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ALBANO MACIE

DANO MORTE

INTRODUÇÃO

1. Contextualização e objecto do estudo

A responsabilidade civil, no Direito Civil, é um dos temas que suscita interesse


debate doutrinário, quando se trata de reparação de danos não patrimoniais, em particular, o
“DANO MORTE”, objecto do presente relatório.
A indemnização por danos não patrimoniais, especificamente, o dano morte,
“exigida por uma profunda e arreigada consideração de equidade, sem embargo da função
punitiva que outrossim reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de
alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os
preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de
ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer
esquecer, ou pelo menos mitigar o havido sofrimento moral”1, constitui vexata quaestio
quanto ao entendimento da possibilidade de ingressar um direito na esfera jurídica de
alguém como consequência da cessação da sua personalidade jurídica e da finalidade da
respectiva indemnização.
Para uns, como CARBONIER, a indemnização pelos danos não patrimoniais, a
cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para
atenuar, minorar e, de algum modo, compensar os danos sofridos pelo lesado2.
Para outros não, “(...) uma indemnização pela morte NUNCA poderia funcionar
como equivalente ou compensação para o lesado; por natureza, ele nunca poderia desfrutar
desse bem”3.
Na verdade, são a personalidade jurídica e a capacidade de gozo que condicionam a
titularidade de direitos e, com a ocorrência da morte, cessa, automaticamente, a
personalidade jurídica.

1 Acórdão da 1ª Secção Criminal do Tribunal de Relação do Porto, in www.dsgi.pt.


2 Cf. afirma ANTUNES VARELA, a indemnização funcionará nestes casos, no entender de CARBONIER
(n.o 89, p. 355), como uma espécie de pena (ou de multa) privada, não em proveito do Estado, como
sucede com as multas impostas no processo penal, mas em benefício da vítima, in Das Obrigações em
geral, Vol. I, p. 614 – 615.
3 OLIVEIRA ASCENSÃO, José de. Direito Civil – Sucessões., p. 50.

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2. Delimitação do estudo

Comecemos com um problema concreto4.


No dia 23 de Julho de 2008, cerca das 15H30, um cidadão vinha circulando com a
sua viatura a uma velocidade de 140 km/h, numa via que só é permitida uma velocidade de
60 km/h.
O motorista verificou que estava à sua frente um autocarro, ocupando a sua faixa de
rodagem. Cerca de 100 metros mais à frente dessa paragem, encontrava-se estacionado um
veículo ligeiro de mercadorias, depois de uma curva que essa estrada apresenta.
Dai que, ao deparar-se com uma curva com boa visibilidade, o motorista decidiu
ultrapassar o autocarro, o que fez, mas não foi capaz de descrever a curva, tendo entrado
em despiste. Depois de ter subido o passeio, atropelou impiedosamente uma senhora dos
seus 45 anos.
A senhora foi conduzida ao hospital, onde acabou por falecer. Realizada a autópsia,
foi confirmado que a morte daquela foi devida às lesões traumáticas meningoencefálicas e
ráqui-medulares que resultaram de violento traumatismo de natureza contundente
produzidas pelo acidente de que foi vítima.
Do que ficou atrás descrito, o motorista conduzia sem o cuidado, a perícia e sem
obediência às regras de trânsito, omitindo, desta forma, o seu dever de cuidado.
Assim, ninguém negará que o acidente criou danos, quer patrimoniais, quer não
patrimoniais. Deve entender-se dano, no sentido jurídico, “(...) a supressão ou diminuição
duma situação favorável que estava protegida pelo Direito”5.
No caso em tela, pode notar-se danos patrimoniais (sobre a viatura e outros bens,
eventualmente, atingidos no momento do acidente, avaliáveis pecuniariamente) e não
patrimoniais. É sobre os danos não patrimoniais que se pretende colocar a presente
pesquisa, nos termos do artigo 496.º do Código Civil.
Com efeito, nos termos deste artigo, pode afirmar-se que resultam, eventualmente,
três danos não patrimoniais indemnizáveis:

4 Cfr. www.dsgi.pt
5 MENEZES CORDEIRO, António. Direito das Obrigações. Vol. II, p. 283.

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• O dano pela perda do direito à vida.


• O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte.
• O dano sofrido pela vítima antes de morrer.
A presente pesquisa não vai curar de analisar os danos não patrimoniais sofridos
pelos familiares da vítima com a morte desta e os danos por ela sofridos antes de morrer,
mas tão somente, pelo dano morte, resultante da perda de vida do de cujus, e a
possibilidade de certas pessoas exigirem o ressarcimento pelos danos causados.
Não só, não se vai curar de analisar os contornos do problema da morte como dano,
no âmbito de Direito das Sucessões, mas tão-somente, tomar posição em relação ao artigo
496.o do Código Civil.

3. Problema objecto do estudo

Dois problemas de fundo se levantam quando se estuda a morte como dano,


nomeadamente; o primeiro tem a ver com a qualificação da morte como dano, quando
sobrevenha de um acto ilícito e o segundo, depois de qualificada a morte como dano,
coloca-se o problema de ressarcimento do dano como tal. Tendo em conta que suprimida a
vida, consequentemente, terminam a personalidade jurídica e a capacidade de gozo, dois
elementos essenciais para que a pessoa possa ser centro de imputação de direito e deveres.
Desta forma, como aceitar a ressarcibilidade deste dano?

4. Objectivos do estudo

Em torno deste tema e do problema colocado, define-se como objectivo geral,


procurar traçar, na actualidade, os precisos termos doutrinal e jurisprudencial da
responsabilidade civil pela lesão do direito à vida nos termos do artigo 496.º do Código
Civil, sem, portanto, olvidar, pelo decurso do tempo, as transformações que o instituto
sofreu quanto aos seus aspectos objectivos e subjectivos, visando evitar a impunidade nas
relações eminentemente individuais, quando se encontra lesado (suprimido) o bem mais

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precioso da humanidade.

5. Hipóteses

As possíveis hipóteses que podem ser avançadas, quanto ao primeiro problema,


tudo assenta no que a vida é uma vantagem, um bem jurídico e, como tal, em caso da sua
lesão, o que daí resultar, maxime, a sua perda, é, consequentemente, um dano. O segundo
problema, da ressarcibilidade do dano morte, é que reunidos os pressupostos básicos da
responsabilidade civil, o dano e a imputação, é de admitir que a reparação do dano morte se
opere “iure hereditatis”, de nada interessando a existência do lesado.

6. Justificação e localização do tema

Conforme o título do relatório de pesquisa – “Dano morte” – indica, ele encontra-se


ligado, essencialmente, a uma questão que depende da concepção da morte como dano e,
daí, a possibilidade de recomposição ou indemnização do prejuízo pela perda da vida.
Parece incompreensível, prima facie, como escreve Oliveira ASCENSÃO, “a outorga de
uma indemnização pela morte (...) à luz dos princípios, dos interesses e da lei”6.
É comum o estudo da problemática do dano morte nos Manuais do Direito das
Obrigações e no Direito das Sucessões, embora com perspectivas dirigidas, mas não
opostas.
MENEZES LEITÃO, quando aborda a problemática da morte como dano, diz que
“um dos problemas que se tem colocado relativamente ao dano consiste em determinar a
possibilidade de indemnização da morte de uma pessoa”7. E, mais adiante, diz aderir à tese
de indemnizabilidade do dano morte, partilhada por uma maioria da jurisprudência
portuguesa.
RIBEIRO DE FARIA, na sua obra, o Direito das Obrigações, Vol. I, trata a questão
sumariamente, “(...) a morte da vítima é, em si, um facto susceptível de gerar directamente

6 OLIVEIRA ASCENSÃO, José de. Ob. cit. p. 49.


7 Luís Manuel Teles de. Direito das Obrigações. Vol. I, p. 319.

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um dano moral nessas mesmas pessoas (...). o cônjuge, os filhos ou os pais podem, pois,
pedir uma indemnização pela morte de um parente (...)”8.
MENEZES CORDEIRO, quando se debruça da problemática do dano morte, aceite
que a morte é um dano e, como tal, “ (...) a supressão do bem vida acarreta um dano não
apenas para a vítima, mas para outros membros da comunidade, nomeadamente para
aqueles face aos quais a vida da vítima seja protegida. (...) Se a morte dá lugar a um dano
imputável face à própria vítima, em termos de originar responsabilidade civil, é evidente
que o direito à indemnização se transmite aos sucessores. Duvida-se, no entanto, da
existência de tal dano. Porque:
- a morte sobrevém com a extinção da personalidade da vítima; consequentemente,
esta já não seria pessoa, em termos de poder sofrer danos. (...)”9.
No Direito das Sucessões, uma das questões que têm sido discutidas liga-se à
necessidade de saber se, as pessoas elencadas no n.o 2 do artigo 496.o do Código Civil
(cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes,
na falta destes, aos pais ou outros ascendentes, e por último, aos irmãos ou sobrinhos que
os representem) e a sua ordem, não estaria a prescrever para este direito, uma hierarquia
sucessória diversa da comum10.
Note-se que a responsabilidade civil, neste caso, pela morte do lesado, resulta,
necessariamente, por factos ilícitos, na maioria, ou na totalidade, atendíveis no Direito
Penal, e, como tal, classificados por ilícitos criminais.
No geral, os debates sobre a indemnizabilidade ou não dos danos não patrimoniais,
maxime, o dano pela perda de vida, surgem ligados à actuação do Direito Criminal, em
resposta a um ilícito criminal de justiça, o que não seria de estranhar o facto de ser a
jurisprudência criminal que trata destas questões, embora com relevância total no âmbito
do Direito Civil.
Neste sentido, o tema do presente relatório – dano morte – há-de ser enquadrado no
âmbito da Disciplina de Direito Civil, mormente, o Direito das Obrigações, cuja sede é o

8 Jorge Leite Areias. Direito das Obrigações. Vol. I, p. 44.


9 MENEZES CORDEIRO, António. Ob. cit. p. 293
10 Cf. OLIVEIRA ASCENSÃO, José de. Ob. cit. p. 48.

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artigo 496.o do Código Civil moçambicano.


O dano morte resulta de um prejuízo sofrido com a perda da vida humana, questão
inteiramente moral, que cria escândalo (moral) a sua discussão, o seu debate aceso em
juízo, por mexer com os sentimentos mais íntimos, bem como a dor experimentada por
uma pessoa e derivada de um acto ilícito cometido por outrem. Naturalmente, com estes
fundamentos, insurge-se uma parte da doutrina, propondo a não ressarcibilidade deste dano
pelo facto de faltar um efeito durável do dano, indeterminação do número de lesados,
impossibilidade de uma avaliação rigorosa em dinheiro e o poder ilimitado de que o juiz
goza para avaliar o montante compensador do dano morte.
Todavia, os adeptos da possibilidade de indemnização do dano morte, apesar de
reconhecerem a impossibilidade rigorosa de avaliação pecuniária do dano, aceitam no que,
sendo a morte uma vantagem, se suprimida esta por um acto ilícito, seja possível, pela
perda da expectativa de vida, cogitar-se num preço de dor sofrida pela perda da vida às
pessoas mais chegadas do de cujus, não como uma sanção.

7. Metodologia

Tomando em linha de conta os objectivos traçados, o presente relatório tem uma


inflexão para a pesquisa exploratória visando maior familiaridade com o problema central,
com vista a sua explicitação, o que, logicamente, implicará um levantamento e estudo
bibliográficos.
Em termos de procedimentos técnicos, é de assinalar o desenvolvimento da
pesquisa com base em material já elaborado ao nível da doutrina, da jurisprudência e do
texto legal apropriado, nomeadamente, o artigo 496.o do Código Civil. Com efeito, partindo
do pressuposto de que a matéria objecto deste estudo já se encontra delimitada, legalmente,
a pesquisa basear-se-á no método dedutivo, em primeiro lugar, em termos de abordagem e,
por fim, apelará ao método monográfico, tendo em conta a especificidade do tema, como
forma de procedimento.

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8. Referencial teórico

8.1. O problema da indemnização do dano morte na jurisprudência do


Tribunal Supremo moçambicano

A problemática do dano morte e a consequente indemnização tem sido pouco


debatido na jurisprudência moçambicana, remetendo a questão aos chamados danos não
patrimoniais sem, contudo, nos acórdãos fazer especificação dos danos.
Por exemplo, o acórdão proferido sobre o Processo nº 12/92- 2ª Secção Criminal do
Tribunal Supremo, alterou a quantia da indemnização computada pelo Tribunal aquo de
duzentos mil meticais de indemnização a favor dos familiares da vítima para quinhentos
mil meticais. Os familiares tinham o direito de receber a indemnização resultante da morte
do seu familiar (perda de vida).
Desta forma ampla de indemnizar os danos não patrimoniais dificilmente se poderá
descortinar qualquer referência ao dano morte, como é sabido, as indemnizações podem ser
devidas aos familiares para ressarcir o dano sofrido pela vítima antes de morrer, o dano
sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte e o dano pela perda de vida.
Outro acórdão do Tribunal Supremo, sem distinção dos fins da indemnização
computada, refere, nas sua conclusões que “ (...). Elevam para 50.000.000,00 (cinquenta
milhões de meticais) a quantia de indemnização a favor dos familiares da vítima que se
mostrarem com direito a ela (...)”11. Noutro acórdão de homicídio voluntário, o Tribunal
Supremo condena no pagamento de 70.000,00 (setenta mil meticais) de indemnização a
quem provar ter direito12.
Esta tem sido a forma mais utilizada quando se trata de condenar ao pagamento de
indemnização em caso de situações que tenham resultado em dano morte, ou perda de vida
da vítima. Ora, sem necessidade de maior cogitação, quando o Tribunal diz que condena no
pagamento de certa indemnização a quem provar ter direito, coloca a questão de

11 Processo nº 264/2001 – C.
12 Processo nº 45/89 – 1.ª.

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legitimidade nos termos dos artigos 495.º e 496.º.


Convém, e sempre, que na fixação do montante de indemnização, quando hajam,
simultaneamente, os danos pela perda de vida, pelo sofrimento dos familiares com a morte
da vítima e sofrido pela vítima antes de morrer, o tribunal faça a devida discriminação da
parte correspondente a um e outro, porque isso facilita, a possível reclamação pelos
interessados, relativamente, a cada valor computado para cada tipo de dano.
No artigo 495.º, encontramos situações de a morte ser consequência da lesão
corporal, em que a indemnização serve para as despesas realizadas para salvar o lesado e as
demais sem exceptuar as do funeral. E, logicamente, e nos precisos termos do preceito,
terão legitimidade para requerer a indemnização os familiares da vítima.
A questão a colocar é como é que de forma ampla, isto é, sem especificar, o
Tribunal determina tais valores brutos? Como o Tribunal demonstra a aplicação do
princípio de equidade na fixação da indemnização em casos de danos não patrimoniais, nos
termos do nosso artigo 496.º?
Faz doutrina, o entendimento de que os n.º 2 e 3 do artigo 496.º do Código Civil,
maxime, a partir 13 de Março do ano de 1971, com o a acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça português, consagram três danos não patrimoniais indemnizáveis:

• O dano pela perda de vida.


• O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte.
• O dano sofrido pela vítima antes de morrer.

Naquele ordenamento jurídico tem sido discutido, ultimamente, nos tribunais, não a
possibilidade de indemnização daqueles danos, mas o valor irrisório que tem sido fixado
para os danos sofridos pelos familiares da vítima com a sua morte e os sofridos pela vítima
antes de morrer. E, quanto ao dano morte, por razões ético-sociais, os valores fixados não
tem sido objecto de contestação” 13.
No ordenamento jurídico brasileiro, a jurisprudência e a doutrina começaram por

13 Tribunal de Relação de Porto. Processo nº 562/08.4GBMTS.P1. In www.dsgi.pt

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negar a indemnização do dano pela perda de vida. Por exemplo, o aresto de 23 de Julho de
1952 (RF, 93/506) do Supremo Tribunal Federal, afirmava que “a indenização por morte de
filho menor, não se provando que prestava alimentos aos pais, consiste simplesmente no
correspondente aos funerais e luto da família, abrangendo as despesas de tratamento da
vítima, quando se tenha verificado”14. Noutro sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça de
São Paulo, reafirma que “De acordo com a tradição do nosso direito, de acordo com o texto
expresso da lei, de acordo com a lição dos doutrinadores e torrencial jurisprudência dos
Tribunais, nos casos de homicídio a obrigação limita-se à prestação de alimentos, não
sendo devido o ressarcimento da lesão, a título de danos morais (LACERDA DE
ALMEIDA, Obrigações, p. 328; LAFAYETE, Direito das Coisas, p. 473; (…); acórdãos
que se encontram na RT, 73/193-74/375-75/66 e 78/543 (...)”.
Desta forma, no Brasil, a construção jurisprudencial tem sido no sentido da
indemnização pela morte de filhos menores, em decorrência de acto ilícito, que se inspirou
no princípio da reparação do dano moral. Reconhece Sílvio RODRIGUES que “(...). É,
pode-se dizer, uma forma obliqua de se atingir a reparação do dano moral, dadas as reações
que suscita o pleno reconhecimento do instituto”15.

8.2. Sistematização

Como questão essencial do tema ora em estudo, impõe-se a qualificação da morte


como dano, pois só há responsabilidade civil quando existir danos sofridos pelo lesado, é
assim, que reconhece MENEZES LEITÃO que “Por muito censurável que seja o
comportamento do agente, se as coisas correrem bem e ninguém sair lesado, não poderá ele
ser sujeito à responsabilidade civil”16
Depois da eventual qualificação da morte como dano, deve fazer-se a devida
classificação, bem como a possibilidade de autonomização do dano da morte de entre os
chamados danos não patrimoniais.

14 Cfr. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – Responsabilidade Civil. Vol. IV, Editora Saraiva, 2000, pág.
195.
15 Idem, pág. 198.
16 Luís Manuel Teles de. Direito das Obrigações. Vol. I, Almedina, 2005, pág. 313.

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Estas questões ocupam a primeira parte do relatório.


Na segunda parte, o relatório cura de desbravar caminho para uma eventual
ressarcibilidade do dano morte, decorrente do seu destacamento dos danos não
patrimoniais que, de per si, colocam idênticos problemas quanto à aceitabilidade da sua
indemnização.

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PARTE I
MORTE COMO DANO

1. Noção jurídica do dano e qualificação da morte como dano

O dano constitui um dos pressupostos da responsabilidade civil, pois sem ele, seria
contra-senso falar-se, no âmbito da responsabilidade civil, do dever de indemnizar. A noção
de dano pode ser estudada em várias perspectivas. À partida, e em termos naturalísticos,
entender-se-ia por dano “(..) a supressão de uma vantagem de que o sujeito beneficiava”17.
Todavia, o sentido naturalístico não é concludente para uma boa análise jurídica
com vista a construir uma teoria geral do dano. Para o efeito, o Professor MENEZES
LEITÃO propõe uma simbiose entre os sentidos fáctico e normativo para a definição do
dano juridicamente, e di-lo da seguinte maneira: dano é “(...) a frustração de uma utilidade
que era objecto de tutela jurídica”18.
Nesta mesma linha, o Professor MENEZES CORDEIRO define dano,
juridicamente, como sendo “ (...) a supressão ou diminuição duma situação favorável que
estava protegida pelo Direito”19.
Segundo o Prof. Vaz SERRA, dano é “todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é
causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não”20.
Na fórmula do Prof. Pereira COELHO, “por dano pode entender-se, por um lado, o
prejuízo real que o lesado sofreu in natura, em forma de destruição, subtracção ou
deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal. Dano será, por exemplo, a perda ou a
deterioração de uma certa coisa, o dispêndio de certa soma em dinheiro para fazer face a
uma despesa tornada necessária, o impedimento da aquisição de um determinado bem, a
dor sofrida”21.

17 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. Ob. cit. p. 313.


18 Idem, p. 314.
19 MENEZES CORDEIRO, António. Ob. cit. p. 283
20 Apud MARTINS DE ALMEIDA, Dário. Manual de Acidentes de Viação, p. 81.
21 Idem.

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Para o Prof. ANTUNES VARELA, “dano é a perda in natura que o lesado sofreu,
em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o
direito violado ou a norma infringida visam tutelar”22.
Das noções atrás analisadas resulta claro que o dano consiste numa diminuição no
todo ou em parte de uma vantagem, utilidade ou uma situação favorável a que o Direito
atribuiu certos efeitos jurídicos.
Assim, a situação da existência de dano se vai construindo segundo uma tríade - o
lesado, o lesante e o bem jurídico que sofreu a lesão. Desta forma, será o lesado que
suporta o prejuízo na sua esfera resultado de actuação ilícita do lesante, encontrando-se
aquele na obrigação de indemnizar os danos por ele causados à esfera jurídica do lesado.
Nesta trilogia, como é possível que a morte – perda de vida de um sujeito de direito
– constitua dano?
É que tudo se passa, normalmente, da seguinte maneira: há um sujeito capaz de
direitos e obrigações que sofre um dano, e é ele que é o sujeito da indemnização que o
lesante vai ser coagido pelo Direito a ressarcir. Ora no caso da morte do lesado, como
considerar o fenómeno que extingue a personalidade jurídica como dano ou melhor o que
extingue o lesado, torna-se dano.
Para o Prof. MENEZES CORDEIRO, a resposta é afirmativa, pois, “ (...) a vida
representa uma vantagem, um bem, (…). E representa um bem com conotações
patrimoniais e morais, amplamente protegido pelo Direito. Simplesmente, pela natureza
intrinsecamente social do homem, a vida de uma pessoa não é, apenas, um bem pessoal de
cada um, antes beneficiando, além do próprio, todos os elementos da comunidade,
principalmente os mais próximos – pais, filhos, cônjuge, etc. Nessa dimensão social, o bem
da vida é, também, tutelado. Resulta daqui que a supressão do bem vida acarreta um dano
não apenas para a vítima, mas para outros membros da comunidade, nomeadamente para
aqueles face aos quais a vida da vítima seja protegida”23.
Para este autor, a vida, sendo uma vantagem, um bem, a sua lesão de que provém a
morte, consubstancia dano quer para a vítima, quer para os seus próximos.

22 João de Matos. Ob. cit., p. 608.


23 António. Ob. cit. P. 289-290.

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Como compreender um dano morte na vítima?


Como escreve o Prof. GALVÃO TELLES, “o momento da morte é o último
momento da vida”24.
A morte não se identifica necessária e completamente com a perda do direito à vida;
não é a lesão da vida considerada como valor existencial; é o termo da vida. A morte
aparece assim como o derradeiro vestígio dum dano já antes produzido25.
A configuração da morte como dano parece não colher. Na verdade, a morte em si
não pode ser considerada dano. Ora vejamos.
Nenhuma pessoa pode sofrer a morte, porque esta, nem é o último momento da
vida, como tal, pois ela advém como consequência da perda de vida, resultado de um dano
sofrido pela vítima antes de morrer.
Assim, a morte ocorre com a perda completa da vida (é consequência da perda da
vida), por isso, em si mesma não é dano, porque o titular do direito lesado não suporta a
morte, porque destituído dessa qualidade.
O nosso Código Civil, no artigo 496.o em nenhum momento fala de morte, em si,
como dano. E, onde a lei não o faz, não deve o intérprete considerar admitido o dano
morte, como tal.
O número 1 do artigo 495.o do Código Civil diz-nos que “No caso de lesão de que
proveio a morte (…)”; o número 2 do artigo 496. o afirma que “Por morte da vítima, o
direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge (…)”; e
o número 3 do mesmo artigo refere que “ (…); no caso de morte, podem ser atendidos não
só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com
direito a indemnização nos termos do número anterior”.
No primeiro caso, do número 1 do artigo 495.o quando diz no caso de lesão de que
proveio a morte, quer isto dizer que a morte é consequência de um dano que se verificou
sobre uma situação juridicamente tutelada, que é o direito à vida. Logo, a morte, em si, não
é um dano, o que se lesionou ou melhor o que terá sofrido dano é o direito à vida.
No artigo seguinte, o 496.o, n.o 2, quando a lei diz que “Por morte da vítima, o

24 Inocêncio. Direito das Sucessões, p. 86.


25 MARTINS DE ALMEIDA, Dário. Ob. cit. p. 175.

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direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge (…)”,
quer, necessariamente, dizer que quando o direito à vida sofre danos e traz consigo a
consequência morte, como não é possível à vítima receber ou reclamar a indemnização dos
danos que sofreu em vida, porque destituída de personalidade jurídica, este direito ingressa,
por direito próprio à pessoas referidas naquele número. Como refere LEITE DE CAMPOS,
“ (…) a lei não quis apontar a morte como facto ao qual tenham de se referir causalmente
os danos não patrimoniais”26.
Mas tal não ocorre porque se pretenda indemnizar o dano morte. O que se pretende
indemnizar são os danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes de morrer. É, por isso,
que o Prof. GALVÃO TELLES refere que “normalmente, quando alguém é morto, sofre,
ainda que a morte seja imediata, dor física, angústia que proveio da consciência do risco da
lesão eminente”27.
A lei continua afirmando que “ (…) no caso de morte, podem ser atendidos não só
os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com
direito a indemnização nos termos do número anterior”. Com isto, a lei não quis dizer que
tais danos incluíam a morte, mas tão somente os danos que vão desde o cometimento do
acto ilícito até à cessação das funções vitais da vítima, isto é, até à perda da personalidade
jurídica que marca o termo da vida e o início da morte.
Regra geral, o dano não patrimonial é sofrido pela vítima, pessoa que tem o direito
de receber a devida indemnização pelo prejuízo sofrido e não aos seus familiares. Ora, em
caso de dano pela perda de vida, o prejuízo é sofrido pela vítima, só que, sendo fatal a
lesão, são chamadas as pessoas elencadas no número 2 do artigo 496.o.
A parte final do número citado pode criar outra impressão, quando diz que “ (…)
como os sofridos pelas pessoas com direito à indemnização (…). Neste caso concreto, a lei
não classificou a morte como dano, tão somente acautelou todas aquelas situações
desvantajosas que aquelas pessoas podem ter sofrido pela lesão do direito à vida,
nomeadamente, as de a vítima, por exemplo, em vida, ser a única fonte de sustento da
família, prestar alimentos, ser o único filho do casal, porque aqui, a perda do direito à vida

26 Apud MARTINS DE ALMEIDA, Dário. Ob. cit. p. 175.


27 Inocêncio. Direito das Sucessões – Noções Fundamentais, p. 157.

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teria frustrado expectativas de alegria dos pais, de ter um filho que lhes dê netos e a
expectativa de continuidade da família.
Como expende ANTUNES VARELA “No caso especial da lesão ou agressão
mortal, a morte é um dano que, pela própria natureza das coisas, se não verifica já na esfera
jurídica do seu titular”28.
A consideração doutrinal da morte como dano representa um desvio à teoria geral
do dano. Com efeito, em caso de lesão que provenha a perda de vida, o lesado como tal
desaparece, aparecendo as pessoas referidas no número 2, subrogadas, como lesadas.
É, quanto a nós, incompreensível considerar, como tal, a morte como dano. Como
compreender a morte como dano se quem sofre danos é quem está vivo?
Em primeiro lugar, a morte é uma consequência da perda de um direito, o direito à
vida, independentemente de o facto causador ser ou não ilícito e causado por outrem ou
pela natureza das coisas. Temos que todo o homem morre. Se a morte fosse dano, então
toda a sociedade, em particular, os mais próximos das vítimas sofreriam danos. Porém, a
diferença entre esses danos estaria no que a morte causada por facto ilícito seria
indemnizável e a outra, que é natural, seria dano não indemnizável.
Em princípio, é necessário esclarecer que a morte é um fenómeno natural inerente à
dinâmica da própria vida. Independentemente da causa, a morte é a extinção do sujeito de
direito. A morte, como elemento definidor do fim da pessoa, não pode ser considera, em si,
como dano.
Em segundo momento, o sofrimento ou os prejuízos são sofridos pela vítima antes
de morrer, mesmo que se diga que há morte instantânea, por exemplo, se for a bala, esta
atinge, primeiramente, a epiderme, os membros circundantes dos membros vitais e depois o
membro vital, ocorrendo daí a morte, como consequência da perda da vida. Isto é assim
porque “A seguir ao acto ilícito, verifica-se um dano que não é ainda a morte; mas é um
dano que virtualmente irá conduzir à morte, contendo esta já em potência; é, por assim
dizer, o primeiro passo ou uma antecipação da morte”29.
É difícil precisar o exacto momento da morte porque ela não é um facto

28 João de Matos. Ob. cit. p. 622.


29 CAMPOS, Leite de, apud MARTINS DE ALMEIDA, Dário. Ob. cit. p. 185.

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ALBANO MACIE

DANO MORTE

instantâneo, e sim uma sequência de fenómenos gradativamente processados nos vários


órgãos e sistemas de manutenção da vida.
Perdida a vida, quer a morte por facto ilícito, quer a morte natural, são todas mortes,
independentemente das causas, e não seria eticamente correcto, apelidar uma por dano,
pelo facto de resultar de um facto ilícito (que se pretende ver indemnizado) e outra não
dano, por ser natural.
A favor desta negação, o artigo 496.o do Código Civil, em nenhum momento,
refere-se à morte como dano, limitando-se, como a epígrafe, a tratar de danos não
patrimoniais. Por isso, esta disposição normativa, quanto à nós, compreende dois tipos de
danos não patrimoniais, designadamente; danos sofridos pela vítima e danos sofridos pelos
seus familiares próximos.
Para nós, seria mais correcto falar-se, ao invés de dano morte, de dano de que
proveio a morte, nascendo, eventualmente, deste dano o direito à indemnização.
Esta configuração do chamado dano morte em dano de que proveio a morte vai
obviar um grande problema que tem constituído vexata quaestio na doutrina, o de como
aceitar que um facto extintivo da capacidade de gozo e da personalidade jurídica do de
cujus (a morte) constituía, ao mesmo tempo, um facto aquisitivo de direito (direito à
indemnização).
O dano de que proveio a morte não é a morte em si considerada. Com efeito,
consiste num prejuízo que a vítima sofre até atingir o estado de morte, aparecendo a morte
como consequência de um dano sofrido pela vítima: o dano ao direito à vida (perda da
vida).
Neste sentido, escreve ANTUNES VARELA que “(...) Os casos de lesão corporal
(provocada por agressão, acidente de viação ou outra circunstância) a que proveio a morte
têm levantado divergências quer na jurisprudência, quer na doutrina, quanto à inclusão da
perda da vida, como dano não patrimonial autónomo, no cálculo da indemnização”30.

30 João de Matos. Ob. cit. p. 619-620.

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ALBANO MACIE

DANO MORTE

2. Discriminação dos danos não patrimoniais no âmbito do Artigo 496.o:


possibilidade de autonomização do dano pela perda da vida

O artigo 496.o do Código Civil tem como epígrafe “ Danos não patrimoniais”, em
contraposição dos danos patrimoniais.
Esta contraposição nasce da necessidade de diferenciação entre aqueles danos que
podem ser avaliáveis pecuniariamente (traduzido numa abstracta diminuição do
património) e dos que, na doutrina francesa se designam de danos morais (não
patrimoniais), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária e que dizem
respeito aos direitos de personalidade, sendo que a sua reparação só pode alcançar-se por
via de compensação.
Como escreve MENEZES LEITÃO, a diferença entre os danos patrimoniais e não
patrimoniais reside no que “ Os primeiros são aqueles que correspondem à frustração de
utilidades susceptíveis de avaliação pecuniária, como na hipótese da destruição de coisas
pertencentes ao lesado. Os segundos são aqueles que correspondem à frustração de
utilidades não susceptíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda
de um ente querido. A distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais não tem por
isso a ver com a natureza do bem afectado, mas antes com o tipo de utilidades que esse
bem proporcionava e que se vieram a frustrar com a lesão”31.
A distinção assenta na natureza dos interesses ofendidos. Assim, nos danos
patrimoniais temos interesses de ordem material e nos danos não patrimoniais, interesses
de ordem espiritual.
O artigo 496.o como tal não discrimina os tipos de danos não patrimoniais, estes
vão resultar da análise do conteúdo do artigo.
Desta forma, teremos que este artigo inclui os seguintes danos não patrimoniais:
• dano pela perda do direito à vida ou dano de que proveio a morte;

31 Luís Manuel Teles de. Ob. cit. p. 316.

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ALBANO MACIE

DANO MORTE

• danos sofridos pelos familiares da vítima com a sua morte;


• danos sofridos pelos familiares desde a ocorrência do facto danoso até a perda
da vida, no caso desta não ser instantânea;
O primeiro dano – dano pela perda de vida ou de que proveio a morte- (n.o 3 do
artigo 496.o), tem como consequência a própria morte. A morte resulta da consumação
deste dano. O dano de que proveio a morte lesiona o direito à vida.
Neste sentido, são elucidativas as palavras de MARTINS DE ALEMEIDA, “(...) o
fenómeno ou processo patológico da morte poder-se-á decompor em dois momentos – o da
perda do eu, com o respectivo direito de estar no mundo, isto é, de existir, e o da perda da
vida, no que ela tem de substrato psicofisiológico, suporte da personalidade jurídica.
Aquela categoria do eu normativo representa aqui o lado individual do ser humano; e o
último minuto desta perda do eu precede, axiologicamente, o da perda da vida, isto é, o
termo da personalidade jurídica. O dano, como pressuposto da responsabilidade, consuma-
se logo na perda do eu e antecede, por instantes que sejam, o termo da personalidade”32.
Portanto, não é o dano ao direito à vida que extingue a personalidade jurídica, mas a
sua consequência, isto é, a morte, deixando, a pessoa humana, naquele instante da
ocorrência da morte e não do dano, de poder ser o centro de imputação jurídica.
Na verdade, o que coincide com a morte é o dever de indemnizar e não a
possibilidade de a vítima ser ou não o centro autónomo de imputação das consequências
(indemnização) do dano de que proveio a morte.
Com efeito, o objecto do dano neste caso é o direito à vida que, naquele instante, é
lesionado, originando, desta forma, o dever de indemnizar o dano ao direito à vida e não a
morte em si considerada.
Os segundos – o danos sofridos pelos familiares da vítima com a sua morte – (n.o 3
do artigo 496.o), resultam do sofrimento que os familiares da vítima podem arcar com a
morte da vítima, por exemplo, o Acórdão sobre o Processo n. o 562/08.4 GBMTS, do
Tribunal Judicial de Matosinhos, refere que “ (...) a falecida tinha vinte anos..., tratou-se de
uma morte violenta, precoce, na flor da idade. Uma jovem com muita alegria de viver e

32 Dário. Ob. cit. p. 176.

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ALBANO MACIE

DANO MORTE

bastantes sonhos e projectos de vida”.


Estes danos dizem respeito à dor, sofrimento, angústia, fardo de tristeza que os
familiares vão carregar para o resto das suas vidas, os lanços de amizade que por enquanto
ainda existem entre pessoas, pais, filhos, netos, etc.
Neste sentido, reconhece Sílvio RODRIGUES que “O homem normal, que constitui
família, não obedece apenas ao impulso fisiológico do sexo, mas busca satisfações
espirituais e psicológicas, que o lar e os filhos proporcionam ao longo da vida e até pela
impressão que se perpetua neles. Não é outra a razão da clientela dos médicos
especializados na cura da esterilidade involuntária. Antes e depois do nascimento (...) os
filhos são fontes de despesas, em que comprazem os pais, criando-os, tratando-os e
educando-os, para o gozo das consolações que lhe trazem e lhe trarão no futuro (...) na
velhice, quer pela assistência afetiva, quer mesmo pela alimentar. Se o responsável pelo
homicídio lhes frustra a expectativa e a satisfação atual, deve reparação, ainda que seja a
indenização de tudo quanto despenderam para um fim lícito malogrado pelo dolo ou culpa
do ofensor (...)33.
Os danos incidem sobre as expectativas razoáveis dos familiares em relação a
vítima, o direito potencial e susceptível de ser reconhecido ou não, por exemplo, o direito
potencial e susceptível de seu patrono que perdeu o prazo judicial, muito embora seja
difícil profetizar-se se ganharia ou não o litígio34. Este dano não se limita a estes aspectos,
abrange, também, a frustração do tempo que a vítima poderia viver com os familiares, a
privação da presença da vítima, dos seus bons ou maus momentos que poderiam conviver.
Se a vítima for único filho, a dor é ainda maior pois lhes priva da perpetuação da prole, da
alegria de serem avós e tudo mais que conta para o domínio da alma.
Os terceiros danos - sofridos pelos familiares desde a ocorrência do facto danoso
até a perda da vida, no caso de a morte não ser instantânea. Estes danos têm lugar desde o
momento de ocorrência do facto danoso até à perda da vida da vítima. Estes danos só são
possíveis se a morte da vítima não tenha sido instantânea, porque ao contrário se não
justifica o seu debate.

33 RODRIGUES, Sílvio. Ob. cit., p. 196-197.


34 Nestes termos, idem.

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A autonomização do dano pela perda de vida (dano de que proveio a morte)


consiste na sua distinção com os demais danos não patrimoniais no âmbito do artigo 496.o
do Código Civil.
Tudo deve partir da premissa segundo a qual se pretende tratar do sofrimento e dor
pela perda da vítima como dano moral restrito, onde o juiz se volta para a sintomatologia
do sofrimento, a qual se não pode ser valorado por terceiro, a fim de quantificá-lo
economicamente35; o dano de que proveio a morte tem o seu fundamento teleológico na
perda da vida e não na dor.
Desta forma, o dano pela perda da vida consiste na perda pela vítima da
oportunidade, da chance de viver. O prejuízo é inerente e é suportado pelo de cujus, antes
de morrer. É por isso que a morte é a consequência do dano suportado pelo de cujus, de que
lhe custou a vida.
Portanto, o debate deve nascer da possibilidade ou não de ressarcibilidade da perda
da chance de viver de uma pessoa, provocado ilicitamente pelo lesante.
Pode considerar-se a perda da vida um dano autónomo e, daí, indemnizável a par
dos danos não patrimoniais atrás referidos?
É o que a parte II se propõe responder.

35 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil, p. 39-41.

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PARTE II

INDEMNIZAÇÃO DO DANO PELA PERDA DA VIDA

1. Problema de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, no geral

A questão de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais constitui, de per si, uma
vexata quaestio, em que alguma parte da doutrina repugna a sua aceitabilidade. Ora, mais
complexo se vai tornar a aceitabilidade de indemnização do dano pela perda de vida,
partindo-se da sua eventual autonomização dos restantes danos não patrimoniais.
As teses que repugnam a indemnização dos danos não patrimoniais partem do facto
de que “ (...) o dinheiro, de um lado, e as dores físicas ou morais, os vexames, as inibições,
os complexos criados por certas deformações estéticas, do outro, são grandezas
heterogéneas. Não há possibilidade de apagar (indemnizar) com dinheiro os malefícios
desta natureza. (...). Além disso, ainda que se pretendesse não indemnizar, mas compensar,
estes danos não patrimoniais, seria sempre muito difícil, senão praticamente impossível,
fixar, sem uma larga margem de arbítrio, a compensação correspondente a cada caso
concreto”36.
Ainda na senda das teses negativistas, umas reputam de imoral, se não escandalosa,
discutir-se em juízo os sentimentos mais íntimos, bem como a dor experimentada por uma
pessoa e derivada de acto ilícito praticado por outrem. Estas teses destacam como
argumentos as seguintes situações37:
a) a falta do efeito durável do dano meramente moral;
b) a dificuldade em descobrir-se a existência do dano;
c) a indeterminação do número de pessoas lesadas;
d) a impossibilidade de uma rigorosa avaliaçãoem dinheiro da extensão do dano

36 ANTUNES VARELA, João de Mato. Ob. cit. p. 614.


37 Cfr. RODRIGUES, Sílvio. Ob. cit. p. 190.

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não patrimonial;
e) o ilimitado poder que se tem de conceder ao juiz para avaliar o montante
compensador do dano não patrimonial.
Não é admissível que os sofrimentos morais dêem lugar à reparação pecuniária, se
deles não decorre nenhum dano material.
Para obviar estas teses, a favor da ressarcibilidade dos danos morais, a doutrina
optimista entende que, embora o dinheiro e as dores morais ou físicas sejam, de facto,
grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para
este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo
compensar os danos sofridos pelo lesado, embora se reconheça que não existe uma
intenção de pagar ou indemnizar o dano, muito menos o intuito de facultar o comércio com
valores de ordem moral, havendo apenas o intuito de atenuar um mal consumado38.
Relativamente aos argumentos acima alinhados acerca da negação da
indemnizibilidade dos danos não patrimoniais, o Prof. Sílvio RODRIGUES ensina,
criticando, que “(...) a circunstância de um evento danoso não ter efeito permanente não
ilide a existência de um prejuízo nem o mister de repará-lo. A indenização variará coforme
a mágoa tenha maior ou menor duração”39.
A dificuldade relativa à descoberta do alcance do dano não pode proceder pois
estamos em face de uma questão de prova em foro, valendo como tal em matéria de danos
morais, quanto patrimonial. “O juiz terá sempre em vista o quod plerumque accidit, o que
habitualmente acontece. Será ordinariamente difícil negar a dor que experimenta um pai
que perde um filho ou o sofrimento daquele que vê um ser querido mutilado”40.
A dificuldade em determinar o número de lesados pode ser decisivo, contudo, a lei
limitou a legitimidade processual para somente as pessoas indicadas no artigo 496.o do
Código Ciivil.
De facto, o argumento mais decisivo prende-se com a impossibilidade de rigorosa
avaliação em dinheiro, mas como a doutrina proclama, o dinheiro provocará na vítima uma
sensação de prazer, de desafogo, que visa compensar a dor, provocada pelo acto ilícito.

38 Cfr. ANTUNES VARELA, João de Matos. Ob. cit. p. 614-615.


39 RODRIGUES, Sílvio. Ob. cit. p. 191.
40 Idem.

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DANO MORTE

No plano de direito constituído a reparação dos danos não patrimoniais está


limitada à gravidade do dano, medido por um padrão objectivo e não à luz de factores
subjectivos, isto é, o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma
satisfação de ordem pecuniária ao lesado41.
O cálculo da indemnização pelos danos não patrimoniais deve, sempre e em
qualquer dos casos (danos não patrimoniais provenientes da morte da vítima, ofensas
corporais, violação dos direitos de personalidade ou de direito moral do autor) ser feito
segundo critérios de equidade, atendendo o grau de culpabilidade do responsável, a sua
situação económica e às do lesado e do titular da indemnização.

2. Teses doutrinais sobre o problema de indemnização pela perda de vida

Sobre o problema da indemnização do dano de que proveio a morte, vamos destacar


três teses essenciais; dos Professores Antunes Varela e Leite de Campos e do Juiz
Desembargador Dário Martins de Almeida.

2.1. Tese do Prof. ANTUNES VARELA42

Para este Professor, <<a indemnização é, essencialmente, a reparação de um


dano>>; <<e enquanto não houver dano, embora haja facto ilícito, não há obrigação de
indemnizar<<. <<No caso especial da lesão ou agressão mortal, a morte é um dano que,
pela própria natureza das coisas, se não verifica já na esfera jurídica do seu titular>>.
Da leitura desta disposição (artigo 496.o), quer isoladamente considerada, quer
analisada à luz dos respectivos trabalhos preparatórios, ressaltam, por conseguinte, duas
conclusões importantíssimas.
A primeira é que nenhum direito de indemnização se atribui, por via sucessória, aos
herdeiros da vítima, como sucessores mortis causa, pelos danos morais correspondentes à
perda da vida, quando a morte da pessoa atingida tenha sido consequência imediata da

41 Cfr. ANTUNES VARELA, João de Matos. Ob. cit. p. 617.


42 A tese do Prof. Antunes Varela foi publicada em 1973, contida no Vol. I do Livro das Obrigações em
Geral, pág. 489; e actualmente nas actuais edições.

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DANO MORTE

lesão.
A segunda é que, no caso de agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização
correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais
próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito
próprio, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.o 2 do artigo 496.o.
Isto quer dizer que não há lugar a uma indemnização autónoma devida às vítimas
pela supressão da vida.
Uma vez definida, quer a titularidade, quer a natureza do direito à indemnização, no
caso da morte do lesado, um outro ponto importa esclarecer.
É que, nos danos que o tribunal deve ponderar no cálculo da indemnização
equitativa prescrita no n.o 3 do artigo 496.o, nada impede, bem pelo contrário, que o
julgador tome em linha de conta, como parcela autónoma da soma a que haja de proceder, a
perda da vida, entre os danos morais sofridos pelos familiares. Ao lado dos desgostos ou
dos vexames causados pela agressão ou pela causa dela, haverá realmente que contar as
mais das vezes com o dano moral que, no plano afectivo, pode causar aos familiares a falta
do lesado, quer esta proceda de morte instantânea, quer não.
O Prof. ANTUNES VARELA fundamenta esta posição da seguinte maneira: a lei,
na hipótese de a lesão ou agressão ter causado a morte, poderia ter enveredado por um dos
dois caminhos. Ou se mantinha fiel ao princípio de que a indemnização só deve incluir os
danos sofridos pela vítima e considerava essa indemnização como um direito integrado na
herança, por inspiração do disposto no n.o 1, do artigo 71.o; ou partia da ideia de que, no
plano dos interesses em que se move o direito privado, a morte da vítima atinge
essenciamente o cônjuge e os parentes mais próximos dela e fixava a titularidade e o
montante da indemnização, tendo directamente em conta os danos patrimoniais e não
patrimoniais que a morte da vítima causa reflexamente a essas pessoas.
Foi esta última orientação, talvez a mais realista, que a lei perfilhou, como é
revelado pelos textos do Código e pelos respectivos trabalhos preparatórios.
Afirma, a propósito, que o texto inicial do anteprojecto de VAZ SERRA, na parte
em que previa a transmissão da indemnização aos herdeiros da vítima, se manteve até à

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ALBANO MACIE

DANO MORTE

primeira revisão ministerial; mas com a segunda revisão, duas alterações se produziram
nessa matéria – numa, eliminou-se <<a disposição que consagrava a transmissão aos
herdeiros do direito de indemnização por danos não patrimoniais, quando o facto lesivo
tivesse causado a morte imediata da vítima; e noutra, o texto saído daquela revisão passou
a dizer que <<o direito à indemnização por danos não patrimoniais>> cabe aos familiares
da vítima, sem distinguir, nessa atribuição, entre os danos morais sofridos pela própria
vítima e os causados aos seus parentes ou ao seu cônjuge>>.

2.2. Tese do Prof. Leite de CAMPOS43

Este Professor começa por afirmar que:


I - no artigo 496.o, compreendem-se duas espécies de danos diferentes- os danos
sofridos pela vítima e os danos sofridos pelos seus parentes próximos.
Como o n.o 1 deste preceito estabelece o princípio geral da indemnizabilidade dos
danos não patrimoniais, é na sequência lógica deste princípio que tem de ser interpretadado
o n.o 2. Mas, ao dizer-se nese n.o 2 que, por morte da vítima o direito à indemnização cabe
às pessoas aí mencionadas, resolve-se afirmativamente o problema da hereditabilidade
desse direito, ao mesmo tempo que estatui uma excepção à regra do artigo 2133.o, impondo
uma diversa ordem sucessória necessária.
Por um lado, ao dizer <<por morte da vítima>>, a lei não quis apontar a morte
<<como facto ao qual tenham de se referir causalmente os danos não patrimoniais>>; por
outro lado, ao falar destes danos, <<não quis resolver o controverso problema do dano da
morte, mas ater-se à fórmula genérica do n.o 1>>.
É na segunda parte do n.o 3, interpretada na sequência dos n.os 1 e 2, através das suas
expressões literais diferentes, a exprimir ideias diversas, que se deve concluir que <<o dano
da morte é indemnizável>>, pois <<a menção aos danos não patrimoniais sofridos pela
vítima não se deve entender como mera repetição redundante do n.o 2>>. <<A
discriminação dos danos a atender, no caso de morte>> (no caso de o dano ser da morte),

43 A posição deste Professor vem expressa em: A indemnização do dano da morte, separata do Vol. L do
Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra.

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DANO MORTE

só se compreenderá se aqueles forem diversos dos compreendidos nos n.os 1 e 2 ou, pelo
menos, não coincidirem com os anteriores, ou neles não estiverem necessariamente
incluídos>>.

II – Mas como pode a vítima ter adquirido um direito de indemnização pela sua
própria morte (depois desta, portanto) se, com esta, a sua personalidade jurídica e, portanto,
a capacidade de adquirir direitos, se extingue? Como superar esta aparente impossiblidade
lógica?
Duas perspectivas de solução se oferecem para o problema da aquisição, pelo de
cujus, do direito de indemnização pela própria morte, com a consequente transmissão
mortis causa.
a) – Numa primeira perspectiva, os instrumentos jurídicos existentes permitem
compreender que alguém possa, ainda em vida, adquirir um direito pela sua morte. A seguir
ao acto ilícito, verifica-se um dano que não é ainda a morte; mas é um dano que
virtualmente irá conduzir à morte, contendo esta já em potência; é, por assim dizer, o
primeiro passo ou uma antecipação da morte.
Daí, nasceria logo um direito de indemnização pela morte, sujeito porém à
condição suspensiva da verificação da morte. Com efeito, é a própria lei que admite a
indemnização de danos futuros, ainda não prodzidos (artigo 564.o, n.o 2 do C. Civil); e o
direito correspondente parece dever transmitir-se aos herdeiros do seu titular, entretanto
falecido.
Porque não admitir que este mesmo tratamento se transporte para o caso do dano de
que proveio a morte? Há uma lesão; existirá o dano da morte; nasce a obrigação de
indemnizar, por mais curto que seja o tempo decorrido até à morte; o seu titular morre e o
direito transmite-se aos herdeiros.
b) – Numa segunda perspectiva, admite-se mesmo a possibilidade do nascimento
do direito à indemnização já depois da morte do titular do direito lesado.
Já antes do nascimento, a personalidade humana é beneficiada pelos direitos que
hão-de garantir a personalidade futura; e isto tem sido compreendido pelos ordenamentos

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DANO MORTE

jurídicos, podendo apontar-se, no nosso caso, os artigos 952.0, ... 2033.o e 2318.o do C.
Civil.
Mas assim como a personalidade jurídica que há-de ser, já compreende uma tutela
antes do nascimento, também a personalidade que foi e se extinguiu com a morte, exige
uma defesa para além desta. Sob pena de prejudicar os próprios interesses tutelados com os
direitos de personalidade, o direito não pode ignorar que o termo brusco e definitivo de
todos os interesses subjacentes à personalidade jurídica com a morte, e o correlativo
apagamento de todos os direitos e respectivos efeitos, constituiria um fenómeno que as
realidades do mundo dos factos contrariam.
O nosso legislador foi sensível a este problema, ao dispor, no n.o 1 do artigo 71 do
C. Civil, que os direitos de personalidade gozam de protecção depois da morte do
respectivo titular, tendo determinadas pessoas legitimidade para requerer as providências
adequadas. Não se trata aqui do exercício dum direito ao serviço dum interesse próprio:
trata-se do exercício dum direito alheio, ao serviço de um interesse alheio.
Em tal caso, os respectivos direitos projectam-se para além da própria morte, como
emanações dessa mesma personalidade e dão lugar a manifestações de protecção, mesmo
depois da morte do seu titular.
Assim, não parecerá estranho que entendamos que o direito de indemnização pelo
dano da morte é adquirido depois desta pelo de cujus; e esta disposição post mortem é
ainda uma manifestação da personalidade jurídica e dos interesses que lhe estão
subjacentes. É a própria tutela do direito à vida que postula a obrigação de indemnizar pela
sua lesão.
Desta forma, o Prof. Lei de CAMPOS adere a esta última perspectiva, por ser mais
conveniente: a indemnização pela lesão do direito à vida transmite-se, jure haereditario, ao
grupo de pessoas indicadas no artigo 496.o n.o 2 segundo a ordem aí estabelecida.

2.3. Tese do Juiz Dário MARTINS DE ALMEIDA44

44 In Manual de Acidentes de Viação. Ob. cit., p. 174 e ss.

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Este juiz afirma que o direito à vida é um direito pessoal inerente à personalidade.
Como é óbvio, esse direito não se transmite. Coisa, porém, diferente, senão diversa, é a
violação ou lesão desse direito e a indemnização que venha a corresponder-lhe, a qual se
reveste de natureza patrimonial.
O problema da aquisição, por parte da vítima, do direito a essa indemnização,
transcende a visão puramente naturalística ou materialística da personalidade; não tem que
se situar no tempo ou more geometrico, numa escala de mais ou menos minutos ou
segundos após a morte. A aquisição desse direito é automática; segue-se à própria violação
do direito, acabando por coincidir com ela, tal como a correspondente obrigação de
indemnizar está logo envolvida na consumação do facto danoso que é a perda daquele
direito.
Isto está de harmonia com o próprio direito da personalidade – direito carregado de
exigências metajurídicas – cuja violação pode pôr fim à personalidade física mas não pode
tolher a força da reacção legal inerente à protecção daquele direito.
E se, à perda do direito à vida, se substitui automaticamente o direito à
indemnização, nada impede que os herdeiros da vítima lhe sucedam nesse direito. Isto
concilia-se com o princípio subjacente aos artigos 68.o n.o 1, 70.o e 71.o do Código Civil.
Só preconceitos de raiz positivistas têm perturbado a doutrina nesta matéria que não
se compadece com frios esquemas de pura indução ou dedução mas com aceitação de
postulados e corolários ditados pela especial natureza do direito de personalidade.
Quando falamos em aquisição automática do direito à indemnização, pretendemos
lembrar que o facto, constituído pela lesão potencialmente mortal, se prende logo, por uma
relação condicionante, ao resultado que é a perda da vida, ou seja, o dano.
A morte é já, no plano puramente material, um fenómeno fisiológico ou patológico
de degradação da matéria que acaba por situar-se, logicamente, num instante posterior à
perda da vida.
A morte não se identifica necessária e completamente com a perda do direito à vida;
não é a lesão da vida considerada como valor existencial; é o termo da vida. A morte
aparece assim como o derradeiro vestígio dum dano já antes produzido.

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Não devemos esquecer que a aquisição de direitos depende apenas da capacidade de


gozo: não pressupõe uma situação real de consciência e de vontade. Por outro lado, o
direito à indemnização é um direito subjectivo que a ordem jurídica atribui; e o direito
subjectivo não passa dum ente de razão que nasce logo que o dano está em marcha para o
termo da personalidade física; o qual precede o termo da personalidade jurídica. Jamais se
chegará porventura a saber que espaço de tempo separa o dano, constituído pela perda da
individualidade concreta e a morte real, após a qual se verifica o termo da personalidade.
Mas à nossa razão não repugna admitir que, entre as duas situações, não há uma
coincidência temporal, matemática e absoluta, mesmo quando se pense na chamada morte
imediata.
Ao conceder-lhe este atributo da personalidade, a ordem jurídica transforma o
homem em sujeito de direitos. E quando o artigo 68.o n.o 1 do Código Civil diz que a
personalidade cessa com a morte, quer apenas mostrar que, logo após a verificação clínica
do óbito, aquele ser concreto perde a sua autonomia e deixa de ser sujeito de direitos.
A morte do indivíduo não é a morte da personalidade: é a condição para que o
atributo da personalidade se extinga, a partir do derradeiro instante da vida.
Daí, não ser correcto dizer-se que o direito à reparação pelo dano resultante da lesão
do direito à vida já não se verifica na esfera jurídica do seu titular ou que o lesado não teve
tempo de adquirir o correspondente direito à reparação. Na verdade, o que vem a coincidir
com a morte é a obrigação de indemnizar, pois aquele direito já precede esta obrigação.
De resto, tudo isto é um corolário lógico da existência do próprio direito à vida.
Seria absurdo admitir o contrário.
Este juiz conclui a sua tese da seguinte maneira: (...) parece tornar-se indiscutível
que toda a lesão do direito à vida é objecto de reparação, sendo certo que esta se reveste de
natureza patrimonial. Mas não é menos concludente que o direito à reparação não deixa de
entrar logo na esfera jurídica da vítima, constituindo elemento do seu património
hereditário, ainda que se trate de morte instantânea ou imediata. E, segundo a ordem
natural das coisas, nada impede que venha a transmitir-se aos seus herdeiros mortis causa,
consoante as regras gerais da sucessão (artigo 2024.º do C. Civil).

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Poder-se-á, pois, concluir, em resumo, que o alcance do artigo 496.o, n.os 2 e 3, no


caso de morte da vítima, dá cobertura às seguintes hipóteses:
a) ---- segundo o n.o 2, tem direito à indemnização por danos não patrimoniais,
emergentes da dor moral que essa morte pessoalmente lhes causou, o pequeno grupo de
pessoas aí referidas, cabendo-lhes esse direito próprio pela ordem de preferência ai
estabelecida;
b) ---- segundo o n.o 3, a lesão do direito à vida e outros sofrimentos físicos e
morais que precedam a morte constituem danos não patrimoniais cuja reparação
pecuniária entra, por aquisição, no património da vítima e transmite-se aos herdeiros
indicados no artigo 2133.o, caso não haja testamento.

3. Indemnização do dano de que proveio a morte

Nós entendemos que, como ninguém negará, a personalidade jurídica, cessando


com a morte, a sua perda coincide com a morte, deixando a pessoa de ser titular ou centro
de imputação de direitos e deveres no momento em que cessam, totalmente, as funções
vitais. Ora, nem que a morte seja imediata, a vítima sofre danos que vão provocar a morte,
desde, por exemplo, se for morte por um tiro, este atinge primeiro a epiderme até atingir os
órgãos vitais, daí compreender correcto a consideração in concreto do dano de que proveio
a morte e sendo sobre este que deverá incidir a indemnização. Portanto, nem que a
personalidade cesse, esta não tem implicações na impossibilidade de poder se falar de
indemnização do dano de que proveio a morte.
O dano pela perda da vida corresponde à dor sofrida pela vítima antes de morrer
nem que a morte seja instantânea, o juiz tomará em atenção o limite do preço da dor sofrida
naqueles centésimos de tempo. Na verdade, o quantum da indemnização está dependente
do sofrimento e da respectiva duração, da maior ou menor consciência da vítima sobre o
seu estado e aproximação da morte. Ninguém duvidará que quanto mais tempo durar a
morte da vítima maior é a sua consciência sobre a morte, o que terá implicações no cálculo
da indemnização.

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Aspecto de maior realce para o nosso ordenamento jurídico tem a ver com o facto
de os tribunais no momento da profirição das sentenças não destacarem os danos quando
computam a indemnização a atribuir às vítimas, cumulando todos os tipos de danos, o que
torna difícil de entender se estes admitem ou não a existência de um tal dano de que
proveio a morte. Assim, os tribunais cumulam no valor da indemnização os danos sofridos
pelos familiares da vítima com a sua morte, os danos sofridos pela vítima antes de morrer e
danos pela perda do direito à vida. É o que resulta quando o tribunal diz-nos que “ (...).
Elevam para 50.000.000,00 (cinquenta milhões de meticais) a quantia de indemnização a
favor dos familiares da vítima que se mostrarem com direito a ela (...)” 45. Noutro acórdão
de homicídio voluntário, o Tribunal Supremo condena no pagamento de 70.000,00 (setenta
mil meticais) de indemnização a quem provar ter direito46.
O que pretendemos é que admitido o dano de que proveio a morte, qual deve ser o
fundamento legal para a sua indemnização?
A busca da solução deve partir dos n.os 2 e 3, ambos do artigo 496.o quando referem
que “Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais (...)” e
“(...), no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos
pela vítima (...)”, respectivamente. Serão estes dispositivos suficientes para fundamentar a
existência de um dano autónomo dentro dos danos não patrimoniais, o chamado dano
morte?
Parece que a razão assiste aos nosso tribunais, quando se preocupam pelos danos
patrimoniais no seu conjunto, sem contudo distinguir entre uns e outros, embora não ajude
ao desenvolvimento da doutrina, no sentido de se procurar saber como os nossos tribunais
aplicam o direito nestas matérias que divide a própria doutrina. O silêncio dos tribunais
pode querer dizer que estes não querem tomar partido dessa intricada doutrinária, apoiados
pela falta de clareza na própria lei.
Na verdade, a lei não é clara quanto à autonomização do dano de que proveio a
morte dos restantes danos não patrimoniais. O legislador não se exprimiu de forma clara, o
que conduz à interpretações radicalmente diversas, e com argumentos ponderosos com

45 Processo nº 264/2001 – C.
46 Processo nº 45/89 – 1.ª.

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fundamento baseado na lei.


Seja como for, admitindo-se o dano de que proveio a morte, como dano não
patrimonial, o juiz procederá à sua fixação, tendo em conta a gravidade do dano (n. o 1 do
artigo 496.o), cujo montante será encontrado segundo o critério de equidade (n. o 3 do
mesmo artigo). A maior ou menor consciência da vítima sobre a morte vai ser determinante
para o cálculo da indemnização, pois indicará maior ou menor grau de sofrimento,
traduzindo-se num quadro de alteração não consentido (quer pessoal, quer juridicamente) e
indesejado, acompanhado de uma afectação negativa do bem-estar físico e psíquico da
vítima.

4. Realização in concreto da indemnização em caso do dano de que proveio


a morte

Como se efectiva a indemnização nos casos de admissibilidade do dano pela perda


de vida?
O dano de que proveio a morte faz nascer uma obrigação de ressarcir com natureza
compensatória do que indemnizatória.
O Código Civil manda funcionar o critério da equidade – o montante da
indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal (n.o 3 do artigo 496.o) – e as
circunstâncias relativas ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e
do lesado e demais circunstâncias do caso, desde que o justifiquem.
O juízo de equidade, como reconhece Dário Martins de ALMEIDA, “(...) terá de
abstrair do direito violado, tal como se punha em relação ao seu titular, para considerar
quase sempre circunstâncias de ordem material, em função do lesante e dos herdeiros do
lesado”47.
Desta forma, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, bom
senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida,
sem esquecer a natureza mista da reparação: reparar o dano e punir a conduta48. O dano de

47 ALMEIDA, Dário Martins de. Ob. cit., p. 188.


48 Cf. Recurso n.o 562/08, Tribunal de Relação do Porto, in www.dgsi.pt.

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que proveio a morte é um prejuízo supremo, lesão de um bem superior a todos os outros,
sendo que na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida
“importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais e
no que respeita à vítima, a sua vontade e alegria de viver, a sua idade, a saúde, o estado
civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia,
incluindo a sua situação profissional e socio-económica”49
Na verdade, o cálculo do valor compensatório cabe ao prudente arbítrio do julgador,
guiado pela sua sensibilidade visando sopesar o sofrimento da vítima, tendo em conta
idade, estado de saúde e civil, reputação social, projectos de vida, actividade profissional
desenvolvida e sonhos pela frente da vítima, o que nos conduz à parâmetros genéricos
visando realizar a justiça em cada caso concreto.
A equidade referida pelo direito positivo quer dizer a utilização de todos os
pressupostos atrás destacados.

5. A questão de legitimidade

Nesta parte vamos procurar saber onde é que nasce o direito à reparação do dano
pela perda de vida (se é no património da vítima ou no património das pessoas referidas no
n.o 2 do artigo 496.o do Código Civil, por direito próprio).
Mostra-se necessário esclarecer que o n.o 2 do artigo 496.o do Código Civil regula a
questão da legitimidade para a acção indemnizatória, não fixando nenhuma hierarquia
sucessória anómala, pois não existe nenhuma transmissão mortis causa do direito à
compensação pelo dano de que proveio a morte. Com efeito, só o cônjuge não separado
judicialmente de pessoas e bens e filhos ou outros descendentes, na falta destes, os pais ou
outros ascendentes e por último os irmãos ou sobrinhos que o representam têm direito de
intentar a acção indemnizatória pelo dano de que proveio a morte.
O dano de que proveio a morte ocorre na esfera jurídica da vítima, pois é ele quem
sofre as dores, nem que seja em milésima parte do tempo, é neste tempo que se constitui e

49 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 12 de Outubro de 2006, Processo n. o 06B2520,


in www.dgsi.pt.

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se consolida o direito à indemnização na sua esfera jurídica. A morte torna-se consequência


do dano de que ela proveio.
Esclarecer que não é a morte em si considerada, porque esta se verifica no momento
em que a vítima já não tem personalidade jurídica e, portanto, insusceptível de ser titular de
direitos e deveres, mas o dano que nela resultou (dano de que proveio a morte).
Apesar de o direito à compensação pelo dano de que proveio a morte integrar o
património da vítima, este direito não faz parte do património hereditário ou sucessório do
de cujus. Assim quis a lei que este direito pertencesse às pessoas elencadas no n. o 2 do
artigo 496.o por direito próprio. Constitui, na verdade, um desvio à regra geral que o
próprio legislador quis consagrar tendo em atenção a sua natureza e origem.

CONCLUSÃO

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O presente relatório levantou duas questões de investigação intrinsecamente


relacionadas, a primeira quanto à possibilidade de qualificar a morte como dano, quando
sobrevenha de um facto ilícito e, eventualmente, qualificada a morte como dano, se a partir
dessa qualificação, seria possível falar-se do seu ressarcimento e a quem caberia reclamar a
referida indemnização. As hipóteses têm a ver com o facto de que se a vida é uma
vantagem, um bem jurídico e, como tal, em caso da sua lesão, o que daí resultar, maxime, a
sua perda, é, consequentemente, um dano. O segundo problema, da ressarcibilidade do
dano morte, é que reunidos os pressupostos básicos da responsabilidade civil, o dano e a
imputação, é de admitir a reparação do dano pela perda de vida, embora se opere “iure
hereditatis”, de nada interessando a existência do lesado.
A perda da vida consiste num dano não patrimonial, com possibilidade de
autonomização no conjunto de danos não patrimoniais, para efeitos de indemnização,
embora tal, ainda, não tenha, na nossa jurisprudência, tido espaço, resultando,
nomeadamente, da falta de clareza do artigo 496.o do Código Civil.
As expressões “(...) deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua
gravidade, mereçam tutela do direito”, do n.o 1 e “(...) no caso de morte, podem ser
atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, (...)”, do n. o 3, ambos do
artigo acima transcrito, cimentam um debate fervoroso na doutrina sobre o seu
entendimento. Mas para nós é certo que o dano de que proveio a vida resulta directamente
da conjugação daqueles dois números, pela admissibilidade de se “atender os não só os
danos não patrimoniais sofridos pela vítima, mas que “mereçam tutela do direito”.
O dano em causa não é a morte em si considerada. Pois esta constitui uma
consequência da ocorrência de um dano terminante anterior a ela. A morte é a consequência
do término da personalidade jurídica, daí não se poder falar, summa rigore, da morte como
dano. Desta forma, o juiz volta-se para a sintomatologia do sofrimento e dor sofridos pela
vítima antes de perder a vida, nem que seja por milésima parte do tempo que separa a vida
e a morte.
Impõe-se esclarecer que parece não ser correcto afirmar que o dano morte, como se

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pretende, tem seu fundamento teleológico na perda de vida e não na dor, porque se assim
fosse, não faria sentido, como reconhece Oliveira ASCENÇÃO, “à luz dos princípios, é
insanável a contradição que consiste em considerar facto aquisitivo de um direito o próprio
facto extintivo da capacidade de adquirir do de cujus – a morte”50. Pois o momento da
morte é o último momento da vida51, o momento da perda de personalidade jurídica, nada
podendo adquirir o de cujus. Porém o dano de que proveio a morte ou pela perda da vida
vai consistir num conjunto de prejuízos que a vítima sofre antes de perder a vida e que tem
como consequência a sua morte.
A morte, em nenhum momento, pode ser reparada e o morto não pode sofrer danos,
por isso a morte não pode aparecer como dano, senão valorar o dano que levou a esta
consequência, que é a ela anterior, independentemente da sua duração.
Nos precisos termos do n.o 3 do artigo 496.o pode o juiz proceder à repartição do
valor da indemnização entre vários danos não patrimoniais, evitando, como fazem os
nossos tribunais, cumular o valor da indemnização, talvez porque receosos em procurar
autonomizar danos onde não há uma posição categórica do legislador, devendo o intérprete,
nestes casos, “seguir a posição racional sobre esta matéria, no pressuposto de que é a que
exprime a ordem existente na realidade social e a praticamente mais satisfatória”52.
O valor da indemnização pelo dano de que proveio a morte cabe, por direito
próprio, ao cônjuge sobrevivo e aos parentes mais próximos, nos termos do n.o 2 do artigo
496.o do Código Civil e, é calculada segundo a equidade, tendo em conta o estado de saúde
da vítima, a função desempenhada por esta na sociedade, o valor de afeição social, e outras
circunstâncias relevantes a serem consideradas pelo juiz.

50 Direito Civil – Sucessões, ob. cit., pág. 49.


51 Cf. TELLES, Galvão. Noções Fundamentais, pág. 86.
52 ASCENÇÃO, José Oliveira, Ob. cit. p. 53.

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BIBLIOGRAFIA

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil, Atlas, São Paulo, 2004.

www.dsgi.pt.

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