia desse valor se revela em todas
as suas atitudes. O homem não consegue fazer a mesma
coisa da mesma forma duas vezes; ele pode até preten-
der fazer, mas sairá diferente e certamente com alguns
aperfeiçoamentos. Quanto mais ele repete, melhor sai
e com outros atrativos de valor. Criatividade é algo que
compõe o ego humano. Todos se sentem felizes quando
criam algo. A expressão: "fui eu quem fez" vem sempre
carregada de um justo orgulho, e não raras vezes, de um
sorriso. Talvez essa satisfação tenha a sua origem no valor
maior que é o reconhecimento inconsciente de que é um
ser singularmente diferenciado dos demais, porque tem
uma aproximação com Deus que os outros jamais terão.
Isto é especial de fato!

Todos os valores do homem estão a seu serviço. Os


recursos individuais e pessoais devem converter-se em pos-
sibilidades de disponibilizar crescimento e capacidade de
desenvolvimento de criatividade para cada um no que se
refere à individualidade, e para a sociedade no que se refere
a pessoalidade. Deus providenciou ambiência para isto.
Os recursos estão disponíveis. O homem tem diante de si
todos os materiais que podem ser manuseados para desen-
volvimento dos valores criativos que foram carinhosamente
plantados por Deus dentro dele. Carinhosamente, porque
tudo que Deus deu ao homem foi com amor e por amor.
AÇÃO SOCIAL ESTÁ IMPLÍCITA NA VONTADE DE DEUS 39
No exercício da ação social, o agente deve estar cons-
ciente disto, ou seja, de que nenhum ser humano está ex-
cluído dos valores que Deus distribuiu. O olhar diferenciado
a isto vai estourar no confronto com os valores que Deus
plantou no ser humano. Neste aspecto também a ação so-
cial se confirma com a difícil arte de ajudar, principalmente
se ela for vista a partir do que realmente significa confiar
em Deus. Confiar em Deus nesse aspecto é acreditar que
o que eu posso fazer o outro também pode. Não da mesma
forma, mas da maneira que Deus ensinou a ele. Ninguém
cria igual. Cada um tem o seu potencial. O que pode variar
é o seu estado de ânimo. Isto está diretamente relacionado
com o caráter de cada um. Não fazemos referência pejo-
rativa, mas referência que pretende ser incentivadora no
sentido de ajustar a necessidade de fazer sempre revisão nos
valores de caráter. A base é que o caráter precisa sempre
ser construído. Reconhecer isto demonstra o primeiro passo
para o restabelecimento do uso dos valores da criatividade,
às vezes adormecido no berço da acomodação. A visão ini-
cial deve repousar sobre os valores disponíveis em exercício
no caráter pessoal do indivíduo, para avaliar como ele pode
ser aplicado a si mesmo e na sociedade.

Ouvindo recentemente o programa "Caravana da So-


lidariedade", na Rádio 93 FM, do Rio de Janeiro, levado
ao ar pelo locutor Cid Gonçalves, impactei-me com uma
entrevista de uma senhora que procurou a Rádio para
obter ajuda. Foi mais uma feliz oportunidade de ver a
vocação da ação social praticada por esse feliz programa
de vasta audiência. Ele nos brindou com a fala daquela
humilde senhora que nos disse o seguinte: "Eu não que-
ro que as pessoas me dêem nada simplesmente por dar;
eu quero mesmo é trabalhar e conseguir. Eu posso fazer
40 AÇÃO SOCIAL

isto. O que eu preciso, Cid, é de material para produzir


as mercadorias e vendê-las. Eu não tenho dinheiro para
comprar matéria-prima. O meu marido faleceu, tenho três
filhos em fase escolar e posso cuidar deles com a força do
meu trabalho. Só preciso da ajuda de Deus e dessa ajuda
de quem puder me ajudar. Sei da importância disso que
vocês estão fazendo e agradeço a Deus, mas só preciso
disso e que Deus abençoe o que eu vou receber aqui".

Ficou identificado ali que aquela senhora estava pre-


cisando da ação social para alavancar a sua criatividade.
O seu caráter estava intacto, ela estava pronta para usar
os recursos criativos que Deus lhe dera.

Foi assim desde o princípio quando Deus criou o ho-


mem. Disponibilizou terra, as primeiras sementes e mudas,
chuva, sol e tudo que a planta precisasse para frutificar e
produzir alimento. Entretanto, criar ferramentas próprias
para arar a terra, escolher as melhores sementes e mudas,
cuidar, colher e preparar os alimentos é parte do homem.

O recurso que Deus disponibilizou para o homem


foi a capacidade, a criatividade, a vontade e o desejo de
se manter. Eles fazem parte do valor que o homem tem
que moldar em si mesmo a partir da construção do seu
caráter, da valorização do seu ego. O impacto que eu e
outros ouvintes sentimos não foi de pasmar diante das
necessidades e das lutas daquela mulher. Isto fica para
trás diante da força de caráter demonstrada e da certeza
de que Deus não a abandonaria.

A distância entre a vontade e o realizar, às vezes, é


muito grande. Cabe à ação pessoal diminuir a distância
AçAo SOCIAL ESTÁ IMPLÍCITA NA VONTADE DE DEUS 41

entre os dois momentos. A vontade de realizar, quase sem-


pre, é aconselhada pelo confronto com as dificuldades a
ser prudente e adiar a decisão de iniciar. Quase sempre
excessivamente prudente a ponto de imobilizar e neutra-
lizar a ação geradora da atitude que geraria a vitória.

Um amigo me disse que tinha muita vontade de es-


tudar teologia, mas iria esperar que os filhos crescessem.
Ele, por várias vezes, tinha demonstrado o seu amor pela
evangelização e imenso amor por Jesus, tanto assim que ar-
gumentava que Deus não aprovaria que ele submetesse seus
filhos a sofrimentos somente pelo capricho da vontade dele
de estudar. Algumas vezes rebati, argumentei, mas o meu
esforço foi vão. Resolvi deixar o tempo ensinar-lhe. Aquela
era uma decisão pessoal, que se refere ao relacionamento
da própria pessoa e Deus. Sem muito conforto emocional
e até um pouco constrangido, fiquei na observação. Não
tinha nada para fazer senão orar. Os dias, meses e anos
se passaram. Nada aconteceu, até que nos vimos recente-
mente e voltamos a refletir sobre o assunto. Tudo estava
bem. Deus falou, capacitou, instigou, colocou vontade no
seu coração, mas faltou iniciativa de começar e se colocar
a caminho na sua decisão. Nada acontece quando nada é
feito para encurtar o caminho entre a vontade de realizar e
o realizar de fato. O veículo que transporta humanamente
a necessidade e a vontade até à realização é a atitude, a
ação e a disposição de se colocar a caminho. A criatividade
precisa ser exercitada. Quem não se movimenta não sai do
lugar. A ação social, assim como a busca de satisfação, é
feita de movimentos abençoados por Deus.

A ação social acontece a partir de dentro de cada pes-


soa. O agente da ação social deve se preparar para despertar
42 AçAo SocIAL

no outro os valores de dentro, e deve ajudar a restabelecer o


caráter. A dificuldade ocorre porque as perdas significativas'
estão plantadas justamente no lugar onde precisa ser depo-
sitado o combustível da reação. Às vezes a fé está intacta,
Deus quer ajudar, mas onde está a reação? Onde está o
diálogo com Deus e a revisão dos valores do caráter?

Os movimentos da ajuda nesse momento estão jus-


tamente em não permitir ser puxado para esse mar de
não-realizações, não se sentar ao lado do necessitado na
praça das murmurações, olhando as outras pessoas indo
e vindo. Devemos buscar e criar alternativas, exercitando
a criatividade, sem nos contagiar pela atitude delas.

Não é possível sentar-se e concordar que todos os dias


pessoas bem-sucedidas passam por lá e nem olham para elas,
e permanecer acomodado na praça murmurando e recla-
mando porque ninguém lhes dá nada. A ação social implica
repassar o que Deus dá. É ele quem determina o critério.
Deus não faz parceria com murmurações e com murmura-
dores que permanecem sentados, aguardando que alguém
remova as pedras do seu túmulo (João 11.39)2. Deus sabe
que as pessoas não estão mortas e podem usar as alternativas

1 Perdas significativas: O autor se refere a baixa auto-estima, dimi-


nuição do caráter, implosão de ânimo,perda da identificação dos va-
lores já existentes e em fim e o mais importante, perda ou diminuição
da fé, a pessoa acha que Deus a abandonou e pode até partir para o
sincretismo religioso.
2 Uma referência ao episódio a ressurreição de Lázaro já morto há
três dias e Jesus determinou que os homens revolvessem a pedra para
que ele, Jesus, realizasse o milagre de ressuscitá-lo. Lázaro não tinha
nenhuma ação, porque estava morto, mas retirar a pedra (39)era ação
possível aos homens, Deus não faria. Mateus 11:5 - 44
AÇÃO SOCIAL ESTÁ IMPLÍCITA NA VONTADE DE DEUS 43
e a criatividade que ele deu. É evidente que elas precisam
de ajuda, precisam ser amparadas para dar início à reação.
Respeitar a dificuldade do início ou do reinicio é muito mais
que humano, é cristão. Mas continuar a sustentar indefinida-
mente é desvalorizar os dons que Deus deu. Os valores estão
lá, bem dentro, querendo ser exercitados. A criatividade
também mora adormecida no interior, é implícita e inerente
a todo ser humano. Falta ser despertada para outras áreas
da vida. Instigar isto faz parte da difícil arte de ajudar.
Capítulo Quatro

Ação Social no
Antigo Testamento

Encontramos em Êxodo 20.1-17 os Dez


Mandamentos. É Deus revelando ao ho-
mem um conteúdo de compromisso ético
para os horizontes espirituais e sociais.

Cada ser humano deve ter um


compromisso com si mesmo, com Deus
e com a sociedade em que vive. Quan-
do isto não ocorre, o homem entra em
sofrimento. Tal sofrimento exigirá que ele
procure restauração de mente e de cora-
ção. Isto é imperativo da sua natureza. São
os valores que Deus deseja que o homem
cultive na sua relação com a consciência es-
piritual e social. Deus não criou ninguém para
ser dependente, mas para sobreviver em clima de
ajuda e respeito mútuo. Ninguém está preparado
para viver só: a interdependência é saudável. Se
observarmos os animais e as aves com atenção,
vamos extrair do potencial de convivência deles
lições memoráveis que vão ajudar a entender a
46 AçAo SOCIAL

importância da harmonia e da preservação da própria na-


tureza, sem deixar que valores que os caracterizam percam
a sua originalidade.

Os caminhos originais são dados por Deus. A iniciati-


va de permanecer ou não neles é do homem. Ele tem todas
as informações necessárias para instruir-se na convivência
social. Mesmo assim a ambição o coloca em xeque com
si mesmo e termina criando constrangimentos pessoais e
sociais, conduzindo ao confronto com a sociedade e com
os seus desejos e necessidades. Foi assim no passado e é
assim hoje. As necessidades básicas do homem não mu-
daram. Foram acrescentadas outras por força das circuns-
tâncias, mas em todos os tempos ele precisou e precisará
alimentar-se, vestir-se, amar e ser amado, socializar-se,
compreender e ser compreendido.

Na realidade, o confronto interior refere-se aos senti-


mentos mais íntimos. Estes sentimentos ou reações expli-
cam o sofrimento causado pela indefinição de objetivos.
Falamos das necessidades legítimas e das necessidades
que são criadas. Há coisas que não nos são necessárias,
mas o convívio, as implicações sociais e as comparações
terminam colocando outras necessidades dentro das ex-
pectativas. Estas necessidades criadas pela ambição, ou
pelo despreparo para ver sem criar expectativa de querer,
são fatores que levam a sofrimentos e ruínas. Alguns as-
pectos são fundamentais para introduzir alívio: o tempo
é um deles. Outro, é permitir que o sentimento mergulhe
em uma situação que ofereça solução. Refiro-me ao que
experimentou o Sr. Sérgio. Ele estava insatisfeito e não
conseguia definir a razão.
AÇÃO SOCIAL NO ANTIGO TESTAMENTO 47

Sérgio era um homem que vivia amargurado, embora


não lhe faltasse nada. Era bem-sucedido na sua vida pro-
fissional, tinha bons amigos, boa saúde, uma família agra-
dável, mas ainda assim era amargo e irritadiço. Ele mesmo
não se compreendia. Certamente faltava-lhe algo. O que
seria? Já havia experimentado quase tudo. Um dia, acon-
selhado por seu médico, resolveu tirar férias sozinho. Não
quis levar ninguém, pois queria ir ao encontro de alguma
coisa que não sabia o que era. Precisava "dar um tempo"
para a sua emoção, deixá-la dialogar com a solidão dos
dias sem compromissos formais, e terminou refugiando-se
numa cidade bem pequena ao pé de uma montanha.

A princípio, sobretudo na primeira manhã de isola-


mento, ensaiou-se um ligeiro tédio, talvez a falta de mo-
vimentação, o barulho, as perturbações e, por incrível que
pareça, até os aborrecimentos poderiam estar influencian-
do para que ele sentisse aquele vazio, meio inexplicado! É
que silêncio e tranqüilidade, para quem está acostumado
ao ambiente agitado, são estressantes, incomodam!

Informado de que ali havia uma bela cachoeira, re-


solveu visitá-la. Tinha de experimentar alguma coisa para
preencher o tempo. Lá chegando não precisou de muito es-
forço para descobrir que fez um ótimo programa! Era tudo
muito lindo! As plantas, as aves, o sol batendo nas águas,
o frescor da brisa úmida, as pedras multiformes, o cantar
dos pássaros e, enfim, o mergulho refrescante naquela água
quase gelada, que o introduzia naquela natureza que antes
lhe parecia longínqua, mas agora tão presente e real.

Depois deste vislumbre ele parou, olhou tudo no-


vamente como se quisesse ver alguma coisa que ainda
48 AçÃo SocIAL

não tinha visto, e pensou: É isto, é isto... exclamou mais


entusiasmado! O que me falta é ver o belo! Ver as coisas
como elas são, tais e quais Deus as fez! É exatamente por
isso que não me vejo! Olho para fora buscando encontrar
o que está dentro de mim. Agora eu entendo por que pro-
curar Deus na minha vida é tão importante. Sem ele eu
não enxergaria tudo isto! A natureza é bela e feliz porque
se basta, "se curte" e se mostra tal qual é.

Ele encontrou a paz que procurava. Soluções para


conflitos interiores estão dentro e não fora das pessoas.

Deus sabe disto. Sabe, por exemplo, que o homem


tem recursos no seu interior para reagir às condições mais
adversas, mas para ele voltar a ser o que era antes necessita
que alguma mão seja estendida para permitir o primeiro
impulso.

A verdade é que quem tem um pode adquirir com re-


lativa facilidade dois, mas quem não tem nenhum encon-
tra muita dificuldade para conseguir o primeiro. Percebe-
mos isto no fenômeno do primeiro emprego. Não é regra
geral, mas algumas pessoas têm muita dificuldade para
encontrá-lo. Quando alguém está em um emprego, outros
aparecem e, às vezes, muito facilmente. Muitos há que se
enganam saindo do emprego em que estão bem e pres-
tigiados, achando-se por isso tão competentes que qual-
quer empregador do mesmo ramo os quer. Sendo assim,
precipitam-se em sair sem ter outra oferta legítima e real,
e terminam amargando o desemprego, por absoluta falta
da boa avaliação das suas possibilidades. A autoconfiança,
a personalidade, o conhecimento da competência própria
são avaliações que cada um precisa fazer, mas tal avaliação
AÇÃO SOCIAL NO ANTIGO TESTAMENTO 49

deve produzir respostas ou levar a uma preocupação em


obter respostas verdadeiras e legítimas sobre si mesmo.
Enganar-se nesta avaliação é prenúncio de frustração, de
desequilíbrio emocional, que na maioria das vezes levará
a pessoa a decepcionar-se tão profundamente a ponto de
desfigurar o seu caráter e tender a guiar sua auto-estima
para uma escala descendente. É neste estado de espírito
que elas passam a demonstrar desejo de transferir sua
aparente derrota e decepção para os outros.

Deus sabe exatamente o que houve, e quer colocar


alguém que possa intermediar o seu amor para aliviar e
devolver a legitimidade pessoal àquela pessoa e recondu-
zi-la até o ponto em que ela abandonou a rota do sucesso
pessoal, ainda que modesto. Sucesso pessoal aqui não se
refere às coisas reconhecidamente grandes socialmente,
mas de vida auto-sustentada. Para alcançar este objetivo a
pessoa precisa ser (re)ensinada a admitir os equívocos da
vida para dar a si própria outras oportunidades. Continuar
se justificando e trilhando caminho errado rumo ao precipí-
cio da derrota, da dependência, do labirinto do caos interior
não faz parte dos itens do programa de Deus para sua vida.
Como sair dessa estrada? A resposta está na dependência
de Deus e na reação pessoal; na síntese da iniciativa e da
visão real das repostas das suas auto-avaliações.

Diante do impasse da falta dos suprimentos básicos


que promovem as diferenças sociais não aprovadas por
Deus e verificadas no seio do povo que Ele criou como
modelo e tomou como seu — o povo de Israel —, Deus
providenciou a solução que funcionaria como a mão esten-
dida. Ele sabia que precisava criar um espaço para ajudar
a produzir oportunidade de reflexão e reação intra-social
50 AçAo Soc am

que permitisse saneamento de oportunidades de convi-


vência mais confortável. Deus instruiu a criação do ano
da remissão: "Ao fim dos sete anos farás remissão: que todo
credor que emprestou ao seu próximo uma coisa; o quite; não
exigirá do seu próximo ou do seu irmão, pois a remissão do
Senhor é apregoada. Do estranho exigirás; mas o que estiver
em poder do teu irmão a tua mão o quitará. Somente para
que entre ti não haja pobre; pois o Senhor abundantemente te
abençoará na terra que o Senhor teu Deus te dará por herança,
para possuí-la" (Deuteronômio 15.1- 4).

A iniciativa de Deus premia aqueles que são vítimas


de ocorrências ocasionais, que limitam o seu conforto
social e os reduz à condição de necessitados e que per-
tenciam ao povo de Israel. As conseqüências eram humi-
lhantes e muitas vezes independiam do esforço pessoal
ou de trabalho.

Deus não falhou e não falhará nunca. Ele sempre


lançará mão de expedientes que socorram aqueles que
estão atentos às suas ordens para se movimentarem na
direção de equiparar os valores do homem na sociedade.
A Bíblia registra assim:

Quando entre ti houver algum pobre de teus irmãos, em


algumas das tuas portas, na tua terra que o Senhor teu
Deus te dá, não endurecerás o teu coração, nem fecharás
a tua mão a teu irmão que for pobre; antes, lhe abrirás
de todo a tua mão, e livremente lhe emprestarás o que lhe
falta, quanto baste para a sua necessidade. Guarda-te
que não haja palavra de Belial no teu coração dizendo:
vai-se aproximando o sétimo ano da remissão; e que o teu
olho seja maligno para com o teu irmão pobre e não lhe
AÇÃO SOCIAL NO ANTIGO TESTAMENTO 51

dês nada; e que ele clame contra ti ao Senhor, e que haja


em ti pecado. Livremente lhe darás, e que o teu coração
não seja maligno, quando lhe deres; pois por esta causa
te abençoará o Senhor teu Deus em toda a tua obra, e em
tudo que puseres na tua mão. Pois nunca cessará o pobre
do meio da terra; pelo que te ordeno, dizendo: livremente
abrirás tua mão para o teu irmão, para o teu necessitado,
e para o teu pobre na tua terra" (Deuteronomio 15.7-11
— grifo do autor).

Não é possível identificar culpa em viver em pobreza;


é admissível culpa por ser pobre. O dr. Russel Shedd co-
mentou, baseado em Mateus 5.3, que "ser pobre do ponto
de vista de Deus não tem a ver com a condição social, mas
tem tudo a ver com a condição de Espírito porque é de lá
que procedem as coisas boas e ruins". A pobreza do ponto
de vista de Deus não é um valor menor; é um valor maior
porque é a chave que vai abrir a visão para a realidade
escondida dentro de cada um. A pobreza material só acon-
tecerá quando não houver pobreza espiritual. Definir esta
questão exige muito mais que esforço mental; exige esforço
e caráter espiritual. Não há dúvida de que a questão esteja
na definição pessoal do que venha ser realmente pobreza.

A falta de condições de qualidade de vida é questão


relacionada a poder aquisitivo. Jesus não se referia a esse
aspecto da pobreza, sobretudo se levarmos em considera-
ção o contexto da Palestina naquele momento. A palavra
de Jesus estava voltada para o ser espiritual. Era das coisas
espirituais que se tratava ali. Mas não podemos olvidar

1 Russel P. Shedd, em palestra realizada a pastores, em 7 de no-


vembro de 2005, em São Lourenço, MG
52 AçAo SOCIAL

que existe uma pobreza oriunda de outra, esta a que está


relacionada com a constatação das diferenças sociais.

Diante deste fato é impossível que não haja reação


pessoal e social. Ser pobre do ponto de vista de poder
aquisitivo pode ser, por exemplo, falta de iniciativa para
se tornar auto-sustentado, falta de paixão pela vida que
dispare a vontade de sobrepor barreiras, lembrando que
elas são transpostas com os recursos dados por Deus a
cada um. Nem sempre será necessário ser capacitado em
uma profissão reconhecidamente rendosa para resolver a
situação, mas é necessário o desejo de viver em liberdade,
usufruindo dos recursos naturais, usando a criatividade e
o desejo de viver condignamente.

Quando Deus instituiu o ano da remissão, embora


fosse uma concessão tanto para os homens que não tinham
sustento quanto para os animais, houve preocupação de
suprir e não de sustentar. Os animais comeriam da terra
enquanto ela tivesse para dar. Quando ela não mais pu-
desse supri-los, eles teriam de recorrer à alternativa que
seria mostrada por Deus. É esta iniciativa que Deus espera
também do homem. Dentro do aspecto ético, era a pro-
vidência de Deus para os seres viventes, entre os quais o
homem está incluído. Isto significa que Deus não revogaria
isto, ainda que o homem o contrariasse.

A providência de Deus diz respeito ao seu compro-


misso com o homem. Aquilo que ele se propôs dar para
que o homem tivesse oportunidade de usufruir da sua
vida com dignidade. Deus nos dá as referências para o
sentido do fazer para o outro. Aí reside o valor de atender
ao necessitado, de compartilhar aptidões, pois as aptidões
AÇÃO SOCIAL NO ANTIGO TESTAMENTO 53

de uma pessoa devem ser aperfeiçoadas para produzir


possibilidade de sobrevivência digna ao outro.

O trabalho tem esse fim: a produção. O fruto do


trabalho tem como objetivo principal agradar e ser útil
ao consumidor. Cada um tem a ver com o seu próprio
valor, mas não exclui a possibilidade de receber ajuda,
ou seja, nenhum comportamento da pessoa carente deve
ser analisado e punido com exclusão da atenção devida
às suas necessidades. É importante que haja manutenção
da lucidez espiritual e emocional, para que atitudes con-
traditórias não levem o necessitado a sucumbir.

Deus tem predileção pelo homem entre os demais seres


viventes. Ele não falha na sua promessa de suprir a todos os
demais seres criados. O homem tem a preferência, mas em
compensação tem mais obrigações, porque ele se reconhece
capaz embora momentaneamente esteja à mercê do acaso. O
homem é inteligente, e isto significa que tem a possibilidade
de usar alternativas, de fazer adaptações e a vocação para se
auto-sustentar. No cuidado de Deus pelo homem está inclu-
ída, preferencialmente, a disposição de abençoar o fruto da
iniciativa e do esforço, da inteligência e do trabalho.

Os recursos que Deus disponibilizou para os homens


são completos. Se eles os usarem com equilíbrio, olhan-
do para o direito que todos têm, não vai faltar nada para
ninguém. Em contrapartida, se o homem priorizar a sua
tendência em colocar em primeiro lugar os seus instintos
carnais, voltando-se contra o que Deus espera dele, ele
produzirá frutos amargos para a sua vida e se excluirá da
satisfação da sua vontade. Ainda assim Deus não retirará
o que ele prometeu dar a todos — oportunidade.
54 AÇÃO SOCIAL

Cada um tem de se ajustar ao que Deus deseja que


faça e agir da forma que ele espera que haja. Se assim for,
não haverá sofrimentos não-compreendidos, nem limites
para o derramamento das bênçãos de Deus. Todas as bên-
çãos prometidas aos homens e aos demais seres estarão
em plena distribuição.

O que limita a ação social de Deus não é a retirada


das suas bênçãos, mas a ausência do homem do lugar
onde Deus quer que ele esteja para recebê-las, além da
desobediência aos princípios determinados por Deus para
que haja felicidade e paz para todos e entre todos.

A ação social deve estar focada nestas confluências:


perceber que o ser carente está decaído também na sua
auto-estima, impossibilitado de fazer raciocínio lógico, não
levando em consideração outra coisa que não seja a sua
própria necessidade naquele momento. Não sobra espaço
para ele perceber com clareza o valor da mão estendida
com amor e com o coração cheio de carinho e compreen-
são. A decepção será certa se não houver avaliação correta
por parte do agente da ação social.

Deus sofre muito mais quando depara com as nossas


reações. Jesus sofreu muito mais ao nos estender a mão e
nos arrancar das garras do Diabo a preço do seu próprio
sangue. Não fora o seu olhar e a sua perfeita compreensão,
seria impossível nos ajudar.

Precisamos aprender com ele esta difícil arte de nos


dar ao outro através da ação social.
Capítulo Cinco

O Que Foi o
Ano da Remissão

Deus providenciou o ano da remissão


para resolver o problema da pobreza e di-
minuir o espaço para injustiças.

"Remissão" pode ser entendido


como "soltura", e certamente se refe-
ria à prática de providenciar para que
a terra ficasse em repouso, ou seja,
descansando da exigência de produção,
sem plantio, por um ano em cada sete.
"Também seis anos semearás a tua terra, e re-
colherás os seus frutos; mas ao sétimo a soltarás
e deixarás descansar, para que possam comer os
pobres do teu povo, e do sobejo comam os animais
do campo. Assim farás com a tua vinha e com o teu
olival" (Êxodo 23.10,11).

Esta compreensão é paralela àquela sobre


o dia do sábado, o significado sagrado de toda a
vida. Esta prática é chamada de remissão do Se-
56 AçÃo SOCIAL

nhor (Deuteronômio 15.2; Levítico 25.3-7), compreendida


também como tempo de "descanso", que se baseia no fato
de o Senhor reivindicar o direito de propriedade sobre a
terra. "Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque
a terra é minha; pois vós sois estrangeiros e peregrinos comigo.
Portanto em toda a terra da vossa possessão darei resgate à
terra" (Levítico 25.23). Na versão A Bíblia na Linguagem
de Hoje (BLH): "A terra é de Deus, portanto ela não será
para sempre daquele que a comprar. Deus é o dono dela, e
para ele nós somos estrangeiros que moram por um pouco de
tempo na terra dele. Assim quando o terreno for vendido, o seu
antigo dono será o primeiro a ter direito de tornar a comprá-lo"
(Levítico 25.23).

Compra de terra ou propriedade legítima da terra é


algo discutível, porque Deus não deu título de proprieda-
de para ninguém em particular. Esta questão relevante,
compra e venda de propriedades, pode ser questionada.
É possível entender a providência de Deus em instruir
não o dono, mas o usuário da terra. É admissível posse
por tempo ou importância do uso. Quem usa a terra de
forma mais competente neste caso teria a preferência para
usá-la desde que obedecesse às instruções do dono, que
é Deus.

É da terra que saem o sustento e todas as riquezas


materiais e para a terra voltam todas as coisas materiais.
Ela dá e requer de volta. Dela o corpo foi formado e vol-
tará para ela. "Também disse Deus: Façamos o homem a nossa
imagem conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre
os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais do-
mésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam
O QUE FOI O ANO DA REMISSÃO 57

pela terra" (Gênesis 1.26). Deus determina que ele voltará


a terra: "No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes
à terra, pois dela foste formado: Porque tu és pó e em pó te
tornarás" (Gênesis 3.19). A terra então é centro produtor
e catalisador de toda a matéria.

Todos deviam reconhecer que não há preferências


quando se trata do desejo de Deus de suprir. De onde
Deus está todos têm o mesmo tom de reivindicações. As
diferenças estão na forma de colher o que Deus deixa cair
na medida certa para suprir a todos. Duas possibilidades
surgem: uma é a de alguns terem mais vontade de rece-
ber tais suprimentos de Deus e reconhecerem sua fonte,
aprendendo a melhor maneira de recolher. Outros nem se
preocupam com isto, antes esperam que ninguém apanhe
o que é deles até que, como por um milagre, aquilo caia
na sua mão de forma inusitada. Querem pasmar-se com
as bênçãos de Deus sempre por milagre, excluindo o seu
esforço.

A prática do passado, de empréstimos para financiar


a produção da terra, abriu espaço para exploração, porque
se a colheita falhasse não haveria recursos para pagar as
sementes compradas, e ocorreria o impasse. A responsa-
bilidade está incluída em toda atitude humana. O tomar
emprestado implica pagar. Estas duas atitudes remontam
à firmeza de caráter que deve sustentar a relação de pedir
e receber.

Conforme Deuteronômio 15.1-4, a remissão não ino-


centa nem justifica as obras incorretas, mas elas acontecem
mais porque a fragilidade do homem sugere injustiças:
58 AçAo SocIAL

porque a cegueira da fome e do orgulho sustenta a am-


bição humana. Quando o que se julga com status cai em
necessidade parece doer mais a queda do tal status que a
humildade de aceitar ajuda e valorizá-la como tal. A ten-
dência é ser ajudado e manter o que se chama "a pose".
Embora isto faça bem à auto-estima pode causar sérios
danos à relação porque o necessitado tende muito mais a
usar a boa-fé alheia e explorá-la que encará-la como ajuda
providencial vinda de Deus.

O sentido do ano da remissão era não abandonar a


terra, mas propositadamente deixá-la solitária com o resto
da produção não-colhida para que os que necessitassem
caminhassem até lá e se suprissem. Este ir até lá certa-
mente exigiria um ato de humildade e aproximação aos
outros em iguais condições. Eles ficavam livres para se
suprir sem interferência nem olhares de reprovação. Nem
o dono permanecia na terra. Isto significa que momenta-
neamente a terra estava de volta às mãos de Deus, de onde
de fato nunca havia saído, mas agora reconhecidamente,
legitimamente, estava a seu serviço. A grande massa de
pessoas que acorria à terra tinha certamente as suas dife-
renças humanas de comportamento, mas uma era comum,
satisfazer as necessidades. Imagino que o dono da terra
não as conhecia, eram anônimos de todos os lados. Não
tinha necessidade de conhecê-los nem de ser reconhecido
como dono. A sua preocupação era cumprir a lei e não
descumprir a vontade de Deus.

A questão da concessão da terra por empréstimo


implicava compromisso assumido entre as partes através
de algumas garantias. A hipoteca passou a ser a forma
O QUE FOI O ANO DA REMISSAO 59

de cobrança que poderia resultar na perda da terra para


o credor. Porém, a lei de Israel não deixava margem para
perda das terras. As dívidas demasiado pesadas, naquele
tempo, podiam ser quitadas com a venda da própria pessoa
ou de um membro da família para servir como escravo,
mas os conceitos hebraicos não deixavam margem tam-
bém para uma sociedade parcialmente livre e parcialmente
escrava.

A solução foi tomar uma medida responsável que


mantivesse a relação de família com as suas terras e o ideal
de um povo composto de homens livres e invioláveis.

O Senhor veio remediar o problema da necessidade


econômica, declarando o ano da remissão. Era a remis-
são do Senhor. Qualquer que desobedecesse deveria ser
lembrado de que a terra é do Senhor. Toda interferência
de Deus é na direção de livrar do pior e deixar livre. Esta
questão não era e não pode ser interpretada como aber-
tura de descumprimento de compromissos assumidos.
Esta revisão era feita de sete em sete anos. As dívidas
não quitadas ao fim de sete anos deveriam ser perdoadas
e somente seriam cobradas as dívidas dos estrangeiros
(Deuteronômio 15.3). O objetivo de Deus era acabar com
a pobreza, e com a possibilidade de as pessoas permane-
cerem em estado de dependência. É bom lembrar que os
estrangeiros não eram incluídos porque eram peregrinos,
não estavam fixados na terra. Os outros tinham residências
fixadas lá.

Certamente as leis morais e éticas e os códigos sociais


não permitiriam o subterfúgio dessas leis para usufruir
60 AÇÃO SOCIAL

vantagens sobre os donos do capital. Mas mesmo assim


excluir a possibilidade do mau uso destas regalias é difícil,
porque o ser humano tem em si a "síndrome de Adão":
transferir culpabilidade. Isto faz parte do currículo de re-
ações instintivas do homem, transformando-o num ser
difícil de ser ajudado.

Em qualquer contexto e em todos os tempos, ajudar


é uma arte que implica releitura de atitudes. Ajudar é uma
arte difícil.
Capítulo Seis

Ação Social no
Novo Testamento

Jesus sempre esteve atento às carên-


cias do homem e alertou que não o fazia
por si mesmo: "Eu não posso por mim mes-
mo fazer coisa alguma; como ouço assim
julgo; o meu juízo é justo, porque não julgo
a minha vontade, mas a vontade do Pai
que me enviou" (João 5.30).

Jesus veio para intermediar a von-


tade do Pai, e ela é que todos estejam su-
pridos como seres humanos, enquanto so-
ciedade, e supridos na alma enquanto seres
espirituais. A prioridade é para o suprimento
espiritual. Jesus não deixou dúvidas quanto a
isto: "Buscai pois, em primeiro lugar, o reino de
Deus e sua justiça, e todas as demais cousas vos serão
acrescentadas" (Mateus 6.33).

Esta promessa de Jesus é uma das grandes


realidades que sustentam a fé dos convertidos que
62 AÇÃO SOCIAL

continuam sobrevivendo aqui enquanto enfrentam a guer-


ra espiritual travada rumo à preservação da regeneração
da alma. A regeneração da alma determina a regeneração
do corpo. A palavra de Deus renova a mente, o homem
de posse de valores espirituais da parte de Deus desfruta
de mente liberta da escravidão dos ataques que podem vir
sobre o corpo. Esta foi a realidade de Jesus. Para cuidar do
corpo é necessário cuidar da alma. Ela renovada, o corpo
será são, ainda que esteja prejudicado materialmente. A
saúde não transcende o espaço reservado à sobrevivên-
cia. Saúde, neste ponto de vista, é antever a cura pela
perda da "casca", pela "amputação da sobrevivência". A
alma é saudável antes do corpo e poderá ser depois da
perda do corpo. Quem se encarrega de explicar isto é o
Espírito Santo. Ele revela isto ao "ser" quando explica à
compreensão do homem a realidade da vinda de Jesus e
os mistérios que envolveram a sua permanência aqui por
33 anos. Ele entregou o seu corpo ao processo de morte,
reavendo-o tal qual era antes, preservando as marcas da
crueldade humana para continuar a sua aula à compre-
ensão humana do quanto ama a humanidade. Sem estes
referenciais a mente humana não teria como elaborar no
pensamento o seu processo de compreensão e concluir que
Jesus é o Filho de Deus e se tornou o salvador da alma. A
proposta de Deus foi assimilada e cumprida plenamente
por Jesus.

A proposta de Jesus é cumprida plenamente: "O Espí-


rito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar
os pobres, enviou-me para curar os quebrantados de coração, a
apregoar a liberdade aos cativos e dar vista aos cegos, a pôr em
liberdade os oprimidos; e anunciar o ano aceitável do Senhor.
AÇÃO SOCIAL NO Novo TESTAMENTO 63

E cerrando o livro, e tornando-o a dar ao ministro, assentou-


se e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então
começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura em vossos
corações" (Lucas 4.18-21).

Algumas expressões-chave neste texto definem, mui-


to bem, os princípios que devem ditar o caminho da cons-
ciência espiritual que deve pautar os principais objetivos
da ação social:

Proclamar a libertação dos cativos: a carência de


sustento não é prova de que Deus tenha deixado de suprir,
mas que o homem se afastou de Deus ou que Deus quer
realizar algo através dele. A ação social é sempre uma
oportunidade de aproximar ou reaproximar o homem de
Deus, e nos aspectos necessários, libertá-lo para que ele
possa voltar a fluir na sua caminhada terrena.

Restaurar vista aos cegos: o pecado cega; não deixa


o homem enxergar coisas óbvias. Restaurar a visão signifi-
ca principalmente lembrá-lo de que foi Deus quem o criou
e conhece todas as suas necessidades. Mas Deus exige
obediência à sua vontade. Contrariar Deus é pecar.

Um dos principais aspectos do programa do Malig-


no para denegrir o valor do homem é conseguir interferir
na sua mente. Bloquear a sua possibilidade de raciocino
lógico espiritual. O Espírito Santo é o único capaz de
produzir neutralização a esta interferência demoníaca.
O homem sem Deus está vulnerável a esta interferência
cruel, que bloqueia a mais bela característica que Deus
deu ao homem, a liberdade de correlacionar e de produzir
64 AçÃo SocIAL

raciocínio lógico em todos os aspectos, de aceitar e rever


conceitos e ajustá-los a novas realidades da evolução do
raciocínio, enfim, não permitir a exclusão da capacidade
de concluir.

Colocar em liberdade os oprimidos: outro alvo co-


biçado do programa do Diabo é a humilhação do homem,
é tirar-lhe autonomia e oprimi-lo. O alvo central de Jesus
é libertar o homem desta opressão, deixar que o homem
tenha mente livre e sadia para absorver todo o amor que
Deus lhe quer dispensar, e com isto assumir atitudes coe-
rentes diante de Deus e da sociedade. Liberdade implica
responsabilidade. Autonomia implica autoconceito à luz
dos seus reais valores. Os nossos valores são aqueles que
Deus plantou em nós, e todos temos conhecimento e os
prezamos, tanto assim que desejamos e buscá-los.

Todos querem ser livres, mas nem sempre sabem


como ser. Todos querem produzir e promover o seu auto-
sustento, mas nem sempre surgem oportunidades. Neste
aspecto o homem tem de aplicar a sua capacidade de
organizar alternativas e aplicar os valores da inteligência
que Deus lhe deu. A ação social tem esta missão de mos-
trar como ser ou voltar a ser livre. Como aplicar estas
alternativas. E se necessário suprir para fortalecer e aliviar
a pressão psicológica. O caminho mais viável e curto é
buscar na fonte de toda origem do bem-estar para o ho-
mem. Esta fonte é Jesus. Nele é possível reconquistar os
valores perdidos.

Proclamar o ano aceitável do Senhor. Esta é a


grande realização. É a vitória que perseguimos, que o mun-
AÇÃO SOCIAL NO Novo TESTAMENTO 65
do conheça a Jesus e o aceite de todo o coração. Quando
todos os esforços em todos os sentidos estiverem voltados
para esse objetivo, a ação social será o caminho mais curto
e eficiente de mostrarmos o amor de Jesus, porque ela
abre a porta do raciocínio e chama a atenção para aquilo
que o homem normalmente não tem, e se tem é calcado
em interesses que não convergem para o genuíno amor
de Jesus. A atitude de levar cuidados ao outro, para o
cristão, não pode ter sua origem nem objetivo em outro
alvo que não seja a compreensão do amor de Jesus. Jesus
não buscou notoriedade, não usufruiu da popularidade,
não cobiçou outra coisa que não fosse fazer a vontade do
Pai, que é sempre de indicar o caminho da liberdade do
homem, dar a ele capacidade para desfrutar desta liberda-
de. O homem procura uma liberdade que seja real e que
não tenha vindo de insinuações de dependências futuras.
O homem livre tem autonomia para ser ele mesmo em
qualquer tempo.

Este texto, na versão da Bíblia na Linguagem de Hoje,


se expressa assim: "O Senhor me deu o seu Espírito. Ele me
escolheu para levar as boas novas aos pobres e me enviou para
anunciar a liberdade aos presos, dar vista aos cegos, libertar
os que estão sendo oprimidos. Anunciar que chegou o tempo
em que o Senhor salvará o seu povo".'

Jesus foi enviado para cumprir esse ministério e o fez.


O compromisso com ele é conseqüência da liberdade de
escolha do homem. É possível que muitos que foram alvo

1 Bíblia Sagrada — Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Sociedade


Bíblica do Brasil Barueri. São Paulo. 2000.
66 AÇÃO SOCIAL

da ação social de Jesus não tenham alcançado a salvação.


Portanto na ação social está incluída a possibilidade da
negligência do homem em querer se reencontrar ou en-
contrar com Jesus. Só o Espírito Santo pode resolver esta
questão. Isto não deve produzir sofrimento para o agente
da ação social, mas compaixão. Ele deve ser dedicado à
oração para que estes aspectos não diminuam a sua vo-
cação.

O Evangelho de Lucas registrou: "Respondendo en-


tão Jesus, disse-lhes: Ide e anunciai a João o que tendes visto
e ouvido; que os cegos vêm, os coxos andam, os leprosos são
purificados os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres
anuncia-se o evangelho (Lucas 7.22). Diante de Jesus os
cegos vêem, os coxos andam, os surdos ouvem, os mortos
ressuscitam.

A sensibilidade de Jesus diante dos problemas vivi-


dos pelas pessoas à sua volta era notável e o tratamento
dado por ele era didático. Ele declarou que fora enviado
para uma missão completa, e não só a cumpriu como deu
relatório, mostrando o resultado. Nós somos os frutos do
seu trabalho. Houve objetividade em tudo que Jesus fez.
Muitos só receberam, foram beneficiados e perderam a
oportunidade mais importante, que era de receber Jesus
no coração e curar a alma. Jesus não desanimou mesmo
sabendo disso. Era importante dar oportunidade, não só
de matar a fome do corpo, mas, por meio dela, matar a
fome da alma.

Nós também somos chamados para a realização de


uma obra completa. Não podemos desistir, mas temos de
ACAO SOCIAL NO Novo TESTAMENTO 67
ter como objetivo matar a fome da alma. Não podemos
nos acomodar à idéia de sermos procurados pela comida
que perece. A missão deve ser completa e corajosamente
assumida. As formas que Deus coloca diante de nós devem
ser assimiladas com consciência social e cristã, mas isto
não é tão claro na mente que está sofrendo limitações de
suprimento para o físico. A fome cega a razão.

É maravilhoso quando nos percebemos capazes. A


auto-realização passa pela satisfação de produzir. Somos
essencialmente criativos, e este valor encontrado no ho-
mem é dádiva de Deus. O exercício destes valores, como
todos os demais referenciados com o comportamento do
homem diante da vontade de Deus, estão contidos na
Bíblia Sagrada.

A disposição do homem para o trabalho é algo que nas-


ce da sua estrutura e da sua formação. Ela não é um valor de
alguns, mas todos estamos equipados com a necessidade de
desenvolver algum trabalho para sobreviver. É importante,
entretanto, que entendamos como "trabalho" a movimenta-
ção e interferência do homem com o objetivo de modificar
as coisas. Esta ação modificadora tem a ver com o caráter,
com a consciência ética e com a percepção espiritual.

O que Deus propõe ao ser humano é ação transfor-


madora para cobrir a sua nudez, agasalhá-lo e nutri-lo.

O homem estará tão mais à vontade na sociedade


quanto maior for a sua satisfação com o seu auto-sustento.
Esta idéia é conhecida informalmente como "independên-
cia". O ser humano adulto tem necessidade de auto-sus-
68 AçAo SOCIAL

tentar-se. Ser independente não é fazer o que quiser à hora


que desejar; muito pelo contrário, é saber discernir o que
convém e o que não convém fazer, tendo como referencial
uma fonte fidedigna que seja capaz de aparar os impulsos,
orientando a razão e a conveniência. A Bíblia é esta fonte
fidedigna que sugere sempre e para todo momento a atitu-
de razoável e conveniente. A desobediência a ela é a raiz
que alimenta a árvore do mal que pode se tornar frondosa,
mas infrutífera e que pode florescer, mas não será nunca
prenúncio de fartura de frutos para saciar a fome.

Quando a aproximação a Deus acontece, a fome vai


embora. Deus não quer ouvinte de corpo malnutrido. É
possível chegar perto de Jesus com fome, mas sair é im-
possível. Jesus inclui no seu amor assistencial o suprimento
das necessidades físicas, como nos relata o texto bíblico:

Mas o dia começava a declinar. Então se aproximaram


os doze e disseram: Despede a multidão para que indo
às aldeias e campos circunvizinhos se hospedem e achem
alimento; pois estamos aqui em lugar deserto. Ele porém
lhes disse : Dai-lhes vós mesmos de comer. Responderam
eles: Não temos mais que cinco pães e dois peixes, salvo
se nós mesmos formos comprar comida para todo povo.
Porque estavam ali cerca de cinco mil homens. Então
disse aos seus discípulos: fazei-os sentar-se em grupos
de cinqüenta. Eles atenderam, acomodando a todos. E
tomando os cinco pães e os dois peixes , erguendo os olhos
para os céu, os abençoou, partiu e deu aos seus discípulos
para que distribuíssem entre o povo. Todos comeram e
se fartaram; e dos pedaços que ainda sobejaram foram
recolhidos doze cestos (Lucas 9.12-17).
AÇÃO SOCIAL NO Novo TESTAMENTO 69

Não era possível saciar a fome de tantos com tão


pouco, é a conclusão do raciocino lógico. Mas Deus não
nos supre conforme as nossas expectativas lógicas. Não há
para Deus impossibilidades; só para o homem. Observe-
mos que a multidão não estava presenciando movimenta-
ção de exposição de grande quantidade de alimento, mas
ainda assim foi obediente, aceitou dividir-se em grupos de
cinqüenta e acomodou-se ordeiramente para serem ser-
vidos. Certamente havia muita fome; mas havia também
confiança. Sem a confiança e obediência não era possível
completar a vontade de suprir o povo.

Apesar da necessidade natural o homem não está


imune aos imprevistos, nem sempre de origem pessoal
que poderão causar constrangimentos em relação à falta
de suprimentos básicos. Neste caso ele precisará de ajuda
para fazer a sua vida voltar à normalidade. Ninguém con-
segue iniciar ou recomeçar qualquer coisa sem que lhe seja
dada oportunidade. As surpresas e os bloqueios não têm
uma única fonte. A dificuldade de conseguir completar o
objetivo pode ser uma bela resposta de Deus. Ele pode
estar dizendo que não é aquele o caminho que ele deseja,
mas com toda a certeza ele terá uma alternativa melhor
e mais adequada.

Ajustar-se ao caminho de Deus, superar a fome para


esperar o próprio entendimento e perceber o que Deus
quer é tarefa quase insuperável para quem está com fome.
Saciar a fome para abrir espaço na emoção, para sossegar
e dar ouvidos a palavras é um grande desafio. Uma vez
saciado, o desejo de ir embora aparece e só a próxima fome
poderá trazê-lo de volta. A difícil arte de ajudar muitas
70 AçÃo SOCIAL

vezes implica repetir, e repetir com paciência, os mesmos


atos de servir até demolir a resistência da propensão à
dependência. Mas é preciso cuidado para não se tornar
uma rotina e denegrir o caráter alheio. O meio-termo é
uma boa sugestão: não dar muito nem demasiadas vezes,
para não dificultar ainda mais a ação desta difícil arte de
ajudar.

Ação social aplicada por Jesus não deixa dúvida de


que ninguém pode nem deve fazer nada para o outro se
ele não quiser, porque a ação não será valorizada. O pró-
prio não conseguirá contribuir com a sua parte: querer
ser ajudado.
Capítulo Sete

Quando a
Vida Profissional
Sofre um Retrocesso
Durante um bom período a indústria
era um contexto que tendia para o artesanal,
ou seja, o bom e habilidoso profissional era
o mais prestigiado. A máquina ajudava
na operação, mas o maior mérito era da
aptidão do profissional, que normalmen-
te era escolhido "a dedo". A diferença
é que o mundo industrializado de hoje
concentra a sua fonte de produtividade
nos equipamentos modernos que exigem
profissionais intelectualmente mais prepa-
rados, exigindo quase nada das suas habilida-
des manuais. As atividades antes desenvolvidas
uma a uma pelas mãos passam agora a ser pro-
gramadas pelos computadores que as executam
com exímia regularidade, correção e velocidade,
superando a lentidão e irregularidade das mãos.
Esta é uma realidade que a competição industrial
exigiu para atender a grande demanda de consumo,
sobretudo gerada pelo fenômeno da globalização.
72 AÇÃO SOCIAL

A convivência numa indústria no ramo da mecâni-


ca, onde parte da minha vida profissional foi desenvol-
vida, deu-me experiências importantes quando ela era
ainda semi-artesanal. Era uma empresa que se aplicava
a construir máquinas agrícolas. Sua fábrica estava situa-
da numa pequena cidade do interior. No momento era
uma indústria próspera, fonte empregatícia que atraía
bons profissionais das várias partes do país e até do ex-
terior. Chegou entre nós, uma ocasião, um profissional
admitido como operário. Ele era de comportamento
diferente dos demais: extremamente criterioso no que
fazia, nunca deixava qualquer dúvida quanto ao apuro
técnico das suas tarefas. Isto chamava a atenção de
todos nós e provocava alguns comentários do tipo: "ele
não pode ser um simples mecânico, mas deve ter outras
especializações". Tais comentários eram mais intensos
ao fim de cada tarefa realizada por ele com primorosa
perfeição e competência. Quase sempre, tais comentá-
rios ocorriam entre os que observavam mais atentamen-
te os seus trabalhos. Mesmo diante destes fatos, ele não
se deixava abalar, até que tudo foi esclarecido: tratava-se
de um engenheiro que por motivos desconhecidos teve
uma grande queda profissional e social na vida, e agora
precisava de uma nova oportunidade para recomeçar.

Ele não perdeu a chance, abraçou-a, readquiriu


autoconfiança, submeteu-se àquele reinicio doloroso.
Depois de algum tempo, de fôlego renovado, se candi-
datou a outro emprego, desta vez, enquadrado nas suas
especificações profissionais. Introduziu-se de novo no
mercado de trabalho e foi vencedor. Tudo que soube-
mos sobre ele era positivo e coerente com a conduta
demonstrada entre nós.
QUANDO A VIDA PROFISSIONAL SOFRE UM RETROCESSO 73
Os que tinham a felicidade de revê-lo relatavam o
encontro com entusiasmo e a costumeira admiração. Aju-
dar-se é tão importante quanto ser ajudado, ou mais.

Não é difícil entender que o ser quando se torna neu-


tralizado pela dependência já se distanciou de si mesmo,
dos sonhos e dos seus objetivos. As decepções acumuladas
ofereceram a ele um outro referencial simbólico para o
foco da sua visão (cf. GOLEMAN, p. 224)1.

A ajuda ao necessitado tem de passar pelo empenho


próprio além da disposição de aproveitar as oportunidades
para voltar a ser um vencedor. Ninguém se torna vencedor
sem que por sua vontade busque ser; o empenho pessoal
é fundamental para o que se pode chamar de "virada de
situação".

Um chefe de família, seja homem ou mulher, que


perde o seu emprego pode se tornar alvo da ação social
enquanto não consegue uma nova colocação. A partir daí,
a ajuda atinge outro patamar. É preciso ajudá-lo a reas-
sumir os seus compromissos. Isto é uma demonstração
de respeito que se deve à pessoa que temporariamente
depende de ajuda. Além disso, a retomada do crescimento
pessoal o incentivará a ir em busca de novas conquistas.
Nada melhor que uma vitória para incentivar a conquista
de outra. É bem verdade que a ação social deve se ocupar
em dar condição para que a pessoa volte a refletir. Este
aspecto diz respeito à educação. Ele deve ser convidado a

1 GOLEMAN, Daniel.PhD. Inteligência Emocional. Trad. Marcos


Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 83' ed.
74 AçÃo Socam

reeducar-se, deve ser submetido ao processo educacional


didaticamente adequado de tal forma que o leve a compro-
meter-se com si mesmo. Como afirma Paulo Freire: "De
fato ao aproximarmos da natureza do ser que é capaz de
se comprometer, estaremos nos aproximando da essência
do ato comprometido. A primeira condição para que um
ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz
de agir e refletir".2

Quase sempre a mente avariada por um lapso de


tempo por ter recebido informações originadas das ex-
periências que contrariaram as suas expectativas termina
criando novo banco de dados que substitui os anteriores,
cheios de sonhos, caminhos das realizações. Diante disto
os símbolos que orientavam a sua visão foram substituídos
por outros, na maioria das vezes, derrotistas. Ele passa a
enxergar como solução o símbolo da ajuda. O centro das
suas atenções passa a focar a ajuda mais eficiente como
solução dos seus problemas e não mais o fruto do seu
trabalho e o sucesso das suas iniciativas. A produção e
o exercício das suas aptidões, símbolos essenciais para a
preservação da auto-estima e autovalorização, saem de
cena. Como quem está em posição adversa ao sucesso,
andando na contramão das vitórias, tenta se convencer que
é um perdedor. Sem dúvida é neste ponto que a pessoa
precisa de ajuda. Ajudá-la a não acreditar nesta afirmativa
cruel significa disponibilizar meios para que ela readquira
autoconfiança, melhore a sua auto-estima e volte a con-
quistar vitórias. É preciso lembrar que este retorno é feito

2 FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


1993, p. 16
QUANDO A VIDA PROFISSIONAL SOFRE UM RETROCESSO 75

em "doses homeopáticas" em alguns casos, ou seja, de


pequenas, mas significativas vitórias.

É ainda neste aspecto que voltamos a falar em educa-


ção. Pensamos na aplicação da teoria da Zona de Desen-
volvimento Proximal de Vygotsky3 como necessária para a
compreensão do universo sentimental do outro. Por "Zona
de Desenvolvimento Proximal", ele se refere à aproximação
máxima possível do professor da zona onde se encontra o
bloqueio da cognição do aluno. É necessário entender em
cada caso qual é a intensidade ou profundidade da perda da
consciência dos reais valores da pessoa e quanto ela precisa
reaprender a se ver como ser capaz de auto-sustententar-se:
"Portanto, o desenvolvimento pleno do ser humano depende
do aprendizado que realiza num determinado grupo cultural.
Na criança, tal processo é de desenvolvimento, no adulto é
a retomada do processo de desenvolvimento, mas tanto em
um como em outro caso há necessidade de aproximação nos
moldes Vygotskyanos para alcançar o devido sucesso".

Não podemos deixar de afirmar mais uma vez que


não surte nenhum efeito ajudar a quem não quer. Oferecer
oportunidade a quem não está disposto a aproveitá-la é
queimar energia sem finalidade.

Mas o que pode ser definido como recusa definitiva a


ponto de merecer desistência de ajudar? Afirmamos ante-
riormente que todas as pessoas têm valores e que muitas
vezes esses valores estão escondidos. Não contrariamos

3 REGO, Tereza Cristina. Vygotsky. Uma Perspectiva Histórico-Cultural


da Educação. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 71
76 AçAo SOCIAL

isto, mas admitimos que a formação de algumas pessoas


precisa ser frontalmente contrariada para permitir que elas
entrem na batalha da superação. Não é tarefa fácil cons-
truir ou agregar valores novos à formação, de tal maneira
que se ajustem, ainda que parcialmente, a outros valores
já existentes.

Assim é que há pessoas que não aprenderam a ter


vitórias, pois o que são e o que têm não lhes custou es-
forço, e tudo na sua vida foi relativamente natural e até
óbvio. Mesmo as eventuais crises teriam sido contornadas
sem que elas mesmas as enfrentassem com seus próprios
recursos. Toda esta inoperância bloqueia oportunidades de
adquirir experiências e aprender a superar dificuldades.

Conheci na minha juventude um rapaz pertencente


a uma família muito rica. Era uma das mais ricas da ci-
dade, dona de uma das maiores indústrias do local. Eles
mantinham o status familiar e faziam questão de demons-
trá-lo. O tal rapaz, depois dos cursos de base, chegou até
ao segundo grau e daí em diante vivia de mostrar-se à
sociedade com boas roupas, dinheiro no bolso e amigos
escolhidos a dedo por ele próprio, se bem que sofria a
censura dos pais, mas de nada adiantava. A correção dos
pais era mera "bronca de rotina", não tinha efeito práti-
co. Eram seus amigos somente aqueles que caíssem nas
suas graças. Esses podiam ostentar o título de amigos do
Dirceu. Certamente eu não era um deles, mas os via de
perto e observava sua vida ociosa sem muito interesse. A
minha indiferença era necessária porque não adiantaria
nada ser ao contrário. Alguns amigos meus, uns dois, fa-
ziam parte do grupo dele. Quando eles estavam juntos
QUANDO A VIDA PROFISSIONAL SOFRE UM RETROCESSO 77

eu os observava. Quando não estavam, ouvia as histórias


fantásticas do consórcio de peraltas. Muitas vezes agradeci
aos céus por não ser daquela roda. O negócio era feio e o
meu pai não pouparia. Tinha verdadeiro pavor de magoar
voluntariamente meu pai.

Depois de já ter feito muita coisa para desagradar


seus pais, ele, talvez cansado das travessuras triviais, resol-
veu aprontar uma que pudesse ser mais duradoura, afinal
já tinha os seus dezenove anos, e era hora de profissiona-
lizar-se naquilo que fora sua atividade principal durante
toda a vida: contrariar. O que mais apavorava os seus pais
era o filho resolver passear na fábrica e ficar mexendo
com as funcionárias. Eram meninas pobres de famílias
humildes que, algumas, é claro, consideravam o máximo
namorar o filho do patrão e sonhar em ser no futuro a nora
dele e sentar-se à grande mesa de jantar com a família,
ainda que sob os olhares indiferentes de todos. Este era o
pensamento de algumas que terminavam sempre com um
profundo suspiro e ar de felicidade. Dirceu sabia disso e
pelo seu olhar e semblante de satisfação até se divertia,
suponho.

Não deu outra. Ele resolveu casar-se com uma delas.


Os protestos estridentes dos familiares eram ouvidos atra-
vés do humor estampado em suas faces, gestos bruscos
e poucas palavras; nem sequer cumprimentavam os mais
chegados, como era hábito fazer, principalmente quan-
do percebiam que o assunto estava sendo comentado. O
público não perdoa! As mazelas vêm à tona muito mais
rápido que as boas notícias. Ninguém ousava intervir, mas
todos comentavam bastante.
78 AÇÃO SOCIAL

As coisas caminharam deixando para trás um rastro


de arranhões nas esperanças do futuro do garoto criado
com carinho e com tanta liberdade. O mais doloroso, di-
ziam, é que ele era um dos herdeiros mais significativos.
Poderia ter escolhido caminho melhor, comentavam fe-
chando o assunto sem dar detalhes que justificassem as
últimas palavras. Tudo foi acontecendo até que o casório
saiu. O pai, em represália, deu a ele um automóvel de
presente, emplacado para praça, comprou-lhe uma casa
pequena num bairro humilde, realizou o seu casamento
e o mandou enfrentar o seu desafio, criar e sustentar sua
família. Praticamente o eliminou da lista de herdeiros.
Estranhamente não houve resistência, o casal seguiu seu
caminho. Anos depois, já com filhos, Dirceu já tinha se
adaptado e cuidava bem dos seus dois filhos e continuava
morando em sua casa modesta. Por força do desafio assu-
mido ele precisou agregar valores novos à sua formação.
Novos valores recheados de renúncias. Não está em jogo
aqui, e nem é para estar, fazer sugestões ou comparações.
Não existem pessoas, escolhas e soluções iguais. Tudo é
relativo e, quando muito, semelhante. Os exemplos podem
e às vezes devem ser seguidos, mas o motivo não pode
ser o resultado, porque duas atitudes iguais poderão ter
futuros diferentes e até em nada parecidos. Nem todas as
pessoas conseguem esta verdadeira façanha. A ação social
nesse caso ficou por conta do primeiro impulso dado por
seu pai. O primeiro degrau da escada foi construído para
que Dirceu pudesse sair do nível comum e enxergar um
pouco mais longe.

A ação social tem primariamente esta finalidade: ofe-


recer a oportunidade de sair do nível comum e estender o
QUANDO A VIDA PROFISSIONAL SOFRE UM RETROCESSO 79

olhar para ver outras possibilidades, enxergar mais longe e


movimentar-se com objetivo. Isto não é simples, depende
da disposição e da capacidade de renúncia, da disposição
de buscar conquistas e colecionar as primeiras vitórias.
Elas serão os próximos degraus rumo a outras tantas que
a vida tem separado e que Deus quer ver cada ser humano
buscar.

Dirceu tinha duas possibilidades: entender aquele


momento da sua vida como um retrocesso ou transformá-
lo num sucesso. Não existe vitória maior ou menor, assim
como não existe sucesso maior ou menor: o que existe é
vitória e sucesso. O tamanho fica por conta do valor que
cada um dá ao que consegue alcançar com o recurso que
tem nas mãos. Não devemos colocar em relação a outro a
nossa vitória. A satisfação das pessoas tem referenciais que
não é possível compartilhar, com diz Espinosa: "Além da
Alegria e o desejo, que são paixões, há outras afecções de
alegria e de desejo que se referem a nós, enquanto agimos
(somos ativos)"4 .

A alma se satisfaz com aquilo que ela consegue com-


preender, com as idéias que fazem sentido para ela. As
razões da alma só têm lógica para ela mesma. A experi-
ência de conhecer os desejos da alma não tem referen-
ciais externos. Não é possível dizer no campo emocional
o que a satisfará. O ser humano tem e terá sempre desejos
escondidos que nem ele, com muito esforço, conseguirá
revelar, porque são íntimos demais. A realização pessoal

4 ESPINOSA. Da Origem e da Natureza das afecções. Abril Cultural,


p. 218
80 AçÃo SocIAL

tem a sua origem no lugar escondido, onde residem coisas


íntimas demais. Do lado de fora só é possível imaginar
possibilidades.

Quando a vida sofre um retrocesso social a sensação


é de exclusão. Obviamente haverá reações por parte da
pessoa ameaçada de exclusão, tentando se manter onde
estava, mas há uma contraforça imposta pelas circunstân-
cias que insiste em denunciar que o lugar onde a vida o
mantinha foi ocupado por outro, talvez por uma distração
ou porque a pessoa se levantou para buscar outro lugar
melhor e terminou em pé, sem lugar para se acomodar.
A reconquista faz parte da série de atitudes arrojadas e
da busca de recuperação da autoconfiança para liberar os
valores que permitam reconquista.

O agente da ação social precisa ser capacitado para


entrar nesse universo desafiado por entender o sentimento
do outro. É impossível alcançar a plenitude desse pro-
pósito, mas é um desafio que a função e o ministério da
ação social exigem. É difícil, mas possível, se aproximar o
máximo, quanto maior for a dependência de Deus.

A difícil arte da ação social não é só desafio, mas é


também serviço prestado a Deus para ajudar a manter a
harmonia emocional e social de que todos precisamos.
Capítulo Oito

Ação Social Faz Crescer

As experiências que Deus permite que


vivamos são esclarecedoras para determi-
nadas situações da vida que poderiam ser
consideradas inusitadas não fora o pró-
prio Deus conduzindo os fatos.

Lembra o autor de um momento


muito desafiador da sua vida quando
resolveu experimentar ganhar a vida em
São Paulo. Naquele momento morava
com sua família em cidade interiorana de
Minas Gerais. Tinha esposa e filhos e que-
ria preparar um futuro melhor para eles. Era
meio obcecado com esta idéia. Uma coisa era
admirável — não tinha medo. Por outro lado, a
inexperiência, como é comum, levava-o para situ-
ações de risco que preferia sempre passar sozinho.
Achava que estava livrando os seus do sofrimento;
puro engano, porque não há nada que faça sofrer
mais que ausência e a decisão de não comparti-
82 AÇÃO SOCIAL

lhar os momentos de desafios. Isso os privava de adquirir


experiências, além de abstê-los do mais interessante: par-
ticipar ativamente das lutas e das vitórias. Isto significava
sofrimentos contidos pelo silêncio da ausência.

Lá foi ele para são Paulo tentar um bom emprego e


um futuro promissor para sua família. Em lá chegando
começou a procurar acomodar-se. A princípio achou que
seria muito fácil, afinal era um bom torneiro mecânico e
se orgulhava de ter algum conhecimento de sistema de
automatização industrial na área de operação e de manu-
tenção — um bom currículo. Estava confiante, mas os dias
foram passando e nada aconteceu, nenhum emprego. Era
a situação inesperada tomando forma e crescendo amea-
çadoramente. Com o dinheiro minguando, sem condição
de pagar um lugar para dormir e para se alimentar, além
de amargar o frio de Santo Amaro, onde foi parar, no
auge daquele sofrimento, e já por alguns dias comendo
o mínimo para manter um pouco mais o sustento, se viu
literalmente na rua. Foi aí que Deus o socorreu com um
lugar para ficar. Encontrou uma pensão de uma senhora
chamada D. Ruth. Contou a ela o seu drama e ouviu o
seguinte: — Você pode dormir num quarto que tem lá nos
fundos. Mas não tem porta! Melhor do que nada, pensou
com um leve sorriso, que se nutrido seria uma bela gar-
galhada de satisfação. Prontamente, caminhou para lá,
limpou o ambiente como pôde, porque não tinha vassoura,
e olhou as instalações sanitárias que deveria dividir com o
público. Encontrou um estrado sem colchão. Conseguiu
com o jornaleiro instalado à frente do estabelecimento da
dona Ruth um bocado de jornal, e estava pronta a cama.
Pronto! Se chovesse não se molharia mais.
AÇÃO SOCIAL FAZ CRESCER 83

Pegou o dinheiro que sobrou, contou e calculou que


durante três semanas daria para comprar um pão fran-
cês por dia. Restava apenas fazer alguns cálculos. Como
encontrar a melhor hora para alimentar-se e manter-se
sustentado o dia todo. Assim foi. A melhor hora calculada
foi por volta das quatorze: comer o pão e beber bastante
água. Assim a fome voltaria com mais intensidade à noite,
aí era só tomar mais um pouco de água e dormir. Mas coi-
sas inusitadas acontecem sempre e nos mínimos detalhes.
Portanto precisamos aprender a administrar os recursos
que Deus nos dá. As grandes perdas são motivadas por
pequenas distrações. O seu erro era que comprava o pão
para a semana toda, no princípio da semana e julgava que o
guardava bem. Enganou-se. Num dos dias, quando voltava
da maratona da busca de emprego, entrou no quarto e se
jogou na cama para refazer-se um pouco. Quando olhou
para o saquinho de pão encontrou um sócio: tinha um rato
roendo seu pão! Teve um incrível acesso de raiva. Deu tan-
to chute no rato que se suspeita que ele tenha morrido não
com o primeiro chute, mas de susto! Continuou batendo,
a sua vontade era de matar todos os ratos do mundo!

Exausto, sujo foi ao único chuveiro que tinha na parte


externa, lavou-se, lavou também a roupa suja de sangue,
e teve um momento de depressão: lembrou-se da família,
da fartura da sua casa. Teve vontade de chorar, chorar
muito! Mas fez diferente, ajoelhou-se e disse: "Senhor,
se eu fiz alguma coisa terrível aos seus olhos, perdoa-me,
mas não me deixe continuar assim. O Senhor sabe que
estou disposto a fazer qualquer coisa para me manter e
mandar dinheiro para minha família. Senhor, sem trabalho
não quero ficar. Quero ser um vencedor, Senhor! Eu sei
84 AÇÃO SOCIAL

que o Senhor tem um canal de vitórias para mim. Não


quero nada de graça. Quero trabalhar e ser abençoado.
Quero honrar o seu nome. Se esta situação for contribuir
para isto que seja bem-vinda e me fortaleça. Em nome de
Jesus, amém".

No dia seguinte, era dia 7 de setembro, a cidade


estaria em festa, ele não teria o que fazer. Acordou cedo,
pegou o dinheiro e desta vez comprou somente um pão
para aquele dia. Comeu, tomou bastante água e voltou a
dormir. Por volta das oito horas saiu andando, alguma coi-
sa estava lhe dizendo: vai andando, sem questionar nada.
E assim fez. Até que ouviu um hino entoado por uma
congregação. Normalmente, hino entoado por congrega-
ção é diferente: passa pelos ouvidos e vai direto acalentar
a alma. Com o coração aos pulos pensou: descobri uma
igreja, graças a Deus! Saiu quase correndo na direção do
som. Era a Igreja da Assembléia de Deus de Santo Ama-
ro. Era um prédio bonito! Agora, mais perto, os hinos
entoados tornavam-se mais nítidos como veículos capazes
de transportar o sentimento espiritual para o verdadeiro
derramar de alma! Parou em frente. A muito custo conteve
as lágrimas. Talvez pela primeira vez ele tenha percebido
o quanto era maravilhoso entrar na igreja com o objetivo
de mergulhar no amor e nos cuidados de Deus. Percebeu
o quanto é abençoador cultuar a Deus. Que maravilha é
ter liberdade de culto! Encaminhado por um sorridente
obreiro sentou-se quase no último banco. É assim com as
pessoas que chegam pela primeira vez. Por isso é impor-
tante que os membros da igreja deixem livres os últimos
bancos. Igreja lotada, irmãos alegres cheios de desejo de
louvar. Devagarzinho ele foi se envolvendo. Não demo-
AÇÃO SOCIAL FAZ CRESCER 85
rou muito ele também estava tão envolvido que cantava
a plenos pulmões o belo hino "Saudosa Lembrança", com
força vinda bem de dentro do seu coração. Estava tão
envolvido que não notou que um irmão se aproximava e
sorridente cochichou ao seu ouvido: estão chamando o
irmão lá na frente para louvar! Eu? Perguntou ele surpreso
e meio sem jeito, sem entender ao certo o que acontecia,
porque não conhecia ninguém. Mesmo assim não ques-
tionou. Foi. Cantou alegremente e permaneceu lá, morto
de vergonha porque não estava adequadamente vestido.
O seu sapato já tinha esquecido o que era receber graxa
e escova. A camisa amarrotada estava porque não tinha
ferro de passar e muito menos sabão para lavá-la direito.
Foi aí que orou silenciosamente: "Senhor, faça com que as
pessoas não reparem a minha aparência". Para complicar
ainda mais, o cabelo estava muito grande e não penteava
direito. Mas estava muito feliz para recusar o convite.
Tinha combinado com Deus que não se furtaria a fazer a
vontade dele. Não podia falhar na primeira oportunidade
que apareceu, afinal mal tinha acabado de prometer isso
a Deus. Não podia cometer essa imprudência.

Terminado o culto ele ainda estava meio anestesia-


do. Tudo aquilo era sem dúvida um milagre! Foi aí que
percebeu que ainda não tinha conseguido compreender
o amor de Deus manifestado daquela marcante recepti-
vidade. Quando ainda refletia no impacto do desenrolar
das respostas das orações foi que aconteceu a segunda e
grande bênção material. Ele foi colhido de surpresa com
outro convite, que quase o levou ao desmaio. Outro irmão,
tetraplégico, que só podia se movimentar nos braços de
alguém, de voz muito bonita e admiravelmente alegre, o
86 AçÃo Soc IAL

convidou para almoçar! Quase não acreditou. Depois de


aproximadamente um mês e meio ia enfim comer feijão,
arroz, carne. Tudo era inacreditável. Pensou que poderia
estar sendo seu último dia! Era o milagre de Deus, não
tinha a menor chance de recusar.

Comeu pouco, ficou com medo porque sabia que


qualquer excesso poderia ser fatal, pois estava muito fra-
co. Outras coisas se seguiram e representaram a glória
de Deus na sua vida. Deus não permite que passemos
sequer um momento difícil na vida somente por passar.
Ele tem um propósito para tudo que nos acontece. É difícil
entender isto no momento que estamos passando, mas é
exatamente assim para quem confia nele.

O dia seguinte parecia completamente diferente. Algo


estava acontecendo. Com a pequena oferta que recebeu
resolveu procurar um amigo que trabalhava no centro da
cidade, na Rua Libero Badaró, perto Viaduto do Chá.
Estava ávido por notícias. Certamente ele tinha alguma
informação sobre a família e as demais coisas de interesse
que estariam acontecendo por lá, na região de origem.
Chegou lá dividido entre dois sentimentos: primeiro por-
que não estava mais com fome, tinha se alimentado na
véspera, e isto já representava uma novidade e tanto, quase
a volta para vida. Em segundo lugar porque não sabia o
que ouviria dele, e havia muita apreensão.

Em lá chegando, viu-o através do vidro da sua reparti-


ção. Ele prontamente saiu. Eram amigos e ele demonstrou
imensa alegria em vê-lo, mas percebeu preocupação no seu
semblante. Franziu a testa enquanto passava lentamente
AÇÃO SOCIAL FAZ CRESCER 87
as mãos pela cabeça com o olhar fixo nele observando-o
como quem olha por debaixo de um par de óculos. Era
uma mania dele. Não usava óculos, mas era a sua manei-
ra de comportar-se quando queria dizer algo e não sabia
como. Olhou-o nos olhos, como que tomasse uma decisão
repentina e disse: Não tenho boas notícias para você. O
seu pai morreu!

O chão pareceu faltar-lhe sob os pés. Não podia acre-


ditar. Era o extremo do sofrimento para ele, que vinha se
recuperando e reativando a esperança. Parecia que tudo
voltava cruelmente à estaca zero. Os pensamentos se atro-
pelavam na sua mente. Não era possível concluir nada.
Tudo que pensava parecia parar no meio, não concluía
nada, não sabia o que fazer!

Jamais soube descrever o sentimento daquele mo-


mento, dizia ainda emocionado depois de tanto tempo.
Saiu, de repente, correndo sem destino. Foi alcançado
pelo amigo, ofegante e surpreso, ajudado por um guarda a
quem pedira ajuda. Ele só conseguia dizer: "vou pra minha
casa, vou pra minha casa".

Silvio, seu amigo, lhe disse: não precisa correr; ele


morreu há oito dias! Estas palavras já não conseguiam cau-
sar efeito de surpresa ou reação equivalente. A notícia pior
já estava instalada na sua anestesiada emoção. Colocaram-
no num ônibus e ele seguiu até Santo Amaro, para buscar
os poucos pertences. Ao passar em frente à igreja quis
parar. Chorava muito, a dor era imensa, quase irresistível.
Quando isso acontece parece que o corpo desfalecido vai
desabar! Foi encaminhado à rodoviária por muitos irmãos
88 AÇÃO SOCIAL

queridos após ter lanchado e recebido o apoio espiritual e


emocional, já que as lágrimas brotavam também de seus
olhos ao perceberem a sua dor. Em meio a tanta dor o ver-
dadeiro amor cristão era um bálsamo. A atenção daquela
igreja e do seu pastor o envolveu de tal maneira que ele
sentiu-se totalmente apoiado. Eles ofereceram e pagaram
sua passagem de volta. Jamais seria possível esquecer ta-
manho carinho em hora de tanta necessidade. Nunca mais
os viu, mas Deus sabe o tamanho da sua gratidão. Um
dia certamente Deus o levará de volta para rever o local e
quem sabe alguns irmãos daquela época!

A sua fome não foi vã. Deus o estava ensinando a


suportar a dor da privação do sustento, da falta, da perda,
mas o mesmo Deus maravilhoso estava providenciando
para que apesar de fraco fisicamente ele se preparasse
e se fortalecesse espiritualmente para passar por aquele
momento de dor extrema. Deus tem o seu jeito de nos
preservar e preparar. Ele precisou da ação social daquela
igreja. Ela foi um instrumento de Deus, mas ele tinha de
continuar fazendo a sua parte. Precisava sobreviver.

Os dias, meses e anos seguintes foram muito difíceis,


mas Deus lhe ensinou que todos precisam colocar-se a
caminho para ele indicar o destino, como fez com Abraão.
A saudade do seu pai continua grande, mas Deus, o Pai
que não morre, está sempre presente. Ele não podia per-
manecer ali desfrutando do carinho daquela igreja, aceitar
a proposta deles de continuar sustentando-o. Tinha de
reagir, levantar e buscar um caminho como fez Davi. A
ação social se ocupa em apoiar na hora da necessidade,
mas não deve se comprometer a agasalhar quando a pes-
AÇÃO SOCIAL FAZ CRESCER 89

soa necessitada já puder procurar abrigo com os recursos


próprios.

Ação social é uma mola para impulsionar e instigar


a reação humana e não para absorvê-la e digeri-la. É um
tratamento emergencial insubstituível em certos casos.
Precisa ser eficiente e eficaz no momento, no lugar e na
hora certa e pelo prazo necessário também delimitado
pela real necessidade do outro. Mas é importante que o
necessitado receba a dose certa, e não mais. A fragilidade
em que se encontra pode sugerir dependência, e cabe ao
agente não alimentar tal desejo.

Pelo relato percebemos que eles não interferiram


na dor; respeitaram-na, assistiram às lágrimas até que
ele mesmo sentisse o desejo de justificá-las. Ele disse
que as suas lágrimas eram de saudade e não de tristeza
porque o seu pai estava no céu, com certeza. Eles nada
disseram e nem fizeram nada além de assisti-lo. Isto é o
necessário. Deram-lhe alimentação, a passagem — ele não
tinha dinheiro para comprar a passagem para a volta —,
calor humano, presença — alguns irmãos estavam à sua
volta com uniforme de trabalho, outros demonstravam
ter interrompido atividades para estar com ele naqueles
preciosos minutos para ele. O pastor deixou o seu ga-
binete onde certamente tinha outra atividade em anda-
mento. Tudo isto era necessário e possível. Levar a sua
mala, entrar no ônibus e daí para lá deixar Jesus cuidar
e dar-lhe força. Buscar iniciativas para se recuperar era
com ele. Colocaram-no a caminho da sua cidade onde
deveria receber o consolo e compartilhamento com a sua
dor em família.
90 AcAo Soc IAL

É possível que o respeito dispensado à sua dignidade


tenha apoiado a sua reação e tenha evitado outras quedas
que poderiam levá-lo a migrar para caminhos indesejados.
Houve e há sempre a mão e os propósitos de Deus, mas
as pessoas que fazem ação social são as ferramentas que
Deus usa para produzir efeitos satisfatórios para quem pra-
tica este ministério. Elas não podem se sentir salvadoras:
são na realidade instrumentos para fazer por Deus o que
ele faria se estivesse no lugar onde elas estão e produzir
efeitos práticos e reais que estejam dentro dos propósitos
da ação social, esta difícil arte de ajudar.'

1 O relato desse capítulo se refere a episódios vividos pelo autor.


Para melhor exposição e análise dos fatos do ponto de vista pessoal
e levando em consideração a abordagem do livro, o autor preferiu
referir-se ao fato de forma impessoal.
Capítulo Nove

Todos Podem
e Querem Ser Ajudados

Os recursos que a ação social usa po-


dem ser naturais. As pessoas podem fazer
ação social para si mesmas.

Línk era o apelido de um rapaz que,


segundo ele mesmo, teria sido abando-
nado pela família ainda bem pequeno.
Ele não sabia bem contar a sua história.
É possível que com o objetivo de impres-
sionar ele terminasse por criar algumas his-
tórias, na tentativa de explicar-se às pessoas.
Não tinha certidão de nascimento, não saben-
do, portanto, a sua idade certa. Demonstrando
sempre muita lucidez, se gabava de não saber ler,
mas sabia, como poucos, contar dinheiro. Quan-
do perguntado sobre a origem do seu dinheiro, ou
melhor, sobre a forma de ele angariar o seu susten-
to, ele desconversava: "aí, tio, essa não. O senhor
`ta querendo saber demais; a rua ensina que a gente
tem que viver. Como, não interessa".
92 AçÃo SOC IAL,

O seu ponto preferido era na rua, próximo à saída do


nosso trabalho. Ficava sempre bem no centro da cidade.
Aquele garoto me inquietava, sempre tentávamos mostrar
a ele seu real valor e a necessidade de ele ter uma residên-
cia certa, ainda que fosse um abrigo. Ele sempre relutava,
dizendo ser livre da forma como estava vivendo. Ele não
sabia de fato o que significa ser livre. Ele ignorava que
liberdade implica conhecer os limites, saber o que se pode
e o que se deve fazer, conhecer e reconhecer o próprio
espaço e o dos outros. Em nada disso ele acreditava. Era
urgente dar àquele garoto oportunidade de se enxergar
como ser social, antes que a idade adulta chegasse, e com
ela as possíveis e irreversíveis decepções.

Apesar de ser um morador de rua, outra coisa in-


trigava: ele estava sempre limpo e arrumado. Não tinha
semblante de quem passasse fome ou qualquer outro tipo
de privação, a não ser de carinho, valores que só são adqui-
ridos no lar, como, por exemplo, desejo de compartilhar,
confiar e angariar confiança. Ele conhecia a lei da sobre-
vivência, aprendida muito mais com as perdas que com
as vitórias. O seu referencial de vitória e superação era de
aplicar algum tipo de golpe ao curso normal da vida. Ser
vencedor, para ele, era não perder nunca. Na realidade ele
não conhecia os valores, o significado do que seja competir
e muito menos a importância de saborear vitórias alheias,
sentir felicidade com outras conquistas.

Identificávamos muitas coisas que precisavam ser


arrumadas na vida de Link, mas estranhamente, por ser
um garoto morador na rua, sem família, ele tinha valores
dignos de admiração.
TODOS PODEM E QUEREM SER AJUDADOS 93
De repente ele sumiu. Não mais o vi. Passou o tempo
e no decorrer sentia sua ausência, mas como encontrá-
lo? Restava-me torcer para que tudo estivesse bem. Um
belo dia, dois anos depois, mais ou menos, ele reapareceu
inacreditavelmente produzido. Bem vestido, cabelos corta-
dos, roupas modestas, mas melhores que as que ele usava
antes, muito limpas e bem passadas, ligeiramente mais
forte, não a ponto de não ser reconhecido. Lá estava ele,
na fila dos que deveriam ser selecionados para fuzileiros
navais. Mais uma vez emudeci diante do que via.

Ele me reconheceu e disse: "aí, tio, vô nessa. Agora o


senhor gostou, né? Pretendo ser um fuzileiro e tomar rumo
na vida". "Claro que gostei", disse. Ele estava buscando
a sua oportunidade. Como ele chegou até ali eu não sei,
mas alguém o ajudou a sair da contramão da felicidade e
da obscura indiferença dos seus valores.

As oportunidades sempre vão surgir. A questão é estar


atento a elas. Este detalhe foge a muitos. O espaço entre a
atenção que deve ser dada, para encontrar a oportunidade,
e encontrá-la de fato é, às vezes, preenchido com a indi-
ferença e a prioridade dada à dependência, à submissão
ou à subserviência, com o objetivo de apenas sobreviver.
A preocupação de aplicar os recursos já anteriormente
adquiridos e a competência disponível são neutralizadas
pelo desânimo, a falta de criatividade e, dependendo da
situação, até pelo preconceito social.

Não soube mais do Link, mas sem dúvida ele dei-


xou um rastro importante na sua trajetória que instiga
a nossa curiosidade e nos induz a concluir que procurar
94 AÇÃO SOCIAL

vitórias e superação é um valor do ser humano. Talvez


alguns precisem ser empurrados, outros ligam sozinhos
seus motores.

Está provado também que os valores que Deus colo-


cou no ser humano não fazem parte do mundo das teorias,
mas é algo prático e real para todos. Dependência, só por
um curto espaço de tempo ou pelo tempo necessário. Nin-
guém deve ousar imaginar que exista ser humano incapaz,
pois isso seria afrontar o próprio Deus.

Soube, recentemente, que um amigo, ex-companhei-


ro de trabalho secular, teria se deslocado do país, com
sua família, para tentar decidir a sua vida financeira. A
princípio me pareceu um belo gesto de bravura e deter-
minação. Aceitei pacificamente na minha emoção e até
desejei que ele voltasse um dia, talvez grisalho, bem-su-
cedido e me desse uma bela carona num carro que eu
jamais compraria. O seu sorriso, ao compartilhar comigo
os seus sonhos, era indescritível. Afinal, ia desbravar o
primeiro mundo.

A palavra desbravar parece um pouco inadequada,


mas competir num ambiente social para o qual não fora
preparado poderia representar uma conquista sem pre-
cedentes, levando em consideração todas as resistências
que encontraria, desde os hábitos simples da vida aqui,
passando pela adaptação social com a família, até os li-
mites que a comunicação imporia com a falta de domínio
pleno da língua. Tudo estava em nome do entusiasmo
contagiado de outros que alcançaram sucesso fazendo
coisas semelhantes.
TODOS PODEM E QUEREM SER AJUDADOS 95
Dias depois, acordado desse sonho, agora pesadelo,
refleti sobre seus valores e fiquei atônito. Isto às vezes
acontece comigo. A "ficha cai" ou "insiro o cartão" dias
depois. Ele foi com toda a sua família. Todos deveriam
trabalhar e muito. Em qualquer coisa, desde que conse-
guissem juntar dinheiro.

Entendi que eles resolveram pagar qualquer preço


pelo conforto que o dinheiro poderia trazer. Será que
traria? E se trouxesse, valeria a pena? Preocupei-me
com a possibilidade de estar se tratando de escravidão
espontânea e coletiva. Esta implosão de valores que
provoca disposição de submeter-se a subserviência na
expectativa de conseguir um punhado de dinheiro seria
legítima?

Acho que entrei num corredor polêmico de reflexão,


mas tenho direito de ter minha posição pessoal e vou ex-
terná-la. Os valores pessoais são tão importantes e forma-
dores de caráter, que nenhum dinheiro paga! Todos preci-
samos dar oportunidade às outras pessoas de conhecerem
os nossos valores, e para isso precisamos nos preocupar
em demonstrá-los de forma ereta. Sem nos preocuparmos
somente com o momento ou com os resultados ou trocas
que venham resolver situações emergenciais. Este momen-
to necessário na vida de quem, como já disse, está cami-
nhando na contramão da felicidade, precisa ser avaliado
como "momento", para não destruir valores pessoais que
venham gerar prejuízos que venham denegrir o seu caráter.
A própria pessoa não consegue se ver com esses valores,
pois tende a transferir os seus valores essenciais para as
suas necessidades. Sendo assim, o que ela faz e como faz
96 AçAo Socou,

não é para ela tão importante. O importante será o que


ela precisa ou o que ela pensa que precisa.

Certamente o meu amigo estava vivendo uma situa-


ção de carência em algum sentido da sua expectativa de
vida. É possível que soluções encontradas naquele mo-
mento tenham sido produzidas por outras experiências
do passado, mas o que não era possível para ele entender
é que tipo de experiências, e o que tais atos projetavam
como conseqüências para o futuro.

A grande realidade é que, se eles encontrassem boas


oportunidades no momento, sairiam para aventuras in-
conseqüentes? Essa seria uma possibilidade. Poderia ou
não acontecer.

Precisamos estar sensíveis às pessoas à nossa volta


que estejam procurando ou necessitando de oportunidade
para reerguerem-se dos embates da vida. Nem sempre elas
têm tanta habilidade. Precisam, às vezes, de profissiona-
lização. Precisamos estar atentos para que tipo de apoio
estas pessoas precisam de fato. Apoiá-las nem sempre co-
meça pela doação de suprimentos, de alimentos e roupas,
de medicamentos ou outro suprimento para o físico, so-
mente. É preciso levar à pessoa a reestruturação emocional
e psicológica na direção da reconquista da auto-estima e,
principalmente, de orientação espiritual. Jesus é o médico
dos médicos, conselheiro dos conselheiros, psicólogo dos
psicólogos e pastor dos pastores. É ele quem supre todas
as necessidades. É preciso levar a pessoa a encontrar-se
com Jesus e receber dele mesmo a resposta para as suas
necessidades. Afinal, o Pai que o criou sabe mais do que
TODOS PODEM E QUEREM SER AJUDADOS 97

ele ou qualquer outra pessoa do que ela precisa. Sem Deus


ninguém vai a lugar nenhum, como se expressa Russel
Shedd: "A graça de Deus pode ser mais bem apreciada pela
expressão concreta do seu amor. O amor é o incentivo,
a graça é a conseqüência prática". Começo e recomeço
realmente eficaz precisa ter como ponto de partida o en-
contro com Jesus, o Filho de Deus, o que intercede entre
cada um de nós e o Pai.

O modelo de amor ensinado por Jesus é o foco da


visão da ação social. Entretanto ele não dispensa o esforço
pessoal, a consciência do dever do homem com ele mes-
mo, e com a sociedade. Ninguém pode pretender viver
numa sociedade sem assumir seus compromissos pessoais
e individuais com ela. É preciso ter consciência de que só
assim ele está cooperando com a sua própria sobrevivência
e mantendo o amor a si mesmo.

Não existe ação social cristã desvinculada da cons-


ciência de que tudo que fazemos é por Jesus e para
ele, assim como não existe ação social que desonre as
pessoas necessitadas, ou não seja produzida com base
nos princípios do compromisso social. Isto também não
existe. Neste compromisso está incluída a consciência
de ajudar a viver, e não sustentar a vida do outro. Isto
equivale a dizer que há possibilidades de seqüelas de
tal forma que devemos incluir, se necessário, a ajuda
de profissionais como psicólogos, médicos, assistentes
sociais, advogados etc., especialistas em dar sustentação

1 SHEDD, Russell P. Fundamentos Bíblicos da Evangelização. Trad.


Antivam Guimarães Mendes. São Paulo: Vida Nova, 1996.
98 AÇÃO SOCIAL

emocional e ajudar no equilíbrio das atitudes. Deus os


capacitou profissionalmente para isto. Entretanto temos
a ressaltar que tais capacitações devam estar compro-
metidas com o Reino de Deus. Todos devemos ser in-
cluídos como parte integrante das providências divinas
na ação social.

Reconstruir é mais difícil do que construir porque


exige humildade e maior empenho pessoal; exige avanço
e releitura de vida. A oportunidade é criada a partir da
vontade e da determinação do necessitado de se permitir
reconstruir a sua própria vida. Caso ele não tenha isto,
terá de ser injetado nele de alguma forma. Ação social
é essenciaímente dar oportunidade, ajudar na forma de
criação de expectativas viáveis e não de manter e privilegiar
a ociosidade.

Todos têm e passam por problemas que às vezes cla-


mam por ajuda para transpô-los. Sempre houve e haverá
necessitados. Sempre houve e haverá quem se sensibilize
e se proponha ajudar, mas decididamente é preciso que
haja compreensão do que seja de fato ajudar. Isto não é
tarefa fácil e simples. Ajudar com responsabilidade requer,
além de amor, capacitação. É cruel a ajuda para preencher
uma lacuna no próprio sentimento. Ajudar é uma atitude
voluntária que pode até iniciar por motivo próprio, mas vai
carecer de orientação e capacitação até que o voluntário
assuma a consciência do que seja servir como voluntário
para esse fim. Ele precisará sempre aprender e reaprender
que ação social é uma arte difícil e que ajudar faz parte
dessa complexidade.
e Significa Ajudar?

O garoto teve sua infância desenvolvida


até aos nove anos numa cidade pequena do
interior de Minas Gerais. Era um ambiente
de maravilhosa convivência com a natu-
reza. As crianças nasciam e cresciam em
ambiente livre, ou seja, em contato com
a natureza, acostumadas com a beleza
natural, gravando em suas mentes cenas
que vão incorporar as suas próprias ex-
pectativas de mundo. Estão sempre se lem-
brando de fatos que saíram da sua presença
como que arrancados bruscamente para dar
lugar a artificialidades, embora atraentes, mas
de menos significado para satisfação. Só mais
tarde, na fase adulta, vivendo em outro lugar, é
possível se dar conta da importante sensação e da
lição de liberdade que se teve naquele tempo.

Um dos motivos do orgulho do garoto, agora


já homem feito, era a imensa casa em que mora-
100 AçAo SOCIAL

va, quase um sítio. Dizia ele que ela tinha características


das construções interioranas: enorme, tinha onze amplos
cômodos, desprovida de luz elétrica. Usava-se lamparina'
para se movimentar dentro de casa. A instalação sanitária
era do lado de fora da casa no sistema rudimentar de fos-
sa. Não tinha água encanada; dispunha de uma cisterna
que supria a família de água para beber, cozinhar e para o
banho de bacia onde era despejada água pré-aquecida em
fogão de lenha. Ao entardecer o alarido das crianças e o
corre-corre na rua, na famosa brincadeira de pique e roda
com cantigas bem brejeiras, embalavam as conversas dos
adultos à porta das casas, iluminados quase sempre pelo
luar que se tornava mais belo e eficaz quando em contraste
com a escuridão intensa do ambiente. Oito horas já era
tarde da noite, todos já cochilavam e já começavam a tomar
as primeiras providências para recolher os filhos, lavar os
pés e ir dormir. Afinal era comum despertar quatro ou cinco
horas da manhã. A vida na roça começa muito cedo.

Apesar de não ter estruturas físicas e sociais sofisti-


cadas, o convívio naquele lugar disponibilizava um tipo de
conforto rústico de não deixar nada a desejar aos mais con-
fortáveis ambientes sociais e moradias urbanas. A saudade
é grande principalmente porque não é possível reviver o
tempo com igual intensidade e significado.

1 Lamparina - Pequena lâmpada/pequeno disco com um pavio no


centro que bóia no azeite produzindo luz fraca (Koogan/Haouaiss. En-
ciclopédia e Dicionário ilustrado. Ed. Delta. Rio de Janeiro. 1993)
Lamparina — Pequena lâmpada que produzia luz de um pavio imer-
so numa porção de querosene depositado na vasilha. Tal pavio era o
contato entre o exterior e o interior da vasilha que quando ascendido
se mantinha abastecido pelo combustível, produzindo luz ambiente.
O QUE SIGNIFICA AJUDAR? 101

Relatando-me um episódio, ele me disse que recor-


dava que uma vez encontrou no arborizado quintal da
sua casa um pássaro caído bem junto à porta do grande
galinheiro. Recolheu aquela pequena ave com o máximo
de carinho e propôs no seu coração tratar dele até que
se recuperasse totalmente. Parecia estar doente. Ele en-
tendia pouco ou quase nada de tratamento de saúde de
aves e animais, mas tinha sensibilidade suficiente para
atender a necessidade do indefeso pássaro. Sua mente
infantil agasalhava a expectativa de fazer dele um amigo
inseparável depois de curado; sonhou até com a possibi-
lidade de ir para a escola com ele pousado docilmente no
seu ombro, demonstrando gratidão e fidelidade àquele
que o ajudara.

Entusiasmado com o seu projeto, providenciou um


ninho e o classificou de excelente, dizendo para si mesmo:
Nem a mãe ou pai dele faria um ninho tão confortável.
Até o escasso algodão que a sua mãe guardava do lado
direito do seu armário sofrera uma significativa baixa em
seu volume. E para não dar muita pista na sua inocente
iniciativa de atender melhor o seu amigo, colocou um pou-
co de capim por cima para dar mais originalidade, além de
ter em quantidade e não produzir nenhuma irritação por
parte de ninguém, o que garantia que estava correto usar.
Estava certo que tudo aquilo não produziria bronca nem
puxão de orelha. Era a melhor maneira de avaliar atitudes
que produziam dúvida!

Incentivado por aquela doce expectativa, empenha-


va-se o máximo para que ele se recuperasse rápido, afinal
ele ficaria conhecido como o garoto que ajudou o pássaro.
102 AcAo Soc IAL

Todas as manhãs quando acordava, saía da cama quase


correndo para ver como estava o seu amigo convalescente.
Constatava a cada dia melhora considerável na saúde da
indefesa ave. Sorria, acariciava-a, trocava a água, punha
alimento e ia cuidar de outros afazeres, principalmente
varrer o quintal. Era a obrigação diária que lhe cabia.

Esta rotina já fazia parte da sua vida tanto quanto ir à


escola ou varrer o quintal no fim da tarde. Mas como tudo que
tem início também tem fim, numa manhã, quando ele chegou
ao ninho, o pássaro não estava mais. A dura realidade estava
diante dos seus olhos. O impacto fez aflorar a sensação de
frustração tão grande que as lágrimas começaram a querer es-
capar dos olhos. Sentou-se num banco de "toco" de árvore que
havia ao lado, segurando o ninho com as duas mãos, olhando
fixamente como querendo se convencer de que a sua visão o
estava enganando. Tudo em vão. Ele se fora mesmo!

O seu amigo não precisava mais de dele; estava re-


cuperado e pronto para sobreviver sozinho. Não era justo
continuar dando aquele trabalho. Certamente, se o pássa-
ro pudesse ou soubesse escrever ou falar, diria ou deixaria
o seguinte bilhete: "Muito obrigado, amigo. Estou curado.
Fui embora para a minha casa, a mata, onde está o meu
povo. Deus me fez para voar livre e sobreviver do meu
próprio esforço. A sua ajuda foi muito valiosa. Sem ela
eu jamais voltaria a voar para junto do meu povo, minha
família e caçar os bichinhos tão saborosos. Não que a sua
comida fosse ruim. Compreenda. É que gosto de pousar
no alto das grandes árvores, tomar água debaixo de uma
relva nas beiras do riacho. Sabe, amigo, até fugir das pes-
soas que gostam de atirar pedras ou chumbinho nas aves
O QUE SIGNIFICA AJUDAR? 103
com o coração batendo, me faz falta. Afinal, superar an-
gústias me dá sensação de vitória. Uma bicada carinhosa
na sua face. Até outro dia, se Deus quiser. Vou para a vida!
Saudades do seu amigo que jamais o esquecerá".

O projeto que o garoto formatara não foi cumprido


até o fim porque estava incluído usufruir dos serviços pres-
tados a quem necessitava dele. O projeto da ação social
não se completa quando alguém espera receber ajuda pelo
serviço prestado. Um dos maiores méritos de quem faz
ação social é desprender-se dessa expectativa, via de regra
frustrante.

Esta lição ensinou que é necessário pensar em ajudar


o outro na direção ou na expectativa de vê-lo alçar vôo
sozinho, sem que necessariamente tenha que pedir per-
missão, pois ela já foi dada por Deus. A natureza segue o
seu curso natural. Em se tratando do ser humano, racional
e socializado, faz-se necessária a aplicação do princípio da
socialização, que é a comunicação. Espera-se que a pessoa
ajudada não se sinta refém do serviço recebido, mas não
seja também imprudente no trato a ponto de não reconhe-
cer que recebera na hora certa o que precisava receber. Isto
é consciência social e respeito ao sentimento e às emoções
do outro. É preciso lembrar que sem alimentação não é
possível raciocinar; mas alimentado, é.

Ensinou também que ajudar é amparar a pessoa nos


momentos de aflição e jamais considerá-la com uma vida
inteira de aflição. Quando estendemos a mão a alguém
não podemos de fato pretender que ele se torne refém das
nossas vontades nem das nossas necessidades.
104 AçÃo SOC IAL.

Ação social é um ato essencialmente de amor e res-


ponsabilidade social. Somos responsáveis uns pelos outros.
O bem-estar do outro é diretamente responsabilidade de
cada um de nós. Mas o êxito do outro não tem a ver com
nenhum tipo de retorno pessoal, a não ser na satisfação
que deve funcionar como mola que impulsione a contribuir
para que todos estejam supridos e prontos para superar
os seus desafios pessoais.

Não incentivamos ninguém a ser ingrato. A gratidão


faz parte do caráter. Mas assim como a ajuda precisa ser
equilibrada, a gratidão também precisará ser. O voluntário
não pode se nutrir, para continuar, da gratidão das pessoas
que foram beneficiadas com o seu trabalho. Ao contrário,
elas podem fazer parte do seu potencial de ânimo para
continuar, sabendo e constatando que valeu a pena. Entre-
tanto torna-se necessário proteger as emoções se manten-
do longe de ser atingido pelas ingratidões a ponto de deixar
encobrir o valor do seu ministério. Lembre que Jesus pediu
a Deus que perdoasse àqueles que estavam sendo ingratos
com ele, crucificando-o. Ele não esqueceu que ingratidão
faz parte da história do ser humano e muitos usam deste
expediente depois de serem servidos. Mas se lembrou da
insanidade que toma conta das atitudes de quem não está
mais com fome. Estes universos coexistem. Analisar e até
aceitar isto quando acontece com outras pessoas é fácil.
O difícil é ter a mesma atitude quando esta realidade bate
à nossa porta. Ajudar é preparar-se para enfrentar essas
crises que invadem o sentimento a cada fim de tarefa. É
uma arte difícil de executar.
Queda:
De Quem É a Culpa?

Quem se sente inferiorizado, comba-


lido socialmente, supostamente sente es-
vaziar as suas últimas gotas de energia.
Embora isto não seja realidade, é a sua
verdade emocional. Esta falsa impres-
são das suas possibilidades leva a tender
a posicionar-se na defensiva. A possi-
bilidade de confiar nas pessoas e em si
mesmo está minada pela quantidade de
"nãos" que a vida lhe impôs.

É desumano para quem está suprido


das necessidades que falta ao outro tentar in-
terpretar as reações deles à luz das suas pró-
prias, porque estão em universos emocionais e
realidades diferentes, ainda que momentanea-
mente. Entretanto não se ajusta ao modelo de
ajuda ideal ver quem vem em busca de ajuda pelo
ângulo que ele deseja ser visto naquele momento,
pois os seus olhos estão fixos em alcançar o que
106 AÇÃO Socam

ele deseja sem passar pela avaliação das possibilidades.


É preciso chamar a sua atenção para outros pontos, que
certamente estão esquecidos pelo desgaste das ocorrências
inusitadas da vida.

Não é bom nem produtivo que ele pense que a sua


carência é culpa das outras pessoas ou de Deus ou da pró-
pria sociedade. Ele precisa admitir a possibilidade da sua
cumplicidade no processo da sua dependência. Ele precisa
de restauração completa: um tratamento que passe pelo
suprimento físico, moral e psicológico. Isto só será possível
com a leitura atenta dos fatos que o cercam, da análise
das possibilidades que estejam disponíveis e do sentido da
ajuda de quem se aproxima estendendo a mão.

Dificilmente o necessitado está psicologicamente


estruturado para fazer essa leitura e entender com exati-
dão o sentido da mão estendida. É preciso ler para ele a
sua real situação de uma forma pausada, intermediando
com alimento físico, emocional, com carinho a partir do
amor de Jesus, até que se sinta forte e apto para pensar
e reagir. Nesta leitura está incluída a capacidade de não
se deixar envolver pelo universo emocional, que via de
regra envolve o discurso do necessitado. É possível que
a maioria das coisas que ele diz esteja sendo amparada
pela necessidade de justificar o seu momento e não pelo
objetivo de relatar ou reconhecer a sua situação. Portanto,
ouvi-lo por completo é importante, mas é preciso capa-
citar-se para enxergar a versão verdadeira e providenciar
somente o que ele precisa. Se houver exagero, até mesmo
de atenção, pode ser muito prejudicial ao processo de
ajuda, podendo levá-lo a caminhar pela estrada do caos
QUEDA: DE QUEM É A CULPA? 107

moral e emocional, aumentando a sua incapacidade para


superar o seu momento.

Além disso, a pessoa necessitada estará mais pronta


para criticar e rechaçar qualquer palavra ou ação que não
ampare as suas expectativas. Os seus ouvidos e as suas
expectativas são de ouvir "sim" para tudo que ele acha
que precisa. Este bloqueio o coloca muito apto a sensibi-
lizar os outros. Ele sempre vai lembrar o dever ético que
a sua compreensão entende como lógica para os outros,
que é a possibilidade de ajudar e dar o que ele acha que
precisa. Mas ele não inclui no seu discurso os critérios
ideais para isso e até as próprias limitações dos outros.
Enfim ele não vê nenhuma dificuldade em ser atendido
como ele quer, mas vê muita facilidade no outro atender
exatamente assim.

Contava-me um senhor, sobre as suas marcantes ex-


periências na área da ação social, um fato vivido em sua
igreja, que terminou como referencial para reflexão do
grupo dedicado a esse ministério.

"D. Regiane era interessante", dizia, "qualquer pessoa


que chegasse perto dela ouviria certamente a sua história
fantástica. A coisa ficou tão corriqueira que as pessoas que
a conheciam já se compadeciam do ouvinte que não tivera
contato com ela antes e educadamente lhe dava atenção.
Certa vez, vi até uma senhora chorando ao ouvi-la. Con-
fesso que fiquei indignado", afirmou! "Desconfiávamos de
que ela não era nem um pouco necessitada como dizia,
muito menos que ficara desamparada ao perder o marido
afogado numa tarde cheia de fatalidades com a família, a
108 AÇÃO SOCIAL

ponto de ela terminar sozinha e desamparada. Pra mim


era tudo fantasia, mas não dava para provar e terminá-
vamos sempre no consenso que deveríamos continuar
ajudando até que aparecesse uma solução clara. A favor
disso, orávamos.

"O tempo passou e com ele uma profunda, conta-


giante e crescente inquietação do Ministério de Ação So-
cial da igreja a ponto de contagiar os demais membros.
Tempos passaram, até que um belo dia chegou à cidade
um rapaz acompanhado de sua simpática família, esposa
e dois filhos. Eles vieram buscá-la. Diziam que ela tinha
deixado a sua casa, onde vivia de forma modesta, mas
digna com o seu esposo. A família preocupada dedicou-se
nesse tempo todo a procurá-la, até que foram informados
de que ela estava ali. Eles sempre moraram juntos numa
cidade do mesmo estado. Tinham feito tudo que podiam
para localizar a fugitiva, até que, por uma obra do aca-
so, segundo eles, ficaram frente a frente com a solução.
Contaram que um dos ouvintes da história da D. Regiane
cruzou o caminho deles e a identificou. A partir daí eles
não tiveram dúvida, programaram a viagem e lá estavam
para esclarecer tudo. É obvio que foi um grande alívio para
todos, mas também uma profunda lição".

D. Regiane criou uma história para comover as pes-


soas e levá-las a cuidar dela sem maiores dificuldades.
Ela era levada pela sua limitação neurológica, e fugiu de
casa. O que há de fato por trás disto só uma avaliação
médica pode dizer. Assessorar-se de quem pode dar pa-
recer em determinados casos vai conduzir as atitudes na
direção certa. Não haverá prejuízos significativos para
QUEDA: DE QUEM É A CULPA? 109
ninguém, porque a iniciativa de avaliar está incluída na
ação social. A realidade precisa ser vista em todas as
dimensões.

D. Regiane não é um fato isolado. A dependência


não tratada e nem auto-explicada gera impotência para
reagir, e conseqüentemente mais dependência, até al-
cançar a destruição total do poder de reação, porque a
pessoa vai, cada vez mais, sugerindo ao seu ego a idéia
de incompetência e disposição para aceitar a frustração
como estilo de vida. Este nível de frustração coloca a
pessoa andando na linha divisória entre o extremo da
passividade e o início da reação agressiva, podendo che-
gar a diversos tipos de violência com si mesma e com os
outros. O amor, que é o elo equilibrador da ação social,
precisa estar presente numa boa dose de razão e equi-
líbrio para surtir o efeito desejado: valorizar o outro em
clima de respeito, equipando-o para se relacionar bem
com si mesmo, que é o ponto de partida para relacionar-
se bem com os outros.

Agora a D. Regiane só terá uma saída: olhar de frente


o seu problema e encarar a solução. As pessoas à sua volta
agora estão equipadas de informações para ler por detrás
das suas palavras e apelos emocionados. Ela não era uma
carente de bens materiais, mas carente de atenção em
alguma área da sua saúde.

Outra corrosão que a dependência gera no caráter


é a da comodidade. Receber as coisas de graça satisfaz a
necessidade, mas não satisfaz a emoção. Alimenta mal o
autoconceito e, é claro, produz baixa auto-estima.
110 AçAo SocIAL

A passividade é solução para todos que neutralizam a


sua capacidade de reação. A questão é que eles se entregam
à solução mais próxima da falência dos seus projetos de vida.
Alguns têm estrutura de reação mais sólida, outros são mais
frágeis e, embora tenham força de trabalho e até capacidade
para competir e arrancar seu sustento, optam por incluir no
seu caminho a nefasta acomodação, a dependência e até a
justificativa para o não-cumprimento dos deveres morais e
sociais. Esta corrosão do caráter deforma o auto-conceito
e planta na mente a semente da queda de valores.

É bom lembrar que as pessoas despreparadas para


o ministério da ação social, e que apóiam este compor-
tamento, podem tornar-se co-incentivadoras da perda do
amor próprio da outra. Muitos agem mais como protetores
que agentes sociais por motivos variados. Um deles é por
se sentirem bem em serem consideradas boazinhas, ocu-
pando papel paternalista. Estas funcionam como "tipóia"
para o braço "são" que se sente doente. Outras se oferecem
para dividir o pouco que têm e terminam se privando, e à
custa de sacrifício pessoal procuram sustentar a falta de
iniciativa do outro, alimentando a sua baixa auto-estima e
terminam sendo um instrumento eficaz na mente incons-
cientemente manipuladora do outro.

O ideal é que não nos afastemos de quem precisa


de ajuda. Estejamos prontos a supri-lo de tudo que ele
precisar de fato naquele momento. Mas enquanto e se
ele realmente precisar.

Por outro lado nem sempre a carência de ajuda é


provocada por atitudes pessoais do necessitado. Um pro-
QUEDA: DE QUEM É A CULPA? 111

blema de contexto, como a crise de desemprego, como já


disse, pode vitimar famílias inteiras, por exemplo. Mas isto
não quer dizer que a iniciativa pessoal não possa mudar a
situação, muito pelo contrário, é ela quem vai determinar
a reação positiva e a recondução da normalidade de se
auto-sustentar.

O especialista em ação social deve ter em mente que


a sua interferência pode ser providencial para disparar o
desejo da volta aos campos de competição pela vida naque-
le que outrora foi e sentiu-se privado, independentemente
das razões que o levaram para fora da arena da luta. Ele
reconhece que o seu trabalho não está desvinculado do
seu compromisso firmado com Deus. Portanto, ele tem
motivos a mais para estar sensibilizado pela necessidade
de assistir o outro.

Ninguém fora das razões que levaram alguém a de-


pender de ajuda é culpado. É possível aceitar que tal cir-
cunstância pode ser uma dura e severa lição a ser apren-
dida. Não é possível para ninguém, além do próprio, diag-
nosticar as causas. O acidente tem sempre uma razão
escondida nos efeitos da ação. Só o autor da ação pode
explicar. Se ele se negar a fazê-lo, ela jamais será entendida
e muito menos resolvida.

Amar o próximo não implica protegê-lo, mas permitir


que ele produza a sua proteção.

Preocupar-se em definir um culpado quando alguém


está em necessidade de ajuda é, e será, prematuro e im-
produtivo.
112 AÇÃO SOCIAL

Constituem fundamentos da ação social na igreja

• O entendimento que as Escrituras Sagradas


apóiam a posição de que o dever do crente de
amar inclui as dimensões sociais, bem como as
espirituais;

• A convicção de que as Escrituras Sagradas ensi-


nam a responsabilidade social de proteger vidas
inocentes e carentes, mas também exorta que o
bem seja feito a todos, mas principalmente aos
domésticos da fé: "Então, enquanto temos tem-
po, façamos bem a todos, mas principalmente aos
domésticos da fé" (Gálatas 6.10);

• A crença em que a ação social desafia os próprios


crentes e a igreja a assumirem e viverem a sua
responsabilidade social, a fim de serem modestos
para a sociedade e serem uma alternativa para o
mundo;

• A compreensão de que a ação social da igreja é


individual, no sentido do crente como pessoa na
comunidade. O sentido de responsabilidade social
inclui os valores da missão cidadã.

A Igreja é dirigida pelo Espírito Santo de Deus e


conectada à vida social. A missão plena da igreja será im-
possível sem espírito de cooperação e atenção para inter-
mediação do conforto social. A dimensão maior do projeto
de ação social a ser executado poderá ser compartilhada
com as necessidades sociais. Não vejo nenhum problema
QUEDA: DE QUEM E A CULPA? 113

em cooperação para esse fim. É evidente que sobrará ne-


cessidade de cuidado quando essa tal cooperação vier de
instituição descomprometida com Cristo. Ela ajudará a
viabilizar o processo, mas é importante que os referenciais
básicos já expostos não sejam perdidos, para que ele não
fique desfigurado diante da realidade que a Bíblia nos
ensina.

A ação social na igreja compreende

- A Ética Social Cristã.

- A responsabilidade Social Cristã.

- O Serviço Social.

A ação social

A ação social, como criadora da consciência e da


responsabilidade social no seio da igreja compreende o
Serviço Social no sentido do conjunto de processos ten-
dentes a reajustar o indivíduo na comunidade, de maneira
a torná-lo útil a si mesmo e aos outros; abrange, ainda, a
Assistência Social, como obras que atendam necessidades
imediatas.

A igreja se propõe, eclesiástica e individualmente,


buscar o bem-estar social tanto dos salvos como dos não-
1 14 AçAo Soc IAL

salvos, e manifesta a sua presença e atuação em todos


os campos que dizem respeito ao homem, suas ações e
carências, sem distinção de etnia, sexo ou qualquer ou-
tra discriminação. Entende, outrossim, que existe relação
estreita entre a evangelização e a responsabilidade social
(como ação social), visto que a proclamação de Jesus Cris-
to, como Senhor e Salvador, acarreta implicações sociais,
pois leva as pessoas a se arrependerem de seus pecados
pessoais e também de pecados sociais e a viverem uma
nova vida, de retidão e paz, numa sociedade que desafia
os valores da vida em Cristo e da comunhão em Cristo.

A ação social da Igreja tem como objetivo suscitar


entre os membros da igreja a consciência de responsabi-
lidade social capaz de tornar a ação social uma realidade
efetiva na prática da igreja e na vida dos crentes indivi-
dualmente.

Um outro objetivo é transformar a sociedade e sua


estrutura por meio de:

• atendimento do "ide" de Jesus a proclamar o


evangelho e da consciência da importância do
testemunho;

• influenciar junto às instituições que são voltadas


para ação social e têm repercussão social;

• participar instruindo e opinando nas reformas das


estruturas necessárias à evolução social, moral e
educacional da população, procurando inserir
sempre o conteúdo ético e espiritual;
QUEDA: DE QUEM É A CULPA? 115
• procurar participar nas causas profundas que
determinam a existência de injustiças sociais e
sofrimentos na vida do cidadão brasileiro;

• ocupar lugar de influência junto aos poderes públi-


cos, em especial o legislativo, como o objetivo de
criar leis e instituições necessárias à consecução
dos objetivos do bem-estar social e da justiça.

A igreja não tem nem deve ter vinculação político-


partidária. Mas ela não deixa de estar inserida no contexto
político (falamos de política e não de politicagem). A igreja
precisa criar uma política de relacionamento social que
não permita a sua introdução em cumplicidades. Afinal
ela é uma instituição que acima de tudo deve se manter
livre. Ela deve ter liberdade para atuar e revogar atuação
quando convier aos interesses bíblicos.

Este foi o procedimento que o Mestre ensinou. Ele


jamais se submeteu aos interesses que não fossem os
de fazer a vontade do Pai. Devemos estar dentro deste
propósito sem permitirmos a menor possibilidade de ne-
gociação. Para a igreja e para o comportamento cristão,
um ponto básico é a não-concessão. Não há possibilidade
de ceder um milímetro quando se tratar dos interesses
do Pai.

O Ministério de Ação Social na igreja deve ser ocu-


pado por pessoas que estejam comprometidas profunda-
mente em fazer o que Jesus faria se estivesse nos seus
lugares. Não é fácil negar-se a si mesmo quando a seta vem
de alguém que foi carinhosamente atendido com amor.
116 AçAo SocIAL

Alguém que tenha sido respeitado e travado até um bom


principio de bom relacionamento e agora é duramente
mal-agradecido. É justamente neste ponto que a ação so-
cial transparece como a difícil arte de ajudar.
Capítulo Doze

Os Discípulos
C ontextualizaram a
Ação Social
Logo após o Pentecoste, os discípulos
já estavam sendo conduzidos unicamente
pelo Espírito Santo, pois estavam cheios
dele: "Todos ficaram cheios do Espíri-
to Santo, e pasmaram a falar em outras
línguas, segundo o Espírito concedia que
falassem" (Atos 2.4).

Este fenômeno, ocorrido somente


naquela oportunidade, mostrou mais uma
vez claramente a disposição de Deus em ca-
pacitar completamente os discípulos para a
missão que viria a seguir. Era o cumprimento da
promessa feita por Jesus: "Eis que envio sobre vós a
promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até
que do alto sejais revestidos de poder" (Lucas 24.49).
Esta disposição de Deus não foi vã porque:

- Em primeiro lugar, os discípulos estavam


com os seus corações abertos para receber o poder
118 AÇÃO SOCIAL

do Espírito Santo. Havia neles consciência de impotência


para realizar a obra sozinhos, isto é, sem estarem cheios
do Espírito Santo. Restavam então duas saídas. Uma era
deixar tudo e voltar às suas atividades anteriores. Outra era
ir em frente e deixar Deus usá-los e pagar o preço por isso.
O Espírito Santo os orientou a seguir a segunda opção.

- Em segundo lugar, a presença e ação do Espírito


Santo criou o ambiente espiritual ideal, gerando o senti-
mento de amor desejado por Deus para todos que aceitam
compartilhar suas vidas com Jesus Cristo e o aceitarem
como Salvador e Senhor das suas vidas. Esta foi a conse-
qüência do ambiente espiritual vivido intensamente pelos
membros da igreja primitiva. A vida íntima com o Espírito
Santo conscientizou a todos das responsabilidades que
cada um tem com a sobrevivência, conforto e felicidade
do outro.

- Em terceiro lugar, é importante prestarmos atenção


no relato de Lucas em Atos dos Apóstolos. Ele se preocupa
em mostrar os critérios da assistência social implantada
na vida da igreja: "E perseveravam na doutrina dos apóstolos
e na comunhão, no partir do pão e nas orações (verso 42).
Observemos que o versículo anterior diz: "Então os que lhe
aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo
naquele dia de quase três mil pessoas" ( verso 41).

A necessidade surgia, e era observada no seio dos


que estavam comprometidos com o senhor Jesus através
do batismo, e diz mais, perseveravam na doutrina dos
apóstolos. Não era qualquer doutrina. Há um compro-
misso doutrinário tão importante quanto o compromisso
OS DISCÍPULOS CONTEXTUALIZARAM A AÇÃO SOCIAL 119

assumido com Cristo quanto ao arrependimento do pe-


cado. A doutrina vai orientar de que maneira o converso
e arrependido vai se conduzir.

Havia também a aproximação do novo convertido.


Ele não ficava desintegrado. Ele procurava estar em comu-
nhão, não só no partir do pão, mas também nas orações.
Outra visão é que eles estavam aptos a participar da Ceia
do Senhor. É importante avaliar, incentivar e levar ao ne-
cessitado a compreensão plena a respeito de Cristo.

"Em cada alma havia temor e muitos prodígios e sinais


eram feitos por intermédio dos apóstolos" (verso 43). Eles
estavam atentos às mensagens dos apóstolos, conhecen-
do e refletindo sobre o que Deus já fizera no passado e o
quanto Deus ainda podia fazer no presente. O ministé-
rio dos apóstolos demonstrava isto. Glórias a Deus pelo
ministério comprometido com Deus e abençoado. Ele é
testemunha viva do que Deus pode fazer nos nossos dias.
"Todos os que creram estavam juntos, e tinham tudo em comum"
(verso 44).

A Bíblia enfatiza que "todos os que creram" estavam


juntos. Havia compromisso e persistência. Não era uma fé
passageira. Não havia, em nenhum, qualquer possibilidade
de demonstração de exploração ou de aproveitamento da
situação. Isto não seria uma atitude que Deus aprova-
ria. Certamente Deus cobraria se os apóstolos, cheios do
Espírito Santo, ensinados por ele, não tivessem discerni-
mento nem critério de justiça na administração do Reino
de Deus aqui na terra e se deixassem enganar. Os que
estavam juntos tinham tudo em comum. Este "ter tudo
120 AÇÃO Soc IAL

em comum" inclui sinceridade, verdade, posse do Espírito


Santo e comunhão.

"Vendiam suas propriedades e bens, distribuindo o pro-


duto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade"
(verso 45). A venda das propriedades era decorrência da
comunhão pelos fortes laços gerados pela consciência
cristã e companheirismo existentes entre a comunida-
de cristã judaica. Tudo era criteriosamente feito. Não
havia distorções, como abuso de alguém ou interesses
escusos de outros, mas isto não quer dizer que no fu-
turo fosse possível manter os critérios iniciais. Nota-se
que o aumento de pessoas em todo contexto social terá
como conseqüência a multiplicação de problemas e criará
complexidades que vão exigir reestruturas. Com eles não
foi diferente: "Ora naqueles dias multiplicando-se o número
de discípulos, houve murmuração dos helenistas contra os
hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na
distribuição diária" (Atos 6.1).

Duas coisas importantes precisam ser ditas. Em pri-


meiro lugar, começou a haver disputas e reclamações. O
sentido da alegria e da comunhão começava a ser amea-
çado com fatos em cuja presença a orientação do Espíri-
to Santo não ocupava a centralidade. Em segundo lugar,
tais problemas envolveriam diretamente os apóstolos e,
portanto, ameaçavam a autoridade para pregar a Palavra.
Eles, então, ungidos pelo Espírito Santo, intervieram na
distribuição. Saíram da frente da administração que até
aí era deles e deram prioridade ao ministério da Palavra:
"Então os doze convocaram a comunidade dos discípulos e
disseram: não é razoável que nós abandonemos a palavra de
OS DISCIPULOS CONTEXTUALIZARAM A AÇÃO SOCIAL 121
Deus para servir as mesas. Mas irmãos, escolhei dentre vós sete
homens de boa reputação, cheios do Espírito e sabedoria, aos
quais encarreguemos esse serviço" (Atos 6.2,3).

Pode-se admitir que uma obra que tenha tudo para


ser uma bênção deixe de ser, se não tiver a orientação
segura e obediência ao Espírito Santo. O serviço social
cristão tem de estar atento e conectado ao espírito de
Deus. Temos de admitir que a ação social envolve interes-
ses materiais e particulares significativos na administração
abrangente do Reino de Deus. A questão é que o atendi-
mento ao clamor da fome ou de outra necessidade material
é classificado pelo incrédulo como caridade obrigatória do
povo de Deus. Embora isto não seja realidade, é a verdade
deles. Nesse aspecto eles precisam ser assistidos também.
Jesus orientou a esse respeito: "Trabalhai não pela comida
que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual
o filho do homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou
com o seu selo" (João 6.27).

Este clamor imediatista e incitado pela necessidade


física deve ser compreendido, mas não priorizado em detri-
mento da realidade do exercício da ação social e cidadã, e
muito menos em detrimento da propagação da mensagem
salvadora e redentora de Jesus. Reafirmamos que ação so-
cial é um ministério de evangelização. Não podemos nos
equiparar nem buscar como exemplo as falsas doutrinas
de salvação que querem fazer ereticamente da caridade
um meio de salvar. Mas precisamos vê-la à luz da realidade
espiritual do necessitado. Sem esse olhar, será impossível
fazer uma leitura que seja produtiva no equacionamen-
to e atendimento do problema de cada um: "Diariamente
122 AÇÃO SOCIAL

perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em


casa, e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de
coração" (verso 46).

Os novos convertidos permaneciam unânimes no


templo. Havia compromisso de presença e de freqüência.
Havia também compromisso de assistirem-se mutuamen-
te, de casa em casa. Todas estas ocorrências aconteciam
com singeleza de coração, isto é, não por obrigação ou por
sacrifício, mas com prazer: "Louvando a Deus e contando
com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescenta-
va-lhes, o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos" (Atos
2.42).

A alegria deles não era uma manifestação emocio-


nal pura e simples, mas demonstrava gratidão a Deus.
Louvar a Deus e cantar é uma das formas humanas mais
freqüentes de exteriorização da satisfação espiritual. Não
é conseqüência de estômago satisfeito ou de expectativa
alcançada, mas de alma feliz e saciada pela presença do
Espírito Santo.

A ação social desejada por Deus é feita com compro-


misso de zelar por aqueles que deixam o pecado e se filiam
com sinceridade e pureza de alma ao Reino de Deus atra-
vés da confissão dos seus pecados e da promessa e prática
de nova vida de comunhão, cheia do Espírito Santo.

Tais alvos são prioridades que devem ser aplicadas na


prática do Ministério Social da igreja e da vida dos crentes
hoje. A piedade deve ser exercitada cada vez mais. Esse é
o tempo em que precisamos diminuir espaços para o indi-
OS DISCÍPULOS CONTEXTUALIZARAM A AçÃo SOCIAL 123

vidualismo no ambiente cristão. O contexto social secular


vive a crise do isolamento. O homem está cada vez mais só
com os seus problemas. A insensibilidade não só coman-
da as atitudes como também é aconselhada como forma
de defesa do contexto de violência em que vivemos. Isto
faz com que surja a tendência do isolamento das igrejas,
fazendo com que elas fiquem ausentes das questões que
só serão resolvidas com a sua interferência. Estarmos en-
volvidos com implantação de novos projetos que fluam na
direção de salvação de almas e de possibilidade de assistên-
cia àqueles que estão excluídos do mínimo que precisam,
é missão da igreja e de cada crente comprometido com o
dever cristão. Respirar e percorrer os caminhos da ação
social cristã justa e racional deve ser muito mais que uma
aspiração ou atitude cidadã. Deve ser um compromisso
ético; e acima de tudo cristão.
Capítulo Treze

O Incrível Mendigo que


se Impôs

Queria muito dizer o seu nome, dar


referências pessoais, pormenorizar infor-
mações sobre ele, mas é justamente esta
a dificuldade: ele chegou e saiu sem
deixar pistas! Sendo assim, vamos cha-
má-lo de Oscar, embora a nossa mente
insista em querer dar-lhe outro nome,
mesmo depois que a sua identidade
foi confirmada. Não era parecido com
o seu nome, e ele mesmo dizia que não
gostava de ser chamado por ele. Mas como
nada lhe era importante, podíamos chamá-lo
como quiséssemos, dizia meio entre os den-
tes enquanto nos desferia o seu olhar maroto!
Então, para mim, é Oscar e pronto!

Com gestos decisivos que demonstravam


que estavam esgotadas as argumentações sobre
aquela vazia polêmica sobre o nome, começamos
a viagem fantástica do nosso relacionamento.
126 AçÃo SOCIAL

Era uma manhã meio chuvosa, daquelas em que seria


bom não sair de casa. Permanecer lá com um bom livro
na mão depois de um café regado a guloseimas caseiras,
não excluindo o pão de queijo! Lutei muito para ficar na
cama, não levantar-me. Mas para quem já se habituou a
movimentar-se anos a fio todos os dias independentemen-
te do tempo, ficar na cama acordado vira sacrifício. Mas
não desisto de tentar aprender, pois sei que isto, além de
necessário, me fará bem.

Saí de casa, como de rotina, e fui para a obra do


templo da igreja. Fazia isto mesmo que não tivesse neces-
sidade urgente, pois queria estar lá e acompanhar tudo de
perto. Lembrava-me sempre de que Deus gosta que este-
jamos atentos aos detalhes daquilo que ele está fazendo
por nosso intermédio. Ele está constantemente falando e
quase quer nos mostrar e dar exemplos. Por isso é bom
estar no meio da obra de Deus!

Depois da costumeira inspeção, verificando o que


fora feito no dia anterior e o que estava programado para
aquele dia, chegou o primeiro imprevisto: "Pastor tem um
moço aí querendo falar com o senhor". Se eu recebesse um
caroço de feijão por cada vez que ouvi esta frase, estaria
pronto para compor pelo menos umas cem cestas básicas
para distribuir com pessoas carentes! Isto é muito bom,
sinal de que Deus continua contando conosco para assis-
tir pessoas. "Fale para ele aguardar", disse isto enquanto
guardava a planta da construção.

Quando me deparei com ele não me pareceu ser


um pedinte, e não era na realidade, embora insistisse
O INCRÍVEL MENDIGO QUE SE IMPÔS 127

em afirmar que era morador de rua. Ele estava limpo,


barbeado, de sapatos, vestido e limpo como se viesse
de sua residência! Calculei que era alguém querendo
trabalho ou ajuda somente: acertei nas duas hipóteses,
mas errei achando que seria apenas uma delas. Ele foi
logo me dizendo: "não vim implorar nada, mas preciso
de ajuda!". Estranha maneira de abordar o seu futuro
benfeitor! "Mas vamos lá", pensei. Gosto de ouvir até o
fim o que as pessoas têm para me dizer. Sou defensor da
hipótese que é um equívoco agir de outra forma, porque
não deixaria espaço para não entender o outro plenamen-
te. Valeu a pena ouvi-lo até o fim. Convidei-o a entrar e
sentar-se e continuei ouvindo atentamente. Era um ho-
mem interessante. Garantiu-me ser um morador de rua
caprichoso, tendo um lugar para o seu banho diário, seu
desjejum e ainda se dava ao luxo de lavar e passar suas
roupas nesse lugar. Diante do meu olhar meio incrédulo,
ele se adiantou a confirmar minha suspeita: "eu sei, o
senhor não está acreditando, mas vai ficar na 'saudade':
não vou dar o endereço. É segredo. Garanti a mim mes-
mo que não faria isto porque não quero companhia. Não
que ache que o senhor queira ir morar lá, afinal o senhor
tem casa, família e um monte de coisas para dar conta e
não é meio maluco que nem eu! Mas mesmo assim não
vou dizer". Garanti a ele que não estava interessado em
saber e que isto era um problema pessoal dele e não me
dizia respeito.

Travamos uma boa conversa sobre os seus conheci-


mentos técnicos e percebi que ele era um ótimo eletricista.
Eu precisava de um, e ele veio a calhar, principalmente se
as minhas conclusões se confirmassem.
128 AÇÃO Socam

"Oscar, vou apresentar você ao mestre-de-obras e ar-


ranjar um lugar para você ficar aqui, porque preciso do seu
trabalho. Vamos ajustar os pagamentos, mas preciso dos
seus documentos". Outro sorriso maroto, acompanhado
da expressão pouco oportuna, e a exclamação: "pastor,
não tenho documentos, não tenho nada, sou peça solta no
mundo". "Mas agora você foi encontrado e precisamos ti-
rar todos os seus documentos", insisti. Isto funcionaria em
duas direções: como prova de caráter e de bons anteceden-
tes, e de oportunidade de checar-lhe o nome e tudo que era
preciso para garantir convivência saudável. Estranhamente
ele concordou e os documentos foram tirados. Tudo em
ordem, nenhuma alteração. Estávamos todos apreensivos,
afinal podíamos estar diante de qualquer pessoa.

O contexto da ação social oferece esses riscos. Se fizer-


mos esse trabalho como ministério não poderemos perder
de vista que não o fazemos por nós. Socorro não é só nas
questões práticas e no repassar recursos para suprir neces-
sidades ou providenciar algum tipo de medicamento ou
assistência médica. Isto faz parte, é verdade, mas talvez seja
a mais fácil de todas as atividades da ação social. Insisto
em dizer que ler as necessidades é o grande desafio da ação
social, porque o que é necessário nem sempre é explicitado:
geralmente fica oculto na fala do necessitado. Por outro lado
alguém sem preparação adequada poderá ser simplista na
sua leitura e só ler aquilo que foi dito. Quando isto acon-
tece o restante da leitura será feita com a emoção e aí se
transforma em um verdadeiro desastre para ambos.

No caso do Sr. Oscar e em qualquer outro, precisamos


contar com a ajuda de Deus para não arriscarmos mais
O INCRÍVEL MENDIGO QUE SE IMPÔS 129

que o necessário nem tampouco nos vermos envolvidos


em assuntos sérios para os quais não teríamos explicação
legal. Isto constrangeria e poderia gerar aborrecimentos e
danos irreparáveis até para a moral. Somos servos de Deus
e tal constrangimento interessaria ao Diabo, limitaria ou
até destruiria a nossa autoridade. Mas Deus está presente
na sinceridade das nossas iniciativas quando há diálogo
sincero com ele e realizações segundo a sua vontade. Não
há como o Diabo penetrar.

Ação social é feita com autorização de Deus. Há


necessidade de depender de Deus nas mínimas atitudes.
Atrás de cada necessidade há alguma que Deus não apro-
vou e precisa ser reparada. A ação social implica ajudar a
encontrar o que está provocando ruptura entre a pessoa
e Deus. A ação social é evangelização porque o motivo
central é levar a pessoa a confiar em Deus, que tudo pro-
videncia para todos. Até o que nós podemos presentear a
elas a título de emergência vem de Deus. Passa por nós,
mas vem dele.

O Sr. Oscar não se dava conta disso. Ele era bastante


autoconfiante. Sempre dizia que para morar na rua e se
dar bem tinha que ser muito esperto e "malandro", no seu
linguajar. Percebia-se, por mais absurdo que seja, uma
ponta de orgulho pela vida que levava. Sentia-se o dono
das armações "honestas".

Ele permaneceu conosco mais ou menos seis meses.


Aprendemos a conviver com ele. Morava na igreja. Ele e o
saudoso Glaudionor, em quem tínhamos muita confiança,
porque já o conhecíamos há muito tempo e era um cidadão
130 AÇÃO SOCIAL

correto. Ao fim do período eles se desentenderam, vieram


a mim com a questão, cada um contou a sua versão, mas
desta vez Oscar não foi "malandro" o suficiente, porque no
fim da sua fala ele pronunciou o ultimato infeliz. Disse-me
ele: "bom, diante do que eu falei para o senhor, somente
um de nós pode permanecer aqui: eu ou ele". Disse isto
apontando para o Glaudionor. Sem opção, escolhi pron-
tamente o obvio. Disse a ele: "pode ir embora. Vamos
acertar as contas".

Paguei os dias trabalhados e com um sorriso afirmou


o seu respeito a mim, agradeceu, me deu um abraço e fez
questão de devolver todos os documentos que o tínha-
mos ajudado a tirar: "Não quero levar nada que ganhei
de graça; só o que recebi como fruto do meu trabalho".
Nunca mais o vimos, mas "malandro" como é, ele já deve
ter nos visto muitas vezes! Ele era um mendigo de luxo,
diferenciado, mas consciente do seu valor. Bom profissio-
nal, capaz de ganhar a vida com a sua aptidão, mas fez
esta escolha.

O que há por detrás disso? O que há por detrás de


cada pessoa que se abandona ao desespero da desespe-
rança e se ausenta de si mesma, esquece dos seus valores
e se conforma com a transferência para este ambiente
social de insaciados e abandonados. Deus não fez ninguém
para isto!

Como entender uma criatura que se entrega a essas


condições? Como ajudá-la? Ele chegou e foi, ouviu a Pala-
vra de Deus, foi suprido nas suas necessidades, desfrutou
da amizade do ambiente, respeitou e foi respeitado, mas
O INCRÍVEL MENDIGO QUE SE IMPÔS 131
mesmo assim não pudemos observar qualquer mudança
nele, nem ao menos desejo de voltar a ter uma família e
sair das ruas.

A ação social foi feita, o resultado é com Deus. Quem


sabe a passagem dele entre nós não tenha disparado o
desejo de rever a sua situação? Quem pode garantir que
a estas horas ele não esteja com a sua família graças à
atuação de Deus na sua vida quando estava convivendo
conosco.

Foi difícil enxergar as reais necessidades da D. Re-


giane, assim com é difícil enxergar qualquer dificuldade
alheia. A difícil arte de ajudar implica estar aberto para
a possibilidade de errar, procurando acertar, e manter-se
aberto para rever e fazer releituras necessárias. Deus re-
quer esta disposição dos corações que se dedicam a esse
ministério: Ação social, a difícil arte de ajudar.
Capítulo Quatorze

Algumas Ponderações
e Sugestões

Estas sugestões, bem como a realidade


que se tem em mente, dizem respeito ao
implante deste trabalho na Igreja Batista
Memorial em Cachambi, Rio de Janei-
ro. Mas isto não impede que qualquer
outra igreja as use.

Objetivos importantes a serem


perseguidos

• Identificar e procurar ajudar a tratar as


circunstâncias que impedem o homem de
alcançar padrões econômicos, sociais e espi-
rituais compatíveis com a sua dignidade;

• Pesquisar elementos e elaborar dados referen-


tes a problemas ou disfunções que sejam exi-
gências das estruturas e assistências sociais;
134 AçÃo SOCIAL

• Criar condições para participação consciente de


indivíduos e das famílias que estejam cadastradas
e freqüentes em nosso meio cristão;

• Criar condições para que a pessoa tenha acesso a


mudanças que se fizerem necessárias para que elas
recobrem autoconfiança e o auto-sustento;

• Criar condições para que as famílias carentes


na sociedade, independentemente da sua confis-
são de fé, tenham livre acesso ao trabalho social
que a igreja mantém e ajudá-las a se sentirem
incluídas;

• Assisti-las psicológica e espiritualmente, lembrando


que o amor devido a elas passa principalmente pela
compaixão pela sua alma;

• Cuidar para que nenhuma criança fique sem assis-


tência. O programa a ser implantado ou que esteja
sendo repensado deve dar atenção à criança envol-
vida nas necessidades.

Alvos e realidades

• Quanto às normas:

- Cadastramento de famílias ou pessoas;

- Comissão de avaliação de concessão de benefícios;

- Grupo de análise e ampliação de recursos.


ALGUMAS PONDERAÇÕES E SUGESTÕES 135
• Quanto à atuação:

1) Cadastramento de famílias ou pessoas:

- Haverá cadastramento para famílias ou pes-


soas que recorram aos serviços de ação social
da igreja. A Ficha de Cadastramento deve
ser preenchida na sua totalidade, lembrando
que qualquer item em branco invalidará a
ficha.

- A avaliação da ficha deve acontecer rapida-


mente, nunca ultrapassando o prazo de vinte
e quatro horas.

- No caso de reincidência, a avaliação deve seguir


critérios mais minuciosos.

- Nenhum benefício poderá ser concedido sem


o aval da Comissão de Benefício e assinatura
do pastor.

- A ação social é um ato de amor. É impossível


excluir a sensibilidade e a emoção, mas é fun-
damental que eles não sejam fatores determi-
nantes nas atitudes.

Não é vetado benefício a nenhuma pessoa


desde que preencha os requisitos neces-
sários.

2) Distribuição de benefícios:
136 AcAo SOCIAL

- As famílias ou pessoas contempladas deverão


receber somente aquele benefício que solici-
tou. A repetição implicará nova avaliação.

- Caso haja necessidade de repetição, a con-


cessão do benefício não será negada, mas só
poderá se repetir por três vezes consecutivas,
mediante avaliações a cada vez. E aí deverá
ser interrompida no quarto mês para avaliação
mais detalhada.

- Em nenhum caso deverá haver efetivação de


concessão de benefício. É preciso lembrar
que a ação social trata de assuntos emer-
genciais.

- A contrariedade das normas implica suspensão


imediata dos benefícios e avaliação da atuação
dos envolvidos.

- Os domésticos da fé não podem deixar de ser


servidos em detrimento de outros.

- É prioridade que todos os beneficiados sejam


orientados espiritualmente. Nenhum benefí-
cio poderá ser concedido desacompanhado de
orientação para a vida espiritual. Se o benefi-
ciado for membro da igreja deve ser verificada
a sua vida espiritual no que tange aos compro-
missos assumidos com Cristo perante a igre-
ja, principalmente com relação à freqüência e
cooperação.
ALGUMAS PONDERAÇÕES E SUGESTÕES 137

- Os casos omissos serão avaliados pela Comissão


Avaliadora.

Comissão de avaliação de concessão de benefício

• A Comissão de Ação Social deve se reunir todas


as vezes que houver necessidade de avaliação
de ficha.

• Em nenhuma hipótese, nenhum membro deve


liberar nada sem a assinatura do relator da co-
missão e do pastor.

• Nenhuma ficha pode ser avaliada se não estiver


preenchida na íntegra ou com informações in-
completas. Precisamos lembrar que ajudar sem
avaliação de necessidades é denegrir o valor do
outro, diminuir a sua capacidade de buscar auto-
sustento, sustentar a inconsciência social e de
cidadania, enfim, é prejudicar.

• As famílias cadastradas deverão ser visitadas


pelo menos por três membros da Comissão Ava-
liadora. Nesta ocasião a comissão deve deixar o
candidato ciente das normas do Serviço de Ação
Social da igreja.

• Toda liberação fica sujeita ao aval da comissão,


que deve cuidar para que maioria dos seus mem-
bros esteja participando.
AÇÃO Socam,

Grupo de Análise de Aplicação de Recursos

Este grupo terá como função:

• Estudar a ampliação da fonte de recursos;

• Diversificar a aplicação dos recursos;

• Criar novas perspectivas para ação social;

• Analisar e reavaliar sempre o serviço de ação


social junto com o pastor.
Conclusão

Há determinadas funções na vida que


não são nem podem ser impostas. Elas
existem e pronto. Não podemos questio-
nar a sua razão de existir, muito menos
buscar a sua origem. Além de ser perda
de tempo não daria em nada.

Jesus, quando tratado com o de-


vido respeito e amor por aquela mu-
lher que trouxe um vaso de alabastro
cheio de precioso perfume, não permitiu
que se consumasse a crítica a ela por estar
usando um perfume tão caro para ungir o
Mestre.

Primeiramente, ele mandou que não a "mo-


lestassem", porque ela praticara uma boa ação
para com ele. Em segundo lugar, ele faz uma afir-
mação contundente: "Porque os pobres sempre os
tendes convosco" (Mateus 26.7-11).
140 AçAo SocIAL

Na realidade, a alegação dos discípulos é que aquele


perfume, se vendido, poderia suprir mais pessoas. O foco
central das palavras de Jesus era que a oportunidade de
estar pessoalmente com ele estava chegando ao fim, en-
quanto pobres nunca acabariam, e teremos sempre opor-
tunidade de ajudá-los.

O foco central da sensibilidade para com o próximo


está justamente na nossa sensibilidade para com Jesus.
Quando há desprendimento para servir o Mestre, sem
olhar o preço da ação, certamente haverá a mesma re-
lação de desprendimento com o próximo. O modelo e o
referencial é Cristo.

Ação social, ajudar o próximo, coexiste com a própria


missão de sobreviver. De certa forma todos ao longo da sua
vida receberam e recebem, pelo menos uma vez, ajuda de
alguém. A questão está na avaliação dessa ajuda. O pró-
prio esquecimento de muitos insinua o descompromísso
em sentir-se refém da ajuda. É possível que a pessoa que
ajudou nunca tenha esquecido, quando a expectativa do
ser humano aponta para o contrário, receber pelo menos
uma ligeira prova de que a pessoa ajudada não esqueceu
e ficou agradecida.

A dificuldade estabelecida no sentimento do homem


é que ele não foi chamado a administrar estas reações. Elas
acontecem independentemente da vontade dele. Desauto-
rizar reações de sentimentos tão nobres para a estrutura do
ser humano é impossível. Esta crise que nos atinge e nos
leva a afirmar que fazer ação social nos moldes que ela é,
e não no modo que a expectativa humana espera, precisa
CONCLUSÃO 141

ser elevada à categoria de ação quase artística. Em muitos


momentos o agente vai precisar representar o que não
quer, o que o seu sentimento dita ao contrário. Para ser
eficiente ele não poderá obedecer aos seus sentimentos.
Isto significa perda de espontaneidade e a ação passa a
ser representativa. É claro que isto é difícil, quanto maior
for o seu compromisso com os seus próprios sentimentos
e até com os seus próprios princípios. Mas o que está em
jogo não é isto. Não são os seus sentimentos nem a sua
sinceridade e coerência com os seus princípios. O que
está em jogo são estes sentimentos que estão à deriva no
outro. Respeitá-los é questioná-los, expurgando a maioria
das expectativas dele.

Ação social, esta difícil arte de ajudar, sempre care-


cerá da experiência, da capacitação. Interagir e interferir
para ajudar não exclui absolutamente a experiência com
decepções e erros de juízo. Na realidade a tal experiência
virá através dessas duras realidades. Elas são encarregadas
de formar o artista da ação social. Vão levá-lo a solidificar
a ação com independência de envolvimento da sua sensi-
bilidade, mas vão ensinar a usar os seus sentimentos nas
doses certas.

A grande pergunta é: tem então que se preparar para


receber ingratidão? No dia-a-dia de quem ajuda estão in-
cluídos os golpes certeiros no amor próprio? Sim e não.

Sim, porque eles acontecerão, são próprios do exercí-


cio da arte de fazer ação social. Não, porque a experiência
vai produzir e ensinar a conviver com estas reações alheias
sem destruir o conceito do amor ao próximo.
Ação social é perfeita interação pelo amor cristão no
universo do sentimento, é perfeita aplicação da compreen-
são do conviver em sociedade num alto senso de utilidade
para si e para os outros. É desenvolver o dom artístico
em todo ser humano, que muitas vezes é representar sem
mentir para si próprio, sem o objetivo de enganar o pró-
ximo, pelo desejo simples e puro de amá-lo como Jesus
amou. Isto não é uma obrigação, é o cumprimento de um
mandamento: "Novo mandamento vos dou, que vos ameis uns
aos outros assim como eu vos amei" (João 13.34).

Se amar é uma arte, Jesus a exercitou com eficiência,


e superou as dores para fazer a maior ação social já feita
sobre terra. Todas as demais decorrem dela.

Ajudar não é uma atitude simples. Não pode ser in-


cluída na categoria das reações impulsivas. É possível que
a maioria das pessoas que se vêem envolvidas em ajudar, o
façam pelo instintivo desejo de se sentirem úteis ou para sa-
tisfazerem uma necessidade pessoal do seu ego. Não pode-
mos desmerecer a atitude, mas podemos discuti-la. Indagar,
por exemplo: quem sai beneficiado? Quem ajuda ou quem é
ajudado? Ou podemos inverter: Quem sai prejudicado?

Outras perguntas e respostas poderiam ser formuladas


e respondidas, mas para todas elas restaria uma dúvida: por
que ajudar é uma arte difícil? Porque é principalmente uma
missão de devolver a dignidade ao outro, de reaprender a
conseguir sustentar-se e superar as suas próprias dificul-
dades. Ajudar é respeitar a capacidade de superação dos
outros. É ajudá-lo a ser um vencedor, e isto pode demandar
uma crise de definição da eficácia do gesto de ajudar!
Bibliografia

BERNARDO, Salovi e MORAES, Luiz Paulo de L. Ação Social da


Igreja de Cristo. Rio de Janeiro: JUERP, 1998.

Bíblia Sagrada — Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Sociedade


Bíblica do Brasil Barueri. São Paulo. 2000.

GOLEMAN, Daniel.PhD. Inteligência Emocional. Trad. Marcos


Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 83' ed.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


1993.

REGO, Tereza Cristina. Vygotsky. Uma Perspectiva Histórico-Cultural


da Educação. Petrópolis: Vozes, 1998,

ESPINOSA. Da Origem e da Natureza das afecções. Abril Cultural.

SHEDD, Russell P. Fundamentos Bíblicos da Evangelização. Trad.


Antivam Guimarães Mendes. São Paulo: Vida Nova, 1996.
EQUIPE DE REALIZAÇÃO

COORDENADORA EDITORIAL
Raquel Soares Fleischner

CONSULTOR EDITORIAL
Israel Belo de Azevedo


PRODUTOR GRÁFICO
André Ubaldo

PROJETO GRÁFICO
E EDITORAÇÃO
Printmark Marketing Editorial
CAPA
MK Editora

FOTO DA CAPA
Samuel Santos

PREPARAÇÃO DE TEXTO
Valtair Miranda

REVISÃO
Adalberto Alves de Souza
SOBRE O LIVRO

CATEGORIA - Sociologia cristã, teologia social cristã


FIM DA EXECUÇÃO
Agosto de 2006
I. EDIÇÃO
Agosto 2006
FORMATO - 13,5 x 20,5 cm
MANCHA - 10,6 x 17,5 cm
TIPO E CORPO/ENTRELINHA
Minister Std Light 12/14,9 (texto)
Minister Std Bold 25/30 (títulos)

PAPEL
75 g/m2 (miolo);
Off-Set
Cartão Supremo 250 g/m2 (capa)
TIRAGEM - 2 mil exemplares
FOTOLITO - Imprensa da Fé
IMPRESSÃO - Imprensa da Fé
IMPRESSO NO BRASIL / PRINTED IN BRAZIL

editora

Você também pode gostar