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na
Espanha
STEVEN PINKER
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Folha de S.Paulo - Sobre santos e demônios - 10/02/2008 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1002200806.htm
Lei íntima
Não é difícil entender por que as reputações morais desses três
estão tão em desacordo com o bem que praticaram.
Madre Teresa foi a própria personificação da santidade: vestida
de branco, olhar triste, ascética e freqüentemente fotografada com
os miseráveis da Terra. Gates é o mais nerd dos nerds e o homem
mais rico do mundo, com a mesma probabilidade de entrar no
paraíso quanto o proverbial camelo espremido no buraco da
agulha.
E Borlaug, aos 93 anos, é um agrônomo que passou a vida em
laboratórios e instituições sem fins lucrativos, raramente
aparecendo no palco da mídia e, logo, em nossa consciência.
Duvido que esses exemplos convençam alguém a preferir Bill
Gates a Madre Teresa para santificação.
Mas eles mostram que nossas cabeças podem ser atraídas por
uma aura de santidade, distraindo-nos de uma identificação mais
objetiva dos atos que fazem as pessoas sofrerem ou florescerem.
Parece que talvez sejamos todos vulneráveis a ilusões morais.
Hoje, um novo campo está usando as ilusões para desmascarar
um sexto sentido, o senso moral. As intuições morais estão sendo
extraídas das pessoas em laboratórios, em websites e em
escaneadores cerebrais e estão sendo explicadas com ferramentas
da teoria dos jogos, da neurociência e da biologia evolucionária.
"Duas coisas enchem a mente de admiração e respeito sempre
renovados e crescentes, quanto mais freqüente e constantemente
refletimos sobre elas", escreveu o filósofo alemão Immanuel
Kant. "Os céus estrelados no alto e a lei moral no íntimo." Hoje
em dia, a lei moral íntima está sendo vista com crescente respeito,
embora nem sempre com admiração.
Se a moral é um mero truque do cérebro, como temem alguns,
nossas próprias bases para sermos morais poderiam ser erodidas.
Mas, como veremos adiante, a ciência do senso moral pode ser
vista como uma maneira de reforçar essas bases, esclarecendo o
que é a moral e como ela deve conduzir nossas ações.
A tecla da moralização
É a atitude mental que nos faz considerar certos atos imorais, e
não meramente desagradáveis, fora de moda ("calças
boca-de-sino já eram") ou imprudentes ("não coce picadas de
mosquito").
A primeira característica da moralização é que as regras que ela
invoca são consideradas universais. As proibições ao estupro e ao
assassinato, por exemplo, não são consideradas questões de
costume local, mas algo universal e objetivamente sancionado.
A outra característica é que as pessoas sentem que quem comete
atos imorais merece ser punido.
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Razão e racionalização
Não é apenas o conteúdo de nossos julgamentos morais que
muitas vezes é questionável, mas o modo como chegamos a eles.
Gostamos de pensar que há boas razões que nos levam a adotar
nossas convicções.
É por isso que uma abordagem mais antiga da psicologia moral,
conduzida por Jean Piaget e Lawrence Kohlberg, tentou
documentar as linhas de raciocínio que levavam as pessoas a
conclusões morais. Mas considere estas situações abaixo,
originalmente imaginadas pelo psicólogo Jonathan Haidt.
Julie está viajando pela França, durante as férias de verão da
faculdade, com seu irmão Mark. Certa noite eles decidem que
seria interessante e divertido se experimentassem fazer amor.
Julie já tomava pílulas anticoncepcionais, mas, para ter mais
segurança, Mark também usa uma camisinha. Ambos apreciam o
sexo, mas decidem não repetir.
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Senso universal
Quando antropólogos como Richard Shweder e Alan Fiske
estudam preocupações morais ao redor do mundo, descobrem que
alguns temas freqüentemente se destacam em meio à diversidade.
Pessoas de todos os lugares, pelo menos em certas circunstâncias
e tendo em mente certas pessoas, acham que é errado ferir os
outros e certo ajudá-los.
Elas têm um senso de justiça; valorizam a lealdade a um grupo, o
intercâmbio e a solidariedade entre seus membros e a
conformidade a suas normas. Acreditam que é certo obedecer às
autoridades legítimas e respeitar as pessoas em posição elevada.
E exaltam a pureza, a limpeza e a santidade, enquanto desprezam
a degradação, a contaminação e a carnalidade.
O número exato de temas depende de você ser um agregador ou
um divisor, mas Haidt conta cinco -agressão, justiça, comunidade
(ou lealdade ao grupo), autoridade e pureza- e sugere que essas
são as cores primárias de nosso senso moral. Não apenas
reaparecem em pesquisas entre diversas culturas, como cada uma
se liga às intuições morais das pessoas de nossa própria cultura.
Pureza e violação
Assim, a violação da comunidade fez pessoas rejeitarem a idéia
de usar uma velha bandeira para limpar um banheiro. A violação
da pureza repeliu as pessoas que julgaram a moralidade do
incesto consensual e impediu que os vegetarianos e os
não-fumantes tolerassem o menor vestígio de um elemento
contaminador.
No outro extremo da escala, demonstrações de extrema pureza
levam as pessoas a venerar líderes religiosos que se vestem de
branco e adotam uma aura de castidade e ascetismo.
As cinco esferas são boas candidatas a uma tabela periódica do
senso moral, não só por serem ubíquas, mas também porque
parecem ter profundas raízes evolucionárias.
O impulso de não fazer mal, que faz os avaliadores do bonde
recuarem quando pensam em atirar o homem da ponte, também
pode ser encontrado em macacos resos, que preferem passar fome
a puxar uma corrente que lhes proporciona comida, mas também
causa um choque em outro macaco.
O respeito à autoridade está claramente relacionado à hierarquia
de dominação e aceitação generalizada no reino animal. O
contraste pureza-devassidão está ligado à emoção de repulsa
provocada por potenciais vetores de doenças, como eflúvios
corporais, carne em decomposição e formas não convencionais de
carne e por práticas sexuais arriscadas, como o incesto.
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Manipulando as esferas
Tudo isso nos leva a uma teoria de como o senso moral pode ser
universal e variável ao mesmo tempo. As cinco esferas morais
são universais, um legado da evolução. Mas como elas se
classificam em importância, e qual é acionada para moralizar
cada área da vida social -sexo, governo, comércio, religião, dieta
e assim por diante-, depende da cultura.
Não é fácil reatribuir uma atividade a uma esfera diferente ou
retirá-la totalmente das esferas morais. As pessoas acham que um
comportamento pertence a sua esfera do mesmo modo que uma
necessidade sagrada e que o próprio fato de questionar uma
atribuição é um ultraje moral.
Corrosão
O psicólogo Philip Tetlock mostrou que a mentalidade do tabu -a
convicção de que alguns pensamentos são pecaminosos- não é
apenas uma superstição dos polinésios, mas uma mentalidade que
pode ser facilmente despertada em americanos de nível
educacional superior.
Basta lhes pedir para pensar em aplicar a esfera da reciprocidade
a relacionamentos habitualmente regidos pela comunidade ou a
autoridade.
Quando Tetlock pediu aos entrevistados sua opinião sobre se as
agências de adoção deveriam dar as crianças para os casais que se
dispusessem a pagar mais, se as pessoas deveriam ter o direito de
vender seus órgãos e se elas deveriam poder pagar para não servir
como juradas, os pesquisados não apenas discordaram como se
sentiram pessoalmente insultados e indignados por alguém fazer
essas perguntas.
As instituições da modernidade muitas vezes questionam e
experimentam o modo como as atividades são atribuídas às
esferas morais.
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Autoconhecimento
A moral, portanto, ainda é algo maior do que nosso senso moral
herdado, e a nova ciência do senso moral não torna obsoletos o
raciocínio e a convicção morais. Ao mesmo tempo, suas
implicações para nosso universo moral são profundas.
No mínimo, a ciência nos diz que, mesmo quando a agenda de
nossos adversários é mais surpreendente, eles podem não ser
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