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jio Miceli org.


snio Sérgio Guimarâes
2
Maria
Maria Filoména Gregori
Antonio Flavio Pierucci
Maria da Gloria Bonelli EDiTORA SUMARÉ
“O Que Ler na Ciência Social
Brasileira (1970-1995) reúne análi­
ses reflexivas inéditas a respeito da
produção intelectual substantiva
num conjunto de áreas temáticas
relevantes, redigidas por cientistas
sociais qualificados, eles mesmos
especialistas reconhecidos por sua
contribuição original e inovadora
no conhecimento desses objetos de
estudo. A equipe convidada de
autores se caracteriza pela diversi­
dade de orientações teóricas, pela
variedade de concepções e modelos
a respeito do q u e seja o trabalho
intelectual nas diferentes disciplinas
da ciência social, mesclando homens
e mulheres, pesquisadores jovens e
tarimbados, no intuito de suscitar a
prática responsável de uma voz
autoral criativa. Os textos aqui
impressos exprimem o confronto
de perspectivas teóricas e meto­
dológicas pulsantes de vida na
comunidade de cientistas sociais e,
ao mesmo tempo, constituem indi­
cadores eloquentes de experiências
radicalm ente distintas de vida e
trabalho na história recente das
ciências sociais no país. Quer sob a
forma de balanços, quer no feitio de
resenhas bibliográficas, quer nos
moldes de ensaios, os trabalhos
coligidos oferecem um painel com­
preensivo dos autores e correntes-
chaves da produção intelectual con­
temporânea no campo das ciências
sociais brasileiras.”
O QUE LER N A C IÊ N C IA S O C IA L B R A S ILEIR A
(1 9 7 0 - 1 9 9 5 )

S o c io l o g ia (v o l u m e II)
E D IT O R A S U M A R É

R u a D e s e m b a rg a d o r G u im a rã e s, 21
T c le lo n c : ( 0 1 1) 2 6 3 -3 2 5 9
F ax : (0 1 1 )2 6 3 -1 6 0 5
C E P 0 5 0 0 2 -0 5 0 - Á g u a B ra n c a - S ã o P a u lo

C o p y rig h t © 2 0 0 2 - A n p o c s

I a e d iç ã o : 19 9 9

1'- re im p re s sã o : 2 0 0 2

C o o rd e n a ç ã o E d ito ria l C ris tin a F ino

C ap a G erm an a M o n te M ór

C o m p o s iç ã o S ilv a n a B ira l

R e v is ã o A lic e K yo k o M iy a s h iro

D a d o s I n te rn a c io n a is d e C a ta lo g a ç ã o na P u b lic a ç ã o (C IP )
(C â m a r a B r a s ile ir a d o L iv ro , S P , B r a s il)

O Q u e lev un c iê n c ia s o c ia l b r a s ile ir a
( 1 9 7 0 - 1 9 9 5 ) / S é r g io M ic e li ( o r g .) .- 2 . c d . - S ã o
P a u lo : E d ito ra S u m a r é : ANPOCS ; B r a s ília , DF :
C A PE S, 1999.

V á rio s a u to res.
C o n teú d o : V . 1. A n t r o p o lo g ia - v . 2 . S o c i o l o g i a - v . 3.
C iê n c ia p o lític a .
B ib lio g ra f ia .
IS B N : 8 5 - 8 5 4 0 8 - 2 9 -4

1. C iê n c ia s s o c ia is - B r a s il - B ib lio g r a f ia
I. iV lic e li,S e rg io .

9 9 -4 1 3 4 C D D -3 0 0 .9 8 1

ín d ic e s p a ra c a tá lo g o sis te m á tic o :
1. B r a s il: C iê n c ia s s o c ia is : B ib lio g r a f ia 3 0 0 .9 8 1
0 Q U E LER N A C I Ê N C I A S O C I A L B R A S I L E I R A
( 1970 - 1995 )

S o c i o l o g i a ( v o l u m e II)
S u m á r io

A prhsunta ção
9

1. A n t o n i o S k r g i o A i .f r k d o G u i m a r à i ;
Classes Sociais
13

2 . N k i .s o n d o V a i . i .k S ii .v a
Mobilidade Social
.5 7

3. S o n ia M . G . L a r a n g k ir a
M o b ilid a d e S o c ia l ( c o m e n t á r io crític o )
95

4. S k r g i o M i c i ci .i
Intelectuais Brasileiros
109

5. L ú c i a L ippi O u v i u r a
Interpretações sobre o Brasil
147
6 . M a r j a L u j z a H k j i . b o r n k B ii . a S o r j
Estudos de gênero no Brasil
183

7. M a r i a F ii.o m k n a G r k g o r i
Estudos dc gênero no Brasil (comentário crítico)
223

8. A n t ô n i o F i . á v i o P i k r u c c i
Sociologia da religião - área impuramente acadêmica
237

9. M a r i a d a G l o r i a B o n m .i.i
Iistudos sobre profissões no Brasil
287
A presen tação

Os três volumes da série O Q/te L er na C iência S ocial Brasi­


leira (1970-1995) resultaram de uma iniciativa da Associação
N acional de Pós-G raduação e Pesquisa em Ciências Sociais
(Anpocs) que se viabilizou por meio do patrocínio da Coorde­
nação de Aperfeiçoam ento do Pessoal de Nível Superior (Ca­
pes). Tendo-se iniciado na gestão de Elisa Reis e concluindo-se
na gestão subseqüente de Olavo Brasil de Lima Jr. na presidên­
cia da Anpocs, tratava-se de um projeto inovador no campo de
avaliação das ciências sociais. Em lugar de buscar critérios de
interpretação de indicadores institucionais de desempenho (tempo
de titulação, volum e da produção acadêm ica, grade curricular
etc.), pretendia-se encom endar análises reflexivas a respeito da
produção intelectual substantiva num conjunto de áreas temáticas
relevantes, a serem desenvolvidas por uma equipe de cientistas
sociais qualificados, eles mesmos especialistas reconhecidos por
sua contribuição original e inovadora ao conhecim ento desses
objetos de estudos. A preocupação em garantir uma participa­
ção equilibrada por gênero e por idade constituiu critério com ­
10 A p r k s iín t a ç à o

plem entar na seleção dos com ponentes do grupo. Pretendia-se


estim ular o acesso de jovens pesquisadores ao exercício pleno
cie uma voz autoral responsável e criativa, incentivar o confron­
to de perspectivas teóricas e m etodológicas e, sobretudo, colher
depoim entos contrastantes de experiências radicalm ente distin­
tas de vida e trabalho na história recente das ciências sociais no
país.
Os cientistas sociais convidados a participar do projeto ti­
veram ampla liberdade para definir os recortes que lhes parece­
ram adequados e capazes de dar conta da substância intelectual
das áreas temáticas sob sua chancela. Alguns preferiram realizar
balanços exaustivos da produção na área, numa linha de trata­
mento idêntica àquelas resenhas bibliográficas compreensivas a
que já n o s a co s tu m a m o s n o Boletim Informativo e Bibliográfico (BIB);
outros optaram pelo aprofundamento de questionamentos estra­
tégicos, buscando firmar um diálogo centrado em certas corren­
tes e autores; houve ainda aqueles que focalizaram os trabalhos
representativos dos principais modelos de interpretação numa
dada área de estudos, ou então os poucos que buscaram apreen­
der a agenda de tópicos relevantes a partir de espaços institucionais
estratégicos para um mergulho na agenda de trabalho de um
campo de estudos em particular.
Uma primeira versão dos trabalhos em andamento foi dis­
cutida por ocasião do seminário “As Ciências Sociais no Brasil:
tendências e perspectivas (1970-1995)”, realizado na cidade de
São Pedro (SP), em novembro de 1998. Após a exposição a cargo
do autor, o trabalho foi comentado por um colega da área, fican­
do a critério de cada debatedor a decisão de firmar suas opiniões
num comentário escrito que seria então incorporado à edição dos
textos em livro. A maioria dos trabalhos passou por uma extensa
revisão após os calorosos debates havidos na reunião, podendo-
se afirm ar que nenhum deles permaneceu impermeável às críti­
cas e reservas então formuladas. Os textos foram distribuídos em
A p r k s k n t a ç Ao 11

três volumes de perfil disciplinar, no intuito de facilitar a leitura e


o manuseio das referências crítico-bibliográficas.
Nesta oportunidade, quero registrar meus agradecimentos
aos dirigentes da Anpocs —em especial, Elisa Reis, Olavo Brasil
de Lima Jr., Sergio Adorno e Argelina Figueiredo - pelo em pe­
nho e interesse com que participaram das diversas etapas do
projeto, desde o momento de identificação dos autores e debate-
dores, passando por sua contribuição ao longo do seminário, até
a fase de acabamento do trabalho editorial. Logo após ter sido
eleita presidente, Elisa convidou-me para integrar o comitê aca­
dêmico junto com Olavo e Eduardo, formulando em seguida o
convite para coordenar o projeto. Fico-lhe reconhecido pela pro­
va de confiança e amizade. Olavo presidiu as reuniões do semi­
nário, em cuja sessão de encerramento proferiu sua última fala
pública, meses antes de falecer, no exercício do primeiro ano de
mandato como presidente da Anpocs. Quero dedicar esta série
de livros à sua memória, num gesto de saudade e homenagem ao
mérito das suas atividades institucionais e intelectuais à frente da
Anpocs, até hoje o único secretário-executivo que também ocu­
pou o cargo de presidente. O projeto não teria prosperado sem o
aval financeiro e institucional da Capes, na pessoa de seu diretor,
o professor e colega Abílio Baeta Neves, o qual soube discernir
cle imediato a contribuição que este projeto estava em condições
de oferecer aos program as vigentes de avaliação do sistem a de
pós-graduação no país.

Sergio M ice li (org.)


C l a sse s S o c ia is

A ntonio Sergio A lfredo Guimarães

Central para os estudos de estrutura, organização e estratifica­


ção social, o conceito de “classes sociais” emerge com a nascente
academia brasileira. Em 1942, Donald Pierson caracteriza o Brasil
como uma “sociedade multirracial de classes”, ou de grupos sociais
abertos —ao contrário de sociedade de castas, que são grupos fecha­
dos, ou de “estados” , grupos mais comunais que societários (Pierson
1942, 1945). Estas distinções, introduzidas por Tonnies (1966) e
Weber (1968), foram posteriormente reelaboradas pela sociologia
americana c popularizadas em manuais de sociologia.
Nos anos 40, a revista Sociologia, editada pela Escola de Socio­
logia e Política de São Paulo, serviu de veículo para o primeiro
debate teórico sobre classes sociais, na nascente sociologia brasilei­
ra (Pierson 1945, 1948; Pinto 1946; Fernandes 1948; Willems 1948).
De um modo geral, o debate opôs, de um lado, aqueles que,
como Pierson e Willems, viam as “classes” como meros estratos
sociais, dotados de consciência e sociabilidade próprias1 e, de ou-
1. Seguindo as orientações traçadas nos estudos de Yankee City p or Lloyd
Warner. Ver G ordon (1950).
14 A n t ô n i o SÉRG IO Al.PRKDO GUIM ARÀKS

tro lado, aqueles que, como Pinto e Fernandes, viam as classes


como estruturas sociais que condicionavam as ações coletivas nas
sociedades capitalistas. Para os primeiros, “classe social” era um
conceito aplicável a qualquer sociedade humana, um simples sinô­
nimo para “camada social”, distinguindo-se apenas de outros tipos
de estratos pelo grau de mobilidade ou solidariedade que proporci­
onava.2 Para os segundos, as economias ocidentais capitalistas te­
riam se encarregado de destruir as sociedades de castas e de esta­
dos, anteriormente existentes, de tal modo que a sociedade de
classes passou a condicionar a sociabilidade própria à modernida­
de e ao capitalismo ocidentais.
Em jogo, estavam mais que as concepções de duas tradi­
ções disciplinares —a antropologia versus a sociologia —ou meto­
dológicas —os estudos de comunidade versus os estudos históri-
co-estruturais. Tratava-se de definir o objeto mesmo da reflexão
sociológica no Brasil. No dizer de Florestan, a sociologia tinha
“como objeto fundamental, o conhecimento da origem , da estru­
tura e da dinâmica de sociedades de classes” (Fernandes, 1948:
93). No Brasil, o objeto da sociologia seria, pois, fundamental­
mente, o desenvolvimento de uma sociedade capitalista entre nós,
ou — o que vem dar no mesmo — o desenvolvimento de uma
sociedade de classes ou, simplesmente, o desenvolvimento.
O debate entre estas duas formas de compreender e utilizar
o conceito de classes sociais (como conceito descritivo, por um
lado, ou como conceito explicativo, por outro) entra os anos 60
com o claro predomínio daqueles que consideram a análise de
classe central para a explicação sociológica . A análise de classe é um
estilo de explicação sociológica que se fundamenta no princípio
de que a estrutura social e sua reprodução dependem, fundamen­

2. Podemos subdividir esta corrente cm duas: havia os que prescindiam de


problematizar as classes, e havia os que buscavam, em seus trabalhos de
campo, com preender a organização social através da estratificação em clas­
ses das comunidades estudadas (Cândido, 1947; Willems, 1948a).
C i .a s s k s S o c i a i s 15

tal mente, da ação das classes. Tal esdlo de fazer sociologia con­
siste, basicamente, em interpretar e explicar um fenômeno social
qualquer a partir do comportamento e das atitudes de atores
coletivos, referidos, direta ou indiretamente, às classes sociais,
prescindindo ou não de atores individuais.

0 GRAN DE C O N SEN SO DO S A N O S 6 0 : IN D U STR IA LIZA Ç Ã O E M O D ERN IDADE

Se a sociologia brasileira, em seus primeiros anos, principal­


mente na década de 30 e 40, era ainda uma sociologia tributária
daquela feita em Chicago, cuja força se mostrava nos estudos de
comunidade, logo em seguida, a partir dos meados dos 50, for-
mar-se-á um grande consenso teórico, que transformará o pro­
cesso de industrialização em explanandum onipresente de todos os
fenômenos sociais brasileiros. Tal paradigma se consubstancia na
idéia de transição, seja do tradicional para o moderno, seja do
patrimonial para a ordem social competitiva, seja do escravismo
para o capitalismo, seja do capitalismo mercantil para o capitalis­
mo industrial.
Neste contexto teórico, serão as classes sociais os principais
agentes e o seu conceito a principal ferramenta da sociologia. A
própria idéia de sociologia passa a ser associada ao conhecimen­
to de uma estrutura (a estrutura social) regida por leis científicas
e, portanto, racionalmente compreensível, mas totalmente opaca
ao entendimento dos indivíduos qua atores sociais. As relações
sociais engendradas pelo processo de industrialização serão alça­
das, portanto, à principal objeto da pesquisa sociológica, mas
também —numa petição de princípios evidente —à condição de
explicação mais plausível para os fenômenos mais diversificados.
Os anos 60 assistiram ao avanço da teoria das classes e à
consolidação da influência do marxismo, e de todas as formas de
explicação estrutural, na Sociologia brasileira.
16 A n t o n i o S k r g i o A i . i; r i ; d o G u i m a r A hs

A vontade de desenvolvimento econômico e social passou,


cada vez mais, a vincular-se a uma expectativa de que as classes
so cia is ( fosse o empresariado industria), fosse o operariado nas­
cente, fossem as classes médias) adquirissem a consciência de
classe necessária para assumir o que se pensava ser seu papel
histórico: quer a superação das oligarquias agrárias no poder,
quer a implantação do socialismo.
Esta problemática será expressa, sob a forma de análise de
classes, em três movimentos teóricos:

1. O de uma Sociologia Econômica. Trata-se dos estudos


de desenvolvimento econômico-social que culminam com
as análises de dependência (Fernandes 1968, 1975; Cardo­
so e Falettol 969). Nesse caso, as análises macrossociais
abandonam o estilo metodológico individualista das aná­
lises anteriores para enfocar a articulação entre a dinâmi­
ca interna de classes, o estado nacional e a ordem capita­
lista mundial. Serão a transformação do estado e as pos­
sibilidades de bem-estar social o objeto; a ferramenta, a
análise de classes.

2. O de uma Sociologia Política. Principalmente os estudos


sobre patrimonialismo, clientelismo, populismo e, recen­
temente, democracia. Os autores de tais estudos, ainda
tributários de uma análise de classe, focalizarão as insti­
tuições e o sistema políticos, o estado e o seu contexto
societário.

3. O dos estudos de formação das classes sociais brasilei­


ras. Estes se ramificam em cinco: de form ação de um
empresariado nacional, de formação de burocracias ou
elites dirigentes, de formação de classes médias, de for­
mação de uma classe operária industrial e de formação
de um proletariado rural.
Ci.Assus S o c ia is 17

0 ESTAD O E O S EM PRESÁRIO S CO M O A G E N TE S SO C IA IS

A nascente sociologia brasileira se atirou à análise dos agen­


tes do processo de industrialização3, procurando explicar a ação
(ou inação) de seus sujeitos/agentes: o estado'1, a classe operária,
o campesinato, a classe média e a burguesia.
O pape) do Estado no processo de d e s e n v o lv im e n to capitalista
brasileiro foi sempre um elemento inesperado, para os esquemas
teóricos mais rígidos e desafiador e instigante, para novos esque­
mas interpretativos. A tal ponto o Estado esteve presente, no ima­
ginário acadêmico, que Cerqueira e Boschi (1977: 9)5 observam:

(...) no caso dos países d e d esen volvim en to tardio, p arece-n os que a


tentativa de captar a com plexidade do p ro cesso político subjacente à co n ­
solidação do capitalism o industrial não se fu rto u de um certo viés, na
m edida cm que, invariavelm ente, salientou-se o papel d eterm inan te do E s­
tado c o m o m a t r iz geradora dos p ro cessos sociais. E m b ora historicam ente
esta prep on derân cia d o E stado co m o núcleo vital d o sistem a seja inquesti­
on ável, q u estionável é, isto sim , o p eq u en o espaço que as -análises c o n fe ri­
ram ;\ possibilidade de atuação au tônom a de g ru p o s sociais.

A princípio, para dar conta da importância do Estado, de­


senvolveu-se, entre nós, um estilo de análise, às vezes por demais

3. “Por industrialização, a partir de 1930, não se entende somente o desenvol­


vimento das forças produtivas e da mecanização, mas também o aceleramento
da divisão social do trabalho, a dominação crescente do capital sobre o
trabalho, a submissão da economia agrária às necessidades industriais e a
imposição ao conjunto da sociedade de critérios capitalistas de ‘racionali­
dade’” (Pinheiro 19 75: 125).
4. Sader e Paoli (1986: 51) assim explicam a percepção do Pastado enquanto
agente: “(...) segundo a versão dominante do imaginário sociológico e polí­
tico dos anos 60, o Estado é que torna a classe dominante apta à sua tarefa
histórica quando disciplinou as relações entre as classes sociais.”
5. A s citações de textos publicados nos 19 primeiros números dos b o le tim
B ibliográfico 737/3 serão feitas de acordo com a paginação dos 737/3 - 0 q u e se
d eve 1er em ciên cia s so cia is no B ra sil, ns. 1, 2 e 3.
18 A n t o n io S h r g i o A i.f r k d o G u i m a r à k s

culturalista, de procura de um ethos nacional, outras vezes por


demais estruturalista, no qual as variáveis causais ganhavam, quase
sempre, o estatuto de agentes, substituindo-os.6 Este estilo tem
raízes, sem dúvida, nas análises clássicas de Gilberto Freyre (1933)
— que abandonou o determinismo racial e climático do fim de
século em troca do desvendamento de uma matriz cultural fun­
dadora; de Sérgio Buarque de Holanda (1936) - que introduziu a
noção de patriarcalismo c dc patrimonialismo7 entre nós; c de
C aio Prado ju n io r (1942) - que teorizou as determ inações
sistêmicas e as restrições exógenas ao nosso desenvolvimento
nacional. Em cada uma destas matrizes, as classes sociais, qua
agentes, estiveram em segundo plano.
Tal tradição de análise teve continuidade com o clássico de
Raymundo Faoro (1958) e levou um tempo esquecida, apenas
para ser retomada, com toda a força, nos anos 70, por Schwartzman
(1970, 1973, 1982). Tanto em Faoro quanto em Schwartzman
será uma camada dirigente, os donos do poder, portadora do ethos
patrimonialista que dará os rumos à sociedade brasileira. Tal pers­
pectiva, discutida ã exaustão em Dados, número 14,1977, e criticada
em seu culturalismo implícito, foi, invarivelmente, substituída por
conceitos mais dialógicos, que permitiam tratar melhor a articu­
lação entre Estado e classes da sociedade civil, tais como os
conceitos de populismo (Ianni 1963, 1975, 1988; Cam argo 1974,
1976), de autoritarismo (Martins 1973; Reis 1974; Velho 1976;
Cardoso 1975; Linz 1975; Stepan 1973 ) e de corporativismo
(Erickson 1972; M alloy 1976; 0 ’Donnel 1976).
Concomitantemente, desenvolveram-se algumas perspecti­
vas teóricas que procuraram teorizar o estado, enquanto ator,
através de categorias sociais plenas, tais como a tecnoburocracia

6. Na verdade, o nacionalismo de listad o foi, entre nós, uma forte ideologia.


Ver a respeito: (Reis 1990).
7. Sigo, aqui, a interpretação de A n ton io Cândido (1994), contrária à de
Raymundo Faoro (1993).
C i .a s s k s S o c i a i s 19

(Martins 1974; Pereira 1978; S u arei 1986) ou a burguesia de


Estado (Pereira 1977, 1978 e 1985). Apenas nas análises m arxis­
tas mais ortodoxas, mais próximas do PCB que da academia
(Sodré 1968, 1976), o Estado será teorizado como aparato apro­
priado por uma classe (a oligarquia rural e os setores agro-expor-
tadores ligados ao capital estrangeiro) e, portanto, quase como
instância epifenomênica.
O empresariado nacional mereceu uma atenção especial de
nossos analistas, principalmente depois de frustradas as esperan­
ças de uma revolução burguesa nacionalista, ou mesmo socialis­
ta. (Martins 1968; Faria 1971; Cardoso 1972; Cerqueira 1976;
Guimarães 1977; Santos 1977; Gomes 1979; Boschi 1979). Tais
análises desmentiram expectativas nutridas pela teoria das classes
então vigente, que procurava encontrar, na burguesia, o principal
ator da revolução burguesa. A conclusão, ao contrário, foi a de
uma revolução sem ator (Fernandes 1974) e de uma burguesia
politicamente inexpressiva. No dizer de Cerqueira e Boschi (1977:
15): “(...) consolidou-se a idéia deste setor social como ator polí­
tico de pouca relevância, o que de certa forma deslocou o foco
da atenção, na produção das ciências sociais, para outros grupos
tais como tecnocratas, militares e burocráticos.”
A tradição dos estudos sobre o empresariado e as elites
empresariais têm continuidade, nos anos 80, deixando para trás
tanto as expectativas normativas sobre o papel político e histórico
das classes, como as visões dicotômicas simples, que opunham um
estado controlado por um estamento burocrático a um estado con­
trolado por uma classe dominante. Assiste-se, primeiro, a um gran­
de desenvolvimento conceituai (populismo, anéis burocráticos,
neocorporativism o etc.); segundo, a um reforço da pesquisa
empírica. Foi através de pesquisas bastante inovadoras que a ciência
política explorou as análises de representação de interesses, de
disputas por recursos de poder, de formação de opinião pública e
de opinião de grupos dirigentes, de formação de elites e de lobbies
20 A n t o n i o S h r g i o A i.f r k d o G u i m a r A ks

congressuais etc., ampliando o universo da análise de classes.


M uito representativos desta nova postura foram os trabalhos de
D iniz e Boschi (1978, 1993); Diniz (1978, 1984, 1986, 1992);
Boschi (1979, 1983); Cheibub (1995); Reis e Cheibub (1995);
Lima e Boschi (1995); Pereira (1994); Minella (1988).

O S ESTU D O S SOBRE A FO RM A ÇÃ O D A C L A SSE T R A B A LH A D O R A BRA SILEIRA

No começo dos 60, o diagnóstico consensual, nas ciências


sociais, era o de que os anos 30 haviam marcado uma ruptura no
processo de desenvolvimento brasileiro com o esgotamento da
economia agroexportadora. No desenvolvimento da nova econo­
mia urbano-industrial, novas classes sociais teriam sido geradas,
que se tornariam, daí em diante, os agentes (ou referentes) prin­
cipais da mudança social e política: o operariado, as classes médi­
as urbanas e a burguesia industrial.
A inda nos anos 60, aparecem os prim eiros estudos socio­
lógicos sobre a classe operária brasileira, principalm ente paulis­
ta. Estes estudos podem ser agrupados em: (1) estudos sobre o
sindicalism o e a organização operária (Simão 1966; Rodrigues,
J. 1968; Rodrigues L. 1966, 1968) e (2) estudos sobre as atitu­
des e os valores da classe operária nascente (Cardoso 1961;
Tourraine 1961; Lopes 1964, 1967; Pereira 1965; Rodrigues, L.
1970). Todos eles estão referidos à problem ática m aior da in­
dustrialização e da transform ação da estrutura social brasileira
no pós-30; mais especificam ente, buscam avaliar a ação, a força
e o potencial político dos trabalhadores industriais brasileiros.
São, pois, estudos que procuram situar e analisar a classe operá­
ria qua agente coletivo. Escritos e publicados entre o final dos
anos 50 e o começo dos 70, o móvel político e a perspectiva de
análise que os alim entam esgotam -se com os golpes de 1964 e
1968, quando fica clara a im possibilidade de uma ação coletiva
C i .a s s k s S o c ia is 21

da classe operária no futuro imediato. Na avaliação crítica da


geração que os sucede,

O s ensaios (...) pecaram p o r u m a leitura dem ais sociologizante: p re o ­


cupou-se mais com a estrutura e a com p osição da classe operária. A q u i o
prato de resistência foi a questão d o p eso d os im igrantes estran geiros na
form ação da classe op erária [antes de 19 30], Em seguida su b lin h aram -se as
conseqüências da im igração rural na com p osiçãso da classe operária, res­
saltando-se os seus va lo res tradicionais, a sua dificuldade em aderir a o rg a­
nizações políticas, seu p ro jeto de ascensão social. (P inheiro 1 9 7 5 : 123)

Os anos 70, já no clima de resistência dem ocrática à ditadu­


ra, assistem ao ressurgimento dos estudos de form ação da classe
trabalhadora, agora sob uma nova ótica: trata-se de reavaliar criti­
camente a estrutura sindical brasileira e as relações entre sindica­
lismo e Estado; trata-se de explicar os limites estruturais da ação
transformadora da classe operária no Brasil, e não sua suposta
falta de consciência política. Quem desencadeia este novo ciclo
é, sem dúvida, Weffort (1972), em seu estudo sobre as greves de
1968, em Osasco e Contagem. Seguindo a trilha de Weffort,
floresce uma grande produção sobre a form ação da classe traba­
lhadora no Brasil, tanto entre historiadores (Fausto 1974, 1976;
Pinheiro e Hall 1982; Carone 1974, 1989; Hall 1971, 1984) quanto
cientistas políticos (Andrade 1974; Almeida 1975, 1978, 1978a,
1981, 1988; M oisés 1977) e sociólogos (Humphrey 1979, 1982).
Discutem-se as restrições estruturais, históricas, à ação da
classe trabalhadora no Brasil, e as condições, objetivas e subjeti­
vas, para o surgimento cle uma nova classe operária e de um
novo sindicalismo a partir das condições materiais e políticas
dadas pela grande indústria brasileira. Importante salientar que
estes estudos já passam a usar ou referir o instrum ental concei­
tuai e analítico desenvolvido por Antonio Gramsci (a teoria da
hegemonia) e Poulantzas (a teoria das classes), bastantes debati­
dos, então, nas ciências sociais brasileiras.
22 A n t o n io S k rc io A i.p r k d o G u i m a r A ks

De fato, um segundo debate importante sobre as classes so­


ciais, no Brasil, tem lugar nas páginas da Estudos Cebrap (n.3, jan.
1973) dedicada à discussão das idéias de Poulantzas. Os frutos
mais importantes deste debate foram a crítica ao excesso de
formalismo teórico dos marxistas franceses (Cardoso 1973), o re­
torno aos termos clássicos de pensar a mudança social como resul­
tado da lutas de classes, e não da ação dos Estados-Nação (Weffort
1971), c a incorporação das categorias de análise althusserianas e
gramscianas —frações de ciasse, categorias sociais, grupos sociais,
sobredeterminações, hegemonia, bloco histórico, consentimento etc.
—ao vocabulário sociológico brasileiro.
Sintomaticamente, tanto o primeiro balanço crítico da pro­
dução brasileira sobre o movimento operário, feita por Pinheiro
(1975), como os ensaios de W effort (1972, 1973, 1975, 1978,
1979) estão calcados na análise gramsciana da hegemonia.
Conceitualmente, a teoria das classes, na sociologia brasileira,
estivera presa, até então, a algumas grandes tradições teóricas: a
sociologia da USP (nascida da confluência da Escola de Chicago
com a escola de sociologia francesa), a sociologia nacional-
desenvo/vimentista do ISEB, a ortodoxia marxista, vigente nos partidos
de esquerda, e a sociologia latino-americana, desenvolvida na FLACSO,
sob a influência de Germani e dos desenvolvimentistas da Escolatina
e da CEPAL. A novidade dos anos 70 é o surgimento, no Brasil,
de um novo núcleo de pensamento, em torno do CEBRAP, que se
debruça sobre uma nova exegese marxista, nos moldes, aliás, do
que já acontecera na França (Althusser 1965; Althusser et aí. 1968,
Poulantzas 1965; Balibar 1973) e na Itália (Delia Volpe 1969; Colletti
1969, 1973). Nomes decisivos deste marxismo acadêmico serão
Weffort, na corrente de análise política inspirada pelos escritos
políticos de Marx e Gramsci, José Arthur Giannotti (1966), na
corrente de análise da dialética marxista, e Francisco de Oliveira
(Oliveira 1972; Oliveira e Reichstul 1973), na corrente de análise
macroeconômica inspirada por O Capital.
C i.a s s h s S o c i a i s 23

As análises de classes que se desenvolverão nos 70 refarão


diagnósticos e interpretações do que foram a Revolução de 30, o
Estado Novo e o intervalo democrático de 1945-1964. O estilo
é, portanto, histórico-estrutural, interpretativo, de grandes teorias
sobre os constrangimentos estruturais internos e externos, mas,
nelas, já despontam, como sujeitos da história, os atores coletivos
(os governos, as classes e os estamentos) que fizeram o Brasil.
Nos estudos sobre a classe operária, nessa época, havia os
que, apoiados nas análises de conjuntura, atribuíam o fracasso
operário, em 1964, á falta de autonomia das organizações operá­
rias frente aos velhos partidos e ao Estado (Weffort 1972, 1975,
1978, 1979; M oisés 1978, 1979, 1982; Andrade 1974), e aqueles
que, escudando-se (Víanna 1978a)Kna “crítica à razão dualista”,
proposta por Oliveira (1972),

(...) sublinha[va]m so bretu d o que a ord em co rp o rativa e m ais tarde a


c o n s e rv a ç ã o das in s titu iç õ e s c o rp o ra tiv a s sin d ica is na ép o c a lib era l
corresp on d eram a uma prática intencional para a desm obilização dessa classe,
num a in terven ção so b re o m ercado de trabalho cujos fins foram os dc
viabilizar, pelo recurso à violência - institucionalizada ou não - a acum ula­
ção prim itiva de capital. (Vianna, 1 9 7 8 : 86)

Francisco de Oliveira produzirá, além de dois ensaios mar­


cantes, em termos de interpretação das restrições estruturais às
ações de classe (Oliveira 1972, 1973), duas obras primas de aná­
lise histórica e conjuntural, respaldadas em suas leituras dos tex­
tos políticos de Marx (principalmente O 18 de Brumário): refiro-
me ao seu E legia p a ra um Re(l)igião e O E lo Perdido, que deixarão
marcas no marxismo dos anos 80.9

8. Antunes (1982, 1986) e Boito (1991) darão continuidade a esta linha de


análise.
9. N o Nordeste, estudos com o o dc Guimarães (1982) , Guim arães e Castro
(1989) e Lima (1996) são alguns exemplos da influência que Oliveira exer­
ceu na discussão sobre as classes sociais.
24 A n t o n io S k r c io A i.p r k d o G u i m a r Aks

De fato, na década seguinte, ampliar-se-á a ênfase na inves­


tigação dos condicionantes subjetivos da ação de classe e da
formação de uma cultura operária no Brasil. Muito importante
para este movimento teórico-metodológico foi a influência dos
intelectuais marxistas ingleses, principalmente E.P. Thompson
(1958, 1978) e Raymond Williams (1977, 1981), em sua reação
ao marxismo estruturalista francês.10
No Brasil, os anos 80 foram uma época de enorme euforia
nas esquerdas, nutrida pela expectativa do modo como os movi­
mentos populares e o movimento operário seriam capazes de se
expressar politicam ente, através de um novo partido — o PT.
Seguindo o debate anterior, na ordem do dia esteve a discussão
sobre a possibilidade da formação de aristocracias operárias no
Brasil (Humphrey 1982; Almeida 1981; Jellin e Torre 1982; G ui­
marães e Castro 1986). Em termos acadêmicos, a relação entre
operários c o movimento social mais amplo já era tratada desde
os 70 (Moisés 1979; Moisés e Alier 1978), mas, em 1980, uma
coletânea organizada por Singer e Brant (1980) marcou, definiti­
vamente, a incorporação dos movimentos populares aos estudos
de classe. Seguiram -se várias coletâneas e resenhas sobre o tema
(Jelin e Calderón 1987; Larangeira 1990; Cardoso 1987; Gomes e
Ferreira 1987; Diniz et a i 1994).
O tom da revisão", contudo, foi dado por dois artigos: um
de autoria de Sader, Paoli e Telles (1983), e o outro de Sader e
Paoli (1986). De início, nota-se, logo, uma mudança conceituai:

10. Cardoso (1987: 27) tem o seguinte diagnóstico: “A desilusão com os esque­
mas globalizantes passou a alimentar a busca de explicações qualitativas
para os novos problemas que se colocavam e que diziam respeito ao siste­
ma de dominação e seu m odo de operar. A progressiva rigidez da teoria
marxista, tal com o vinha sendo usada, abriu caminho para novas form as de
investigação”.
1 1 . A fórm ula cunhada por Emilia Viotti (1990) “estruturas versus experiência”
sintetiza o que estava em jogo na revisão.
C i .a s s h s S o c i a i s 25

os novos estudos usarão sistematicamente conceitos como “ex­


periência”, “imaginário”, “cotidiano”, “cidadania”, originários da
história social e da filosofia política, ao invés dos conceitos acade­
micamente consagrados pela sociologia. Tais conceitos expressam
a preocupação em tratar os dominados como criadores de seus
próprios mundos, comprometendo a análise com a emergência da
consciência de direitos, individuais e coletivos, por parte não ape­
nas dos operários, mas das camadas populares. Neste sentido, tão
importante quanto as organizações políticas serão as práticas cole­
tivas. Ao nível da classe trabalhadora, o enfoque será mais voltado
às fábricas que aos sindicatos (Frederico 1978; Maroni 1982; Abramo
1988; De Decca 1981), mais aos bairros de moradia que aos mer­
cados de trabalho (Sader, 1988; Telles 1988, 1992, Bava 1988;
Martins 1991). Mas, com o tempo, este novo enfoque criará seus
vícios. Acabará por fazer, entre outras coisas, com que boa parte
da produção sociológica sobre os trabalhadores urbanos se desvie
das preocupações teóricas clássicas, ficando prisioneira das teori­
as em ergentes sobre “novos movimentos sociais” .12 Essa tendên­
cia foi argutamente notada por Sader e Paoli (1986: 39):

(...) ao n a rra r o que anda acontecendo com os trab alh ad ores e seus
m ovim entos sociais, p arte desta produ ção sociológica recente parece ques­
tionar p rofundam ente o co n ceito de classe social co m o paradigm a teórico
in stitu íd o e adquirido pelas ciências sociais (...)

Mas será, justamente, o alargamento do conceito de classe


social para além de Tònnies13, para significar mais que organiza­

12. O s novos m ovim entos sociais eram geralmente caracterizados pela “sua
independência com relação aos políticos profissionais e aos partidos, bem
com o sua capacidade de expressar os desejos de base da sociedade.” (Car­
d oso 1987'. 28) Eram vistos, pois, com o atores sociais, com o m esm o
estatuto teórico das classes.
13. “ Uma classe é tentativa de desenvolver poder efetivo através da força das
massas, i.e., através do grande núm ero daqueles que pertencem a esse
26 A n t o n io S k r g i o A i .v r k d o G u i m a r A k s

ção coletiva e ação política - sindicato e partido —, incorporando


práticas culturais e sociais de enfrentamento cotidiano, que pos­
sibilita a Sader e Paoli (1986:46-7) fazer a crítica do conceito
de classes, usado antes, implicitamente, na sociologia brasileira:

A ssim , as práticas culturais diferenciadas d os diversos g ru p o s sociais


populares, isto é, sua in serção real em um m undo d e relações sociais h isto ­
ricam ente fo rm ad o (...), foram banidas do m undo da ‘verdad eira’ classe
social, fazendo-se ver co m o algo que divide e conspira contra a unidade, a
coesão e o p od er coletivo.

Sader e Paoli (1986: 59) procuram ampliar o conceito de


classe social para nele incluir o movimento social, ou seja, o
processo de formação das classes a partir das práticas dos atores
sociais, nas diversas esferas da vida cotidiana, produtiva ou não.14
Nesse sentido, preferem mesmo falar de ciasses populares, posto
que tal term o indica “que o esforço do analista desloca-se do
campo da delimitação das fronteiras entre classes, frações, cate­
gorias sociais, para o campo da compreensão específica da práti­
ca dos atores sociais em movimento”. As classes, para Sader e
Paoli (1986: 61), seriam:

(...) um coletivo p resente duplam ente: 1 — na experiência única com


aqueles que se identificam com e em cada um a dessas situações e 2 — na
elab oração m ais geral d e todos, recon h ecen d o algo em com um en tre e x p e ­
riências distintas.

O que estes autores vêem de novo, teoricamente, é a possi­


bilidade de redefinir o conceito de classe, com a “descoberta da
m ultiplicidade de espaços onde se faz a classe”, “a existência de

coletivo; depende cm m enor medida das qualidades dos indivíduos.” “En­


caro o partido político com o o tipo ideal de um coletivo societá rio”.(Tönnies
1966; 1 2 4 4 ).
14. Também Cardoso (1987) anota a ação comunitária com o sendo o que os
distingue dos novos m ovim entos sociais.
C la ssk s S o c ia is 27

práticas que criam novos lugares sociais”, “a alteração das pró­


prias instituições no curso das experiências coletivas”. No entan­
to, como eles mesmos reconhecem, muitos outros autores, que
trabalhavam com o cotidiano das “classes populares”, perderam
toda e qualquer consciência, ou preocupação teórica, em seu es­
forço de “dar voz” aos dominados e visibilidade às suas práticas
de resistência. A verdade é que, na maioria das vezes, tal tendên­
cia intelectual rejeitou as teorias de classe sem mesmo as ter
submetido à crítica teórica.
Paralelamente, os estudos de formação da classe trabalha­
dora ganham uma nova vertente e um redobrado interesse pelas
análises do processo de trabalho, antes restrito à sociologia in­
dustrial (que nunca formou uma tradição forte entre nós), agora
retomados sob a ótica marxista, dada por Braverman (1974). Ao
encerrar a sua resenha, Vianna (1978: 90) anotara:

Registre-se, entretanto, que mal com eçaram as investigações so bre o


trab alh o e a vida op erária nas unidades fabris. R itm o de trabalho, relações
com o sindicato, com o d ep artam en to de pessoal da em presa, lazer, siste­
mas de interação h orizon tais e verticais, etc. são tem as que ainda fazem
p a tte de um te n itó tio a set d esco b etto e exptotado.

De fato, todo um grupo de pesquisadores (sociólogos e


antropólogos) procurarão articular as condições do processo de
trabalho às condições extrafabris, para dar conta da formação
dos trabalhadores em c/asse, quer como grupos identitários de
status, quer como coletivos políticos (partidos, sindicatos, associ­
ações). Estudos como os de Vera Pereira (1979), José Sérgio
Leite Lopes (1976) e jo h n Humphrey (1979, 1982), realizados na
segunda metade dos 70, foram pioneiros e emblemáticos deste
novo modo de analisar a classe operária, fosse industrial ou rural.
Forma-se na ANPOCS, paralelamente ao já tradicional Grupo
de Trabalho “Classe Operária e Sindicalism o”, um outro GT
sobre “Processo de Trabalho e Reivindicações Sociais”. Em 1984,
28 A n to n ío S é r g i o A ia -r u d o G u i m a r ã e s

um pequeno e seminal estudo de Nikon Vargas (1985) reavalia a


história das relações de trabalho no Brasil (relações entre burgue­
sia, Estado e operariado) a partir do conceito de taylorismo. O
texto é importante porque, ao periodizar a história brasileira con­
temporânea, a partir do novo conceito, oferece uma versão brasi­
leira para as novas teorias sobre o processo capitalista de traba­
lho. A partir daí, não cessam de crescer os estudos de “processo
de trabalho”, modo como eram referidos os estudos de caso em
unidades fabris. Em 1986, duas resenhas já haviam sido escritas
sobre o tema: Sorj (1983) e Abreu (1986). Mas o problema com a
maioria de tais estudos cedo foi apontado, aliás inutilmente, por
um observador arguto, como Vianna (1984: 228):

A fraqueza de grand e parte dessa literatura tem con sistido num certo
form alism o, d erivand o daí, com freqüência, um tratam en to da dim ensão da
política apenas co m o um elem ento estrutural - p o r exem plo, nos estudos
que se lim itam a d em o n strar que a política se en contra em butida no p ro ­
cesso de trabalho através do sistem a de m áquinas e no co n tro le social da
p ro d u ção -, c não na riqueza das suas d eterm inações con cretas no plan o da
con ju n tu ra.

Parte da riqueza dessa vertente entretanto, foi a de pôr os


estudos da classe trabalhadora em contato com tradições discipli­
nares, não apenas diversas, mas, no Brasil, inusitadas, tais como a
administração (Fleury e Fischer 1985), a antropologia urbana (Pe­
reira 1979; Lopes 1978 e 1988) , a engenharia de produção (Fleury
e Vargas 1983) e , principalmente, os estudos feministas (Rodri­
gues 1978; Abreu 1980; Pena 1981; Githay 1982; Humphrey e
H irata 1984; Hirata 1988; Souza-Lobo 1991). Os estudos de pro­
cesso de trabalho foram, também, segundo Bruschini (1993:2
apud Castro e Leite 1994), “a porta de entrada dos estudos sobre
a mulher na academia brasileira”. Para Castro e Leite (1994: 42),
“a crítica das relações sociais tecidas na produção e das formas
simbólicas de opressão teve, então, a virtude de vivificar tanto os
C i. a s s k s S o c i a i s 29

estudos feministas sobre mulher e trabalho, quanto o ‘núcleo


duro’ dos estudos de fábrica
No que toca à teoria das classes, em nível internacional, os
estudos sobre processo de trabalho ganham virtuosidade formal
e teórica com os estudos de Adam Przeworski (1977, 1979) sobre
a form ação de classes e de Michael Burawoy (1979, 1985) sobre regimes
fabris. A partir deles, foi possível revigorar a teoria marxista das
classes, integrando formalmente as esferas cotidianas de constru­
ção de interesses, valores e identidades ao mundo da produção, ou
seja, articulando “estrutura” e “experiência”. O impacto destes
conceitos sobre os estudos da classe trabalhadora brasileira, se
não foi direto, nem imediato, foi, sem dúvida, crescente.15
O utra vertente importante, nestes anos, foi a derivada dos
estudos sobre trajetórias operárias, muito influenciada pela pro­
dução acadêmica francesa e pela reconstrução da teoria das clas­
ses e da ação coletiva (Bourdieu 1974, 1979). Autores como Lopes
(1987, 1988) e Guimarães et a í (1995) docum entam , também,
esta tendência nos estudos sobre os trabalhadores urbanos.
Sintetizando, os estudos sobre a classe operária apresenta­
ram quatro v erten tes p rincipais, nesses últim os 25 anos,
identificáveis a partir da teoria de classe que os orientaram:
1. Foram estudos sobre o sindicalismo, ou centrados na
análise da ação sindical, quando as associações políticas
foram vistas como as representantes, p a r excelence, da clas­
se, à maneira da conceituação de Tònnies. Neste caso,
tivemos seja uma análise sociológica das determinações
estruturais, seja uma análise política das conjunturas, seja
a conjugação de ambas;
2. Foram estudos de valores e atitudes, quando se acredi­
tou que a classe era uma associação e não necessariamente

15. A produção da sociologia do trabalho baiana é tributária desta corrente.


Ver Guim arães (1988, 19 9 1, 1998), Castro (1990), Guim arães e Castro
(1990) e Castro e Guimarães (1996).
30 A n t o n io S k r g i o A u ;r k d o G u i m a r A k s

uma comunidade, e que, portanto, a identidade operária e


sua eventual ação política dependiam das características
sociais de seus membros;
3. Foram estudos do processo de trabalho e do mundo fa­
bril, quando a classe foi vista como determinada, em
última instância, pelo mundo da produção, e a organiza­
ção política, como tocus de alianças classistas espúrias, ou
de tutelagem;
4. Foram estudos de cidadania, quando se pensou que a
classe era o modo como os indivíduos realizavam, e atu­
alizavam, direitos civis de natureza coletiva.
Ao mesmo tempo, essas vertentes corresponderam a pro­
blemáticas sociais inscritas no mundo político brasileiro. Nos
anos 60, tratava-se de avaliar a continuidade das instituições cor­
porativas do Estado Novo, no processo de industrialização do
pós-guerra (democrático e liberal, até 64, e ditatorial, depois), e
explicar a ausência de atuação política do operariado, nos moldes
do capitalismo europeu. Nos anos 70, tratava-se de explicar o
caráter autonomista das reivindicações operárias emergentes. Nos
80, buscava-se compreender, seja a força das “bases”, i.e., dos
trabalhadores do chão-de-fábrica, nos destinos sindicais, seja as
reivindicações de direitos subjetivos e coletivos pelo conjunto
das organizações populares.

O S ESTUDO S SOBRE A S C LA SSE S M ÉDIAS

A recepção das idéias de Poulantzas no Brasil e até mesmo


o grande debate internacional16 sobre o estatuto das classes m é­
dias (a nova pequena burquesia e os trabalhadores não-produti-

16. Para acom panhar este debate ver PouJantzas (í 973, í 977, í 978, 3 983),
Carchedi (1977), W right (1 9 7 7 ,1 9 7 8 ,1 9 8 5 ), Ehrenreich e Bhrenreich (1979),
Abercom bie e U try (1983) e Simões (1992).
Ci.ASSiiS S o c i a i s 31

vos) não foram capazes de fazer com que os estudos sobre as


classes médias ganhassem, entre nós, o estilo de uma análise de
classes m arxista'7 (Simões, 1992). As teorizações sobre o papel das
classes médias, em termos marxistas, ficaram na forma incipiente
de anotações (Oliveira 1988), sem grande respaldo empírico.
A produção acadêmica brasileira sobre as classes médias pri­
vilegiará três temas: primeiro, estudos sobre categorias sociais de­
cisivas, em algumas conjunturas históricas, tais como os estudan­
tes ou os militares. No caso dos últimos, a sua persistente impor­
tância na vida nacional fará com que uma nova área temática, a
dos estudos militares, ganhe autonomia na academia brasileira (Co­
elho 1976, 1985; Martins 1974; Oliveira 1976; Stcpan 1971; Goes
1986; Zaverucha 1994; Leirner 1997). Segundo, estudos sobre a
mudança na situação de classe das camadas médias, que transitam
da autonomia para o assaiariamento (Evers 1982; Saes 1984). Tam­
bém importantes são os estudos sobre a relação entre camadas
sociais específicas (bacharéis, intelectuais etc.) c o poder político
no Brasil (Adorno 1988; Micelli 1979; Pinheiro 1974; Martins 1987).
Ainda nessa tradição, aparecem os estudos sobre categorias profis­
sionais específicas, como advogados, médicos e engenheiros (Bar­
bosa 1985; Kawamura 1981, 1986), que também acabam por criar
uma nova tradição de análise, diferente da análise de classe — a
sociologia das profissões (Bonelli e Donatoni 1996). Terceiro, e
principalmente, as análises sobre classes médias que se concen­
tram no estudo do associativismo e do sindicalismo (Almeida 1988;
Boschi 1987, 1989; Saes 1985) dessas camadas. Mais recentemen­
te, boa parte dos autores passa a dedicar-se ao estudo das condi­
ções de trabalho, das formas de organização sindical e de luta
política de segmentos das classes médias, tais como bancários,
professores e profissionais diversos (Blass 1992; Segnini 1998).

17. A exceção fica por conta da tese de doutorado de Simões (1989), defendi­
da em Londres.
32 A n t o n io S i í r g i o A i.p r k d o G u i m a r Ahs

A parte m ais inovadora, em t e r m o s teóricos, dos estudos


sobre as classes médias ficou por conta da grande proxim idade
dos pesquisadores do IUPERJ com a produção contem porânea
da sociologia e da ciência política am ericanas, principalm ente
no que concerne às teorias de ação coletiva, m ovim entos so­
ciais e de m obilização de recursos (M elucci 1981; Offe and
W iesenthal 1979; Olson Jr. 1965; Piven and Cloward 1.979;
O berschall 1973; Pizzorno 1976; T illy 1978). Esses autores
(Boschi 1984,1986,1987 e 1990; Saes 1984) trazem, portanto,
para os estudos de classe novas influências teóricas, através da
análise do associativism o e do sindicalism o de classe média em
sua relação com o poder político. Adem ais, o IUPERJ foi uma
das poucas instituições brasileiras que preservou (através dos
estudos de Nelson do Valle Silva e Carlos Hasenbalg) a tradi­
ção dos estudos de estratificação social iniciados, no Brasil, por
Hutchinson (1960), o que ofereceu aos seus projetos de pesqui­
sa, tanto sobre as classes médias quanto sobre o em presariado,
uma sólida base de dados estatísticos sobre m obilidade ocupa-
cional e mudanças na estrutura social.

O S ESTU D O S SOBRE O CAM PESIN ATO E 0 PRO LETARIADO RURAL

O clima político que, nos anos 60, informava o debate inte­


lectual sobre a natureza das classes sociais no campo brasileiro
foi muito bem sintetizado por Gnacarini e Moura (1983: 12) do
seguinte modo:

Polemizava-se se a noção de feudalismo não escondia um bias refor­


mista de certa corrente que propugnaria, coerentemente, uma etapa bur­
guesa necessária e dominante —aí incluída a agricultura - de organização
da sociedade. Inversamente, a rotulação de capitalista, conferida ao conjun­
to das relações de produção no campo, parecia uma forma apressada de
frisar a desnecessidade de uma reforma agrária.
C i.a s s k s S o c i a i s 33

De fato, o debate acerca da natureza da formação social


brasileira, se feudal ou capitalista, assim como do caráter da re­
volução brasileira, se burguesa ou socialista (Wagley 1951; Prado
Jr. 1966; Frank 1969; Fernandes 1974), marcaram os rum os dos
estudos sobre a estrutura e as classes agrárias (Palmeira 1971;
O liveira 1975; Sá Jr. 1973; M artins 1973, 1979, 1980, 1981;
Gnaccarini e M oura 1983; Sallum 1979; Santos 1991). Do mes­
mo modo, para a esquerda brasileira, as lutas de classe no campo,
principalmente as famosas Ligas Camponesas, foram historica­
mente um objeto privilegiado de reflexão.
A tradição de trabalhos empíricos sobre as classes sociais
no campo remonta aos trabalhos pioneiros de Antonio Cândido
(1964), Maria Isaura de Queiroz (1967 e 1973) e ao program a de
pesquisa coordenado por Roberto Cardoso de Oliveira (1976) e
Davi d Lewis, no Museu Nacional, a partir de 1968 (Gnaccarini e
Moura 1983). O fato, entretanto, c que, independentemente da
filiação, em termos teóricos, tais estudos permaneceram em diá­
logo constante com a teoria marxista sobre a renda da terra, e
com as teorias sociológicas sobre as classes sociais.18 O seu obje­
to teórico próprio, o campesinato, foi construído nos anos 60, de
modo a traçar a especificidade da teoria que se fará no Brasil. No
dizer de Gnaccarini e Moura (1983: 14-15), a pequena produção
camponesa, no Brasil,

seria p ro d u to da ocu p ação dc terras livres ou do fracion am en to das


fazendas que, num sistem a colonial, p rim eiro e d e expansão capitalista
p osterior, se m antém ou se recria na estru tu ra agrária co m o um a form a
que luta pela sua perm anência, ao m esm o tem po que dela se vale o sistem a

18. Exemplo disso é o sumário que Gnaccarini e Moura (1983: 17) fazem da
persistente análise da relação entre campesinato e capitalismo: “(...) po­
dem-se destacar dois tipos de trabalhos: os estudos onde a ênfase é posta
nas form as de subordinação do trabalho camponês ao capital e os estudos
das estruturas internas da produção familiar, interessados ambos nos diver­
sos planos de dominação-resistência que vivenciam os atores sociais.”
34 A n TO M O SH R CIO A J.FRJiDO &U1MARÃHS

d om inante para extração e captação de seu so b retrab alh o (...) [e] seria tam ­
bém gerada na ocu p ação da fron teira agrícola.

A realidade dos anos 70, principalmente o destroçamento


das organizações camponesas, o recrudescim ento da urbanização
e das migrações rurais-urbanas retiram, por um brevíssimo tem­
po, a centralidade do mundo rural para a intelectualidade brasi­
leira. Passa-se então por uma espécie de superação da divisão
empiricista entre rural e urbano (Martins 1981). Tal tendência já
estava presente num conjunto de estudos sobre o mercado de
trabalho rural que insistiam na unificação dos mercados de traba­
lho urbano e rural (Brant 1977) e na form ação de uma classe
operária no campo (Ianni 1976; Mello 1971).
Entretanto, ainda que teoricamente superada a divisão rural-
urbana, impor-se-ão, empiricamente, certos temas específicos ao
meio rural: 1) Os camponeses sem-terra, ou bóias-frias, e o sindi­
calismo rural (D’ Incao 1984; Ferrante e Safiotti 1986/1987; Sigaud
1986, 1989); 2) a modernização da agricultura e as políticas públi­
cas voltadas para a agricultura (Heredia 1988; Lewin 1985); 3) os
efeitos sociais das barragens hidroelétricas e as lutas que desenca­
deiam (Sigaud 1986a); 4) a expansão da fronteira agrícola (Martins
1979, 1980); 5) as lutas pelo acesso à terra (Martins 1973, 1981); 6)
a violência no campo (Porto 1992; Martins 1994).
O mainstream desta produção, sem deixar dc introduzir no­
vos temas e novos “olhares” sociológicos, i.e., sem deixar de
renovar-se teórica e metodologicamente, permanece firmemente
filiado aos estudos de classe. Ainda que, quando malfeita, possa
resvalar para a falta de criatividade de análises ortodoxas e ideo­
lógicas, além de contaminar-se pelo novo empiricismo das des­
crições sem autoria —a monótona repetição das falas dos entre­
vistados — que vicia atualmente todas as ciências sociais. Em
seus melhores momentos, esta produção é extremamente inova­
dora e refinada, como quando se dedica ao cotidiano familiar
C i .a s s k s S o c i a i s 35

camponês (Martins 1998; Gracia Jr. 1983, 1989). O fato é que a


relação teórica entre campesinato e capitalismo continuou a ser
problematizada em termos da luta de classes e da formação de
sujeitos, quer na linha do neo-m arxism o, quer na linhagem
bourdieusiana, quer na nova tradição da história social.

À G U ISA DE C O N C LU SÃ O : PARA NO VOS ESTU DO S DE C LA SSE

As análises de c/asse não esgotam, como vimos, a problemáti­


ca das classes sociais brasileiras. Por isso, certam ente, muitos
estudos que têm como objeto de reflexão as classes sociais não
se vêem a si mesmos como estudos de classe, mas como estudos
de “classes populares”, “violência”, “cidadania”, “movimento
negro” etc. etc.
O termo estudos de classe, portanto, c mais adequado para
referir um universo mais amplo, de estudos e ensaios, que utiliza
o conceito classes às vezes de um modo mais descritivo, mas
sempre com um sentido “nativo” 19, seja na própria análise, seja
na referência ao seu objeto.
Retomemos o fio teórico.
A teoria das classes surgiu com Marx como uma teoria da luta
de classes e da mudança histórica. O sucesso científico da teoria
deveu-se, em grande medida, à articulação que ela propunha entre as
esferas sociais —a economia, a sociedade, a política e a cultura —de

19. “Classe” pode ser referida com o sentido de um carism a ou estigma,


significando o prestígio social associado a uma pertença grupai. Neste
sentido, classe é muito próximo de status, liste c o m odo com o é usado
vulgarmente em expressões com o “fulano tem classe”, ou “um desclassifi­
cado”, popularizadas a partir do sentido do term o inglês cleus. Nas ciências
sociais, tal sentido foi recuperado pelos estudos de comunidade feitos em
Chicago, nos anos 20 e 30, para os quais a classe era, antes de tudo, um
grupo de convivência c comensalidade possíveis.
36 A n t o n io S k rg io Alfredo G u im arà k s

tal modo que uma certa ordem prevaleceria sempre entre elas: o
segredo de tal ordenamento devendo-se à produção da vida mate­
rial (à economia em última instância). Por muito tempo, a industri­
alização capitalista, na Europa, nos Estados Unidos e no resto do
mundo, pareceu dar razão a Marx, no sentido de que uma classe
emergente de trabalhadores industriais parecia ter interesses opos­
tos (do ponto de vista de um observador racional) à classe capita­
lista e vontade política de impor à sociedade um novo ordenamento
econômico. A teoria de Marx, entretanto, não dava conta da com­
plexidade da articulação entre economia, cultura e política.
O aprimoramento da teoria marxista foi, primeiramente, feito
por seus críticos, principalmente os cientistas sociais alemães,
que introduziram uma certa flexibilidade e contingência no modo
como tais esferas poderiam se articular, ou não. Conceitos como
o de associação, comunidade, classe, status e partido procuravam, justa­
mente, tornar analiticamente separáveis, e historicamente contin­
gentes, as diferentes esferas —a economia, o poder e o prestígio
social - , a organização de interesses racionais e o sentimento de
pertença comunitária. Tal revisão devia-se tanto à oposição ideo­
lógica quanto às crescentes dificuldades empíricas de dem onstra­
ção da teoria marxista no O c id e n te (Kautskí 1971), n o que pese
o seu sucesso político na Rússia.
Por dentro do marxismo acadêmico, só no começo dos 60
deste século a teoria marxista das classes veio a sofrer alterações
sign ificativas. Isso o correu tanto nas prop o siçõ es de E.P.
Thompson — em sua bem sucedida tentativa de fazer da expe­
riência coletiva e do sentimento comunitário os núcleos da for­
mação das classes trabalhadoras — quanto nas proposições de
Althusser e Poulantzas, que reconstruíam a teoria marxista em
seu feitio estru tu ralista (do ponto de vista conceituai) e
funcionalista (do ponto de vista da lógica de explicação).
No Brasil, a teoria das classes teve uma carreira interessan­
te. Do final dos anos 40 até o final dos 60, a teoria gozou de
C i .a s s k s S o c i a i s 37

invejável e uníssono prestígio. Foi introduzida na academia, como


vimos, por Costa Pinto e Florestan Fernandes contra a resistên­
cia de sociólogos e antropólogos, como Emilio Willems ou Donald
Pierson. Sofreu seus primeiros sinais de esgotamento apenas nos
anos 70, depois da derrota da esquerda e das forças populares,
em 1964 e 1968, e a emergência crescente, na última metade da
década, de movimentos sociais, inclusive operários, por fora do
sistema político e associativo de representação de interesses. Os
vícios que a teoria ganhou no Brasil, tornando-se uma simples
análise abstrata dc categorias rei ficadas, foram muito criticados
em alguns trabalhos da época, entre os quais salienta-se o artigo
de Cardoso (1975).
Do ponto de vista empírico, a crise da teoria de classes
reflete o desenvolvimento capitalista recente, que dissociou, em
grande parte, a economia e sua gestão, da política e da represen­
tação de interesses, mantendo o hiato, já existente, entre ambos e
as formas culturais. A sociabilidade inerente ao grande capital (o
individualismo, o universalismo de valores e a formalidade das
regras), longe de se impor ao conjunto da sociedade brasileira,
ficou prisioneira de um círculo restrito e internacionalizado de
pessoas, não chegando nem mesmo a atingir o conjunto das clas­
ses médias. Por outro lado, o sistema político foi mais facilmente
vulnerável à representação dos interesses e dos valores dos diver­
sos grupos sociais, incluindo as classes típicas do capitalismo,
mas não se restringindo a elas no que pesem os intervalos perió­
dicos de anulação da ordem democrática.
De fato, enquanto a sociabilidade burguesa clássica —muito
bem apreendida por Marx em seus traços mais gerais —tende a
internacionalizar-se, buscando esferas transnacionais de repre­
sentação de interesses, inclusive instâncias reguladoras autôno­
mas, como o FMI, o Banco Central americano, o Parlamento
Europeu etc., os Estados nacionais tornaram-se mais vuneráveis
à penetração dos valores e dos interesses das camadas subalter-
38 A n t o n io S k r g i o A i .p r u d o G u i m a r Ahs

nas, ou não hegemônicas economicamente, sem, contudo, conse­


guir impor-lhes a forma de sociabilidade do grande capital. Isso
fez com que os grupos sociais —etnias, comunidades e associa­
ções diversas — c não apenas as classes típicas do capitalismo,
passassem a ter uma importância crescente para a análise socio­
lógica e política.
As tentativas de reconstrução da teoria das classes marxis­
tas, feitas, primeiro, por Poulantzas e, depois, pelos marxistas
analíticos (Wright 1977, 1978,1985), apesar de introduzirem fle­
xibilidade e clareza à análise, mantêm ainda um organicismo pré-
estabelecido entre as esferas sociais, que não parece viger na
prática. Por conta disto, a corrente crítica liderada por E.P.
Thom pson, desde 1958, quando do aparecimento do seu The
Form ation o j the Eng/ish Working C lass, parece cada vez mais
hegemônica na academia.

* * *

Para ser preciso, o term o “classe” com eçou a ser utiliza­


do nos estudos da sociedade (pela filosofia m oral, principal­
mente) associado aos privilégios e ao sentim ento de honra
social, próprios ao dom ínio aristocrático e ao ancien régime.
M arx tem certam ente razão quando reivindicou ter retirado
do term o este sentido subjetivo e valorativo para referi-lo a
posições objetivas na estrutura social, às quais corresponderiam
interesses e orientações de ação sim ilares. Foi com este senti­
do propriam ente sociológico que o term o foi incorporado às
m odernas ciências sociais.
Max Weber, ao separar analiticamente as dimensões econô­
mica, política e social da distribuição do poder nas sociedades foi
mais longe: deu um sentido mais preciso ao termo “classe”, dis-
tinguindo-o dos fenômenos ligados à distribuição da honra e do
prestígio sociais. Tal separação analítica perm itiu que se pudesse
C i .a s s k s S o c i a i s 39

problematizar, desvinculada da distribuição econômica de rique­


zas, a continuidade, nas sociedades modernas, dos fenômenos de
distribuição da honra e do prestígio sociais.
No entanto, prevaleceu, no pensamento sociológico, a asso­
ciação das “classes sociais” a ordens competitivas, a relações
sociais abertas, ao capitalismo e à modernidade. O sentido inglês,
ancien régime, do termo permaneceu apenas no uso vulgar, princi­
palmente nos Estados Unidos e Inglaterra.
No Brasil, onde as discriminações raciais (aquelas determ i­
nadas pelas noções de raça e cor) são amplamente consideradas
pelo senso comum como discriminações de classe, o sentido pré-
sociológico do termo nunca deixou de ter vigência. Este sentido
ancien do termo “classe” pode ser compreendido como perten­
cendo à ordem das desigualdades de direitos, da distribuição da
honra e do prestígio sociais, em sociedades capitalistas e moder­
nas, onde permaneceu razoavelmente intacta uma ordem hierár­
quica de privilégios, e onde uma middle class não foi capaz de
desfazer os privilégios sociais e de estabelecer os ideários da
igualdade e da cidadania.
Preencher o vazio teórico ocupado pela referência vulgar à
“classe” talvez seja a grande tarefa da sociologia dos anos 90.
Boa parte da produção sociológica no Brasil, a partir dos 80, a
começar pelos ensaios seminais de Roberto DaMatta (1984, 1985,
1990), apontam nesta direção: a chamada sociedade de classes,
no Brasil, não pressupõe uma ordem social igualitária e relações
sociais abertas.
Em Relativi^ando, por exemplo, DaMatta (1984) retoma uma
interpretação clássica de M arvin Harris, reelaborando-a a partir
das idéias de Dumont sobre a relação entre racismo e igualdade,
para colocar a hipótese de que teria sido a “quase rígida estrutura
de classes” brasileira a responsável pela relativa ausência de dis­
criminação racial no país. Ora, parece-me que a confusão brasi­
leira tradicional entre discriminação de classe e discriminação
40 A k t o n i o S h r g io A í -h u -d o G im m a r á b s

racial se deve tanto a uma postura ideológica quanto à confusão


e ao constante deslizamento semântico entre os três significados
do term o “classe” —grupo identitário, associação de interesses e
sujeito político e histórico.
Assim como o termo cidadania traz implícito o sentimento
de nacionalidade comum, pressuposto não problematizado nor­
malmente pelos teóricos, o termo classe, mesmo quando em prega­
do em seu sentido sociológico, que explicitam ente o relaciona a
uma ordem de igualdade de direitos, pressupõe, de fato, os privi­
légios e, portanto, a desigualdade de direitos que o term o vulgar
e pré-sociológico sugere. A guisa de exemplo, dizer que não é
racial a discriminação que, no Brasil, sofrem os negros, equivale
a silenciar o que deveria ser dito: que se encontra ativo, na nossa
ordem de classes, o princípio de desigualdade de direitos indivi­
duais. No mesmo diapasão, José M urilo de Carvalho (1998) cha­
mou a atenção para o fato de que a noção de cidadania, no
Brasil, refere-se mais propriamente à igualdade de direitos políti­
cos que à igualdade de direitos civis.
Se estou certo, pois, boa parte da literatura sociológica con­
temporânea, que toma como tema central a exclusão e a limitação
de cidadania d as classes populares, está realmente referida ao campo
temático das classes sociais no que tange à ordem estamental, à
ação de grupos, à sua hierarquia e à formação de comunidades,
mesmo quando distante da problem ática econômica das c/asses.
O desafio teórico do presente é, justamente, fazer confluir
os estudos sobre a desigualdade dos indivíduos e das classes (no
sentido de produto de classificações identitárias). Isso significa
fazer dialogar tradições que refletem sobre (a) as tradições
patrimonialistas e autoritárias ; (b) a ideologia da desigualdade
brasileira, sob a forma mitológica de democracia racial, (c) a prática
cotidiana da desigualdade, através da violência física e simbólica;
(d) a formação de atores coletivos e sua política; (e) a inserção
econôm ica destes atores e a sua dinâmica produtiva.
Cl.íVSSKS S O C IM S 41

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M o bilid a d e S ocial

N e Ison do Valle Silva

Como sabem os, o term o “m obilidade social” se refere ao


movim ento, norm alm ente de indivíduos (mas, por vezes, de gru ­
pos sociais), entre posições diferentes dentro de um sistem a de
estratificação social em um a sociedade qualquer. Assim , o estudo
da m obilidade social enfoca um processo, um movimento que reflete a
distribuição de oportunidades. E m bora seja um dos elem entos que
conform am o sistem a de desigualdades, a m obilidade social não
deve ser equacionada com este último. Dessa form a, análises sobre
a extensão, grau e o escopo das desigualdades sociais, ou sobre a
form ação de classes ou grupos sociais específicos (tais com o os
pobres, os trabalhadores por conta própria, os bóia-frias, a classe
m édia etc.), por mais m eritórios e interessantes que possam ser,
não constituem o objeto dos estudos de m obilidade social propria­
m ente dita e, com o tal, não serão tratados nesta resenha.
Possivelm ente o fato m ais notável a respeito da literatura
sociológica brasileira sobre o tem a da m obilidade social é a rela­
tiva escassez desta produção, fato surpreendente num país que
reivindica para si a duvidosa distinção de “cam peão m undial de
58 N k i .s o n d o V a l l e S i l v a

d e sig u a ld a d e s” . C e rtam e n te este fato não é ex p licáv el p ela


irrelevância do tema.
A m agreza da produção nacional contrasta vivam ente com
0 quadro que se obtém quando exam inam os a literatura in tern a­
cional, especialm ente com aquela produzida nos países de língua
inglesa (para um a análise quantitativa desta tem ática na produção
sociológica am ericana, veja-se, por exem plo, B urton e G rusky,
1992). A credito que se pode dizer que o tem a da estratificação
social de form a geral, e em particular a análise da m obilidade
social, tipificavam a produção am ericana nas décadas de 70 c 80,
c o m o ainda hoje p arece dom inar a produção no m ain-stnam da
sociologia inglesa. D ificilm ente folheam os um núm ero da Sociology
ou da British Jou rn al o f Sociology sem encontrar pelo m enos um
artigo nessa tem ática.
Com o a produção brasileira segue no geral os ciclos da pro­
dução internacional —com crescente defasagem , com o verem os —,
talvez valha a pena com eçar com um quadro muito sum ário da
literatura internacional. É o que tentarei fazer na seção seguinte.
A ntes disso, porém , é conveniente alertar para um ponto im por­
tante, que é o da íntim a relação existente entre a pesquisa sobre
estratificação e m obilidade social e as inovações m etodológicas em
análise quantitativa na Sociologia. Como tentarei m ostrar a seguir,
essa área de pesquisa sem pre foi a porta de entrada dos métodos
quantitativos em nossa disciplina, definindo sem pre a fronteira de
sua aplicação. A crescente sofisticação m etodológica que pode ser
observada nos estudos de m obilidade das últim as décadas pode
provavelm ente , assim acredito, ser uma das explicações da tam ­
bém crescente defasagem da produção nacional.

1 - B r e v ís s im o Re s u m o dos C ic l o s In t e r n a c io n a is

Seguindo um a recom endação do C om itê de Pesquisa sobre


E stratificação Social da A ssociação Internacional de Sociologia
M o B iu D A D ti S o c ia l 59

(ISA) posta adiante cerca de 1950, urna série de países realizaram


estudos nacionais sobre a m obilidade social entre gerações. Na
esteira do estudo pioneiro de R o go ff (1953) sobre a cidade am e­
ricana de Indianápolis, G lass (1954) publica seu im p ortan te estu ­
do sobre a G rã-B retanha, C arlsson (1958) sobre a N oruega e, já
na década seguinte, Svalatoga (1965) com pleta sua análise sobre
a D inam arca. E stes são apenas os levantam entos de m aior fôlego
d e um ciclo que perm itiu a -análise com parativa de M iller (1960)
e a co ntribuição fundam ental de L ip set e B endix (1959), que
form ula a hipótese da sim ilaridade básica dos padrões de m ob ili­
dade nos p aíses industrializados.
A s análises deste ciclo possuem algum as características bá­
sicas com uns, que estabeleceram o form ato, o conteúdo e as
principais questões que nortearam os trabalhos futuros na área.
Em prim eiro lugar, m obilidade social é essencialm ente tratada
com o m obilidade ocupacional, as ocupações sendo m ensuradas
através de um a escala categórica ordinal, norm alm ente seguindo
um critério de prestígio ocupacional, e cm que as dim ensões de
diferenciação rural/urbana e m anual/não-m anual representam os
pontos de corte fundam entais. Tanto assim que, dadas as diferen­
ças nas escalas adotadas nos diversos levantam entos, as análises
com parativas internações tiveram que adotar com o estratégia an a­
lítica a redução das escalas ocupacionais à tricotom ia rural/m a-
nual urbano/ urbano não-m anual.
A m obilidade ocupacional é então entendida com o um a re­
lação de fluxos entre os estratos ocupacionais, podendo ser re­
presentada po r um a tabela de contingência bidim ensional em que
um a das dim ensões representa a origem social dos indivíduos
(norm alm ente a ocupação de seu pai no m om ento de sua entrada
no m ercado de trabalho) e a outra dim ensão representa a sua
posição de destino (isto é, seu estrato ocupacional atual ou o de
sua prim eira ocupação). D ada a baixa participação fem inina na
força de trabalho, as análises se restringiram ao exam e da popula­
60 N k l s o n d o V a i .l k S i l v a

ção m asculina adulta, adotando-se a cham ada “visão convencio­


n al” em que a situação da fam ília seria determ inada pela de seu
chefe (ou seja, o m arido/pai), sendo a posição fem inina subo rdi­
nada à dele.
E ste tipo de abordagem se baseou num tipo de inovação
m etodológica que era a aplicação do m odelo dc independência
estatística (hoje totalm en te fam iliar àqueles que já aplicaram o
conhecido “ teste do Q ui-quadrado”). M ais especificam ente, in­
troduzido de form a independente e sim ultânea por R o go ff e por
G lass, dos dois lados do A tlântico, a independência estatística
en tre origem e destino social é concebida com o base analítica —
com pondo o m odelo de “ M obilidade Perfeita” - sendo o padrão
da m obilidade analisado pela discrepância entre os fluxos o bser­
vados e aqueles esperados no caso de total igualitarism o de o p or­
tunidades. Para isto, foi inventado pelos autores citados o que se
denom inou de “ razão de m obilidade”, consistindo esta na razão
en tre a freqüência (fluxo) observada na célula específica da tabe­
la e a freqüência esperada naquela m esm a célula no caso de
M obilidade Perfeita (independência entre origem e destino), esta
representando a com pleta igualdade de oportunidades.
A lém disso, com o a escala ocupacional tem um a ordinalidade
im plícita, pode-se falar em m obilidade “ascenden te” ou “descen ­
dente”, além , obviam ente, de “im o bilidade” em relação ao total
observado. Com isso, podia-se inferir se a sociedade analisada
estava tendo um a trajetória global predom inantem ente positiva
(m ais gen te m elhorando de situação social) ou negativa.
F inalm ente, um a im portante questão que surge neste ciclo
de pesquisas é a tentativa de distinguir em piricam ente a cham ada
“m obilidade de circulação ” ou “por trocas” —indicativa do nível
de fluidez/rigidez intrínseca ou de com petitividade m eritocrática
característica da sociedade em análise, ou seja, o quão socialm en­
te “dem ocrática” ela é —da m obilidade “estrutural” ou “induzida”,
resultado das m udanças nas distribuições ocupacionais de pais
M o b i i .i d a d k S o c i a i . 61

(origem ) e de seus filhos (destino). Por exem plo, quando as o cu­


pações de m aior j 'tatus se expandem num ericam ente e as cie baixo
status se contraem , com o ocorre em períodos de industrialização
e de crescim ento econôm ico, um nível considerável de m obilida­
de ascendente se dá, inevitavelm ente, a despeito do nível de rigi­
dez estrutural, isto é, de quanto a origem social influen cia o
sucesso ocupacional. O peracionalm ente, a intensidade da m ob ili­
d ad e e s tru tu ra l é m e d id a p ela d ife re n ç a (p elo “ ín d ic e de
dissim ilaridade”) percentual entre as distribuições de origem e de
destino, sendo o com plem ento desta diferença em relação ao
total de indivíduos “ m óveis” a m edida da intensidade da m obili­
dade “de circulação” .
E ste ciclo de pesquisa se encerra quando D uncan (1966)
publica seu ensaio sobre questões m etodológicas destas análises
de m obilidade social. A crítica é profunda e extensa. A credito
que as principais observações que levaram ao abandono relativo
da tradição anterior são duas: em prim eiro lugar, em term os da
interpretação das inform ações contidas na tabela de m obilidade,
a m obilidade era conceitualizada com o um a transform ação po­
pulacional que levava à substituição da estrutura ocupacional da
geração dos pais (um dos m arginais da tabela) pela estrutura
ocupacional da geração dos filhos (a outra m arginal). D uncan
observa que, se este últim o term o de fato representa o perfil
ocupacional da geração atual de filhos, não se pode dizer do
prim eiro term o, aquele referente à suposta geração dos pais. A qui,
não só tem os um a com binação de pais de diversas geraçõ es dife­
rentes (por exem plo, num a tabela de m obilidade, com o a unidade
de observação é o indivíduo particip ante no m ercado de traba­
lho, podem os ter nesta tabela indivíduos que estão representados
tanto na geração de filhos com o, duplam ente, na de pais), com o a
fecundidade diferencial faz com que pais sejam representados
repetidas vezes, de acordo com o núm ero de filhos que tiveram .
A lém do que, indivíduos que não tiveram filhos nas gerações
62 N ni .s o n n o V a i . i. i ; S i i .v a

anteriores não são representados na tabela na geração de “p ais” .


Portanto, o marginal correspondente não representa qualquer perfil
ocupacional de qualquer geração anterior que possa ter existido,
o que invalida a interpretação da m obilidade com o um a transfor­
m ação populacional intergeracional.
O segundo ponto, de natureza m ais propriam ente estatísti­
ca, diz respeito à precariedade técnica da “razão de m obilidade” .
Por se basear no m odelo de independência, o qual notoriam ente
não se ajusta adequadam ente a qualquer tabela de m obilidade
conhecida, o denom inador daquela razão (a freqüência esperada)
não controla, conform e pretendido, os efeitos das distribuições
m arginais, prejudicando desta form a as estim ativas dos padrões
de circulação. Em outras palavras, os efeitos das m udanças estru ­
turais (indicados pelos m arginais) só podem ser corretam ente
estim ados e controlados a partir de um m odelo que se ajuste
adequadam ente aos dados observados, o que nunca é o caso do
m odelo de M obilidade Perfeita.
N ão apenas D uncan faz a crítica m etodológica da pesquisa
de m obilidade então dom inante, com o propõe um a nova e revo­
lucionária abordagem . Em seu trabalho em colaboração com P.
B lau (Blau e D uncan, 1967) é feita um a análise de dados oriun­
dos de um a am ostra nacional dom iciliar em term os de um novo
arcabouço conceituai, por ele denom inado de “ m odelo de reali­
z a ç ã o de s ta tu s ” . O m o d elo de “ re a liz a ç ã o de s ta tu s ”
reconceitualiza a m obilidade em term os das influências que as
origens sociais e outros atributos do indivíduo tem em suas chances
de vida, m ais especificam ente em seu status ocupacional. E pro ­
posto um m odelo básico que disseca os efeitos sobre a realização
ocupacional da educação e do status no prim eiro em prego, bem
com o do status paterno (por sua vez m ensurado pela educação do
pai e do status o cupacio nal paterno). A análise inclui ainda a
influência de outros fatores nas carreiras individuais, tais com o
raça e situação m igratória.
M O BII.ID AD K SO C IA L 63

D e um ponto de vista m etodológico, o m odelo de realiza­


ção de status representou a prim eira aplicação sociológica de rele­
vo de um m étodo im po rtado da bioestatística denom inado “aná­
lise de trajetórias” (path analysis), cujos parâm etros básicos po­
dem ser estim ados pelos agora fam iliares m étodos de regressão
linear. A lém disso, no cerne do m odelo de realização está a escala
de status ocupacional, que necessita ser m étrica e baseada na
classificação ocupacional a m ais detalhada possível. O m étodo
de “análise de trajetórias” em m odelos causais gozou a p artir daí
de im ensa voga, que dura até o início dos anos 80, constituindo
durante este período, sem a m enor dúvida, o m étodo quantitativo
p o r excelência de análise sociológica.
C u rio sam en te, en quan to D uncan p ro m o via a revolução
p arad ig m ática n o s estu d o s de m o b ilid ad e, o estatístico Leo
G oodm an prosseguia em seus objetivos de desenvolver m étodos
para análise de dados categóricos em geral e, em particular, para
tabelas quadradas (aquelas em que se utiliza a m esm a classifica­
ção nas duas dim ensões, com o é o caso da tabela de m obilidade,
em que tan to a variável de o rigem com o a de d estin o são
m ensuradas pela m esm a escala). Um prim eiro avanço alcançado
por G oodm an foi o desenvolvim ento da idéia de quase-indepen-
dência: a possibilidade de que o caso de independência estatística
fosse aplicável a parte da tabela apenas, c não a seu todo. No
caso da tabela de m obilidade, esta seria um a aplicação interessan­
te, dado que, com a ubiqüidade da herança social, estas tabelas
sistem aticam ente apresentam discrepância m aior em relação ao
caso de independência pelo fato de que as células ao longo da
m arginal principal apresentam um a freqüência observada muito
acim a do esperado. Com isso seria possível pensar num novo
m odelo em que a independência entre origem e destino se ap li­
casse apenas nas células fora da diagonal principal. O u seja, po­
deria se pensar num m odelo em que a sociedade seria com posta
por dois tipos de indivíduos: os m óveis e os herdeiros (stayers).
64 N k i .s o n do V a i .i.k S ii .v a

Para os m óveis se especificaria que, um a vez abandonado o es­


trato de origem (pelo bem ou pelo m al), o seu estrato de destino
seria independente do estrato de onde ele veio. Este, obviam ente,
é um m odelo bem m ais plausível que o de independência sim ples
para o caso de estudos de m obilidade, um a vez que incorpora a
universalidade da herança social, tendo então sido denom inado
neste contexto de m odelo de “M obilidade Q uase-Perfeita” .
O trabalho de form alização dos m odelos de quase-indepen-
dência levou G oodm an a desenvolver m étodos que perm itissem
p rever as freqüências observadas numa tabela. A generalização
destes procedim entos foi possível a p artir da observação de que
este tipo de m odelo im plica na fixação a p riori de alguns m argi­
nais da tabela que deverão ser respeitados na obtenção das fre­
qüências esperadas (no sentido em que, por exem plo, no m odelo
de independência, as som as das freqüências esperadas têm que
reproduzir os totais m arginais de linha e coluna observados). A
disponibilidade de um procedim ento de ajustam ento p ro po rcio ­
nal das células para quaisquer m arginais fixos a priori, devido aos
estatísticos D ening e Stephan, e que têm a propriedade de obter
as estim ativas de m áxim a verossim ilhança das freqüências esp e­
radas dadas estas restrições, perm itiu a G oodm an desenvolver
um a classe de m odelos adequados ao tratam ento de dados cate­
góricos que recebeu a denom inação gen érica de “M odelos Log-
lineares” . O im pacto tecnológico destas inovações foi trem endo,
elevando a análise de dados categóricos ao m esm o nível de so fis­
ticação e versatilidade dos m étodos já disponíveis para o trata­
m ento de dados quantitativos.
N o âm bito das an álises de m o bilidade social a m odelagem
lo g -lin ear caracteriza um novo ciclo que, no entanto, representa
em certa m edida um reto rno às p reocupaçõ es do prim eiro ciclo.
A m o bilidade en ten dida com o um a relação en tre estrato s so ­
ciais (e não com o um p ro cesso individual) vo lta a co n stitu ir o
cern e das análises. Para isto con trib uiu tam bém um a crescen te
M o b iu d a d k So c ia í.
65

do m inân cia do paradigm a teórico w eb erian o na análise da es­


tratificação so cial, que aco m p an h a a crise do estru tu ralism o
m arxista ao lon go da d écada de 80. C om o se sabe, para W eber a
m o bilidade rep resen ta o próprio p ro cesso estru tu rad o r do que
ele cham a de “classes so ciais” . A ssim , em b o ra o novo ciclo
tenha pontos em com um com a prim eira fase dos estu d o s de
m o bilidade, o en fo que explícito ago ra é a relação da m o bilidade
com a estru tu ra de classes. N essa lin h a, o prin cipal p ro gram a
de p esquisa é aquele liderado p o r G o ld th o rp e que, após um a
p esquisa de fô lego sobre a G rã-B retanh a (G o ldth o rp e, 1980),
d eslanch ou um pro jeto m ultin acio n al envolvendo a m aio r parte
dos p aíses in d u strializad o s, cujo relató rio co m p arativo foi re­
cen tem en te p ub licad o (E fikson e G o ld th o rp e, 1992). N o te-se
ainda que um pro gram a m ultin acion al de p esquisa sobre a es­
trutura de classes nas so ciedades indu striais, este de inspiração
n eo -m arxista e liderado p o r E. O. W righ t, tam bém envolveu
an álises de m o b ilidade social (e utilizando as m esm as técnicas
L o g-lineares) e tam bém teve seu relatório com p arativo ainda
m ais recen tem en te publicado (W right, 1997).
E ste ciclo dom inado pela m odelagem log-lin ear ainda não
se e s g o t o u , c o m d e s e n v o lv im e n t o s t é c n i c o s m a is r e c e n t e s q u e
utilizam eventuais propriedades ordinais das escalas ocupacio-
nais, e, ainda m ais recentem ente, com técnicas que prom etem a
incorporação e avaliação de efeitos de variáveis quantitativas so­
bre os padrões e níveis de m obilidade. A inda existe bastante
espaço para análises inovadoras dentro deste paradigm a técnico.
D e outro lado, há um reconhecim ento geral de que esta área de
pesquisa desenvolveu um forte paradigm a dom inante, o que, n a­
turalm ente, tem tido com o conseqüência, na opinião de alguns
críticos, o c u s t o de restrin gir as p o ss ib ilid a d es de inovação e
reconceitualização do processo de m obilidade. U m a revisão críti­
ca recente da literatura sobre m obilidade social pode ser encon­
trada em M iller (1998).
66 N k i .s o n n o V a i . i . h S i l v a

II - A Produção sobre M o b il id a d e no B r a s il

Os estudos em píricos de m obilidade social no B rasil têm


um a história tão an tiga quanto aquela d iscutid a para outros p aí­
ses na prim eira seção deste trabalho. Já em m eados da década de
50 o inglês B. H utchinson, em colaboração com diversos so ció lo ­
gos brasileiros, levou a cabo um estudo sobre este tem a na cid a­
d e de São Paulo, sob o patrocínio do C entro B rasileiro de Pes­
quisas E ducacionais, tendo relatório desta p esquisa sido p ub lica­
do em livro (H utchinson, 1957; H utchinson, 1960). A pesquisa
sobre a m etrópole paulistana teve im portante im pacto na literatu ­
ra sociológica internacio nal, alim en tan do o debate sobre a re la­
ção en tre desen vo lvim en to eco nô m ico e m udanças sociais. D e
tal form a este im pacto foi relevante que o C entro L atin o A m e­
rican o de P esquisas So ciais, sob o p atro cín io da U N E SC O , e s­
tendeu este esfo rço de p esq u isa a o utras m etró p o les latino-
am erican as; a saber, M o n tevidéu , Buenos A ires, S an tiago de
C hile e Rio de Jan eiro (CLA CS, 1958; H utchinson, 1962; 1963;
Iu tak a, 1962). A lém de co n trib u ir p ara o deb ate so cio ló gico
substantivo, o trabalho de H utchinson e seus co labo radores teve
im pacto im p o rtan te ainda na v erten te m eto d o ló gica, co n stitu in ­
d o referência o b rigató ria no que se refere ao desen vo lvim en to
d e alguns co nceito s fundam entais dos estudos de m obilidade,
até hoje pertinentes, com o os de m obilidade “estrutural” e “de
tro cas” (H utchinson, 1958).
D urante um bom período o tem a da m obilidade continuaria
a m erecer a atenção das análises acadêm icas, especialm ente em
São Paulo. D iversas dissertações e teses foram defendidas em
que a m obilidade social de grup os específicos era enfocada, sen ­
do exem plos deste tipo de análise a dissertação de m estrado de
D urhan, M obilidade e A ssimilação: a história do imigrante italiano mim
município paulista (D urhan, 1964); a tese de doutorado de Pereira,
Cor\ profissão e mobilidade: o negro no radio de São Pait/o (Pereira,
M o b i i .i d a d k S o c i a l 67

1966); e o trabalho de doutorado de Ruth C ardoso sobre os


japoneses, intitulado Estrutura fa m ilia r e M obilidade social: estudo dos
japoneses no Estado de São Paulo (Cardoso, 1972), todos defendidos
na USP.
N o entanto, m ais de uma década iria se p assar depois da
análise pioneira de H utchinson, até que novos dados gerais e
novos estudos fossem feitos. A penas em 1973, em pleno auge do
“m ilagre econôm ico” brasileiro, a Fundação IB G E tom ou a in i­
ciativa de realizar um levantam ento nacional sobre a questão da
m obilidade social, o que foi feito através de um questionário
suplem entar à Pesquisa N acional por A m ostragem D om iciliar
(PN AD ) daquele ano. A análise dos dados desta pesquisa propi­
ciou a publicação, já no final da década, da contribuição funda­
m ental de Pastore (1979).
A pesar de incluir um capítulo final em que se avalia um
m odelo de “ realização de status”, o trabalho de Pastore se inscre­
ve essencialm ente naquele que dom inam os o prim eiro ciclo dos
estudos sobre m obilidade. A preocupação substantiva é com a
articulação entre desenvolvim ento econôm ico e m udanças so­
ciais e, m etodologicam ente, a ênfase é dada na quantificação da
intensidade e direção da m obilidade ocupacional, bem com o na
avaliação do peso relativo de m atrizes de m obilidade.
Pastore utiliza em sua análise um a escala ocupacional pura­
m ente ordinal, com posta de seis estratos obtidos por critérios
baseados essencialm ente na sim ilaridade da posição socioeconô-
m ica destas ocupações. A s clivagens rural/m anual/não-m anual
são m antidas e constituem distinções substantivas fundam entais.
N esse sentido, um problem a que surge com esta escala é o de em
que m edida as ocupações próxim as da fronteira estão subm etidas
a um a ordenação hierárquica consistente. Em outras palavras, a
situação sócio-econôm ica de boa parte das ocupações dos dois
lados da fronteira rural/m anual e da fronteira m anual/não-m a­
nual são ou indistinguíveis ou eventualm ente com posição hierár-
68 N k l so n d o V a l l k S ilva

quica invertida, colocando em questão a possibilidade de se ca­


racterizar a m obilidade entre estas ocupações com o “ascendente”
ou “descendente” . E ste fato im plica em que , possivelm ente, a
quantificação destes tipos de m obilidade esteja superestim ada,
dada a predom inância da m obilidade de curta distância em torno
destes pontos de corte. D e qualquer form a, observe-se que Silva
(1979), reanalisando os dados de Pastore, co nfirm a a significância
cie b arreiras à m obilidade social nestes pontos de clivagem , esp e­
cialm en te no que diz respeito à m obilidade descendente.
A disponibilidade posterior de dados sobre m obilidade nas
P N A D ’s de 1976, 1982 e 1988 deram m argem a que novos estu­
dos fossem realizados. Pastore, com diferentes colaboradores, re­
plicou seu estudo com dados de 1982 e de 1988 (e.g. Pastore e
Z ylberstajn, 1993; Pastore e H aller, 1993) perm itindo um a análise
evolutiva dos níveis e padrões de m obilidade, pondo em relevo os
possíveis efeitos da crise dos anos 80. E stas análises foram , no
en tan to , feitas ain d a no m esm o arcab o u ço su b stan tiv o e
m etodológico do trabalho anterior, isto é, daquele que dom inei de
prim eiro ciclo. O bserve-se, adicionalm ente, que os dois únicos tra­
balhos que tratam das diferenças raciais no processo de m obilida­
de no Brasil, o de H asenbalg (1988) e de C aillaux (1994), tam bém
se localizam na tradição do prim eiro ciclo, em bora utilizem esca­
las ocupacionais diferentes daquela em pregada por Pastore.
As atualizações que Pastore prom oveu de seu estudo p are­
ciam indicar um forte aum ento na m obilidade descendente ao
lon go do tem po, fato que estaria em concordância com a crise
cíclica que o país enfrentou durante a cham ada “década p erd i­
d a ”. Lam entavelm ente, estas conclusões se baseavam num erro
fatual derivado de um engano nas alocações dos títulos o cup a­
cion ais aos grup os (estratos) agregado s utilizados. D evido ao
fato de que a classificação ocupacional detalhada em pregada pelo
IB G E nas PN A D s da década de 80 diferir da escala em pregada
no estudo original (com o vim os, baseado na PN A D de 1973), foi
M o b ii.id a d k S o c ia l 69

necessária um a com patibilização entre as duas classificações ocu-


pacionais. A con tece que na classificação de 1973 a categoria de
“produtores agrícolas p o r conta própria'’ se encontrava codificada na
m esm a categoria de “ trabalhadores agrícolas (empregados) ” e, com o
tal, alocados ao estrato m ais baixo da escala utilizada por Pastore.
N esta úllim a, os “produtores agrícolas {proprietários/empregadores)”
se encontravam alocados ao 4.° estrato da escala. J á na classifica­
ção da década de 80, “produtores agrícolas p o r conta própria ” e
“trabalhadores agrícolas empregados” haviam sido separados em ca­
tegorias distintas. A parentem ente por um engano de codificação
ocasionado por docum entação original deficiente, os “produtores
agrícolas p o r conta própria ’ nestas análises foram alocados ao 4.°
estrato, juntam ente com os “proprietários/empregadores agrícolas” , e
não ao prim eiro estrato, com o deveria ser para ficar com patível
com a classificação de 1973. O u seja, os produtores rurais autôno­
mos, que de fato tem perfil sócio-econôm ico m uito sim ilar aos
trabalhadores rurais empregados, foram “prom ovidos” ao estrato de
“proprietários/empregadores rurais”, do que resultou um a significati­
va superestim ação da m obilidade intergeracional descendendo
(artificialm ente) do estrato 4 para o estrato 1.
O desenvolvim ento das escalas m étricas para m ensurar o
status so cio eco nô m ico das ocupações (Silva, 1974; Bilis et a í,
1985; H aller e Bilis, 1979; H aller e Saraiva, 1972) p erm itiu que
um a série de estudos inseridos no segundo ciclo, o dos m odelos
de realização de status , fossem feitos. O pólo dinâm ico desta
produção estava localizado no exterior, m ais p recisam ente na
universidade de W isconsin, onde sob a liderança de A. O. H aller,
m as com a colaboração de pesquisadores brasileiros, foi co n du­
zido um im portantíssim o program a de pesquisa sobre a estrutura
da m obilidade social brasileira (e.g. H aller e Saraiva, 1991; H aller,
1998). O principal foco deste program a de pesquisa tem sido o
da relação entre desenvolvim ento econôm ico e as estruturas de
realização de status (em especial, no teste da hipótese de que o
70 N lU - SO N D O V/M.l.H Sll-VA

desenvolvim ento induz a desestratificação: B ilis et a l y 1985; Haller,


1992; H aller, Sharda e M iller, 1997) e nos processos de alocação
de status no B rasil, onde se m ostra que variáveis indicativas de
classes no sentido m arxista e variáveis usuais de status tem efeito
sobre o nível de rendim entos mas que estas clivagens são quase
que não-relacionadas e que funcionam de m aneira diferente (Bilis
et a l, 1984; K elley e H aller, 1999; H aller e Pastore, 1983; H aller,
1982; H aller, 1983; B ilis e H aller, 1984; H aller et a l, 1996). Ob-
serve-se que este p ro gram a de pesquisa, que já dura 35 anos e
dem onstra grande p rodutividade e sofisticação analítica, é b asi­
cam ente produzido no exterior e quase que ignorado no Brasil.
R ecentem ente, A ndrade utiliza a m esm a escala ocupacional
de P astore p ara an alisar dados da PN A D de 1988, prim eiram ente
restringindo o foco nos dados relativos à Região M etropolitana
de B elo H orizonte (A ndrade, 1995) e, posteriorm ente, esten den ­
do o escopo para incluir as dem ais regiões m etropolitanas do
país (A ndrade, 1997). A qui, duas im portantes inovações são in­
troduzidas: em prim eiro lugar, dados relativos às m ulheres são
analisados, creio que pela prim eira vez no B rasil, rom pendo com
a tradição de se restrin gir a análise a hom ens adultos (a “visão
convencional”), que caracteriza toda a produção anterior sobre
este tem a; em segundo lugar, o trabalho de A n drade lan ça m ão
de m odelos L o g-lin eares para m o strar a im p o rtân cia da d istân ­
cia so cial na regulação do regim e de m o b ilid ad e ocupacional no
B rasil, ponto que já havia sido posto em relevo no trabalho
clássico de Pastore. F in alm ente, um asp ecto tam bém im p o rtan ­
te no trabalho de A n drade (1997) é o de que, tam bém lançan do
m ão de m odelos de tipo log-lin ear, foi po ssível m o strar que o
m odelo de padrões de m ob ilidade ocup acio n al co n stan te no
tem po sc ajusta bem aos dados, co n firm an do os resultado s o b ­
tidos em Silva e R oditi (1985) no sen tid o de que a m o b ilid ad e
de circulação no Brasil tem perm anecido inalterada (em seu p a ­
drão ) nas últim as décadas.
M O B ll.lD A D K SO C IA I. 71

N o entanto, se o trabalho de A ndrade (1997) pode ser in s­


crito no terceiro ciclo no que diz respeito ao aspecto m etodológico,
no que tange aos aspectos substantivos ele pode ser considerado
um a análise típica do prim eiro ciclo, dado o seu foco nas diferen­
ças regionais de desenvolvim ento e seus eventuais im pactos nos
níveis e padrões de m obilidade. N esse sentido, ele con trasta com
o trabalho m ais recente na área, o de Scalon (1997). Este últim o
se inscreve plenam ente no terceiro ciclo, levando a cabo um a
análise de m obilidade dentro do paradigm a substantivo em que
se tenta articular o processo de m obilidade à estruturação das
classes sociais. Tanto pelo tipo de escala ocupacional adotada,
partindo explicitam ente de um esquem a de estratos adequados à
análise de classes, quanto pela opção m etodológica de trabalhar
com m odelos Log-lineares do tipo “topológico” a análise de Scalon
aproxim a-se das análises de G oldthorpe e de seus associados.
A dicionalm ente, Scalon tam bém inclui um a análise da m o bilida­
de ocupacional fem inina, rom pendo com a “visão convencional” .
O bserve-se, no entanto, que em term os de resultados substanti­
vos, apesar das taxas de m obilidade absoluta registrarem desvan­
tagens p ara m ulheres, não se verificam diferenças de gênero no
que diz respeito às chances relativas (ou seja, na m obilidade de
circulação). R egistre-se ainda que, tam bém relativam ente aos re­
sultados substantivos, a análise de Scalon indica o extrem o iso la­
m ento dos estratos rurais pela predom inância da m obilidade de
curta distância e pela tendência tripartida da estrutura de classes
(rural/m anual/não - m anual), confirm ando o que já havia sido
observado em Pastorc (1979) e Silva (1979).

III - O bservações F in a is

C om o conclusão, acredito que a produção so ciológica feita


no B rasil sobre o tem a da m obilidade social se caracteriza pela
72 N k l s o n d o V a i . i . k S i i .v a

pouca visibilidade e escassez (relativam ente ao padrão intern a­


cional, m esm o àquele dedicado à análise da situação brasileira),
bem com o pela crescen te defasagem técnica em relação à p ro d u ­
ção internacional. Q uanto a este últim o aspecto, note-se que m es­
m o a produção m ais recente, datando do final do ano de 1997,
ain da se utiliza de técnicas que já haviam sido cristalizadas e
codificadas em livro no início dos anos 80 (veja-se H out, 1983).
E m esm o técnicas já disponíveis naquela época ( por exem plo,
m odelos ditos “de asso ciação ”) ainda não foram utilizados para
an alisar os padrões de m obilidade brasileiros.
Q uanto à virtual invisibilidade do tem a no panoram a da
sociologia brasileira, creio que existem duas explicações p lausí­
veis que se adicionam . E m prim eiro lugar, a predom inância que a
perspectiva m arxista historicam ente usufruiu na produção cien tí­
fica nacional. E sta inclinação teórica tipicam ente não se p reo cu­
pou com o tem a, co nsiderando -o (erron eam ente) com o um a
“problem ática b urguesa” (e.g. Poulantzas, 1975: 33), que , com o
objeto de estudo, problem atizava e obscurecia a análise de clas­
ses. D ado que o conceito de classe é central na análise m arxista,
tornava-se difícil sua conjugação com estudos que pareciam p ri­
v ilegiar a noção de posição ocupacional na conform ação da es­
trutura social. Só em m eados dos anos 80, com as contribuições
de W right e de outros neo-m arxistas (às vezes cham ados de “li­
near regression m arxists”), é que esta visão foi superada.
Em segundo lugar, e talvez o fator m ais determ inante, é a
nossa histórica rejeição por análises quantitativas nas ciências
sociais, identificadas (de novo, erroneam ente) com a “sociologia
am erican a” . C om o tentei m ostrar acim a, o em prego de técnicas
estatísticas tem se sofisticado de form a aceleradam ente crescen ­
te, e os estudos de m obilidade tem sem pre cum prido o p apel de
p orta de entrada destes m étodos na sociologia. A ssim , o ab ando ­
no em que se encontra o estudo da m obilidade social no B rasil é,
a m eu ver, em larga m edida um m ero reflexo da incapacidade ou
M O BII.ID AD K SO C IA L 73

da inapetência de nossos profissionais da sociologia em acom p a­


nhar a produção internacional nessa tem ática. Felizm ente, com o
os recentes estudos de A ndrade e Scalon referidos acim a p are­
cem indicar, existem evidências de que este panoram a pode estar-
se alterando.
74 N m - S O N D O V a i . i . h S lI .V A

APÊN D IC E

Principais Tra balhos P u blic ado s sobre M o b il id a d e no Brasil:

Resumos.

Texto: “D esigualdade e M obilidade Social no B rasil”


Autor. Jo sé Pastore
Pub/icação-. T.Q. Q ueiroz/E ditora da USP

Resumo : E ntender com o ocorre a desigualdade social no Brasil,


sua natureza, sua variação no tem po e no espaço e suas freqüên­
cias; analisar a m obilidade social brasileira através das transfor­
m ações sociais no país ao longo do século X X , relacionando-as
com as m odificações ocorridas em nível individual.
O livro está o rganizado em 10 capítulos e apresenta análise
sobre os seguintes tem as: desigualdade e m obilidade social; m o­
delos explicativos da m obilidade social; m etodologia da m obili­
dade; oportunidades ocupacionais no B rasil; o início da carreira
no B rasil; m obilidade intergeracional brasileira; m obilidade e d is­
tância social; m obilidade e desenvolvim ento social.
• E o 1. estudo sobre m obilidade social no B rasil e cobre
toda a sociedade, tendo com o base para análise os dados
da PN A D (1973).
• “As sociedades hum anas se desenvolvem na m edida em
que elevam o padrão de vida de sua população e equalizam
sua estrutura social, sendo que a m obilidade social con s­
titui o principal m ecanism o dessa equalização.” (p.3)
• A ssim , a m o b ilid ad e so cial p ode se r usada, segundo
Pastore, com o um indicador dc desenvolvim ento social
em que a m obilidade social vertical desem penha m elhor
esta função.
M o b il id a d e S o c ia l 75

O autor ressalta que a m obilidade reflete a dinâm ica in­


terna da sociedade e associa-se diretam ente com o de­
senvolvim ento econôm ico, sendo ao m esm o tem po seu
efeito e sua com binação.
No estudo da m obilidade o conceito de j 'tatus é central,
sendo considerado com o a posição que o indivíduo ocu­
pa na hierarquia social de um dado sistem a de estratifica­
ção social.
Os critérios/regras de estratificação social variam em de­
corrência do tipo de sociedade: nas sociedades dinâmicas ten­
de a basear-se em critérios adquiridos pela profissão/edu­
cação; em sociedades mais estáticas e m enos industrializadas
baseia-se em critérios atribuídos com o a cor, a religião.
Pastore destaca que a m obilidade social depende de m u­
danças: (1) estruturais —volum e de em prego, surgim ento
de novas ocupações, transform ações na econom ia; (2)
individuais: educação, experiência, inform ação, relacio­
nam ento.
A m obilidade social é tam bém influenciada pelo núm ero
e pelo tipo de em pregos disponíveis, dependendo ainda
das transform ações dos setores econôm icos e da dinâm i­
ca dos m ercados de trabalho.
O autor ap on ta que nos estágios iniciais de desenvolvi­
mento, grande parte da m obilidade depende de m odifi­
cações na estrutura de ocupações.
“A m obilidade sintetiza um conjunto de m udanças que
ocorrem no sistem a social e nos indivíduos, ao longo do
tem po, com o fruto e com o determ inante do desenvolvi­
m ento.” (p. 13)
A com preen são do fenôm eno da m o bilidade so cial rela­
cio n a-se com a co m preen são dos padrões de estratifica­
ção social, um a vez que eles exp licam as p rin cip ais ca­
racterísticas da diferenciação social e os fatores econô-
76 N i- l s o n d o V a i . i . h S i l v a

m ico s/ so ciais que os influen ciam . N este sentido, per-


cebe-se que a m o bilidade p ode o co rrer através de dois
m ecan ism os: m obilidade estrutural — com a ab ertu ra de
novas o p o rtu n id ad es de em prego e a p o ssib ilid ad e de
status o cup acio nal m ais alto serem o cup ad o s p o r in d iv í­
duos de status ocup acio n al inferio r - e m obilidade circular
- troca de p o siçõ es praticadas pelos indivíduo s via co m ­
petição.
• O s tip o s de e m p reg o p o d em ser fa c ilita d o re s ou
bloqueadores da m obilidade social, sendo a questão do
em prego dep enden te em gran d e p arte da sociedade e
não do indivíduo.
• A base para os estudos de m obilidade e desigualdade é a
com paração de status ocupacionais. N o caso de Pastore,
entre o status ocupacional do pai quando o filho co m e­
çou a trabalhar, o do filho no início da carreira e no
m om ento atual. Estes três status foram m edidos por um a
única escala de posição social das ocupações de m odo a
p erm itir a com parabilidade dos três pontos no tempo.
B ase da escala: ocupação, educação e renda.
• A pesquisa orienta-se pela corrente sociológica que co n ­
sidera as m udanças estruturais com o im portantes forças
propulsoras da m obilidade social.
• N o caso brasileiro, Pastore ressalta que a m aior parte da
m obilidade foi estrutural com o um reflexo da expansão e
da diferenciação de novos status ocupacionais:
a) d é cad a s de 20 e 30 a g e ra ç ã o de em p re g o s foi
concetrada no setor prim ário/agrícola (60% );
b) nas décadas de 40 e 50, 40% dos novos em pregos
ainda foram criados pelo setor agrícola;
c) décadas de 60 e 70 as m udanças estruturais foram
m ais claras, com o setor terciário passando a ser fonte
de oportunidades no m ercado de trabalho.
M o b i i .i d a d k S o c i a l 77

Segundo o autor, a estrutura social brasileira caracteri­


zou-se po r elevadas taxas de m obilidade social entre duas
gerações, com m ovim entos de ascensão social, sendo que
a concentração da m obilidade ascendente de curta d is­
tância na base da pirâm ide social refletiu as transform a­
ções sociais do m ercado de trabalho — m igração, rápida
expansão do em prego e posterior redim ensionam ento para
o setor terciário.
O autor destaca também que a aceleração da industrializa­
ção e o complexo de em pregos que ela gerou introduziram
no país inúm eras novas ocupações de slalns m ais elevados
no país, perm itindo ainda a m obilidade de distâncias maio­
res para aqueles provenientes dos estratos médios.
A pesar de em países de industrialização tardia, com o o
Brasil, os fatores estruturais terem função predom inante
no condicionam ento da m obilidade social, esta influência
depende tam bém da atuação de fatores individuais. Assim
aponta Pastore, se de um lado, o m ontante e o tipo de
oportunidades ocupacionais foram determ inados pela tra­
jetória de desenvolvim ento que o país percorreu, de outro,
a form a do seu aproveitam ento se deveu em grande m edi­
da ao recursos individuais que a determ inaram .
O autor analisa ainda a relação entre a entrada precoce
no m ercado de trabalho e o status do indivíduo. S e g u n d o
ele, “ (...) a entrada precoce no m ercado de trabalho tem
um duplo efeito negativo. D e um lado, determ in a um
mau início de carreira; de outro, dificulta o acesso a po si­
ções sociais m ais altas.”
A lém disso, a entrada precoce está diretam ente relaciona­
da com a educação e com as perspectivas futuras dos
indivíduos. A educação influencia a m obilidade, um a vez
que os indivíduos com m ais alto nível de escolarização
têm , em geral, m elhor início de carreira e m elhor trajetó-
78 N h i .s o n d o V a i . i . i- S i l v a

ria de m obilidade, e vice-versa. M esm o não sendo p erfei­


ta, nem isolada, a relação educação/ascensão social, já
constitui im portante mecanismo de m obilidade ascendente,
especialm ente quando educação e ascensão social são as­
sociadas a tantas transform ações estruturais.

Texto: “As D uas Faces da iYíobilidade” in D ados (21)


A utor. N elson Valle Silva
Publicação: IU PERJ, 1979, Rio

Resumo: reavaliar as inform ações apresentadas por Pastore


(1978), com o intuito de m ostrar alguns padrões de m obilidade
social q u e n ã o foram apresentados —analisan do inform ações so ­
bre a m obilidade especificam ente intergeracional.
• O artigo apresenta quatro pontos de análise: tendências
gerais da m obilidade intergeracion al; fluxos de entrada e
de saída das ocupações; efeitos estruturais e m obilidade
de circulação; im pacto da m udança estrutural.
• D ados da PN A D possibilitam estudo em nível nacional
dos padrões de m obilidade no Brasil.
• A ponta a m obilidade um tem a central na Sociologia C on­
tem porânea, em função da desigualdade social e de sua
transm issão intergeracional.
• N esta análise considera a m obilidade social com o m o bi­
lidade ocupacional —m udança na posição dos indivíduos
ao longo de um a classificação ocupacional.
• O foco de an álise é a estru tu ra o cu p acio n al b ra sile ira -
‘sistem a de re lacio n am en to dos su b g ru p o s que a c o m ­
p õ em ’ - em que os su b g ru p o s o cu p acio n ais são co n s­
titu íd o s de u n id ad es p ró p rias de an álise e n ão de in d i­
víduo s.
M o h i i .i d a d k S o c i a l 79

Ressalta que uma análise sobre estrutura ocupacional deve


p artir de um a classificação ocupacional que p erm ita a
identificação dos subgrupos que a com põem .
U tiliza a m esm a categoria de Pastore que é com posta
p or um a escala de 6 grupos de status\ trabalhadores ru­
rais não qualificados; trabalhadores urbanos não qualifi­
cados; trabalhadores qualificados e sem i-qualificados; tra­
balhadores não m anuais , profissionais de nível baixo e
pequenos proprietários, profissionais de nível m édio e
m édios proprietários; profissionais de nível superior e
grandes proprietários.
D estaca que os estudos de m obilidade social consistem ,
basicam ente, na com paração da posição do indivíduo na
hierarquia ocupacional em diferentes m om entos e que a
m obilidade intergeracional seria a com paração da posi­
ção dos pais - status adscrito —com a posição do filho —
status adquirido - em um dado m om ento.
B aseado na análise dos dados o auto r percebe que p ara o
conjunto da população brasileira é clara a im portância
do processo de urbanização na determ in ação dos pa­
drões de m obilidade social, na m edida em que é conside­
rável a % de casos de m obilidade ascendente de traba­
lhadores rurais que se deslocaram para outras categorias.
R essalta que é evidente a extensão da m obilidade social
no B rasil, m esm o quando predom inam fluxos de curta
distância percebe-se a ocorrência de m ovim entos relati­
vam ente longos.
D estaca que a m obilidade ascendente é relativam ente ex­
tensa p ara todos os estratos sociais, contudo m ais larga
para os estratos m ais altos da pirâm ide.
O bserva que a m ovim entação na base da pirâm ide social
brasileira é intensa e que em relação à classe m édia os
m ovim entos são m enos significativos, contudo não cies-
80 N elson do V a l l e S ilva

prezíveis quando se considera que o espaço para tal m o­


vim entação era lim itado.
• D estaca que quanto mais elevada é a posição do pai na
hierarquia ocupacional, m aiores são as chances relativas
do filho ocup ar um a posição m elhor ou superior que a
de seu pai.
• Segundo o autor, tais observações podem ser explicadas
“(...) pelas substanciais diferenças entre as distribuições
ocupacionais de origem e de destino, reflexo das im por­
tantes m udanças na estrutura produtiva brasileira e de
significativos diferenciais dem ográficos.” (p.65)
• A ssim , com o Pastore, Silva ressalta que a m obilidade
ocupacional na sociedade brasileira ocorreu em grande
m edida por m udanças estruturais, em bora a m obilidade
de circulação tenha um papel relevante (44%).
• O autor o bserva que a m obilidade circular se tornará
ainda m ais dom inante e tenderá a d elin ear a estrutura de
classes que a caracteriza , um a vez que a análise da m o­
bilidade de circulação indica que a estru tu ra ocupacional
brasileira tende a estruturar-se em classes sensivelm ente
fechadas. N este sentido, observa que com “duas barrei­
ras estruturais à m obilidade, a saber as dim ensões rural/
urbano e m anual/não m anual, geram a nítida estruturação
em três classes, sendo as chances de m obilidade dentro
dessas classes m uitas vezes m aiores que as de m obilida­
de entre as classes.” (p.65)
• O autor conclui que a m obilidade social no B rasil revela
duas faces:
1) a do dinam ism o e abertura social, com largas chances
de m obilidade p ara a m aioria de seus m em bros;
2) a falta de abertura em um a sociedade estrutura em clas­
ses, que se torna mais óbvia na medida em que se com ­
pletam os processos de urbanização/industrialização.
M O B Il.lD A D K SO CIAI. 81

Texto : “ E t pius ça change... tendências históricas da fluidez


social no Brasil” in D ados
A utor. N elson do V alle Silva e D eborah Roditi
Publicação-. R evista de C iências Sociais, IU PERJ, vol. 29, n.3,
1986

Resumo-. E xam inar as tendências históricas da fluidez social


no Brasil, especificam ente a m obilidade ocupacional intergeracional
dos hom ens que com eçaram a trabalh ar entre 1914 e 1973.
• O artigo explora; 1) os principais elem entos da cham ada
“ tese do industrialism o” ; 2) baseado no caso brasileiro,
exam inar a possibilidade em pírica da idéia de que o de­
senvolvim ento industrial leva a uma m aior abertura na
estratificação social.
• Segundo os autores: a) apesar das altas taxas de urbani­
zação e industrialização que caracterizaram a sociedade
brasileira neste período, os resultados m ostram claram ente
que não há variação tem poral na m obilidade o cup acio­
nal, ou seja, no efeito da origem social sobre a realização
dos indivíduos socialm ente m óveis; b) não existe varia­
ção te m p o ral no p ad rão de h e ra n ç a o c u p a c io n a l
intergeracional.
• A ssim , “(...) não parece existir qualquer mudança de monta
na distribuição de chances relativas entre os diversos es­
tratos sociais que possa ser atribuída ao crescim ento eco ­
nôm ico, pondo em questão, portanto, as prescrições que
seguem da “tese do industrialism o ”.
82 N k l s o n d o V a l l k S il v a

Texto: “D esigualdade e M obilidade Social : dez anos de­


pois” in A Transição incompleta —B rasil desde 1945
Autor. Jo sé Pastore
Publicação: Paz c T erra, 1986, SP

Resumo: A nalisar o paradoxo brasileiro de grande m obilida­


de ascendente e aum ento da m á distribuição de renda —desigual­
dade social.
O artigo dc Pastore tem com o base seu estudo “D esigual­
dade e M obilidade Social no B rasil” (1979), que indica que a
sociedade brasileira teve, no geral, neste século m obilidade as­
cendente em sua estrutura — m obilidade esta acom panhada de
desigualdade social.
O trabalho divide-se em duas p artes centrais: (1) resum o
das tendências de longo prazo observadas na sociedade brasileira
ao longo deste século e considerações referentes ao período 1973-
83 - recessão - e após a retom ada do crescim ento em 1984.
A questão central do artigo é: quais seriam os im pactos da
recessão sobre a m obilidade e a desigualdade social no B rasil?
O texto apresenta um panoram a da m obilidade social no
B rasil, o papel das m udanças no m ercado de trabalho, o papel
dos recursos individuais, um panoram a do crescim ento durante a
crise no período 1973-80 e a relação recessão/ m obilidade social
(1981-83).
• Pastore ressalta que m esm o em períodos de crise inter­
nacional o Brasil continuou oferecendo oportunidades
de ascensão social para boa parte da população através
do seu crescim ento.
• Com a inflação e o endividam ento externo houve um a
recessão que atin giu o quadro de em pregos: neste p erío ­
do o país apresentou déficit com relação ao em prego, o
que significou redução na m obilidade social estrutural.
H ouve, segundo o autor, um a desaceleração da ascensão
M O BII.ID AD H SO CIAI. 83

social, especialm ente nas regiões industrializadas. P erío ­


do m arcado não apenas pela redução de oferta de traba­
lho com o tam bém pelo desem prego e rotatividade.
• N o período da recessão a m obilidade social foi m arcada-
m ente circular, um a vez que o desem prego atenua a as­
censão social e o reem prego estim ula este tipo de m obili­
dade.
• O autor ressalta que a rotatividade sem pre foi alta no
B rasil. Ele supõe que em m om entos de crise, desem p re­
g o e excesso de oferta, as em presas praticam a rotatividade
buscando m inim izar salários e m axim izar a qualificação
de sua m ão-de-obra.
• Pastore assinala que houve, neste período, um a co m b in a­
ção da contração da indústria de transform ação e da cons­
trução civil c o m n ex p a n sã o de n o v o s s e t o r e s n o in terio r
do país, o que provocou três fenôm enos: a) desccnsão
social para grande núm ero de trabalhadores nas grandes
cidades; b) redirccionam ento dos fluxos m igratórios; c)
ascensão social para trabalhadores engajados nos novos
m ercados de trabalho do interior do B rasil.

C onclusões:

• O autor conclui através dos dados relativos à m obilidade


social baseada em m udança de status ocupacionais que,
neste século, o B rasil teve um dinam ism o considerável,
um a vez que a m aior parte da PEA realizou m obilidade
ascendente —status sociais dos indivíduos freqüentem en­
te superiores ao dos pais.
• N o conjunto o B rasil m anteve o dinam ism o da m obilida­
de social. Tal m obilidade foi estrutural se deveu à indus­
trialização, à am pliação dos setores de com ércio e servi­
ços, à urbanização e à m igração rural-urbana. A penas
84 N k i . s o n d o V a j . i .k S i i .v a

durante a recessão os dados dem onstram m obilidade cir­


cular, em função da rotatividade e do desem prego.
• O autor destaca que não há um a relação direta entre m obi­
lidade social e igualdade, já que a mobilidade pode conduzir
à desigualdade com o no caso do Brasil. A mobilidade pode
apenas indicar um padrão de crescimento e desenvolvim en­
to em que alguns ascendem mais do que outros, mas a
maioria modifica pouco sua posição na estrutura social.
• Segundo ele, “ (...) os estudos de m obilidade objetivam
sim plesm ente identificar o volum e e a direção do trân si­
to que os indivíduos realizam em relação a seus pais e
dentro de sua própria trajetória de vida.” (p.54)
• N este sentido, seria ilusório explicar a igualdade social a
p artir de estudos de m obilidade, um a vez que as variá­
veis que a explicam são outras.
• Pastore destaca que no estudo de m obilidade a única
variável dependente é o trânsito de um a posição para
outra e a partir da qual se identifica: grau de fluidez/
rigidez da estrutura social, em que nível de pirâm ide so ­
cial a perm eabilidade é m aior e com o a fluidez redunda
em equalização ou desigualdade.
• A ssim os estudos de m obilidade são inadequados para
explicar o bem -estar ou a pobreza. “Em princípio, o bem -
estar geral do povo ou a pobreza são independentes da
fluidez da sociedade.” (p.54)
• R essalta ainda que a m obilidade não deve ser co nsidera­
da um a solução anestésica para a sociedade ou, ainda,
um m ecanism o de cooptação entre as classes e m an uten ­
ção da ordem social.
• O autor conclui que a sociedade brasileira é dinâm ica, mas
observada a qualificação deste dinam ism o percebe-se que
ele conduz, no conjunto da sociedade, a um a estrutura
social desigual.
M o b iu d a d k So c ia i. 85

Texto: “M odernização T ecnológica e M obilidade So cial” in


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
A utor. R iedl, M .; Tourinho, M .; G asparetto, A.
Publicação: U FRS, Porto A legre, 13, 1985

Resumo: A nalisar as conseqüências do processo de m oderni­


zação da lavoura cacaueira sobre a estrutura de classes e de estra­
tificação social daquela região da Bahia, particularm ente em ter­
m os de m obilidade social.
• O trabalho apresenta um quadro de referência teórico
sobre: m odernização tecnológica do processo produtivo
agrícola; desigualdade social, estrutura de classes e estra­
tificação social. M ostra tam bém os conceitos fundam en­
tais ao desenvolvim ento da análise, os aspectos m etodo­
lógicos, as variáveis e indicadores sociais e um a análise
dos resultados.
• As unidades de análise deste estudo foram os produtores
capitalistas, os produtores fam iliares e os trabalhadores
rurais da região cacaueira. Tais grupos configuram , segun­
do eles, os elem entos hum anos participantes do processo
de produção: proprietários dos meios de produção, propri-
etários-trabalhadores e força de trabalho assalariada.
• “ (...) a partir dos resultados analisados, pode-se inferir
que o processo de m odernização tecnológica da lavoura
cacaueira da B ahia resultou num a sociedade rigidam ente
estru tu rad a, ou, em outras palavras, a estrutura social
rural dessa região im perm eabilizou-se.” (p.267)
• Os autores ressaltam que não se observou um a m o bili­
dade social interclasse ascendente p o r m em bros da clas­
se dos trabalhadores assalariados, m as observaram -se ca­
sos de m obilidade no sentido contrário.
• Já na classe dos produtores fam iliares o b servo u-se um a
m obilidade principalm ente descendente, explicitada pela
86 N K l,S O N D O V a i .I.K S lI.V A

perda da condição de produtores por integrantes da m es­


m a, não tendo o m esm o ocorrido com os m em bros da
classe dos produtores capitalistas.
• “D essa form a, confirm a-se a hipótese de que a m o b ili­
dade social interclasse resultante do processo de m oder­
nização caracterizar-se-ia, principalm ente, por u m m ovi­
m ento vertical descendente no interior da pequena pro­
dução fam iliar c por um a ausência de m obilidade a p artir
da classe dos trabalhadores assalariados.” (p.268)

Texto : “O perários e m obilidade social na B ahia —análise de


um a trajetória individual” in R evista B rasileira de
C iências Sociais
Autor. A ntônio Sérgio A lfredo G uim arães
Publicação-. A N PO C S, RBCS, n. 22, ano 8, junho de 1993

Resumo: co n struir teoricam ente um a hipótese sobre a form a­


ção de um a parcela do operariado industrial e com preender a teia
de significado cultural e sociológico que a sustenta.
• artigo apresenta um a avaliação do desem penho ocupaci-
onal de um dos o p erário s do pólo p etro q u ím ico de
C am açari com parado a outros para, em seguida, analisar:
1) a estratégia de m obilidade social de sua fam ília de
o rigem ; 2) as razões de fracasso da sua estratégia de
“atalho ”; 3) as opções possíveis para as pessoas que u ti­
lizaram essa m esm a estratégia; 4) sua transform ação em
lideranças operárias.
• O autor tem com o hipótese que duran te um período de
tem po preciso —anos 70 e 80 — os indivíduos que com ­
põem as classes baianas passam a defin ir suas ocupações
preferenciais induzidos pela criação de novas oportuni-
M o isijjd a d j; S o c ia l 87

dades de em prego e renda abertas pela industrialização


em curso; algum as dessas escolhas individuais, in fo rm a­
das a) p o r variadas personalidades, b) por um m esm o
habitus de classe e c) por um a m esm a situação de m erca­
do, levam um grup o de pessoas de pequena classe m édia
a constituir o operariado industrial m oderno, em prestan­
do a essa nova classe algum as de suas disposições o rigi­
nais.
E sta hip ótese som ava-se ainda à obtenção de um título
universitário, estratégia popularizada pela expansão dos
serviços públicos na Segunda R epública, e o com ércio
varejista, estratégia m uito m ais com petitiva e difícil de
ser im plem entada por fam ílias num erosas.
O auto r considera que houve no pólo petroquím ico de
C am açari — até 1985 — um tipo de política de pessoal e
gestão do trabalho que p erm itiu o desenvolvim ento de
um a estratégia de “atalho ” por parte deste grup o, b u s­
cando alcançar no espaço social a classe m édia assalaria­
da de um m odo m ais rápido e sem m uito investim ento
em educação.
Foram vários os aspectos/elem entos da gestão que sus­
tentaram essa estratégia, contribuindo para seu sucesso
ou seu fracasso:
a) positivos-, um a política de recrutam ento que p rivilegia­
va aqueles de m aior educação form a) e m ais jovens; o
pagam ento de salários superiores à m édia regional; a
oferta de inúm eros benefícios não-m onetários.
b) negativos-, a hierarquia e as form as de dom inação v i­
gentes no processo de trabalho; o hiato entre a vida
social aspirada pelos trabalhadores e o regim e de tra­
balho; a falta de perspectivas de progressão.
O autor dem onstra as condições em que um indivíduo
de um a fam ília de classe m édia, no curso de um a estraté-
88 N k l s o n d o V a l i .k S i l v a

gia de m obilidade tradicional, opta por uma estratégia


de, a curto prazo, alcançar um ponto no espaço social.
• O auto r traça quatro diferentes cursos de trajetória a
partir da m aterialização dessa opção e discute as caracte­
rísticas dispo sicio nais que as sustentavam .
• G uim arães ainda apresenta as diferentes form as de so­
ciabilidade - seja a convivência fam iliar extensiva, seja a
form ação de gru p o s de lealdade no trabalho — capazes
de influir nos diferentes cursos.
• F inalm ente, conclui sobre a im po rtân cia “(...) da influên­
cia que indivíduos com essa trajetória tiveram para o
padrão de form ação da classe operária baiana daquele
período, seja com o lideranças ‘técnicas’, seja com o ativistas
sindicais.”

Autor. C aillaux, E lisa L.


Título-. “Cor e M obilidade Social no B rasil”
Periódico: E studos A fro A siáticos — n. 26, 1994

Resumo (da autora): A m obilidade social no Brasil é extensa


do ponto de vista dos padrões de m obilidade ocupacional. Na
década de 70, são significativas as proporções de filhos que ex­
perim entaram um a m obilidade ascendente ou perm aneceram nas
m esm as ocupações de seus pais. Nos anos 80, há um aum ento da
m obilidade total, mas é a m obilidade descendente a que m ais
cresce em term os relativos.
N os períodos estudados, a abertura de m elhores o p o rtun i­
dades beneficia os gru p o s sociais segundo o critério cor, ou seja,
são os hom ens e m ulheres brancos os prim eiros a usufruir a
ascensão ocupacional. N o entanto, a clivagem da m obilidade des­
cendente obedece, principalm ente, a divisão dos grupos por sexo,
M o b i i .i d a d k S o c i a l 89

atingindo prim eiro as m ulheres e depois os hom ens. E ntretanto,


p ara se avaliar o grau de abertura da sociedade b rasileira é n eces­
sário distinguir a m obilidade decorrente de fatores conjunturais
(circular) daquela inerente à estrutura social.
A tendência de aum ento da m obilidade circular é influen ci­
ada pelo com portam ento dos hom ens brancos e, secundariam en­
te, pelo com portam ento dos hom ens pretos e pardos. Para as
m ulheres brancas, pretas e pardas, tanto em 1976 quanto em
1988, a m aior m obilidade é de tipo estrutural. N esse sentido, a
sociedade brasileira experim enta o seguinte paradoxo: se o cres­
cim ento da m obilidade circular significa o alcance de patam ares
razoáveis de desenvolvim ento, o crescim ento da m obilidade des­
cendente reflete a estagnação do crescim ento e co nsolidação da
crise econôm ica.

A utor. A ndrade, Flávia C ristina D rum ond


Título-. “N íveis e padrões de m obilidade social em cinco
regiões m etropolitanas.”
D issertação de M estrado ap resen tad a ao C E D E PL A R /
U FM G - 1997

Resumo (da autora): O trabalho apresenta os principais co n ­


ceitos e diversas possibilidades de análise da m obilidade social,
destacando as principais variáveis utilizadas e os resultados obti­
dos nos principais estudos realizados no Brasil. E m seguida são
m ostrados os principais resultados acerca dos níveis absolutos da
m obilidade intrageracional, intergeracional e intergeracional total
segundo o sexo, o grup o etário e a região m etropolitana. D iferen­
tem ente do que ocorre com a m aioria dos estudos, a nossa am os­
tra é constituída por hom ens e m ulheres; além disso, optam os
por apresentar os resultados de cinco regiões m etropolitanas (Belo
90 N í -:í , s o n d o V a u . k S i l v a

H orizonte, Porto A legre, R ecife, Rio de Jan eiro e São Paulo)


visando caracterizar diferentes realidades nacionais. P or últim o,
procedem os à análise dos padrões de m obilidade observados e
das tendências da m obilidade circular intergeracional a p artir da
aplicação de m odelos Log-lineares. Ficou evidenciado que boa
p arte da m obilidade intergeracional total advém de m ovim entos
ao longo da carreira, e que existem diferenças significativas entre
hom ens e m ulheres não apenas nos níveis, mas tam bém nas asso ­
ciações contidas nas m atrizes de m obilidade. O controle po r re­
gião m etropolitana m ostrou que áreas m ais dinâm icas p ro po rcio ­
nam , via de regra, um a m aior m obilidade ascendente e um a m e­
n o r d e sc e n sã o s o c ia l p ara seu s re sid e n te s (m o b ilid a d e
intrageracional e intergeracional total). A utilização do in stru ­
m ental de m odelos L og-lineares p ossibilitou-nos verificar que o
sentido do m ovim ento (ascendente o u descendente) e o afasta­
m ento à diagonal principal eram fatores im portantes para a con­
figuração do padrão de m obilidade. E ncontram os indícios de que
o m odelo de padrões de m obilidade ocupacional constante ao
longo do tem po se ajusta bem aos dados, ou seja, ao aceitarm os
este m odelo podem os dizer que a m obilidade de circulação per­
m aneceu inalterada durante o período analisado.

Autor. Scalon, M aria Celi


Título: “M obilidade Social no B rasil: Padrões e T en dên cias”
T ese de D outorado apresentada ao IU PERJ em 1997

Resumo (da autora): E sta tese analisa os padrões de m ob ili­


dade e fluidez, com a finalidade de desenvolver um m odelo que
retrate as características da estrutura social brasileira. A lém disso,
aborda a questão de gênero que pontua os estudos atuais sobre
estratificação, a fim de avaliar se a estrutura de classes no B rasil é
diferenciada para hom ens e m ulheres.
M O B lI.lD A D i; SO C iA I. 91

O prim eiro capítulo introduz o debate em torno dos esque­


m as de classe e a teoria que os inform a, baseada nos conceitos
da sociologia clássica de M arx e W eber. O segundo capítulo trata
da definição de um a classificação desenvolvida especificam ente
para este trabalho e, portanto, discute o processo de construção
deste esquem a que se inscreve cm fundam entos m etodológicos e
opções teóricas. O terceiro capítulo retom a a tradição dos estu­
dos de m obilidade no B rasil, fazendo um a análise descritiva de
tabelas e índices, utilizando o corte de gênero. O quarto capítulo
é um a revisita a três teses clássicas de m obilidade, visando deter­
m inar os principais padrões da estratificação dc classes tam bém
confrontando diferenças dc gênero. O quinto, e últim o, capítulo
define, finalm ente, o m odelo de m obilidade social brasileiro, e, a
p artir dele, discute a estrutura dc classes e o im pacto d a variável
gênero sobre ela.
A conclusão é que o m odelo de m obilidade brasileiro de­
m onstra significativo grau de fecham ento no topo, extrem o iso la­
m ento do setor rural e caracteriza-se, basicam ente, pela m obilida­
de de curta distância. D em onstra, ainda, que a estrutura de classe
é tripartida, dividindo-se cm três grandes grup os: não - m anual,
m anual e rural. A lém disso, não está perm eada pela desigualdade
de gênero no que diz respeito âs chances relativas que definem o
m odelo de fluidez social, em bora taxas absolutas de m obilidade
registrem desvantagens na estrutura de em prego para m ulheres.
92 N K l.S O N D O VAI.!.!-; S lI.V A

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M o b il id a d e S o c ia l

(c o m e n t á r io c r ít ic o )

Sônia M. G. La rangeira

Foi p ara m im um a gran de satisfação poder com entar o tex­


to de N elson Valle e Silva , um a vez que, diferentem ente do usual,
ele exam ina a produção da Sociologia no Brasil, não por suas
realizações, mas pela ausência, om issão, no caso em exam e, do
tem a mobilidade social , que deveria, por inúm eras razões, ter m ere­
cido m aior atenção de nossos estudiosos. A estratégia de realizar
um a análise da disciplina tentando m ostrar a escassez da p ro du­
ção brasileira num a determ inada área, com parando-a à pujança
da produção internacional, pareceu-m e fecunda: prim eiro, por­
que parte de um parâm etro com parativo —o que perm ite visualizar
as características da Sociologia no B rasil vis-à-vis ao contexto de
discussão internacional; segundo, porque, com o sabem os, as la­
cunas são plenas de significados. Ao explorar essa via, p odería­
m os, talvez, refletir sobre os lim ites da disciplina, que o exam e
das realizações nem sem pre evidencia.
Silva destaca a relevância do tema mobilidade social na Socio­
logia internacional e o papel essencial que tem cum prido no refi­
nam ento m etodológico da disciplina. Poderíam os, ainda, acres­
96 SO N JA M . G . LA RA N CE JR A

ce n ta r que a referida tem ática está intim am ente relacionada às


rápidas e profundas m udanças eco nô m ico -estruturais p o r que
têm passado a sociedade brasileira nos últim os 25-30 anos, con­
siderando-se, por exem plo, o processo crescente de urbanização
e industrialização que transform ou o país agríco la dos anos 60,
em país de industrialização com plexa e diversificada com signifi­
cativa participação da indústria de transform ação de bens de con­
sum o duráveis dos anos 80, garantindo o oitavo lugar na classifi­
cação internacional das econom ias m ais poderosas do p lan eta.1
E sse processo de transform ações que, praticam ente, inverte o
grau de participação dos setores econôm icos na form ação do
P roduto Interno B ruto tem im pactos sociais expressivos, provo­
cando m udanças significativas no m ercado de trabalho, tanto no
cam p o q u an to n as c id a d e s, com a c e n tu a d a a m p lia ç ã o cio
assalariam ento, característica das econom ias tipicam ente capita­
listas. A m plia-se o núm ero de novas ocupações, criadas a p artir
da rápida transform ação industrial, com presença expressiva de
indústrias m odernas; verifica-se significativa transform ação na
com posição por sexo da população econom icam ente ativa brasi­
leira, com a crescente participação da m ulher no m ercado de
trabalho. Por outro lado, o processo de m odernização e reestru ­
turação agrária, com a crescente presença de agro-em presas, alte­
ra a natureza das relações entre o s g ru p o s sociais no cam po.

1. Hm 1968, 7 9 .3 % d as ex p o rtaçõ e s b rasileiras eram co n stitu íd as p o r p ro d u ­


to s p rim ário s e ap en as 2 0 .2 % d e p rodu to s in d u strializad o s; em 1980, os
p rim eiro s caem p ara 42% , en q u an to os segu n d o s se elevam para 5 6 .5 % , no
to tal d as ex p o rtaçõ es. E m 1960, o p erc en tu al da p o p u lação u rb an a em
re lação à p o p u lação total era de 4 4 .7 % ; em 1980 acjuele p erc en tu a l atin ge
67 % , p assan d o p ara 7 4 .1 % em 1990 e 77.5% em 1995. O país tran sfo r-
m o u -se, a p artir dos an o s 80, cm p red o m in an te urbano. (O s d ad o s re fe re n ­
tes ao p erío d o 60-80 fo ram ex traíd o s do a rtig o d e W. G. dos S an to s, “A
p ó s-rev o lu ção b rasileira” , em Jagu arib e, H. et a i B rasil sociedade democrática,
R io d e Ja n e iro : J o s é O lym p io , 1985; o s d ad o s re feren tes aos an o s 90
en co n tram -se nos A nu ário E statístico s do B rasil do IB G E , 1993 c 1995.)
M o b i i .i d a d h S o c ia l (c o m k n t A r io c r ít ic o ) 97

O utro fator im portante que integra o conjunto dessas m udanças


é o acesso da população brasileira ã educação, prom ovendo a
elevação da escolaridade em todos os níveis. N a área da educa­
ção, elim inam -se, tam bém , barreiras sexuais, facilitando o acesso
das m ulheres a conquistas no m ercado de trabalho.
Além dos im pactos gerados pelas m udanças sociais acim a
referidas, dever-se-ia, tam bém , considerar o fato de existir, no
Brasil, fonte sistem ática de dados estatísticos, com o a Pesquisa
N acional p o r A m ostragem D om iciliar (PN A D ), sup orte im p or­
tante para o desenvolvim ento dc estudos sobre o tem a em q ues­
tão. D essa form a, tanto a realidade quanto as estatísticas pode­
riam ter-se constituído em elem entos m otivadores para a realiza­
ção de estudos sobre mobi/idade social. Nesse sentido, a preo cupa­
ção de Silva ultrapassa a sim ples preocupação com a ausência
(ou escassez) de um a determ inada tem ática na Sociologia no B ra­
sil, mas obriga-nos a refletir sobre o carácter dessa Sociologia e
as razões que o justificariam .
Ao apontar a im portância da literatura internacional sobre o
tem a, Silva refere-se, principalm ente, à literatura norte-am ericana
e inglesa. M as todos sabem os que a expressão do tem a é bem
m ais am pla. C om o exem plo, há que referir ao trabalho profícuo
que realiza o Research Committee 28, da International Sociological
A.ssociation (ISA), dedicado aos estudos sobre estratificação so­
cial. A relevância do tem a em term os internacionais fica evidente
ao exam inar-se a listagem dos cerca de 70 trabalhos apresentados
em reunião do referido Research Committee, realizada em Z urich,
em maio de 1995, constatando-se a presença de pesquisadores de
instituições de diferentes países, além dos E stados U nidos e da
Inglaterra, tais com o, Itália, países nórdicos, países do leste eu ro ­
peu, E spanha, A ustrália, Suíça, Israel, T urquia, ín d ia, H olanda,
Canadá. C aberia registrar que havia um único trabalho de origem
francesa, curiosam ente realizado por pesquisadores do instituto
de estatística, Insee.
9 8 S O N IA M . G . LARANGHIRA

A ausência do tem a no B rasil não po de deixar de surpreen ­


der. Por que isso?
Em sua exposição, Silva apresenta-nos dois fatores com o
responsáveis por essa (quase) ausência: de um lado, segundo o
autor, estaria a histórica predom inância do m arxism o na Socio lo ­
gia no B rasil; de outro, a incom petência m etodológica dos soció­
logos brasileiros.
Em relação ao m arxism o, o argum ento po deria ser conside­
rado verdadeiro, m as parcialm ente. E inegável que o m arxism o
foi um a perspectiva relevante na análise sociológica brasileira,
especialm ente nos anos 60 e 70. Bastaria referir à im p o rtân cia da
discussão sobre a presença ou ausência de revolução burguesa
no B rasil, que ocupa boa parte da literatura sociológica desse
período, preocupada em defin ir o caráter de classe dos agentes
sociais, por excelência — a burguesia e o proletariado. Todo o
conhecim ento que ultrapassasse tal lim ite e que estivesse relaci­
onado à perspectiva de análise dc estratificação social deixava de
constituir-se em objeto de interesse. E xem plo dessa perspectiva
seriam os fam osos artigos de R odolfo Stavenhagen, “ E stratifica­
ção e estrutura de classes (um ensaio de interpretação)” , p ub lica­
do em 1966, pela Z ahar editores do Rio de Jan eiro, integrando a
coletânea E strutura de C lasses E stratificação Social, e Sete teses
equivocadas sobre a A m érica Latina, publicado no Brasil em 1967,
pela m esm a editora, com o parte da coletânea Sociologia do D e­
senvolvim ento, os quais tiveram significativa influência entre
estudiosos da época no B rasil e que desqualificavam análises em
nível da estratificação social. É interessante citar algum as passa­
gens dos referidos artigo s à guisa de ilustração de com o eram
avaliados os estudos sobre m obilidade e estratificação social:

(...) na prática, os estudos sobre mobilidade tem por objeto, geralmente,


a mobilidade ascendente, e ignoram a mobilidade descendente. Isso contribui
para uma visão falsa da realidade (...) tem uma tendência nitidamente psicológi­
ca (...) contribuem pouco para o estudo das estruturas sociais.. A estratificação
M o i m i .i d a d h S o c i a i . (c o m h n t A r i o c r ít ic o ) 99

d ese m p en h a, p ois, u m p ap el em in en tem en te co n se rv a d o r n a so c ie d ad e , ao


p asso q u e as o p o siçõ es e o s co n flito s de classes co n stitu em um fe n ô m en o d e
o rd em d in âm ica, p o r ex celên cia (S tav cn h agen , 1 9 6 6 :1 2 7 -8 , 141).

P o r m u ito a celerad o q u e seja o crescim e n to d esses estra to s m éd io s, na


A m é ric a L atin a em co n ju n to é m u ito m aio r (...) o crescim e n to d o s estrato s de
b aix as ren d as, seja no cam p o o u na c id a d e (...) O s seto res q u e in te g ra m a
“ classe m éd ia ” (...) d ep en d e m ec o n ô m ica e so c ia lm en te d o s estrato s alto s; es­
tão lig ad o s p o litica m en te à classe d o m in an te , são co n se rv ad o res e m seu s g o s ­
tos e o p in iõ es, d efen so res d o sta tu s q u o e só b u scam p riv ilég io s in d iv id uais.
C o m o classe, en riq u eceram m ais n a A m érica L atin a m ed ian te c o rru p ç ão qu e
através d o trab alh o (...) A s ch am ad as classes m éd ias estão estreita m e n te v in c u ­
lad as à e s tru tu ra ec o n ô m ic a e p o lítica v ig e n te e n ão têm d in â m ica p ró p ria qu e
p u d esse tra n sfo rm á -las e m p ro m o to ras d o d ese n v o lv im en to e c o n ô m ic o in d e ­
p en d en te (...)” (S tav cn h agen , 1967:131-3).

E ntretan to , cab eria tam bém lem b rar que, no início dos
anos 70, o m arxism o rende-se à realidade dos fatos, e o livro
dc P oulantzas, A s classes no capitalismo de hoje, pub licado na F ran ­
ça em 1974 c traduzido, no B rasil, no ano seguinte, tam bém
pela Z ahar editores, é exem plo disso, abrin do um a p orta, se não
aos estudos de estratificação social à m oda n o rte-am erican a,
pelo m enos aos estudos sobre classe m édia, g ru p o s sociais que
Poulantzas denom inou de noua pequena burguesia. E studos sobre
as “ novas classes m édias” , sem ad o tar um a persp ectiva pura­
m ente m arxista, m as pro curando pro m o ver o casam en to teórico
en tre M arx e W eber, foram m uito p rofícuo s, esp ecialm en te na
In glaterra (vide U rry, J & A b ercro m b ie, N. Capital, labour and
m iddle class. London: G. A llen & U nw in and editors, 1984), p er­
m itindo o levantam en to e a discussão de um a série de questões
relativas às m udanças o co rrid as nas últim as décadas na estru tu ­
ra social, com o a cham ada proletarização de pro fissio n ais de
nível superior.
A ausência de interesse pelo tem a entre os sociólogos b rasi­
leiros é realm ente surpreendente, con siderando-se que o país
atravessava período cle inten sa transform ação social que repercu­
100 So n ia M . G. La r a n g iu r a

tia de form a evidente na com posição dos estratos sociais. As


cham adas novas classes m édias ocupando postos gerenciais ou
técnicos criados com a expansão das gran des em presas m oder­
nas nacionais ou estrangeiras, privadas ou estatais, substituíam
setores da classe m édia tradicional, ocupadas, principalm ente, na
burocracia.
Presenciava-se, tam bém no B rasil, a proletari^açao das clas­
ses m édias, fenôm eno que descrevia as transform ações por que
passavam profissionais com o m édicos, engenheiros, advogados,
que até então haviam atuado com o profissionais liberais d esfru ­
tando de alto prestígio social e que, transform ados em assalaria­
dos, experim entavam rebaixam ento das condições de trabalho e
de j 'tatus social, o que os levava a engajarem -se em lutas sin di­
cais, típicas da classe operária.
Parece estran h o que os so ció lo go s brasileiro s não te­
nham se sen sib ilizado intelectualm en te com realidade tão e x ­
p ressiv a — com ex ceção de un s p o uco s. E n tre estes, estão
G uilhon de A lb uquerque, com o co o o rd en ad o r de um a co letâ­
nea ( Classes médias e p olítica no Brasil. Rio de Jan eiro : Paz e T erra,
1977), D écio Saes ( C.lasses média e sistem a p olítico no Brasil, São
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São Paulo: H ucitec, 1990).
Igualm ente surpreendente é o fato de que a A N PO C S, es­
pelho do que de m ais representativo se produz nas C iências
Sociais brasileiras, ao longo de seus m ais de 20 anos de existên ­
cia, não tenha abrigado g r u p o s de trabalho sobre o tem a das
classes sociais e da estratificação social.
M o b í i .i d A D K S o c i a i . (c o m k n t á r i o c r ít ic o ) 101

V oltando ao argum ento sobre a responsabilidade do m ar­


xism o na explicação do fenôm eno em discussão, d iria que tal
responsabilidade deveria ser relativizada, tendo em vista que o
próprio m arxism o seria fortem ente criticado e praticam ente aban­
donado no B rasil (seguindo tendência internacional, nas C iências
Sociais, especialm ente na França) a partir do início dos anos 80,
o m esm o ocorrendo com o conceito de classe social, o qual se
poderia dizer, praticam ente, desaparece da Sociologia no B rasil —
a despeito da crescente im portância do fenôm eno das classes na
realidade brasileira.
A im portância das classes sociais torna-se evidente, por exem ­
plo, na conjuntura de realização da A ssem bléia C onstituinte, em
que os gru p o s políticos que ali sc constituem o faziam em dispu­
ta pelo conteúdo dos princípios que deveriam ou não integrar a
nova Carta. Tal disputa poderia ser claram ente definida por seu
corte de classe. A com plexidade e a força econôm ica da burgue­
sia no B rasil nos anos 80 e 90, principalm ente, considerando-se
as frações ligadas às grandes em presas industriais m odernas, ao
setor bancário, às em presas de agrícolas, às grandes cadeias de
com ercialização, nacionais e estrangeiras, expressam -se através
de um a bem articulada e sofisticada atuação política que se tra­
duz não apenas nos eficientes lobbies atuantes junto ao Parlam en­
to, e junto a órgãos de decisão do governo, m as, tam bém , através
de um a rede de associações civis representando interesses de
classe. A eficiência dessa atuação se m anifesta na capacidade de
conduzir o processo político e econôm ico, que em nada se altera
com a dem ocratização do país, iniciada em m eados dos anos 80.
N esse sentido, cabe lem brar o artigo já citado de Francisco de
O liveira, “Os p rotagonistas do dram a: E stado e sociedade no
B rasil”, em que argum enta e dem onstra que a burguesia brasilei­
ra nunca se m ostrara tão atuante e agressiva politicam ente, o que
fazia diante de um adversário, igualm ente afirm ativo, o novo
sindicalism o. E absolutam ente incom preensível que, apesar da
102 SO N IA M . G . L A R A N G E lR A

existência e nitidez de tal fenôm eno e de suas desastrosas co nse­


qüências político-sociais, as investigações não tenham p ersegui­
do tal direção. D iante desse quadro, não m e parece que o argu ­
m ento de que a tradição m arxista tenha sido responsável pela
ausência/debilidade de tem as nas C iências Sociais brasileiras se
sustente; o argum ento deve ser relativizado, um a vez que o p ró ­
prio m arxism o foi fortem ente rejeitado, pelo m enos, con sideran ­
do-se os últim os 15 anos.
O utro fator indicado por Silva com o "talve%m ais determi-
nante” para explicar a ausência da tem ática mobilidade social seria
“reflexo da incapacidade, também crescente, de nossos profissionais da socio­
logia” no que se refere ã m etodologia quantitativa, dom inante nos
estudos da área. C oncordo com o autor que há entre os cientistas
sociais brasileiros “crescente incapacidade” no que se refere à
m etodologia quantitativa, no entanto, p o r si só, esse fator não
seria suficiente para explicar o fenôm eno em discussão, tendo em
vista que: a) por m aior que fosse tal incapacidade, tenho certeza,
considerando-se os inegáveis m éritos já dem onstrados pelas C iên­
cias Sociais b rasileiras em diferentes aspecto s e m om entos, a
m esm a teria sido debelada tivessem havido reais incentivos para
tanto. Esses, se os houve, foram débeis e não foram capazes de
sensibilizar a com unidade, diante dos fortes estím ulos às aborda­
gens, digam os, “ flexíveis” —m ais descritivas do que propriam en­
te qualitativas, em que a Sociologia parece ceder lugar à literatu­
ra. Por outro lado, o despreparo em relação à m etodologia quan­
titativa entre sociólogos brasileiros decorreu, em grande parte, da
identificação estabelecida entre m étodos quantitativos e fun cio ­
nalism o que, segundo alguns, caracterizariam a Sociologia norte-
am ericana, tam bém dedicada aos estudos sobre desenvolvim en-
tism o e, com o tal, rejeitada, por constituir-se em real expressão
do im perialism o. E ntretanto, essa talvez tenha sido uma realidade
caraterística dos anos 70. N a década de 80, a opção pela Sociolo-
gia-literatu ra, ao invés da Sociologia cien tífica, resultou m uito
M O B I U D A D K S O C IA l. (C O M IiN TÁ RIO C RÍTIC O )
103

m ais de um a opção m etodológica cujos fundam entos estão asso­


ciados a perspectivas epistem ológicas que exp ressam um desen­
canto em relação às possibilidades científicas das C iências So­
ciais, aproxim ando-se, portanto, de um certo irracionalism o. H á,
pois, na pretensa incom petência m etodológica cios sociológos
brasileiros um a opção m etodológica que desden ha das po ssib ili­
dades de conhecim ento da realidade.
A hipótese de Silva sobre a “incom petência m eto dológi­
ca” , ainda que real, não parece, por si só, ser capaz de explicar a
escassez de estudos sobre m obilidade, tam bém po rque o tem a
poderia ter sido perfeitam ente abordado a p artir de um a perspec­
tiva qualitativa com o, aliás, o foi no artigo citado p o r Silva, de A.
S. G uim arães, “O perários e m obilidade social na B ahia —análise
de uma trajetória individual” (Revista Brasileira de Ciências Sociais ,
n.22, ano 8, junho, 1993), em que a m obilidade social é analisada
utilizando-se de conceitos de B ourdieu e de recursos m etodoló­
gicos com o a trajetória de vida.
N ão sendo o m arxism o e a “incom petência m etodológica”
suficientes para explicar o fato em exam e, o que m ais se poderia
apontar?
Creio que, por sua im portância, n ã o s e poderia deixar de
considerar a m alfadada “crise dos paradigm as”, que foi, sobretu­
do, um fenôm eno francês, em grande m edida sustentada pelos
arg u m en to s dos ch am ad o s “ n o u v eau x p h ilo sh o p h e s” (A .
G lucksm ann, La cmsinière et le mangeur d ’hommes, 1975, e Les maítres
penseurs, 1977; B.H. Lévy, La barbarie à visage htimain, 1977; J.P.
D ollé, Le désir de rêvolution, 1972), que estiveram entre os prim eiros
a abertam ente proclam arem -se anti-m arxistas, dirigindo crítica vio­
lenta ao marxismo, responsabilizando-o pelos insucessos e distorções
do socialism o real, cuja origem , segundo os m esm os, estaria conti­
da nas próprias prem issas m arxistas. Em suas análises, a ciê n cia -
“ fetichism o do conhecim ento” — seria o instrum ento da opressão,
já que a razão seria totalitária. N esse sentido, o papel do verdadei­
104 S O N IA M . G . LARANGKIRA

ro intelectual seria não o de produzir conhecim ento, teoria, mas, ao


contrário, o de desm ascará-los, m ostrando o “ fracasso das C iên­
cias H um anas” . Os novos filósofos tiveram grande influência na
definição de um a nova Sociologia, especialm ente na França, forte­
m ente m arcada por traços irracionalistas e anarquistas.
A s teses p ó s-m o d e rn a s q u e en fa tiz a m o a sp e c to de
pluralidade, da diferenciação e da fragm entação do social, co n tri­
buem para reforçar tal perspectiva, criticando, sobretudo, a “ilu ­
são ” do estudo da realidade social baseada na idéia de agregados
e de coletivos, e dos aspectos recorrentes. Tal postura tende a
desdenhar de esforços objetivistas, sob o argum ento de que os
fenôm enos sociais são socialm ente construídos, expressando, p o r­
tanto, realidades que se explicariam m uito m ais por fatores sim ­
bólicos do que por fenôm enos estatísticos.
O predom ínio dessa perspectiva na Sociologia praticada no
B rasil, principalm ente a partir dos anos 80, altera a análise da
realidade social: tende-se a rom per com as explicações de carácter
estrutural do tipo “desenvolvim ento econôm ico, m udanças so ­
ciais e m obilidade so cial”, referido por Silva, para assum ir um a
abordagem de carácter político que privilegie a perspectiva de
“ politização do social” — o social percebido com o o cam po de
resistência e de lutas contra o poder que se espraia extensivam en­
te (a realidade p olítica do país, sob a ditadura m ilitar, favorecia a
ênfase nos aspectos políticos). E ntretanto, com o bem o ilustra o
livro de D ollé (.Désir de rêvolution\ vide tam bém Sartre et al. On a
raison de se révolter, 1974, am bos citados por Peter Dews, The nouvelle
p hilosophie andFoucault. In M. G ane, Toimrds a critique o f Foucault,
London: R outledge, 1986), que utiliza c o n c e i t o s lacanianos, par­
te-se de um a perspectiva subjetivista de revolução com o o b jeti­
vo de realizar a autonom ia radical, para o que se valorizava o
aspecto do im ediato e espontâneo em relação à revolta, com o
fo rm a de escapar à opressão. A revolta contra a sociedade seria
um a form a de afirm ar e satisfazer desejos individuais.
M O BII.ID A D K S O C IA I. (CO M HN TÁRIO C RÍTIC O ) 105

D e outro lado, a perspectiva pós-m oderna destaca o papel


dos signos nas sociedades atuais, ou seja, a super-produção de
sím bolos associada à dim ensão do consum o cap italista; dessa
form a, os “estilos de vid a” (e o correspondente crescim ento do
seto r de serviços) tornar-se-iam fatores m uito m ais abrangentes
na definição dos estratos sociais, em oposição ao industriaJism o
e produtivism o do passado. N esses term os, a co n strução das
identidades é concebida com ênfase nos aspectos culturais; no
lu g ar das fábricas, os shoppings centers.
D e outro lado, critica-se a noção de sociedade porque esta
expressaria a idéia de núm ero, de hom ogeneidade, o que suprim i­
ria as possibilidades de ação e, supostam ente, levaria ao con fo r­
m ism o, à n o tm atização . A id éia de igualdade seria, tam b ém ,
criticada por induzir ao conform ism o. D aí a necessidade de subs­
tituir a idéia de igualdade pela de liberdade. N esses term os, as
relações não estariam estruturadas sobre o trabalho, a econom ia,
já que a base de estruturação das relações sociais estaria na ação,
no discurso, perm itindo a construção de um m odo com um atra­
vés de um a sociabilidade, de com unicação intersubjetíva(H anna
A rendt, condição humana).
A lteram -se os conceitos e a idéia do que deveria ser a
boa sociedade. C onceitos com o os dc m ovim entos sociais, socieda­
de civil, cidadania, poder local, descentralização, autonom ia, p as­
sam a dom inar Sociologia dos anos 1980, no Brasil. O conflito
Estado versus sociedade civil assum e centralidade na explicação
de lutas sociais. Privilegiando-se o pólo sociedade civil, busca-se
m ostrar as suas virtudes, capacidade de ação e de autonom ia e,
principalm ente, seu potencial à em o cra trz a à o r.
E stab elece-se a convicção de que as d esigu ald ad es não são
apenas de o rdem eco nô m ica, e p assa-se a p riv ilegiar as d esi­
gu ald ad es referidas a sexo, etnia, cor, idade. A co n sid eração
dessas o utras form as de desigualdades coloca um certo p ro b le­
m a às análises sobre estratificação , cujos estudos tradicionais
106 S O N I A M . G . L a RANGHIRA

p autavam -se pela un idade padrão de fam ília patriarcal, crítica,


aliás dirigida ao estudo de J.H . G o ldthorpe et al. (S ocial m obility
and c/ass structure in m odem Britain , 1980) cujas con clusõ es b ase­
avam -se na po sição de hom ens, ch efes de fam ília, sendo as
m u lh eres in clu íd as com o esposas. N aturalm en te, isso não ch e­
g o u a co n stitu ir-se em obstáculo aos estudos sobre m o b ilid ad e
social, um a vez que as análises se co m p lexificaram , introduzin-
d o -se as variáveis correspondentes.
A Sociologia no Brasil foi fortem ente influenciada pela cri­
se da Sociologia francesa, que, por sua vez, coincide com a crise
dos valores econôm icos (esgotam ento do m odelo de crescim ento
econôm ico do pós-guerra), crise dos valores políticos (crise da
dem ocracia representativa), crise dos valores sociais (eclosão dos
m ovim entos e lutas sociais) e crise dos valores culturais (afirm a­
ção de princípios individualistas, a revolta da subjetividade). E s­
tabelece-se grande influência da teoria da linguagem , da fenom e-
nologia e da herm enêutica. Há um claro afastam ento das ab orda­
gen s abrangentes em direção às analíticas, em consonância com a
preferência política que privilegia ações espontancístas, im ediatistas
e anti-intelectualistas. V aloriza-se as iniciativas da ação, enfatizando
a capacidade dos sujeitos de “con stituir” o social, negando-se
que as estruturas sejam pre-existentes ã ação e, dessa form a,
relativizando-se o peso das instituições.
Sem dúvida, tais persp ectivas co n trib uíram ao m elh o r en ­
tendim en to da realidade social. E ntretanto, julgo que, tam bém ,
houve perdas nesse p ro cesso: a So cio lo gia, seguin do os p rin cí­
p io s do n o vo in d iv id u a lis m o , to r n o u -s e , e x c e s s iv a m e n te ,
su b jetivista. N um m undo cada vez m ais globalizado , com plexo
e do m in ado de form a arro gan te p elo s ato res econ ôm ico s, a
S o c io lo g ia re n u n c ia à a n á lis e d o s p ro c e s s o s so c ia is m ais
ab ran gen tes, iso lan d o -se nas an álises sim b ó licas e subjetivas,
m uitas vezes, puram ente descritivas. D eixa à E co no m ia um a
tarefa que a m esm a não p ode cum prir, já que se trata da ncces-
M O B J I J D A D H S O C M f . (COM HNTÁRIO C R Í T I C O ) 107

sidade de ab ordar, na esfera eco nô m ica, fenôm enos que são


essen cialm en te so cioló gico s, com o, por exem plo, os da estratifi­
cação e da m o b ilid ad e social.
E ntretanto, com o tentei m ostrar com o exem plo do Research
C om m ittee 28, da ISA , isso não o co rreu em outros p aíses e,
p rin cip alm en te, cm países com forte tradição teórica com o os
E stados U nidos e In glaterra. Por que a So cio lo gia no B rasil
seguiu aquela d ireção ? E ssa p arece ser um a questão que m ere­
ce ser investigada.
In t e le c t u a is B r a sil e ir o s

Sergio M iceli

Os ú ltim o s v in te an o s foram m arcad o s p o r um a fo rn ad a


ex p ressiv a de o b ras de fô lego a resp eito dos in tele ctu ais b ra si­
leiros. T alvez se p o ssa recu p erar as lin h as de fo rça dessa nova
fren te de estu d o s e p esq u isas pelo co n fro n to dos argu m en to s
esb o çad o s n aqueles trab alh o s que m ais co n trib u íram p ara m o l­
d ar o esp a ç o de d e b ate s e e x p lic a ç õ e s, s a lie n ta n d o o ra a
m o rfo lo gia e a co m p o sição in tern a do cam po in te le c tu al, suas
in stitu içõ es e o rg an izaç õ e s, o peso relativo da c ate g o ria dos
in tele ctu ais no in terio r dos g ru p o s d irig e n tes, ora p referin d o
esq u ad rin h ar as m o d alid ad es de sua co n trib u ição p ara o tra­
b alh o cu ltu ral e p o lítico . O s textos fo ram selecio n ad o s p ara
um a av aliação m ais d etid a e circu n stan ciad a em função, é c la ­
ro, de sua p ró p ria q u alid ad e in telectu al e cien tífic a, m as tam ­
bém p o r co n ta de serem b astan te re p resen tativ o s de um a c o r­
rente relevan te de exp licação , ou m elh o r, p o r terem lo g rad o
m o b ilizar 2n o d e lo s co m p reen sivo s e e m p iricam en te c o n siste n ­
tes das p ráticas so ciais, p o líticas e c u ltu rais dos in telectu ais.
O utro s trab alh o s de g ran d e m érito , an co rad o s n um a a rtic u la ­
1 10 S b r g io M i c h i .i

ção p ro vo cativ a de co n d icio n an tes, m u ito s deles co n sid erad o s


m o n o g rafias ex em p lares, não foram in clu íd o s n esta d iscu ssão
p o rq u e não tin h am a p reten são de elab o rar m o d elo s g erais de
exp licação .
E m bora m eus trabalhos sobre o assunto fossem tom ando
feição nítida e acabada ao longo do período aqui exam inado,
tratarei com m ais vagar da tese de doutorado publicada em 1979
- Intelectuais e classe dirigente no B rasil (1920-1945) 1- pela sim ples
razão de que a m aioria dos textos subseqüentes nesta área de
estudos estabelece algum a form a de diálogo com os argum entos
aí desenvolvidos. N o intuito de aclarar os passos desta avaliação
da produção acadêm ica dos cientistas sociais sobre os in telec­
tuais e a vida intelectual no país, talvez se possa com eçar por
um a caracterização sucinta dos três m odelos de apreensão desse
objeto: (a) o argum ento sociológico com tinturas culturalistas, de
m inha autoria; (b) o argum ento doutrinário-politicista, form ula­
do pelo sociólogo francês e latino-am ericanista D aniel Pécaut;
(c) o argum ento o rganizacional e institucionalista, concebido pelo
sociólogo brasileiro Sim on Schw artzm an. A com preensão dos
andaim es dessas variantes argum entativas escora-se, em am pla
m edida, no exam e dos graus variáveis de im pacto exercido pelos
tipos de fontes m obilizadas sobre o teor substantivo desses m es­
m os m odelos de interpretação histórica.
A celeum a su scitad a pelo m eu p rim eiro livro d ev eu -se
em bo a m edida às m ed iaçõ es de gên ero que faziam a p o n te
en tre a fo rça d eterm in an te das o rigen s so ciais e a p o sterio r
re o rien tação d esses h erd eiro s dos ‘ram o s p o b re s’ d as o ligar-

1. M IC E L I, S erg io , Poder, sexo e leiras na República Velha-, estu d o clín ico dos
an ato lian o s, S ão Paulo, P erspectiva, 1 9 7 7 ;_________ , Intelectuais e classe diri­
gen te no B rasil (1920-1945), S ão Paulo, Oi fel, 1979.
I N T K I .K C T U A I S B R A S I I . K I R O S 111

q uias para as carreiras in telectu ais. Em lu g ar de ad o tar um a


p ersp ectiv a d erivad a da so cio lo gia das id éias ou do p en sa m en ­
to, nos term o s d a trad ição in au gu rad a p o r M an n h eim , ou, e n ­
tão, de b u scar d efin ir as m o d alid ad es de co n trib u ição dos in ­
telectu ais ao trab alh o p o lítico n um a so cied ad e a b raço s com
um tu m u ltu ad o e d esco m p assad o p ro cesso de tran sfo rm ação ,
b u sq u e i e la b o r a r um m o d e lo d e a r g u m e n ta ç ã o c a p a z de
c o m p atib iliz ar co n d icio n an tes ligad o s às o rigen s so ciais àq u e­
les d esen cad ead o s pelas m u danças em curso no m ercad o de
trab alh o in tele ctu al, uns e o utro s to m an do feição e sen tid o no
co n texto p o lítico -in stitu c io n al da época.
Os três capítulos do livro cobriam os principais setores em
expansão no m ercado de trabalho onde concorriam os postulantes
às carreiras intelectuais: partidos c instituições culturais da o li­
garquia p aulista, frentes de m obilização p o lítico -id eo ló gica de
o rganizações integralistas, católicas e de esquerda, a indústria
editorial alavancada pelo surto do rom ance, o serviço público.
E sse levantam ento perm itiu reconstruir, para cada segm ento de
intelectuais e escritores analisados, o agenciam ento cruzado de
condicionantes sociais ligados às estratégias assum idas pelas suas
fam ílias aos fatores de im pulsionam ento exercidos pelas m udan­
ças em curso nos diversos setores dos m ercados de postos que
lhes eram destinados. O futuro social desses intelectuais ia sendo
m oldado em m eio às circunstâncias de suas orientações e repre­
sentações de gênero, expostos às m arcas neles instiladas por toda
sorte de estigm as, às quais se acresciam as injun çõ es de sua
posição na linhagem , na fratria, em fam ílias de “parentes p o b res”
da oligarquia, incentivados pelas oportunidades de aquisição de
capital escolar e cultural que dariam acesso preferencial àquelas
posições profissionais conquistadas por força do cabedal de rela­
ções sociais. A s m argens de causação so ciológica eram , por sua
vez, am pliadas ou contraditadas em função dos processos de
transform ação cm curso, tanto em nível dos m ercados de traba-
112 S l - R G I O M lC H I . I

lho intelectual com o no interior das organizações (partidos, as­


sem bléias, associações patronais etc.) especializadas no trabalho
político.
A fora as considerações m etodológicas sobre as fontes utili­
zadas, apenas o segundo capítulo, centrado na expansão do m er­
cad o e d ito ria l, re c u p e ra v a o te cid o n a rra tiv o d o s re lato s
m em orialísticos no intuito de con struir a trajetória social e literá­
ria característica dessa geração pioneira de rom ancistas sociais,
convertidos em cronistas profissionais da “casa assassinada”, con­
form e o título da crônica ficcional em preendida por Lúcio C ar­
doso a respeito do processo de decadência de sua fam ília. No
entanto, o fato de haver utilizado exaustivam ente m em órias, vo ­
lum es de correspondência, biografias, depoim entos, entrevistas,
dicionários biográficos, com o repositórios privilegiados de infor­
mações ‘objetivas’ e representações ‘subjetivas’ no processo de
elaboração do perfil dos intelectuais analisados, acabou com o
que plasm ando certas feições inarredáveis na feitura do retrato
sociológico de corpo inteiro desses escritores. A penas a título de
exem plo, poder-se-ia averiguar a estreita ligação entre as evidên ­
cias contidas nessas fontes literárias acerca das identificações ope­
radas p o r esses autores em relação às figuras centrais de sua
história afetiva e fam iliar e a possibilidade m esm a de recon struir
as orientações que foram internalizando a respeito do que fos­
sem m odelos fem ininos ou m asculinos de com portam ento se­
xual, de padrões de go sto e sensibilidade, inclusive de carreiras
profissionais. N esse rum o, outros registros traum áticos, com o
p o r exem plo as experiên cias associadas a estigm as físicos, os
s e n tim e n to s v in cu la d o s à vivência de posições e m falso no esp a­
ço fam iliar, esses e outros transes em ocionais pungentes, de so­
bejo im pacto na história pessoal, tam bém foram se revelando
im pregnados por fortíssim a carga sociológica.
A s fontes ajudaram ainda a pontuar os lineam entos em que
se assenta a reconstrução da vida intelectual na sociedade brasi-
IN T E L E C T U A IS B R A S IL E IR O S 113
leira, propiciando a inteligibilidade dos critérios, indicadores e
juízos, por meio dos quais os escritores avaliam seus padrões de
reconhecim ento e consagração, bem com o o de seus pares e con­
correntes. O em penho em avaliar as fontes utilizadas, em term os
do sentido propriam ente sociológico desse m anancial para os
contornos adquiridos pelo argum ento interpretativo, com o que
contribuiu de algum m odo para atiçar as reações às teses expos­
tas e orientar os rum os da recepção acadêmica e jornalística do
livro. Com efeito, quase todas as fontes aí utilizadas eram am pla­
m ente conhecidas, ao alcance dos estudiosos, sem jamais terem
sido alvo de um a reflexão historiográfica ou sequer subm etidas à
análise sistemática em preendida nesse trabalho. Em lugar de se­
rem encaradas apenas com o depositárias de inform ações a res­
peito dos escritores, proporcionando massa crítica ao anedotário
de que se nutre o trabalho dc canonização biográfica, caracterís­
tico de toda um a vertente prolixa da história e da crítica literárias,
tais fontes foram apreciadas umas em relação às outras, enquan­
to gestos de um a prática social significativa e, por conseguinte,
guardando as marcas existenciais de seus autores, ou então, no
caso de biografias de autoria de terceiros, de seus objetos de
reverência. As fontes foram consideradas materiais expressivos,
prontos a oferecer uma restituição cifrada das condições mais
gerais dc gênese e operação do cam po intelectual no país, propi­
ciando um a visão com preensiva das relações de força em que se
alicerça a hierarquia de legitimidades capaz de dar sentido às
posições institucionais disponíveis, às práticas sociais, intelec­
tuais e políticas de seus ocupantes e, por que não, até m esm o às
obras por eles produzidas.
M esm o as reações m enos hostis às teses centrais do livro
traíam certa dificuldade em adm itir que os intelectuais pudessem
ser objeto de uma visada sociológica. A am bição heurística do
trabalho se havia cum prido, ou seja, os term os de equacionam ento
dos intelectuais a partir das origens e da posição social ocupada
114 S K R G IO M lC H I.I

no interior dos grupos dirigentes serviram para questionar os


m odos dc apreensão e sobretudo os sistemas classificatórios de
que se valiam a história e a crítica literária de feitio tradicional.
Poder-se-ia talvez distinguir três orientações críticas perante
as propostas interpretativas do trabalho. A prim eira delas resulta­
va de dissensões teóricas no interior do campo das ciências so­
ciais, refletindo-se, de um lado, nas ressalvas form uladas quanto
aos tipos de materiais e instâncias privilegiados pela análise e, de
outro, nas restrições feitas às posturas m etodológicas adotadas.
Aqueles estudiosos resistentes à perspectiva sociológica insistiam
quanto à necessidade de dar m aior atenção às obras desses escri­
tores, com o se as evidências coligidas sobre as condições sociais
de sua existência pudessem com prom eter ou turvar a análise
centrada sobre o valor estético do trabalho literário.
O utra form a de resistência consistia no pleito de um a estra­
nha partição entre as diversas frentes de atuação dos intelectuais e
escritores, em especial nos m om entos da análise em que se
explicitavam os ligamentos entre o trabalho intelectual propria­
m ente dito e as tom adas dc posição que assumiam por força de
seu envolvimento com facções e grupos políticos dentro e fora do
serviço público. Havia ainda a postura idealista, assumida pela
maioria dos jornalistas ou comentaristas de fora do m undo acadê­
mico: ora invocavam supostas evidências de com prom etim ento
dos intelectuais com mandachuvas políticos para justificar suas
denúncias morais contra as arbitrariedades do regime Vargas, ora
preferiam converter suas próprias vivências ou as de outros con­
temporâneos em provas irrefutáveis de uma visada afetiva e apolítica
das práticas, obras e tomadas dc posição, dos m esm os intelectuais.
O livro de Daniel Pécaut2 busca m inim izar o com ponente
classista na determ inação do perfil dos intelectuais em favor do

2. PÉCAUT, Daniel, Os intelectuais e a política no Brasil (Futre o povo e a nação),


São Paulo, Ática, 1990.
I n t k i .k c t u a i s B r a s i i .k i r o s 115
privilegiam ento das motivações políticas de sua presença na so­
ciedade brasileira. A despeito dos laços que m antêm com os
grupos dirigentes e de num erosos indícios dos interesses corpo­
rativos que foram consolidando em m eio às reform as em preen­
didas pelo regime Vargas nos dom ínios da educação e da cultura,
a atenção de Pécaut se voltou para a aliança dos intelectuais com
o Estado, ou, mais precisam ente, para as feições do projeto de
m odernização e desenvolvim ento social que eles pareciam dis­
postos a implementar. Para tanto, o autor converteu em foco de
sua argum entação os conteúdos e as idéias dos grupam entos e
lideranças intelectuais em sucessivas conjunturas políticas. A reite­
rada retom ada de um projeto político por parte dos intelectuais,
habilidosos em ajustar os contornos doutrinários de seus progra­
mas ao receituário de prioridades da coalizão de forças no poder,
constitui um dos traços de sua prática social partilhado com
outros setores politicam ente atuantes das elites civis e militares.
Esse envolvim ento incontornável dos intelectuais pelas en­
grenagens da militância política, ou m elhor, pelos grupam entos
ou organizações políticas com petindo pelo controle do Estado,
parecia consolidar-se com o um padrão estrutural de com prom e­
tim ento que tendia a enrijecer-se tanto mais por conta de um
incipiente e pouco diferenciado sistema de instituições culturais.
N a falta de uma vida cultural pujante, que fosse tão vigorosa a
ponto de suscitar um cam po próprio de concorrência, em condi­
ções de propiciar gratificações materiais e simbólicas, os intelec­
tuais estariam quase sem pre propensos a redefinir e reorientar
seus investim entos e projetos na direção da atividade política. Eis
a m oldura interativa responsável pela subalternização da ativida­
de intelectual, segundo as lentes dessa abordagem .
A abertura do texto enuncia de chofre os dois postulados
centrais da análise. O prim eiro deles liberta os intelectuais de
quaisquer constrições sociais não im ediatam ente conversíveis em
pedágio político. A despeito dos seus laços com as elites, os
116 S É R G I O M lC K L I

intelectuais brasileiros se enquadrariam , com o que por encanto,


nos requisitos da definição de M annheim de “um a camada social
sem vínculos” : livres da canga oligárquica do passado, de seu
enraizam ento clientelístico e dependente na estrutura social e,
por esses motivos, aptos a form ular e a assum ir um “projeto” de
com ando do Estado. O segundo m odo de enxergar essa vinculação
matricial consiste em salientar as modalidades precisas por inter­
m édio das quais os intelectuais vao arm ando múltiplas redes no
interior do setor público onde se alicerçam as instituições, os
nichos organizacionais, as redes de com prom isso e os anéis bu­
rocráticos que os acolhem.
D e início, o autor tenta desqualificar os trabalhos elabora­
dos conform e os parâm etros de um a “ sociologia dos intelec­
tuais” , notadam ente aqueles de minha autoria, ou então de um a
“ história das idéias” de perfil tradicional. O foco de sua análise
prioriza a influência efetiva dos intelectuais no sistema político e,
ao m esm o tem po, as estratégias coletivas adotadas para fazer
valer seus interesses e sua contribuição com o categoria social
específica. D e um a perspectiva histórica, tudo se passa com o se
tal projeto afirm ativo dos intelectuais fosse se viabilizando, pau­
latina e dilatadam ente, desde os anos 20 até a abertura do regime
militar na década de 70.
O argum ento do livro vai adquirindo feições sem dar conta
dos aspectos considerados centrais em sua conceituação de cul­
tura política. A posição social dos intelectuais logo se esvazia de
qualquer teor significativo de determ inação sobre suas práticas
políticas, tendência que se reforça ainda mais diante do vigor das
estratégias de m obilidade social de que são beneficiários. Pelo
fato de terem logrado ascender ao s'tatus de elite dirigente, os
intelectuais teriam condições de se posicionar, tal com o o pró ­
prio Estado, acima do social. N essa chave, as representações dos
intelectuais sobre o fenôm eno político não poderiam se esquivar,
no caso brasileiro, a essa tendência a um cancelam ento do social.
IN T K I.K CT U A IS B R A S IL E IR O S 117
E m m eio a esse diapasão destituído de um a tessitura apropriada
de mediações derivadas da prática intelectual, acabam se estiolando
as relações entre um cam po intelectual frágil, precariam ente
institucionalizado, e uma esfera política tão adensada a ponto de
fazer valer seus constrangim entos sobre as demais instâncias da
form ação social.
Seja com o for, o equacionam ento da inserção social dos
intelectuais a partir de suas próprias perspectivas, com o se eles
m esm os pudessem dizer o que são e a que tarefas (reformistas,
m odernizadoras ou revolucionárias) se sentem impelidos, de que
perspectivas se dispõem a falar e quais as concepções do univer­
so político com que justificam suas tom adas de posição, essa
sucessão de posturas identitárias esvazia a credibilidade histórica
dos ingredientes políticos da argum entação e converte o livro
num a com pilação cerebrina de opiniões e juízos dos intelectuais
invocados, com o se fosse possível torná-los m entores de suas
racionalizações.
E m lugar de ponderar o im pacto das experiências de declínio
social sobre as famílias dos intelectuais, Pécaut preferiu subli­
nhar o sentido de m issão de que estavam im buídos, m obilizando
recursos em m eio a estratégias ofensivas coletivas que viriam
com pensar o eventual descenso individual ou familiar. A té m es­
m o a gênese do processo de conversão dos intelectuais em atores
políticos, nas décadas de 20 e 30, parece então explicar-se em
função das pressões exercidas por grupam entos políticos radicais
(nacionalistas, católicos etc.). N um a fórmula, os intelectuais bra­
sileiros constituiriam uma categoria social específica porque eles
m esm os se vêem com o tal, quer dizer, de lam bujem , enquanto
elite dirigente.
O s elem entos de prova de sua dem onstração em pírica con­
sistem, no mais das vezes, em idéias pinçadas em textos dos
intelectuais dos períodos e gerações examinados. A reciclagem
de retalhos de textos redunda na prática de um a peculiaríssima
118 S h r c jo M jc jíu

“história das idéias”, onde as opiniões dos autores são tom adas
pelo valor de face, pelo sentido literal, com o indícios de verdade
de sua posição e projeto sociais. Em brenhando-se por esses ata­
lhos de m étodo bricoleur; reitera-se a tese subjacente de que os
intelectuais devem, a exemplo dos tenentes, ser considerados ca­
tegorias “ socialmente sem vínculos”, habilitados a superar deter­
minações particulares e prontos a agir corno avalistas da unidade
nacional. N a ausência de um cam po intelectual dotado de hierar­
quias e valores autóctones, a legitimidade dos intelectuais estaria
escorada nos saberes que possuíam a respeito da dinâmica das
“m assas cegas”, da form ação da cultura e da organização da
atividade política.
O trabalho dos intelectuais fazendo as vezes de corretores
da dem anda alheia — ou seja, advogando os pleitos da sociedade
junto aos governantes e, vice-versa, atuando com o porta-vozes
dos projetos do E stado junto aos m ovim entos sociais — seria
bastante facilitado pela freqüente coincidência de suas atitudes e
intervenções com as tom adas de posição assumidas pelas elites
políticas e militares. A força política dos intelectuais se reforçaria
sobrem aneira num a sociedade com o a nossa, desprovida de ato­
res sociais com expressão própria, independentes do Estado.
N a geração de intelectuais do pós-guerra, em especial no
grupo carioca do Instituto Superior de E studos Brasileiros (Iseb),
essa vocação onipotente de liderança política teria se radicalizado
e adquirido feições de um linguajar técnico. O exem plo acabado
dessa m utação seria a abrangência dos conteúdos então atribuí­
dos à noção de ideologia: explicação do real, credo político re­
dentor, projeto voluntarista de transform ação, racionalidade tec-
nocrática. O u então, parafraseando o léxico da época, a elabora­
ção ideológica teria o condão de m obilizar diagnósticos de um a
“ ciência nacional”, que serviriam ao receituário prescrito pelo
“planejam ento econôm ico” , na esperança de liberar o dinam ism o
das forças econôm icas e em ancipar o povo e a nação. O Iseb
iN T K I.liC T U A lS BRASII.KIRO S 119
seria quase um equivalente civil da Escola Superior de Guerra,
am bas instituições rivalizando pela prim azia no trabalho de for­
m ação das elites.
Pécaut identificou diversos m om entos na história dos inte­
lectuais à testa do Iseb, logo de saída com o um a elite de poder
“ m odernizadora” que buscava se firm ar com o “representante”
da nação, passando em seguida a pleitear o status de intelectuais
m ilitantes e “engajados” ao lado das classes populares. A o que
tudo indica, o Iseb seria um a organização particularm ente ajusta­
da às pré-definições dos intelectuais com o militantes, estando,
com o se sabe, apartada do espaço institucional universitário que
então se form ava no eixo Rio-São Paulo, e contando com poucos
cientistas sociais nas instâncias de direção. N o limite, as repre­
sentações que os intelectuais com unistas possuíam a seu próprio
respeito - enxergando-se com o parte do povo e, ao m esm o tem ­
po, com o sua consciência — m ostravam -se bastante receptivas às
teses de Pécaut no sentido de politizar extrem adam ente seu argu­
m ento acerca dos intelectuais brasileiros. D ecerto ele enfrentaria
dificuldades quase insuperáveis ao lidar com aqueles setores e
grupos da inteligência brasileira m enos permeáveis à absorção de
representações tão idealistas com o aquelas presentes na militância
partidária de esquerda ou de direita.
Ao exam inar a experiência dos Centros Populares de Cultu­
ra no com eço da década de 60, Pécaut retom ou adiante essa
questão do relacionam ento problem ático dos intelectuais com as
classes populares, ou melhor, da distância entre as camadas inte­
lectuais e o povo visado com o seu público preferencial. Todavia,
nessa conjuntura histórica, não existia mais a possibilidade de
idealizar o com ponente classista que m odelou por inteiro as con­
cepções voluntaristas de ‘cultura popular’ com que lidavam os
participantes desse m ovim ento de renovação cultural e ativismo
político. Tendo de driblar tal impasse, Pécaut não conseguiu se
furtar ao reconhecim ento dos CPCs com o veículos de expressão
120 S liR G I O M lC H l.l

da classe m édia universitária, distante objetiva e subjetivam ente


das classes populares e, não obstante, inclinada a se ver e a agir
com o protagonista político.
Tudo se passa com o se a mesma toada argumentativa se
reaprum asse a cada novo m om ento histórico, encontrando guarida
e alento nas atividades, idéias e projetos dc m ovim entos emergen­
tes de vanguarda, todos eles capazes, cada um a seu modo, de
m anter acesa a chama de uma vocação política originária por parte
dos intelectuais. Por outro lado, Pécaut também pareceu em penha­
do em sinalizar os “erros” de leitura dos intelectuais a respeito dos
eventos no terreno político, com o se estivesse ao seu alcance
deslindar, ao fim e ao cabo, um caminho acertado de diagnóstico e
interpretação. Com vistas a superar essa dificuldade, ele mesmo
acaba sugerindo um m odelo de análise calcado em pactos de for­
ças sociais distintas no eixo Rio-São Paulo: as corporações do
E stado em sintonia com as forças sindicais na capital federal, em
confronto com os setores sociais (empresariado e operariado) m ol­
dados pela industrialização que haviam dado alento a uma nova
instituição universitária. A tendência obstinada à “politização” do
raciocínio transparece tam bém na contram ão do argumento, a sa­
ber, na ênfase conferida ao impacto exercido pelos partidos ou
grupam entos políticos e confessionais sobre os intelectuais.
As fragilidades da contribuição de Pécaut têm m uito mais a
ver com o conhecim ento perfunctório da história intelectual bra­
sileira do que com os partidos m etodológicos ou com as pers­
pectivas de análise adotados. Ao invés de buscar lastro em pírico
num a investigação sistemática dos grupos e m ovim entos políti­
cos e intelectuais focalizados, baseando-se em inform ações pri­
m árias ou de prim eira mão, Pécaut coligiu a m aioria de suas
evidências em obras de referência, perdendo-se, em vários m o­
m entos da progressão narrativa, os ligam entos dos fatos nom ea­
dos com o determ inantes aos seus respectivos contextos. A dotou
procedim ento similar em relação às idéias ou às interpretações,
IN T K I.K CT U A IS B R A S IL E IR O S 121

às quais confere um a força explicativa desm edida, retalhando,


com o vimos, os textos e livros dos pensadores citados, num a
técnica expositiva algo rem iniscente à m ontagem do “retrato do
Brasil” de Paulo Prado a partir dos excertos com pulsados em
relatos e testem unhos dos viajantes.
O s trechos selecionados pelo autor assim o foram com vis­
tas a escorar o teor e a direção de seus argum entos, sem que o
leitor tenha acesso àqueles elem entos extra-discursivos relevan­
tes para a com preensão circunstanciada das tom adas de posição
aludidas no corpo do texto. Extensos arrazoados se apóiam em
“histórias das idéias” e outras obras de referência cujas interpre­
tações são incorporadas na íntegra, sem quaisquer m enções às
fontes prim árias pertinentes a respeito, seja do próprio autor cita­
do nessa chave ‘dom esticada’, seja da posição de um a dada publi­
cação ou texto no conjunto de sua atividade intelectual, ou, en­
tão, da conjuntura intelectual ou política em que tais idéias foram
tom ando corpo, das condições de sua recepção nos círculos inte­
lectuais e políticos, de sua fortuna crítica, e dos demais ingredi­
entes que dão sentido ao fazer intelectual.
Já os dois livros de autoria de Simon Schw artzm an3 privile­
giam os aspectos ligados à construção propriam ente institucional
da atividade científica e intelectual no país. Sua história da com u­
nidade científica procura discernir as possibilidades dos diferen­
tes projetos disciplinares a partir das m odalidades organizacio­
nais adotadas (institutos, escolas, museus etc.). Com base no rela­
cionam ento desses profissionais com a sociedade mais ampla,
procura-se averiguar o m ontante de recursos alocados, os pa­
drões de avaliação e de valorização do trabalho científico, as
3. SCHW ARTZM AN, Sim on, Formação da comunidade científica no Brasil, São
Paulo/R io dc Janeiro, C om panhia E ditora N acional/Financiadora de E stu­
dos e Projetos, 1979; SCHW ARTZM AN, Simon; BO M EN Y , Helena Maria
Bousquet; COSTA, Vanda M aria Ribeiro, Tempos de Capanema, Rio de Janei­
ro /S ão Paulo, Pa 7. e T erra/E d u sp , 1984.
122 S h r g i o Miciii.i

expectativas dos próprios cientistas e, ao m esm o tempo, dar con­


ta das ligações entre a atividade intelectual e científica e o siste­
m a educacional onde as novas instituições especializadas foram
tom ando lugar e se viabilizando.
Seu prim eiro livro no tema —Formação da comunidade científica
no Brasil — constitui um roteiro didático esclarecedor a respeito
das variáveis privilegiadas nessa argum entação institucionalista.
A pós os dois capítulos de abertura sobre o precaríssim o legado
científico da experiência colonial portuguesa no Brasil, incapaz
de gerar um a instituição universitária arejada, a transferência da
corte determ inou o estabelecim ento das primeiras instituições de
tipo técnico-científico (por exemplo, o M useu Nacional e o Jar­
dim Botânico), sem sc chegar, até a República, ã consolidação de
um sistema organizacional adequado à atividade científica.
A partir de um a reconstrução m inuciosa da história de algu­
mas disciplinas e especialidades (geologia, astronom ia, química,
m edicina etc.), o autor procurou averiguar o im pacto setorizado
das variáveis explicativas identificadas com o de fortíssim o teor
de constrangim ento, a ponto de se m ostrarem capazes de m ode­
lar o perfil institucional emergente. A presença decisiva de cien­
tistas e pesquisadores estrangeiros, trabalhando quase sem pre em
instituições “fora do sistema de educação superior”, associar-se-
ia à ênfase crescente em pesquisa aplicada, a cujo sucesso estive­
ram ligadas as poucas instituições bem sucedidas na atividade
científica, fortem ente dependentes de lideranças carismáticas e
com sólido (astro de conexões políticas. Em m eados da década
de 30, aos sinais de declínio do Instituto M anguinhos, esboçam -
se as primeiras dificuldades para a continuidade do trabalho cien­
tífico no Rio de Janeiro e a progressiva ascensão das instituições
científicas em São Paulo, cujo alento decisivo foi dado pela cria­
ção da universidade estadual em 1934.
O s anos 30 constituem portanto um m om ento decisivo de
inflexão, na m edida em que o regime forte vigente no plano
TNTKI.HCTUAIS B R AS I I.K1 ROS 123
federal teria paralisado o m ovim ento de criação de um sistema
universitário baseado em um a com unidade científica organizada
em bases autônom as. O bloqueio da atividade científica e o
desm antelam ento da instituição universitária evidenciaram-se en­
tão, quer por conta da ausência de tais preocupações na substân­
cia da reform a Francisco Cam pos, quer pelo encerram ento das
atividades da recém -fundada Universidade do D istrito Federal.
M esm o no caso das ciências biológicas e médicas, em que a
penúria de recursos públicos obrigou os pesquisadores a busca­
rem abrigo institucional fora da universidade, logrando apoio
privado junto à família G uinle ou à Fundação Rockfeller, o autor
não chegou a explicitar o caráter dessas ligações, sequer as con­
dições que teriam propiciado o acesso e a proxim idade de um
grupo de cientistas bem nascidos, dotados de um elevado capital
de relações sociais, com m odalidades pouco usuais de patrocínio
privado no país.
N os term os dessa lógica organizacional c institucionalista, a
criação da Universidade de São Paulo constituiu o m arco divisó­
rio no processo histórico cie form ação da com unidade científica
brasileira. A pós um apanhado sucinto dos setores das elites pau­
listas responsáveis pela form ulação e im plem entação do projeto,
Simon contrasta a nova organização ao m odelo de instituição
universitária prevista na reform a Francisco Cam pos, ressaltando
os veios e traços doutrinários herdados dos m odelos europeus
que lhes serviram de inspiração. N ão obstante, esse confronto
entre os m odelos carioca e paulista de fazer ciência parece se
explicar apenas em parte em função do grau de proxim idade dos
pesquisadores em relação à universidade.
E nquanto em São Paulo a atividade científica vai se conso­
lidando no interior do recém -aberto espaço universitário, a ciên­
cia carioca tom ou im pulso nos institutos, museus, serviços go­
vernam entais e laboratórios particulares, sem que a análise se
detenha a explorar as razões que dariam conta das linhagens
124 S k r g i o M lC lil.l

familiares de cientistas no Rio de Janeiro (famílias O swaldo Cruz,


Carlos Chagas, os irm ãos O sório de Almeida etc.). Daí por dian­
te, a história dessa com unidade científica, impelida pela dinâmica
de um a profissionalização crescente, vai sendo cada . vez mais
equacionad a em função de balizas p re d o m in an tem en te
institucionais, podendo-se m apear a instauração de um cam po
científico a partir de um a sucessão de iniciativas de “ construção
institucional” (Sociedade Brasileira para o Progresso da C iência/
Sbpc/1948; Conselho Nacional de Pesquisas/C npq/1951; F un­
dação de A m paro à Pesquisa do Estado de São P aulo/F apesp/
1960; Financiadora de E studos e P rojetos/Finep/1971 etc.), da
expansão do sistema de educação superior e dos program as de
pós-graduação.
A outra contribuição nessa vertente institucionalista, desta
feita em obra coletiva sob orientação de Simon Schw artzm an,
buscou recuperar a experiência dos intelectuais ao longo do pe­
ríodo Vargas pelo exam e das m atrizes políticas e ideológicas
norteado tas dos projetos educacionais e culturais da gestão
Capanem a, bem com o das condições em que sucedeu sua imple­
mentação. E m lugar de explorar os padrões de recrutam ento e
ressocialização dos intelectuais e de seus m entores políticos, os
autores preferiram tratar projetos e realizações na área educacio­
nal e cultural 110 contexto de um processo de “ m odernização
conservadora”, entendendo-se por isso a substituição de um a
elite política tradicional por outra mais jovem, mais com petente,
dotada de um cabedal técnico atualizado, decidida a instilar m aior
racionalidade e eficiência no sistema político.
O foco da análise logo adquire os contornos de um enfrenta-
m ento entre representantes de instituições e anéis burocrático-po-
líticos em com petição pela chancela doutrinária dos projetos em
pauta. A o invés de indagar acerca das circunstâncias que presidi­
ram à emergência histórico-social de um a intelectualidade profissi­
onal, Simon balizou as expectativas e veleidades literárias do cír­
IN T K I.K CT U A IS BRASII.KIRO S 125
culo de intelectuais da rua da Bahia, em Belo H orizonte, pelo
mercado de oportunidades políticas, dentro e fora do Estado. As
obras literárias de um D rum m ond, por exemplo, acabam não en­
contrando chão próprio, afirm ando-se com o exceção ‘pessoal’ se
comparada às trajetórias políticas de seus pares de geração.
A carreira política dessa coorte geracional converte-se então
em padrão dom inante de m obilidade ocupacional no interior da
elite, esvaziando a vida intelectual da substância irredutível de
suas próprias motivações e constrangim entos. Já no capítulo de
abertura consagrado à trajetória política de G ustavo Capanem a,
sua condução ao posto de m inistro parece explicar-se, em última
análise, pelas condições do pacto celebrado entre o novo regime
Vargas e a Igreja Católica, em parte viabilizado pelos esforços de
interm ediação desenvolvidos por seu m entor Francisco Cam pos
cm arreglo com Alceu A m oroso Lima. A parceria Capanem a-
Alceu, m ote da argum entação central do livro, daria o tom , os
princípios doutrinários, os conteúdos técnicos e os rum os políti­
cos das principais iniciativas do m inistério nos cam pos da educa­
ção e da cultura.
D esta vez, constata-se uma certa politização do argum ento
institucionalista, buscando-se dar conta das possibilidades de
m anejo do Estado por parte da Igreja Católica, cada um a das
facções atuando na mediação desse acordo dc interesses. M esm o
as iniciativas de outros setores intelectuais, com o por exem plo a
experiência frustrada da Universidade do D istrito Federal, ou
então as propostas de lideranças leigas prestigiosas (Anísio Tei­
xeira e Fernando de Azevedo, entre outros), acabam sendo aferidas
pelo crivo dos interesses do núcleo dom inante expresso na alian­
ça Minas G erais-Igreja Católica. As demais iniciativas alternati­
vas, inclusive o projeto educativo das forças arm adas, são anali­
sadas a reboque da aliança principal. A tese central do livro em-
penhou-se assim em qualificar os esforços desenvolvidos pela
alta hierarquia eclesiástica e leiga da Igreja Católica, desejosa de
126 S k r g i o M i c k i .i

am pliar os espaços dc influência no interior daqueles setores


governam entais capazes de intervir nos dom ínios de atividades
(educação, saúde, filantropia, cultura etc.) onde se concentravam
os investim entos confessionais.
N ão estou questionando a relevância e o peso da Igreja
Católica na m ontagem do cam po intelectual brasileiro nas déca­
das de 30 e 40. E n tretan to , conviria distinguir en tre o
privilegiam ento do papel da Igreja com o protagonista político,
im pondo-se nesse caso com o variável explicativa decisiva, e o
m ero reconhecim ento de sua presença e im pacto com o um
condicionante organizacional entre outros de estatura similar.
E nquanto a prim eira abordagem transform a a Igreja Católica em
alicerce do cam po intelectual em processo de constituição, a ar­
gum entação institucionalista lhe confere statns idêntico àquele
concedido às outras instâncias em com petição pela prim azia dc
legitim idade cultural. Exam inando-se a questão apenas nesses
term os, com o se fora matéria de preferência estritam ente teórico-
m etodológica, corre-se o risco de deixar de lado outra ordem de
considerações. O fato de se conceder um papel protagonista a
um a instância organizacional tão complexa com o a Igreja Católi­
ca (ou a quaisquer grupos de interesse possuidores de lastro, luz
e voz institucional própria) talvez se explique, em alguma m edi­
da, pela tendência a confinar o papel dos intelectuais ao im pacto
político e institucional por eles exercido, em detrim ento das ins­
tâncias e frentes de atuação por onde transitam os produtos do
trabalho intelectual (revistas, editoras etc.).
D c outra parte, tão ou mais im portantes do que essas
constrições de ordem m etodológica, derivadas da ótica analítica
assumida, são as injunções resultantes do tipo de material em pí­
rico utilizado. O fato de a obra em questão estar lastreada por
materiais com pulsados nos arquivos dos próprios líderes das fac­
ções políticas e ideológicas envolvidas torna a leitura interpretati-
va das evidências com o que pré-orientadas pelas esferas de juris-
iN T IU .liC T U A IS B R A S Í L I C O S 127
dição organizacional no interior das quais se m ovim entam os
personagens, protagonistas e coadjuvantes, relegando a segundo
plano outras dim ensões de sua experiência familiar, afetiva, edu­
cacional e política.
Um teste banal do tipo de “arm adilhas” contidas nessas
fontes arquivísticas é o sentido m esm o das experiências vivenciadas
pelos personagens, como, por exemplo, o episódio das atribulações
enfrentadas por Mário de Andrade para dar um prum o a sua vida
pessoal, literária e funcional, na cidade do Rio de Janeiro. As
cartas citadas m encionam as variações de hum or, algumas tom a­
das de posição, suas preferências em m atéria de cargos públicos
no interior do M inistério da Educação, deixando em suspenso,
com o não poderia deixar de ser, outros aspectos relevantes de
suas dificuldades de adaptação na capital federal.
O esquem a narrativo da argum entação é praticam ente idên­
tico em relação aos principais tópicos enunciados, tom ando-se
com o ponto de partida o posicionam ento da Igreja e de suas
lideranças perante qualquer litígio ou contencioso, buscando-se,
na seqüência, reconstruir as opiniões dos demais grupos ou fac­
ções concorrentes, tal com o ocorreu, por exemplo, em relação às
políticas do E stado N ovo concernentes à família, à juventude, às
m ulheres ou à nacionalidade.
O utros quatro livros publicados nos últim os anos trouxe­
ram um a contribuição significativa e inovadora aos paradigm as
de análise já com entados, ora recuperando dim ensões da ativi­
dade intelectual que não haviam m erecido tratam ento adequa­
do, com o por exem plo as revistas de cultura, ora buscando
restituir a lógica interna de constituição de um a categoria de
especialistas, com o no caso dos estudiosos do folclore, ora en­
fim procurando reconstruir os m últiplos e com plexos laços de
sociabilidade envolvendo os integrantes de um grupo de inte­
lectuais. Esses trabalhos se em penharam em m oldar um a análi­
se em que esses objetivos se m isturavam em dosagem variável,
128 S k r g io M ic k i. i

num a tentativa original de flagrar os intelectuais em m eio às


circunstâncias de seus am bientes de origem , juntando a isso a
com preensão dos veículos sob sua responsabilidade ou das obras
de sua autoria.
O livro Guardiães da ra^ão/ modernistas mineiros (1994), de
Helena Bom eny4, examinou a atuação da prim eira geração de
m odernistas m ineiros no am biente urbano da Belo H orizonte,
em ritm o de construção com o a nova capital do Estado nas duas
prim eiras décadas do século 20, contrastando os anseios cosm o­
politas e universalistas desses jovens escritores e políticos às
constrições inescapáveis da experiência de vida na província de
horizontes limitados.
O prim eiro capítulo vai sendo arm ado a partir de um enfo­
que sócio-estrutural que logo adiante é deixado de lado. N esse
passo, a autora qualifica a com posição interna da elite mineira,
apoiando-se nas teses do historiador Amilcar M artins a respeito
do papel subalterno do setor exportador estadual, com o que ten­
tando delinear um terreno seguro de com paração com o que se
passa à m esm a época em São Paulo. As ligações dos grupos
m odernistas em am bos os Estados com suas respectivas elites
dirigentes seriam pois o alicerce explicativo para se entender os
sentidos da interação e das diferenças de postura intelectual e
política entre intelectuais m ineiros e paulistas da prim eira gera­
ção m odernista.
A ntes m esm o de chegar a extrair o m áxim o de rendim ento
analítico e explicativo desse contraditório relacionam ento entre
intelectuais e setores oligárquicos, a autora logo introduz uma
segunda articulação no argum ento ao explorar uma definição da
nova capitai m ineira com o “espaço neutro”, idealizado no con­
texto de um a trabalhosa engenharia política sobre um tum ultua­

4. BOM ENY, H elena, Guardiães da R a%ão: Modernistas Mineiros, Rio de Janeiro,


E ditora U F R J/T em po Brasileiro, 1994.
IN T K I.K C T U A IS BRASII.HIRO S 129
do pano de fundo de tensões e profundas rivalidades intra-oligár-
quicas, envolvendo as distintas e inconciliáveis regiões do E sta­
do. Tendo sido projetada com uma finalidade adm inistrativa e
cultural, os intelectuais m ineiros teriam de encontrar meios de
compatibilizar projeto literário e participação política nesse am ­
biente urbano, derivando desse repto um cabedal próprio de pres­
tígio e influência. O s desafios postos a essa geração de m odernis­
tas, no sentido de conciliarem literatura e política, tam bém reper­
cutiriam sobre a bandeira temática de “política e cultura” tão ca­
racterística do perfil de suas revistas e suplem entos literários.
Baseando-se no diálogo m antido entre Mário de A ndrade e
Carlos D rum m ond de Andrade, a autora explora os pontos de
aproximação e tensão entre m odernistas m ineiros e paulistas, con­
trastando o horizonte provinciano e paroquialista dos primeiros,
imersos nesse cultivo da “m ineiridade” com o estilo de conduta,
jeito de ser e categoria de pensam ento, à convicção paulista de
um novo ideário da história e da sociedade brasileira, ancorada
em posturas científicas de apreensão, classificação c análise. Apli­
cando ao desdobram ento da carreira política e intelectual de D rum ­
m ond as mesmas constrições que pesavam sobre o itinerário de
seu m entor e protetor político, G ustavo Capanem a, num a clara
alusão à abordagem de Simon Schwartzm an, o texto situou o
poeta-funcionário num a encruzilhada, prensado entre as exigên­
cias de uma obra de criação pessoal e a prestação de serviços
políticos. D rum m ond teria sofrido na pele as conseqüências dos
conchavos negociados por Capanem a, m orm ente a aliança com a
Igreja Católica, sem dispor de recursos políticos que lhe garantis­
sem o espaço de autonom ia indispensável à feitura de sua obra
literária. Ele não teria tido outra saída senão participar do “mi­
nistério da geração m ineira”, envolvido por inteiro com os proje­
tos políticos nas áreas de educação e cultura.
Em retrospecto, o trabalho de H elena Bom eny explorou
diversos veios de argum entação sem com prom eter-se a fundo
130 S k r g i o M i c k i .i

com nenhum deles. Tratava-se, à prim eira vista, de um a discus­


são acerca dos teores de “m odernidade” arraigados no universo
político e ideológico da prim eira geração de m odernistas m inei­
ros, junção de escritores e políticos, ou m elhor, de escritores-
funcionários com políticos que escrevem. A análise logra seu
intento ao aquilatar esse estoque de idéias, m odelos, projetos, em
função do im pacto exercido pela construção da nova capital do
Estado, pelas relações conturbadas que os m odernistas m ineiros
m antinham com seus colegas e contem porâneos paulistas, pelas
interferências de suas atividades políticas sobre sua produção
propriam ente literária.
Todavia, ao invés de deslindar todo esse caldo de cultura,
em cuja tram a se m esclavam ingredientes derivados de diferen­
tes instâncias da experiência social — expansão urbana, projeto
literário, trabalho jornalístico, m ilitância política, credos refor­
m istas etc. —, a autora preferiu encam inhar o fecho de sua argu­
m entação num a direção teórica mais am biciosa e, ao que tudo
leva a crer, im própria ao m anejo das variáveis m encionadas. N o
limite, pretendia-se confrontar as realizações práticas desses in­
telectuais aos teores de racionalidade e de “ m odernidade” re­
queridos pelos padrões usuais das teorias sobre o processo de
racionalização no m undo ocidental. Postos nessa enrascada, se
lhes aplica um diagnóstico idêntico àquele receitado nas gran­
des explicações da sociologia histórica (B arrington M oore Jr.,
B endix etc.) para as intelectualidades elitistas e titubeantes das
cham adas “revoluções pelo alto” . Assim m esm o, o desfecho do
livro não deixa de provocar espanto, diante do descom passo
entre as dim ensões salientadas pela análise e a altitude da gene­
ralização visada pelo trabalho. A autora concluiu o livro afir­
m ando que os intelectuais m odernistas m ineiros possuíam um a
m entalidade conservadora, tão característica ao arreglo de elites
tradicionais que teriam perpetrado a “m odernização conserva­
dora” da Revolução de 30.
INTKI.KCTUAIS BRASII.KIRO S 131
O livro de Angela de Castro G om es, História e historiadores: a
política cultural do estado novo 5 , examina duas publicações ligadas
aos serviços de propaganda do regime Vargas - o suplem ento
“Autores e Livros” do jornal A Manhã e a revista Cultura Política
—, com vistas à recuperação da “cultura histórica” do período, ou
seja, quem estava sendo considerado historiador, o que era então
entendido com o saber histórico e o lugar da história no discurso
estado-novista.
O s vinte “historiadores” consagrados entre 1941 e 1945
pelo suplem ento “A utores e Livros”, nascidos no último terço do
século 19 e falecidos nas décadas de 20 e 30, eram , em sua
maioria, bem -nascidos e bem -educados, originários de famílias
pertencentes às frações políticas e não aos setores proprietários.
O retrato sociológico do grupo se faz em cores berrantes, bor­
rando diferenças esclarecedoras, e sobretudo deixando de explo­
rar o caráter de suas ligações com os grupos dirigentes, ou m e­
lhor, o im pacto de pelo m enos algumas dessas características
sobre os gêneros e m odelos de produção intelectual em que se
especializaram ou sobre a marca da inequívoca independência
intelectual perm eando os projetos coletivos da geração de 1890.
A fora a exceção de Rocha Pom bo indicada no texto, aliás a
contrapelo dos indicadores biográficos disponíveis a seu respei­
to, o grupo analisado inclui alguns poucos intelectuais de origens
m odestas que lograram um cam inho pessoal de autonom ia social
e profissional às custas de com padrio e de outras form as de
clientelismo. Talvez fosse profícuo exam inar tais trajetórias e ave­
riguar o im pacto dessas experiências atípicas, em vez de desbas­
tar a variedade de ocorrências com vistas à obtenção de um perfil
sociológico uniform e. Foi justo essa geração de intelectuais-jor-
nalistas — tão caudatários de suas atividades na im prensa num

5. CASTRO G O M ES, Angela de, História c historiadores: a política cultural do


Estado Novo, Rio de Janeiro, Fundação G ctúlio Vargas, 1996.
132 S k r g i o M ic iíi.i

m om ento de restritas oportunidades de publicação - que fundou


a ABL em 1899, fazendo com que algumas de suas figuras de
proa pudessem converter-se em m odelos de excelência em diver­
sos gêneros do trabalho intelectual.
Além de haver propiciado parâm etros internos originais aos
profissionais da atividade intelectual, essa m esm a geração alcan­
çou um patam ar de m aior independência cm relação aos padrões
dc legitimidade im portados dos países centrais. A m aioria desses
historiadores desenvolveu uma carreira política expressiva, tor­
nando praticam ente indissociável a atividade intelectual do seu
desem penho com o m inistros, governadores, parlam entares e di­
plomatas. Tais padrões vinham atender às necessidades de justifi­
cação das práticas político-ideológicas dos intelectuais atuantes
no Estado Novo, não sendo de surpreender que tenham reveren­
ciado esses precursores de um a tradição de dependência insubor­
dinada em relação aos detentores do poder político.
Se “a idéia que o suplem ento deseja passar é justam ente a
da com patibilidade entre esses desem penhos (...) sem m ácula
para a condição de intelectual”, talvez se devesse refletir acerca
do teor norm ativo que inspira esse m odelo de inteligibilidade
do trabalho intelectual na sociedade brasileira. D isfarçado num a
roupagem de vistoso relativismo, esse m odelo foi em alguma
m edida incorporado pela autora. As obras “históricas” produzi­
das pela m aioria desses h istoriadores foram quase sem pre
redigidas no aceso da luta política, não se podendo invocar tal
circunstância para inventar um a tradição nacional do ofício de
historiador. O esforço de construção social e intelectual desse
panteão nativo de sum idades da historiografia se enquadrava
num projeto de propaganda política, dim ensão praticam ente si­
lenciada pela análise.
Já a propaganda veiculada pela revista Cultura Política assu­
mia um tom mais escancarado de proselitismo. A m ontagem des­
sa “cultura” épico-nativista fez-se sobretudo por m eio da seção
iN TK I.liC TU A IS BR AS 11. Kl ROS 133
“ H istória”, para a qual escreviam intelectuais de pouco renom e e
destituídos de um a obra inovadora. O s colaboradores habituais
eram quase todos professores secundários, m em bros dos institu­
tos históricos e geográficos estaduais, funcionários públicos de
certa nom eada e militares intelectualizados, categorias em ampla
oferta no m ercado de bicos culturais na capital do país. O s exem ­
plos transcritos no livro confirm am o quanto estavam dispostos
a redigir matérias ajustadas às diretrizes pautadas pelos responsá­
veis editoriais.
Minhas restrições ao m odelo de análise e argum entação ado­
tado têm a ver sobretudo com certas posturas de m étodo que
foram m oldando o teor c a direção das conclusões. A prim eira
delas se prende ao fato de se haver procedido com as fontes
selecionadas para análise com o se fossem textos de um a dicção
culta, para cujo esclarecim ento não se faz menção, seja às carac­
terísticas sociais do público-alvo, seja a um a etnografia, ainda
que sumária, das trajetórias de seus m entores. Esse cardápio de
sociologia dietética traria subsídios indispensáveis à com preen­
são do objeto, perm itindo, por exemplo, correlacionar as dim en­
sões já m encionadas de sua inserção social, educacional, profissi­
onal e institucional, aos padrões recorrentes da cantilena autori-
tário-preservacionista do regime.
Por outro lado, a despeito da relutância da autora em adm i­
tir os textos selecionados com o indicativos de uma política orien­
tada pelos interesses do governo Vargas, talvez tem endo a pecha
de desatenção à “m ajestade” da obra intelectual, teria sido preci­
so deslindar os procedim entos adotados por esses intelectuais-
funcionários para a versão culturalista e folclórica da sociedade
brasileira aí veiculada.
As duas publicações analisadas deram sua contribuição ao
esforço publicitário desencadeado junto aos meios de com unica­
ção de massa em ergentes pelos serviços do D epartam ento de
Im prensa e Propaganda (DIP), sujeitando obras, autores e con­
134 S k r g i o M i c h i .i

ceitos “ históricos” a um tratam ento diluidor, de form a que pu­


dessem atender funções eminentem ente práticas de convencimento
e persuasão. A despeito das discordâncias, o livro cm pauta é um
trabalho admirável de interpretação que, no limite, dispensaria o
recurso a fatores externos àqueles equacionados por sua consis­
tente argumentação.
O livro de Luís Rodolfo Vilhena, Projeto e missão: o movimento
folclórico brasileiro 1947-1964 6, exam inou a ascensão e o declínio
do m ovim ento que abrigava essa nova categoria de “intelectuais
de província” , os folcloristas. A pós dialogar com estudos recen­
tes nos cam pos do pensam ento social brasileiro c da história das
ciências sociais, os capítulos pares reconstroem os cam inhos de
institucionalização do m ovim ento e os ím pares exploram as po­
lêmicas envolvendo folcloristas e sociólogos da escola paulista.
O ponto alto do trabalho é a reconstituição do processo de
construção institucional e política do m ovim ento folclórico, m os­
trando as oscilações de prestígio e influência ao longo dos suces­
sivos governos do pós-guerra, os espaços institucionais criados
na adm inistração pública federal e estadual e, em meio a tudo
isso, a form ação de um a rede nacional de folcloristas dotada de
uma hierarquia, de um a subeultura intelectual e, sobretudo, de
um a ativa e poderosa liderança. Ao carregar nas tintas das causas
responsáveis pelo desm oronam ento institucional do m ovim ento,
Vilhena correu o risco de despolitizar seu objeto de análise, rele­
gando a segundo plano a fragilidade dos trunfos intelectuais dos
folcloristas.
A perda de terreno e o conseqüente esvaziam ento do m ovi­
m ento têm m uito mais a ver com a natureza das suas bandeiras
em prol de uma cultura popular “incontam inada” num m om ento
de expansão acelerada da indústria cultural. O s focos de tensão

6. V IL H E N A , Luís Rodolfo, Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro (1947-


1964), Rio dc janeiro, Funarte/F undação G etúlio Vargas, 1997.
IN T K L K CT U A IS BR A S H .K IRO S 135
entre os foleloristas e os cientistas sociais universitários auxiliam
a desvendar o debilitam ento intelectual e o progressivo isolam en­
to político do m ovim ento folclórico.
N um m om ento de afirm ação de m odelos sociológicos
nucleados nas conexões entre as form as de organização da socie­
dade e suas expressões nos dom ínios da atividade política e sim ­
bólica, o em baço analítico dos foleloristas prendia-se ao enfoque
exacerbadam ente culturalista dos seus objetos e não às instâncias
p or eles privilegiadas. Esse desacerto entre tradições teóricas e
disciplinares estava ancorado em concepções distintas quanto à
fecundidade explicativa da estrutura social. Por exemplo, em vez
de se lim itar a enxergar os folguedos com o m anifestações
“m estiçadas”, Bastide preferia interpretar o cateretê e a dança de
Santa C ruz com o form as de catequese dos jesuítas em relação
aos indígenas de suas missões, ou então definia os folguedos de
influência africana com o estratégias de dom inação de senhores
de escravos e do clero, em penhados em incentivar as m anifesta­
ções musicais dos negros para “ m anter a rivalidade entre na­
ções” . Em lugar de realçar os aspectos de congraçam ento com u­
nitário com o faziam os foleloristas, Bastide m ostrou que o fol­
clore não misturava nem as cores nem as classes num a sociedade
fortem ente estratificada com o a nossa.
Vilhena tam bém examinou as estratégias de que se valeram
as lideranças do m ovim ento com a finalidade de convertê-lo num a
política cultural preservacionista das m anifestações de “cultura
popular” . Essa incapacidade de incorporar as transform ações
desencadeadas pela expansão da indústria cultural, resistindo a
qualquer indício de reprodutibilidade técnica, tornou os foleloristas
defensores de um a arte popular tradicional, cultuando a “aura”
de um passado arcaico a que estariam associados o “espontaneís-
m o” e a “pureza” da criação coletiva c anônim a de cultura. Esse
universo doutrinário acabou orientando os foleloristas para uma
política ferozm ente preservacionista, podendo-se m encionar en-
136 S k r g io M i c k i .i

tre seus projetos os museus de artesanato, os festivais e grupos


de brincantes, os estudos c inquéritos sobre folguedos.
Vilhena iniciou a caractetização dos folcloristas por meio
de uma análise do ethos interiorizado pelos participantes do m ovi­
m ento, ou seja, a partir daqueles traços em que eles m esm os se
reconheciam . O elem ento central de coesão derivava de um sen­
tim ento de missão, perm eando o engajam ento nesse cam po de
estudos e militância. O clima de camaradagem, de hospitalidade,
p or ocasião de seus encontros, nutria-se de sentim entos idênticos
àqueles partilhados pelos “hom ens sim ples”. O m odelo vivo do
m ovim ento folclórico consistia nas práticas caipiras de auxílio-
m útuo dos lavradores e indígenas brasileiros. Essa prim eira ca­
racterização por meio de um a recuperação das suas representa­
ções e valores, enfatizando a subeultura doutrinária, não im pediu
que o autor esboçasse um perfil sociológico de sua tríplice inser­
ção, a saber, no espaço dos grupos dirigentes, no interior dos
m ercados de trabalho cultural e político.
A parcela majoritária dos secretários das com issões estadu­
ais de folclore eram advogados ou m édicos de profissão, com
incursões pela imprensa, docência e política, quase todos polígrafos
com uma produção intelectual interm itente, declicando-se à pes­
quisa folclórica de m aneira bastante irregular. N a m aioria dos
E^stados, o serviço público era o principal m ercado de trabalho
para um contingente expressivo de folcloristas. As ligações es­
treitas de m uitos deles com os institutos históricos e as academ i­
as de letras estaduais com pletavam as am arras institucionais des­
ses “intelectuais de província”, a meio cam inho entre o exercício
de seus pendores literários e as exigências de rigor científico
cobradas em seu trabalho etnográfico.
O livro Destinos mistos1 {1998), de H eloísa Pontes, em preen­
deu a reconstrução da trajetória de vida e trabalho da turm a de
7. PO N T E S, Heloísa, Destinos mistos: os críticos do grupo Clima em São Pauto (1940-
1968), São Paulo, Com panhia das Letras, 1998.
IN T K I.K CT U A IS B R A S il.lü R O S 137
intelectuais e am igos que fundaram a revista Clima na década de
40, em que se incluíam alguns m odelos de excelência da crítica
cultural no país: A ntonio Cândido (literatura), D ecio dc Almeida
Prado (teatro), Paulo Em ílio Salles G om es (cinema), Lourival
G om es M achado (artes plásticas), Ruy G alvão de A ndrada C oe­
lho (sociologia) e Gilda de Mello e Souza (estética). A pós um
capítulo introdutório onde examina o universo de idéias e influ­
ências que estavam contribuindo para m odelar a construção do
objeto e os m étodos de análise daquela geração em ergente de
críticos da “cultura brasileira” , em suas principais m anifestações
e gêneros, valendo-se para tanto de um a leitura atenta da obra
prem iada de Lourival G om es M achado, Retrato da arte brasileira, a
autora efetua um histórico transado das condições que presidi­
ram ã criação da revista Clima, os esquemas de financiam ento, a
divisão do trabalho editorial, a hierarquia interna do grupo, as
relações com a conjuntura política interna (crise e deterioração
da ditadura Vargas) e externa (últimos anos da segunda grande
guerra), os núcleos temáticos cobertos pelo veículo.
Esses variados tópicos de aproxim ação acabam por tradu­
zir-se em pontos de vista com plem entares, num esforço de apre­
ensão diferenciada do perfil intelectual da revista, ou m elhor, de
sua posição no universo das revistas literárias e de cultura, do
im pacto e da originalidade de suas propostas inovadoras na área
da crítica de cultura, frente instigante do trabalho intelectual na
época. E por m eio dessas mediações que se viabiliza a intenção
dc conhecer as expectativas, as mentalidades, as alternativas de
carreira e de produção intelectual que então foram se abrindo aos
integrantes da turm a idealizadora de Clima.
O exame caprichado da substância intelectual da revista,
objeto do terceiro capítulo, constitui aliás um dos grandes acer­
tos do trabalho. Ao invés de se limitar a um rastream ento dos
núcleos temáticos, ou então de se contentar com o m apeam ento
das tom adas de posição intelectuais ou políticas desses jovens
138 S l-R G IO M lC IU .I

intelectuais am biciosos, a autora procura entender a divisão do


trabalho intelectual em função das diretrizes im postas pela lide­
rança exercida no interior do grupo e, num a passagem esclarece­
dora, esmiuça as relações de gênero no interior daquele círculo
de sociabilidade.
Ao m esm o tem po que evidencia os temas então considera­
dos “nobres”, na prática quase m onopolizados pelos hom ens,
trazendo à baila lances repletos de sinais excludentes que se efe­
tivam a despeito de qualquer intento deliberado, H eloísa vai
destrinchando os m ecanism os de relegação a que estavam sujei­
tas muitas jovens intelectuais de talento, com freqüência im possi­
bilitadas de se desgarrar, com alguma autonom ia, dos projetos e
diretrizes im postos pelos hom ens da turm a. Esse foco prioritário
da análise, voltado para a contribuição intelectual das mulheres,
trouxe ao centro daquele experim ento renovador de produção
cultural as realizações autorais de Gilda de Mello e Souza, quer
através de seus escritos com o ficcionista, quer pelos frutos inte­
lectuais característicos de suas atividades com o professora uni­
versitária.
O perfil social, intelectual e m esm o institucional desse g ru ­
po de universitários congregados em to rno da revista Clima,
elucida-se de m odo ainda mais com pleto por conta do contraste,
quase contraponto, entre a trajetória de seus integrantes e a sofri­
da experiência de vida de Florestan Fernandes, o jovem e bri­
lhante sociólogo dessa geração que se alçou à posição de cate­
drático e líder inconteste de toda um a escola de pensam ento e
pesquisa im plantada na Universidade de São Paulo sob seu co­
m ando e orientação.
O “confronto” analítico entre o sociólogo de origem social
m odesta e os rapazes e m oças bem nascidos, cultos, sofisticados
e cosm opolitas, do grupo Clima , in tro d u z um ing redien te
provocativo na construção de um argum ento sociológico calibra­
do pela compaixão etnográfica, em cujos andam entos narrativos
iN T Iil.K C T U A IS BRASII.KIRO S 139
e explicativos reconhece-se a inspiração de autores tão diversos
com o N orbert Elias e Raymond Williams. O s contrastes deriva­
dos dessas trajetórias típico-ideais perm item identificar, de um
lado, as m atrizes e os m odelos de crítica cultural adotados pelos
integrantes do grupo Clima e, p o r outro, as características da
dicção autoral que estavam cm condições de assum ir naquela
conjuntura do cam po intelectual, tão condicionada pelas exigên­
cias do trabalho acadêmico tal com o se m anifesta nas etapas
sucessivas cie um a carreira universitária.
O contraponto m encionado introduz no coração do argu­
m ento sociológico, burilado em suas múltiplas faces e aspectos, a
força irreprimível de uma dinâmica institucional conducente à trans­
formação das condições de acesso à vida intelectual e, por conse­
guinte, a m utações p ro fu nd as nas instâncias institucionais
especializadas, a com eçar pela consolidação da própria universida­
de. Salvo engano, para além do registro m acro-histórico, a autora
valeu-se desse contraponto para deslindar, em filigrana, o em bate
de energias sociais concorrentes em meio a esses fluxos de m udan­
ça social e intelectual. Talvez se possa form ular alguma reserva
diante dos poucos trechos onde se manifesta a excessiva empatia
da autora em relação aos integrantes do círculo Clima, fazendo
com que, por vezes, ela pareça ter-se deixado impregnar, no plano
heurístico, pelas representações racionalizadoras contidas em de­
poim entos e entrevistas referidos no texto. O u seja, a m esm a sin­
tonia afetiva que propicia a imersão sensível capaz de garantir uma
leitura fecunda das inform ações coletadas pode, a partir de certo
m om ento, borrar certos matizes da visada analítica.
Q ualquer um dos trabalhos aqui discutidos poderia servir à
dem onstração do am plo espectro de m odelos dc análise, nos do­
mínios das ciências sociais e hum anidades, a que estão expostos
os estudiosos brasileiros nesse cam po de uma sociologia históri­
ca da vida intelectual. Pierre Bourdieu, N orbert Elias, Raymond
W illiams, R obert D arnto n, Cario G inzburg, A rnold H auser,
140 S k R C JO iVTlCKl.l

Howard Becker, Fritz Ringer, W olf Lepenies, E. P. T hom pson,


G eorges Duby, Cari Schorske, encre as principais influências teó­
ricas nesse período, são autores de ensaios seminais e m onografi­
as exemplares sobre intelectuais e artistas em outras form ações
sociais, ora analisando autores, obras e correntes de pensam ento,
ora buscando apreender as m entalidades e o imaginário cultural
de um período em particular, ora focalizando a gênese e o desen­
volvim ento dos intelectuais, artistas e cientistas com o categorias
sociais, ora enfim apreendendo os padrões de criação e diferen­
ciação das atividades intelectuais, artísticas e científicas, por meio
da em ergência de novas disciplinas, de m odelos estéticos ou cien­
tíficos contestatários, de paradigmas inovadores de análise e in­
terpretação. A qualidade do trabalho de qualquer um desses au­
tores com prova os ganhos heurísticos trazidos pela confluência
de uma gama diversificada de disciplinas c tradições intelectuais
— desde a sociologia e a antropologia, passando pela história
social, intelectual e das mentalidades, pela crítica literária, pela
filosofia, até as diversas orientações teóricas no interior da histó­
ria da arte —, bem com o pelo reconhecim ento das vantagens
m etodológicas associadas à exploração de fontes, modelos, con­
ceitos e abordagens de enfoques disciplinares com plem entares.

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In t e r pr e t a ç õ e s so b r e o B r a sil *

Lúcia LJppi Oliveira

Sabemos que de tem pos em tem pos volta-se a interpretar e


a reínterpretar o Brasil. Km alguns m om entos cruciais de sua
história o país mereceu a atenção dc pensadores, romancistas,
juristas, médicos, engenheiros, ou seja, diversas categorias profis­
sionais que produziram uma plêiade de diagnósticos e terapias
capazes de solucionar seus males. E ste processo, m arcado pela
busca das raízes da nacionalidade e pelo esforço para inserir o
país na m odernidade, foi atividade de diversas gerações de inte­
lectuais que se detiveram na “m issão” político-ideológica de cons­
truir uma identidade para o Brasil.
A vida acadêmica no Brasil lidou com este passado de, pelo
m enos, duas formas. E m sua origem procurou dem arcar sua di-
* Integra o projeto “As ciências sociais no Brasil: balanço e perspectivas
(1970-1995)” desenvolvido pela A N PO CS sob coordenação de Sergio Miceli.
A gradeço a leitura de H elena B om eny, M arcos C h o r M aio, R icardo
Benzaquen de Araújo e Charles Pcssanha que contribuíram para o “co n ­
trole da subjetividade” necessário à apresentação desta minha versão. Angela
de Castro G om es fez com entários pertinentes à versão prelim inar que, na
m edida do possível, foram incorporados ao texto.
148 L Ú C IA L lP P l O l.lV H IR A

ferença dizendo estar produzindo “ciência” e portanto algo dis­


tinto desse com prom isso com a construção de identidades. Em
sua m aturidade, se é que podem os considerar com o tal a pro d u­
ção no âm bito dos cursos de pós-graduação e de centros de
pesquisa afiliados à A NPO CS, procurou realizar um a análise de
autores e livros situando-os histórica e sociologicam ente e reali­
zando uma interlocução com as leituras já consagradas no fim
dos anos 70.
Vou me deter em uma experiência particular — o G rupo de
Trabalho Pensam ento Social no Brasil da ANPO CS - ao longo
dos anos 1983-1995, arrolando inform ações capazes de qualificar
o balanço substantivo dessa área. Sei que a produção acadêmica na
área de pensam ento social no Brasil é mais ampla do que a do GT;
entretanto, este recorte pode oferecer um exemplo significativo e
relevante. Estarei apresentando dados e fazendo reflexões sobre
um espaço da vida acadêmica do qual faço parte e que poderá
receber outras interpretações diferentes das aqui apresentadas. Tra­
te-se, fora de dúvida, de um caso de história compartilhada.
Em 1981 foi encam inhada ã direção da A N PO C S proposta
de constituição de um G rupo de Trabalho sobre Pensam ento
Social Brasileiro. Sob a coordenação de Luiz A ntonio Castro Santos
e M atiza Peirano, o grupo apresentava com o objetivo criar espa­
ço para a reflexão sobre o pensam ento social brasileiro. Suas
perspectivas eram cobrir estudos de natureza teórica e histórica
“ fugindo de esquem atizações rígidas” e “assum indo diante delas
um a atitude crítica” . O leque de temas a serem abordados deve­
ria cobrir “literatura e cultura brasileiras, história do pensam ento
social, imaginação sociológica, política e histórica no Brasil (por
exemplo: projetos de construção ideológica da nação)”, com o
consta do prim eiro relatório de atividades, de março de 1984.
Um prim eira indagação poderia nos levar à questão: o que
seria pensam ento “social” e qual a distinção em relação a outros
pensam entos não sociais? Pensam ento social procura designar a
IN T K R PR K T A Ç Ò H S S O B R Ii O BR A SIL 149
produção intelectual em sentido mais abrangente e não som ente
aquela gerada no espaço das ciências sociais. D aí ser igualm ente
relevante a análise da produção de literatos, de críticos da litera­
tura, de folcloristas entre outros. E m segundo lugar: pensam ento
social “brasileiro” ou “no Brasil”? Vale notar que no prim eiro
encontro do GT, em 1983, seu nom e já deixava de lado a prim ei­
ra opção para adotar a segunda. H á pensam ento social, ou seja,
estudos e /o u ensaios que procuram interpretar a vida social em
todas as sociedades. Há pensam ento social na Argentina, na França,
nos Estados Unidos, assim com o no Brasil. Cada um pode ser
visto com o caso particular e não com o singularidade histórica.
Ao longo dos anos, nas reuniões anuais do G T, foram apre­
sentados textos que analisavam obras de pensadores, de ensaístas,
de rom ancistas e literatos, de cientistas sociais, fazendo-se uso,
assim, de um a definição larga do que seja pensam ento social no
Brasil. Procurou-se rever leituras consagradas, qualificar mais e
m elhor análises já realizadas, operar com novas questões e /o u
retornar a antigas, desde que ancoradas nas tradições disciplina­
res que m arcam a form ação dos participantes do GT. Nesse sen­
tido o G T foi efetivam ente um grupo de trabalho e um espaço
interdisciplinar por excelência.
Procurou-se integrar autores e obras investigando trajetóri­
as, escolas, debates, divergências, polêmicas, enfim , todos os ele­
m entos que perm item o conhecim ento de “cam pos intelectuais”,
ou seja, explorar os “lugares de fala” , os m ecanism os de prestí­
gio e de “distinção” existentes no Brasil principalm ente a partir
dos anos 20. Cientistas sociais e ensaístas m ereceram tratam ento
similar, ainda que o tema da criação do cam po das ciências so­
ciais e de suas instituições tenham recebido atenção especial.
Pode-se dizer que o G T procedeu a uma revisão do cânone
(se é que isto existe no Brasil), na medida em que realizou uma
reinterpretação dos clássicos ou tirou do esquecim ento autores e
obras consideradas “perdedoras” e que não faziam parte do panteão
150 L Ú C IA L lP P I O l.lV H IR A

consagrado. D a m esm a forma, foi feita uma releitura das interpre­


tações sobre o Brasil ocupadas com a construção simbólica da
nação no espaço do modernismo. Fez-se um a crítica da tradição
entendendo por tradição exatamente a form a de ler o passado.
O s sucessos e as limitações das realizações do G T podem
ser conhecidos e avaliados com base nos dados apresentados ao
final do texto; a saber:
- A utores e títulos dos trabalhos apresentados 110 G T por
ano;
- Participantes do G T por form ação, instituição e núm ero
de vezes que apresentou texto;
- Publicações dos participantes relacionadas aos temas apre­
sentando no GT.

A lista dos trabalhos apresentados e dos pesquisadores que


participaram do G T nos perm ite observar que m uitos textos fi­
zeram parte de pesquisas de tese de doutorado dos m em bros do
G rupo, com o nos casos de Angela de C astro G om es, Fernanda
Peixoto, Gláucia Vil las B oas, H eloísa P o n tes, Leila M aria
H ernandez, Lúcia Lippi Oliveira, Luís Rodolfo Vilhena, Maria
A rm inda A rruda, M arcos C hor Maio, Nísia Trindade Lima, Regi­
na A breu, Ricardo B enzaquen de Araújo, entre outros.
Alguns pesquisadores freqüentaram o G T durante certo
tem po e deixaram de com parecer às reuniões anuais. Podem os
especular as razões: alguns m udaram de linha de pesquisa; ou­
tros acabaram suas teses e não continuaram na m esm a linha;
outros ainda não se sentiram integrados à form a de trabalho do
grupo. Podem os inferir daí que as tem áticas relacionadas ao
estudo do Pensam ento Social no Brasil encontram receptividade
nos alunos de doutorado. N este sentido os professores da pós-
graduação são os m aiores responsáveis, na m edida que abrem
espaço para estes trabalhos, em garantir a continuidade da linha
de pesquisa.
IN T K R P R K T A Ç Ò liS S O I)RU O BRAS1I. 151
O G T passou a incluir em suas reuniões anuais a figura do
debatedor, norm alm ente um pesquisador de maior senioridade
que participa dos debates e contribui para o andam ento da pes­
quisa apresentada. Essa form a de participação perm ite abrir es­
paço para a presença e incorporação dos mais jovens.
D os 61 pesquisadores que participaram do G T, tem os a
seguinte distribuição segundo a formação: sociólogos, 22; antro­
pólogos, 19; cientistas políticos, 9; historiadores, 7; outros (geó­
grafos, filósofos) 3; sem inform ação, 1. A distribuição da partici­
pação segundo o núm ero de vezes que cada um apresentou paper
no grupo assim se apresenta: 1 vez, 32; 2 e 3 vezes, 17; 4 e 5
vezes, 9; sem paper, 3 (debatedores).
O bservando o que foi apresentado no G T podem os m apear
os temas fundam entais e os principais autores :

TEM AS:

Q uestão n a c i o n a l /v i s õ e s do B r a s il

N esta categoria se incluem trabalhos sobre: sertão, m ovi­


m ento sanitarista, cartilhas de civismo, centenário da Indepen­
dência, ecologia política, representações do espaço territorial, anti-
sem itism o, populism o, cosm opolitism o, identidades nacionais,
historiografia nacional.

M o d e r n is m o /m o d e r n id a d e

Trabalhos sobre m etrópole e individualismo, m úsica no


m odernism o, m ovim ento m odernista em São Paulo, m odernism o
no Rio de Janeiro, m odernism o em Minas Gerais, entre outros.

C iên c ia s s o c ia is

Escola paulista, ciências sociais no Rio de Janeiro, ciências


sociais em M inas Gerais, sociologia no Brasil e na Argentina,
Sociedade de sociologia, produção estrangeira sobre o Brasil.
152 L Ú C IA L l P P I O l.lV IU R A

In s t i t u i ç õ e s e m o v im e n t o s c u lt u r a is

E studo sobre folclore, Sociedade de etnografia e folclore,


patrim ônio histórico, m useus, com em orações, representações es­
téticas.

O elenco de autores m encionados nos títulos dos textos foi


com posto por: Von M artius, José Bonifácio, Joaquim N abuco,
José de Alencar, M achado de Assis, A raripe Junior, Euclides da
Cunha, Silvio Rom ero, A rtur Azevedo, G ustavo Barroso, G ilber­
to Freyre, Cassiano Ricardo, Oliveira Viana, Sergio Buarque, Caio
Prado, João do Rio, M onteiro Lobato, Mário de Andrade, Carlos
D rum m ond de A ndrade, Lourival G om es M achado, A ntonio
Cândido, Florestan Fernandes, D onald Pierson, G uerreiro Ra­
mos, Roger Bastide, Hélio Jaguaribe, Oracy Nogueira, Lévi-Strauss,
entre outros.
D ois grupos form aram , por assim dizer, a base do G T de
1983 a 1995, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo. O de
São Paulo teve com o matriz o projeto de H istória das Ciências
Sociais desenvolvido no ID E SP sob coordenação de Sérgio Miccli
e gerou, entre outros produtos, os dois volumes de História das
ciências sociais (1989,1995). N ucleando pesquisadores que estavam
realizando seus doutorados — Fernanda Peixoto, Heloísa Pontes,
Maria Arminda A rruda, Silvana Rubino e Lilia Schwarz (esta
última não apresentou trabalhos no G T) —, Sérgio Miceli deu
continuidade a sua trajetória acadêmica orientada para a pesquisa
de letrados, políticos e artistas nas décadas de 20, 30 e 40. Maria
Tereza Sadek e Fernando Limongi, entre outros, fizeram tam bém
parte do grupo do ID E SP que originalm ente participou do G T e
m udaram de linha de trabalho.
O projeto H istória das Ciências Sociais no Brasil (1987-
1990) sob coordenação de Sérgio Miceli reafirm a e acentua a
m atriz institucional na análise do pensam ento brasileiro na medi­
da em que as instituições são mais do que os elem entos causais
IN T K R PR K T A Ç Ò K S S O B R Ii O BRÁS!!. 153
decisivos, são o que define o recorte do objeto (Vilhena, 1997).
As ciências sociais em São Paulo (a USP), no Rio de janeiro (a
U D F), em Minas Gerais e em Pernam buco, assim com o outras
instituições de antes da fundação dos prim eiros cursos universi­
tários (os m useus enciclopédicos e os institutos históricos) for­
mam a universo estudado.
O s textos de Sérgio Miceli, “Condicionantes do desenvolvi­
m ento das ciências sociais no Brasil” (1989: 72-110), e de Maria
Hermínia Tavares, “Dilemas da institucionalização das ciências
sociais no Rio de Janeiro” (em Miceli,1989: 188-216), podem ser
tom ados com o exemplo de atualização da m atriz institucional. E
reafirmada a descontinuidade entre o pensam ento político social
brasileiro produzido pelos egressos dos cursos de ciências so­
ciais nas Faculdades dc Filosofia das recém -inauguradas univer­
sidades e aquele produzido em passado próxim o pelos autodida­
tas. A institucionalização é vista com o fundam ental já que, para
Sérgio Miceli, “a inexistência de uma instituição universitária ope­
rando com o o centro da vida intelectual e científica na cidade do
Rio de Janeiro, em condições dc im por requisitos acadêmicos
m ínim os de acesso, prom oção e desem penho na carreira, está na
raiz da fragm entação de iniciativas, todas elas envolvendo quase
sem pre os mesm os em presários” (p.96).
A marca da institucionalização tam bém se faz presente na
análise da história das ciências sociais dos anos 70 e 80 com o
pode ser observado no texto introdutório ao volum e 2 de História
das ciências sociais (1995). O grau de institucionalização aparece
com o correspondendo a “etapas da divisão do trabalho político e
intelectual” , o que perm ite apontar atrasos e avanços em uma
escala ascendente, indicando um a certa matriz evolucionista que
perm eia a análise. Esta m atriz, entretanto, não se faz presente da
mesma m aneira em outros textos dos participantes do projeto.
R eunindo pesquisadores com form ação em sociologia e an­
tropologia o projeto teve com o perspectiva com um fazer uma
154 L Ú C IA L l P P l O u v i i l R A

sociologia da vida intelectual no cam po das ciências sociais no


Brasil, seus “ pais fundadores” e descendentes, a produção inte­
lectual e, com o já dissemos, analisar o processo de institucionali­
zação das ciências sociais no país. A partir de 1993 novo projeto
sob coordenação de Sérgio IVliceli passou a investigar a H istória
Social das Artes Plásticas no Brasil.
O Rio teve com o base principal o grupo do C PD O C da
Fundação G etúlio Vargas, que tem , entre suas linhas de pesquisa,
o estudo do pensam ento social brasileiro. Angela de Castro G o ­
mes, H elena Bomeny, Lúcia Lippi Oliveira, M ônica Pim enta
Velloso e Ricardo Benzaquen de Araújo (este últim o até 1987),
entre outros, estiveram envolvidos com projetos relacionados ao
tema. Esta linha de pesquisa iniciou-se em 1973 com o projeto
denom inado Brasiliana, ocupado em fazer o levantam ento e a
análise da bibliografia sobre a Revolução de 1930. Teve continui­
dade com outro projeto relativo à ideologia do E stado N ovo c se
desdobrou em trabalhos sobre a sociologia e a história no Brasil1.
1. Podem os citar com o resultados relacionados ao tem a pensam ento social
brasileiro:
- D issertação de m estrado de Mônica Pim enta Velloso,”ü m ito da origi­
nalidade: a trajetória intelectual de Cassiano R icardo”, apresentada à
PU C /R J, 1983.
- D issertação de m estrado de Eduardo Rodrigues G om es, “C am po con­
tra cidade: o ruralism o e a crise oligárquica no pensam ento político
brasileiro (1910-1935)” , apresentada ao IU PERJ, 1980.
- O livro Estado Novo: Ideologia e Poder (Zahar, 1982) reunindo artigos de
Lúcia Lippi Oliveira, Angela de Castro G om es e M ônica Pim enta Velloso
sobre Alm ir de A ndrade, Azevedo Amaral, as revistas de propaganda do
regime, a construção do hom em novo, o redescobrim ento do Brasil.
- Artigo de Ricardo B enzaquen sobre a construção do m ito Vargas e livro
sobre ideologia totalitária de Plínio Salgado.
- Livro de H elena Bom eny sobre m ineiridade (originalm ente tese de dou­
torado) e artigos sobre Patrim ônio Histórico.
- Livros de Angela Castro G om es sobre a invenção do trabalhador (origi­
nalm ente sua tese de doutorado) e sobre a H istória e os historiadores do
E stado Novo.
IN T K R P R K T A Ç Ô K S S O liRK O BRASII. 155
Em suas origens o grupo do C PD O C esteve ocupado em
analisar a produção intelectual dos anos 20, 30 e 40 e se organi­
zou principalm ente em torno de questões relacionadas ao pensa­
m ento político: o liberal, o católico, o conservador, o integralista.
O s temas eram convergentes mas as leituras seguiam rum os es­
pecíficos, ancoradas na form ação em curso de cada um dos pes­
quisadores (história, sociologia, antropologia).
Dois artigos de Wanderley G uilherm e dos Santos, “A imagi­
nação político social brasileira”. Dados, n. 2 /3 , pp. 182-193, 1967,
e “Raízes da imaginação política brasileira”, Dados, n.7, pp.137-
161, 1970, podem ser considerados com o a matriz do que veio a
ser pesquisado pelo grupo do Rio. Igualmente relevante foi seu
artigo “A ‘práxis’ liberal no Brasil; propostas para reflexão e pes­
quisa”, que integra o livro Ordem burguesa e liberalismo político (São
Paulo, Duas Cidades, 1978). Wanderley Guilherm e dos Santos apre­
sentava três matrizes de análise do pensam ento social brasileiro: a
ideológica, a institucional e a sociológica. A matriz ideológica, pre­
ocupada em reconstituir a lógica interna do discurso, entretanto,
não foi assumida pelos pesquisadores do C PD O C com o incom pa­
tível com as demais, já que o grupo social e a instituição funcio­
nam com o mediação entre o intelectual e a sociedade. Processos
sociais e políticos também interferem na form a pela qual a institu­
cionalização se processa. O s artigos de Wanderley abriam espaço
para a recusa de uma separação abissal entre a produção pré-
científica e científica. O pensam ento social no Brasil - mesmo
aquele produzido antes e fora da Universidade — podia e devia ser
objeto de análise e era tão relevante conhecê-lo com o a qualquer
outro. Isto se contrapunha ao cânone dom inante até então.
- Livros de M ônica Pim enta Velloso sobre tradições populares e m oder­
nism o no Rio de Janeiro ( originalm ente sua tese de doutorado).
- Livros de Lucia Lippi Oliveira sobre a questão nacional na Prim eira
República ( originalm ente sua tese de doutorado) e sobre a sociologia de
G uerreiro Ramos.
156 LÚCIA LlPPI Ol.IVHIRA

O estudo do pensam ento ou da imaginação político-social


brasileira estava condicionado p o r um livro cânone, o de D ante
M oreira Leite, 0 caráter nacional brasileiro (3. ed. rev. São Paulo,
Pioneira, 1976). O que se dizia, ou m elhor, o que se podia dizer
estava condicionado ao ângulo interpretativo deste im portante
trabalho2. Podem os citar com o exemplo o que era dito sobre
G ilberto Freyre e Oliveira Vianna.
N o capítulo 15, denom inado “E m busca do tem po perdi­
do” (p. 268-285), D ante M oreira Leite com para Casa grande <&
senzala a 0 / sertões. Deseja apontar as diferenças entre as duas
obras. Euclides da Cunha, em bora aceitando teoria errada, nem
por isso deform a os fatos que observa, em contraposição a Gil­
berto Freyre, que dispõe de um a teoria correta mas ignora os
fatos e acaba por deform ar a realidade. G ilberto baseou suas
afirm ações em intuições da realidade, desprezou a cronologia e o
espaço geográfico dos fatos descritos. As limitações teóricas e
m etodológicas seriam graves, já que falta com provação objetiva,
há ausência de provas para suas afirmações. Em todo o capítulo,
D ante M oreira Leite pretende provar estas inconsistências de Gil­
berto Freyre e conclui: “com o não utiliza dados quantitativos,
nem pretende fazer levantam entos am plos de um período, Gil­
berto Freyre limita-se à história anedótica”; com pleta adiante:
“não é apenas anedótica. E tam bém escrita e interpretada do
ponto de vista da classe dom inante”( p.250 e 251).
Agora vejamos o que o autor nos diz sobre Oliveira Vianna
(p.220-231) no capítulo sobre “ Raças e seus m itos” . O extraordi­
2. E ste livro foi originalm ente tese de doutorado do autor em 1954. D o
prim eiro ao sexto capítulo o autor vai apresentar argum entos teóricos que
definem os critérios de cientificidade necessários à análise. N a apresenta­
ção das obras brasileiras que tratam do “caráter nacional”, D ante M oreira
Leite realiza um im pressionante m apeam ento dos principais autores e suas
obras. Sua tese é que estaríam os no fim do pensam ento ideológico e início
de nova fase das ciências sociais valendo com o exemplo Caio Prado Junior,
que em vez de traços psicológicos estava tratando da econom ia.
IN T K R P R K T A Ç Ò K S S O B R K O B R A S IL 157
nário êxito de suas obras só se torna com preensível porque elas
satisfaziam os pruridos de nobreza rural de parte da população
brasileira. D ante M oreira Leite considera que a obra de Oliveira
V ianna não resiste a qualquer crítica, por mais benevolente que o
leitor procure ser, por mais que deseje com preendê-lo em sua
época e seu am biente. Oliveira Vianna não tinha dotes de obser­
vador ou de teórico. O que nele parece teoria é imaginação gra­
tuita, grosseira deform ação de fatos c teorias alheias. Centrando
sua análise em Populações Meridionais, D ante M oreira Leite consi­
dera que os docum entos são desprezados e deturpados, m esm o a
docum entação já utilizada p o r outros autores com o Alcântara
Machado. E num era as contradições do autor para concluir: “ Fi­
nalmente, Oliveira Vianna revela o sentido de toda essa elabora­
ção confusa e contraditória, fruto de um a fantasia um pouco
desordenada, que se aproxima de certas form as de doença m en­
tal: o Brasil precisa de um governo forte, autoritário, que ponha
ordem na casa. As nuvens do fascismo com eçavam a rondar o
Brasil” (p.228).
D epois de ler estas páginas dificilmente um jovem chegaria
perto das obras de Oliveira Vianna, m esm o de seus livros poste­
riores com o Instituições políticas brasileiras ( 1949). Foi necessário
m uito tem po para que fosse possível voltar à Oliveira Vianna,
não para negar o racismo de seus livros, mas para reafirm ar a
im portância da leitura e da análise de sua obra3.
Este livro de D ante M oreira Leite e o de Rubens Borba de
Moraes & William Berrien ( orgs.), Manual Bibliográfico de estudos
brasileiros (Rio de Janeiro, Souza, 1949), definiam o que deveria
ser conhecido, lido e reinterpretado, e o que deveria ser abando­
nado por ser irrelevante, inadequado, equivocado e errado. Foi,
3. E m 1991 foi realizado um sem inário da U N IC A M P sobre a obra do aulor
que deu origem ao livro organizado por Elide Rugai Bastos ejo ão Q uartim
de M oraes, 0 pensamento de Oliveira Vianna, UNICAM P, 1993, reunindo os
trabalhos apresentados.
158 LÚCIA L lPPI Ol.lVKIRA

assim, frente a este cânone que a produção dos anos 70 e 80 se


rebelou e reviu a literatura dos anos 20 e 30 guiada pelos artigos
de Wanderley G uilherm e dos Santos, acima citados, assim com o
pelo artigo de Bolivar Lam ounier, “Form ação de um pensam ento
político autoritário na Prim eira República: um a interpretação” ,
publicado in Boris Fausto (org.) O Brasil republicano, t. III, v. 1
(História geral da civilização brasileira) São Paulo, Difel, p.360-364,
1977. C ertam ente foram as questões intelectuais e políticas dos
anos 70 e 80 que possibilitaram a produção de uma releitura do
período autoritário anterior.
O pensam ento político brasileiro expresso em obras, arti­
gos, revistas foi objeto cle pesquisa que procurava dar conta não
só da sua lógica interna (seu conteúdo), m as tam bém da com ple­
xa e m ultifacetada relação entre os intelectuais e a política no
Brasil dos anos 20 e 30.
A análise da produção dos intelectuais, dos ideólogos, dos
letrados que sugeriam mudanças na política e na sociedade brasi­
leiras foi inform ada pelas questões que a m oderna ciência política
indicava; entretanto, muitas questões ficavam de fora. As transfor­
mações sugeridas, as utopias sonhadas não se referiam exclusiva­
m ente ao universo das instituições políticas. O utros autores e ou­
tras perspectivas de análise passaram a ser fonte de nossas indaga­
ções. Vale notar a im portância da obra de Mannheim, principal­
m ente seu artigo sobre o pensam ento conservador; os textos de
Raymond Williams, crítico literário e historiador da cultura, assim
com o os de N orbert Elias, perm itindo um alargamento de hori­
zontes. Igualm ente relevante foi a incorporação dos trabalhos e
das questões presentes nas obras sobre campo intelectual de Pierre
Bourdieu, propondo um a análise sociológica da vida intelectual.
O pensam ento social faz parte da cultura, tem historicidade,
está radicado na vida social e tem tam bém significado político.
N este sentido tanto a produção cham ada de pré-científica com o
a científica podem ser examinadas em sua história, estão ligadas
iN T K R P R K T A Ç Õ IiS S O H R li O BRÁS!!. 159
a instituições e seus produtos (cursos, livros, revistas) seguem
cam inhos que podem ser observados e analisados. A produção,
divulgação e recepção de bens culturais dependem de injunções
sociais (grupos, escolas, gerações) com o qualquer outro bem . A
perspectiva histórica foi fundam ental para tornar possível a supe­
ração do que deve ou não deve ser considerado objeto de análise,
para vencer a dicotom ia rígida entre o pré-científico e o científico
e para a aceitação do ensaio com o gênero legítimo sem a pecha
malévola do “ensaísm o” . A revista Estudos Históricos, criada em
1988, foi espaço para a divulgação dessa perspectiva analítica
que se desenvolveu no C PD O C . Esta revista tam bém foi instân­
cia de divulgação de inúm eros artigos apresentados no GT, com o
se pode verificar na lista de publicações dos m em bros do G rupo
apresentada ao final deste texto.
Assim no grupo originário no C PD O C m igrou-se de uma
análise das idéias políticas para o estudo de questões pertencen­
tes ao universo da cultura, universo este já enfrentado por dife­
rentes cam pos — história cultural, antropologia histórica, sociolo­
gia da cultura, cultura política — quase sem pre gêneros de fron­
teira entre as disciplinas. Incorporou-se um a critica à cham ada
“ história das idéias” que retirava as idéias de seu contexto e /o u
as reduzia a determ inism os socioeconôm icos. A ssum iu-se a his­
tória cultural que recusa a expulsão do indivíduo com o sujeito de
suas ações e que acata a fecundidade m etodológica do qualitati­
vo. Passou-se a fazer uma “história da cultura” ou um a “história
dos intelectuais” centrada nas elites culturais c em sua dinâmica
de sociabilidade ( Lynn H unt. A nova história cultural. São Paulo,
M artins Fontes, 1992, p.1-29)4.
E ntre os trabalhos apresentados no G T há os que acentuam
a diferença entre a produção das ciências sociais e aquela prove­

4. Ver também Aletta Biersack, “Saber local, história local: G eertz e além ” ,
em Lynn H unt (1992, pp. 97-130).
160 LÚCIA L lPPI O l.lV K I RA

niente do pensam ento social, assim com o há outros que tratam


da vida intelectual brasileira independentem ente dessa dicoto­
mia. As diferenças do “estágio” da institucionalização das ciên­
cias sociais - em particular entre São Paulo e Rio de Janeiro até
os anos 70 —, ou os diversos enfoques analíticos, propiciaram
m esm o a reedição de uma polêmica antiga entre Rio e São Paulo.
M as os m em bros do G T sabem que esta questão tem história. A
polêm ica ideológico-simbólica, institucional e sociológica acon­
tece no tempo e agrega ou perde ingredientes ao longo do tem ­
po. Esta polêmica teve com o antecedente o debate entre Florestan
Fernandes e G uerreiro Ramos, e m esm o este teve com o anteces­
sor maior aquele acontecido nos anos 20 entre o papel das cida­
des do Rio de Janeiro e São Paulo com o m atrizes da identidade
nacional desejada. O s artigos de M enotti dei Picchia nas páginas
do Correio Paulistano já tratavam deste tem a5.
Saber da duração histórica da questão e da variedade de
suas form ulações não traz a dissolução das diferenças mas possi­
bilita certa m aturidade no debate e a convivência com o diferen­
te. Isto talvez seja tam bém fruto da institucionalização das ciên­
cias sociais no âm bito da pós-graduação e da ANPOCS. Refle­
tindo sobre isto agora penso com o hipótese que a presença e
im portância dos antropólogos no GT, mais acostum ados a lidar
com questões do relativismo, poderão ter favorecido a prática
acadêmica do grupo. A com posição da equipe do ID ESP, inte­
grada p or jovens pesquisadoras, m uitas fazendo sua form ação no
cam po da antropologia na UNICAM P, facilitou o intercâm bio
entre os dois grupos, quebrando possíveis posições bipolares en­
tre Rio e São Paulo. Vale notar a im portância da figura e da
produção de Mariza Corrêa, em sua análise da história da antro ­
5. Lúcia Lippi Oliveira, A Sociologia do Guerreiro, Rio de Janeiro; UFRJ, 1995, e
M ônica Pim enta Velloso. A brasilidade verde-am arela: nacionalism o e regi­
onalism o paulista, Estudos Históricos, Rio de Janeiro. Vol. 6, n. 11, pp. 89-
112, 1993.
IN T K R P R K T A Ç Ò K S S O B R Ii O BR A SIL 161
pologia no Brasil6, exercendo influência no G T m esm o que a
autora não fizesse parte form alm ente do grupo. Essa pode ser
uma hipótese para futura análise sociológica da vida intelectual
do G rupo de Trabalho Pensam ento Social no Brasil.
Mas essa é um a reflexão posterior. N o G T pouco se discu­
tiu dessas querelas, e os trabalhos procuraram analisar, interpre­
tar e reinterpretar autores, obras, questões. E preciso lem brar que
os temas e autores tiveram tratam ento m ultifacctado dependendo
da form ação e da habilidade pessoal dos pesquisadores em fazer
funcionar o instrum ental de análise à disposição. A capacidade
de os textos apresentados contribuírem para o avanço do conhe­
cim ento do que já se disse sobre o Brasil pode ser auferida pelo
núm ero de publicações relacionadas aos trabalhos apresentados,
com o se verá ao final deste texto.
Vamos explorar, com o exem plo privilegiado das questões
subjacentes aos textos apresentados ao longo das reuniões do
GT, o capítulo do livro de Luiz Rodolfo Vilhena (1997: 44-74)
denom inado “A marginalização dos estudos de folclore no Bra­
sil”. Seu trabalho tem com o objeto analisar o m ovim ento do
folclore que reuniu figuras intelectuais as mais variadas e foi
“perdedor” no processo de luta pela constituição do cam po inte­
lectual das disciplinas.
A trajetória dos estudos de folclore no Brasil (principalm en­
te no período em que esta área foi prestigiada passando depois a
ser periférica), apresentada pelo autor, auxilia-nos a com preender
o cam po intelectual da época. D escrevendo o m ovim ento folcló­
rico - sucesso na criação de agências estatais dedicadas à preser­
vação da cultura popular e fracasso na criação de espaço univer­
sitário dedicado ao estudo do tem a - Luiz Rodolfo m ostra-nos,
6. Podem os citar sua tese de doutorado, defendida em 1982, e finalmente
publicada sob o título A s ilusões da Uberdade, Bragança Paulista, ED ESF,
1998, e seu texto “Traficantes do sim bólico”, introdução à História da A n ­
tropologia no Brasil ( 1930-1960).
162 LÚCIA Lippi Olivhira
com o no com bate intelectual da época o folclorista passou a ser
o paradigm a do intelectual não acadêmico, do colecionador des­
controlado. Tom ando diferentes fontes docum entais (obras, cor­
respondência, dep o im en to s) o au to r m o stra-n o s co m o os
folcloristas perderam a guerra para seus colegas das disciplinas
das ciências sociais, principalm ente os antropólogos, em bora te­
nham ganho inúm eras batalhas.
Im porta destacar que esta trajetória não se deu da mesma
m aneira em outros contextos nacionais e que estudos de folclore
obtiveram em alguns países a respeitabilidade acadêmica não o b ­
tida aqui. A descrição da luta política, institucional e simbólica
que m arcou a com petição com as ciências sociais produziu a
exclusão desse ram o de estudo no universo acadêmico nacional.
A form ação antropológica de Luiz Rodolfo Vilhena o faz
navegar por questões que m arcaram e m arcam a disciplina. O
cam po intelectual no qual ele se move pode ser apreciado se
levarm os em conta a bibliografia internacional citada: G eorge
Stocking; Jam es C lifford, C liffordd G ertz, M arshall Sahlins,
N orbert Elias, Lionel Trilling. Vale notar que os autores mais
citados nas publicações originárias dos trabalhos apresentados
no G T incluem os autores acima m encionados e tam bém Robert
D arnton, N atalie Zem on Davis, Carlo G inzburg, Roger Chartier,
W olf Lepenies, Edw ard Said, Pascal Ory, Jean-François Sirinelli,
Terry Clark, Fritz Ringer, Pierre Bourdieu entre outros.
A revisão da e na antropologia teve lugar desde o início do
grupo. Uma dos fundadoras do GT, Mariza Peirano, ali apresen­
tou um trabalho sobre a A ntropologia esquecida de Florestan
Fernandes e sua tese de doutoram ento foi sobre a form ação do
cam po an tro p o ló g ico no B rasil (Th; A n th ro p o lo g y o f
A nthropology: T he Brazilian Case, H arvard University, 1981).
Mariza Peirano enfatiza a existência de um a antropologia made in
Brazil na qual o “ outro” foi aculturado. Isto tornava as fronteiras
entre a antropologia e a sociologia difíceis de serem observadas.
IN T K R P R K T A Ç Ò K S SO H R K O BRAS1I. 163
A antropologia no Brasil distinguia-se da norte-am ericana e da
européia onde, desde suas origens, a pesquisa se voltou para um
“outro” situado em espaço e tem po distintos7. A revisão na an­
tropologia ainda que por cam inhos distintos aconteceu aqui e em
nível internacional. Sua conexão com a história tem sido m enos
questionada, ou m elhor, a história da antropologia tem feito par­
te integrante da agenda de pesquisa da disciplina. N a sociologia,
ainda que se tenha trabalhos de análise interna da disciplina,
assim com o textos de sociologia histórica, este espaço é bem
menor. A sociologia, diferentem ente, foi m arcada pelas questões
de sua própria sociedade, dita m oderna. N o máxim o a disciplina
tem investigado a sociedade im ediatam ente anterior àquela na
qual tiveram origem seus pressupostos. Se tom arm os com o exem­
plo uma das m atrizes do pensam ento das ciências sociais — a
tradição durkeim niana — verem os os diferentes cam inhos dela
derivados. O s sociólogos lêem Regras do método sociológico, Divisão
do trabalho, talvez O suicídio. O s antropólogos ficaram com as
Formas elementares da vida religiosa. Cada uma dessas obras foi recu­
perada por autores diversos c deu origem a descendências diver­
sas ainda que, vez por outra, haja autores que cortam diferentes
disciplinas e tangenciam cam pos intelectuais diversos exercendo
um papel eurístico fundamental que se espraia pelo cam po das
ciências humanas.
A incidência de trabalhos que abordam G ilberto Freyre é
notável, com eçando pelo texto do tam bém fundador do GT, Luiz
A ntonio de C astro Santos. Freyre, consagrado desde a época de
lançam ento de seu prim eiro livro, Casa grande & senzala (1932),
tem estado no centro das atenções da crítica acadêmica e literária
ora com o gênio criador, ora com o vilão da construção da identi­
dade nacional resultante da “dem ocracia racial” à brasileira.

7. Agradeço a leitura atenta de M arcos C hor M aio que apontou este aspecto na
interpretação de M am a Peirano.
164 LÚCIA L lP P l O U V K 1R A

A pesquisa de tese de doutorado de Ricardo Benzaquen de


Araújo foi sendo apresentada no grupo e deu origem a seu livro
sobre Casa grande & senzala (1994). O trabalho procura enfrentar
críticas antigas e recentes, principalmente aquela que, mesmo reco­
nhecendo que Gilberto Freyre opera uma distinção entre raça e
cultura, o aponta com o criador de “uma imagem quase idílica da
nossa sociedade colonial, ocultando a exploração, os conflitos e a
discriminação que a escravidão necessariamente implica atrás de
uma fantasiosa ‘democracia racial’, na qual senhores e escravos se
confraternizam embalados por um clima de extrema intimidade e
muita cooperação” (p.3l). Ricardo Benzaquen vai qualificar o con­
ceito de raça, a noção de mestiçagem, a questão da escravidão
entre outras na obra do autor, buscando elucidar o significado da
expressão “antagonism o em equilíbrio” que define o modelo de
interpretação da vida social no BrasiJ apresentado por Freyre. Pro­
cura cobrir a vasta literatura que já se deteve em Casa grande &
senzala, entretanto, creio que sua maior interlocução é com o texto
de Luiz Costa Lima, “A versão solar do patriarcalismo: Casa grande
& senzala” em Aguarrás do tempo (Rio de Janeiro, Rocco, 1989).
Ricardo, em sua formação de antropólogo c historiador, tem com o
inspiração maior os textos da crítica literária, ou melhor, aqueles
textos que trabalham a conexão entre as ciências sociais e as pro­
postas modernistas em suas sugestões de renovação estética. Sua
tese, cujos argumentos estão ao longo de todo o livro, é que Gil­
berto Freyre e Casa grande <&senzala apresentam uma versão distin­
ta da identidade nacional, fora da obsessão com o progresso e com
a razão; um outro modernismo distinto da matriz nacionalista e
modernizadora que predominou no pensamento social no BrasiJ.
Assim, ainda que analisando obra consagrada de autor consagrado,
Ricardo Benzaquen de Araújo foge de uma perspectiva reducionista
e simplificadora da crítica que ora acusa, ora defende Gilberto Freyre.
Podem os dizer que parte dos trabalhos apresentados no G T
se caracterizou por analisar autores m enos consagrados ou obras
IN T K R P R K T A Ç Ô K S S O B R H O BR A SIL 165
esquecidas de autores consagrados. G uerreiro Ramos, um outsider
do panteão oficial das ciências sociais, m ereceu espaço no grupo.
Tam bém O racy Nogueira, ainda que não fosse um outsider, era
pouco valorizado e foi recuperado. M esmo Roger Bastide, que
teve reconhecim ento de seus pares, não freqüenta hoje em dia as
bibliografias dos cursos de sociologia. A análise dos marginaliza­
dos e a com preensão dos debates e dos processos pelos quais
foram colocados à m argem inform a m uito sobre os padrões do­
m inantes e as regras implícitas que regem as consagrações e
transform am autores em clássicos. As circunstâncias sociais que
m arcam a elaboração de obras e as relações de poder que guiam
sua circulação se contrapõem à crença do intelectual, assim com o
do artista, que tende a considerar seu sucesso com o resultado da
qualidade intrínseca de sua obra e /o u de sua pessoa.
O s textos que se dedicaram a autores, obras e grupos inte­
lectuais consagrados procuraram igualm ente realizar um trabalho
de análise da vida intelectual, de desvendam ento da lógica sim ­
bólica e social. Podem os citar os diversos textos abordando Ser­
gio Buarque, autor consagrado e pouco conhecido, entre eles o
artigo de Angela Castro G om es, “Dialética da tradição ”. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, v.5, 11.12, 1990, que faz um a aproxi­
m ação nada ortodoxa entre Sergio Buarque e Oliveira Vianna.
Pesquisadores que participaram do G T produziram e conti­
nuam a produzir textos de análise do pensam ento social com o o
livro Leituras brasileiras, itinerários no pensamento social e na literatura,
de Mariza Yeloso e Angélica M adeira (São Paulo, Paz e Terra,
1999). Este pode ser tom ado com o um exemplo do trabalho de
leitura crítica da tradição ao apresentar para um público am plo o
m odo de constituição das narrativas e imagens que têm servido
para representar o Brasil e os brasileiros. C onsiderando que o
Brasil foi constituído pelo “olhar estrangeiro”, as autoras vão
apresentar as “narrativas fundadoras” e as transform ações que
sofreram ao longo do tempo. Com eçam o “roteiro de estudos”
166 LÚ C IA L lP P I O l.lV K IR A

na segunda m etade do século XIX, abordam a transição para o


século XX, passam pelas décadas do M odernism o, anos 20, 30 e
40 e analisam as questões de engajam ento e contracultura que se
fazem presentes nos anos 50, 60 e 70. Ao procurarem constituir
um “m apa” da cultura brasileira abordam tendências atuais quando
os processos de troca se generalizam e se intensificam no espaço
da cultura de massa. A pontam o enfraquecim ento das identida­
des nacionais, o surgim ento de novas estratégias de pertencim cnto
com a hibridaçao e reciclagem de m odelos culturais.
O G rupo de Trabalho tem sido espaço relevante de apre­
sentação e debate de textos de pesquisa, m uitos deles em anda­
m ento, perm itindo um intercâm bio poucas vezes observado no
espaço da universidade ou m esm o em instituições de pesquisa.
As diferentes linhagens disciplinares, longe de dificultar essa tro ­
ca, têm perm itido a circulação de autores, temas e perspectivas
de análise. Para além ou aquém de discussões epistemológicas e /
ou teóricas sobre a validade intrínseca dos conceitos, procedeu-
se a análises de autores, obras e temas que perm item avançar o
conhecim ento sobre as interpretações do Brasil. Estivem os m e­
nos preocupados com a questão da validade intrínseca das for­
mulações e mais com a capacidade das representações produzi­
das pelos intelectuais narrarem a vida social no Brasil.
O G T procurou abandonar - e creio que conseguiu - um a
visão substancialista na análise do pensam ento social sobre o
Brasil. Sua questão não foi “o que som os” mas “o que já foi dito
que som os” . Tratou de identidade nacional e de m odernism o
porque foram estas as principais questões abordadas pelos inte­
lectuais que se ocuparam em pensar, refletir e propor soluções
para a sociedade brasileira. M esmo os intelectuais que tentaram
escapar dessa agenda, substituindo-a pelo esforço teórico e
m etodológico de institucionalizar as ciências sociais, retornaram
ao grande tema já que os processos sociais e políticos interferem
na form a pela qual a institucionalização se processa.
IN T K R PR K T A Ç Ô K S SOIJRK O B R A S IL 167
O s intelectuais brasileiros, produtores das interpretações que
foram objeto de análise, estiveram prisioneiros das questões de
identidade - quem somos nós - e procuraram construir retratos de
si próprios e do país que respondessem a essas questões. Igual­
m ente se detiveram na produção de projetos com prom etidos com
o dever ser e que garantiriam o penencimento à modernidade.
Assim, a “jaula de ferro” , cujos parâm etros são m odernis­
m o e identidade nacional, delimita a produção dos autores nacio­
nais e o escopo possível das interpretações. O utras interpreta­
ções e tendências com eçam a aparecer no m undo intelectual bra­
sileiro e a fazer sua entrada na agenda do G rupo de Trabalho.
Ao longo dos anos 1983-1995 inúm eros trabalhos apresen­
tados no G T foram divulgados em livros e revistas acadêmicas.
A circulação desse conhecim ento pode ser avaliada pela listagem
apresentada ao final.

A U T O R E S E T ÍT U L O D O S T R A B A L H O S A P R E S E N T A D O S

N O GT P O R A N O

1983
E duardo Jardim de M oraes: “A antropologia dos m odernistas”
Luiz A ntônio de C astro Santos: “G ilberto “Freyre: um a visão do passa­
do senhorial”
Luís H enrique D ias Tavares: “O pensam ento de C ipriano B arata”
M ariza Peirano: “A antropologia esquecida de Florestan Fernandes”
Fernando C orreia Dias: “Um m om ento de Ilustração e a universidade
de M inas”
Lúcia Lippi Oliveira: “A sociologia com o saber de salvação: um estudo
sobre G uerreiro R am os”
Lúcio Castelo Branco: “O teorem a de Euclides e o processo de cons­
trução do hom em e do espaço político brasileiro; contribuição ao
estudo dos limites do liberalism o em um a form ação despótica”
**Angela de C astro G om es: “A invenção do trabalhism o”
168 L Ú C IA L lP P I O l.lV I.ilRA

1984
*Luís H enrique D ias Tavares: “Um a proposta de regime representati-
vo-federativo para o Brasil: a C onfederação do E quad or”
Luiz A ntônio de C astro Santos: “O m ovim ento sanitarista e o pensa­
m ento social na Prim eira República”
Lúcia Lippi Oliveira: “Cartilhas de civism o”
*Fernando C orreia Dias: “Pensam ento político e form as de Ilustração
em M inas G erais”
M ariza Peirano: “O antropólogo com o cidadão: Louis D u m o n t e o
caso brasileiro”
Maria Tereza Sadek: “Projetos políticos conservadores no Brasil repu­
blicano: uma proposta com baixo grau de eficácia na prática polí­
tica”
Angela de C astro G om es: “A hora e a vez dos trabalhadores: República
e socialism o na virada do século X IX ”
**Jorge Zaverucha: “A questão do integralism o diante da herança fas­
cista”
**Lúcio Castelo Branco: “A lógica do pensam ento e da ação social da
classe dom inante no Brasil”
**M arcos Veneu: “As am bigüidade da utopia: A rtur A zevedo e as m u­
tações do progresso”

1985
M arcos Veneu: “As noções de tem po e de H istória no conflito de
C anudos”
Luiz A ntônio de C astro Santos: “Ciência Social e políticas sociais no
Brasil: um a reflexão prelim inar”
Sônia Larangeira : “Intelectuais e o povo no Brasil: anti-populism o ou
anti-popular”
Leila H ernandez: “A questão do CPC: O CPC posto em questão”
jo rg e Z averucha: “ M ovim ento operário pernam bucano na Prim eira
R epública”
Ângela de C astro G om es: “As idéias anarquistas em versão carioca”
**Ricardo B enzaquen de Araújo: “N otas sobre a im agem do poder no
m ito Vargas”
**Gláucia Villas Boas: “N otas sobre o pensam ento de G ilberto Freyre”
IN T K R P R liTAÇÒKS SO B R K O BRASH. 169

1986
A n g e la d e C a s tr o G o m e s : “ O s a n o s 2 0 : c o m p e tiç ã o c d e b a te n o m o v i­
m e n to sin d ica l c a r io c a ”
J o s é A u g u sto P á d u a: “ N a tu re z a e p r o je to n a c io n a l: as o r ig e n s d a e c o lo ­
gia p o lític a n o B r a s il”
M a r c o s V e n cu : “ O flâ n e u r e a v e rtig e m : m e tr ó p o le e in d iv id u a lism o na
o b ra d e J o ã o d o R i o ”
* R ic a r d o B e n z a q u e n de A ra ú jo : “ M o d e r n is m o e m o d e rn id a d e em G i l ­
b e r to F r e y r e ”
H e le n a B o m e n y : “ C id a d e , R e p ú b lic a , m in eirid a d e”
L eila I Ie r n a n d e z : ’’O n a c io n a lis m o e o I S E B : n o ta s p ara d e b a te ”
M a ria L ú c ia M a c ie l: “ T e n d ê n c ia s d as C iê n c ia s S o c a is n o B r a s il: d o
a u to rita r is m o à r e d e m o c ra tiz a ç ã o ”
L ú c ia L ip p i O liv e ira : “ D o n a ld P ie r s o n e a s o c io lo g ia n o B r a s il”

1987
* * G e o r g e A v elin o F ilh o : “ S é r g io B u a rq u e d e H o la n d a e R etires do Brn-
s if
* * L u i z A n t ô n io d e C a s tr o S a n to s : “ S é rg io B u a rq u e de H o la n d a e V isões
do paraíso'''
P au l F r e s to n : “A c a rre ira d e G ilb e r t o F r e y re ”
C é s a r P aiva: “ G ilb e r t o F re y re e a R e v o lu ç ã o b u rg u e sa : n o ta s p ara u m a
p e s q u is a ”
*M a riz a P e ira n o : “ O p lu ra lism o d e A n t o n io C â n d id o ”
F e r n a n d o P a p a te rra L im o n g i: “ C a io P ra d o e a R e v ista B r a s ilie n s e ”
L e ila H e r n a n d e z : “ S o b r e H é lio Ja g u a r ib e ”
B ila S o r j: “A s C iê n c ia s S o c ia is n o R io de J a n e ir o n o s a n o s s e s se n ta : o
In s titu to d e C iê n c ia s S o c ia is da U n iv e rsid a d e d o B r a s il”
G lá u cia V illa s B o a s : “ V is õ e s d o P a ssa d o : c o m e n tá r io s o b r e as C iê n c ia s
S o c ia is n o B r a s il d e 1 9 4 5 a 1 9 6 4 ”
S ô n ia L a ra n g e ira : “ E s tu d o s s o b r e a id e o lo g ia n o B ra sil ( a n o s 7 0 ): um a
a p r e c ia ç ã o ”
170 L ú c ia L ipp i O i .i v k ir a

1988
U m b e r t o G u a tim o z im A lv im : “ C o n c e p ç ã o d e H is tó r ia e m O liv e ir a
V ia n n a ”
B e r e n ic e C a v a lca n ti: “ D is c u r s o h is to r io g r á fic o d e C a io P ra d o J ú n i o r ”
G e o r g e A v elin o : “ C o rd ia lid a d e e civilid ad e em R aives do B r a s il’
A n a M a ria F e rn a n d e s : “A s c iê n c ia s h u m a n a s n a S o c ie d a d e B ra s ile ir a
p ara o P r o g r e s s o da C iê n c ia ( S B P C ) ”
M aria A rm in d a d o N a s c im e n to A rru d a : “A c o n s titu iç ã o das C iê n c ia s
S o c ia is em M in a s G e r a is ”
E n z o D . L ie d k e F ilh o : “ S o c io lo g ia e s o cie d a d e : B ra sil e A rg e n tin a (1 9 5 4 -
1 9 8 4 )”

1989
* C u s tó d io S e lm a S e n a : “ S a b e r e sa b e re s n as C iê n c ia s S o c ia is : S é rg io
B u a rq u e e M á rio d e A n d ra d e ”
* M a rg arid a M o u ra : “ F r a n z B o a z e as in te r p r e ta ç õ e s d o B r a s il”
M a ria L au ra V. de C a s tr o C av alcan ti e L u ís R o d o lfo V ilh e n a : “ T r a ç a n ­
d o fro n te ir a s : o fo lc lo r e na d éca d a d e 1 9 5 0 ”
H e le n a B o m e n y : “ G u a r d iã e s da razão : o d iá lo g o e n tr e C a rlo s D r u m ­
m o n d d e A n d ra d e e M á r io d e A n d ra d e ”
S ilv a n a B . R u b in o : “ C lu b e d e p e s q u isa d o re s: a S o c ie d a d e d e E tn o g r a f ia
e F o lc lo r e e a S o c ie d a d e d e S o c io lo g ia ”
G láu cia V illa s B o a s : “ O s e n tid o d as m u d a n ç a s e as c o n tro v é rs ia s da
S o c io lo g ia d o s a n o s 5 0 ”
H e lo ís a P o n te s e F e rn a n d a P e ix o to M assi: “ B ra s il c o m z: a n á lise da
p ro d u ç ã o e stra n g e ira s o b r e o B ra sil, ed itad a aq u i, s o b a f o r m a d e
liv ro, e n tr e 1 9 5 0 - 1 9 8 8 ”
R ic a r d o B e n z a q u e n d e A ra ú jo : “ O ja rd im d as d elícia s: um a le itu ra de
Casa grande & senzala”.
V â n ia M a ria R a m o s d e A z e v e d o : “ E s p a ç o e m o v im e n to : n u c le a n d o
v isõ e s d o B ra sil: F re y re , R ic a r d o e M o o g ”
** L u is A n tô n io d e C a s tr o S a n to s : “A h , y es, fro m B ra z il? Id e n tid a d e ,
v aid ad e e o r g u lh o ( fe rid o ) em G ilb e r t o F r e y re ”
IN TK RPR KTA Ç Ò KS SO BR Ii O BRA SIL 171

1991
F e rn a n d a P e ix o to M a s si: “ L é v i-S tra u s s e o B ra sil”
M aria A rm in d a d o N a s c im e n to A rru d a : “A c o n s t r u ç ã o da S o c io lo g ia
a c a d ê m ic a n o B ra s il: F lo r e s ta n F e rn a n d e s e a E s c o la P a u lis ta ”
L u ís R o d o lfo V ilh e n a : “ O s e stu d o s d e F o lc lo r e : o s im p a s se s n a c o n s t i ­
tu iç ã o d c um a ciê n c ia b ra sile ira ”
R ic a r d o B e n z a q u e n d e A ra ú jo : “ O e lo g io da lo u c u ra : a m b ig ü id a d e e
e x c e s s o em C asa-grande c sen zala d e G ilb e r t o F r e y r e ”
Is id o r o M a ria S. A lv e s : “ M o d e lo p o lité c n ic o e p ro d u ç ã o d e sa b e re s na
fo r m a ç ã o d o c a m p o c ie n tíf ic o n o B r a s il”
N a r a B r itto e N ísia T rin d a d e L im a : “ S a ú d e e n a ç ã o : a p r o p o s ta d o
s a n e a m e n to ru ra l”
M a r c o s C h o r M a io : “ N e m R o tsc h ild n e m T r o ts k y : o p e n s a m e n to a n ti-
se m ita d e G u s ta v o B a r r o s o ”
R egin a A b r e u : “ O c u lto da sau d ad e: m u se u , h is tó ria e n a c io n a lid a d e
em G u s ta v o B a r r o s o ”
A n tô n io C a r lo s R o b e r t d c M o r a e s : “ N o ta s s o b r e id e n tid a d e n a c io n a l e
a in s titu c io n a liz a ç ã o da g e o g r a fia n o B r a s il”

1992
M arly Silva da M o tta : “A n a ç ã o faz c e m a n o s : o c e n te n á r io d a in d e p e n ­
d ê n cia n o R io d e J a n e i r o ”
F e d e rid o G . N e ib u rg : “A p u n te s p ara u n a h is to ria so cia l d e la S o c io lo g ia
cie n tific a c n la A rg e n tin a ”
L u is D o n is e t e B e n z i G o n g io n i: “ C o le ç õ e s e tn o g r á fic a s s o b su sp eita :
n o ta s s o b r e as e x p e d iç õ e s d o ca sa l L é v i-S tr a u s s a o B ra sil c e n tr a l”
R egin a A b r e u : “ E m b le m a s da n a c io n a lid a d e : o c u lto a E u c lid e s da
C unha”
M a ria A rm in d a d o N a s c im e n to A rru d a : “ S o c io lo g ia d o d is c u rs o a c a d ê ­
m ic o ”
M a ria C e c ília S p in a F o r ja z : “ R e la tó r io d e p e sq u isa : h is tó ria da C iê n c ia
P o lític a n o B r a s il”
Silv an a R u b in o : “ O p a trim ô n io h is tó r ic o e a r tís tic o d o S P H A N ”
172 L Ú C IA L l P P I 0 1,1 V H IR A

1994
C e le s te C o r d e ir o : “ P o d e r da ra z ã o ou razão d o p o d e r? ‘O a lie n ista ’ d e
M a c h a d o de A s s is ”
H e lo is a S ta rlin g : “A in v e n ç ã o da p o lítica e m G rande sertão: veredas”
C h r is tin e d e A l e n c a r C h a v e s : “ P o lít ic a e s o c ie d a d e em R a íz es do
B r a s il”
A n g e la M . A lo n s o : “ E m to r n o da p o lê m ic a N a b u c o -A le n c a r ”
N ísia T r in d a d e L im a : “ O p a ss a d o n o s c o n d e n a ? Im a g e m da f o r m a ç ã o
h is tó ric a d o p aís n o p e n s a m e n to so cia l b r a s ile ir o ”
E d u a r d o J a r d im d e M o ra e s : “A e sté tic a d e M á r io d e A n d ra d e e o re tra ­
to d o B r a s il”
L u c ia L ip p i O liv eira : “ B r a s il e E s t a d o s U n id o s : um a an á lise c o m p a r a ti­
v a ?”
M a rly Silv a da M o tta : “ C id a d e -ca p ita ! e n a ç ã o ”
M y ria m S e p ú lv ed a d o s S a n to s : “ M e m ó r ia e cid a d a n ia n o R io d e J a n e i ­
ro ”
F e rn a n d a P e ix o to : “ O B ra s il m e s tiç o de R o g e r B a s tid e : a a rte , a lite ra ­
tu ra, a re lig iã o ”
L u iz R o d o lfo V ilh e n a : “ O s e stu d o s d e fo lc lo r e n o B r a s il ( 1 9 4 5 - 1 9 6 4 ) :
e n tr e a m is sã o e a in s titu c io n a liz a ç ã o ”
R egin a A b r e u e J o s é R e g in a ld o G o n ç a lv e s : “ O s m u se u s e a c ris e d a
re p re s e n ta ç ã o n a c io n a l”
M ariza V e lo s o M o tta S a n to s : “A p ro d u tiv id a d e p o lític a da r e p r e s e n ta ­
ç ã o e s té tic a ”
H e lo ís a P o n te s : “ B io g ra fia e tra je tó ria : o s c r ític o s d e a rte n o s a n o s 3 0 ,
40 e 50”
S e rg io M ic e li, M aria A rm in d a d o N a s c im e n to A rr u d a , H e lo ís a P o n te s ,
S ilv an a R u b in o : “ R e tr a to s n e g o c ia d o s : re s u lta d o da p e s q u isa s o b r e
a rtista s, le tra d o s e p o lític o s n as d éca d a s d e 2 0 , 3 0 e 4 0 ”

1995
P e d r o R . B . d e M o ra e s : “ M o n te ir o L o b a to e o c a m p o ed ito ria l b r a s ile i­
ro”
R ic a r d o B e n z a q u e n de A r a ú jo : “ S u n s e t B o u le v a r d : a u to ria , g en ea lid a d e
e m e la n c o lia e m G ilb e r t o F re y re ”
IN TKRPRHTAÇÔRS SOBRH O BRA SII. 173

M aria L a u ra V iv e iro s d e C a s tr o C a v a lca n ti: “ O r a c y N o g u e ira e a a n t r o ­


p o lo g ia n o B ra sil: e s b o ç o d e u m a b io g r a fia in te le c tu a l”
A n a L au ra F a y e t S allas: “ V is õ e s d o B r a s il : C arl F r e d e r ic h v o n M a rtiu s
e S ilv io R o m e r o ”
A n g ela d e C a s tr o G o m e s : “ O s h is to ria d o re s d e A u toren e IJv ro s ”
G lau cia V illa s B o a s : “ T r o c a n d o id éias: n o ta s s o b r e a re c e p ç ã o da s o ­
c io lo g ia a le m ã n o B r a s il”
C h ristin a d e R e z e n d e R u b im : “A a n tro p o lo g ia na era da p ó s -g r a d u a ­
ção”
L u ís R o d o lfo V ilh e n a : “ E n t r e o reg io n a l e o n a c io n a l: fo lc lo r is ta s na
d éca d a d e 5 0 ”
M ô n ic a P im e n ta V e llo s o : “ O m o d e r n is m o c a rio c a na su a v e rte n te h u ­
m o r ís tic a ”
S a n tu z a C . N a v e s R ib e ir o : “ M o n u m e n ta lid a d e e sim p licid a d e na m ú si­
ca d o p e r ío d o m o d e rn is ta ”
F e rn a n d a P e ix o to : “ O B ra s il m e s tiç o d e R o g e r B a s tid e : as m a n ife s ta ­
ç õ e s a r tís tic a s ”
* * l I e l o i s a P o n te s : “ S o b r e o liv ro R etrato d a A r te M oderna do B ra sil de
L o u riv aJ G o m e s M a c h a d o ”
* * S ilv a n a R u b in o : “ L in a B o B a rd i e o m o d e rn is m o n a B a h ia ”
* * M a r c u s C h o r M a io : “ O d ram a d e se r m u la to : ra ça , in te le c tu a is e
n a ç ã o n a s o c io lo g ia d e G u e r r e ir o R a m o s ”

O B S.
(*) Papers registrados no Program a do E n co n tro Anual mas que, segundo os
relatórios dos cooordenadores, não foram apresentados.
(**) Papers não registrados nos Program as mas que foram apresentados.

E m 1989 o G T Pensam ento Social no Brasil fez reunião


interm ediária junto com o G T Sociologia da Cultura Brasileira.

E m 1990 e 1993 o G T não se reuniu. E m 1993, o encontro


da A N P O C S foi temático.
174
1 PARTICIPANTES DO GT PENSAM ENTO SOCIAL NO BRASIL - DE 1983 A 1995

NOME A R E A D E FO RM A ÇA O IN S T IT U IÇ Ã O N D E PAPERS O BSERV A Ç O ES


NO GT
A ngela de Castro G om es C. Política/H istória C PD O C/U FF 5 C oord. e debatedora
Angela M aria A lonso A ntropologia U SP / C E BR A P 1
A na M aria Fernandes Sociologia UNB 1
A na Luiza Fayet Sallas História U FPR 1
A n tôn io Carlos R. de Moraes C. Sociais/G eografia U SP 1
B eren ice Cavalcanti H istória PUC/RJ 1

Lúcia
B ila Sorj Sociologia U FRI 1
C eleste Cordeiro Sociologia U FCe 1

uppi
C esar Paiva Sociologia U N IC A M P 1
Christina de Rezende Rubim A ntropologia U N IC A M P 1

O i.ivhira
Christine de A lencar Chaves A ntropologia UNB 1
Eduardo Jardim de Moraes Filosofia PUC/RJ 2 D eb ated o r
E n n o D Liedke Filho Sociologia U FRS 1
Federico G. N eiburg A ntropologia PPG A S 1
Fernanda Peixoto A ntropologia ID E S P 4
Fern and o Correa D ias Sociologia UNB 2
Fern and o Lim ongi C. Política ID E S P 1
G e o rg e Avelino C. Política CEBRA P 2
G laucia V ilas B oas Sociologia U FRJ 4
H elena B ou sq u et Bom eny Sociologia CPDOC/UERJ 2 C oord. e debatedora
H eloisa Pontes A ntropologia U N IC A M P -ID E S P 4
H elo isa Starling C. Política U FM G 1
2 PARTICIPANTES DO GT P E N S A M E N T O S O C IA L N O B R A S IL - DE 1983 A 1995

NOME A REA D E FO RM A Ç A O IN S T IT U IÇ Ã O N ° D E PAPERS O BSERV A Ç O ES


NO GT
Isid oro M . S. Alves A ntropologia M . Q./ C N Pq 1
Jo rg e Zaverucha C. Política U FPE 2
José Augusto Pádua Sociologia U FRRJ 1
Jo sé M urilo de Carvalho C. Política/H istória U FRJ D ebatedor

iN TK R PR K TA Ç ÕliS
José Reginaldo G onçalves A ntropologia U FRJ 1 Coord. e debatedor
Leila Maria Hernandez Sociologia U SP 3
Lucia Lippi Oliveira Sociologia CPDOC 4 Coord. e debatedora
L ú cio Castelo B ranco Sociologia UNB 2
Luís A ntônio Castro Santos Sociologia UERJ 0 Coordenador
A ntropologia 1

SOHRli
Luís D onisete Benzi G ongioni
Luís Henrique D ias Tavares História U FBA 1
Luís R odolfo Vilhena A ntropologia U E R J/ P U C 3 V ice-coord enad or

O
M arcos C h or Maio C. Política Casa Oswaldo Cruz 2

BRASH.
M arcos Veneu História FCR ui Barbosa 3
Maria Alice Resende de Carvalho Sociologia Iuperj D ebatedora
Maria Arminda Arruda Sociologia U SP 4
Maria Cecília Forjaz C. Política FG V -S P 1
M aria Lucia Maciel Sociologia UNB 1
M aria Laura V. de C. Cavalcanti Antropologia U FRJ 2

Maria Teresa Sadek C. Política U S P / ID E S P 1 Coordenadora 175


176
3 PARTICIPANTES DO GT P E N S A M E N T O S O C IA L NO B R A S IL - DE 1983 A 1995

NOME A REA D E FO RM A ÇA O IN S T IT U IÇ Ã O N° D E PAPERS O BSER V A Ç O ES


NO GT
Marl)' Silva da M otta H istória CPDOC 2
Mariza Correia A ntropologia U N I CAM P D ebatedorä
Mariza Peirano A ntropologia UNB 2 Coordenadora e debatedora
Mariza V eloso M otta Santos A ntropologia UNB 2
M ônica Pim enta Velloso H istória CPDOC 1
Myriam Sepulveda dos Santos Sociologia UERJ 1

LÚCIA LlPPl Ol.lVKIRA


N ara B rito C. Política Casa Osw aldo Cruz 1
Nísia Trindade de Lim a Sociologia Casa Osw aldo Cruz 2
Paul Freston ID E S P 1
Pedro R. B. M oraes A ntropologia U FPR 1
Regina Abreu A ntropologia I. F o lclo re/ F U N A R T E 3
Ricardo B enzaquem de Araujo A ntropologia/história Iu p erj/ P U C -R j 4 C oordenador e debatedor
Ruben Oliven A ntropologia U FRS 1
Sérgio M iceli Sociologia U S P / ID E S P 1
Silvana B. Rubino A ntropologia U N IC A M P / ID E S P 4
Santuza N aves R ibeiro Sociologia PUC-RT 1
Sônia Laranjeira Sociologia U FRS 2
U m berto G. Alvim Sociologia IU P E R J 1
V an ia M aria R am os de Azevedo G eografia U FRj 1
INT K R P R K T A Ç Ô K S S O B R E O B R A S IL 1 7 7

Publicações dos pesquisadores cujos tem as foram apresentados no


GT Pensam ento social no Brasil nos Encontros da A N PO C S de 1983
a 1995.

A B R E U , Regina. 1998. O enigma de O s sertões.. R io de Janeiro: Fun artc, llocco.


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sagração no B rasil. R io de jan eiro : R occo.
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toram ento.
Estudos de G ênero no B rasil

M aria Lui%a Heilborn


Bi/a Sorj

N este trabalho não pretendem os realizar um balanço deta­


lhado e exaustivo da produção acadêm ica na área dc relações de
gênero.1 Tal objetivo tem sido regularmente atendido p o r inúm e­
ros balanços parciais em diferentes áreas tem áticas.2 N ossa inten-

1. E ste trabalho contou com a participação dc M ocm a Vergara na qualidade


dc assistente de pesquisa.
2. E sses balanços podem ser encontrados especialm ente no B oletim Inform ati­
vo Bibliográfico, ver, entre outros, P E N A , Maria Valéria J., “M ulher na força
dc trabalho” , B IB , n. 9, 1980; F U K U I, Lia, “Estudos e pesquisas sobre a
família no Brasil”, B IB , n. 10, 1980; A G U IA R , Neuma, “Ensaio bibliográfi­
co: mulheres na força dc trabalho na América Latina”, B IB , n. 16, 1983;
C O llR E A , Mariza, “M ulher c política. Um debate sobre a literatura recen­
te” , B IB , n. 18, 1984. O s artigos de L O B O , Elisabeth, S., “ O trabalho com o
linguagem: o gênero no trabalho” ; C A S T R O , Mary G. e LAV IN A S, Lena,
“D o feminino ao gênero: a construção de um ob jeto ” ; H E IL B O R N , Maria
Luiza “ Fazendo gênero? A antropologia da mulher no Brasil”; P IN T O , Céli
Regina Jardim “M ovim entos Sociais: espaços privilegiados da mulher en­
quanto sujeito político”, cm C O ST A , Albertina O. e B R U S C H IN I, Cristina
(orgs.), Uma questão de gênero São Paulo, Rosa dos Tem pos/Fundação Carlos
Chagas, 1992. C O ST A , Albertina; B A R R O S O , Carmen e S A R T I, Cynthia,
184 M a r ia i .u j x a h k j j .b o r n h B j j .a S o jíj

ção é sobretudo refletir sobre três aspectos do desenvolvim ento


destes estudos no país: 1) os cam inhos da institucionalização dos
estudos de gênero no país; 2) as contribu ições que o desenvolvi­
m ento do con ceito de gênero nas ciências sociais vem o fe recen ­
d o para a com preensão da organização da vida social; 3) através
da seleção de algumas áreas temáticas (trabalho, violência, sexua­
lidade e família) procurarem os avaliar as inovações cognitivas
que a utilização deste co n ceito prom ove.

A In s t i t u c i o n a l i z a ç ã o dos Estu d o s de G ênero

Contrariando reputadas análises da história da sociologia, com o


a construção de um discurso à parte, cumulativo e puramente aca­
dêm ico (B ottom ore e N isbet, 1979)3, a consolidação dos estudos
de gênero nas ciências sociais indica que o discurso sociológico é
perm eado e reformulado por novas reflexões e entendim entos que
se originam fora de seus limites organizacionais.
Se o caráter “ parasitário” da sociologia4 parece ser con stitu ­
tivo da sua própria prática, a maneira pela qual as ciências sociais
irão incorporar e elaborar discursos originados fora dela depen-

“ Pesquisa sobre mulher no Brasil: do lim bo ao gueto?” , São Paulo, Cadernos


da Fundação Carlos Chagas, n. 54, ago./1985. O s artigos de: C O S T A , Ana Alice
A. e S A R D E N B E R G , Cecília Maria B. “Teoria e práxis feministas na acade­
mia: os núcleos de estudos sobre a mulher nas universidades brasileiras”;
S A F F IO T I, Heleieth I. B. “Violência de gênero no Brasil atual” ; G R O S S J,
Miriam Pillar “ Novas/velhas violências contra a mulher no Brasil” - todos se
encontram na Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, C IE C / E C O / U F R J,
número especial, 2. sem estre, 1994; RO ZP2M BERG , Fulvia, “Estudos sobre
m ulher e relações de gênero", cm M IC E L I, Sérgio (org.) A fundação fo rd no
Brasil.\ São Paulo, Sum aré/FAPESP, 1993.
3. B O T T O M O R E , T . B. and N IS B E T , R. A. (eds.), A bistory o f sociological
analysis. L ond on , H eincm enn, 1979.
4. Para uma visão da sociologia nestes term os ver U R R Y , Jo h n , Consuming
places. London and N ew York, Routledge, 1995.
[ iS T U D O S DH G H N H R O NO BRASH. 185

derá sim ultaneam ente da organização interna da com unidade de


cientistas sociais, mais ou m enos permeável a inovações, e da
capacidade desses discursos ganharem reconhecim ento no meio
acadêm ico.
Para que as peculiaridades da institucionalização dos estu­
dos feministas no Brasil se tornem mais claras vale a pena determ o-
nos um p ou co no caso norte-am ericano. N os E stad os U nidos, a
origem dos estudos feministas, juntam ente com a dos estudos
raciais, encontra-se nos m ovim entos de protesto ocorrid os nas
universidades am ericanas ao longo da década de sessenta. E ste
m o v im e n to in sp ira o q u e s tio n a m e n to da v isã o e p rá tic a
despolitizada do establishment profissional e acadêm ico das ciên ­
cias sociais. As fem inistas estarão à frente da crítica à organiza­
ção científica c profissional dom inante, suas divisões disciplina­
res, seus critérios de autoridade científica, hierarquia e deferência
acadêm icas e dos fundam entos científicos sobre os quais repou­
savam as correntes dom inantes da sociologia. D en om in an d o-se
feminist ou women 's studies, é principalm ente na docência, através
da criação de novos cursos universitários, que as acadêm icas fe ­
m inistas pretendem im pulsionar a reflexão sobre a experiência
das m ulheres e as aspirações fem inistas.5
N o Brasil, as relações entre o m ovim ento fem inista e a aca­
demia ocorrem em cenário distinto. E m primeiro lugar, o m ovi­
m ento fem inista brasileiro nunca teve a inspiração radical presen­
te na contraparte norte-am ericana ou européia.6 O s problem as
sociais em sociedade altam ente desigual im puseram ao fem inis­

5. Para uma história dos “W om en 's Studies” nos Estados Unidos ver, B O X E R ,
Marilyn, J.. “ P or and about women: the theory and practice o f w om en's
studies in the united state” , em K E O H A N E , N. O .; R O S A L D O , M. Z e
G E L P I, B ., Feminist theory. A critique o f ideology, T h e University o f Chicago
Press, 1982.
6. G O L D B E R G , Anette, “ Fem inism o no Brasil contem porâneo: o percurso
intelectual de um ideário político” , B IB , n. 28, 1989.
186 M a r ia L u i /. a H i ü i .b o r n k B i i .a S orj

m o brasileiro uma orientação muito mais moderada no que diz


respeito ao co n fro n to entre os sexos e mais articulada ao discur­
so dom inante nas esquerdas. E m segundo lugar, o fem inism o
contou desde a sua origem com expressivo grupo de acadêmicas,
a tal p on to que algumas versões de sua história consideram que o
feminismo apareceu primeiro na academia e, só mais tarde, teria se
disseminado entre mulheres com outras inserções sociais.7 As aca­
dêmicas, por sua m aior exposição a idéias que circulam internacio­
nalmente, estavam numa posição privilegiada para receber, elabo­
rar e disseminar as novas questões que o feminismo colocara já no
final da década de sessenta nos países capitalistas avançados. A s­
sim, quando o m ovim ento de mulheres no Brasil adquire visibili­
dade, a partir de 1975, muitas das suas ativistas ou sim patizantes
já estavam inseridas e trabalhavam nas universidades.
A diferença do que ocorreu nos E stad o s Unidos, as fem i­
nistas da academia não desenvolvem estratégias de enfrentam en-
to com as organizações científicas e com os departam entos a que
estão vinculadas e concentram os seus esforços, quase que exclu­
sivam ente, na área da pesquisa, social. P or certo, a o lo n g o d o
tem po foram criados núcleos de estudo em muitas universidades

7. O interesse acadêm ico em pesquisar a situação das m ulheres n o país já se


m anifesta no início dos anos 70. Zahidé M achado N eto leciona, na U niver­
sidade Federal da Bahia, disciplina sobre família e relações entre os sexos
cm 1973; várias pesquisadoras brasileiras participam da C onferência sobre
Perspectivas Fem ininas nas Ciências Sociais Latino-A m ericana realizada
em Buenos Aires em 1974; acadêmicas brasileiras estarão presentes, tam ­
bém , na Welsley C onference on W om en and D evelopm ent em ju n ho de
1976; o Coletivo de Pesquisa sobre M ulher da Fundação Carlos Chagas
organiza um sem inário, “A C ontribuição das Ciências Hum anas para a
C om preensão do Papel das A'lulhcres” , na reunião da SB P C em 1975 e
publicado no m esm o ano com o um núm ero especial do Cadernos do Pes­
quisa. Algumas pesquisadoras já haviam publicado trabalhos tratando da
questão das mulheres: H eleieth Saffioti, Carm en Barroso, N eum a Aguiar e
E va Blay entre outras.
[ÍSTU DO S m ; G B ra sii.
kn hro n o
187

e em centros de pesquisa do país, mas nenhum deles se transfor­


m ou em uma unidade própria de ensino.8 A ssim , a d iferença
fundam ental entre a institucionalização dos estudos feministas
nos E stad os Unidos e no Brasil é que aqui as acadêm icas, ao
invés de construírem espaços alternativos, procuraram integrar-
se à dinâmica da com unidade científica nacional m ediante a o b ­
tenção do reconhecim ento do valor cien tífico de suas preocupa­
ções intelectuais pelos profissionais das ciências sociais.
O s E stu d os sobre Mulher, E stu d os de G ên ero ou de Rela­
ções dc G ên ero foram as fórm ulas encontradas para instituciona­
lizar a reflexão impulsionada pelo diálogo com o fem inism o na
academ ia brasileira. A escolha dc uma ou outra dessas denom i­
nações não é ingênua nem arbitrária, pelo contrário, rem ete às
controvérsias sobre a natureza e os lim ites dessa área de estudos.
N a década de setenta, “estudos sobre mulher” foi a denom inação
mais com um utilizada para caracterizar essa nova área. Livros,
artigos e sem inários fazem con star de seus títulos o term o mu­
lher e pretendem , principalm ente, preencher lacunas do co n h eci­
m ento so b re a situação das m ulheres nas mais variadas esferas da
vida e ressaltar/denunciar a posição de exploração/subordina­
ção/opressão a que estavam subm etidas na sociedade brasileira.
A partir da década de oitenta observa-se uma gradativa subs­
tituição do term o mulher, uma categoria em pírica/descritiva, pelo
term o gênero, uma categoria analítica, co m o identificador de uma
determ inada área de estudos no país. E m term os cognitivos essa
mudança favoreceu a rejeição do determ inism o b iológico im plí­
cito no uso dos term os sexo ou diferença sexual e enfatizou os
aspectos relacionais e culturais da con strução social do fem inino

8. G rupos dc trabalho sobre gênero estão presentes nos en con tros da A N P O C S


desde a sua origem ; disciplinas tratando dc questões de gênero estão pre­
sentes nos curricuta de vários program as de pós-graduação; revistas fem i­
nistas acadêm icas são produzidas em estrita vinculação com program as de
pós-graduação no âm bito dos institutos universitários.
188 M a r ia L u iz a H k i i .b o r n k B i i .a S orj

e masculino. O s hom ens passaram a ser incluídos co m o uma


categoria em pírica a ser investigada nesses estudos e uma abor­
dagem que focaliza a estrutura social mais do que os indivíduos
e seus papéis sociais foi favorecida.
G ênero, com o uma categoria de análise, tam bém foi usado
pelas acadêm icas fem inistas para criticar os pressupostos que
inform am os principais paradigmas da teoria social. E m outras
palavras, não se trataria apenas de entender a relevância das rela­
çõ es de gênero na organização da vida social mas com o o gênero
afeta o próprio con h ecim en to produzido pelas ciências sociais.
As versões mais radicais dessa crítica, co m o aquelas que postu­
lam um a epistem ologia fem inista e desqualificam a teoria so cio ­
lógica com o androcêntrica, tiveram pouco im pacto no Brasil. T al­
vez essa seja mais uma evidência da pouca disposição das acadê­
m icas fem inistas em assum ir uma posição de co n fro n to ou de
isolam ento na academia.
Para além da relevância cognitiva, a adoção do con ceito de
gênero em substituição aos term os m ulher e fem inism o favore­
ceu a aceitação acadêm ica dessa área de pesquisa, na medida em
que despolitizou uma problem ática que, tendo se originado no
m ovim ento feminista, mobilizava preconceitos.
N o Brasil, novamente contrastando com os Estados Unidos,
esta passagem foi realizada sem grandes traumas. N o melhor dos
casos, “gênero” foi adotado de uma maneira consensual; no pior
dos casos, optou-se por um compromisso simbolizado pela adoção
de am bos termos, mulher e gênero, separados agora por uma barra.
O esforço em construir uma problem ática sociológica dife­
renciada do problema político trazido pelo feminismo caracteriza
boa parte dos esforços de institucionalização desta temática.9 E n ­

9. E ste esforço parece ter sido m uito bem sucedido, haja vista a crítica que as
pesquisadoras mais bem integradas, digamos assim , ao mainstream acadêm i­
co brasileiro, sofreram em recen te consu ltoria solicitada pela Fundação
Ford a Navarro e Barrig (Consultants’ R ep ort on the Status o f W om en’s
K S T U D O S DK G K N K R O NO B R A S IL 189

tretanto, esta associação original ainda continua produzindo efei­


tos sobre a organização do cam po de estudos de várias maneiras.
Primeiramente, a despeito de mudanças recentes, ainda é notório o
fraco interesse que o tema tem despertado entre profissionais ho­
mens, fenôm eno observado internacionalmente. P or um lado, isto
reflete o peso que a hierarquia de prestígio entre os sexos tem em
ordenar o bjetos científicos e cientistas; por outro, a percepção de
que existe uma forte associação entre a área de estudos de gênero
e movim entos de mulheres dificulta a incorporação de pesquisado­
res hom ens. Segundo, os temas favoritos dessa área continuam a
ser aqueles mais próxim os da experiência das mulheres com o fa­
mília, sexualidade, trabalho, educação, o que acaba por reforçar a
imagem que esse é um assunto sobre c para mulheres.
O apoio institucional e financeiro da Fundação Ford de­
sem penhará papel relevante na legitim ação desta área de estudos
no Brasil. As acadêm icas fem inistas apresentam , na década de
oitenta, o que se poderia cham ar do tipo-ideal de novo cliente
para o qual a Fundação Ford procurava orientar seus investim en­
tos no Brasil. Além de disporem de um perfil que correspondia
às novas prioridades de investim ento da F o rd 10 — isto é, articula­
ção entre trabalho acadêm ico especializado e preocupações de
intervenção social através de políticas públicas de correção de
desigualdades sociais —, elas atendiam , tam bém , às prioridades
tem áticas desta agência.
C om efeito, a percepção do papel crucial que as mulheres
desem penham na m odernização das sociedades latino-am erica-

Studies in Bra7.il for thc Ford Foundation, 94) sobre os estudos de gênero
no Brasil. As consultoras consideram que os estudos de gênero no Brasil
teriam perdido o seu viés m ilitante e seriam acríticos às regras de hierar­
quia de um a academ ia, em suas percepções, seriam androcêntricas.
10. Para uma análise da atuação da Fundação Ford no país ver M IC E L I, Sérgio, “A
aposta numa comunidade científica no Brasil, 1962-1992”, em ______ (org.),
História das ciências sociais nu Brasil, vol. il, São Pauio, Editora Sumaré, 1995.
190 M a r ia L u iz a H k i i .b o r n k B i i .a S orj

nas, especialm ente no que diz respeito ao controle populacional,


teve grande apelo a partir da década de setenta e passou a orien ­
tar as políticas de investim ento de muitas agências internacionais,
entre elas, a Fundação Ford. O fem inism o em geral, e aquele que
com eçava a se m anifestar na A m érica Latina, foram percebidos
co m o fortes aliados na construção de um m odelo de fem inilida­
de qu e relativizav a a m atern id ad e c o m o ideal ex clu siv o e
encom passador das mulheres.
J á nos anos 70, o Brasil foi identificado pela Fundação Ford
com o o país onde o interesse pela pesquisa e a variedade de pes­
quisadores voltados ao estudo das mulheres estavam mais desen­
volvidos do que nos outros países da Am érica Latina." A Funda­
ção Carlos Chagas, C EB R A P , 1U P E R J e U SP abrigam muitos des­
ses pesquisadores, alguns tratando especificam ente da temática,
outros inserindo-a no contexto de pesquisas mais amplas.
D entre as diferentes possibilidades de investimento na época,
a Fundação Carlos Chagas parecia oferecer as m elhores condições
de aproveitamento dos recursos da Fundação Ford. Além da desta­
cada reputação e boa infra-estrutura organizacional e de com uni­
cação, era a instituição mais bem inform ada sobre as pesquisas
que estavam sendo realizadas no país nessa área temática. A de­
mais, em consonância com as novas orientações da Fundação Ford
— de substituir o apoio ao desenvolvimento institucional pelo fo­
m ento direto à pesquisa, à form ação de redes e com unicação entre
pesquisadores —, a Fundação Carlos Chagas, através do programa
de dotação de bolsas para pesquisa, entrou para o seleto círculo
dos maiores beneficiários das dotações desta agência.'2

11. G E R M A IN , A d rie n n e , C o n su ltan cy o n b razilian w o m e n 's ro le in


developm ent, T h e Ford Foundation, 1976. (mimeo.)
12. D e fato, a Fundação Carlos Chagas, com o seu program a “ G ênero e E d u ­
cação” , é a segunda m aior instituição donatária da Fundação Ford na área
de ciências hum anas no período de 1962 a 1992, ver G E R M A IN , Adrienne,
op. cit., p. 393.
I iS T U D O S D li G K N I Í R O N O BR ASH . 191

E sse e outros apoios que se seguiram a vários program as e


pesquisadores foram decisivos para legitimar projetos de pesqui­
sa e resultados científicos, sobretudo, em um am biente acadêm i­
co muito sensível ao reconhecim ento adquirido mediante a o b ­
tenção de financiam entos junto às agências de apoio externas.
Identificar o grau de institucionalização da área de estudos
de gênero e seu im pacto sobre o con ju n to das ciências sociais do
país é uma tarefa difícil. A incorporação da categoria de gênero
nas disciplinas que com põem as ciências sociais — antropologia,
sociologia e ciência política — é bastante desigual. N um exercício
de exem plificação, utilizando as instituições de pós-graduação no
R io de Jan eiro 13, observa-se no período considerado que o núm e­
ro de dissertações e leses é significativam ente m aior na área da
antropologia e nulo na ciência política. Tal característica não nos
deve surpreender. P o r um lado, a antropologia historicam ente
debru çou -se sobre tem as que o olhar instaurador do debate havia
eleito: a visibilidade das mulheres e dos dom ínios sociais correlatos
à sua presença mais evidente. A ssim , família, papéis sexuais, divi­
são do trabalho e organização do cotidiano sem pre integraram o
elenco de preocupações da disciplina. Por outro lado, com o bem
assinala Céli Pinto, a ciência política não teve a sua disposição
uma entrada expressiva da mulher no m undo tradicionalm ente

13. A escolha do R io de Jan eiro justifica-sc pela impossibilidade de acessar por


m eio eletrôn ico bancos de d issertações e teses nas demais instituições
brasileiras que facultassem a leitura dos seus resum os, o que permitiria
uma avaliação acurada da proposição dos trabalhos. A distribuição obser­
vada é a seguinte: M estrado em A ntropologia do Museu N acional, período
de 1971 a 1996, total de dissertações defendidas: 53, núm ero de disserta­
ções versando sobre gênero: 12, percentual: 2 3 % ; D outorado - período de
1983 a 1998, total de teses defendidas: 74, num ero de trabalhos sobre
gênero: 7, percentual: 9 ,4 % . Program a dc P ós-G rad uação em Sociologia
do IU P E R j, período de 1993 a 1996, total de dissertações defendidas: 42;
total de teses defendidas, doutorado: 31, núm ero de dissertações e teses
versando sobre gênero: 6, percentual de 8,2% .
1 9 2 M a r ia L u iz a H k i i .b o r n r; B h .a S orj

e n te n d id o co m o p o lític o co m o ta m b c m , em fu n çã o do
privilegiamento de certas searas da vida social, peculiar à trajetó ­
ria do despertar do interesse pelo gênero, o político foi freqüen­
tem ente tom ado com o alheio à cond ição fem inina (Pinto, 1992:
128). Se p o r um lado isso aponta para um esfo rço auto-reflexivo,
por outro sinaliza a preferência das pesquisadoras por tem as cen ­
trados na experiência mais imediata das m ulheres.'4 C ontudo,
cabe assinalar uma profusão de pesquisas sobre o m ovim ento
feminista ou de mulheres. Alguns deles permitindo uma reavaliação
das forças sociais que estariam em jo g o na redem ocratização do
Brasil nos anos 8 0 .15
Se tom arm os alguns indicadores co m o a freqüência de arti­
gos em periódicos nacionais de maior circulação entre os cientis­
tas sociais, a conclusão é que esta questão ainda é m arginal.16
Isto contrasta com o aporte significativo de recursos institucionais
intelectuais de que dispõem a área de estudos de gênero. A lém de
financiam entos esp ecífico s17, grupos de trabalho voltados a essa

14. P IN T O , Céli Regina Jardim , “ M ovim entos sociais: espaços privilegiados da


mulher enquanto sujeito político” , em C O S T A , A lbertina e B R U S C H IN I,
Cristina (orgs.), Uma questão de gênero, Rio de Janeiro/ São Paulo, Rosa dos
T em pos/Fundação Carlos Chagas, 1992, pp. 127-150. Há ainda o trabalho
inaugural de C A L D E IR A , Teresa, A política dos outros, São Paulo, Brasilien-
se, 1994, que trata da percepção da esfera política por parte de m ulheres da
periferia paulistana.
15. Á L V A R E Z , Sonia, Engendering democracy in B razil: women's movements in transition
politics, P rinceton University, P rinceton, 1990.
16. D o s 342 artigos publicados nos 57 periódicos da revista Novos Estudos
C E B R A P no período de 1975 a 1996, apenas 9, ou seja, 2 ,6 % são dedica­
dos à temática de gênero. D o s 277 artigos publicados na Revista Brasileira de
Ciências Sociais, entre junho de 1986 a fevereiro de 1998, apenas 9 ou 3,2 5 %
trataram de questões de gênero. Na revista Dados, do total de 285 artigos
publicados, entre 1975 a 1997, apenas 7 ou 2 ,5 % tratam de assuntos relaci­
onados ao gênero. N o BIB encontram os 2 4 % dos artigos voltados ao tema.
17. R efirim o-nos especificam ente aos C oncursos de D o tação para a Pesquisa
so bre M ulher e Relações de G ên ero prom ovidos periodicam ente pela Fun­
dação Carlos Chagas.
liST U D o s o i; G b n i -r o n o B r a sji,
193

tem ática re ú n em -se reg u larm en te n o s e n c o n tro s anuais da


A N P O C S, bem com o duas revistas acadêm icas são publicadas:
Estudos Feministas e Cadernos Pagu.[S
Se a problem ática das relações de gênero tem encontrado
nos espaços acadêm icos auto-organizados um im portante meio
de desenvolvim ento, ela não se limita apenas àqueles espaços.
É visível a m aior atenção e im portância que as ciências
sociais no país têm dado às relações de gênero em um amplo
espectro de temas pesquisados e apresentados, por exem plo, nos
encontros anuais da A N P O C S .19 N ota-se, tam bém , que o interes­
se pelo tema já não depende, co m o antes, de m otivação política,
haja vista a proliferação de teses de mestrado e doutorado de
jovens pesquisadores sem qualquer vínculo m ilitante com o m o ­
vim ento feminista. D a mesma form a observa-se que hom ens vêm
sendo atraídos pelas questões relativas à masculinidade e sexuali­
dade, alterando a com p osição sexual do cam po, e, ainda, que os

18. E stas duas revistas estão diretam ente ligadas a program as dc pós-gradua­
ção em ciências humanas. A Revista de listu d o s Fem inistas criada em
1992, foi a princípio sediada no C IE C da Kscola de C om unicação da U F R J,
transferindo-se a partir dc 1995 para o Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da mesma universidade, na época em convênio com Program a de
Ciências Sociais da U F R J, hoje estando apenas no IF C S / U FR J. A idéia
fundadora da revista, que conta com o apoio da Fundação Ford, era a dc
instaurar um m odelo de rotatividade tanto do corpo editorial co m o de sua
sede institucional. O próprio nom e da publicação reflete mais os com p ro­
m issos com o perfil da clientela alvo da agência financiadora (“ ativistas”)
do que propriam ente com a auto-perccpção do grupo g estor da publicação
sobre sua inserção acadêm ica. A revista Pagu integra-se ao Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da U N IC A M P e foi criada em 1993, sendo
uma publicação mais claram ente vinculada à sua instituição sede.
19. N este sentido destaca-se a experiência do G T da A N P O C S ‘Sociologia do
T rabalho’ que substituiu o G T ‘Processo de T rabalho e Reivindicações
Sociais’. D esde sua fundação, co n tou com um núm ero expressivo dc pes­
quisadoras voltadas ao estudo das relações de gênero. Mas que, no entanto,
optaram por desenvolver as suas preocupações em diálogo estreito com as
disciplinas que com põem as ciências sociais.
194 M a r ia L u iz a I-I k i i . h orn h B i i .a S orj

estudos passaram a incorporar uma perspectiva mais relacional


das identidades masculinas e femininas.
N esse sentido, podem os concluir que a área dos estudos de
gênero, na medida em que desenvolve o seu potencial analítico e
convence sobre relevância dos seus achados, prescinde das m oti­
vações políticas que marcaram sua origem e a primeira geração
de pesquisadoras. E sse m ovim ento já vem sendo sinalizado na
ampliação, ainda que lenta, da pauta de pesquisas dessa área, do
aum ento da audiência acadêm ica interessada e na m udança da
com p osição sexual e etária dos pesquisadores.
Finalm ente, vale a pena lem brar que sob o título e abrigo
dos estudos sobre a mulher, ou, com o se quer agora, do gên ero20,
aglutinam-se os mais distintos e contrastantes graus de co m p e­
tência acadêm ica. E sses contrastes são inerentes ao m eio intelec­
tual e não destoam do con ju n to das ciências sociais no país.
É na medida em que se pode acom panhar as discussões
teóricas e em cam pos tem áticos específicos que se pode avaliar
co m o tais estudos forneceram , de fato, elem entos para sofisticar
a investigação sociológica.21 E o que procurarem os fazer, a se­
guir, a partir da seleção de algumas áreas temáticas.

O C o n c eit o de G ênero : em bates t eó r ic o s

D ev e-se salientar que o co n ceito em pauta p erten ce clara­


m ente a uma tradição anglo-saxã. A linha de investigação fran ­

20. C om eçam a surgir os estudos so bre m asculinidade e, em parte, replicam os


problem as detectados nos estudos sobre mulher. Ver para uma avaliação
crítica - O L IV E IR A , P.P., “D iscursos sobre a masculinidade” , Revista E stu­
dos Feministas, vol. 6, n. 1. R io de Janeiro, IF C S / U F R J, 1998, c a coletânea
organizada por C O R N N A L L , Andrea e L IN D IS F A R N E , Nancy, Dislocating
masculinity, N ew York/Londres, Routledgc, 1994.
21. O s estudos de gênero tam bém tiveram significativo im pacto extra-acadê-
mico. Um desses pode ser observado nas alterações procedidas em m uitos
H ST U D O S D li G A N I '!« :) N O B R A S !!. 195

cesa jam ais in co rp o ro u essa categoria, consagrand o em seu lu­


gar o term o relações sociais de sexo (rapports sociaux de sexe).
E sse m odo de cunhar a expressão tem uma inequívoca a scen ­
dência m arxista, oriunda do term o relações sociais de produ­
ção. N o co n tex to francês faz pouco sentido usar a expressão
gênero, sobretu d o pela crítica que as cientistas sociais dessa
nacionalidade fazem ao term o, assinalando laivos por demais
culturalistas nessa escolh a e por sustentarem que qualquer di­
m ensão da vida social im plica sua modelização, isto é, seu afasta­
m ento de um quinhão natural que porventu ra pudesse m anter.
Vale m en cio n ar a existên cia de uma d istin ção p ertin en te ao
d ebate francês so b re o assunto, que o p õ e d iferen cialistas e
igualitaristas. E ssa segm entação do cam po tem rep ercu ssões
em d iferentes n ichos d isciplinares/políticos: a saber, a psicaná­
lise, a filoso fia, história etc., e para o caso que aqui nos in teres­
sa, as ciências sociais co m o um todo, faz sentido ao incluir no
prim eiro grupo as antropólogas F ra n ço ise H éritier e N ico lc-
C lau de M ath ieu e, no seg u n d o , o u tra s p e sq u isa d o ra s. As
diferencialistas sustentam que a d iferença sexual é uma m arca
universal de alteridade, por o p osição às igualitaristas que, guar­
dadas as devidas ressalvas, derivam a co n d ição subalterna do
fem inin o de uma con d ição histórica, não estrutural.
N o Brasil, em decorrência de nossa múltipla exposição às
influências desses dois grandes centros, os debates, em torn o do
que hoje consensualm ente se denom ina gênero, com eçaram pelo

aspectos da sistem ática oficial de coleta de dados. O s estudos sobre gênero


colaboraram , por exem plo, para a am pliação do co n ceito de trabalho adota­
do pela P N A D , que a partir de 1992 passa a incluir as atividades para o
autoconsum o, a produção familiar, o trabalho não-rem unerado para insti­
tuições religiosas ou beneficentes, realizadas sobretudo por mulheres, co m o
trabalho. Ver a este respeito, 13R U SC H IN I, Cristina, “ Fazendo as pergun­
tas certas: com o tornar visível a contribuição econôm ica das m ulheres para
a sociedade?,” V III C ongresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, B rasí­
lia, ago./1997.
196 M a r ia L u iz a H k iu jo r n i; B ila S orj

genitivo “da m ulhet” . D urante um certo período, a marca france­


sa do term o relações sociais de sexo esteve muito presente, so ­
bretudo na sociologia do trabalho. C ontudo, paulatinam ente e em
acordo com as mudanças mais gerais e talvez por uma certa
antropologização das ciências sociais no país22, o uso da categ o ­
ria gênero tornou-se hegem ônico. É bem verdade que a situação
atual aponta para transform ações nesse cenário. A denom inada
crise de paradigmas que afeta as ciências sociais e principalm ente
a crítica às denom inadas m etateorias sobre o social ( e aí se
incluem as teorias pós-m odernas) com eçaram minar a confiança
que se depositava sobre a capacidade heurística do conceito de
gênero. O modo com o Mariza Correa (1998) define o uso que
pretende dar conta à noção em pauta com o “ relações construídas a
partir de identificações ou atribuições de masculinidade ou femini­
lidade a todos os seres humanos, isto é, “m ulheres”, entre “ ho­
m ens” e entre “mulheres c hom ens” - se é que essas designações
ainda podem ser usadas num universo tão sem ioticam ente carrega­
do” é particularmente reveladora da dificuldade de mencionar-
se a corporeidade com o um elem ento de atribuição de diferença.23
E sse trecho ilustra o esfacelam ento do acord o que havia há al­
guns anos atrás de que gênero era a distinção entre os atributos
culturais alocados a cada um dos sexos e a dim ensão biológica
dos seres hum anos. V oltarem os a esse debate posteriorm ente.
A principal referência sociológica dos estudos de gênero
particularm ente nos E stad os Unidos foi dada pelos co n ceito s e
teorias funcionalistas, seja co m o fonte de inspiração para a co m ­
preensão das diferenças entre papéis m asculinos e fem ininos,
seja co m o crítica dessa interpretação.

22. R efiro-m e a o d eb a te tratado na A N PO CS há alguns an os atrás e qu e pode


ser acom panhado pela argumentação de Mariza Peirano em “ O s antropó­
logos e suas linhagens” , A fav or da etnografia, Relum e-Dum ará, 1995.
23. C O R R E A , Mariza, “ Uma pequena voz pessoal” em Cadernos Pagu (11) 1998.
K S T U D O S OK G k NI vRO NO BRAS II. 197

Parsons e B ales24, que tiveram im pacto considerável sobre a


sociologia dos anos 50 c 60, conceberam a diferença de gênero
no interior da família nuclear m oderna em term os de papéis “ ex­
p ressiv o s” (fem in in o ) e papéis “in stru m en tais” (m ascu lin o).
E nfatizando as funções socializadoras da família (e do gênero)
esta foi com preendida co m o uma instituição fundam ental na
m anutenção do funcionam ento regular da ordem social.
Tal maneira de pensar as relações entre os sexos deixou forte
marca na sociologia do gênero em pelo menos três aspectos. Pri­
meiro, forneceu conceitos básicos, com o papel sexual e status, atra­
vés dos quais as diferenças entre hom ens e mulheres foram estu­
dadas. Segundo, supriu os estudos de gênero com a hipótese de
que as diferenças sexuais são mais centrais na instituição familiar
do que em qualquer outra instituição social e que os arranjos de
gênero funcionam primordialmente para assegurar a reprodução
social. Finalm ente, as análises sociológicas das relações de gênero,
sustentadas no conceito de papéis sexuais, desafiaram as visões
essencialistas da biologia e da psicologia sobre as identidades hu­
manas na medida em que facilitou o reconhecim ento de que os
indivíduos se constroem por interm édio da vida social.25
A teoria funcionalista foi, entretanto, uma referência mais
negativa do que positiva para a sociologia de gênero. Inúmeras
pesquisadoras influenciadas pelos trabalhos pioneiros de feminis­
tas norte-americanas que criticaram Parsons26 por tacitam ente legi­
timar a subordinação feminina e encerrar a problemática das mu­

24. P A R SO N S, T a lco tt and B A L E S , Robert F., Family, sociali^ation and interaction


process, N ew York, Free Press, 1955.
25. Para uma apreciação positiva da contribuição de Parsons para a sociologia
de gênero ou para a sociologia feminista ver Joh n so n , Miriam M., “ Feminism
and the theories o f T alcott Parsons”, em W ALLACH , Ruth (ed.), Feminism
and sociological theory, New bury Park, Sage Publications, 1989.
26. Ver especialm ente F R IE D A N , Betty, 'l'befeminist mystique, N ew York, N orton ,
1963.
198 M a ría L u iz a H k ii.b o rn h B ii.a Sorj

lheres ao âm bito da família, distanciariam-se daquele m odelo pro­


curando conferir ao conceito de gênero um estatuto teórico mais
ambicioso. Argumentaram que considerar gênero com o pape) so­
cial limitava o foco da análise ao com portam ento individual e di­
minuía o seu poder de explicação da dinâmica social mais ampla.
E , ainda, que con ceber gênero em term os de diferenças sexuais
seria reduzi-lo a uma variável empírica ao invés de um princípio de
organização social. A noção de gênero passou a ser desenvolvida,
então, com o uma categoria de análise teórica mediante a qual seria
possível dar conta do conjunto da vida social.27
A segunda grande referência teórica que contribui de form a
com plexa e contraditória para moldar a sociologia do gênero foi o
marxismo. Se, por um lado, as categorias centrais do marxism o
focalizadas na produção, trabalho e classes sociais são mais
androcêntricas do que as noções de papel sexual apresentada pelo
funcionalismo, por outro, o debate em torn o do “trabalho dom és­
tico” e da participação das mulheres na força de trabalho estimula­
das pelo marxism o permitiram, em bora de form a parcial, estabele­
cer relações entre a família, o trabalho e a política a partir de uma
perspectiva das relações de gênero. D esta form a o marxismo co n ­
tribuiu para que as análises de gênero saíssem dos limites da famí­
lia, em bora seus conceitos tivessem pouca capacidade de dar conta
das relações de gênero no interior das demais instituições sociais.
É im portante assinalar que o s principais desenvolvim entos
da sociologia das relações de gênero concentraram -se particular­
m ente nas análises da esfera “privada” ou das instituições associ­
adas às mulheres. Mais recentem ente essa sociologia tem procu­
rado m ostrar as im plicações teóricas disso para outras arenas da
vida social m ediante um esforço de reconceituação das definí-

27. Para um balanço da relação entre pensam ento feminista e sociologia ver
ST A C E Y , Judith and T H O R N E , Barrie, “T h e misssing fem inist revolution
in sociology” , em K A U F F M A N , Linda (ed.), American Feminist 'Thought at
Century's End. A Reader, Cam bridge, Blackw ell, 1993.
liS T U D O S D l- G fiN l iR O N O B R A S II. 199

ç õ e s convencionais cia política, da ec o n o m ia , cias relaçõ es cie po­


der e dos processos de mudança.
A com panhar as sucessivas etapas de form ulação do co n cei­
to na antropologia ajuda a esclarecer os em bates, suas m odula­
ções e as presentes críticas que enfrenta. Inicialm ente postulou-
se a idéia de sistem as de sexo-gênero (R u bin,l 9 7 5 )28 com o intui­
to de demarcai: os dois níveis diferenciais que a condição sexual
com porta. O term o mantinha a referência direta ao dim orfism o
sexual da espécie humana, ao m esm o tem po que salientava o
plano de elaboração cultural de atribuição dc significados a essa
descontinuidade inscrita nos corpos. O ponto crucial desse m o ­
m ento da reflexão era justam ente o papel que a reprodução o cu ­
pa com o elem ento estruturador ou não dc significados e de posi­
ções sociais atribuídos diferencialm ente aos dois sexos.
Se o debate sobre a reprodução era im portante, tam bém se
salientava a articulação desse sistema classificatório com outras
estruturas sociais tais co m o a diferenciação etária, esquem a de
privilégios, ordenação cosm ológica.29
O argum ento central à idéia dc sistem as de sexo-gênero é a
tran sform ação da diferença sexual operada pela cultura numa
relação de opressão (denominada por Rubin de dom esticação da
mulher).30 A proposta perseguida por várias autoras é de situar o

28. R U B IN , G aylç. “T h e traffic in w om en: notes on lhe ‘political econom y’ o f


sex”, em R E IT E R , R. Towards an anthropology o f women, Nova York, M onthly
Review Press, 1975.
29. Ver O R T N E R , S.; W H IT E H E A D , H. (cds.), Sexual meanings: the cultural
construction o f gender and sexuality, Cambridge, Cambridge University Press,
1981; C O L L IE R , Jane e R O SA LD O , Michelle, “ Politics and gender in simple
societies” , cm O R T N E R , S.; W H IT E H E A D , H., Op. cit., e em uma direção
um pouco distinta, H E R IT IE R , Françoise, Masculino e feminino. Enciclopédia
Einaudi, vol. 20, Lisboa, 1980, e “Symbolique de l’inceste et de sa prohibition” ,
em ISARD, M .; SM IT H , P. (cds.), I m fonction symbolique, Paris, Gallimard, 1979.
30. Rubin, em sua análise, destaca que apenas algumas grandes teorias so bre o
social conced em à sexualidade um lugar de destaque em suas explicações,
a teoria da aliança lévi-straussiana e a psicanalítica de Freud e Lacan.
200 M a r ia L u iz a H k i i .b o r n k B i i .a S orj

gênero com o um “m odelo de com o as desigualdades entre os


sexos figuram e podem ser entendidas pela referência a desigual­
dades estruturais que organizam uma dada sociedade” (C olier e
Rosaldo, 1980: 275). O gênero integra um esquem a cle explica­
ção sobre o social que funciona co m o um idioma refletindo de­
term inadas estruturas de prestígio. Assim “qualquer m anifesta­
ção do sexo está enraizada num con ju n to mais am plo de prem is­
sas cosm ológicas e num padrão particular cle privilégios e obriga­
ções sociais que dividem categorias sexuais e de idade” .1'
E xistem variedades de interpretações sobre a posição da
mulher nas diferentes culturas que lidam com o co n ceito de gê­
nero, de acord o com teorias sociológicas. Há m atizes entre as
distintas perspectivas, m arxista, funcionalista ou estruturalista.
D esse m odo, form ula-se a idéia de assim etria (mas tam bém si­
metria) sexual, subordinação ou ainda a de opressão. O uso de
cada uma dessas expressões indica a vinculação a um estilo de
form ulação do problem a e a uma dada teoria do social (às vezes,
mas não obrigatoriam ente, a uma posição política). C ontudo, há
um acordo generalizado de que a origem da situação fem inina
peculiar (ressaltando-se a natureza ocidental desse olhar que pri­
vilegia essa particularidade)32 se localiza na instituição do paren­
tesco com o lugar socialm ente sancionado de en con tro entre os
sexos e que o gênero enquanto princípio classificatório opera em
outras instâncias do social.
H á d eterm in ad a s p o siçõ e s te ó ric a s qu e q u estio n a m a
pertinência de um uso generalizado do conceito, sobretudo quando
ele é estendido às sociedades e aos processos de con strução da
pessoa não ocidentais. E ssa tem sido a posição de Strathern, que

31. W H IT E H E A D , Harriet. “T h e bow and the burden strap: a new look at


institutionalized hom ossexuality in native N orth A m erica” , em O R T N E R ,
S., W H IT E H E A D , H ., Op.cil, p. 80-115.
32. F R A N C H E T T O , Bruna et a i , Antropologia e fem inism o, em Perspectivas
antropológicas da mulher, n. 1, Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
K STUDOS DH G B .
kn kro n o rash
201

questiona o p ro jeto acadêm ico feminista de tom ar o gênero com o


um idioma estruturante das relações sociais. N essa empreitada,
ela tam bém problem atiza, ao estilo antropológico, as próprias
categorias analíticas da ciência produzida no O cidente em co n ­
traste com o sistem a de classificação nativo (no caso m elanésio, a
n o ção de dádiva, de bens e de produção). As identidades de
gênero no caso m elanésio não seriam unívocas; a pessoa seria
uma espécie de andrógino, um perm anente vir a ser.33
Essa form ulação mais usual de gênero, qual seja a distinção
entre o plano dos atributos culturais alocados a cada um dos sexos
em contraste com a dimensão anátom o-fisiológica dos seres hu­
manos, está no entanto sob cerrado ataque. A definição, que tinha
oferecido uma espécie de co n fo rto tem porário contra o atavismo
biológico que se insinuava sob a terminologia dos papéis sexuais,
titubeia diante de críticas. E m particular aquelas que se perguntam
se o próprio term o sexo, sobre o qual um dos seus pólos se apóia,
fornece algum tipo de auto-cvidência (cf. Butler, 1990)34 que per­
mita contrastá-lo ao gênero. O gênero, segundo esses novos olha­
res, incide em falácia, pois sustenta-se sobre um pilar problem áti­
co: “natureza” ; tam bém ela uma idéia historicam ente produzida.35
N o final da década de 80 a proliferação de estudos sobre
sexualidade levou a distinguir o que se tratava propriam ente de
gênero daquilo que designava o plano das escolhas eróticas e da

33. ST R A T H E R N , Marilyn, The gender o f the gift. Berkeley e Los Angeles, University
o f California Press, 1988. Ver também a resenha ck- P IS C IT E L L I, Adriana:
publicada em Cadernos Pag/i. n. 2, São Paulo, IF C I I/Unicamp, 1994, pp. 211-219.
Um argumento semelhante no que toca à impossibilidade do gênero servir de
metáfora para outros planos classificatórios já havia ocorrido a O V E R IN G ,
Joan, no artigo “Men control women? T h e Catch 22 in the analysis o f gender” .
International journal o f Mora/ and Social Studies, vol. 1, n, 2, Summer, 1986.
34. B U T L E R , Judith. “ G end er trouble and the subversion o f identity”, (mimeo.)
35. Assinala-se que este term o refere-se ao dim orfism o sexual da espécie hum a­
na e tão-som ente a ele. A questão em jog o é evidentemente da aposta teórica
na existência ou não de realidades extra-lingüísticas.
202 M a r ia L u iz a H k i i .h o r n k B i i .a S orj

identidade sexual (não a de gênero). O s E stad os U nidos, em


particular, viram disseminar-se os chamados Gay and Lesbian Studies
e a queer theory, que justam ente colocam em cheque a relação
entre o plano co rp óreo e a identidade de gênero. E ssas tendên­
cias, tam bém impulsionadas por m ovim entos sociais de afirm a­
ção identitária, com eçaram a co lo car em questão a relação entre
construção cultural c diferença anatôm ica. E sta última passou a
ser desconstruída, leia-se desnaturalizada, com o verem os a se­
guir. O debate mais pertinente ao estudo da sexualidade gira em
to rn o de posturas designadas com o essencialistas, que, via de
regra, assum em a idéia de uma universalidade de um instinto e/
ou d esejo sexuais em contraste com assertivas de que tais entida­
des são efeitos de co n texto s históricos e culturais específicos.
Mais do que uma oposição fixa, esta classificação apresenta-se
co m o um gradiente em que argum entos essencialistas podem ser
mais substantivos ou estratégicos em con traste com perspectivas
construtivistas mais amenas ou mais radicais (Cf. V a n c e ,l9 9 5 ).36
A diferença entre os sexos é uma invenção historicam ente
datada dos finais do século X V I I I , segundo Th om as Laqueur.37
N ão se trata de dizer que diferenças entre os corp os não eram de
todo percebidas antes desse período, mas que na virada entre o
século X V I I I e o X I X delineia-se uma nova co n cep ção sobre os
sexos que passaram a ser concebidos co m o opostos e in com en ­
suráveis. Apesar da em presa científica ter-se lançado a perscrutar
os corp os, tais co n cep çõ es antecedem em muito às “d escober­
tas” científicas, articulando-se com o estabelecim ento de uma
nova ordem social relativa ao gênero e a sexualidade, que se
apresenta sob o liberalism o político. U m a série de transform a­
ções na ordem política e ideológica das sociedades ocidentais

36. V A N C E , Carole, “A antropologia red escobrc a sexualidade: um com entá­


rio teórico” , Phjsis, vol.5, n. 1, 1995.
37. L A Q U E U R , T h o m as, M aking sex. Cam bridge, Harvard University Press,
1990.
li S T U D O S D 1Í. G j v N K R O K O B R A S JJ, 203

está na origem dessa m udança de percepção dos sexos, o que


veio a construir a problem ática da diferença sexual. E sta passou
a ser concebid a co m o inscrita nos co rp os e percebida com o
fundacional da distinção entre os gêneros. Segundo Laqueur, é o
gênero que inventa o sexo. Se os setes hum anos passaram a ser decla­
rados com o iguais, diz o autor, era necessário buscar na natureza
a base para a introdução de uma desigualdade.
O exercício analítico de Laqueur tem por conseqüência dissol­
ver o pólo “sexo” a partir do qual a categoria de gênero foi construí­
da, uma vez que sua análise histórica questiona a imutabilidade do
sexo. Nessa mesma direção colocam-se Judith Butler (1990) e Strathern
(1988), problematizando a oposição natureza/cultura.
Uma outra possibilidade analítica é oferecida pela conjuga­
ção da teoria da hierarquia de Louis D u m on t com o conceito de
gênero.38 Baseada nessa premissa, H eilborn buscou construir o
porquê da classificação do gênero necessariamente com portar hie­
rarquia, ou seja, que razões há que expliquem a constante estrutu­
ral de assimetria na montagem das relações entre os gêneros.
A partir do princípio de que tudo que é da ordem do huma­
no é marcado, sendo a significação instaurada pelo Valor, trata-se
de salientar que a instituição do m asculino está com prom etida
co m uma dada operação sim bólica que marca sua distinção pe­
rante o outro gênero. Institui-se uma relação marcada pelas pro­
priedades de englobante e englobado. O s conteúdos específicos
que adquirem as categorias de gênero nos diversos contextos
culturais manteriam este princípio de ordenação, em bora possam
em substância ser diferentes. Essa interpretação depende da ad­
missão de uma distinção lógica entre natureza e cultura. Ainda
que diversos sistem as culturais possam não admitir uma radical
separação entre o que no O cidente denom inam os de natureza e

38. D U M O N T , Louis. Homo hierarcbicus, Paris, Gallim ard, 1979. Postface à édition
Tel: Vers une théorie de la hiérarchie.
204 M a r ia L u iz a H i î i i .d o r n k B i i .a Sorj

cultura ou sociedade, isso não descarta a possibilidade d e se


operar co m esse patamar de raciocínio. O estatuto que a natureza
retém numa explicação desse estilo é de ordem lógica, e não se
trata de um postulado sobre uma distinção absoluta entre o s dois
níveis que todos os sistem as representacionais deveriam expres­
sar. D a m esm a m aneira acolher a idéia de que existe o dim orfism o
sexual da espécie não im pede de que se reconheça que o sexo
possa ser uma categoria historicam ente datada. As con cep çõ es
sobre a diferença sexual não abolem o fato de que existe uma
diferenciação nos corp os e que ela im porta até o presente m o ­
m ento no m odo co m o a humanidade se reproduz.39
A problem ática do gênero pode ser lida nos term os de do­
m inação masculina, segundo a interpretação de Bourdieu.40 Sem
se utilizar da categoria em exame, sua abordagem converge para
uma m esm a leitura, qual seja a de que as relações entre hom ens c
m ulheres se ordenam por princípios de diferenciação assim étrica.
T rata-se de um princípio geral que integra e organiza a econ om ia
das trocas sim bólicas, instituindo uma dissem etria fundam ental
entre os sexos na qual hom ens são equacionados à posição de
sujeitos e m ulheres na de objetos/instrum entos. Tal cond ição (já
assim descrita por Lévi-Strauss41) é da ordem de uma violência
sim bólica, term o que se propõe superar a dicotom ia entre dom i­
nação e consentim ento e que atua por m eio de uma internalização
por parte dos sujeitos, constituindo uma dim ensão pré-reflexiva,
m anifesta nas posturas dos corp os socializados.
A partir dessa breve história do desenvolvim ento do co n cei­
to de gênero fica clara a constante interlocução que ele m antém

39. S T O L K E , Verena, “ M ães para uma nova pátria européia” , Cadernos Pag», n.
2, São Paulo, IFC H /U nicam p, 1994.
40. B O U R D IE U , Pierre, “ La dom ination m asculine” , A ctes de la recherche en
sciences sociales, Paris, n. 84, pp. 3-3 1 , 1990.
41. L É V I-S T R A U S S , Claude, A s estruturas elementares do parentesco, Petrópolis,
V ozes; São Paulo, E D U SP , 1976.
li S T U D O S DIi G Ú N K R O NO I3 RASII.
20 5

co m o co n ju n to da teoria social, inscrevendo-se no cerne dos


debates sobre a natureza da cultura, os critérios de classificação
social, as relações entre sistemas de práticas e sistem as de valo­
res. A trajetória dos em bates revela a qualidade heurística do
co n ceito no sentido de propor-se a criticar/superar dualidades
que caracterizam a tradição ocidental e a própria teoria sociológi­
ca mais geral.
A seguir selecionarem os algumas áreas tem áticas nas quais
a aplicação do con ceito dc gênero rendeu inovações significativas
para o conh ecim en to da vida social.

G ên ero e T r a ba lh o

N ão pretendem os realizar neste texto um levantam ento am ­


plo e detalhado do con h ecim en to produzido pelos estudos de
gênero na área do trabalho. N ossa intenção é, sobretudo, fazendo
referência a algumas obras, ilustrar diferentes visões da relação
entre gênero e trabalho.
O trabalho fem inino foi um dos prim eiros temas através
dos quais as fem inistas marcam presença na vida universitária no
final dos anos sessenta e inícios dos setenta.42 V ários fatores
contribuíram para que este fosse o tema privilegiado. N o m ovi­
m ento fem inista internacional, à época, predom inava a visão de
que a exclusão das mulheres do m ercado de trabalho estava na
raiz de sua subordinação social. O tem a do trabalho fem inino

4 2 . Ver IU P E R J, In stitu to U niversitário cie Pesquisa do R io dc Jan eiro , Rela­


tório geral do sem inário “A m ulher na fo rça cle trabalho na A m érica
Latina” , R io de Jan eiro , 1979; B R U S C H IN I, Cristina, “T rab alh o fem ini­
no: trajetória de um terna, perspectiva para o futuro” , Revista Estudos
'Feministas, R io de Jan eiro , C IE C / U F R J, vol. 2, n. 3 , 1994, e "F a z e n d o as
perguntas certas: co m o torn ar visível a co n tribu ição eco nô m ica das m u­
lheres para a sociedad e” , cm II C o n g resso L atino-am erican o de S o c io lo ­
gia do trabalho, dez. 1996.
206 M a r ia L u iz a H k i i .b o r n k B i i .a S orj

integrou-se inicialm ente na tradição da sociologia do trabalho no


B rasil, área respeitável e consolidada nas ciências sociais.43 C on ­
tudo, uma m otivação central das acadêm icas brasileiras para trans­
form arem esse assunto em o b jeto de investigação sociológica se
encontra em boa medida no fato de a tem ática do trabalho apre­
sentar im portantes afinidades eletivas com o debate intelectual
daquele m om ento dominado pela teoria marxista. Esta, enfatizando
a problem ática das classes sociais e da exploração, oferecia o
m arco teórico de referência para os trabalhos fem inistas daquele
período. O m arxism o era tanto um denom inador com um que
legitimava as tem atizações feministas frente ao público não fem i­
nista, bem com o funcionava com o “p on te” intelectual para mui­
tas cientistas sociais se aproxim arem do feminismo.
O s estudos fem inistas na área do trabalho, sobretudo desse
período, estão fortem en te marcados por referências in ternacio­
nais que podem ser sentidas pela im portância conferida à pers­
pectiva com parativa e pelo uso que fazem de m etodologias quan­
titativas baseadas em fontes censitárias. E sta preocupação co n ­
trasta com o perfil mais geral das ciências sociais no país que
passam, crescen tem en te, a adotar m etodologias de natureza qua­
litativa, estudos de caso e m etodologias de observação partici­
pante, que só mais tarde irão im pactar os estudos de gênero.
Sob influência do m arxism o procurava-se explicar a partici­
pação das m ulheres no m ercado de trabalho a partir dos efeitos
do desenvolvim ento industrial e tecnológico sobre as cond ições
de inclusão e exclusão das mulheres na força de trabalho. C on s­

43. D o is dos prim eiros estudos so bre m ulher e trabalho são apresentados
com o teses de livre-docência e de doutorado defendidas no D ep artam en to
de Ciências Sociais da U SP (área de sociologia) por Heleieth Saffioti e Eva
Blay orientadas por Florestan Fernandes e Asiz Sim ão, respectivamente.
Ver B L A Y , Eva. A mulher e o trabalho qualificado na indústria paulista , São
Paulo, USP, D C S / F F L C H , 1972, e S A F F IO T I, H, A mulher na sociedade de
classes: mito e realidade, São Paulo, Livraria Q uatro A rtes, 1969.
H ST U D O S D li G K N l i R O NO BR A S II. 207

tatando uma queda acentuada da participação fem inina na força


de trabalho industrial evidenciada no C enso de 70, os diagnósti­
cos, entretanto, divergem entre uma visão que considerava esta
situação com o transitória e que novas oportunidades de trabalho
iriam surgir co m o d esenvolvim ento de seto res co rrela to s à
industria, com o o de serviços, mais adequados a incorporar mu­
lheres (Madeira e Singer, 1 9 7 5 ),e uma visão pessim ista que co n ­
siderava que a m odernização tecnológica expulsava as mulheres
do em prego, relegando-as à posição de exército industrial de re­
serva (Saffioti, 1981).44
E ssas duas perspectivas com ungam a com preensão do em ­
prego fem inino co m o variável que depende quase que exclusiva­
m ente de fatores de ordem econ ôm ica, de tal form a que as pecu­
liaridades da m ão-de-obra fem inina não eram integradas no qua­
dro explicativo oferecido.
A partir da década de oiten ta os estudos de gên ero e traba­
lho recebem grande im pulso em função, p o r um lado, de trans­
form açõ es sociais expressas no notável crescim en to do em p re­
g o fem inino industrial a partir dos anos 7 0 e, por ou tro, do
d esenvolvim ento das análises de gênero, sobretu d o aquelas in s­
piradas nas teorias do p atriarcad o , que d efen d em o p o d er
explicativo da dom inação m asculina e das desigualdades de g ê­
nero so bre o co n ju n to da vida social. A pesar das dificuldades
desta conceitu ação, largam ente debatida na literatura fem inista,
seu im pacto so b re as investigações acerca do trabalho fem inino
perm itiu qu estionar a au to-su ficiên cia com que as explicações
eco n ôm icas operavam nesse cam po tem ático. E m p iricam en te e
no co n tex to brasileiro, tratava-se de co m p reend er o ingresso

4 4 .Ver M A D E IR A , Fclícia R. e S IN G E R , Paul I., “ Estrutura de em prego e


trabalho fem inino no Brasil: 192 0 -1 9 7 0 ” , Cadernos C E B R A P , São Paulo, n.
13, 1975; S A F F IO T I, H ., Do artesanal cio industriai A exploração da mulher,
H ucitec, 1981; A G U IA R , N cum a, M ulheres na força de trabalho na A m é­
rica Latina, E n co n tro Nacional da A N P O C S , 1979.
208 M a r ia lltza H k il b o r n f. B ila So rj

em larga escala de m ulheres na força de trabalho industrial e,


ao m esm o tem po, o seu co n fin am en to às posições m enor rem u­
neradas e de m enor qualificação.
A ssim , a participação das mulheres no m ercado dc trabalho
passou a ser analisada a partir dos condicionantes im postos pelo
ciclo de vida familiar reprodutivo (idade, situação conjugal, nú­
m ero e idade dos filhos) e pelas responsabilidades dom ésticas e
cuidados com os filhos c demais familiares. A condição familiar,
diferenciada por gênero, seria apropriada pelo m ercado de traba­
lho que designaria lugares distintos e hierarquicam ente dispostos
para hom ens e m ulheres determ inando o acesso diferencial às
ocupações, tarefas, perspectivas dc prom oção e treinam ento, ní­
vel de rendim ento e outros.45
U m a terceira perspectiva de análise oferecida para explicar a
quantidade e qualidade dos em pregos fem ininos evita situar na
divisão sexual do trabalho dom éstico a origem do perfil dos pos­
tos de trabalho designados às mulheres.46 O s m esm os em pregos
ou postos, quando destinados aos hom ens, adquirem outras ca­
racterísticas, são m elhor remunerados e m aiores oportunidades
de prom oção e treinam ento são oferecidas. A discrim inação das
mulheres seria, então, explicada pela presença de ideologias de
gênero que se inscrevem tam bém no sistem a produtivo e oríen-

45. N esta perspectiva ver, A B R E U , A lice R . de P., O avesso da moda. Trabalho a


domicílio na indústria de confecção, São Paulo, H U C IT E C , 1986; B R U S C H IN I,
Cristina, “O trabalho da m ulher brasileira nas décadas recentes”, Estudos
Feministas, C IE C / E C O / U F R J, n. especial 1/2. scm ./l 994; A B R E U , A lice
R . D e P. e S O R J, Bila. “Trabalho a dom icílio e relações de gênero: as
costureiras externas n o R io de Janeiro” , em A B R E U , Alice R. P. e S O R J,
Bila (orgs.), O trabalho invisível: estudos sobre trabalhadores a domicílio no B rasil
R io de Janeiro, Rio Fundo E ditora, 1993.
46. Algumas pesquisas com eçaram a m ostrar que a posição das m ulheres na
família já não dava mais conta do novo quadro da participação das mulhe­
res no m ercado de trabalho, haja vista o aum ento da atividade de mulheres
mais velhas, casadas e mães na última década.
t iS T U D O S D li G H N I í RO NO B R A S IL 209

tam práticas de gestão diferenciadas.47 Assim , as relações de gê­


nero estruturam tanto a família com o a produção sem se fixar em
um lugar original a partir do qual todas as in terações sociais
seriam analisadas apenas com o decorrências da dom inação m as­
culina no âm bito dom éstico.
Além da crítica à adoção de causalidades fixas, esta última
abordagem estimula a pensar o gênero com o um sistem a sim bó­
lico que organiza relações de poder, igualdades c desigualdades
no mundo do trabalho e fora dele. D e co rre daí que uma das
contribu ições mais im portantes dos estudos dc gênero para a
sociologia do trabalho é a de atentar para a dim ensão da cultura
de uma maneira mais séria do que geralm ente foi feito no passa­
do. A im plicação mais inovadora e am biciosa das análises de
gênero para a sociologia do trabalho reside, todavia, na crítica
que eJa c o n tém do paradigma e c o n ô m ic o , dc indivíduos movidos
p o r interesses racionais. As análises de gênero são as que mais
consistentem ente têm reivindicado o lugar da cultura, da história
e do poder na sociologia do trabalho.

A V io l ê n c ia co m o á rea de In v e s t i g a ç ã o

A contribuição relevante que a perspectiva d eg en e ro trouxe


para o estudo do fenôm eno da violência é a de salientar, enrique­
cendo a tradição do pensam ento socio ló gico brasileiro, que ela
não se origina exclusivam ente das desigualdades de classe; ela se
expressa em relações que recortam o con ju n to de todos os seg-

47. Ver nesta linha, R O D R IG U E S , Arakcy M , “Lugar e imagem da m ulher na


indústria” , em C O S T A , A lbertina O. e B R U S C IIIN I, Cristina, Uma questão
de género, R io de Janeiro, Rosa dos T em pos/Fundação Carlos Chagas, 1992;
H IR A T A , Helena e H U M P H R E Y , Jo h n , “ O em prego industrial fem inino
e a crise eco nô m ica brasileira”, Revista de Economia Política, n. 4, out./dez.,
1984; S O U Z A -L O B O , E lisab eth , A c/asse operária tem dois sexos. Trabalho,
dominação e resistência, São Paulo, Brasiliense, 1991.
210 M A R I A L lJ IZ A H K II .B O R N K B ll . A S OR J

m entos da sociedade e que escapa à esfera de atuação do Estado.


O tem a da violência sem pre ocupou um lugar im portante na
sociologia nacional, ao en fo car o tema da distribuição e do exer­
cício do poder numa sociedade em que o E stad o se apresentava a
princípio enfraquecido frente ao poder local. D e certo m odo, a
análise sobre o fenôm eno da violência correlata ao gênero acom ­
panhou a que se produziu sobre relações raciais no país.
A investigação sobre a violência na área em consideração
nasce sob a inspiração das questões colocadas pelo m ovim ento
feminista, ocupando uma posição especial entre os estudos de gê­
nero aqui realizados. Tal destaque resulta do fato de a violência
dom éstica ou conjugal ser um dos elem entos catalisadores da iden­
tidade do feminismo nacional, diferentem ente de outros enfoques
com o o do assédio sexual, que m arcou de m odo intenso o novo
alvorecer do m ovim ento feminista na França (anos 60) e hoje gal­
vaniza a opinião pública norte-americana. O lugar estratégico da
violência no feminismo brasileiro deve-se em grande medida ao
fato de ele ter sido o tema, dentro da larga agenda do m ovim ento,
que perm itiu ampliar a audiência do seu discurso para além das
suas fronteiras militantes.48 Som e-se a isso que aqui se produziu
uma fórmula de certo m odo original (quando comparada a de
outros países) de enfrentam ento da questão: a criação das delegaci­
as especializadas de atendimento à mulher, que foram alvo de uma
série de pesquisas a respeito de seu funcionam ento.49

48. O s fam osos assassinatos de m ulheres (de cam adas médias), no início dos
anos 80, assinalaram transform ações no âm bito da família e no m odo com o
os julgam entos de legítima defesa da honra eram considerados pela justiça.
Ver A R A G Ã O , Luiz Tarlei, “O sacrifício da m ulher”, Religião e Sociedade,
Rio de Janeiro, n. 6, 1980, pp. 91-8. N esse artigo é argumentado que a
co m o ção social cm torn o dos crim es sinaliza para o caráter de transgressão
ao sagrado presente na atitude feminina (desejo de autonom ia).
49. E n tre muitos trabalhos, destacamos B R A N D Ã O , E laine, N os corredores da
D EA M : um ensaio etnográfico sobre mulheres e violência conjugal, D issertação de
m estrado, Instituto de M edicina So cial/ U E R J, 1997.
Ii S T U D O S D li G Ú N K R O NO BR A S II. 211

Podem os agrupar os trabalhos arrolados sob essa rubrica


em três linhas. Um primeiro grupo orienta-se para o m odo com o
a justiça opera nos casos em que a classificação violência contra
a mulher pode ser acionada. M ariza C orrea50 representa o eco
inaugural que poderia ter na academ ia a discussão em preendida
no meio fem inista. Procedendo a uma leitura de processos judici­
ais de hom icídio (e tentativas de) ocorrid os em Campinas (SP ), a
autora dem onstra com o a igualdade legal entre hom ens e m ulhe­
res é dissolvida pela preem inência da lógica de gênero nos julga­
m entos dos crimes. A análise da justiça perm ite elucidar a manei­
ra com plexa pela qual as classificações dc gênero podem atuar
no benefício das mulheres ou no agravam ento de sua avaliação
moral, segundo a tipologia do crim e. As análises que se seguiram
ajudaram d em onstrar que a hom ogeneidade da “opressão” fem i­
nina nas diferentes searas sociais sustentada pelo discurso mili­
tante estava muito longe de scr verdadeira. ( ) estupro, p o r exem ­
plo, aparece co m o o tipo dc delito que abriga as penas mais
duras contra os agressores toda vez que a conduta da vítima
aparentar honra fem inina.’’1
Um segundo conjunto de pesquisas diz respeito às repre­
sentações fem ininas acerca da violência.52 O debate entre cum pli­
cidade para com a violência ou vitim ização recorta o cam po
desses estudos e nele se exprim e uma das tensões constitutivas
desse diálogo: a m aior ou m enor proxim idade com o discurso
militante. C om o assinala G rossi, os estudos voltados para este

50. C O R R E A , Mariza. Os atos e os autos, D issertação de m estrado, U N IC A M P,


1975, mais tarde transform ada no livro Morte em Família, São Paulo, Brasi-
liense, 1983.
51. A R D A IL L O N , Danielle e D E B E R T , G uita ,Q uando a vítim a ém ulher, B rasí­
lia, C onselho N acional dos D ireitos da Mulher, 1987. Cf. tam bém o traba­
lho coordenado por Sérgio Carrara - Violência contra a m ulher no R io de
Janeiro, N úcleo dc Pesquisas do IS E R , 1996.
52. Cum pre notar que não existem pesquisas que abordem as representações
m asculinas sobre esse fenômeno.
212 M a r ia L u iz a H k h .b o r n h B u .a S orj

tema se preocupam em desnaturalizar a violência dom éstica, o co r­


rendo um gradativo afastam ento das form ulações acadêm icas das
m ilitantes no sentido de salientar a não universalidade de um a
experiência fem inina diante das agressões m asculinas.53 M achado
e M agalhães54, por exem plo, assinalam a existência de uma nova
perspectiva na literatura que abandona a polarização entre víti­
mas fem ininas e algozes masculinos para a form ulação de “ ca­
sais violentos”.
Finalm ente um terceiro núcleo de trabalhos en foca as agên­
cias que atuam nesse cam po, seja as organizações não governa­
mentais — os já extintos SO S V iolência — ou as delegacias de
polícia e equipam entos sociais pertinentes com o os abrigos.55
Um bom exem plo, que se insere nos dois subgrupos m enciona­
dos, é a reflexão em preendida por M aria Filom éna G reg ori56, que
se debruçou sobre as então nascentes organizações de apoio às

53. G R O S S I, Myriam Pilar, Représentations de ta violence: discours sur ta violence


contre les femmes cw Rio Gronde do S n l D outorado, Université de Paris V, 1988.
Ver ainda “ Vítim as ou cúmplices? D o s diferentes cam inhos da produção
acadêm ica sobre violência contra a m ulher no B rasil” , X V E n co n tro Anual
da A N P O C S, Caxam bu - M G , ou t./ 1991; “Novas/velhas volências contra
a mulher no Brasil.” , Revista Estudos Feministas, n. especial, R io de jan eiro ,
C IE C / E C O / U F R J, 1994; “Lutas fem inistas, violência conjugal e novas
violências contra as m ulheres no Brasil” , P P G A S/ U F SC . Sem inário vio­
lência contra a mulher, São Paulo, 30 e 31 de m aio, 1994, todos de G R O S S I,
M. P. D estaca-se na direção apontada o trabalho de F O N S E C A , Claudia.
“La violence et la rumeur: le code d ’honneur dans un bidonville brésilien” ,
Les Temps Modernes, n. 4 55, 1984, pp. 2 1 9 3 , 2235.
54. M A C H A D O , Lia e M A G A L H Ã E S, Maria Teresa, Violência conjugal: os
espelhos e as marcas, Série Antropológica, n. 2 40, Brasilia, U N b, 1998.
55. G R E G O R I, M aria Filom éna. “ Cenas e queixas: m ulheres e relações vio­
lentas”, Novos Estudos C E BR A P, n. 23, São Paulo, m arço, 1989, pp. 163-75.
P O N T E S , H eloisa, A fam ília, a violência e feminismo. São Paulo, 1983, mimeo.
(Com unicação apresentada ao 7. E nco ntro Anual da A N P O C S, Aguas de
São Pedro.]
56. G R E G O R I, Maria Filom éna, Cenas e queixas. Um estmlo sobre mulheres, relações
violentas e a prática feminista, São Paulo, Paz e T erra/ A N PO C S, 1993.
I iS T U D O S D K G K N K R O NO BR A S Il . 213

vítimas da violência conjugal. A autora explode os limites do


objeto em pírico - o atendim ento proposto pelos S O S - V io lên ­
cia - e p ropõe uma interpretação que reverte as expectativas do
diálogo am eno com as crenças arraigadas d o fem inism o: a condi­
ção de vítima das mulheres. N esse sentido seu trabalho é indicativo
do m odo com o as acadêmicas “ fem inistas” buscaram no âm bito
dos estudos de gênero encontrar a legitimidade dos o b jeto s e das
perspectivas de análise com prom issadas com a do gênero com o
vetor de organização social, sem , no entanto, perderem de vista
que o seu com p rom isso m aior era co m o fazer ciência social.
O p on to crucial a ser enfatizado é que cou be a esses estu­
dos dem onstrar a existência de uma modalidade específica de
violência, aquela que se origina no m odo co m o se arm am as
relações entre hom ens e mulheres no âm bito dom éstico e fam i­
liar. As mulheres, quando alvo de agressões, o são por parte de
hom ens (parentes ou afins) que integram o seu grupo dom ésti­
co/ familiar: maridos, ex-com panheiros, pais e padrastos e na­
m orados. As estatísticas de vitim ização fem inina57 são con tun ­
d entes n o sentido de assinalar de que m o d o a estru tu ra da
conjugalidade em particular, e a da fam ília em geral, no que
implicam uma ordenação de gênero, abriga uma virtualidade de
violência (sim bólica ou física). As relações de gênero fornecem a
moldura que dispõe hom ens e m ulheres em certas posições es­
truturais, a despeito deles m esm os (Bou rd ieu,1990), que enseja
essa modalidade específica de dom inação. H eleieth Saffioti p ro ­
põe a expressão “violência de gênero” e parece concordar com a

57. As estatísticas assinalam que, no Rio de Janeiro, nos casos de agressão notifi­
cados em quatro delegacias especializada de atendim ento à mulher, 73,8%
dos delitos foram perpetrados por maridos c com panheiros; 3,8% por ex-
maridos e ex-com panheiros; 9 ,4 % por parentes; 4 ,8% por vizinhos/as; e
5,8% por estranhos. Tabela 17 - grau de afinidade vítima-agressor, p. 82, em
SO A R E S, Luiz Eduardo et. a i, “Violência contra a mulher: as D E A M s e os
pactos dom ésticos”, cm SO A R E S, Luis Eduardo (org.), Violência e Política no
Rio cie Janeiro, Rio de Janeiro, ISER /Relum e Dum ará, 1996, p. 65-105.
214 M a r ia L u iz a H i í i i .b o r n k B i i .a S orj

perspectiva presente no trabalho de N icole-Claude M athieu58 de


que as relações sociais de sexo sem pre apontam para um hori­
zonte de coerção física no m odo com o se estruturam . A literatu­
ra indica que a irrupção da violência física, em alguns casos,
contribui para a restauração de papéis de gênero, o que é alm eja­
do do ponto de vista das mulheres (G regori, 1994), podendo se
explicar sociologicam ente porque os sujeitos fem ininos podem
administrar a violência por longos períodos e utilizar determ ina­
dos m ecanism os com o a denom inada retirada da queixa para
alcançarem a reorganização do vínculo conjugal (Brandão, 1 9 9 7 ).59
N ovas leituras e tendências com eçam a aparecer nessa te­
mática: a investigação sobre os agravos à saúde produzidos pela
experiência da violência dom éstica, assim com o pesquisas que
inquirem sobre a cham ada violência institucional, em particular a
que se faz presente no sistem a de saúde; tais pesquisas visam
introduzir um olhar que resgate as diferenças de atendim ento
segundo o sexo da clientela e as ideologias de gênero que m od e­
lam a relação m édico-paciente.60

Est u d o s sobre Sex u a lid a d e

J á havíamos m encionado no co m eço desse artigo de que


m aneira a antropologia pela sua própria história havia sem pre se
interessado pelos temas que o olhar fem inista teria vindo desper­
tar dentro da academia. C ertam ente este é o caso dos estudos

58. S A F F IO T T I, H eleieth I. B. e A L M E ID A , Suely Souza, Violência de gênero:


poder e impotência, R io de Janeiro, Revinter, 1995; M A T H IE U , N icole-Claude,
“ Quand céder n’est pas consen tir” , em ______ (éd.), Uarraisonement des
femmes; essais en anthropologie des sexes. Paris, E c o le des Hautes Études en
Scien ces Sociales, Cahiers de l’hom m e, n. s. X X IV , p. 169-245, 1985.
59. B R A N D Ã O , E ., Op. cil.
60. Ver G IF F IN , Karen. Violência de gênero, sexualidade e saúde, 1994. (mimeo.)
l i S T u n o s oi- G k n k r o n o B ra sii. 215

sobre família, área tradicional dentro da disciplina. Parece-nos


que a grande contribuição tributável à perspectiva do gênero está
ao avaliar o im pacto que as transform ações associadas à dissem i­
nação da ideologia feminista tiveram sobre a instituição família.
O fem inism o aparece com o um desdobram ento da ideologia igua-
litária-individualisla61, associado a um com plexo conjunto de trans­
form ações nos costum es que ocorreu a partir da década de 60.
N o caso brasileiro, tem -se assinalado, de um lado, que essa m o ­
dernização teve co m o palco privilegiado as camadas médias e
superiores da sociedade, e, de outro lado, sustenta-se que tais
mudanças não foram exclusivas desses segm entos, m anifestando-
se sua dissem inação tam bém nos setores populares62, onde supu­
nha-se prevalecer m odelos de organização familiar mais tradicio­
nais. A avaliação desse gradiente m oderno-tradicional tem inspi­
rado fortem en te o debate nessa área, visto que seu lugar mais
evidente seria a alteração do papel fem inino dentro da instituição
familiar. É o abalo da divisão nítida entre as esferas do m asculi­
no e do fem inino, associadas à entrada expressiva da mulher no
m ercado de trabalho, à redução do tam anho da família (queda
vertiginosa da taxa de fecundidade), que uma vasta literatura
busca descrever e analisar.63

61. F R A N C H E T T O , Bruna et. a i “Antropologia o fem inism o”, Perspectivas A n ­


tropológicas, n. 1. Rio de janeiro, Zahar, 1981. A R D A IL L O N , D anielle e
C A L D E IR A , Teresa, “M ulher: indivíduo e família”, Estudos C E BR A P, vol.
2. n. 4, 1984, pp. 2-10.
62. Cf. V A IT SM A N , Jcni. “ Pluralidade de m undos entre mulheres urbanas de
baixa renda” , Estudos Feministas, vol. 5, n. 2, 1997.
63. SA L E M , Tania. Sobre o casa! grávido: incursão em um universo ético, Tese de
doutorado, Rio de Janeiro, U F R J/ P P G A S/M N, 1987. V A IT SM A N , Jeni,
Flexíveis e plurais — identidade, casam ento e família em circunstâncias pós-
m odernas, R io de Janeiro, R O C C O , 1994. D A U S T E R , Tania, Nome da fam í­
lia: maternidade fo ra do casamento e o princípio de filiação patrilinear, T ese de
doutorado, M N / P P G A S / U F R J, 1995; H E IL B O R N , Maria Luiza, Dois é
p ar: conjugalidade, gênero, identidade sexual. T ese de doutorado, P PG A S/M N /
U F R J, 1992.
216 M a r ia L u iz a H k i i .b o r n h B i i .a Sorj

N a vertente de estudos sobre família e gênero nos setores


populares, a proposição da m atrifocalidade estrutural dividiu o p i­
niões diante da clássica definição da prevalência da organização
familiar de tipo patriarcal.64 E stam os diante de um aparente dile­
ma: a m atrifocalidade, estampada na proliferação do fen ôm eno
“ mulheres chefes de fam ília”, falaria de princípios ideológicos
subordinados ou secundários e “a relativa ‘autonom ia’ da m ulher
seria expressiva de uma instrum entalidade pragmática de sua fun­
ção biológica e social, do que propriam ente locus fortem en te
valorado em relação a outras categorias de parentesco (...)” (Aragão,
1983: 135).65 É a partir deste quadro interpretativo que Parry
S c o tt (1990) realiza sua pesquisa sobre as percepções masculinas
relativas ao espaço dom éstico. O autor define as relações de gê­
nero co m o ordenadas pela m esm a lógica de todas as relações
sociais: o poder, supondo que ao hom em estaria destinada uma
cond ição de “patriarca potencial” (1990: 40), posição que, entre­
tanto, não lhe é possível alcançar devido à im possibilidade de
preencher o papel de provedor. A análise do desenvolvim ento do
ciclo d om éstico perm ite salientar essa flexibilização d o s valores

64. A R A G Â O , Luiz Tarlei, “E m nom e dfl m ãe” , em Perspectivas antropológicas da


mulher, 3, R io de Jan eiro , Zahar, 1983, pp. 1 09-45; S A R T I, Cynthia “A
família patriarcal entre os pobres urbanos”, Cadernos tie Pesquisa, n. 82, São
Paulo, ago. 1992, p. 3 7 -4 1 ; S A L E M , Tania, “M ulheres faveladas: com a
venda nos olh os” , em P R A N C H E T T O , B. e H E 1 L B O R N , M. L. (orgs.),
Perspectivas antropológicas da mulher; /, R io de Janeiro, Zahar, 1981, pp- 4 9 -9 9 ;
S C O T T , R. Parry, “O H om em na m atrifocalidade: gênero, percepção e
experiências do dom ínio dom éstico” , Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 73,
1990, pp. 3 8 -4 7 , S A R T I, Cynthia, A fam ília como espelho: um estudo sobre a
m oral dos pobres, Cam pinas, Autores Associados, 1996.
65. S M IT H , Raymond, The Negrofam ily in British Guiana, Londres, RoutJedge &
K egan Paul, 1956, forjou o ter m o m atrifocalidade nos anos 50 para o
estudo da organização familiar no Caribe. Lá com o aqui, em certo s seg­
m entos sociais observa-se que os casam entos ou parcerias sexuais são
instáveis; a ênfase ideológica e norm ativa não está colocada na família
nuclear, mas na relação m ãe-prolc.
I iS T U D O S D l i GfCNIiRO KC) B k ASII. 217

em term os da im posição (dura) da realidade prática, ainda que,


em term os ideais, o “ herói da casa seja o hom em ” (fala de entre­
vistado citada por S cott, 1990: 45). Tania Salem (19 8 1 )66 d escre­
ve a situação social de mulheres chefes-de-fam ília. Apesar de
serem responsáveis quase que integrais pela m anutenção dos fi­
lhos, não valorizam a im portância de sua posição no grupo d o ­
mestico. O valor masculino está, entretanto, sempre presente apesar
da ausência física do hom em . A constância dessa não-presença
ressalta não apenas a transitoriedade do hom em , a não-valoriza-
ção da paternidade, mas, sobretudo, passando dos efeitos à ori­
gem , a quase im possibilidade de realização dc um ideal identitário.
N o entanto, articula-se uma tal investidura simbólica — de um
papel basilar ancorado na representação de provedor do lar e dc
articulador do dom éstico com o público — que ela é transferida
para um filho varão.
O debate assinala a perm anência dc um m odelo familiar nas
camadas trabalhadoras urbanas em que a figura masculina detém
a posição de articulador com o mundo extra-dom éstico. A proli­
feração dc famílias chefiadas por mulheres não aponta para mu­
danças significativas no nível representacional.
N o que toca ao universo das camadas m édias, a discussão
sobre individualismo torna-se mais nítida.67 O s aspectos tratados
desfilam entre a “carreira solo no tocante à procriação” (Dauster,
1990) ao papel que a profissão ocupa na nova definição de gêne­
ro. A análise aponta na direção do con trapon to entre o discurso
liberal, individualizante, e uma série de inconsistências e ambiva-

66. S A L E M , T a n ia , “ M u lh eres faveladas: co m a venda n o s o lh o s ” , em


F R A N C H E T T O et a i (orgs.), Perspectivas antropológicas da Mulher, n. 1, R io
de Janeiro, 1981, pp. 49-99.
67. A R D A IL L O N , Danielle, O cotidiano de mulheres profissionais: o engodo do
individualismo, São Paulo, 1989. D issertação de m estrado Ciência Política/
U SP ; R O C H A , Ana Luiz.a C., A dialética do estranhamento: a reconstrução social
de mulheres separadas em Porto Alegre, M estrado, U F R G S , 1985.
218 M a r ia L u i /. a I-I h i i .h o k n k B i i .a S orj

lências relativas à almejada autonom ização fem inina (Salem, 1987;


Lins c B arros, 1987).68
Q uanto à seara dos trabalhos versando sobre sexualidade, é
necessário indicar que eles com eçaram a desenvolver-se de m odo
paralelo aos estudos de gênero, dentro da rubrica de “co m p orta­
m ento desviante” e “desvio social”, que integravam tradicional­
m ente o elenco de questões sobre o qual a sociologia e a antro­
pologia urbana se interessavam. Assim, estudos sobre prostitui­
ção feminina69 (e depois a masculina) e hom ossexualidade70 c o ­
m eçaram a surgir. N a verdade, tratavam da problem ática das rela­
çõ es de gênero sem que pudessem ser definidos com o integran­
tes exclusivos dessa área. O s trabalhos so b re hom ossexualidade,
em particular, contribuíram para uma m elhor distinção entre o

68. D A U S T E R , Tania, “ Filho na barriga é o rei na barriga: m itos de poder,


d estin o e p ro jeto nas relações entre os g êneros nas cam adas m édias urba­
nas” , R e vista de Cultura Vosçes, P etrópolis, vol. 84, n. 2, 1 9 9 0 ; S A L E M ,
T ania, “ So b re o casal grávido: um a incursão em um universo é tic o ” . Tese
de doutoram ento. P P G A S/ M N / U F R J, c L IN S e B A R R O S , M yriam , A u ­
toridade e afeto, R io de Jan eiro , Jo rg e Z ah ar E d ito r, 1987.
69. Sobre prostituição feminina: G A SP A R , Maria D ulce, Garotas de programa,
R io de Janeiro, Jo rg e Z ahar E ditor, 1985; M A Z Z A R IO L , Regina Maria,
M al necessário: ensaio sobre o confinamento cla prostituição na cidade de Campinas,
M estrado U N IC A M P, 1977; F R E IT A S , R enan, Bordel, bordéis: negociando iden­
tidades, D issertação de m estrado (sociologia), IU P E R J, 1983; F O N S E C A ,
Cláudia, “A dupla carreira da mulher prostituta” , Revista Estudos Feministas,
vol. 4 , n. 1/ 1996, pp. 7-34.
70. G U IM A R Ã E S, Carmen D ora, O homossexual visto por entendidos. Dissertação de
mestrado, PPG A S/M N /U FRJ, 1977; FRY, Peter, “D a Hierarquia à igualda­
de” , em Para inglês ver: identidade política na cultura brasileira, Rio de Janeiro, Edito­
ra Zahar, 1982; P E R L O N G l I E R , Nestor, O negócio do michê, São Paulo, Brasi-
liense, 1984; P A R K E R , Richard. Corpos, properes epaixões: a cultura sexual no Brasil
contemporâneo, São Paulo, Best-Seller, 1991; P O R T IN A R I, Denise, Discurso da
homossexualidade feminina, São Paulo, Brasiliense, 1989, e M U N IZ, Jacqueline,
Mulher com mulher dá jacaré: uma abordagem antropológica da homossexualidade feminina,
Dissertação de mestrado, PPG A S/M N /U FRJ, 1989. CA RVALH O, Tamara,
Caminhos do desejo: uma abordagem antropológica das relações homoeróticas femininas em
Belo Horizonte, Dissertação de mestrado, UNICAMP, 1995.
Ii S T U D O S D li G í i N K R O N O BR A S II. 219

plano da elaboração da identidade de gênero e o da orientação


sexual. E justam ente nessa dim ensão que se pôde desenglobar a
sexu alid ad e da p e rfo rm a n c e de g ên ero , a ssin alan d o a não
univocidade entre estas duas esferas (Rubin, 1984).71
Há uma discussão alentada sobre esse tema, que entrem eia
tanto a literatura internacional quanto a brasileira. E Ja diz respei­
to ao m od o de se operacionalizar as estratégias de recorte sobre
o que denom inam os sexual e sexualidade considerando-se a tra­
jetória particular do ocidente nessa área, tão bem argumentada
por M ichel Fou cau lt (1977).72 Na m odernidade ocidental ocorreu
uma dissociação de diversas esferas do mundo social, prom oven­
do uma com partim entação do sexual. E s te desenglobou-se da
esfera conjugal e familiar mais ampla, instituindo-se a sexualida­
de co m o dom ínio portador de sentido em si mesm o. Parte do
debate que marca a literatura antropológica nacional exprim e-se
na op osição entre duas perspectivas interpretativas— a sexualida­
de autonom izada seria apanágio de determ inados grupos sociais
(D uarte, 1986)7Í ou seria uma condição generalizada das socieda­
des (pós-) m odernas (Giddcns, 1993).7,1
A com paração entre a hom ossexualidade masculina c a fe­
minina (H eilborn, 1992) reveste-se de especial interesse para ilu­

71. R U B IN , G ayle, “Thinking sex: notes for a radical theory o f th c polities o f


sexuality” , em Vance, C. S. (org.), Pleasnre and danger: cxp/oringfewale sexuality,
B oston , Routledge and K cgan Paul, 1984.
72. H E IL B O R N , Maria Luiza, Dois é Par: Conjuga/idade, gênero e identidade sexual,
T ese de D outorado, Rio de Janeiro, P P G A S/ M N / U F R J, 1992; V A N C E ,
Carole. “Social C onstruction T h eo ry and Sexuality” , em B E R G E R , M aurice
et a l Conslrnciing Mascuiinity, L ond on and N ew Y ork, Routledge F O U C A U L T ,
M ichel, História da sexualidade: a vontade de saber, R io de Janeiro, G raal, 1977.
73. D U A R T E , Luiz Fernando D ias, “ Pouca vergonha, muita vergonha: sexo e
moralidade entre classes trabalhadoras urbanas” , em L O P E S , Jo sé Sérgio
L eite (org.), Cultura e identidade operária: aspectos da cultura das classes
trabalhadoras, R io de Janeiro, U F R J/ M arco Z ero, 19 8 7 , pp. 2 03-226.
74. G ID D E N S , Anthony, A transformação da intimidade, São Paulo, U N E SP , 1993.
220 M a r ia L u iz a H i u i .b o r n k B i i .a S orj

m inar que se sexualidade e gênero são dim ensões relativamente


autônom as, elas apresentam pontos c\e interconexão que decerto
variam coming-out, de outro lado, as form as de gestão da vida
sexual e am orosa indicam a influência do gênero na estruturação
dessas práticas: seja na diferença entre as form as de sociabilida­
de, de estruturação das redes de parceiros (sexo anônim o ou não)
ou a prevalência do m odelo da conjugalidade para os pares de
m ulheres e a sua pouca representatividade para os hom ens gays.
A em ergência da epidemia H IV / A ID S e a necessidade de
com preensão da sua articulação com o dom ínio da sexualidade
para a form ulação de políticas de saúde trouxeram um fluxo
expressivo de recursos para o financiam ento das pesquisas nessa
área. N ota-se tam bém que, mais recentem ente, ocorreu a in tro ­
dução da perspectiva de gênero nessas investigações, em parte
decorrência do fen ôm en o da chamada fem inilização do perfil
epidem iológico da A ID S 75 e tam bém da atenção suscitada pelos
aspectos relativos à reprodução.76

7 5 . G U IM A R Ã E S , Carm en D ora, “ Mas eu co n h eço ele: um m étodo de pre­


venção do H IV / A ID S ”, em G A L V Ã O , J.; P A R K E R , R. (orgs .), Quebrando o
silêncio-, mulheres e A ID S no Brasil, Coleção História Social da A ID S , vol. 7,
R io de Jan eiro , A B IA / IM S -U E R J/ R elu m e D um ará, 1996, pp. 1 6 9 -1 7 9 ;
K N A U T H , D aniela R ., A ID S , reprodução e sexualidade: uma abordagem antropo­
lógica, P orto Alegre, U F R S , 1995; L O Y O L A , M. “A. A ID S e prevenção da
A ID S no R io de Jan eiro” , em L O Y O L A , M. A. (org.), A ID S e sexualidade: o
ponto de vista das ciências humanas, Rio de Janeiro, Relum e D u m ará/ U E R J,
1 994, pp. 19-72; M A R T IN , D en ise, Mulheres e A ID S : uma abordagem antropo­
lógica, D issertação de m estrado defendida no D epartam ento de A ntropolo­
gia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, 1994.
76. L E A L , Ondina Fachei (org.), Corpo e significado: ensaios de antropologia estrutu­
ral, P orto Alegre, E d ito ra da Universidade Federal do Rio G rande do Sul,
1995.
HS T U D O S D l i G K N K R O N O B R Á S ! !. 221

C o nclusõ es

B uscam os inventariar nesse trabalho quais foram as reper­


cussões da trajetória dos estudos de gênero no país para o co n h e­
cim ento sociológico no país. Procuram os destacar as peculiarida­
des da institucionalização de uma área de estudos que mantém
uma forte afinidade com problem as form ulados pelo cam po p o ­
lítico. E n tre as estratégias de legitimação acionadas pelas pesqui­
sadoras envolvidas nesse tema encontram -se a substituição do
recorte em pírico mulher para o con ceito de gênero e tam bém a
recusa de auto-exclusão do establishmentacadêmico. Evidentem ente
seria ingênuo supor que esta postura teria garantido autom atica­
m ente o reconhecim ento e a respeitabilidade por parte dos d e­
mais atores que definem o cam po intelectual. Mas certam ente
este é um dos traços característicos da institucionalização dessa
área tem ática no Brasil. E tam bém evidente que para ganhar
posição no cam po acadêm ico é necessário dem onstrar o valor
cognitivo da reflexão empreendida. Procuram os m ostrar então
através de alguns exem plos, onde tal contribuição pôde m elhor
se destacar no sentido de refinar a com preensão da vida social.
Estu d o s de G ên ero no B r a s il
( c o m e n t á r io c r ít ic o ) 1

Ma riu Filomena Grego ri

“Kstudos de gênero no B rasil” representa mais do que uma


síntese de encom enda dc vinte anos da investigação c tia reflexão
em preendidas peíos estudiosos dedicados à problem ática da mu­
lher. Constitui um esfo rço de análise e um balanço inteligente,
im prescindíveis para dar m aior visibilidade e consolidação à área
de gênero, uma das mais inovadoras e im portantes das ciências
s o c ia is c o n t e m p o râ n e as.
Além de ser de agradável leitura, este texto o ferece a op or­
tunidade clc nos atualizarmos sobre o s novos desdobram entos do
con ceito de gênero, de co n h ecerm os as novas tem áticas abertas
ao cam po e de avaliarmos co m o os tem as já tradicionais trazem
desenvolvim entos alternativos. Sobretu do, estimula a pensar as
co n exõ es entre a natureza desses estudos e uma peculiar form a

1. E ste co m en tário foi elaborado para a d iscussão da prim eira versão do


texto cie M aria Luiz a H eilborn e B iia S o rj, reaii'/.ada no dia 18 de novem ­
bro de 1998. M uito do que esteve cm d ebate foi incorporado pelas auto­
ras n o texto finai, cie m odo que m antive nestas notas apenas algumas
pond erações gerais.
224 M a r ia F i i .o m k n a G rh gori

de institucionalização desta área no país. C onexões certam ente


particulares se comparadas com outras áreas de investigação, dada
sua articulação cap ilar com os m ovim en tos fem inistas. E ssa
capilaridade, antes de representar — co m o às vezes está im plícito
em ponderações positivistas — o desenvolvim ento de n oções que
serviriam para sofisticar uma ideologia, tem potencial crítico: os
estudos de gênero têm dem onstrado que posições políticas, éti­
cas e morais podem estim ular um diálogo profundam ente rico
co m as no çõ es arraigadas na vida social e, tam bém , com aquelas
elaboradas pela produção acadêmica.
A o apontar as tendências e perspectivas dos estudos de gê­
nero, Bila S o rj e Maria Luiza H cilborn buscaram um recorte que
organizasse a reflexão em m eio à característica diversidade e
descontinuidade dos estudos nesse período. A tarefa certam ente
não foi fácil e exigiu uma dose considerável de coragem em
enfrentar críticas num cam po que, por sua peculiaridade, é tam ­
bém um cam po de tomada de posições políticas. Cham am a aten­
ção, em particular, os insights sobre a institucionalização da área
nas ciências sociais.
A tarefa que m e cabe não é certam ente a de argüir. G ostaria
que as im pressões ou ponderações que se seguem fossem antes
tom adas co m o sugestões para balanços futuros, sob duas pers­
pectivas: com o leitora com afinidade e alguma proxim idade co m
esses estudos, fiquei instigada a aprofundar algumas das con sid e­
rações elaboradas, ao passo que fiz tam bém o esforço de ler o
texto com o se fosse uma leitora de fora da área, de m od o a
tornar mais acessíveis àqueles que têm pouco co n tato com esta
problem ática alguns dos pontos apresentados.

* * *

E m vez de desenvolver o texto sobre as relações entre os


conceitos de classe, gênero e etnia — com o proposto no título do
Ií s t u d o s dk G knkro no B r a s ii. (C o m k n t á r io C r ít ic o ) 225

p ro jeto geral e divulgado no prospecto da A n pocs —, as autoras


circunscreveram seu foco de observação aos estudos d e gênero e
sua interface co m tem áticas com o trabalho, violência, família e
sexualidade, o que constitui um a opção com preensível. A inda que
o conceito de classe tenha sido im p o rtan te nos prim eiros estudos
sociológicos so b re o trabalho fem inino no início da década de 70,
os quais tentaram articular a teoria m arxista e a variável m ulher
(destacando-se o estudo da professora H eleieth Saffioti), não há
dúvida de que o rendim ento do conceito m arxista de classe é baixo
cm se tratan d o da perspectiva de gênero. Km outros term os: as
teorias de inspiração fem inista que vieram a form ular ou consagrar
o g ênero co m o categoria analítica problem atizaram a validade ou
centralidadc d o conceito de classe na produção de conhecim ento
so b re a vida social c as relações dc poder.
H m bora essa pon deração pudesse ser mais bem esclarecida
n o texto — de fo rm a a qualificar m elh o r os interlocutores c o
diálogo teórico com o m arxism o na década de 70 - , esta seria um a
tarefa que, sem dúvida, limitaria o p ro p ó sito das autoras, que c o n ­
sistiu em to m ar co m o recorte de avaliação justam ente a transição de
um a perspectiva de investigação que visava preencher as lacunas
d o conhecim ento so b re a situação das m ulheres nas várias esferas
da vida social (p. 4), e que, nesse sentido, tom ava a variável m ulher
com o reco rte em pírico (os cham ados “ estudos sobre m ulher”),
para um a abordagem que com eça a desenhar gênero com o concei­
to, a p artir da década de 80. Essa tom ada de posição — enfrentar
essa passagem — foi m uito pouco enfatizada ou tratada nos levan­
tam entos sobre m ulher em vários cam pos tem áticos (como, p o r
exem plo, nos vários levantam entos publicados no BIB). N esse sen­
tido, a opção tem m érito e é inovadora. Creio, apenas, que poderia
ser estratégica a m enção mais explícita sobre o uso e o sentido
problem áticos do conceito de classe nos estudos de gênero.
O co n ceito de etnia, p o r sua vez, não foi contem plado. E
e n te n d o que n ào o foi pelo fato de que no Brasil —d ife re n tem en ­
226 M a r i a F u .o m k n a G rkgori

te d o s E sta d o s U nidos, p o r exem plo - os estudos de g ên e ro têm


in co rp o rad o , e apenas m uito recentem ente, não a perspectiva ét­
nica p ro p ria m e n te dita, m as a racial2. M uito e m b o ra tenham p ro ­
liferado, n o s ú ltim os cinco anos, estu d o s que ten ta m ab o rd ar
d iferen tes prob lem áticas sobre as m ulheres negras, p rin cipalm en­
te nos cam p o s d o trab alh o e da violência, eles ainda n ão e n fre n ­
taram a d iscussão teórica so b re a articulação possível en tre os
con ceito s de g ên ero e raça, que em si, c o m o sabem os, já rep re ­
senta desafio. D esta fo rm a, trata-se de pesquisas que pro cu ram
investigar a variável em pírica m ulheres negras nas diversas esfe­
ras sociais, m as que ainda não fizeram a transição para a discus­
são so b re categorias analíticas — p o n to , co m o já disse, estratégico
d o balanço.
E sclarecida essa dim ensão d o reco rte, passem os a o u tro
p o n to . Já m encionei a im p o rtân cia da prim eira p arte do texto,
que objetiva fo rm u lar hipóteses sobre a institucionalização dos
estu d o s de g ên ero n o Brasil. P o r que essa dim ensão é im p o rta n ­
te? Além da relevância de descrever a fo rm ação de um cam po de
e stu d o s e estu d io so s e suas im plicações no desenvolvim ento de
con ceito s e escolhas tem áticas, no caso da área de g ê n ero é preci­
so realçar a sua capilaridade co m o desenvolvim ento do fem inis­
m o co m o m o v im en to social. Se há essa particularidade, ela preci­
sa ser exam inada, e foi justam ente a isso que as autoras se p ro p u ­
seram , to m a n d o c o m o referência co m p arativ a a relação en tre
m o v im en to e academ ia aqui e nos E sta d o s Unidos. C om p arad o
aos fem inism os norte-am ericanos, os m ovim entos no Brasil n u n ­
ca tiveram a m esm a inspiração radical. Tiveram orientação mais
“ m o d erad a” , o u seja, mais articulada aos discursos e in te rv e n ­
ções da esquerda. E significativa, nesse sentido, a relação ainda
n ã o in teiram en te resolvida entre m o v im en to s de m ulheres e m o ­

2. Ilustrativo, nesse sentido, o g ru p o “G ê n ero e raça” reunido no E n co n tro


da A N PO C S de 1992.
IiS T u n o s oi; G íín k r o n o B r a s ii. (C o m k n t â r io C r ít ic o ) 227

v im en to s dc consciência fem inista. Q uais os efeitos desse fato


so b re a institucionalização da área de estudos? N esse p o n to , o
tex to traz um d ad o im plícito: da m esm a fo rm a que o fem inism o
aqui e n tro u n o cenário político sem e n fren tar radicalm ente as
esquerdas, os estu d o s de g ênero foram in co rp o rad o s pelo âm bito
acadêm ico em m eio a um exercício m en o s tum u ltu ad o e, de certa
fo rm a, despolitizado. C o m o afirm am as autoras, aqui as fem inis­
tas acadêm icas n ão desenvolveram estratégias dc cn fre n tam en to
dian te das organ izaçõ es científicas, o que de certa form a facilitou
sua incorporação, m as esse procedim ento resultou, p o r o u tra parte,
num a espécie de apaziguam ento d o seu potencial crítico, tanto
em relação a não se criticar divisões disciplinares, deferências
acadêm icas e hierarquias, q u a n to ao potencial crítico vigoroso
q ue a teoria fem inista tem d em o n stra d o fora d o Brasil em rela­
ção aos fu n d am en to s científicos e teorias consagradas. C) argu­
m en to é fo rte e, sem dúvida, verossím il. A penas in co m o d a um
c e rto p re ssu p o sto im plícito que supõe o criticism o ou radicalidade
am ericanos c o m o m o delo de explicação, sem fazer um exam e
m ais d etalh ad o das particularidades da relação que aqui se esta­
beleceu e se estabelece en tre a m ilitância c a área de e stu d o e
estudiosos.
H eloísa P ontes, em um interessan te artigo intitulado “ Pai­
xão e com paixão: m ilitância e objetividade na pesquisa a n tro p o ­
lógica”3, co n ta um p o u co das vicissitudes en fren tad as na ex p e­
riência dc ter sido “ d u blê” de m ilitante e pesquisadora, relato
co m o qual m e identifico inteiram ente. E ssa relação levou, em
m uitos casos, a um a situação de lim inaridade, em v irtu d e dc pelo
m en o s duas resistências. D e um lado, um a certa concepção, m u i­
to em voga n o s g ru p o s fem inistas da década de 80, de que q u al­
q u er apro p riação individual de co n h ecim en to é indevida, pois se
acreditava que o co n h ecim en to deve ser gestado na prática cole-

3. Revista de Antropologia, vol. 36, 1994, pp. 123-135.


228 M a r i a F i i .o m k n a G rkgori

tiva e au tô n o m a. Tal concepção fez de nosso reco n h ecim en to


pelo g ru p o um reco n h ecim en to pela m etade: lá éram os tom adas
e tra ta d a s c o m o “ as a c a d ê m ic a s” , c o m to d a a d is tâ n c ia e
c o m e d im e n to que esse rótulo implica. A o u tra resistência vinha
da academ ia, cujas concep çõ es mais objetivistas do co n h ecim en ­
to sem p re afirm aram o risco de que a identificação com o o b jeto
nos tran sfo rm asse em “ pesquisadoras pela m etad e” , e que o pa­
pel d o intelectual estaria sendo reduzido a instru m en talizar tran s­
fo rm açõ es sociais c, q u a n d o -m uito, a organizar ou divulgar teori­
as n a tiv a s. N ã o e s to u e n tre a q u e le s q u e a c re d ita m q u e a
capilaridade en tre o m o vim ento e pesquisa to rn e vulneráveis ou
m e n o s científicos o s estudos dessa área. M as essa capilaridade já
p ro d u ziu criticas no cam po acadêm ico, ainda naquela década,
co m o a de q ue o s e stu d o s da área estariam p o r dem ais im pregna­
dos pelas m arcas ideológicas do m ovim ento, ou sobre o risco de
se tra n sfo rm a r a o bservação p articipante (in stru m en to da pesq u i­
sa qualitativa) em participação o b se rv a n te 4 — críticas que, a m eu
ver, deveriam ser agora enfrentadas, nom eadas e debatidas.
E ssa dupla resistência levou as estudiosas do cam po a um a
situação de lim inaridade, e explica, em p arte, a in c o rp o ra ção m o ­
derada dessa área de estudos pelas ciências sociais: sem a aliança
d o m o v im en to e sem o total rec o n h e cim en to pela academ ia.
C o lo car esse p ro b lem a parece in teressante para qualificar
um a o u tra sen sação que tive ao 1er o texto. O balanço tom a
co m o foco (talvez de form a m uito rigorosa) os estudos p ro d u z i­
d o s p o r au to res p articipantes da área — do s g ru p o s de discussão,
dos núcleos o u ce n tro s de pesquisa —, não havendo preo cu p ação
em escru tin ar as contrib u içõ es que os estudos de g ên ero tiveram
e tê m para o u tro s estudos em outras áreas das ciências sociais.

4. S obre essa questão, consultar o artigo de E unice D u rh am “A pesquisa


antropológica com populações urbanas: problem as e perspectivas”, em C ar­
doso, Ru th (org.), A aventura antropológica, R io de Janeiro: Paz e T erra, 1986.
liS T U D O S o i ; G k n i -r o n o B r a s i i . ( C oiM i í n t á r i o C r í t i c o ) 229
D e fato, as autoras têm razão ao afirm ar que ainda hoje é lim ita­
da e desigual a in co rp o ração das perspectivas de gênero nas dis­
ciplinas. N a antropologia a in terlo cu ção é mais intensa — o que
seria relativo a certa afinidade en tre cam pos tem áticos há algu­
m a inco rp o ração pela sociologia (principalm ente a sociologia do
trabalho); e na ciência política a p enetração é quase nula. E las
m o stram essas lim itações e irregularidades, ap resen tan d o dados
so b re teses produzidas cm diferentes departam entos. E m b o ra esse
levantam ento tenha se restringido ao M useu N acio n al e ao lu p erj,
creio que, de m o d o geral, o a rg u m en to vale. E n tre ta n to , c o n sta ­
tar essa lim itação não é suficiente. Seria valioso buscar no s e stu ­
dos que não são de gênero stricto sens/i o im pacto de algum as
fo rm ulações da área. H á estudos (vou citar poucos, talvez os
m ais óbvios) que p ressu p õ em a im p o rtân cia de um a certa c o n ­
cepção de gênero, com o os de Teresa Caldeira, A lba Z alu ar e
Sonia A lvarez5, que en fren taram a problem ática e tentaram esta­
belecer diálogos. São ab ordagens que tangenciam a an tropologia
e a ciência política (esses trabalhos versam so b re os m o v im en to s
sociais, tem a im p o rtan te para a fo rm ação do cam po de investiga­
ções da cultura política) e que n ã o foram inco rp o rad as na análise.
T entei p en sar o m otivo disso e cheguei a um a hipótese: será que
o balan ço não pecou p o r excessiva endogam ia? E com o se aquela
lim inaridade im posta pelas duas resistências fosse sen d o tra n s­
fo rm ad a em fro n teira e, num a expressão m ais tola, em “ panela” .
Se os estudos têm baixo im pacto nas dem ais áreas d e co n h ec i­
m en to p o r um a desvalorização m eio difusa daquilo que se consi­
dera estu d o s de m ulher, é preciso trazer com o hipótese um p ro ­

5. Além do estudo de T eresa Caldeira de 1984 (citado no texto das autoras),


há o artigo “M ujeres, cotidianeidad y política” , cm jelin , Elizabeth (org.),
Cindeidciiiiei e ideutidad., G enebra: U nrisd, 1987; o livro de Alba Z aluar, Condo­
mínio do diabo, Rio de Janeiro: UFRJ, 1994; o livro organizado p o r Sonia
Alvarez, Evelina D agnino c A rturo E scobar, Ciillirres o f polities, polilics of
cultiires, C olorado: W estview Press, 1998.
230 M a r j a F jj . o m k n a G r h c o r j

vável isolam ento da p rópria área e um paralelism o em suas rela­


ções co m as ciências sociais como um todo. Talvez p o r isso eu
ten h a achado tão sin tom ática essa nao-in co rp o ração , no texto, de
estu d o s de g en te que não freqüenta sistem aticam ente os g ru p o s
de discussão m as que com eles dialoga.
Vale a in d agação so b re u m a o u tra hip ó tese: a de que a
a n tro p o lo g ia brasileira das últim as décadas é p ro d u to ra de rico
m aterial descritivo so b re a sociedade brasileira. Mais do que nos
e m p e n h a r na tarefa d e ‘bu scar os d esd o b ram en to s conceituais e
fazer crítica teórica, usam os conceitos com o m etáforas explicati­
vas de um a realidade a ser interp retad a. O p ró p rio m o d o de
c o n stru ir n o sso s o b jeto s e nossas in terp retaçõ es carece de um
esfo rço teó rico m ais consistente. P o d em o s até dizer que a força
d o n o sso c o n h e c im e n to está em p ro p o r novas fo rm as de o lhar
p ara a realidade, sem , n o entanto, discutir quais as im plicações
dessas novas fo rm as de o lh ar so b re o co n h e cim e n to p ro d u z id o e
c o m o tem sido p ro d u zid o . N ã o é o caso aqui de sofisticar essa
análise so b re as p articularidades da antropologia. C o n tu d o , q u e ­
ro salientar que e n te n d e r o im pacto diferencial que as teorias
fem inistas têm nos E sta d o s U nidos e no Brasil tem a ver tam bém
co m u m a particu laridade de cam pos da an tropologia brasileira,
sua tradição e seus d esenvolvim entos recentes.
U m a o u tra questão: fiquei m uito bem im p ressionada co m a
segunda p a rte d o texto, intitulada “ O co nceito de g ênero — em ­
bates teó rico s” . M as tive algum as dificuldades de e n ten d im en to ,
p rin cip alm en te com a p a rte referente ao debate sobre o g ên ero
na antro p o lo g ia. C o m o imaginei que essa discussão tinha sido
elaborada p o r M aria Luiza H eilb o rn , fui reler seu artigo “A n tro ­
p ologia e fem in ism o ” 6, o n d e p ro p õ e, em co n ju n to co m B runa
F ran ch eto e M aria L aura Cavalcanti, p e n sa r as conexões entre
an tro p o lo g ia e fem inism o, e o artigo publicado na revista Estudos

6. Perspectivas antropológicas cia Mulher '/, Rio d e Janeiro: Z ahar, 1981


IiS T U D O S D li G l i N l i R O N O IiR A SlI. (C o .M liN T Á R IO C R ÍT IC O ) 231
Feministas em 1993, in titulado “ G ê n ero e hierarquia - a costela de
A dão revisitada” . R econheci nesse segm ento um esfo rço de c o n ­
d en sar as discussões desenvolvidas n o s artigos m encionados. Mas
m u ito da elaboração que justifica a escolha de determ inadas te o ­
rias em d e trim e n to de outras e a discussão teórica co m aqueles
con ceito s se p erd eu nesse esfo rço de síntese.
C reio que o tex to deveria ser am pliado para to rn ar mais
claro a um leitor de fora da área qual é o sen tid o mais fu n d o
desses em b ates e, fu n d am en talm en te, qual a im p o rtân cia que esse
d eb ate tem nas discussões em p reen d id as pelos estu d o s de g ênero
n o Brasil, ta n to na perspectiva de um a reflexão teórica, com o em
que m edida o aco m p a n h a m en to ou a leitura desses em bates entre
as teóricas fem inistas têm influenciado os trabalhos em píricos, a
form ulação de novas áreas tem áticas para investigação etc. A cho
q ue a estratégia d o tipo “ breve p an o ram a” para ex p o r discussões
difíceis d o p o n to de vista conceituai não favorece o leitor. Senão
vejam os, e é só um exem plo.
Para o co n ju n to de cientistas sociais brasileiros, ainda é m uito
v ig o ro sa a n o ç ã o de q u e g ênero im plica a distin ção en tre os
atrib u to s culturais alocados a cada um dos sexos e a dim ensão
diferencial em te rm o s, digam os, biológicos do s seres hum anos.
P enso que in tro d u z ir os novos q u e stio n a m en to s e im plicações
dessa distin ção tratada ora c o m o um a polaridade, ora com o críti­
ca ao p ró p rio em p reg o d o co n ceito de gênero, necessitaria um
m aior cuidado na enunciação do trajeto da discussão, com o foi
feito n o artig o de 1981 e, tam bém , no de 1993. N o prim eiro,
d epois de se circu n screver os principais eixos de discussão das
teóricas d o fem inism o (Sim one de B eauvoir, Shulam ith F iresto n e
e Evelyn Reed) e d iscutir diferentes ab o rdagens para o p ressu ­
p o sto que identifica a condição da m ulher co m o a de opressão,
H eilb o rn , F ra n c h e tto e Cavalcanti rastreiam a incursão da p ro ­
blem ática fem inista na antropologia, a p artir da década de 70.
S elecionaram -se au to ras co m o G ayle R ubin, M ichele R osaldo e
232 M a r i a F i i .o m k n a G rkgori

A tk in so n . D e uni Iado, R osaldo e A tk in so n problem atizam a d e­


term in ação biológica da condição fem inina m ediante a discussão
so b re a assim etria sexual entre os ilongot das Filipinas —o in te re s­
san te é que as au to ras não em pregam o te rm o “ o p ressão ’', m as
“ assim etria” , c o m o d iferença sem um a im plicação necessária de
subord in ação . E mais: as autoras, sem falar em subordinação,
con sid eram um a distinção que é culturalm ente hierarquizada e
que p o d e ser en c o n trad a cm g rande p arte das sociedades tribais.
G ayle R ubin (citada n o texto de balanço) retom a o p ro b le m a dá
o p ressão com sua idéia de sistem as sexo-gênero. Sua hip ó tese é a
de que a su b o rd in ação fem inina deve ser explicada co m o p ro d u ­
to das relações pelas quais os sistem as sexo-gênero sao p ro d u z i­
d o s e organizados. A frase do texto-baíanço “ o a rg u m en to c e n ­
tral à idéia de sistem as de sexo-gênero é a tran sfo rm ação o p erad a
na o rd e m da cultura pela tran sfo rm ação n um a relação de o p re s­
são (den o m in ad a p o r Rubin de dom esticação da m ulher)” (p. 13)
só é passível de co m p reensão (para quem nào é e tn ó lo g o ou não
está p o r d e n tro da discussão das teorias de gênero) se e n te n d e r­
m o s q u e o diálogo de R ubin é c o m L évi-Strauss (co m o está
salientado no artig o de 1981) e a n o ção de que a m ulher, m esm o
d e te n d o um a p o sição privilegiada no c o n ju n to do s bens tro c a ­
do s, erigida em signo cultural, sím bolo d a luta do hom em c o n tra
a N a tu re z a , p erm an ece dádiva trocada en tre g ru p o s m asculinos,
so b a tutela dos quais está tanto antes q u a n to depois do casa­
m ento. F o r n ão co n sid erar esse fado da questão, a teoria sociaí de
L évi-Strauss seria um a teoria im plícita da o p ressão fem inina.
A questão nova que esse em bate traz — e isso tem a ver com
as publicações dos finais da década de 80 —é a do questionam ento
da validade d o p ró p rio uso do conceito de gênero. Judith Butler se
pergunta se o sexo fornece algum a auto-evidência que perm ita
contrastá-lo ao gênero, de m odo que esse conceito é falacioso na
m esm a m edida em que o que caracteriza é o contraste com catego­
rias que foram gestadas com o se fossem a-históricas.
IiST U D O S Dl- G fiN liR O NO B R A SII. (C O M K N T Â R IO C R ÍT IC O ) 233

C reio que a co n trib u ição de M aria Luiza H eilb o rn ao re to ­


m ar o c o n ceito de g ên ero para pen sar p o r que a classificação p o r
gênero co m p o rta hierarquia - e à luz das teorias de Louis D u m o n t
— p o d e ria p assar p o r um a explicitação m ais clara c o m o n o a rti­
g o de 1993, a fim de m e lh o r esclarecer o leitor. N o texto, a
única c o n trib u iç ã o relevante so b re essa discussão p are ce ser a
feita p o r esta a u to ra , não se fazendo m e n çã o a n e n h u m o u tro
a u to r nacional. A títu lo d e exem plo, re c o m e n d o o a rtig o de
A d rian a Piscitelli, “A m bivalência so b re os c o n c e ito s de sexo e
g ê n e ro na p ro d u ç ã o de algum as teó ricas fem inistas” , no livro
Gênero e ciências humanas, de 1997, o rg an izad o p o r N eu m a A guiar.
A lém de ser um c o m e n tá rio in telig en te, Piscitelli in c o rp o ra o u ­
tras a u to ra s d o d e b a te in tern ac io n al, c o m o D o n n a Havaway e
C aro le P atcm an , q u e tiveram e têm tid o im p acto so b re alguns
e stu d o s d e se n v o lv id o s no Brasil.
C o m o essas críticas ao co n ceito de g ênero têm sido lidas no
Brasil? E m que m edida esse em b ate está ab rindo perspectivas de
novas tem áticas d e investigação? L evanto essas questões p o r o b ­
serv ar um gap e n tre essa p a rte m ais teórica, cm que diferentes
noçõ es so b re o g ên ero são tratadas, e o escru tín io d o s tem as nos
estu d o s brasileiros, to m ados c o m o exem plos para p en sa r as in o ­
vações cognitivas q u e a utilização d o co nceito prom ove.
N o item “ G ê n e ro e trab alh o ” há um a periodização clara
articulada à relação e n tre ce rto s paradigm as explicativos e a d e fi­
nição de cam p o s em píricos e a crítica a esses paradigm as, c o rre s­
p o n d e n te à definição de novos referentes em píricos. As autoras
m o stram c o m o na década de 70 o m arxism o m arco u a análise da
particip ação da m u lh er no m ercado d e trabalho, m o m e n to em
q ue o em p reg o fem inino era mais um a variável que dep en d ia de
explicações de o rd e m eco n ô m ica e ainda sem fo rn ecer um q u a ­
d ro explicativo so b re as peculiaridades da m ão -d e-o b ra fem inina;
na década de 80, as au to ras salientam os n o vos im pulsos sofridos
pela subárea, a p a rtir da crítica da auto-suficiência das explica­
234 M a i u a F ii . o m k n a G rbgori

ções econôm icas e, em particular, pelos estu d o s que estabelece­


ram u m a conexão analítica entre a situação das m ulheres n o m er­
cad o de trab alh o co m variáveis d e co rre n tes de sua situação na
esfera da família; e, finalm ente, os estudos da década de 90, que
b u scam c o n h e c e r c o m o as ideologias de g ênero se inscrevem no
sistem a fabril e orientam práticas de g estão diferenciadas, a fetan ­
d o desigualm ente h o m e n s e m ulheres.
M as g ê n e ro n esse seg m en to não é ex p ressão afetad a pelo
e m b ate s o b re o co n c eito , tal qual foi d e sen v o lv id o no se g m en to
a n terio r. Aliás, é to m ad o , se eu b e m in te rp re te i, co m o c o n ce ito
q ue ain d a g u a rd a v ig o r e relativo a experiências em que a d is­
tin ção sex o -g ên ero serv e p ara p e n sa r desigualdades na e s tru tu ­
ra social.
E sse m esm o gap está p resen te n o segm ento so b re a violên­
cia co m o área de investigação. Talvez os últim os estudos desen ­
volvidos pela p ro fe sso ra Saffioti tragam algum a articulação m ais
vig o ro sa com o te o r das discussões so b re o conceito de gênero,
na m ed id a em q ue afirm am que as relações sociais de sexo sem ­
pre ap o n tam p ara um h o rizo n te de coerção física no m o d o com o
se estru tu ram . A sugestão que faço sobre esse segm ento é a de
in c o rp o ra r um a d im en são tem poral no balanço sobre as d ife ren ­
tes abordagens. N ã o são apenas linhas distintas de investigação
nessa su bárea da violência. As datas das obras im p o rtam . O e stu ­
d o de M ariza C o rrê a (1983) é sem inal e foi da discussão dele que
n o v o s estu d o s surgiram , alguns até co m novos desenvolvim entos
conceituais — c o m o o s de G uita D e b e rt e Danielle A rdaillon
(1987).
O m eu estu d o (G regori, 1993) vem de um a discussão sobre
o ate n d im e n to fem inista, mas aparece com o um a crítica ao trata­
m ento, a m eu ver, insuficiente d o s estu d o s fem inistas d o p erío ­
do: em particular, indaguei sobre a validade da polarização entre
v ítim a e algoz p ara e n te n d e r a violência conjugal e, especialm en­
te, n o re n d im e n to q ue essa abordagem p o lar tinha sobre a eficá­
IiS T U D O S D H G K N I vRO N O B R A S IL ( C O M K N T A r IO C R Í T I C O ) 235

cia d o aten d im en to . D iscu to a vitim ização, não a cum plicidade.


H eleieth Saffioti p a rte de um a crítica a essa p o sição e in tenta
explicar a v irtualidade da violência nas relações sociais de sexo.
N essa m edida, e m b u tir a polêm ica na abord ag em talvez fosse
algo revelad o r so b re os desenvolvim entos cognitivos que o c o n ­
ceito de g ê n e ro p rom ove. Se existem d isco rd ân ck s, elas devem
ser apontad as, para q ue o balanço p erm ita um m aior co n h e ci­
m en to so b re o debate.
N a últim a p a rte do texto, as autoras tratam d o s estudos
so b re fam ília e sexualidade. N esse cam po tem ático, a perspectiva
de g ên ero tem sid o bastan te vigorosa e tem indicado questões
interessan tes p ara p en sar as tran sfo rm açõ es dos arranjos e co nfi­
gurações fam iliares pela dissem inação da ideologia fem inista, p o n ­
d eran d o so b re essas m udanças em g ru p o s sociais distintos, com o
os das cam adas m édias ou os do s seto res populares. S obre a
sexualidade, a contextualização é bem feita, to m an d o inclusive
co m o origem os estu d o s so b re o desvio em p ree n d id o s pela so ­
ciologia e an tro p o lo g ia urbanas. Im p o rta n te assinalar que no tra­
tam en to dessa p ro b lem ática parece haver m aior co n so n ân cia e n ­
tre a descrição dos estu d o s c os d esenvolvim entos cognitivos
o p erad o s ao conceito, tal com o foi desenvolvido no segm ento
teó rico so b re o gênero.
O c o m e n tá rio pára p o r aqui e gostaria de m an ifestar o m eu
ag rad ecim en to p o r ter tido a o p o rtu n id a d e de discutir este texto,
de reap ro x im ar-m e d o debate, e sp eran d o que, daqui em diante,
eu possa m erecer ser cham ada de acadêm ica fem inista — agora,
sem aspas.
S o c i o l o g i a d a R e l ig iã o
ÁREA IMPURAMENTE ACADÊMICA

Antônio Flávio Pierucci


]~i% a cama na varanda
me esqueci do cobertor
deu m u vento na roseira
(ai, meus cuidados!)
me cobriu todo de flor.
(do folclore brasileiro)

"Ninguém ali separava. ”


(Rubem César Fernandes, entrevista, 1997)

In tro dução : pura m is t u r a x c iê n c ia pu ra

Im p u ra m e n te acadêm ica ou academ icam ente im pura?


Q ual deve ser o adjetivo, qual o advérbio? Q u e ro crer que
para ex p ressar “ m eus c u id ad o s” p o u c o im p o rta a o rd e m dos
fatores, desd e que passe a idéia de que para g rande p a rte dos
cientistas sociais q ue estudam religião no Brasil existe um a e sp e­
cial dificuldade de decidir até o nde, em seu trabalho intelectual,
vai a ciência e até o n d e vem a religião, dificuldade séria de d e­
m arcar o c o n tra ste com a não-ciência, de se d em arcar reflexiva­
m en te sab en d o o n d e com eça um a c o n d e term in a a o u tra, assim
com o há, da p arte d o s leitores, a dificuldade correlata de sab er se
os autores não estariam na verdade falando so b re si m e sm o s1.

1. “L endo so b re os pcntccostais, não pude lugir à im pressão dc cjue os a u to ­


res escreviam tam bém sobre si m esm os” , já dizia vinte anos atrás R ubem
César Fernandes (Fernandes, 1977: 58).
238 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

D ilem as que se ex p o nenciam qu an d o o a u to r se m ete a estudar


sua p ró p ria religião. O que, aliás, c o stu m a acontecer. (É m uita
illusio ju n to , diria Bourdieu.)
A locução “ p u ram en te acadêm ico” , logo que a li, pareceu-
m e a m ais com pleta tradução daquilo que há algum tem p o a n d o
cism an d o q ue não é lá exatam ente o fo rte da especialidade cientí­
fica q ue escolhi co m o métier, a sociologia da religião, ram o desde
as origens prestigiadíssim o pelos clássicos franceses e pela alta
sociologia alem ã. E sta, com o se não bastasse, lhe deu até n o m e
pró p rio — Religionsso^iologie. A p ro pósito: à coleção m ais im p o r­
tan te de seus escritos de sociologia, editada em três v o lum es a
p a rtir d o ano de sua m o rte, 1920, Max W eber deu o n o m e de
Gesammelte Aufsätze %ur Religionsso^iologie (GARS, 1920-1922), E n ­
saios R eunidos de Sociologia da Religião. N ã o é preciso dizer
m ais nada.
Se, para o ofício de cientista social tout court, tem sido com pli­
cado conseguir das ciências duras, as exatas e as (outras) ciências
da vida, o reconhecim ento de sua legítima pretensão de cientifici-
dade, o que dizer desse obscuro e marginal ofício de sociólogo da
religião? D iretam en te envolvido nos cam inhos da pesquisa social
sobre religiões e religiosidades no Brasil, área em que p o r sinal a
p ro d u ção só tem feito crescer quantitativam ente nos últim os anos
a um a taxa sup erio r à de diversas outras subáreas da sociologia
(Aguiar, 1997), inco m odado com os descam inhos e desandanças
reco rren tes nos a rro u b o s de elaboração teórica a que às vezes
alguns se atrevem n o interior desta especialidade disciplinar à qual
ten h o dedicado com m uito prazer grande parte de m inha vida de
sociólogo, mais de um a vez já me dei o trabalho de cham ar publi­
cam ente a atenção para os riscos im plicados na m aciça presença
en tre nós, quem sabe excessiva ou quem sabe excessivam ente tole­
rada, de “interesses religiosos” m obilizados não m uito às claras e
com escassa reflexividade p o r sociólogos am antíssim os do valor
da religião, am orosíssim os para com as mais diversas form as de
So c i o l o g i a da R k i .i g i A o - á r iía im p u r a m k n t k a c a d ê m ic a 239

religiosidade e, ao m esm o tem po, desconfiados do que quer que se


p ro p o n h a ou se almeje co m o m éto d o científico, rigor científico,
validade científica. Críticos, num a palavra, da “ ciência p u ra” . E,
p o r coerência, críticos da busca (“ positivista” , vão dizer) de cienti-
ficidade e objetividade na prática das “ciências” sociais em geral.
A titude tantas vezes explicitam ente reiterada, se não de recusa,
certam ente de desapreço pela distintividade da ciência e do m éto ­
do científico que, convenham os, só poderia ter c o m o conseqüência
facilm ente antecipável, se bem que obviam ente não desejada por
esses hom ens de boa vontade, o efeito bum erangue de atingir em
cheio a credibilidade científica da sociologia da religião ou da a n tro ­
pologia da religião2 elas m esm as, que esses “ sociólogos religiosos”
continuam fazendo, autocentrados no próprio circuito estreito de
interessados (500 ou 600 pessoas em todo o país, calculava R ubem
C ésar em 1997), escanteados nessa pequena nebulosa sem p o d er
de fogo, p o u co prestigiados “no m eio” , objetivam ente p u n id o s e,
n o entanto, com a ilusão dc seguirem im punes p o r seu declarado
d esam or à “ ciência pura” . Im p u ram en te acadêm icos, relutantes em
seguir as regras d o jogo d o cam po científico, seguem m isturando
as cartas sem sab er a quem atribuir a mala saerte de sua débil
institucionalidade acadêm ica, a injustiça de sua posição marginal
n o cam po científico, com o sc o m undo acadêm ico não fosse um
seletivo cam po dc batalha com regras b em conhecidas ou u m ni­
n h o de cobras criadas com copos de cólera em to rn o e em busca
da definição d o m érito científico stricto sensu.
A ex p ressão q ue uso n o su b títu lo não é de m in h a lavra.
C em p o r c e n to feliz na tem atização que faz da p u reza acad êm i­
ca a p ro p ó s ito dc alguns p erso n a g en s da tra m a, aflo ro u n u m a

2. Antropologia da religião: estaria correta esta form a de n om ear a disciplina?


T em lógica esta classificação que en co n tro aqui e ali e n tre a ntropólogos,
m as não com m uita freqüência, soando assim aos m eus ouvidos, p o r causa
justam ente dessa escassez de uso, co m o se ainda não tivesse foros de plena
cidadania acadêm ica?
240 A n t ô n i o F i .á v i o P i i - r u c c i

e n tre v ista de R ubem C ésar F e rn an d es a R egina N ovaes. A e n ­


trevista foi dada em 1997, te n d o em m ira a c o m em o ra ção d o
20° an iversário da revista Religião & Sociedade, cu jo n ú m e ro 1
saiu em m aio de 1977.
V ejam os o q ue disse R ubem C ésar no m o m en to da e n tre ­
vista em que, d eclinando um a p o r um a as filiações religiosas dos
m em b ro s d o prim eiro C onselho E ditorial de Religião & Sociedade,
descreve ao m esm o tem po um p o u c o do ethos que desde o início
a n im o u aquela iniciativa acadêm ico-editorial:

Pergunta - P e rg u n to -m e p o r q u e p re v alec e u a idéia cie fa ze r urna


rev ista acadêm ica? P o r um lado, havia um in teresse nas re la çõ e s e n tre re li­
g ião e so c ied a d e, n o e x am e das re la çõ e s sociais, m as, p o r o u tro , n o início
d o IS E R estava p re se n te c e rta trad içã o a tu a n te d a e sq u e rd a p ro te s ta n te . ()
q u e havia em c o m u m e n tre as p e sso a s q u e fo ra m c o n v id a d as p a ra c o m p o r
o C o n se lh o d e R edação?
Rubem - O lh a n d o o C o n se lh o d e R ed ação , c la ra m e n te p o d e -se n o ta r
aí p a rte d a re d e de p e sq u isa d o re s q u e se e n c o n tra v a m n o IS E R . H á v á rio s
p ro te s ta n te s aqui: E lte r D ias M aciel, W aldo C ésar, Jacy M arasch in , J e th e r
R a m a lh o , O s w a ld o E lias X id ieh , C h ristia n Lalive D ’E pinay (de G e n e b ra ,
q u e e n tro u p o rq u e estu d av a p e n te c o s ta lis m o a c o n v ite d o C o n se lh o M u n ­
dial d e Igrejas). V ocê te m um c irc u ito a q u i, c o m n o m e s b e m e x p ressiv o s
d o m u n d o e c u m ê n ic o q u e fo ram para a univ ersid ad e. U m a in te lec tu a lid a d e
p ro te s ta n te q u e m ig ro u para a un iv ersid ad e n o s a n o s da d ita d u ra e q u e se
o rg a n iz o u n o IS E R , q u e se re en c o n tra v a n o IS E R . E n tã o , era e n q u a n to
p e sq u isa d o res d e religião q u e eles estavam aí.
D e p o is tem u m o u tr o g ru p o , um o u tro c ircuito, q u e e um c irc u ito
católico. E stav am : o [A fo n so | G regory, q u e é b isp o , A lb e rto A n to n ia z z i,
F ra n c is c o C a rta x o R olim , E d u a rd o H o o rn a e rt, E d ên io Valle, J o s é O s c a r
B eo zzo . D e m a n e ira se m elh an te a o c irc u ito e cu m ê n ic o , d e n tro da igreja
católica eles são intelectuais. P esq u isad o res p a ra o lado d a s ciências sociais
e d a h istó ria , n ã o p a ra o lado d a teologia. F auem p a rte d o c irc u ito d e
in te lec tu a is c ató lic o s, n o qual se d e stac am P e d ro R ib eiro d e O liv eira e
T h o m a s B runeau.

(É ju stam en te n esta hora que lhe o c o rre o sintagm a que


h o je m e in teressa tanto:)
So c io l o g ia da R ix ig ià o - á r k a im p u r a m k n t k a c a d iím ic a 241

E tem g e n te q u e vem d o m u n d o p u ra m e n te acad êm ico : C â n d id o


P ro c ó p io C a m a rg o , R ené R ib eiro e Y v o n n e M aggie, q u e estava e n tra n d o na
área, e s tu d a n d o a u m b a n d a e o c a n d o m b lé . R alph D ella C ava estava, ta m ­
b é m havia in te resse cm in clu ir b ra silia n ista s (...) E n tã o , era u m a re d e , um a
rede d e d ife re n te s p e sq u isa d o res q u e se ap ro x im av am p e lo fato d c e stu d a r
religião (F e rn a n d e s, 1997).

É b em significativo o co n te x to im ediato em q u e se in sere o


sintagm a. E stá-se falando dos p rim ódios dc um a revista so b re a
qual a a n tro p ó lo g a R egina N ovaes, sua c o o rd e n ad o ra dc redação,
se p erg u n ta p o r q ue é que desde o início ter-se-ia definido com o
um p ro je to acadêm ico. E term in a-se falando so b re “ qu em era
q u e m ” n o p rim eiro C o n selh o de Redação. (3 en trevistado olha
para a lista de nom es. R econhece im ediatam ente ali três g ru p o s
que, num ato q ue é de análise m as tam bém dc inconfidência bem
intencionada, vincula a três diferentes circuitos de intelectuais,
dois desses circuitos identificados prima facie p o r vínculos dc per­
tença religiosa: o circuito p ro testan te , tam bém cham ado ali de
“ m u n d o ecu m ê n ic o ” |Se se acrescentam os nom es de R ubem
A lves e d o p ró p rio R ubem César, am b o s da C om issão E ditorial,
os p ro te sta n te s eram oito.] e o circuito católico [Tam bém eram
o ito os católicos. Parece que não o co rreu ao en trevistado exam i­
nar a segunda co m p o sição d o C onselho de Redação, estam pada
já n o seg u n d o n ú m ero da revista, de n o v e m b ro do m esm o ano,
com um n o m e a mais n o elenco dc católicos: L eonardo Boff.
Ficaram sen d o nove os católicos, ligeiram ente m ajoritários num
C on selh o de R edação c o m p o sto dc vinte nom es.]
F in alm en te, ao lado desta avantajada representação da in te ­
lectualidade cristã nos q u ad ro s da revista, o g ru p o m e n o r de
todos. Q u e o en trev istado poderia ter cham ado sim plesm ente de
laico (Jai'c, à m o d a francesa) ou agnóstico. E ram apenas q u a tro no
C o n selh o de R edação: C ândido P ro có p io Ferreira de C am argo,
R ené R ibeiro, Y vone M aggie (ainda co m o n om e de Y vone Alves
Velho) e Ralph D ella Cava. Circuito m inoritário no prim eiro Conse-
242 A n t ô n i o F i .á v i o P i h r u c c i

lho de R edação, diga-se a bem da verdade, mas não na área com o


u m todo. |N<?í> se deve, porém, esquecer de contar entre os intelectuais não-
religiosos na cúpula da revista os nomes de Alba Zaluar", antropóloga da
UNICAM P, Jayme Pinsky\ historiador ligado à editora HUCITEC, e
Dug/as Teixeira Monteiro, sociólogo da USP, de passado protestante mas
que há muito tempo abandonara a religião, integrantes da Comissão Edito­
rial e não do Conselho de Redação.] A estes cientistas sociais o e n tre ­
v istado p referiu ro tu lar (m agistralm ente) de “gente que vem do
m u n d o p u ra m e n te acadêm ico” . O u seja, da inteligência acadêm i­
ca, circuito institucionalizado de intelectuais voltados para as ciên­
cias e a crítica das artes, com interesses p len am en te intelectuais e
p re te n sõ e s até m esm o existenciais de c o rre sp o n d e r ao tipo ideal
da esfera intelectual autônom a.
N o uso de um sintagm a, o en trev ista d o rem etia os outvos
dois g ru p o s para um a zona lusco-fusco, m isturada, em baralhada,
cruzada, a twilight %one do im puram ente acadêm ico, o n d e intelec­
to e sacrifício d o intelecto, valha a expressão w eberiana, o u tra
coisa n ão fazem a não ser con fu n d ir-se m u tu am en te o u , p io r
ainda, lim itar-se recip ro cam en te em suas lógicas específicas, não
raro se m utilan d o em sua p ró p ria utilidade, em sua específica
serventia, c o rre n d o o sério risco, ciência social e religião, de as­
sim m utilarem irrem ediavelm ente seus p ró p rio s p ro d u to s intelec­
tuais. C o n tra a v o n tad e, m as irrem ediavelm ente.
Ligações perigosas, pois. Perigosas para quem ? Para a ciên­
cia em si, não, m esm o que sejam relações m antidas publicam ente
em n o m e da ciência, em no m e de um p ro jeto acadêm ico, so b o
signo d o co n h e c im e n to p ro p riam e n te científico; perigosas sim,
antes de m ais nada p ara aquelas disciplinas das ciências h u m anas

3. “Alba Zaluar chegando totalm ente de fora do m undo religioso. T inha uma
form ação secular, m arxista, de cientista social. Mas tam bém se interessava
pela dim ensão sim bólica que estava na religião. N este prism a mais acadêm ico
a religião interessava com o um indicador social, expressão de relações so­
ciais. E sse era u quadro d c referência da A lba.” (Fernandes, 1997: 10)
So c io l o g ia da R k i .i g i A o - á r i -a i m p u r a m k n t k a c a d k m i c a 243

d iretam en te envolvidas, mais vulneráveis que são, m ais indefini­


das p o r n atureza; m oles. Seja qual fo r a ciência h u m an a enredada
n isto — psicologia, an tro p o lo g ia, sociologia da religião — seus
p ro d u to s carecerão da necessária nitidez do s resultados científi­
cos, am bíguos os p ro d u to s tan to q u a n to am bíguas as relações de
in teresse que os p roduziram .
E n tre v ista d o ra e en trevistado preten d iam a reconstituição
de aspectos im p o rtan tes da história da revista que pu d essem even­
tualm ente in spirar-lhe novas diretrizes. In teressad o s no resgate,
ainda que parcial, de um a d eterm in ad a m em ória institucional que
c, sem dúvida, de im p o rtân cia crucial para quem faz, fez o u fará
ciências sociais da religião neste país, davam início ali a um a
avaliação sincera da trajetória — irregular, acidentada, cheia de
percalços m as tam bém p erm eada de sucessos inesquecíveis, g e­
n erosa em co n trib u içõ es tópicas inestim áveis — da única revista
científica brasileira especializada em religião, nascida do interesse
científico na religião ao m esm o tem p o que da convicção da im p o r­
tância da religiosidade na cultura brasileira e d o valor logístico
das instituições religiosas nos “ an o s de ch u m b o ” da ditad u ra
m ilitar a p a rtir de 1964. U m em preen d im en to , p o rta n to , an tes de
mais nada acadêm ico.4 M as não só, não totalm ente, co m o fica
evidente d esde logo n o co n te x to da en trevista em que foi p ro fe ­
rido o sintagm a, um ro m p a n te providencial de R ubem C ésar
Fernandes, um tiro na m osca. C asualm ente co m o surgiu, caiu
c o m o um a luva, ajustando-se p erfeitam en te ao sen tim en to que

4. A apresentação do prim eiro núm ero afirm ava o seguinte no prim eiro pará­
grafo: “Religião & Sociedade é um em preendim ento novo nos círculos acadê­
m icos brasileiros. Revistas sobre religião têm sido m onopólio de grupos
religiosos, m enos p o r conquista que p o r abandono. A religião, com o objeto
cie interesse científico, foi praticam ente marginalizada pelos círculos univer­
sitários, c apenas um g ru p o restrito de pesquisadores orientou os seus esfor­
ços para esta área.” (Re/igião & Sociedade n. 1, m aio 1977: 1). O s adjetivos
científico e acadêmico para identificar o projeto da revista voltam a to rto e a
direito na conversa de Rubem César a Regina N ovaes (ver Fernandes, 1997).
244 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

eu cá co m ig o te n h o nutrido, dem ônio que m e ro n d a in sisten te­


m en te, cro n icam en te, e que vai p erp assar de fio a pavio este
balanço en co m en d ad o pela direção da A N P O C S : o sen tim en to
de insatisfação com a insuficiência de commitment científico na
área, com tu d o o que esse tip o de e m p e n h o implica.
C abe um a ressalva: tam bém p o r causa da constância d este
m eu sen tim en to , m as não só p o r isto, a retrospectiva que resulta­
rá d este ensaio será não apenas inevitavelm ente subjetiva, m as
tam b ém assu m íd am en te pessoal e perspectivista. R etrospectiva a
p a rtir de um a deliberada perspectiva. O p erío d o de tem p o foi
d efin id o pela A N P O C S - de 1970 aos nossos dias - c esta é a
única escolha não feita apenas p o r m im . T o d o o resto é m uito
pessoal. N o c u rto lapso de tem po que m e deram e, além do mais,
em jo rn ad a parcial, é evidente que não seria possível d ar conta,
de m o d o exaustivo e objetivam ente justo, de todos os estudos
so b re religião feitos p o r cientistas sociais desde os anos 1970, de
to d a a p ro d u ç ã o literária resultante da pesquisa em ciências so ­
ciais da religião n o Brasil, nestas três produtivas décadas. Por
isso devo, de saída, p ed ir desculpas p o r aqueles m o m en to s do
tex to em q ue m eus co m entários, p o r m enos sutis e com plexos,
forem mais injustos com os m éritos do s colegas.
Sem falsa m odéstia, te n h o clara consciência de que o presen ­
te balanço resultou m uito m enos abalizado, além de m uito m enos
corporativam ente solidário, do que o relato de R ubem César, cheio
de dados preciosos e perm eado de lances curiosos, inéditos uns,
sabidos mas esquecidos outros, puxados da m em ória de um dos
bravos e adm iráveis fundadores do 1SER e da revista Religião &
Sociedade, co o rd en ad o r de seu com itê editorial p o r 17 anos, institution
bui/der respeitável, de quem tom o em prestado este fraseado —“ pu­
ram ente acadêm ico” — no qual identifico, à revelia do autor, o
indisfarçavel sab o r kantiano de que é p o rta d o r o uso distintivo que
faz da palavra “ p u ro ” — rein - em prego que se to rn a ainda mais
fo rte quando escrito, n o ato de o relato orai se deixar deitar em
So c i o l o g i a da R k i .i g i A o - á r k a im p u r a m k n t k a c a d k m ic a 245

linhas im pressas, no m om ento em que a coisa sai publicada, fazer


o quê? E u o li com força. N ão dá para ser gratuito o adjetivo puro
q u an d o o q ue está em causa ou cm discussão é a ciência, que não
apenas pode, m as deve legitim am ente p reten d er para si, com o ideal
norm ativo, a pureza, exatam ente pela dificuldade insuperável de
realizá-la com nitidez, pela dificuldade de desvencilhar-se do que
não é ciência. Ciência pura, p o r que não? Ademais, há o fato de ser
o uso da palavra puro um a característica tam bém da visada weberiana,
neokantiana, p o r conseguinte, do processo de form ação d o s co n ­
ceitos na teoria social, perspectiva da qual sou particularm ente
d evedor cm m inha form ação de sociólogo e em m inha vocação de
cientista.
A ssim , à v o n ta d e nesta usurpação léxica que o p e ro na bela
e n trev ista dc R ubem César, quem sabe traindo-lhe o esp írito com
os intencionais d eslizam entos sem ânticos que in tro d u zo , quero
já n o início d este re tro sp ecto deixar o m eu p o n to de vista clara­
m en te e stam p ad o na seguinte afirm ação: as ciências sociais da
religião n o Brasil n unca foram , nem jam ais chegaram a ser, um a
área puramente acadêmica. N ã o o foram nos anos 1970, p o r o n d e
com eça este balanço, nem vieram a ser com o passar d o tem po.
Q u ase trinta an o s se passaram e os sociólogos da religião no
Brasil, assim c o m o seus parceiros de em preitada, an tro p ó lo g o s
em sua m aioria m as tam bém cientistas políticos e historiadores
v oltados para o estu d o das religiões, co n tin u a m o s to d o s a inte­
grar ainda hoje um a área academicamente impura. E de esperar que
um dia v en h am o s a aceitar m enos esgarçadam ente, m ais coletiva­
m ente, este desafio.

E sta r e p r o s p e c t iv a e sua chave

A o ch am ar a atenção para este encavalam ento d e lealdades


existenciais, não é nada pequeno, co n fo rm e se p o d e ver, o serv i­
246 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

ço que este lance da conversa en tre Regina N ovaes e R ubem


C ésar acabou p re sta n d o a to d o s os que, para além das diferenças
de o rien tação teórica, de preferência tem ática, de m éto d o s e p r o ­
ced im en to s de pesquisa, consideram útil se não salutar para o
d esen v o lv im en to deste cam po disciplinar um exercício perió d ico
de sociologia da sociologia da religião apenas cientificam ente in teressa­
do, n ão o b sta n te os n um ero so s desestím ulos e inevitáveis limites
q u e aco m p an h am sem elhante exercício.
N ã o há dúvida, p o rtan to : a locução “ im p u ram en te acadêm i­
c o ” encaixa-se n o d o m ín io brasileiro das ciências sociais da reli­
gião co m o a chave na fechadura.
P o n d o as cartas na m esa: sabem os que entre os sociólogos,
a n tro p ó lo g o s e cientistas políticos que estudaram ou estudam
religião n o Brasil, há religiosos confessos; sabem os tam b ém que
m uitas vezes as m otivações que os levam a “ fazer ciência” são de
o rd e m religiosa, q u an d o não claram ente pastoral; sabem os, a in ­
da, que p o r trás das m otivações de o rd em prática que presidem à
realização das pesquisas e que geralm ente se atribuem às agênci­
as eclesiásticas ou afins que as en co m en d am , os pesquisadores
eles m esm o s são p o rta d o re s de interesses ideais que não são cienti­
ficam ente o rien tad o s, mas, sim , religiosam ente orientados. Interes­
ses religiosos, d igam os as palavras. O ra, se assim co m o a descrevo,
a coisa já é problem ática e acarreta diversos m al-entendidos, to r­
na-se p ro b lem ática ao ex trem o qu an d o os riscos gnosiológicos
trazid o s p ara a área das ciências sociais da religião p o r esses
interesses ideais não são encarados com a devida abertu ra e d e te r­
m inação autocrítica, q uan d o falta aos seus p o rta d o res a cham ada
vigilância epistem ológica.
“H á religiosos entre n ó s” , dizia um editorial da revista Reli­
gião & Sociedade em 1979. V inte anos depois continua havendo, só
que, p en so eu, sem a m esm a abertura à consideração. C onvém por
isso distinguir: 1) H á m uitos religiosos praticantes, dos quais, não
poucos, são profissionais da religião propriam ente ditos, convicta-
S o c i o l o g i a d a R k i .i g i à o - á r k a i m p u r a m k n t k a c a d h m i c a 247

m ente religiosos, alguns deles até m esm o virtuoses da religiosida­


de e que, não obstante, praticam co m petentem ente e em alto nível
quer a antropologia, quer a sociologia da religião. 2) H á, p o r o u tro
lado, m uitos religiosos praticantes, dos quais, não poucos, são p ro ­
fissionais da religião p ropriam ente ditos, religiosos full time, alguns
deles até m esm o virtuoses da religiosidade, e que, não sabendo
separar as esferas, praticam p o r causa disto de m o d o acrítico -
sem a devida com petência do especialista num a ciência e sem a
indispensável vigilância epistem ólogica que deve exercitar e prezar
o verdadeiro cientista cientificam ente orientado - um a coisa híbri­
da e indefinida que alegam ser antropologia ou sociologia da reli­
gião. 3) Mas há, mno male, um terceiro grupo, felizm ente tão num e­
ro so q u an to os o u tro s dois ou mais até, constituído p o r pesquisa­
dores “ p u ram ente acadêm icos”. São profissionais da ciência exclu­
sivam ente vocacionados para a ciência, seriam ente apaixonados
pelo valor da ciência, em penhados full time em dedicar suas vidas
acadêm icas cientificam ente orientadas no sentido de fazer avançar
a sociologia e a antropologia, em quaisquer de suas subáreas, com o
ciências sistem áticas da sociedade.
E sses últim os, é b o m que se diga, têm convivido fraternal­
m en te com seus colegas “im p u ram en te acadêm icos” , entre al­
guns tapas e m uitos beijos. N o exercício h o n e sto de sua p ro fis­
são de cientistas, co n tu d o , não costum am m ais atentar, p o r in ad ­
vertência ou ingenuidade, ou m esm o p o r com odidade, para os
riscos desta espécie de contam inação religiosa de um a prática
intelectual que, a rigor, deveria estar p ro fissio n alm en te im une
àquele “ sacrifício do in telecto ” que toda religião im plica e re ­
quer. E ra de esperar, de to d o m odo, que ao m en o s alertassem
aos jovens, aos p esquisadores em fo rm ação e aos q u ad ro s em er­
gentes, da existência deste handicap da área. (Handicap congênito
tem cura?) N o d e c o rre r da elaboração desta avaliação retro sp e c ti­
va, ficou claro que já houve nessa pequena história m o m en to s de
m aio r sinceridade, nos quais as cartas eram p o stas na m esa aber-
248 A n t ó n i o F i .á v i o P i k r u c c i

tam en te, “ de tal m aneira que as tensões e os m al-en ten d id o s


inevitáveis deste p ro cesso não fossem escam oteados” (Religião <&
Sociedade n. 4, 1979: 8).
Para esses, a m istura é conscientem ente enfrentada e as te n ­
sões resultantes reflexivam ente problem atizadas. O u pelo m enos
assim o foi n o passado, qu an d o as coisas neste país estavam co m e­
çando a engrenar para a sociologia da religião, quando os bons
ventos pareciam com eçar a soprar a seu favor. A experiência do
g ru p o de intelectuais acadêm icos que encararam o desafio de co ­
m eçar a p roduzir, na segunda m etade dos anos 70, um a revista de
ciências sociais da religião assum indo explicitam ente a relação es­
treita de colaboração e intercâm bio intelectual com religiosos p ro ­
fissionais, m elhor dizendo, com um a certa intelectualidade clerical,
parece-m e o caso mais ilustrativo de cnfrentam ento às claras de
tensões que em últim a análise são reconhecidam ente insolúveis. À
g u isa de ex em p lo , v eja m o s um m o m e n to , e n tre o u tro s , de
reflexividade pública cm to rn o dessas tensões. Por ocasião da m o r­
te de D uglas Teixeira M onteiro em 1978, a revista Religião & Socie­
dade p restou-lhe as devidas hom enagens (cf. o n. 4, o u tu b ro de
1979). N a o p o rtu n id ad e, os responsáveis pela revista, de cuja co ­
m issão de editores Duglas Teixeira M onteiro fazia parte desde a
p rim e ira h o ra , re so lv e ra m e sc re v e r um e d ito ria l de to m
calculadam ente p rogram ático - intitulado “As marcas de Religião
& Sociedade” —n o qual afirm avam estar retom ando de fo rm a mais
decidida, mais clara e com passos firm es [sic] depois do abalo
em ocional provo cad o pela m o rte prem atura do colega, seus p ro ­
pósitos científicos. D ep o is de declarações dc intenção genéricas e
anódinas d o tipo “ fazem os aqui ciência da religião”'7 (...)” situam o-

5. E bem verdade que hoje, no final dos anos 1990, depois da oficialização
dos cursos de pós-graduação em Ciências da Religião em m uitas universi­
dades brasileiras, poderíam os m ultiplicar indefinidam ente a lista de agentes
religiosos que se a utoproclam am cientistas sim plesm ente po rq u e fazem
“ ciência da religião” . D urm a-se com um barulho desses!
So c io l o g ia da R k i .i g i à o - á r k a im p u r a m k n t k a c a d k m ic a 249

nos p o rta n to no cam po das ciências sociais” , os editores co n se­


guem se auto d em arcar p o r contraste: “esperam os p o d e r apresentar
aqui um a perspectiva de conhecim ento que as pessoas religiosas
não encontrariam em seu pró p rio m eio” . À tarefa, contudo, se lhes
afigurava difícil. Ju stam en te pela dificudade de separar as esferas
da religião e da ciência num círculo intelectual de com posição
assum idam ente mista. “ H á religiosos entre nós e m uitos do s que
aqui escrevem estão engajados nas disputas ideológicas que divi­
dem o cam po religioso brasileiro; mas ao entrarem no te rre n o das
ciências, eles se subm etem a regras de com unicação que são dife­
rentes daquelas que prevalecem nas organizações eclesiásticas.” A
convivência entre os p u ram ente acadêm icos e os religiosos, com o
se vê, era d uplam ente tensa e escorregadia: tensão, antes de mais
nada, en tre duas form as legítimas m as distintas de conhecim ento
(“Sem dúvida, o processo de conhecim ento oco rre em todos os
níveis da sociedade, mas os m eios científicos têm um a co n trib u i­
ção específica, com valores e lim itações que lhe são próprios.”);
em segundo lugar, porque as adesões religiosas ali presentes eram
diversas, o que levava os editores a terem que enfrentar de p e rto as
dificuldades de um ecum enism o religioso, que p o r sinal estava em
voga nos an o s 70 en tre progressistas católicos e protestantes, mas
um ecum enism o alargado, expandido para os não-cristãos e p o r
c o n s e g u in te c o m p le x ific a d o , co m b ase n a q u e la p e rsp e c tiv a
relativizadora trazida pelos an tropólogos participantes d o projeto,
agora reafirm ada com força: “Assim, em bora tratan d o de religião,
n ão nos identificam os com qualquer g ru p am en to confessional. E m
Ke/igião <& Sociedade, o cristianism o, as religiões afro-brasileiras, as
religiões indígenas, ou ainda outras co m o a islâmica, são conside­
radas em pé de igualdade, com o sistem as de crença e de prática
ritual cm princípio igualm ente valiosas. E ste tipo de abertura co n ­
traria as norm as internas das religiões, atribuindo-lhes um a relati­
vidade que n ã o concide com suas convicções mais profundas.” O
desiderato d o g ru p o não estava em resolver as tensões entre as
250 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

esferas axiológicas, mas em proceder de m o d o a não escam oteá-


las: “ G ostaríam os q ue Religião & Sociedade fosse utilizada com o um
dos in stru m en to s para o ap rofundam ento deste intercâm bio e, de
tal m aneira, que nela as tensões e os m al-entendidos inevitáveis
deste p ro cesso não fossem escam oteados.”
O balanço bibliográfico que o ra ap re sen to d o s estu d o s an ­
tro p o ló g ico s e sociológicos sobre religião no Brasil é, até o n d e
eu sei, o terceiro d o g ên e ro a ser p ro d u z id o c o m o peça a u tô n o ­
ma. E m teses de d o u to ra d o e livre-docência, sói haver um c a p ítu ­
lo em que os au to res, p o r cacoete ou p o r seguir um pad rão ,
co m etem p o r dever de ofício e às vezes a c o n tra g o sto aventura
similar. M as estes n ão co m p õ em o “gênero literário” do s ensaios
de balanço, valha a expressão. D e m o d o que os balanços que
realm ente co n tam , d o tad o s d e vida p ró p ria e caráter m o n o g ráfi­
co, visando a um reassessment crítico e a um a mise en perspective da
p ro d u ç ã o literária brasileira em ciências sociais da religião, eram
dois até o an o passado: o de Rubem Alves (Alves, 1978) e o de
R ubem C ésar F e rn an d es (Fernandes, 1984). Se co n sid e ra rm o s
c o m o um balan ço de área a citada en trevista deste últim o, chega­
m o s a um m inguado n ú m ero três.
M as ce rta m e n te há mais desses trabalhos p o r aí, q u e p o r
e n q u a n to desco n h eço . T am bém sem o caráter de ensaio, m as sem
d úvida com resultados altam ente satisfatórios em term os de in­
fo rm ação básica para os estudiosos da área, o levantam ento que
S o lan g e d o s S a n to s R o d rig u e s rea lizo u p a ra d isse rta ç ã o de
m estrad o pelo IF C S /U F R J dos papers apresen tad o s na A N P O C S
de 1980 a 1997, n o G T Religião e Sociedade, saiu publicado em boa
h o ra pela revista Religião <& Sociedade, no m esm o fascículo, aliás,
q ue traz a en trev ista de R ubem C ésar (Rodrigues, 1997). São
qu atro , p o rta n to , os ap anhados bibliográficos que an teced em o
m eu e d o s quais v o u aqui lançar m ão fartam ente.
Boa prova experim ental dos danos causados pelos p ró p rio s
“ s o c ió lo g o s - d a -re lig iã o -re lig io s a m e n te -c o m p ro m e tid o s ” à
So c i o l o g i a da R k i .i g i à o - á r k a im p u r a m u n t k a c a d k m ic a 251

cientifidade de suas próprias pesquisas e teorizações (prova aliás


facilm ente replicável tal a q u an tid ad e de tex to s que a isto se
p restam ) p o d e ser en co n trad a sem g rande esforço justam ente aí:
na im possibilidade de o leitor identificar, de form a blind, isto é,
o cu lto o n o m e do a u to r e com base exclusivam ente no texto, seja
n o c o n te ú d o ou na fo rm a do texto, em seu teo r ou no seu tom ,
se um a d eterm in ad a frase de co n statação alegadam ente isenta
m as in co n tid a m e n te jubilosa e celebrativa do “ re to rn o do sagra­
d o ” p erten ce a um profissional da ciência ou da religião, a um
sociólogo o u a um p ad re ou p astor, a um a n tro p ó lo g o ou a um
teólogo, a um cientista político ou a um pastoralista. E já que se
tra ta aqui de fa z e r re tro sp e c tiv a , c u m p re re g istra r q u e essa
(pseu d o )em p iria com vistas a valorizar a religião vem sendo p ra­
ticada cm n o sso país há pelo m enos vinte anos, c o m o d em o n stra
este artig o -b alan ço que R ubem Alves publicou n o n. 3 de Religião
& Sociedade, em o u tu b ro de 1978.
“ N in g u ém ali separava” , disse R ubem C ésar a respeito do
pessoal da revista (Fernandes, 1997: 23).
N o lev an tam en to que fez d o G T so b re religião da A N P O C S
até 1997, S olange R od rigues tam b ém toca no assu n to . E v ita n d o
falar de m istu ra , co n tam in ação , fro n te ira s b o rrad a s, im p u reza
acad êm ica o u coisa q ue o valha, fala dc “ in te rfa c e s” e “ trân sito
sin g u lar” . M ais tím ida nas palavras, acaba se n d o m ais re sp e ito ­
sa com os envolvidos. V ejam os. D e p o is de analisar o s tem as e
os a u to re s d o s papers a p rese n tad o s d u ra n te m ais de q u in ze an o s
no G T Religião e Sociedade da A N P O C S , conclui pela “ existência
de in ú m eras in terfaces e n tre o cam p o religioso, o c am p o p o líti­
co e o c a m p o da p ro d u ç ã o de c o n h e c im e n to [acadêm ico].
In te rfa c es q u e p o ssib ilitam um trân sito singular de a to re s so ­
ciais, idéias, p a d rõ e s de organização, análises, tem as e q u estõ es
e n tre estes cam p o s d o esp aço social” (R odrigues, 1997: 161-
162). M esm o c o m to d o esse c o n tid o e cu id a d o so linguajar de
p e sq u isa d o r jú n io r, de quem se c o m p o rta co m o q u em ad e n tra
252 A n t ô n i o F i .á v i o P i h r u c c i

pela p rim eira vez um re cin to reserv ad o , m esm o pisando em


ovos, h á um m o m e n to do te x to em q u e ela não se c o n té m c p õ e
a n u isso que ela cham a de “ canal d ire to ” e n tre religiosos e
acadêm icos. É q u a n d o relata que, em 1981, na terceira sessão
do G T Religião e Sociedade, d ed icada a um a m esa re d o n d a so b re
igreja cató lica e m o v im e n to s p o p u lare s, os textos d isc u tid o s
fo ra m trê s a rtig o s p re p a ra d o s a p ro p ó s ito do IV E n c o n tr o
In tereclcsial de C o m u n id a d es Eclesiais dc B ase (C EB s) realiza­
d o n o m e sm o ano. O s três trab alh o s, co n ta ela, eram “ de a u to ­
ria de cien tistas sociais ligados à Ig re ja” ; a saber: Luiz A lb e rto
G o m e z d e S ouza, d o C e n tro João X X III, Luiz G o n za g a de
S o u za Lim a, da PU C -R J, e Luiz E d u a rd o W anderley, da P U C -
SP (os três cato licíssim os Luízcs, diria eu). E ela conclui: “ Isso
ev idencia o e sta b e lec im en to de um canal d ire to de circulação
de c o n h e c im e n to s o b re as C E B s, e n v o lv en d o intelectuais liga­
d o s à Ig reja C atólica e estu d io so s sem v ín cu lo s co m aquela
institu ição . (...) N ã o é m era co incidência q ue, no m esm o ano, o
jesuíta C láudio P erani tenha ap re se n ta d o um a co m u n ica ção so ­
b re as C E B s num a m esa red o n d a so b re C idade e C idadania,
d u ra n te a 3 3 a reu n ião da S B P C ” (R odrigues, 1997: 161).

So c io l o g ia da r e l ig iã o , c iê n c ia s s o c ia is da r e l ig iã o ?

A pesquisa científica no Brasil, d e n tro c fora das universi­


dades, assiste hoje a um im p o rtan te e perceptível avanço q u an ti­
tativo de estu d o s em ciências sociais versando sobre religião e
m agia, religiões e religiosidade, crenças e instituições religiosas,
com u n id ad es e m o v im en to s religiosos etc. V ou cham á-los aqui, o
m ais das vezes, de de sociologia da religião. In d istintam ente. T odos
sabem os, en tretan to , que não são apenas o s sociólogos os que se
têm interessado, em pesquisas d e cam po e considerações teóri­
cas, discussões e ensaios, pelo fen ô m en o religioso no Brasil. O s
S o c i o l o g i a d a R k i.ig iào - á r k a im p u r a m h n t k a cad k m ica 253

a n tro p ó lo g o s e o s h istoriadores tam b ém , com m aio r freqüência e


n ão m e n o r en tu siasm o do que antigam ente, ex atam ente com o os
sociólogos e an tro p ó lo g o s. O s cientistas políticos, no Brasil, tam ­
bém en traram na dança a p a rtir dos anos 70, c o m o verem os
adiante, m as dep o is voltaram a se retrair, dc m o d o que co n tin u a
sen d o in trig an te o fato de os cientistas políticos, sabe-se lá p o r
quê, serem aqueles d en tre os cientistas sociais que mais raram en ­
te se o cu p am de religião. Mas em an tropologia e sociologia, his­
tória e geografia, não pára de crescer o n ú m ero d o s intelectual­
m en te interessados em religião, em form ações religiosas, em fo r­
m as de vida religiosas. Para não falar d o s acadêm icos e cientistas
('hé/as!) ev en tu alm en te interessados nas próprias soluções religio­
sas dc p ro b lem as nem tanto.
A fim , pois, de não ficar e n re d a n d o m eu c o m e n tá rio nas
sutilezas das d istin çõ es e in d istin çõ es de fro n te ira s e n tre áreas
e su b áreas d o c o n h e c im e n to científico, sem p re q u e eu falar em
so c ió lo g o s da religião, em sociologia da religião, estarei m e re­
ferin d o a to d o s os b ravos colegas que se dedicam às ciências
sociais da religião. N ã o sei p o r quê, sin to c e rto in c ô m o d o em usar
sem p re o te rm o “ cientistas sociais da religião” . P o r isso, todas
as vezes q u e eu q u iser m e referir aos diversos cientistas sociais
da religião e à sua p ro d u ç ã o intelectual, m uitas vezes escrev e­
rei, p o r b rev id ad e, sociólogos da religião. C o n h e ç o m u ito s a n tr o p ó ­
lo g o s q ue e stu d a m religião, m u ito s são m eus am igos e eu ver­
d a d e ira m e n te o s aprecio c o m o intelectuais e pesq u isad o res, mas,
n ão sei p o r quê, n ã o se usa no dia-a dia co n sid erá-lo s “ a n tr o p ó ­
lo g o s da religião” d o m esm o m o d o q u e se faz co m os so c ió lo ­
g o s da religião , pace D r. E. E. E v an s-P ritc h a rd . J á sociologia da
religião, sociologia de la religión, sociology of religion, s ocio/ogie de la
religion, to d o o m u n d o fala. A n o m in ação existe e o lugar da
d iscip lin a é de h o n ra d esd e os Pais F u n d a d o re s. O p ró p rio
n o m e p ró p rio da disciplina, que fez h istória, ainda faz to d o o
sen ti d o : Religionssofçiologie.
254 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

A nos 50 e 60: um a s o c io l o g ia r e l ig io s a do

DECLÍNIO DA RELIGIÃO HEGEMÔNICA

N ã o faz p a rte d o projeto A N P O C S re to m ar o q u e se p ro ­


duzia antes de 1970. M as com eçar do com eço, ab ovo, m esm o de
soslaio, m esm o de raspão, é im prescindível qu an d o o co m eço é
elo q ü en te, q u a n d o ele diz m uito do resto do percurso, q u a n d o a
prim eira fase é um m o m e n to fu n d a d o r no sentido plen o desta
palavra q ue evoca ao m esm o tem po a fundação, as fundações e
os fu n d am en to s. Im possível evocar e avaliar os interesses e os
objetivos visados pela pesquisa social em religião, n o s últim os 25
anos, sem escavar as orientações que presidiram , no s anos 50 e
60, à co n stitu ição da pesquisa em ciências sociais da religião
c o m o cam p o disciplinar específico n o co n tex to brasileiro.
Se os an o s 70 assistiram à constituição de um a significativa
e p ro m isso ra institucionalidade m aterial desse cam po de in teres­
se tem ático n o in terio r da co m unidade brasileira de cientistas
sociais, foi nas décadas anteriores a I 970 que os grandes nom es
d e au to res em sociologia da religião iniciaram seu ren o m e acadê­
m ico na base de pesquisas pioneiras de am pla visada científica
so b re o que mais tarde, p o r influência d e P ierre B ourdieu, ficararia
se n d o cham ado de “ cam po religioso” . O qual, nessa época, di-
versificava-se a o lh o s vistos em n o sso país m ercê da m o d e rn iz a ­
ção so cio eco n ô m ica cujo passo acelerado já então fazia sentir
seu im p acto so b re o cam po religioso, m o m en to em que, p o r
o u tro lado, um a certa “ sociologia pasto ral” levada a cabo pelos
q u ad ro s técnicos de um a ala m o d ern iza n te da igreja católica p as­
sava a cham ar a atenção, co m dados e m edidas de alardeado
caráter científico, p ara o declínio estatístico dos “ católicos p rati­
c an tes” . M o rm e n te da prática dom inical. E xem plo co n su m ad o
d esse en fo q u e é o trab alh o do então frei dom inicano, F rancisco
C artaxo R olim , “A spects de la pratique dom inicale au B résil” ,
artig o q ue apareceu em 1967 na revista belga de sociologia da
So c io l o g ia da R k i .i g i à o - á r h .a i m p u r a m i í n t i í a c a d é m i c a 255

religião Social Compass (Rolim, 1967) e, três anos depois, em ver­


são brasileira com o título C atólicos e catolicism o, na Revista
Eclesiástica Brasileira de junho de 1970 (Rolim , 1970). E m itiam -se
assim sinais claros e novos, im pactantes e ato rd o a n tes p o r sua
aura científica, de u m a crise sem precedentes daquilo que alguns
recentem ente passaram a cham ar de “civilização paroquial” e que,
na época, não se sabia bem co m o nom ear porque ainda não era
possível, p o r falta de perspectiva histórica, avaliar-lhe o alcance
real, de longa duração6. H o je está claro que se tratava de um
declínio não apenas sem precedentes, m as tam bém sem retorno.
N ã o há te m p o p ara repassar no d etalhe a h istó ria deste
p rim eiro desenvolvim ento. L im ito-m e a co m en tar o fato de que
este p rim eiro m o m e n to da p ro d u ção de sociologia da religião no
Brasil parece que c o rresp o n d ia co m perfeição ao m o m e n to p o r
q u e passava o catolicism o brasileiro. F o rte e p esa d o p o r seu
en raizam en to h istó rico desde a chegada das caravelas, religião
oficial na C olônia e n o Im p ério e sem i-oficial na R epública N ova
(D elia Cava, 1975) m as bastante abalado pelas m udanças sociais
q u e n o pós-g u erra m arcavam a entrada tardia m as acelerada do
Brasil na m o d ern id ad e econôm ica e política, e ao m esm o tem po
redinam izado, desde o final do s anos 40 e início dos 50, pela
in ten sa atividade “ap o stólica” dos m o v im en to s de juventude da
A ção C atólica especializada, que P ro có p io C am argo passaria a
ch am ar de “catolicism o in ternalizado” p o r c o n traste ideal-típico
com o “ catolicism o tradicional” (C am argo, 1967), e pela nova
fo rm a de organização coletiva e centralizada do episco p ad o des­
de a fundação da C N B B —que é de 1952 — em planos de “ p a sto ­
ral de c o n ju n to ” p erio d icam en te avaliados e reatualizados, o ca­
tolicism o brasileiro tom ava consciência, com a ajuda da sociolo­
gia, d o e sb o ro a m e n to daquela “ civilização paroquial” que havia
co n stitu íd o sua a rm ad u ra organizacional, seu su p o rte ideológico

6. Para o u so recente da idéia de “ civilização paroquial” , ver Voyé (1996).


256 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

e a rede física de referência de to d o s os seus e m p reen d im en to s


p astorais desd e priscas eras.
D e ro ld ão c o m a crise da paróquia, com eçavam já no s anos
50 a dar sinais d e aguda dram aticidade a crise do (baixo) clero e a
falta de vocações sacerdotais. O u tro fo co de preo cu p ação dos
p astoralistas n o s a n o s 60, o u tro foco de atenção dos sociólogos
m obilizados para a p ro d u çã o de dados em píricos e estu d o s analí­
ticos. A crise d o clero não apenas se ap ro fundaria a p artir dos
anos 60, com a ab ertu ra de m en talidade e a legitim ação sem
p re c e d e n tes da busca do novo nas hostes e currais católicos,
n u m a espécie dc “ d estape” geral desencadeado pela convocação
d o concílio V aticano U pelo pap a J o ã o X X III em 1962, com o
ainda se cristalizaria pelas décadas seguintes, se é que é possível
cristalizar-se um a crise, feito um destino. N ã o foi à to a que em
1965 saiu publicad o so b os auspícios do C entro de E statística
Religiosa e Investigações Sociais (C ER IS), órgão de sociologia
religiosa da C N B B , um livro rep leto de “ dados so cio ló g ico s”
[sic] d isp o sto s em nu m ero so s quadros e tabelas, da autoria de
G u stav o Pérez, A lfonso G reg o ry e F rançois L epargneur, todos
sacerd o tes co m trein am en to em C iências Sociais, intitulado O
problema sacerdotal no Brasil (Pérez et alii, 1965).
H á um d e p o im e n to d o Pe. A lberto A ntoniazzi, pastoralista
vinculado à igreja católica de Belo H o rizo n te (M G), publicado
em 1989 pelos Cadernos do ISE R (n. 21), com um trech o p articu ­
larm en te p o rm e n o riz a d o no que tange aos anos 60, que m e p a re ­
ce de ex trem a pertin ência rep ro d u zir agora:

Q u a n d o cheguei a o B rasil, em 1963, n ã o m e interessei d e im e d iato


p e lo m u n d o d a s ciên cias sociais. E n tre i n u m se m in á rio cató lico trad icio n al,
n o c u rso d e teologia. N a q u e la é p o ca p re d o m in a v a , n o a m b ie n te católico,
u m a p esq u isa só cio -relig io sa in sp irad a p a rtic u la rm e n te p o r L o v ain a (basta
le m b ra r o n o m e d o P ro f. H o u ta rt [cônego, n a época]) e v o lta d a p a ra lev a n ­
ta m e n to s e statístic o s e m edição d a p rá tic a religiosa. Para d a r u m ex em p lo :
re c e n te m e n te , ten te i e stu d a r o p ro b le m a d o s se m in á rio s e a ú ltim a p e sq u i­
So c io l o g ia da R k i . i g i Ao - á r k a im p u r a m h n t k a c a d k m ic a 257

sa im p o rta n te q u e e n c o n tre i, d e ssa é p o c a , foi um a p esq u isa am p la, so b re


to d o s o s se m in á rio s m a io re s no B rasil, realizad a em 1960 e p u b lic a d a e m
1965 (cf. P é re z et alii, 1965). E m 1967, saiu u m livro d e G o d o fr c d o D e e le n
[tam bém p a d re], c h a m a d o Sociologia epastoral’ em do is volum es: u m , a títu lo
d e in tro d u ç ão , m ais teórico, e o o u tro , um a te n ta tiv a dc sín tese d o s lev an ta­
m e n to s so b re a p rá tic a religiosa d o m in ic a l d o s c ató lic o s. D e p o is disso,
c reio , d e sa p a re c e ra m le v a n ta m e n to s de sse tipo. P o d e r-se -ia a in d a le m b ra r o
trab a lh o d o C E R IS n aquela época. 12 significativo tam b é m que o P lano de
Pastoral d e C o n ju n to a p ro v ad o pelo s b isp o s para o p e río d o 1966-70, veio
a c o m p a n h a d o - pela prim eira e últim a vez — d e um am p lo e am b icio so
p ro g ram a d c pesquisas so b re a prática religiosa e ou tras, m ais sofisticadas,
so b re m otivação, socialização religiosa, catequese etc. P a rte d o s resultados
dessas pesquisas foi publicada p o r C.A. d e M edina e P ed ro A. R ib eiro de
O liveira (M edina & O liveira, 1973). O fato d e q u e o P la n o d e Pastoral [da
C N B B ] incluísse um p ro g ra m a d e pesquisas sócio-rcligiosas traz algum a luz
so b re o u tro d a d o im p o rta n te da época. H avia um a c o n ce p çã o d o planeja­
m e n to p astoral que, salvo e n g an o e co m algum as ressalvas, p o d eria se r c o n si­
derada, no fu ndo, d c tip o tecnocrático. Pensava-se q u e alguns especialistas
na igreja p o d e ria m d ita r o c o n ju n to d e idéias e linhas dc trab a lh o e que
precisavam d e o u tro s e specialistas [a sa b e r, so c ió lo g o s] p a ra fa ze r pesquisas
e fo rn e c e r os d a d o s. E sse c o n te x to e esse o b jetiv o d o p la n e ja m e n to m arca­
vam a e sc o lh a d a s p e sq u isa s e d a m e to d o lo g ia a d o ta d a (A n to n iaz zi, 1989).

C rise da e s tru tu ra p aroquial, clero em deb an d ad a: eis o


q u ad ro q ue cu rio sam en te, m as co m p reen siv elm en te, a cab o u p ro ­
p ician d o a em erg ên cia e c o n stitu içã o de um a p o stu ra favorável
à pesq u isa sociológica e n tre os n o vos “ p la n ejad o res” católicos.
E foi assim q u e a so cio lo g ia da religião no B rasil assum iu,
m a jo rita ria m e n te em seus com eços, as feições d e um a sociologia
do catolicismo.
E u diria que a sociologia da religião em seu prim eiro desen­
volvim ento n o Brasil é m ajoritariam ente sociologia do catolicis­
m o, n ão p o rq u e o catolicism o seja a religião m ajoritária, m as
po rq u e nesse m o m e n to suas elites têm necessidade pastoral de
sociologia. D aí essa cara indisfarçável de sociologia religiosa que
tem a sociologia da religião praticada nesse p erío d o tam bém pe-
258 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

los soció lo g o s não-religiosos (Labbens, 1962); daí, qu em sabe,


essa im p o s ta ç ã o q u e ela d eix a tr a n s p a re c e r a té h o je , essa
m alfo rm ação congênita, essa héxis co nstitucional, esse p o n to de
vista que é, com to d o o peso da expressão, seu standpoint. N os
anos 60, m o m e n to fo rte em que se dissipava o sonho, o velho
so n h o da velha elite eclesiástica recém -nascida na R epública Ve­
lha, projeto acalentado desde então p o r seus m ultiplicados hierarcas
em dioceses m ultiplicadas pelo V aticano em to d o o territó rio
nacional (Miceli, 1988; Pierucci, 1990) - a saber, o so n h o d e um a
nação católica territo rialm ente unificada em to rn o de seus vigári­
os, u n id o s p o r sua vez em to rn o de um bispo, p o n tu a d a de cam ­
p anários e su p erv isio nada p o r atentas cúrias diocesanas a um só
te m p o aliadas d o s p o d e re s locais e ultram ontanas — a elite do
clero m o d e rn iz a n te d o s anos 60 d escobre que os sociólogos, sim ,
eles, os so ció lo g o s, bem que p o d e riam aju d ar o cato licism o
declinante a explicar as causas dessa decadência oxalá reversível
se eles fizessem d o catolicism o o o b jeto de suas investigações e
levantam entos. A ssim foi.
E assim o c o rre u p o rq u e o catolicism o, tom ado c o m o o b je to
central de in teresse d o s sociólogos da religião, nesse m esm o m o ­
v im en to de se fazer o b jeto dos esforços e das estatísticas dos
sociólogos, d esco b ria-se c o m o um o b jeto em co rro sã o nu m a so ­
ciedade em p ro c e sso irreversível de m o d ern ização social e cu ltu ­
ral, inescapavelm ente enredada num m acro p ro cesso de seculari-
zação. O ra, se se acrescen tar nesta consideração o fato de que a
g ra n d e teoria sociológica então d o m in an te ainda não havia sido
alcançada nem de longe peias suspeitas hoje correntes das crises
d e paradigm a, ter-se-á reconstituído sem m aiores a n acro n ism o s a
atm o sfera católica favorável, naquele m o m e n to , tan to à pesquisa
sociológica em pírica, quantitativa inclusive, q u a n to à teorização
m acro-sociológica na qual prevalecia, em m atéria de religião na
m o d ern id ad e, a teoria da seculari%afão. A situação social do catoli­
cism o institucional, em ritm o acelerado de perda de espaço, de
S o cio lo g ia da R k lig ià o - á r k a im p u ram k n tk a cad h m ica 259

prestígio, de certezas e de rum os, não po d ia ser m ais própria,


m ais ad equada, m ais encaixável na teoria. O declínio da prática
religiosa h eg em ô n ica tinha tudo, p o rtan to , para fun cio n ar com o
p o d e ro so atrativo para bo n s sociólogos em busca de um b o m
o b jeto de estudos. Situação altam ente legitim adora, vale dizer,
p o rta d o ra de legitim ação científica para um a área de investigação
— a sociologia d o fato religioso — que n o Brasil apenas com eçava
a d a r sinais de vida.
Q u e m diria? A o declinar em piricam ente a prática religiosa
d o m inante pari. pass// com a m o d ern ização da sociedade brasilei­
ra, o estu d o sociológico d o s d ad o s religiosos m ostrava aos círcu­
los pastoralístas católicos sua utilidade prática, ao m esm o tem po
q u e d e m o n s tra v a ao s m eio s a c a d ê m ico s sua p o te n c ia lid a d e
m acro teó rica e sua validade científica. O co n te x to era mais do
q ue p ro p ício a um a verificação em pírica m ediante enquêtes, sondeos,
surveys q u an titativ o s e qualititativos, que co m eçaram a p ip o car
aqui e ali pelo Brasil (ver SPES, 1966)7, bem com o m ediante
p ro jeto s de pesquisa mais am biciosos na com binação de p ro c ed i­
m en to s m e to d o ló g ico s diversos e na p reten sã o explicativa, resu l­
ta n d o assim , da p a rte d o s que a ta n to se sentiam vocacionados
naquele m o m en to , valiosos e originais a p ro fu n d am en to s da te o ­
ria da modernização-í7/;;/-secularização.
N o b o jo dessa problem ática de declínio católico, específica
de um a con fissão religiosa d eterm in ad a e a um só te m p o geral,
com preensiva, all-encompassing p o r se tra ta r de perd as para a reli­
gião h isto ricam en te m ajoritária e culturalm ente hegem ônica, p e r­
das que nos an o s 50 e 60 com eçaram a to rn a r o estu d o sociológi­
co da religião tout court palatável e cabível no espaço secularizado
— para não d izer secularista — do circuito acadêm ico-universitá-

7. Um exem plo, sacado ao acaso, do que ocorria em m atéria de pesquisa em


sociologia religiosa é o estudo intitulado delude de Tupi Paulista: aspectos
sócio-religiosos (SPES, 1966).
260 A n t ô n i o F i ,A v i o P i k r u c c i

rio, estava-se ab rin do espaço tam b ém para os interessados no


e stu d o das m inorias p rotestantes, espíritas e afro-brasileiras. M u ­
dança social, logo m udança religiosa — ou sócio-religiosa, co m o
se co n v en cio n o u ch am ar naquela c o n ju n tu ra — cuja resultante
desde logo era um a sociedade d e cultura plural, “ o n d e h á alter­
nativas de escolha e o indivíduo depara fre q ü e n tem en te co m si­
tuações novas e inéditas” (C am argo, 1961). C om este m ote, esta­
va definitivam ente a b erto na academ ia o cam inho, estreito e m b o ­
ra, q ue os an o s 70 alargariam e pavim entariam , para a pesquisa
científica em sociologia da religião, que, p o r se caracterizar com o
um a sociologia d o catolicism o em declínio, assum ia preco cem en -
te a fisionom ia de um a sociologia das religiões, no plural.
L ogo n o início dos anos 60, mais precisam ente em 1961, sai
publicado o estu d o Kardecismo e Umbanda: uma interpretação socioló­
gica,, de C ân d id o P ro có p io Ferreira de C am argo, p ro fe sso r da
E sco la de Sociologia e Política de São Paulo, resultado de um a
pesquisa de p o rte internacional com financiam ento da M om eland
F o u n d atio n e da F E R E S (F édération In te rn a tio n ale des In stitu ts
de R echerches Sociales) com sedes em F rib u rg o (Suíça) e B ogotá
(C olôm bia), realizada sim ultaneam ente em diversos países de cul­
tura católica e n tre 1958 e 1961 so b a direção de um sacerd o te
belga, o cô n e g o F rançois H o u ta rt, d ire to r do CRSR (C entre de
R echerches Socio-religieuses) de B ru x elas/L o v ain a (Bélgica). In s­
piração e financiam ento católicos para um a pesquisa acadêmica so ­
b re esp iritism o (kardecista e um bandista), levada a cabo no in te­
rio r de um a universidade laica p o r um ex-católico agnóstico-, eis a
constelação de interesses que presidiu à largada, prefig u ran d o a
fu tu ra fisionom ia d o recém -nascido.
Fechando a década de 60, publica-se em 1969 a tese de d o u ­
torado de B eatriz M uniz de Souza sobre o pentecostalism o, defen­
dida em 1967 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio
Claro (SP) e redigida sob a orientação de C ândido Procopio Ferreira
de Camargo. T razendo um título sugestivo (e ainda hoje atualíssimo),
So c i o l o g i a da R k i .i g i à o - á r k a im p u r a m k n t k a c a d ê m ic a 261

A experiência da salvação: pentecostais em São Paulo, o livro procurava


d ar conta, a p artir d o “ extraordinário crescim ento num érico dos
fiéis pentecostais, atualm ente representando no Brasil mais de 60%
da população p ro te sta n te”, de um quebra-cabeças que até hoje
su rp reen d e e não raro perturba, quando não desorienta teorica­
m ente, m uitos dos que se m etem a estudar co m o cientistas sociais
o cam po religioso no Brasil; a saber: a crescente secularização de
um a sociedade cm que no en tan to persistem e se renovam form as
religiosas fo rtem en te sacrais de orientação da vida. N o prefácio ao
livro de M uniz de Souza, P rocópio C am argo fez questão de cha­
m ar a atenção para as aparentes contradições do processo de m o ­
dernização social e religiosa nos seguintes term os: “ ... co m o bem
m ostra a realidade contem porânea, as funções sociais das religiões
assum em sentidos contraditórios: p o r um lado as religiões limitam
o seu conteú d o , pois participam do processo dc secularização do
m u n d o m o d ern o e abandonam áreas de influência an teriorm ente a
ela atribuídas; p o r o u tro lado, especialm ente nos países subdesen­
volvidos e nas categorias sociais desprivilegiadas, vem os surgir
n ovo ‘reavivam ento’ religioso, cujas funções se m ostram crescen­
tes e diretam ente relacionadas com a situação de dependência dos
países ou com a sujeição de m inorias e classes sociais” (apud Sou­
za, 1969: 7-8). D esd e o início, com o se vê, e este texto foi escrito
em setem b ro de 1968, a sociologia da religião no Brasil dava sinais
inequívocos de vida inteligente c sofisticação intelectual. D esde o
início a coisa teve que ser posta em term os não-sim ples de "oui,
mais... ”, o u seja: secularização sim , m as com m obilização religiosa
acrescida; efervescência religiosa sim , m as p o r causa do apro fu n ­
dam en to da secularização. D esde o início a com plexidade dos p ro ­
cessos repelia, nas teorizações mais aguçadas, a ingenuidade das
fórm ulas sim ples que, hoje em dia, têm im pedido um b o m n ú m ero
de antrop ó lo g o s e sociólogos da religião que a elas se aferram de
cap tar os processos mais intricados, m enos unívocos em seus d e­
senvolvim entos.
262 A n t ó n i o F i .A v i o P i h r u c c i

Im pulso dccisivo para despertar no Brasil da segunda m etade


dos anos 60 o interesse por estudar sociologicam ente os pentecos-
tais, essa exótica m inoria religiosa no seio da respeitável m inoria
p ro testan te, foi d ado sem dúvida pelas pesquisas realizadas no
Chile p o r C hristian La live D ’Epinay, entre os anos de 1965-1966
(D ’Epinay, 1966 e 1970). O riginalm ente escrito em francês e a p re ­
sentado com o tese de d o u to rad o na área de sociologia da U niversi­
dade de G enebra, seu essa/daprocbe sociologiqm [sic\ do pentecostalism o
na sociedade chilena foi editado em espanhol com o título El
refugio de las n/asas, em 1968. E foi editado em português pela Paz e
T erra em 1970, en cerran d o assim nossa prim eira década (D ’Epinay,
1970). O livro de Lalive D ’Epinay foi um verdadeiro turning point,
um aco ntecim ento decisivo pela influência que teve e pelo “ bem
sucedido” da dualidade de filiação que representava: um a obra de
sociologia feita, e bem , a um só tem po nos contextos eclesiástico e
universitários, co m o que dem onstrando a viabilidade de harm oni­
zar num a só pessoa o sociólogo e o teólogo. Rubem César Fernandes,
n o balanço que fez em 1977 do debate entre sociólogos a propósito
dos pentecostais, depois de esclarecer que o livro de Lalive tinha
sido encom endado pelo Conselho M undial de Igrejas “ tendo cm
vista um a estratégia religiosa” e que, isto não obstante isto, se to rn o u
um a peça-chave para o sólido reconhecim ento acadêmico que anga­
riou com o docente e pesquisador na cátedra de sociologia da U ni­
versidade de G enebra, entrega-nos sob a form a de hipótese o arre­
m ate que procurávam os para esta seção da presente retrospectiva:
“E provável que esta dualidade institucional esteja inscrita na m aioria
dos currículos dos cientistas sociais da religião, na A m érica Latina
daquele p erío d o ” (Fernandes, 1977: 58).

A nos 70: o reto rn o dos r e l ig io s o s (e do sag rad o ) à a c a d e m ia

E sta idéia, eu a consigo ler claram ente em Rubem Alves,


q u an d o ele escreve sobre a volta d o sagrado (Alves, 1978).
S o cio lo g ia da R h i.ig iA o - á r k a im p u r a m k n t k a c a d k m ic a 263

T rata-se d o prim eiro balanço que se fez da p ro d u ção na


área, de R ubem Alves, filósofo e teó lo g o presbiteriano, envolvido
ativam ente d esd e o início dos anos 70 num p ro je to institucional
de ciências sociais da religião na U N IC A M P. O títu lo que ele deu
a esse texto era em si m esm o um a bandeira: a volta do sagrado.
S in to m aticam en te celebrativo, ostentava escan d arad am en te as e s­
p erançosas en tran h as d o s círculos brasileiros de intelectuais que
eram acadêm icos, sim , m as antes de m ais nada religiosos. Im p u -
ram en le acadêm icos, p o rtan to , m as alçados naquele m o m e n to
h istórico ao status de “ inteligência acadêm ica” , lugar in stitu cio ­
nal em que a sociologia da religião, let alone a p ró p ria religião,
sab id am en te n ão gozava de g ran d e prestígio com o tem a de in te­
resse intelectual. O re to rn o do sagrado era um a idéia que já na
segunda m eta d e dos anos 70, em plena ditadura m ilitar, se ensai­
ava co m o um d o s m otes p referidos do s estu d io so s da religião e
d esd e então, n o d e c o rre r do s anos, se tornaria um a espécie de
m arca registrada da área. O d ed o do gigante: a exaltação da volta
d o sagrado. Seu mshful thi.nk.ing. a revanche do sagrado, o re to rn o
d o religioso, o regresso da religiosidade. “A inda bem !” “ Q u e bom !”
“ B om p ra nós, b o m pra todos!” ...
A so lid aried ad e, m ais que sim ples conivência, co m o tri­
u n fo da religião nem b e m ele p asse a e sb o ça r seus p rim e iro s
sinais m erg u lh a suas raízes, p o rta n to , no início d o p e río d o que
a A N P O C S d elim ito u para a p re se n te retro sp ectiv a, N o s v io ­
le n to s an o s c in z e n to s d o regim e m ilitar brasileiro, d o s so c ió lo ­
g o s (religiosos) da religião p o d ia-se d ize r tudo, m en o s que eram
p essim istas q u a n to ao fu tu ro da religião. O n ú m ero 1 de Reli­
gião & Sociedade (m aio de 1977) não só estam p av a n o editorial
d e a p re se n ta çã o da revista as d u as v e rte n te s dessa euforia: 1)
“ as p rev isõ es acerca d o fim da religião p arecem hoje cada vez
m ais p ro b le m á tic a s” ; 2) “ deve-se n o ta r q u e os m eios u n iv ersitá­
rios estão d e sp e rta n d o para estes a ssu n to s” , co m o ainda ded i­
cava cerca de trin ta páginas a u m a sessão de deb ate te n d o p o r
264 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

base um te x to u ltra c o n se rv a d o r da fase m ais c o n se rv a d o ra do


filó so fo p o lo n ê s L eszek K olakow ski, cujo títu lo era o p ró p rio
em b lem a d esse esta d o de ânim o: a revanche do sagrado na cultura
profana (K olakow ski, 1977).
Faz mais de vinte anos, p o rta n to , que os cientistas sociais
da religião co nseguem ler, nos m enores sinais que re p o n tam de
sobrevivência d o espírito religioso ou de persistência d o sagrado,
presságios b en ev o lentes de ressurgência antes de m ais nada da
p ró p ria religião q ue p rofessam , que via de regra co stu m a ser um a
das v a ria n te s do c ristia n ism o , m as ta m b é m das o u tr a s
in d iferenciadam ente. Parecem não se d ar co n ta de que um bom
fu tu ro para tod as as religiões im plica, logicam ente, algum a dim i­
nuição d o valor de cada um a. Para eles, o que im p o rta é que a
religião tout court está em alta nos dias de hoje. N ã o im p o rta qual
a religião, não im p o rta com o. É o sagrado que está em alta e
p o n to final, p o n to final para a não-relígíão. P o n to final to rn ad o
p o n to de partida. C laro que esta não é um a atitude geral, m as se
e n c o n tra su ficien tem ente difundida en tre n ó s e tem d u ra d o já
um as b o as décadas para co n tin u ar m erecen d o um insistente caveat
da p a rte d o s pares. A final, envolvim entos afetivo-existenciais com
o o b jeto de pesquisa p o d em afetar seriam ente, não só os resulta­
d o s da pesquisa científica, m as tam bém seus objetivos e p re te n ­
sões de pesquisa científica qua científica.
A n tes de p ro sseg u ir nesta linha de arg um entação, cabe d e s­
tacar q u e os a n o s 70 assistiram à im p lan tação em te rra s b ra si­
leiras e m ais esp ecificam en te paulistas de um a in stitu cio n alid ad e
física sem p re c e d e n tes para a p e sq u isa em ciências sociais da
religião. O s an o s 70 fo ra m p ró d ig o s de novidades para a área.
E ssa in stitu c io n a lid a d e de que falo to m o u c o rp o : 1) na criação,
em 1970, so b a lid eran ça de C â n d id o P ro c ó p io F e rre ira de
C a m a rg o , d o c h a m a d o S e to r de R eligião no re c é m -n a s c id o
C E B R A P (C en tro B rasileiro de A nálise e P lan ejam en to ); 2) com
a fu n d a ç ã o d o 1SER na U N IC A M P n o início da décad a de
S o c i o l o g i a d a R i-i . i g i à o - Á r i -a i m p u r a m k n t k a c a d ê m i c a 265

1970, so b a lid eran ça de R ubem A lves; e 3) do C E R , na USP,


so b a lid eran ça de D uglas Teixeira M o n teiro , estas d u a s últim as
o rg an izaçõ es d e se m b o c a n d o g lo rio sa m e n te 4) na criação, em
1977, da revista Religião <& Sociedade, ligada in stitu c io n alm en te
ta n to ao 1SER q u a n to ao C E R , am p lian d o um espaço editorial
p a ra p u b licação de artig o s que o IS E R já ab rira an o s an tes co m
os ch am ad o s Cadernos do ISER, cujo n. 1 saiu em 1974, espaço
q ue a n te s deles n ão existia. G raças aos Cadernos do ISE R e à
revista Religião & Sociedade au m en ta e n o rm e m e n te a p ro d u ç ã o
d a área em n ú m e ro de publicações, divulgam -se os n o m e s e os
a c h ad o s d o s p esq u isa d o re s esp ecializad o s em religião para um
p ú b lic o m aio r (se bem que sem p re restrito , m esm o co m o p a s­
sar d o s an o s, a algum as cen te n as de en volvidos cm to d o o país)
e, efeito ainda m ais alen tad o r, diversificam -se as tem áticas e os
en foques.
D ia n te dessa nova red e física de o rg an ism o s especializados
q ue in tro d u zia alteração significativa no qu ad ro institucional de
co n stru ç ã o d o in teresse científico no o b jeto religião, enten d e-se a
razão d o o tim ism o co m q u e passava a se expressar, na segunda
m etad e d o s an o s 70, a autoconsciência de um crescim ento q u an ­
titativo e de um fo rtalecim ento da pro d u tiv id ad e da área que
en tã o se verificavam . E stá lá, escrito no editorial d o n. 1 de
Religião & Sociedade: “ H á u m n ú m ero cada vez m aior de pesqui­
sas, teses, sem inários, organizações, com o objetivo de canalizar
recursos e esfo rço s intelectuais para o esclarecim ento do que se
passa n o cam p o religioso” (p. 1). E ra o sagrado que voltava aos
m eios acadêm icos e aí se articulava, com m uito esfo rço e p o u co s
recursos, d ese n h a n d o para si, co m o seu objeto de interesse in te ­
lectual, tem atização c investigação, sua p ró p ria volta à relevância
social e política. A o investigar a nova relevância da religião no
c o n te x to brasileiro dos anos 70, o cientista social fazia-o c o n s­
tru in d o a relevância de sua p ró p ria especialização tem ática, a
sociologia da religião. Só que, ao em baralhar seus interesses cien-
266 A n t ó n i o F i.á v i o P i k r u c c i

tíficos com interesses religiosos incontinentes, agora desrecalcados


e em balados n um c e rto estado de exaltação, solapava com um a
das m ão s o que a o u tra a duras penas tentava erguer, im pedindo-
se assim de alcançar de fato o mainstream o n d e rolava o m elhor
d o prestígio acadêm ico que se p o d e c o n ced er às hum anidades. O
qual, p o r sua vez, excusado lem brar, não é lá o su p rem o status
d o qual p ossa d e sfru tar um cientista em n o ssa c o n tem p o ran eid a-
de. E m sã consciência, ninguém vai dizer que o seto r d e religião
d o C E B R A P fosse a p arte m ais n o b re daquela instituição, nem
naqueles anos n em depois. E m sã consciência, ninguém p o d e
d izer q ue o 1SER e o C E R tenham nalgum m o m en to g o zad o de
ta n to prestígio intelectual q u anto o u tro s centros de pesquisa em
ciências sociais, com o o CEBRAP, o lU P E R J, o C E D E C , o ID E S P
etc. O m esm o se p o d eria dizer do G T so b re Religião no c o n ju n ­
to d o s o u tro s G T s da A N P O C S . E assim p o r diante, p o r m elh o r
q u e fosse a qualidade individual d o s seus p ro d u to s e p o r m aior
que fosse o seu e m p e n h o em valorizar a religião — “ Por que fazer a
Revista? B om , havia claram ente um interesse em valorizar a reli­
gião...” , declarou R u b em C ésar F ernandes (1997: 8) — a so ciolo­
gia da religião co n tin u o u tendo im p ortância secundária. C o n ti­
n u o u exilada do c e n tro das atenções da cena científica. N ã o n e­
cessariam ente os seus praticantes, m as as suas teses e achados.
N ã o necessariam en te nós, m as as nossas teses e achados. Regras
do jogo.
D e to d o m o d o , a religião surpreendia à m edida que avança­
va a sociedade brasileira nos anos 70. M elh o r dizendo, as igrejas
su rp reen d iam p o r sua capacidade de renovação d o utrinária e de
influência em suas bases populares rem otivadas para a ação p o lí­
tica e, su rp resa m aior, pelo influxo re n o v a d o r destas bases em
suas elites. E seduziam pelo esforço de redefinição corajosa do
seu papel na sociedade, pela d esco b erta de um a inusitada rele­
vância sócio-política longe d o E stado, m uitas vezes contra o E s ­
tado, circunscrita ao nível da “nação” , àquele nível que n o s anos
So c io l o g ia d a R k l ig ià o - Á rka im p u r a m k n t k a c a d k m ic a 267

de au to ritarism o estatal e repressão político-ideológica se d esco ­


bria n o jargão intelectual, à luz de Hegel mas sobretudo de G ram sci
(K rischke, 1977; D ó ria, 1978), com o sociedade civil. Parcelas cada
vez mais vocais do alto clero das igrejas cristãs, tan to da católica
q u a n to das p ro testan tes, politizavam seu co m p ro m isso religioso
e faziam valer logisticam ente em favor do s perseguidos, p resos e
to rtu rad o s, das fam ílias dos m o rto s e desaparecidos, sua posição
de relativa im unidade em relação aos órgãos da repressão, to r­
nan d o -se assim efetivos tribunos d o s que não tin h am voz. E
nesse reelab o rad o papel de “voz dos que não têm v o z ” , nessa
função tribun/cia, q ue as instituições eclesiásticas passam a atrair,
ju n tam en te com a sim patia da opinião pública in form ada, o in te­
resse intelectual daquele seto r d o s cientistas sociais que antes
d o s anos 70 n ão conseguiam ver no m u n d o religioso n en h u m
o b jeto de pesq u isa que valesse a pena: os cientistas políticos.
Os cientistas políticos agora entram no assunto. E entram em
cena com seu prestígio profissional e sua com unicação mais direta
com jornalistas da m ídia im pressa, fazendo com isto crescer um
p o u co m ais o prestígio acadêm ico do assunto religião. Escrevem -
se e publicam -se livros m arcantes e artigos às vezes instigantes. “ E
p o r que não a igreja na política?” foi um título d o tad o de força
legitim adora que Francisco W effort deu a um texto seu publicado
no n. 2 de Religião & Sociedade (W effort, 1977). O tem a que se
privilegiava, aliás o grande tema da hora entre os estudiosos da
religião, eram as relações Estado-igreja(s) no Brasil, com destaque
para a igreja católica. O tem a vinha trabalhado freqüentem ente em
perspectiva histórica no intuito de dar conta da grande m udança
em curso nos m eios eclesiásticos e que resultava na (bem vinda!,
este era o tom ) politização-esquerdização das m inorias ativas das
igrejas cristãs, aliadas das forças dem ocráticas nas mais diferentes
form as de luta co n tra a ditadura. A rtigos: Delia Cava, 1975; E stê­
vão e Ram alho, 1976; Araújo, 1977; Azzi, 1977; Kliewer, 1977;
K rischke, 1977; O liveira, 1977; Sodré, 1977; W anderley, 1978;
268 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

Beozzo, 1979; Botas, 1979; K rischke, 1979; Ram alho e Esterci,


1979; Souza N etto , 1979. E n tre os artigos, o destaque vai sem
dúvida para o de D elia Cava, publicado em 1975 pela prestigiada
revista Estudos CEBRAP, cujo com itê editorial contava com os
nom es de Juarez Rubens B randão Lopes (diretor), José A rth u r
G ian n o tti (presidente), Carlos E stevam M artins e Francisco de O li­
veira. O artigo de D elia Cava se tornaria um a referência obrigató­
ria para os estudiosos da área, um a vez que, com base em sete
m onografias de brasilianistas que haviam sido recentem ente publi­
cadas fora do Brasil tratando do catolicism o brasileiro, reconstituía
cronologicam ente a história das relações Igreja-E stado ao longo
de m eio século d o p eríodo republicano (de 1916 a 1964), no p ro ­
p ó sito de avaliar projetivam ente até o n d e chegaria a capacidade do
catolicism o latino-am ericano com o agente de m udança social e de
conquistas dem ocráticas. Livros: C am argo, 1971 e 1973; Alves,
1974 [1979]; B runeau, 1974; H o o rn aert, 1974; Prandi, 1975; Villaça,
1975; Delia Cava, 1976; Azevedo, 1978; Pierucci, 1978; Lima, 1979;
K rischke, 1979; R om ano, 1979.
Relações Igreja-E stado: os cientistas sociais da religião esta­
vam finalm ente diante de um grande tem a. O s graves atritos do
regim e burocrático-autoritário im posto pelos militares brasileiros a
p artir de 1964 com a igreja católica no Brasil, mais um a vez apeada
a c o n tra g o s to d e sua fu n ção tra d ic io n a l de leg itim ad o ra do
o rd en am en to político, haviam trazido consigo para os cientistas
sociais — brasileiros e tam bém brasilianistas — problem as em si
m esm os de alto interesse intelectual e inusitada exigência teórica.
C om efeito, estavam em jogo na política brasileira, mais um a vez e
d esta vez com a radicalidade própria dos tem pos de capitalism o
tardio, nada mais nada m enos que os problem as que envolvem no
p lano jurídico-político da norm atividade societária o inseparável
p a r conceituai legitimação/seculari\ação da ordem social.
O u tro tem a b a stan te afim aos interesses intelectuais dos
cientistas políticos q ue já com eçava n o final dos anos 70 a des­
So c i o l o g i a da R k lig iâ o - á r k a im p u r a m k n t k a c a d k m ic a 269

p o n ta r na literatu ra acadêm ica, em bora p red o m in an tem en te de


auto ria de teó lo g o s (L eonardo B off, 1977; C lodovis B off, 1979),
foi a m obilização das bases eclesiais no bojo d o s m ovim entos
sociais urbanos, d o m o v im en to operário, do m o v im en to sindical,
das gran d es m an ifestações de m assa pela volta da dem ocracia, na
m obilização p o p u lar, em sum a. O tem a explodirá, na década se­
guinte, num a verdad eira pro fu são de análises p ro p riam e n te so ­
ciológicas o u politológicas oriundas dc diferentes démarches m e to ­
dológicas e o rien taçõ es teóricas.
M erecem especial atenção aqui dois livros publicados já no
início da década, em 1973: Para uma sociologia do protestantismo
brasileiro, de W aldo A. C ésar (César, 1973), e Católicos, protestantes e
espíritas, org an izad o p o r C ândido P ro co p io Ferreira de C am argo
(C am argo, 1973), am b os editados pela Vozes, um a ed ito ra católi­
ca en tão em fase risonha e franca d e secularização de seus títu ­
los. O p rim eiro , resu ltante de um a pesquisa e n co m en d ad a ao
a u to r pelo 1SET (In stituto S uperior de E stu d o s T eológicos); o
segundo, resu ltan te de pesquisa bem mais am pla e am biciosa
realizada pelo s e to r d e sociologia da religião d o C E B R A P so b a
co o rd en ação dc P ro co p io C am argo, de cuja execução e redação
particip aram B eatriz M uniz de Souza, Melanie Berezow ski Singer,
R eginaldo P ran d i e R enata Raffaelli N ascim ento. Tour de force
coletivo, “ esta o b ra tem o g ran d e m érito de ser, se não m e equi­
voco, a única tentativa de oferecer um a interp retação global das
relações en tre religiões e sociedade brasileira, buscando en c o n ­
trar ‘as funções co n trad itó rias desem penhadas pelas religiões’ e
se ‘há indícios de que potencialidades das religiões v en h am a
exercer influência significativa no processo de m udança social
b rasileiro’ (p.16)” . A ssim avaliou Rubem Alves, em seu balanço,
esta o b ra d o CEBR A P, cujo título dispunha à guisa de um painel
trip artid o as diferen tes famílias religiosas n o Brasil, Católicos, pro­
testantes, espíritas, eco an d o assim , deliberadam ente e “para b o m
e n te n d e d o r” d o s não -ditos, o título do fam oso livro de coleta e
270 A n t ô n i o F i .á v i o P i i í r u c c i

balanço dos achados em sociologia da religião nos EU A , Protestant-


Catholic-Jeiv, de W ill H e rb e rg (H erberg, 1955). “ G o staria de subli­
n h a r” — pro sseg u ia Rubem Alves e aqui eu rep ito a observação
dele com ênfase ainda m aior — “ a identidade entre o en fo q u e
a d o ta d o e os p re ssu p o sto s m ais gerais da inteligência universitá­
ria brasileira so b re as relações entre religião e m odernização. N as
linhas de W eber, aceita-se que m o d ern ização im plica seculariza-
ç ão ” (Alves, 1978: 125).
O livro de W aldo César, Para uma sociologia do protestantismo
brasileiro (1973), é de g rande utilidade em seu p eq u en o tam a n h o
(48 páginas). P recio so na m edida em que p o d e ser m anuseado
co m o fo n te secundária p o r quem se interessa em rec o n stitu ir o
passad o da perspectiva de um a sociologia da sociologia da reli­
gião, p o rtad o r que é o livrinho de inform ações tópicas valiosíssimas
so b re quem eram os sociólogos que pro d u ziam a sociologia do
p ro te sta n tism o n o Brasil, revelando um certo Zeitgeist que tam ­
bém presidia ao livro do C E B R A P publicado n o m esm o ano. A
bibliografia “ brasileira” que W aldo C ésar levantou so b re p ro te s­
tan tism o em geral e m ais q u atro igrejas p ro testan tes históricas
(batistas, congregacionais, m etodistas e presbiterianos, incluindo
aí os presbiterianos independentes) excluía por razões alegadam ente
m etodológicas a literatura sobre os pentecostais, precisam ente
p o r ser o g ru p o mais estudado sociologicam ente (com o, aliás, o é
até hoje), assim co m o excluía os luteranos. N o esforço de exam i­
n a r a evolução dos estudos sociológicos d o pro testan tism o , o
a u to r sugere três períodos. N o prim eiro (1930-1940), que re p re ­
sen ta a passagem da p ura polêm ica para a o b ra histórica (ainda)
p o lem icam en te o rien tad a, os autores escrevem na qualidade de
m em b ro s filiados a u m a ou o u tra das d enom inações p ro te s ta n ­
tes. N o seg u n d o (1940-1955), m arcado pelo ap arecim ento das
prim eiras o b ras e pesquisas sociológicas, surgem au tores já vin­
culados ao m eio universitário, principalm ente estrangeiros. O ter­
ceiro (a p artir de 1955), m arcado pelo ap ro fu n d a m en to do foco
S o c i o l o g i a d a R h l i g i à o - á r k a i m p u r a m h n t i -: a c a d h m i c a 271

igreja-sociedade, é o m ais prolífico em obras de caráter mais


d efin id am en te sociológico, realizadas entretanto em dupla filiação:
os autores estão o tem p o to d o com um pé no co n tex to eclesiásti­
co e o o u tro n o acadêm ico. E neste p eríodo que o pentecostalism o
surge co m o um cam p o de interesse especial para a pesquisa so­
ciológica, o que não deixa de ser significativo, pois se trata, ago­
ra, de estu d ar o “ o u tro ” , um a vez que não surge n en h u m soció­
logo p en teco stal en tre os p ro te sta n tes to rn ad o s sociólogos. Valha
a frase de W aldo C ésar, de te o r conclusivo e abrangente. A C ésar
o que é d e César: “ O estu d o do p ro testantism o, m esm o atual­
m en te, parece lim itado a p ro testan te s que se to rn ara m sociólogos
- o que n ão seria difícil de explicar” (César, 1973: 10). R emember
q u e quem nestes precisos term os registra a m istura no início dos
an o s 70 é, tam bém ele, de duplo métier.

C o n c lu sã o : f r o n t e ir a s bo rrad as e jo g o duplo

Já q ue co m eçam o s falando de m isturas e fronteiras m al re­


co rtad as en tre disciplinas científicas e crenças religiosas nos p ro ­
d u to s de sociologia da religião, m eu co m en tário final tam bém
tem a ver com isto, com fronteiras. R eto m o o p o n to , agora, fa­
zen d o um a p erg u n ta a n te rio r sobre o p ró p rio o b je to n o sso que é
o cam p o religioso: n o Brasil de hoje, qu an d o é que se en tra e
quan d o é que sai do cam po religioso? N o u tra s palavras, o que é
o cam p o religioso, o n d e ele com eça e o n d e acaba? O s limites
foram um dia dem arcados? As fronteiras co n tin u am definidas?
Parece que não, ou pelo m enos, não da m esm a form a.
Q u e m p o r prim eiro levantou a q u estão nestes te rm o s foi o
“ pai da m a té ria ” , P ie rre B o u rd ie u , o m e sm o q u e c u n h o u a
em pregadíssim a expressão “ cam po religioso” ; o m esm o a u to r da
expressão “ b oa v o n tad e cultural” , tão útil m e parece agora para
qualificar o en co n trad iço d eslu m b ram en to e em b ev ecim en to que
272 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

n o ssa área d em o n stra, um c e rto “ e n ca n ta m en to ” diante do bem -


su ced id o exercício d o p o d e r religioso pelas elites religiosas do
Brasil de agora, cujos resultados palpáveis têm sido justam ente
aquilo que n o s asso m b ra nesse efervescente cam po religioso que
o b serv am o s p o r dever de ofício, aquilo que tem seduzido (além
da conta!) n o sso intelecto de “pesquisadores da realidade” su ­
p o sta m e n te co m “ fo m e de realidade” ( Wirklichkeitshunger, dizia
W eber). P en so q ue um p o u co mais de B ourdieu, do m o d o com o
B o u rd ieu olha a religião, um p o u co mais daquele rigor científico
radicalmente desencantado que disseca o o b jeto en q u an to critica a
p ró p ria disciplina que o indaga, faria m u ito bem a todos nós.
Para esta conclusão, vou buscar em B ourdieu o c u rto texto
da co n ferên cia que fez n u m congresso da A ssociação Francesa
d e Sociologia d a Religião, em 1982, cujo título p o r si só reco ­
m en d a q ue se reto m e o co n teú d o crítico d o texto num balanço
de avaliação da área de sociologia da religião no Brasil, ecoando-
o co m a m erecida ênfase. O título é m o d e rad am en te provocativo:
“Sociólogos da crença e crenças de sociólogos” (B ourdieu, 1990).
N a palestra, B o urdieu mexe n u m p o n to que é da m aior
im p o rtân cia levar em conta na in te rp reta ção que se faz do fen ô ­
m e n o religioso n o Brasil con tem p o rân eo : qual é a fronteira da
instituição religiosa, daquela que org an izan d o a crença no reli­
g io so organiza tam bém a crença na instituição que organiza a
crença? C o m o se definem as fronteiras de um a organização reli­
giosa? E quem as define? O s d ep utados constituintes? O s trib u ­
nais p ressio n ad o s pelas partes? Q u an d o um c o m p o rta m e n to é
religioso e q u a n d o nao é, ou quan d o deixa de ser?
O q ue sabem os disto? C om o estam os lidando com isto em
nossas pesquisas e teorizações? E u, pessoalm ente, só cheguei a
d e s c o b rir a lo c a liz a ç ã o e stra té g ic a d e ste n ó e sua saliência
epistem ológica três anos atrás, qu an d o fui convidado a refletir
so b re o conflito p ú b lico que eclodiu en tre católicos e evangéli­
cos, em rede nacional de televisão, desencadeado pelo episódio
S o c i o l o g i a d a R k i .i g i à o - á r i ;a j m p u r a m k n t k a c a d ê m i c a 273

d o ch u te de um p a sto r neo p en teco stal na im agem da Senhora


A parecida, p ad ro eira do Brasil católico, em 12 de o u tu b ro de
1995, seu dia festivo e “ p o r isto ” feriado nacional.
N aq u ela ocasião, tivem os que en carar um conflito religioso,
em tudo e p o r tu d o religioso, no s personagens, no o b jeto da
agressão, nas instituições im ediatem ente envolvidas. N a própria
alcunha m idiática q ue passou a o sten ta r - “g u erra santa” — era
um co n flito q ue parecia o p o r nas arenas da esfera pública insti­
tuições religiosas p o d e ro sa s e c o n co rre n tes, m as na verdade p u n h a
em jogo e em c o n fro n to um elenco m uito diversificado de atores
sociais não religiosos, e atores sociais de m onta. C h am o u -m e a
atenção o fato de q ue no Brasil c o n te m p o râ n e o os conflitos entre
as religiões e co m as religiões o co rrem de um m o d o im preciso. E
bem isto m esm o: de m o d o im preciso. São explosões de conflito
en v o lv en d o alteridades cada vez m ais im precisas. D e lim ites elás­
ticos e b o rrad o s. A ssim os conflitos religiosos ten d em hoje a
e c lo d ir nas so cied ad es d e cap ita lism o tard io e em ritm o de
globalização eco n ô m ica e cultural. T u d o se passa co m o se o p ró ­
prio co n ceito de atividade religiosa entrasse em parafuso, cada
vez m ais “ flexibilizado” nas m ãos e na fala dos p ró p rio s agentes
p ro fan o -relig io so s das igrejas-em presas — grandes, p equenas e
m icro -em p resas de serviços religiosos - que oferecem respostas
efetivas à d em an d a básica dos a d e p to s/c lie n te s p o r resultados
efetivos aqui e agora (Pierucci, 1996).
O atual p an o ram a cultural brasileiro, em m atéria de religião,
está mais o u m en o s assim: em prim eiro lugar, a conflitualidade
aum en tad a, refo rçad a com a possibilidade crescente de adesões
voluntárias, defecçõ es e conversões, reconversões, desconversões,
de trânsito religioso enfim banalizado, sem escândalo, sem ver­
g o n h a; em segundo lugar, o conflito redesenhado em nível m acro,
redim ensionado. As religiões estão diversificando suas atividades
e funções: escolas, rádios, em issoras de televisão, editoras, livra­
rias, jornais e revistas, lojas de disco e vídeo, p ro d u ç ão e c o m er­
274 A n t ô n i o F i .á v i o P i k r u c c i

cialização de o b jeto s religiosos e souvenirs, instituições financei­


ras, instituições de saúde, serviços de terapia religiosa, d e aco n se­
lh am en to p sicoterápico, de aten d im en to param édico, creches, o r­
fanatos, h o spitais, e stru tu ras im obiliárias, co n stru to ras, prédios
de a p artam en to s e de escritórios, prop ried ad es fundiárias de to d o
tipo e tam anho, O N G s , lobbies, em presas de marketing etc.), m u i­
tas delas, atividades econôm icas sob o guarda-chuva da isenção
fiscal p o r se tratar de organizações religiosas.
P ois bem , esses d esenvolvim entos to d o s têm tu d o a ver
co m a b o rra d u ra das fronteiras do cam p o religioso e, e v id en te­
m en te, com toda a seqüela de im plicações para os sociólogos da
religião que p o d em o s im aginar. E ju stam en te nisto que B ourdieu
agora m e vale, especialm ente q u an d o ele invoca c o m o p o n to de
apoio em pírico de sua reflexão sobre a dificuldade de se fazer
um a sociologia da religião verdadeiram ente científica o fato de
ser p raticada “ p o r p ro d u to res que participam em graus diversos
d o c am p o religioso” (B ourdieu, 1990: 108). E m palavras m uito
d iretas e claras B o u rd ieu afirm a que a ciência específica que
m uitos sociólogos da religião praticam está na verdade enraizada
num a espécie de “ relação de m á fé” com a ciência p ro p riam e n te
dita e num a relação de “ cum plicidade” com a religião. C hega a
d izer que alguns exp erim entam nisto “um p razer cúm plice” ildenr.
110), atitude criticável na m edida em que é aí precisam ente que
se configura a dita m á fé. Má fé, de um lado, para com a ciência
tout court, a ciência científica, e, de o u tro , m á fé tam bém para com
os c o n su m id o re s da sociologia da religião que se p ro d u z , os
co n su m id o res d iretos m as tam bém os indiretos, ainda m en o s crí­
ticos d o q ue os p ro d u to res.
P ode um a sociologia dessas ser um a verdadeira sociologia
científica? - p erg u n ta, seco, B ourdieu. “ D ificilm ente” — re sp o n ­
de. E p o n d era: “ Isto é, so m en te se acom p an h ad a de um a so ciolo­
gia científica d o c am p o religioso.” Tal sociologia, po rém , é um a
em p resa m u ito difícil. “N ã o que o cam po religioso seja m ais
So c io l o g ia da R iu . i g i Ao - á r k a im p u r a m u n t h a c a d êm ic a 275

difícil de analisar d o que um o u tro (em bora aqueles que estão


envolvidos nele tenham interesse em fazer co m que se acredite
nisso), m as p o rq u e, q u an d o se faz p arte dele, participa-se da
crença in eren te ao fato de se p erten cer a um cam po, qualquer
que seja ele (religioso, universitário etc.), e porque, quando não
se faz p arte dele, co rre-se em prim eiro lugar o risco de deixar de
inscrever a crença n o m odelo etc., e, em segundo lugar, de ser
privado de um a p a rte da in form ação útil” (ídenr. 108).
N ã o se trata de saber se as pessoas que fazem sociologia da
religião têm fé o u não, nem m esm o se perten cem ou não a um a
form ação religiosa determ inada. O pro b lem a não reside aí, são
o u tro s os v erd ad eiro s te rm o s da questão. “A q u estão é a crença
vinculada ao fato de se p e rte n c e r ao cam po religioso, o que cha­
m o de i/lusio, investim ento no jogo ligado a interesses e v an ta­
gens específicos, característicos desse cam po e dos alvos particu ­
lares que estão em jogo nele” . Se o problem a se põe de form a
ainda mais aguda n o caso do cam po religioso, “ é porque o cam ­
p o religioso é, c o m o to dos os cam pos, um universo de crença,
m as n o qual o a ssu n to é a crença. A crença que a instituição
organiza (crença em D eus, crença no dogm a etc.) tende a m asca­
ra r a crença na instituição, o obsequium, c to d o s os interesses
ligados à rep ro d u ção da instituição. E isso mais ainda na m edida
em q ue a fro n teira d o cam po religioso se to rn o u im precisa (te­
m os b ispos sociólogos) e que é possível acreditar que se saiu do
cam p o sem ter realm ente saído dele” (Idem: 109). E , porque hoje
esta fro n teira ficou ainda m ais b o rrad a , é possível que m uitos
d o s sociólogos da religião leitores deste ensaio acreditem \sic\
q ue estão inseridos plenam ente no c am p o científico e fora do
cam p o religioso, q u an d o na verdade de lá nunca saíram episte-
m o lo g icam en te falando.
“N a m ed id a em q ue a fro n teira d o cam po religioso se to r­
n o u im precisa” —form ulação mais clara que esta, com p erd ão do
tro cad ilh o com rim a, não precisa. A França tem bispos so ciólo­
276 A n t ô n i o F i.ä v i o P i k r u c c i

gos: “ tem os b ispos so ció lo g o s”, observ a B ourdieu. Basta p o n tu ­


ar com um exem plo desses para que venha à tona, com clareza
m eridiana, a realidade n ebulosa das fronteiras bo rrad as en tre ciên­
cia e religião, en tre o c am p o universitário e o cam po religioso
n um país co m o a F rança, e não só lá. B o u rd ieu usa a este p ro p ó ­
sito o n o m e “ sociólogo original” , p o r analogia com H egel e seu
“h isto ria d o r original” , que, “vivendo no espírito do aco n tec im en ­
to ” , assum e os p re ssu p o sto s daqueles cuja história ele está c o n ­
tan d o (Idem: 111).
C o m o p ro ced er para não acabar fazendo, p o r excessiva c o m ­
placência ou relaxam ento, um “ jogo d u p lo ”? O que fazer, para
n ão acab ar caindo na “ tentação do jogo d u p lo e da dupla v an ta­
g em ” , tentação que, segundo B ourdieu, “ am eaça especialm ente
os especialistas das gran d es religiões universais, católicos que
estu d am o catolicism o, pro testan tes, o pro testan tism o , judeus, o
judaísm o (ninguém o b se rv o u co m o são raros os estudos c ru z a ­
dos — católicos e stu d a n d o o judaísm o ou vice-versa — ou c o m p a­
rativos): nesse caso, é g ran d e o perigo de se p ro d u zir um a e sp é­
cie de ciência edificante, destinada a serv ir de fu n d am en to a um a
religiosidade científica, p e rm itin d o acum ular as vantagens da lu­
cidez científica e as v antagens da fidelidade religiosa” (Idem 112-
113). E p o r causa desses riscos que m e interessa de frente o fato
da sim ultaneidade de duas ocorrências m uito freqüentes no B ra­
sil; a saber: 1) m uitos do s pesquisadores da religião hoje no B ra­
sil p ro fessam ou p raticam crenças religiosas; 2) parte significativa
d o que se p ro d u z em sociologia da religião no Brasil, d esd e os
an o s 70, faz o “elogio da religião” e aplaude com incontida e u fo ­
ria o “ re to rn o d o sag rad o ” . C om o sab er se n um a h o ra dessas é o
cientista que fala o u não será o religioso, o crente, o m ístico
p ratican d o v entroloquia?
Já pensaram nisto? O que fazer para ficar com as vantagens e
evitar as desvantagens anticientíficas do jogo duplo? A resposta de
B ourdieu vai ser: assum ir bem -analisadam ente a p rópria pertença
S O C IO I.O G I A DA R h i .IGIAO - ArK A IM PU R A M IiN T Ii A C A D K M IC A 277

religiosa, caso haja. O bjetivá-la, torná-la objeto, subm etê-la a um


esforço de objetivação reflexiva sem com placência. Para o sociólo­
g o da religião, esta é a única tom ada de posição cientificam ente
conseqüente. Tem que assumir. Porque, quando se to rna auto-
rcflexiva, “ a p erten ça p ode se tornar, de obstáculo à objetivação,
num adjuvante da objetivação dos limites da objetivação, co n tan to
que ela m esm a seja objetivada e controlada” . Fazer parte do cam ­
p o científico implica não abrir m ão dos controles de cientificidade.
P or conseguinte, “ é com a condição de saber que se p ertence ao
cam po religioso, com os interesses aferentes, que se pode co n tro lar
os efeitos dessa inserção no cam po e retirar daí as experiências e
in fo rm açõ es necessárias para p ro d u zir um a objetivação não re­
duto ra, cap az de su p e ra r a alternativa do in terio r e do exterior, da
vinculação cega e da lucidez parcial. M as essa superação supõe
um a objetivação sem com placência (...) de to d o s o s vínculos, de
todas as form as de participação, dc perten ças objetivas ou subje­
tivas, m esm o as m ais tênues. (...) O co rte epistem ológico, nesse
caso, passa p o r um c o rte social, q u e su p õ e ele p ró p rio um a
objetivação (dolorosa) d o s vínculos e das vinculações” (Idem: 112).
B ourdieu p ro p õ e p o rta n to co m o única saída digna para os soció­
lo g o s q ue crêem o avançar na direção de m aior soeioiogização da
p rópria prática sociológica. P ro p õ e com o m eio reg en erad o r o
exercício da “ sociologia dos sociólogos” . Q ue n ão se inspira num a
in tenção polêm ica, m u ito m enos jurídica. M as visa tão -so m e n te a
to rn a r visíveis alguns dos m ais p o d e ro so s obstáculos sociais à
p rodução científica. “ R ecusar a objetivação das adesões, e a d o lo ­
rosa am putação que ela implica, significa condenar-se a jogar o
jogo duplo, social e psicologicam ente vantajoso, que perm ite acum u­
lar as vantagens da cientificidade (aparente) e da religiosidade”
(Idem: 112).
A últim a frase da conferência de B ourdieu su b linha esta sua
p ro p o sta de saída, qual seja, a sociologia da sociologia da reli­
gião: “ Finalizando, a sociologia d o s determ in an tes sociais da prá-
278 A n t ó n i o F i .A v i o P i k r u c c i

tica sociológica aparece com o o único m eio de acum ular, d iferen ­


te m e n te das conciliações fictícias do jogo duplo, as van tag en s de
se p e rte n c e r a um cam po, de se particip ar dele, e as vantagens da
exterio rid ad e, d o c o rte e da distância ob je tiv an te ” (Idem: 113,
g rifo m eu).
N ã o é p reciso d izer mais nada. O u talvez sim. Q u e a so cio ­
logia da religião só é possível p o rq u e tem na crítica m o d e rn a da
religião sua condição pós-tradicional de possibilidade e n q u a n to
ciência moderna, en q u a n to ciência científica.

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E s tu d o s so b re P ro fis s õ e s
no B r a s il

Maria da d o r ia Vionclli

IN TR O D U Ç Ã O

A tem ática profissional aparece nos estudos das Ciências


Sociais brasileiras de quatro formas. A primeira delas é identificada
co m o Sociologia das P rofissões e insere-se no debate de m odelos
analíticos reconhecidos com o centrais a esta especialização. A
segunda form a é mais influenciada pela profissionalização na
sociedade do que pela bibliografia da área. São trabalhos que
recorrem ao argum ento profissional com o um aspecto relevante
para o entendim ento da problem ática que estão estudando. A
terceira form a utiliza esse enfoque para analisar fenôm enos so ­
ciais distintos do profissional, que se constituem de maneira se­
m elhante a ele através de ‘carreiras’. A última form a não distin­
gue o uso acadêm ico do term o profissão daquele cunhado pelo
senso com um , utilizando-o para se referir a todas as experiências
ocupacionais no m ercado de trabalho.1

1. Há uma vasta bibliografia que, ao investigar as relações cle trabalho ou a


qualificação do trabalhador na indústria, na agricultura ou nos serviços,
288 M a r ia d a G l o r ia B o n k i .i .i

E ste trabalho vai focalizar a produção sobre as profissões


brasileiras nas Ciências Sociais, nos últimos 30 anos, tom ando
co m o referência as linhas apontadas acim a.2 Vai ater-se às duas
primeiras form as de lidar com a tem ática p o r serem centrais para
a constituição e expansão do cam po acadêm ico da Sociologia das
P rofissões no país, procurando relacionar esta produção co m o
debate internacional. O s estudos que lidam com o fenôm en o
profissional sem serem identificados co m o vinculados à especia­
lização, além de trazerem contribuições relevantes para ampliar o
conh ecim en to sobre as profissões no Brasil, apontam as limita­
ções que esta literatura precisa superar.
As duas últimas form as são apenas indicadas aqui, deline­
ando uma área para onde esta perspectiva se expandiu e outra
onde ela enfrenta dificuldades. E m uma delas, sobressai as co n ­
tribuições teóricas da Sociologia das Profissões e sua aplicabilidade
para a com preensão de o b jeto s que não se situam no âm bito da
estru tu ra o c u p a c io n a l.3 N a o u tra , e v id e n c ia -se a fa lta de
interlocução com a Sociologia do Trabalho no Brasil, trocas inte­
lectuais que precisam ser cultivadas.
O total de títulos levantados foi de 170 e estão organizados
no final do texto segundo a profissão.4 D este conjunto, foram

tom a a term inologia das profissões no seu uso cotidiano para analisar a
situação dos m enores no mercado, a força de trabalho com instrução ele­
mentar, o processo de inclusão e expansão feminina no em prego rem une­
rado, entre outros.
2. N ão foram incluídos neste balanço as pesquisas que tom am os militares e
o clero com o profissão. As Forças Arm adas e a Igreja são instituições que
prom ovem um tipo de socialização de seus m em bros com alto grau de
isolam ento, se com parado às demais profissões. Isto exige uma análise
diferenciada, impossível de ser feita dentro dos limites deste artigo.
3. E xem p los desta influência são os estudos que focalizam a “ profissionaliza­
çã o ” e as carreiras n o cam po das atividades de assistencialism o, com o
tam bém nas O N G ’s.
4. Baseia-se em levantam ento realizado nas bibliotecas da Faculdade de Filoso­
fia, Letras e Ciências Humanas da U SP , na E scola de Adm inistração de
liS T U D O S SOBRIv P R O F I S S Õ K S N O BR A SIl. 289

selecionados 40 títulos para análise, que revelam alguma sintonia


com a bibliografia internacional, no m om en to em que foram
escritos. O argum ento central do balanço sobre a Sociologia das
P rofissões no Brasil procurará m ostrar com o os trabalhos que
lidavam co m a inserção das profissões no m ercado e que as
concebiam com o comunidades predominaram aqui, seguindo o
padrão identificado na bibliografia anglo-saxã até a década de 80.
A partir daí, tal tendência com eçou a ser criticada e revista por
estudos que investigaram a temática profissional numa perspecti­
va histórico-com parada, ampliando este esco p o para além dos
limites do m ercado1, diferenciando-se das vertentes que não iden­
tificavam a autonom ia relativa das profissões cm relações à or­
dem econ ôm ica e às classes sociais. A literatura internacional
tam bém já vinha problem atixando as con cep çõ es tradicionais so­
bre a estrutura comunitária das profissões.6
N um balanço da produção sobre o s advogados em diversos
países, Halliday (1995) identificou quatro esferas onde se inseri­
am os estudos, refletindo a trajetória do enfoque profissional.

Em presas da FG V -SP c na UFSCar. O levantamento da produção dc teses e


dissertações refere-se aos dados registrados no IB IC T - Instituto Brasileiro
dc Inform ações em Ciência c Tecnologia para as áreas de Sociologia, Ciência
Política e Antropologia, até janeiro de 1998. O s periódicos pesquisados fo­
ram: Revista Brasileira de Ciências Sociais (A N P O C S), D ados (IU P E R J)
B IB - Revista Inform ativa e Bibliográfica em Ciências Sociais (A N PO C S),
Ciências Sociais H o je (A N PO C S), Lua Nova (C E D E C ), N ovos Estudos
(C E B R A P ), Revista de Administração de Em presas (F G V ), Tem po Social
(U SP), Cadernos dc Pesquisa (Pundação Carlos Chagas), História, Ciência e
Saúde - Manguinhos (Fundação Oswaldo Cruz), Revista de Ciências Sociais
(U FCeará), Sociedade e Estado (U nB ), Cadernos de Estudos Sociais (Funda­
ção Joaquim N abuco), Cadernos de Sociologia (U FR G S), Teoria & Pesquisa
(U FSCar) e Latin American Research Review (LASA).
5. Ver Jo h n so n (1982), G eison (1984), Rueschem eyer (1986), Siegrist (1986),
Halliday (1 9 8 7 ), K arpik (1 9 8 8 ), B urrage (1 9 9 0 ), B urrage e T orstendahl
(1990), C ocks e Jarausch (1990), Dezalay e G arth (1995) e Freidson (1996).
6. Ver o estudo de Freidson sobre a Medicina, publicado pela primeira vez
em 1970 com nova edição em 198 6 e o de Larson (1977).
290 M a r i a d a G l o r i a B o n h u .i

E ssas esferas são: m ercado, Estado, sociedade civil e com unida­


de. E m seu levantam ento sobre profissão e m ercado observou
que os olhares partiram da análise do con trole e do m onopólio
profissional chegando ã perspectiva de com o esses m ercados são
socialm ente construídos. Sobre o E stad o, a literatura foi da c o n ­
cepção onde os profissionais eram vistos com o cooptados por
ele, até a que investiga o papel que os advogados desem penha­
ram com o constru tores e/ou legitim adores do Estado. So b re a
sociedacie civil, a Sociologia das P rofissões cam inhou da visão
onde as profissões refletem a ordem estratificada para aquela
onde elas são criadoras da sociedade civil. Sobre a com unidade,
as análises partiram da perspectiva que identifica profissão com o
com unidade introduzindo depois a abordagem das profissões na
comunidade.
Levando em consideração as especificidades da produção
local, procurarei apontar os cam inhos percorridos pelos estudos
so bre profissões no Brasil, tom ando co m o referência o prism a
que Halliday construiu.

A S O R IG E N S D A P R O B L E M Á T IC A P R O F IS S IO N A L
N A P R O D U Ç Ã O A C A D Ê M IC A B R A S IL E IR A

O s estudos pioneiros sobre profissões no Brasil foram de­


senvolvidos entre os anos 60 e 70. N este con texto, já identifica­
m os trabalhos que analisaram os profissionais no E stad o, que
investigaram as profissões no m ercado, que as conceberam com o
com unidades e que as viram co m o reflexos da ordem social.
E n tre os prim eiros, predom inam análises de pesquisadores que
h o je estão associados à Ciência Política, à H istória e à A n tro p o ­
logia, revelando fronteiras mais tênues na delim itação de o b jeto s,
enfoques e especializações. São eles: Carlos Estevam M artins (1968
e 1974), que focalizou os profissionais em organizações e reco r­
E s t u d o s s o b r k P r o h s s O ks n o B r a sii. 291

reu ao co n te ú d o d o p ro fiss io n a lis m o para d ife re n cia r os


tecn o cratas7dos burocratas co m o elites de poder, em seu livro
Tecnocracia e capitalismo: A política dos técnicos no Brasil; Stuart Schwartz
(1973), que pesquisou a magistratura da Suprem a C orte da Bahia,
entre 1609 e 1751, analisando suas relações com a m etrópole e as
elites locais, reconhecend o um perfil profissional entre os juizes
que os distinguia dos demais grupos dom inantes, criticando as
visões que reduziam as relações dos desem bargadores com a
C oroa à mera condição de co o p tação ; c A nthony Leeds (1965),
que desenvolveu um estudo antropológico so b re estrutura de
carreiras, v in cu lan d o -a às redes so cia is en tre os in tere sses
oligárquicos, a burocracia pública, a cúpula do E stad o e a Igreja,
apontando co m o as panelinhas eram a sistem ática de recruta­
m ento para estas posições. E n qu an to o trabalho de Schw artz
introduziu a questão da profissão co m o com unidade, focalizan­
do a corp oração dos juizes e sua hom ogeneidade ideológica, a
análise de Leeds trouxe a abordagem das carreiras com o reflexo
da estrutura social estratificada.
E n tre o s autores que priorizaram a análise das profissões no
mercado, destacam-se seus vínculos com a Sociologia e a consti­
tuição da especialização. O s trabalhos que se inserem nesta classi­
ficação são: a) a tese de livre-docência de O racy Nogueira (1967),
onde assinalava a perda da condição liberal das profissões no mer­
cado de trabalho, decorrente do processo de ‘institucionalização”8

7. Segundo a definição do autor, os tecnocratas são especialistas insubstituíveis


em função de sua alta qualificação técnica, tornando-se detentores de poder
devido ao m onopólio do saber técnico-científico. Seu poder vem de fora da
organização c é assim , autônom o, enquanto que o poder dos burocratas vem
da própria organização, o que possibilita que eles sejam substituídos.
8. O autor referia-se à perda da condição liberal no exercício profissional. Na
Sociologia das P rofissõ es este processo é cham ado tam bém de desprofis-
sionalização, de burocratização e de proletarização, dependendo das carac­
terísticas desta mudança e do olhar do pesquisador. Proletarização associa-
se ao assalariam ento, falta de autonom ia para realizar diagnósticos basea-
292 M a r i a d a G l o r i a B o n k i .i . i

das profissões de nível superior; b) o livro de Luis Pereira (1969)


sobre o magistério primário, analisando com o esta ocupação fem i­
nina de classe m édia assalariada en tra ra em p ro c e sso de
proletarização a partir da segunda metade dos anos 50; c) o douto­
ram ento de Maria Cecília D onnangelo (1972) sobre os médicos e o
mercado de trabalho, onde indicava a perda de autonomia do pro­
fissional no mercado, devido a uma progressiva burocratização,
com assalariamento e ausência de controle sobre seu trabalho. As
relações com o Estado foram focalizadas através da criação do
sistema previdenciário que atuava na direção de restringir a auto­
nom ia e diversificar as ideologias profissionais classificadas com o
liberal, empresarial e estatizante; d) o mestrado de Jo sé Carlos
D urand sobre os arquitetos (1972), investigando a situação da pro­
fissão no mercado, identificava a tendência à burocratização, com
o assalariamento dos profissionais empregados nas grandes e m é­
dias empresas e a falência do m odelo liberal de profissão. E m
1975, Durand publicou um artigo crítico tanto da Sociologia das
Profissões norte-am ericana, apresentada com o predom inantem en­
te ideológica, quanto da produção sobre o tema no Brasil, que ele
via polarizada entre as explicações funcionalistas e marxistas; e f) o
mestrado de Lili Kawamura (1978) sobre os engenheiros, que apon­
tava a bipolarização desse grupo profissional cm intelectuais orgâ­
nicos da burguesia e os engenheiros que ocupavam posições su­
balterna, com funções rotineiras e sem caráter de mando, identifi­
cando uma acentuada tendência â proletarização da profissão.
E n tre estes trabalhos percebem os tam bém a visão de p ro ­
fissão com o um reflexo da sociedade, tanto quando ela era con -

dos no conh ecim en to especializado c perda dc controle sobre o p rocesso


de trabalho. A bu rocratização tende a vincular-se com à inserção no E sta ­
do, em bora seja tam bém usada para o assalariam ento em em presas priva­
das. A desprofissionalização indica que a profissão m antém sua autonom ia
em diagnosticar, o que caracteriza a preservação do poder apoiado no
saber abstrato.
R S T U D O S SO BR K P R O l-ISS Õ liS N O BRA SIL 293

cebida com o uma estrutura de classes quanto co m o estratificação


social. O utros estudos tom aram o cam inho de utilizar os enfoques
da questão profissional co m o uma ideologia, para apoiar p roces­
sos de profissionalização em atividades co m o a E nferm agem ,
procurando m elhorar seu prestígio no m ercado ocupacional. E s ­
tas abordagens recorreram à con cep ção de profissão co m o c o ­
munidade, procurando criar as cond ições para profissionalização
e para a m obilidade coletiva de seus m em bros. E m geral, esses
estudos foram realizados por pesquisadores vinculados às disci­
plinas sob investigação, com o o caso da tese de cátedra de G lete
Alcântara (1966), na E sco la de E n ferm ag em da U SP/Ribeirão
P reto, e a tese de doutorado de Silvia Leser de M . Pereira (1972),
no In stituto de Psicologia/ USP. E ste último trabalho enfatizava
o aspecto da m issão profissional, priorizando práticas que resul­
tassem em benefícios públicos em vez do predom ínio da clínica
privada. A proposta da autora tentava redirecionar a profissão
co m o com unidade para a profissão dirigida à sociedade, baseada
no “ideal de serviço” .
A consolidação das fronteiras entre disciplinas e a disputa
entre especializações m arcou a Sociologia das Profissões com o
aquela que prioriza as profissões no m ercado. N a m aior parte
das vezes em que as relações com o E stad o foram consideradas,
o rótulo classificatório do estudo deixou de ser o da Sociologia
das P rofissões.9 N esta área, quando se registrava referência ao
E stado, ela aparecia co m o algo desqualificador do profissionalis­

9. O argum ento de Maria Rita Loureiro (1997) esclarecendo porque seu livro,
Os economistas e o governo, não c um estudo afeto à Sociologia das Profissões
ilustra esta visão. “ (•■■) Cabe explicitar ainda que a análise efetuada não se
orienta pelo enfoque d o grupo profissional, não sendo abordadas questões
co m o m ercado de trabalho, situação salarial etc., cujo exam e exigiria refe­
rência obrigatória ao co n ju n to de portadores de diplom a universitário. Ao
contrário, as análises referem -se basicam ente ao segm ento esp ecífico dos
econom istas que participam do sistem a decisório governam ental em fun­
ção de sua com petência técnica especializada.”, p. 19.
294 M a r ia da G i .o r i a B o n h i .i . i

mo, com o uma am eaça à autonom ia profissional, à livre organi­


zação da profissão e a perda de controle sobre o trabalho e sobre
o m onopólio do m ercado. Sob esta perspectiva, o E stad o era
visto com o um mal que danificava as profissões. A ideologia
liberal característica das profissões liberais acabou perm eando a
análise sociológica do fenôm eno, inclusive sob o olhar marxista.
E sta tendência é d eco rren te da sintonia com as vertentes
da produção internacion al, que relacionaram o p rofissionalism o
com o p ro cesso associativo au tôn om o de grupos e de co m u n i­
dades profissionais n o m ercado, protegidos tan to das regras da
liv re-con co rrên cia quanto da in terv en ção do E stad o . O s m od e­
los da burguesia e da b u rocracia aparecem co m o as form as de
estruturar a vida social que os profissionais rejeitam ao p ro p o ­
rem o ex ercício liberal co m o sua alternativa. A m aior parte dos
estudos da So cio lo g ia das P ro fissõ es no B rasil vincula-se a este
debate. Analisam as p rofissões no m ercado critican d o o p red o­
m ínio do m od elo burguês, quando diagnosticam o p ro cesso de
proletarização. C ond enam o E stad o e as em presas quando id en­
tificam a bu rocratização, a perda da con d ição liberal e a d esp ro-
fissionalização.
A crítica feita ao enfoque da Sociologia das P rofissões ini­
cialm ente form ulada por D urand tam bém reflete a sintonia com
a produção internacional, mas de origem francesa, onde a so cie­
dade foi m enos marcada pelo tipo de profissionalização que ca­
racterizou a Inglaterra e os E stad os Unidos. A ideologia do pro­
fissionalism o é denunciada com o recurso de pod er para favore­
cer os m onopólios profissionais e os projetos de ascensão social
coletivos. Sem pre que o olhar predom inante nos estudos recorre
ao con hecim en to especializado para prom over o profissionalis­
mo, a tem ática em si se transform a no o b jeto de crítica. E la passa
a ser vista co m o um instrum ento para m elhor posicionar o grupo
profissional nas hierarquias do m ercado. E m b o ra dentro de uma
perspectiva crítica, o debate m anteve-se dentro desse âmbito.
IiS T U D O S SO U Rli P R O N S S Ô K S N O B ra sii.
29 5

E n tre os estudos que focalizaram as profissões e o Estado,


foi o trabalho de M artins que efetivam ente recorreu aos con cei­
tos mais debatidos na Sociologia das Profissões para proceder
sua análise. A proposta que o autor form ulou para qualificar os
tecnocratas incorporava a definição de profissionalism o (a auto­
nom ia e o poder profissionais baseados no saber abstrato) para
distingui-los dos burocratas e do co n ceito de burocracia. Tanto o
trabalho de Leeds quanto o de Schw artz não trazem tal preocu­
pação, muitas vezes usando o term o burocracia com o equivalen­
te à profissão.
Já para esta primeira geração de estudos foi possível perce­
b er as quatro perspectivas que Halliday apontou para se con ceb er
a problem ática profissional. O bserva-se com o esses trabalhos li­
dam com algumas das questões levantadas por ele, sem se ‘encai­
xarem ’ exclusivam ente em uma única esfera. Tais investigações
buscaram com preender seus respectivos o b jeto s de estudo e não
a trajetória dc uma tem ática, tarefa que será desenvolvida aqui
assem elhando-se àquela de Halliday. Focalizarem os, a seguir, cada
uma destas esferas na literatura sobre as profissões no Brasil.

P R O F IS S Õ E S E EST A D O

N a década de 80, alguns trabalhos analisaram as relações


entre profissões e E stad o sem estruturar a investigação desta
form a. O estudo de Carvalho (1980) sobre as elites políticas e a
co n stru ção da ordem imperial deu destaque ao papel que os
m agistrados desem penharam nesse processo. A socialização c o ­
mum em C oim bra e a hom ogeneidade ideológica deste corpo
profissional seriam fatores decisivos para explicar a constituição
desses juizes com o elite política unificada dando coesão ao E sta ­
do. Uma de suas conseqüências seria a m anutenção da integrida­
de territorial brasileira frente a um co n tex to onde predom inou o
296 M a r ia da G lo r ia B o n k i .l i

fracionam ento das ex-colônias espanholas na América do Sul. O


peso dos valores com uns partilhados na carreira dos m agistrados
tam bém introduzia no argum ento do autor a esfera da profissão
com o com unidade.'0
M iceli (1981) segue na vertente interpretativa que identifi­
cou o E stad o brasileiro com o pro m o to r da cooptação p rofissio­
nal, na investigação que fez sobre a elite política p ó s-1930 e os
advogados com o porta-vòzes na esfera da política, dos interesses
de grupos econ ôm icos dominantes. Seu estudo baseia-se no exa­
me das bancadas do P S D e da U D N na C onstituinte de 1946.
D eten d o-se sobre as trajetórias de carreira desses parlamentares,
ele reconhece um padrão de apadrinham ento e cooptação pelo
E stad o entre os pessedistas e o elo entre profissão (bacharéis),
fam ília, setor privado e poder entre os udenistas. N este aspecto
seu trabalho tam bém lida co m a visão de profissão com o reflexo
das relações na sociedade.
A análise de A d orno (1988) sobre os bacharéis da Faculda­
de de D ireito do Largo de São Fran cisco no período imperial
articula E stad o e profissionalização. E le m ostra com o o processo
de socialização que os bacharéis viveram no desem penho da ati­
vidade de publicista, redigindo jornais acadêm icos, form ou a iden­
tidade dos advogados com a tarefa de con stru ir o E stad o e a
sociedade civilizada no Brasil, partilhando valores com uns basea­
dos numa adaptação local do ideário liberal. A estrutura de seu
argum ento situa os advogados tanto na esfera da política, com o
construtores do E stad o, quanto na esfera da sociedade, onde eles
se viam civilizando-a de cima para baixo.
Schneider (1994) focalizou a burocracia pública e a política
industrial no Brasil destacando o sucesso que o E stad o obteve na

10. N o sentido contrário ao argum ento de Carvalho, G raham (1997) procura


descaracterizar a conduta m ais profissional da magistratura enfatizando o
predom ínio das práticas clientelistas entre os juizes, tal co m o identificava
nos demais grupos dom inantes.
IiS T U D O S SO U Rli P R O riS S Ô IiS NO B rash . 297

industrialização, apesar de ter percorrido cam inhos distintos dos


que a literatura tradicional reconhecia com o eficazes. N esses ca ­
sos, a im portância da identificação dos burocratas com a organi­
zação aparece co m o padrão, já que é necessário en con trar entre
estes dirigentes a m esm a vontade dos governantes para dar c o e ­
rência ao p ro cesso de industrialização. Aqui, a rotatividade frag­
m entava os laços com os órgãos, além das práticas clientelistas
pred om inarem nas nom eações para o preenchim ento de inúm e­
ros p o sto s. O autor introduz a abordagem da análise de carreiras
para en tend er a dinâm ica de circulação desses burocratas na sua
trajetória no E stad o, relacionando-a com a explicação de uma
política industrial bem sucedida. E le aponta quatro tipos de car­
reiras con struíd as pelos dirigentes das estatais pesquisadas: polí­
tica, militar, técnica e técnica política, sendo nestas duas últimas
que a abordagem profissional se destaca. Profissões e E stad o são
analisados so b a perspectiva das carreiras, exam inando-se tam ­
bém a socialização e os valores partilhados na profissão com o
d iferen ciad ores entre os técnicos e os técnicos-políticos, p o r um
lado, e os dem ais burocratas, por outro.
G o m e s (1994) organiza um livro onde os autores investi­
gam as relações dos engenheiros c dos econom istas com o E sta ­
do, num a perspectiva histórica, m ostrando com o eles constituí­
ram as novas elites burocráticas, em substituição ao predom ínio
d o s b a c h a ré is. E la relacio n a esta passagem co m c o n te x to s
in terv en cio n istas e autoritários, onde o “profissional da política”
foi p reterid o pela ideologia da com petência técnica, im agem com
a qual os en g en h eiro s e econom istas se identificaram . N o capítu­
lo so b re os engenheiros, D ias retom a os processos de p rofissio­
nalização e d e construção do E stad o m ostrando com o um influ­
en cio u o ou tro. D estaca o papel do governo em facilitar o co n ­
trole d o s en g en h eiro s sobre seu m ercado e co m o eles foram
co n q u ista n d o posições técnica no aparelho estatal. N o capítulo
so b re os eco n om istas, M otta destaca a identidade intelectual na
298 M a r ia da G lo r ia B o n k lli

inserção burocrática desses profissionais, buscando se legitim a­


rem com o donos de um saber indispensável, ao mesm o tem po
em que davam legitimidade a um E stad o supostam ente pautado
em d e c isõ e s té cn ica s, n o lugar do p re d o m ín io da p o lítica
clientelista. O olhar que dá unidade ao livro lida com os técnicos
com o elites burocráticas, que paulatinamente vão extraindo maiores
ganhos nas relações com o Estado. A visão de profissão que
fundam enta esta percepção privilegia aquela onde os grupos p ro ­
fissionais se organizam para a conquista de interesses esp ecífi­
cos, sem associá-los a projetos de con teú do público.
Loureiro (1997) concentra sua investigação nos econom istas
que ocuparam posições dirigentes no governo. E m contraste com
as interpretações precedentes sobre a participação desta profissão
no Estado, ela evita denom iná-los de burocratas, enfatizando a
condição de dirigentes políticos marcados pela identificação co m a
experti.se e a carreira acadêmica. Sua análise com para a experiência
brasileira com a de outros países, buscando descaracterizar a atua­
ção d estes d irigen tes co m o um a co n se q ü ê n cia com u m do
intervencionism o estatal. A autora som a-se à vertente que relacio­
na a grande participação destes profissionais com o dirigentes com
a necessidade de legitim ação política do governo, que obtém
credibilidade para seus programas e propostas, apoiados no respei­
to e na autoridade do conhecim ento econôm ico. A com petência
técnica é tam bém a base de legitimidade para que eles possam
decidir sem contar com mandato eleitoral. Loureiro identifica um
padrão na participação dos econom istas no governo que está rela­
cionado com o tipo de sistema político. Nas democracias estáveis,
eles são menos autônom os do que nas democracias não consolida­
das. N o caso brasileiro, os econom istas-dirigentes possuem relati­
va autonomia das pressões vindas das diversas forças sociais, mas,
para isso, atrelam-se aos líderes de governo. Trata-se de uma visão
onde a profissão legitima o Estado e onde a elite profissional é
uma comunidade voltada para si e para sua visão de mundo.
l í S T U D O S S O l i R H P R O T I S S Ò I íS N O BRASH. 2 99

O co n ju n to dos trabalhos que enfocaram as relações das


profissões com o E stad o priorizaram a co n cep ção de profissão
co m o com unidade, organizada para a prom oção de seus interes­
ses. O debate não perpassou o cam po profissional, mas o tipo de
elo com o Estado. Profissão foi tom ada com o um co n ceito es­
tanque e o mutável era a visão sobre o que ela fazia no Estado.
Elas foram percebidas tanto com o cooptadas por ele quanto com o
construtoras ou legitimadoras dele, independente de que profis­
são estava sendo estudada. E m geral, o E stad o era o personagem
principal do recorte analítico e a profissão aparecia num papel
secundário, m enos exposta às problem atizações teóricas.

P R O F IS S Õ E S E M E R C A D O

A década de 80 consolidou a abordagem profissional dentro


da hierarquia ocupacional. Esta dimensão concentrou a Sociologia
das Profissões nos problemas de m onopólio de m ercado e no
maior ou m enor controle sobre o trabalho desenvolvido. O debate
priorizou as análises sobre o que estava acontecendo com os pro­
cessos de profissionalização em term os de tendências à desprofis-
sionalização, proletarização e burocratízação das profissões.
N esta vertente, Prandi (1982) estudou as relações entre ensi­
no superior e profissões universitárias, apresentando o dilema en­
tre a posição social favorecida das parcelas com acesso à universi­
dade e a situação degradada que tinham de enfrentar no mercado
de trabalho depois de formados, onde se difundia a desprofissio-
nalização e a proletarização das profissões. O autor se baseava nos
trabalhos de D onnangelo, Nogueira e Kawamura apresentados aci­
ma para caracterizar as condições de exercício profissional.
Falcão (1984) estuda os advogados exam inando o ensino
jurídico e o m ercado de trabalho. Sua preocu pação seguia na
direção da pesquisa que Lim a J r ., K lein e M artins (1 9 7 0 ) reali-
300 M a r i a d a G i .o r i a B o n k i .u

zaram no IU P E R J, apontando as d eficiên cias na form ação tra­


dicional e generalista dos advogados para a realidade de m erca­
do, ensino que precisava diversificar-se e m odernizar-se para
atend er as novas áreas especializadas. F alcão retom a o p ro cesso
de criação dos cu rsos jurídicos voltados para form ar a elite
p o lítico-b u ro crática do E stad o, onde os bacharéis exerciam ati­
vidades não-jurídicas, e m ostra co m o este padrão de form ação
perdurou. C om a expansão do en sino superior e a m anutenção
do estilo bacharelesco teve-se o desequilíbrio no m ercado de
trabalho, com o ferta m aior que a dem anda. O perfil ocu pacio-
nal indicava o predom ínio da bu rocratização e o assalariam ento
dos advogados, co m retraim ento no ex ercício liberal da p ro fis­
são. O E sta d o seguia sendo um grande em pregador, mas para
as atividades não-jurídicas.
M arinho (1985) focaliza o processo de profissionalização
da Medicina, Engenharia, Advocacia, Enferm agem , Farm ácia, Aná­
lise de Sistem as e da Sociologia m ostrando o peso da intervenção
do E stad o brasileiro na regulam entação do m ercado e das dispu­
tas entre as profissões. Seu olhar relaciona o sucesso ou o fracas­
so em com pletar a profissionalização da ocupação no m ercado à
posse ou não das seguintes características: saber abstrato especi­
alizado, organização e condições am bientais (natureza do servi­
ço, tipo de m ercado, clientela e produção dos produtores). O
autor tam bém constata a burocratização do m ercado de trabalho.
Se em Falcão a intervenção do E stad o na criação das faculdades
aparece com o um desvio do m odelo tradicional de profissão li­
beral, em M arinho ele é o garantidor do sucesso para o con trole
de m ercado. E m am bos, está ausente uma via de mão-dupla na
relação entre E stad o e profissões. Trata-se de um processo visto
co m o vindo d e cim a para baixo."

11. C o n c e ito ex tra íd o de H an n es S ie g ris t ( 1 9 8 6 ), qu e ch am o u de


“ professionalization from above” os processos de profissionalização apoia­
dos pelo Estado, ao com parar os casos da Suíça, França e Alemanha.
IiST U D O S SO B R K P R O F IS S Õ E S NO B R Á S!!. 301

C oelho (1988) focaliza as form as de organização da produ­


ção da ciência, recorrendo ao debate profissional para criticar o
m odelo contem porâneo de organização da atividade científica.
E m sua visão, este m odelo apóia-se no excessivo credencialism o
praticado no mundo acadêm ico. E le vincula a inflação de títulos
co m a lógica de consum o do produto ofertad o pelas universida­
des, que em vez de resultar na eficiência da com unidade cien tífi­
ca, acaba legitim ando as sinecuras acadêm icas. O autor critica
tam bém o uso da autonom ia — con ceito indissociável do saber
profissional na definição dos conteúdos do co n h ecim en to — com o
ideologia para m onopolizar capital cultural e prestígio. E ste tra­
balho insere-se na vertente que vincula p ro fissão à hierarquia
ocupacional, condenando as reservas de m ercado e os usos ideo­
lógicos desses m onopólios.
Schwartzman e Balbachevsky (1992) exam inam a docência
superior sob o prisma profissional, estratificando os professores
universitários de acordo com suas atividades, qualificações e/ou
identidades e com os tipos de estabelecim entos onde trabalham. A
primeira tipologia construída classificava co m o proletariado acadê­
mico os profissionais nas instituições privadas e estaduais fora de
São Paulo. O s profissionais nas instituições públicas federais fo­
ram considerados com o um tipo intermediário, polarizando-se en­
tre o sindicato de ofício e a profissão liberal, e os professores das
universidades públicas paulistas e de algumas outras instituições
adequavam-se mais plenam ente ao m odelo acadêm ico. A análise
que enfatiza a heterogeneidade desta profissão segundo as posi­
ções de prestígio no m ercado universitário foi depois aprofundada
por Balbachevsky (1995) em sua tese de doutorado. E n tre as co n ­
tribuições que fez à abordagem acima, ela refinou a classificação
proposta anteriorm ente, mas manteve seu argum ento na esfera do
mercado, ao atribuir aos profissionais identidades que tipificam
principalmente as instituições onde eles trabalham . A os contextos
institucionais semi-acadêmicos corresponderia uma sub-cultura que
30 2 M a r i a d a G l o r i a B o n h i .i .i

ela detectou com o sendo a do professor pesquisador, aos con tex­


tos sem i-corporativos ela vincula a sub-cultura do professor-pro-
fissional e aos contextos semi-empresariais a autora associa a sub-
cultura do docente do ensino superior.
G rü n insere-se no debate profissional em dois m om entos
distintos da situação do m ercado de trabalho dos gerentes. N o
primeiro (1992), focaliza um contexto de disputas simbólicas pelo
cetro da modernidade no cam po gerencial, título que legitima e
impulsiona as carreiras. Apoiando-se em dados coletados em 1987/
1988 analisa os executivos ligados a associações cujos m em bros
não possuíam diplomas superiores de escolas de primeira linha.
E le examina as estratégias discursivas desse grupo frente aos desa­
fios que o prestígio destes diplomas representam. A ponta com o a
ideologia do profissionalism o e da com petência técnica é a vence­
dora nesses em bates, sobrepondo-se inclusive à propriedade priva­
da. Para ele, a valorização deste tipo de conhecim ento se imporia
às famílias burguesas, atribuindo legitimidade aos sucessores que
detinham as credenciais para administrar os negócios. N um a or­
dem associada ao neoliberalism o e ao predomínio da reestrutura­
ção organizacional seguida de desemprego gerencial, o autor (1996)
retom a a problem ática discutindo os limites do profissionalism o
neste contexto c as mudanças no universo sim bólico dos executi­
vos. E le assinala com o a expansão das franquias representa uma
retomada no padrão que caracterizou o espírito em preendedor dos
pequenos com erciantes, agora reelaborado pela ideologia da com ­
petência administrativa que valoriza a form ação superior. Num
mercado onde G rü n identifica o avanço da lógica desprofissionali-
zante, hom ogeneizando o setor m oderno dos gerentes com o setor
tradicional dos pequenos negociantes, é no universo sim bólico que
se realimentariam as distinções entre os dois grupos: os possuidores
da com petência obtida na universidade relacionam o título com a
condição de em preendedores m odernos, diferenciando-se dos pe­
quenos com erciantes tradicionais.
f i S T U D O S S O R RH P R O H I S S Ò H S N O B R A S I I . 303

M achado (1997) faz um retrato da situação presente dos


m édicos tanto no m ercado de trabalho c na form ação p rofissio­
nal quanto na com posição social do grupo e na sua participação
política e sindical. A pesquisa assem elha-se ao survey realizado
por D onnangelo, estabelecendo paralelos e com p arações entre os
dois períodos enfocados. A autora utiliza esta investigação para
retom ar o debate profissional no cam po da saúde e segue a ver­
tente que diagnostica a burocradzação da M edicina no m ercado
de trabalh o , o re ju v en e scim en to do c o rp o p ro fissio n a l e a
fem inização nas especialidades que perm item às médicas co n cili­
ar o papel dom éstico e o profissional.
D iniz (1998) e Barbosa (1998) discutem o profissionalism o a
partir de uma visão que diagnostica a forte presença desta form a
de organizar a divisão social do trabalho, na hierarquia ocupacio-
nal brasileira. Participando do m esm o debate, diferenciam -se dos
olhares que apontam os fracassos no processo de profissionaliza­
ção, com o a tendência à proletarização. N o argumento de D iniz é a
força das profissões que se destaca, configurando aos profissionais
a condição de donos do saber, com o os novos mandarins da socie­
dade contem porânea. O desem penho de atividades onde eles estão
sujeitos ao assalariamento ou à inserção nas burocracias públicas e
privadas não lhes impede de preservar “suas qualificações técni­
cas, o controle do conhecim ento altamente especializado e sobre o
processo de trabalho” (p. 165), m antendo sua autonomia, o que
diferencia-os da proletarização. Barbosa retoma m om entos da his­
tória da profissionalização no Brasil para assinalar a perm anência
de oportunidades para a classe média no modelo do profissionalis­
mo, tanto sob o assalariamento com o sob o exercício liberal. Aponta
o predorqínio do saber profissional instituindo laços de dependên­
cia da sociedade em relação ao conhecim ento científico, e com o
esta forma de representar o mundo social tende a tornar-se domi­
nante na atualidade. Segundo ela, o ponto central para se avaliar o
sucesso ou fracasso da estratégia profissional não se resume ao
3 0 4 M a r ia da G l o r ia B o n k lli

conteúdo da atividade ou à relação de trabalho, já que as profis­


sões construíram “form as sociais de controle do trabalho” (p. 140).
As pesquisas apresentadas acima ilustram diversas maneiras
de se focar as profissões na hierarquia ocupacional. Alguns estu­
dos lidam com as estratégias de ascensão pela profissionalização,
mas a maioria assinala as conseqüências da deterioração do m erca­
do de trabalho para as profissões. A partir do final dos anos 80, as
novas form as de se interpretar o profissionalismo enfatizam a for­
ça deste projeto na sociedade brasileira, apontando com o o fenô­
m eno é reelaborado e se consolida, apesar do pessim ismo que
predominara na literatura na década anterior. Nesta perspectiva
registramos tanto as críticas ao credencialism o das profissões, que
assinalam o conteúdo ideológico, as conseqüências nefastas das
reservas de mercado para a qualidade dos serviços e a difusão do
corporativism o, com o também os olhares que destacam o sucesso
da estratégia de profissionalização e seus resultados para a coletivi­
dade. E stes trabalhos recorrem à Sociologia das Profissões para
analisá-las no mercado. Elas não são vistas com o grupos congela­
dos numa estrutura ocupacional. Até nas concepções m enos flexí­
veis sobre profissões, os autores assinalam com o elas se m ovim en­
tam reagindo às condições adversas no mercado, mesmo que sen­
do vítimas do capital ou do Estado. Há uma historicidade própria
às profissões, até quando elas estão respondendo às bordoadas
vindas do meio onde estão sendo focalizadas. E sta dinâmica não
caracterizou a maioria dos estudos apresentados na seção sobre o
Estado, onde as elites profissionais foram vistas com o com unida­
des congeladas passando pelos eventos históricos, perdendo a di­
mensão de profissão com o processo.

P R O F IS SÕ E S E SO C IED A D E

Alguns estudos nesta esfera viam a situação das p ro fissõ es


co m o reflexo da ordem social ou determ inadas pelas relações
B S T U D O S SO IiRK P R 0 1 :ISSÒK S N O BR A SII. 305

sociais vigentes na socied ad e.12 O u tro s enfatizaram o papel dos


p rofissionais co m o co n stru to res da sociedade civil, recorren d o
ao conhecim ento especializado de sua profissão, tanto para “dar”
à coletividade m elhores con d ições de vida quanto para co n sti­
tuir uma esfera pública de discussão dos direitos sociais e da
cidadania.13
Para ilustrar o prim eiro tipo, foram selecionados três fo r­
mas de analisar as profissões co m o reflexos da sociedade: os
trabalhos de B ru schini (1978), Loyola (1984) e Sim ões (1992).
Exem plificando o segundo tipo, tem -se a pesquisa de Lessa e
Linhares (1990).
Segundo o estudo de Bruschini (1978) das enferm eiras,
engenheiras e professoras, os valores dom inantes na sociedade
sobre o papel da mulher reproduziam -se nas profissões. C on stru ­
íam-se socialm ente estereótipos sobre as carreiras mais adequa­
das a elas, que na prática se configuravam co m o inadequadas.
Assim , porque as m ulheres assum em na família as atividades
ligadas ã educação e à saúde, na profissionalização elas se co n ­
centravam nestas áreas. E n tretan to, o estudo realizado pela auto­
ra constatou que as jornadas e as condições de trabalho da E n ­
ferm agem geravam incom patibilidade com os papéis dom ésticos,
no cotidiano da vida das enferm eiras, com o esquema de horário
variável, com plantões em fins-de-sem ana e noturnos. Para elas,
era mais difícil desem penhar os papéis fam iliares (casar e ter

12. Há análises sobre as profissões no m ercado que possuem elos com esta
form a de abordar o problema profissional, com o c o caso dos estudos
sobre proletarização das profissões (Kawamura, 1978) ou sobre a estratifi­
cação das profissões (Schwartzm an e Balbachevsky, 1992). E ntretanto, o
foco central dos trabalhos classificados lá é o mercado.
13. O estudo de A dorno (1988), além de focalizar a auto-imagem dos bacha­
réis com o constru tores do E stado, deu relevância à form a co m o eles parti­
ciparam da construção de uma esfera pública, onde debatiam tanto suas
propostas políticas liberais centradas nos direitos individuais quanto seus
projetos para civilizar a sociedade.
3 0 6 M a r i a d a G i .o r i a B o n h i . i . i

filhos) do que para as engenheiras entrevistadas, apesar da identi­


ficação masculina desta profissão. E stas engenheiras tinham m e­
nos dificuldades em acumular os dois papéis, já que a jornada e
as condições de trabalho interferiam m enos na organização do
dia-a-dia da família.
Loyola (1984) analisa os con flitos entre os diversos especia­
listas da cura do corp o e do espírito e suas relações co m sua
clientela, inserindo tanto os profissionais e praticantes quanto os
clientes na estrutura de classes. As disputas entre as perspectivas
cientificas e religiosas e os em bates in tern os a cada um desses
cam pos refletem os co n flito s sociais existentes na sociedade. A
busca que a população faz a diferentes form as de cura do corpo
e do espírito d ecorre da não aceitação do dom ínio dos m édicos e
de sua visão de mundo sobre sua identidade, reafirm ando a pos­
sessão de si m esm a c de seu saber sobre o co rp o e a doença.
Sim ões (1992) tom a o caso dos engenheiros para debater os
m odelos de classe e de estratificação no estudo das classes m édi­
as profissionais. E la rejeita as visões que identificam um p ro ces­
so hom ogêneo em cu rso n o m ercado de trabalho dos engenhei­
ros. Assim , contrapõe-se à “con cep ção linear” de Kawamura que
indica a tendência à proletarização. Sim ões m antém -se sob o prisma
m arxista, mas enfatiza a heterogeneidade ao destacar as divisões
de classe dentro das categorias ocupacionais e entre os engenhei­
ros assalariados. Através da realização de um survey, ela detecta a
predom inância das ‘posições contraditórias de classe’ entre os
engenheiros e analisa estas posições em relação às opiniões polí­
ticas e ideológicas desses profissionais. C onclui que em bora haja
tendência à proletarização, ela não transform a os engenheiros em
proletários.
O trabalho de Lessa e Linhares (1990) sobre a O A B — RJ
reconstitui a trajetória da associação através de depoim entos das
lideranças. O s autores examinam a con strução da organização,
seus elos com as questões político-institucionais e a consolidação
IsSTL'DOS s o r r i ; P r o h i s s ô i c s n o B r a sii. 307

da identidade do grupo com o uma dim ensão do mundo institu­


erions] b rasileiro , ex p ressa em três fases d istin ta s (reativ a,
demiúrgica e otdinária). Segundo esta classificação, na fase reativa
a O A B se caracteriza com o uma instituição da sociedade brasilei­
ra, ao reagir às quebras nas ordens constitucionais e na defesa do
estado de direito em co n texto s históricos quando eles foram vio­
lados. N a fase demiúrgica, a O A B form ula “propostas de co n fi­
guração do mundo público brasileiro (...) operando no processo
de fabricação das cond ições necessárias para a existência da pró­
pria política” (p. 134). Na fase ordinária, que correspond e à vida
dem ocrática regular, a O A B volta-se para o aperfeiçoam ento da
nova ordem , exercendo um papel fiscalizador so b re as institui­
ções dem ocráticas.
E m b o ra vários estudos tenham enfocad o as profissões na
sociedade, eles passaram distante da literatura da Sociologia das
Profissões. O s trabalhos que enfatizaram as relações profissio­
nais entre pares, entre com petidores ou com clientes co m o deter­
minadas pelas lutas de classe ou co m o reflexos diretos da estru­
tura da sociedade, não deixaram espaço para a co n cep ção de
profissão predom inante naquela literatura. A profissão era ape­
nas um instrum ento para sc argum entar a favor de algum deter­
m inism o, o que não dava relevância ao fen ôm eno profissional
em si e nem o reconhecia com alguma autonom ia. E ssa rigidez
distanciava os estudos acim a daqueles norm alm ente associados à
temática. O s trabalhos que analisaram o papel que as profissões
desem penharam na constituição da sociedade civil e da esfera
pública olhavam este fen ôm eno sob um prisma identificado na
literatura com o o do “ideal de serv iço ” . Tal co n cep ção — relacio­
nada à ênfase altruísta que Parsons atribuía às profissões servin­
do seus clientes — tem sido alvo de muitas críticas na Sociologia
das Profissões. Elas aparecem com o denúncia da ideologia do
profissionalism o, mas não com o investigação de seu im pacto na
ação dos grupos profissionais que as incorporam , acreditam , de­
308 M a r ia da G i .o r i a B o n k i .u

fendem e se guiam p o r ela, dando vida real ao ideal, nas disputas


internas de suas associações. N o Brasil dos anos 70, as organiza­
ções dos advogados, dos arquitetos e dos jornalistas estiveram à
frente dos m ovim entos de resistência aos governos militares. Já
nos anos 30, os engenheiros-arquitetos sonhavam com a co n stru ­
ção da casa própria popular, projeto que não se restringiu a ser
um sonho só do povo.14 A relação entre as profissões e a socieda­
de civil precisa ser investigada sob a perspectiva profissional, seja
na fabricação da esfera pública ou na ampliação da cidadania,
seja na crença em o fertar serviços que m elhorem a vida da co le­
tividade. N um país com o o Brasil, com um sistem a político m ar­
cado pela m enor estabilidade, as organizações profissionais o cu ­
param um espaço de representação da sociedade, que foi além
das fronteiras do contingente efetivo de seus m em bros.

P R O F IS S Õ E S E C O M U N ID A D E

A o contrário da tendência apontada acim a, sob a classifica­


ção de profissões e com unidade há uma produção relevante na
Sociologia das P rofissões no Brasil. Foram agrupados neste tópi­
co os estudos que focalizaram as profissões: a) com o com unida­
des, b) que se propuseram a desconstruir ou problem atizar esta
abordagem , e c) que inserem as profissões em com unidades exa-
m inando-as neste contexto.
A concep ção de profissão co m o com unidade apresentada
no tópico sobre E stad o destaca a hom ogeneidade do grupo, vis­
to co m o uma elite que partilha socialização e valores comuns.

14. V er a tese de M arques (1995) que, analisando a trajetória da profissionaliza­


ção do urbanism o no Brasil, apresenta a atuação de grupos profissionais e
do IA B voltada para a sociedade. Ver tam bém o livro de Carpintéro, A
construção de ti»i sonho (1997), sobre a relação dos engenheiros-arquitetos
com a form ulação de uma política habitacional para o Brasil nos anos 30.
IlS T U D O S SO K R K P R 0 I ; ISSÒHS N O BRA SIL 309

U m a outra form a de vê-la assim é crítica do poder que elas


m onopolizam , instituindo o corporativism o das profissões. C om o
essas perspectivas foram introduzidas anteriorm ente, apresenta­
rem os a seguir a análise de uma tentativa recente de profissiona­
lização, recorrend o à con strução da com unidade (Russo, 1993),
além de trabalhos que problem atizam as profissões co m o com u ­
nidades (Bonelli, 1995), (B arbosa,1993) e de estudos que inserem
a profissão em comunidades, com o as redes familiares (Coradini,
1996), a etnia (Salles, 1997) e a cidade do interior (Bonelli, 1998).
Russo (1993) acom panha o m ovim ento das terapias co rp o ­
rais no cam po psicológico analisando a expansão desta prática
no R io de Jan eiro e as estratégias de profissionalização adotadas
a partir dos anos 80. E la vincula este crescim ento co m as ideolo­
gias dos estratos m édios relacionadas, por um lado, com a m u­
dança representada pela ascensão social e, por outro, com a tradi­
ção e a estabilidade do prestígio. A autora focaliza as form as
sim bólicas co m o este novo grupo de terapeutas, de origem social
distinta dos psicanalistas realiza a m obilidade social coletiva. Ela
m ostra a diferenciação através do estilo alternativo, seguida da
busca para consolidar posições de prestígio, com o ecletism o dos
b io e n e rg é tic o s sen d o su b stitu íd o p elo rig o r c ie n tífic o dos
organoterapeutas. Russo acom panha as disputas pelo poder de
nom eação para estabelecer quem faz ou não parte da com unida­
de, concebendo-as com o processo de transform ação do cam po
profissional em corp o profissional.
B arb o sa (19 9 3 ) investiga os engenheiros e a con stituição
dos grupos sociais, analisando o p ro cesso de p rofissionalização
co m o uma fo rm a de hierarquização social e de exclusão dos
não credenciados. Seu argum ento de que as p ro fissõ es são g ru ­
pos sociais que co n stro em sua co esão é desenvolvido através
da trajetória h istórica dos engenheiros, e de co m o eles alcan ­
çam sucesso no seu coesion am en to, apesar das diferenças de
origem social, de gênero, de especialização e de carreiras. S e ­
310 M a r i a d a G i .o r i a B o n k i .j . i

gundo ela, m esm o co m esta diversidade, os engenheiros p re se r­


vam -se co m o grupo social devido à “existên cia de rep resen ta­
çõ es co eren tes do m undo social e do g ru p o profissional q u e
são partilhadas pelos seus m em bros e validadas pela socied ad e
em geral” (p. 279). O s em bates co m ou tro s grupos tam bém
atuam para co esio n ar os engenheiros.
B on elli (1995) problem atiza a n o ção h o m ogên ea de co m u ­
nidade profissional, investigando a estratificação das atividades
ocu pacion ais e as disputas in traprofissionais pelo poder de n o ­
m eação nas C iências Sociais. A análise qualitativa cen tra-se nas
p o siçõ es que os form ad os em C iências Sociais ocupam no s is­
tem a das profissões, e co m o eles lutam entre si para serem
incluídos ou excluídos no grupo dos cien tistas sociais, através
das identidades profissionais. A d efinição de quais atividades
fazem parte da pro fissão e co m o elas se hierarquizam in tern a ­
m ente é apresentada co m o a versão dom inante, relacionada à
força dos grupos que a im põe aos dem ais. E ste s reagem a tais
classificaçõ es procuran d o d eslegitim á-las, seja quando visam
entrar no grupo e en fren tam resistências, seja quando o o b je ti­
vo é d iferenciar-se dos cientistas sociais e seguem sen d o trata­
dos co m o internos.
A o analisar a trajetória de três m em bros da Academ ia N a ­
cional de M edicina, entre o Im pério e R epública, e focalizá-los
no co n texto de suas famílias e nas relações sociais centradas na
reciprocidade, Coradini (1996) toma o problem a das profissões
na comunidade pelo lado da desconstrução da visão d e que há
um ethos profissional para esta elite médica. As práticas de reci­
procidade da com unidade de origem (famílias im portantes) esta­
riam justapostas ao m odelo do profissionalism o cen trad o no mé­
rito, caracterizando a situação no Brasil com o híbrida. Segundo o
autor, a im portação de filosofias e tecnologias m édicas para o
país m o foi acom panhada da transposição para cá das cond ições
onde esse ethos profissional foi gerado, predom inando aqui as
K S T U D O S SOI5RK P R O F I S S Ò K S NO BRA SII. 311

relações de amizade e inimizade, que são típicas do pólo oposto


ao da racionalidade científica.
Salles (1997) exam ina a inserção dos m édicos italianos na
estrutura social paulista entre 1890 e 1930, apontando o sucesso
deste p ro jeto im igratório com o grupo realizando mobilidade
social conjuntam ente co m a afirm ação da M edicina paulista. A
autora relaciona a concentração destes m édicos em São Paulo
co m o atendim ento à comunidade italiana e com a criação das
sociedades de m útuo so co rro e de beneficiência. Ela aponta com o
a construção da identidade do grupo se deu em con traste com
seus pares paulistas e com o con ju n to dos im igrantes italianos,
prática de distinção que teria atuado tam bém na fabricação de
uma identidade italiana para toda a comunidade.
Bonelli (1998) aborda as profissões do D ireito em uma ci­
dade de médio porte do interior de São Paulo, captando a dinâ­
mica da interação dos juizes, prom otores, advogados e delegados
de polícia entre si e na form a com o se vêem na comunidade
local. D iferente das pesquisas de cam po realizadas na capital do
Estado, no interior a presença da com unidade na vida cotidiana
desses profissionais cham a a atenção tanto pelo tipo de visibili­
dade e im portância social que eles adquirem nessas localidades
quanto pela fiscalização inform al a que eles se vêem sujeitos, não
usufruindo do anonim ato das m etrópoles. N a cidade estudada, a
rede de relações locais, com destaque para a família, era a princi­
pal fonte que o advogado tinha para a inserção no m ercado pro­
fissional e para a obtenção de clientela, o que diferenciava esta
carreira daquelas desem penhadas no E stad o (juizes, prom otores
e delegados).
E sses trabalhos ilustram a diversidade de perspectivas sobre
profissão e com unidade na literatura da Sociologia das P ro fis­
sões. As pesquisas etnográficas resumidas acima recorreram às
abordagens desta tem ática para a com preensão de seus objetos
de estudo, ao m esm o tem po que trouxeram colaborações rele-
3 1 2 M a r ia da G i .o r i a B o n k i .u

vantes pata a área, que vêm problem atizando o con ceito de p ro ­


fissão com o comunidade. N este sentido, registram os argum enta­
ções que questionaram tanto o aspecto profissional quanto o
aspecto com unitário desta relação.
As novas form as com o profissões e com unidade vêm sendo
investigadas, deixam claro o contraste com a m era reprodução da
ideologia do profissionalism o e com as visões que tomavam a
hom ogeneidade e a coesão dos grupos co m o realidades dadas,
sem subm etê-las ao crivo da pesquisa e da análise especializada.

N O V A S P ER SPEC TIV A S NA S O C IO L O G IA D A S P R O F ISSÕ E S

NO BRASIL

N o s dois tópicos onde esta tem ática m anteve-se retraída, ou


seja, no âm bito das relações com o E stad o e com a sociedade, já
se registram estudos orientados pelo olhar da Sociologia das P ro ­
fissões. São abordagens histórico-com paradas que dão transpa­
rência à dinâmica daquelas relações, em m om entos distintos da
trajetória do grupo profissional.
A tese de doutorado de Marques (1995) sobre as profissões
do urbanism o aponta nesta direção. E la investiga a história da
constituição, o desenvolvimento e a desprofissionalização do urba­
nism o no Brasil. O m om ento constitutivo está relacionado ao E s ­
tado N ovo e a regulamentação do mercado de trabalho que favore­
ceu a demarcação de jurisdições estabelecendo monopólios. A pro­
fissão é examinada sob uma perspectiva que vincula sua situação
no m ercado à ação do Estado em todos os contextos de mudança
política que o país viveu a partir de 1930. Segundo a autora, são as
políticas governamentais com o o desenvolvimentismo e as refor­
mas urbanas que impulsionam o prestígio profissional e a consoli­
dação do meio científico, com o é o fim desta ‘época de ouro’ que
traz o retraimento do m ercado de trabalho, a desprofissionalização
E P B r a sii.
st u d o s so h rk r o fissõ k s n o
313

e a crise de identidade profissional. E la vincula os problemas de


m ercado ao processo de expansão dos cursos superiores e ao
redirecionam ento das relações profissionais. Partindo de uma inte­
ração passiva com o Estado, os urbanistas tornaram -se oposição
ao regime militar, voltando-se para a sociedade tanto através da
cultura participacionista quanto pela ação do IA B na defesa dos
direitos hum anos e nas lutas pela redemocratização.
C oelho (1999) analisa a origem das profissões no Brasil
imperial e as relações dos m édicos, advogados e engenheiros
com o E stad o até 1930. Seu relato desta história tem a estrutura
de uma tragédia clássica que ilustra sua visão sobre o resultado
do profissionalism o entre nós. O autor argumenta que essas p ro ­
fissões não dominavam uma autoridade do saber que sustentasse
o privilégio de obter o m onopólio do m ercado, através do re co ­
nhecim ento público de sua expcr/ise. Para tanto, elas precisaram
recorrer ao Estad o pata garantir o credencialism o, já que não
possuíam mais com petência do que os praticantes sem diploma
de curso superior em M edicina, D ireito ou E ngenharia. E m b o ra
as a sso cia çõ es profissionais buscassem se aproxim ar cio Estado,
C oelho sugere que, durante o Im pério e a Primeira República,
eles não tiveram sucesso nesta estratégia, despertando p ou co in­
teresse no im perador, nos presidentes da R epública e na grande
maioria dos m em bros dos G abinetes e dos M inistérios.
B onelli (1999) pesquisou a trajetória histórica do Instituto
dos Advogados Brasileiros e seus laços com o E stad o e a so cie­
dade civil durante o Im pério e a República. E ste trabalho focali­
za o processo de profissionalização da advocacia a partir de 1843,
co m a criação deste instituto, m ovim ento que é im pulsionado em
1933 com a organização da O A B. O argum ento dá destaque à
m obilização dos advogados para o b ter o con trole do m ercado de
trabalho e a fiscalização do desem penho profissional, apresenta­
dos com o a garantia de um serviço de qualidade à coletividade,
bem antes da chegada da O A B, criada por G etúlio Vargas. O que
314 M a ria da G l o r ia B o n k l l i

se questiona com isso e a visão que subm ete as profissões no


Brasil à subserviência ou ao dom ínio do E stad o, vinculando sua
regulam entação à iniciativa corporativista do E stad o N ovo, sem
reconh ecer com o elas já vinham interagindo neste processo, em
busca de seu profissionalism o. A pesquisa focaliza tam bém co m o
o IA B , perm anentem ente envolvido pelos con flitos entre os g ru ­
pos que defendiam a função técnico-jurídica do instituto e aque­
les que queriam dirigi-lo para um papel p olítico sintonizado com
a sociedade, sobrevive a essas disputas, h oje incorporadas com o
constitutivas da organização e de sua identidade.

CO N CLU SÕ ES

D o s seis trabalhos classificados sob a rubrica profissões e


E stado, a m etade deles (Carvalho, M iceli e Schneider) enfatizou
principalm ente o E stad o e secundariam ente as profissões. N o
conju nto, o olhar predom inante via essas elites co m o com unida­
des, mas atribuíam sua coesão a fatores distintos, que se polari­
zavam entre a defesa dc interesses esp ecíficos e o partilhar da
visão de mundo com um centrada nos valores profissionais.
E n tre os nove estudos sobre profissões e m ercado, poucos
deram relevância a tal questão. A m aioria pareceu aceitar os es­
treitos laços entre profissões, m ercado e interesses preferindo
inserir o debate no leque de posições que vai desde a visão destes
grupos com o vítimas do capital até a de poderosos m onopoliza­
dores de m ercado e de credenciais. G rü n e B arbosa ampliaram
este tópico para incluir a dimensão sim bólica e as representações
sociais na análise dos profissionais no mercado.
N o âm bito das profissões e sociedade, foram examinados
quatro trabalhos e apenas um (Lessa e Linhares) tinha a profissão
co m o fo co central. O s demais tom avam -nas com o unidades m e­
nores onde se reproduziam valores, con flitos sociais e relações
liS T u n a s s o ii R t i P r o v i s s ò i s n o B ra síí. 315

de classe. Só no olhar desses dois autores a visão de m undo dos


advogados foi enfocada com o própria e relevante para a co n sti­
tuição de uma identidade diferenciada do grupo.
D as seis investigações sobre profissões e com unidade, to ­
das elas elegeram com o mais relevante focalizar um grupo ou
uma elite profissional. O recorte em si favoreceu o destaque da
dimensão sim bólica do pertencim ento, o que ocorreu tanto quando
os pesquisadores analisaram os processos de profissionalização
ou enfatizaram as disputas profissionais, com o quando questio­
naram as bases da socialização dessas elites frente aos valores
m eritocráticos das profissões.
H oje, a Sociologia das P rofissões possui um acervo de estu­
dos em torn o da problem ática do m ercado e da comunidade com
mais acúm ulo de co n h ecim en to do que para a sociedade e o
Estado. A m aioria dos trabalhos produzidos aqui se insere nas
vertentes críticas da abordagem funcionalista das profissões, des­
tacando com o esses grupos organizaram -se cm to rn o da defesa
de seus interesses específicos. Foram pouco exploradas as abor­
dagens sobre as relações entre profissionalism o, E sta d o e so cie­
dade, principalm ente no veio investigativo do papel que as pro­
fissões desem penharam para além dos benefícios próprios. Esta
dim ensão é particularm ente im portante se recapitularm os a his­
tória recente de oposição ao autoritarism o, época em que se re­
gistrou reações terroristas contra organizações profissionais. N ão
foi por ter sido percebida com o uma entidade voltada para si
m esm o que, em 1980, a O A B -R J sofreu um atentado à bom ba
vitim ando uma funcionária.
A trajetória percorrida pela produção brasileira apresenta sin­
tonia com a bibliografia internacional sobre profissões, mas com
um tipo de relação onde predomina a interlocução local sobre
aqueles m odelos analíticos. A estrutura típica destes estudos ba­
seia-se em pesquisas empíricas para reforçar uma vertente, ao m es­
m o tempo em que procura descartar com o equivocadas as aborda-
316 M a r ia da G l o r ia B o n k lli

gens sob crítica, que costumam estar representadas em estudos de­


senvolvidos no país. E m bora a interlocução seja predominantemen­
te feita com os pares no âmbito nacional, o acesso a tal literatura
processa uma diferenciação interna, elevando aqueles que a usa a
um patamar simbólico de diálogo com a bibliografia estrangeira.
O caminho percorrido nesses 30 anos revela a consolidação
da Sociologia das Profissões com o a área que, ao focalizar as
profissões no m ercado e problematizar profissões e comunidade,
construiu bases analíticas mais flexíveis para captar as form as com o
as profissões interagem na sociedade e no Estado. A história das
profissões no Brasil dá transparência aos elos que elas desenvolve­
ram nestas duas esferas. Analisar tais fenôm enos sob esta perspec­
tiva pode representar um diferencial tanto para a com preensão das
experiências nacionais com o para a participação no debate interna­
cional, que hoje busca construir uma teoria das profissões capaz
de dar conta de toda essa diversidade. Neste sentido, é fundamen­
tal que se investigue as relações entre profissionalismo, Estado e
sociedade utilizando os instrumentais que a Sociologia das Profis­
sões já desenvolveu, c o conhecim ento acumulado pelos trabalhos
que focalizaram a tem ática sob outras perspectivas. E sta alternati­
va representa uma mudança substantiva para a Sociologia das P ro ­
fissões no Brasil, na virada do século.
l i S T U D O S S O H R li P R O I M S S Ô I Í S N O B R Á S!!. 317

R E F E R Ê N C IA B IB L IO G R Á F IC A O R G A N IZ A D A S E G U N D O A P R O F IS S Ã O

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Marcus André Melo


Estado, Governo c Políticas Publicas

Fernando Limongi
Institucionalização Política

Fábio Wanderley Reis


Institucionalização Política (co m en ­
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Paulo Roberto de Almeida


Relações Internacionais
Classes e Mobilidade
Intelectuais e Pensamento Social
Relações de Gênero
Sociologia da Religião
Sociologia das Profissões

ISBN 8S-BS40S-S9- 4

C A P E S
ANPOCS 88585 408299

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