Você está na página 1de 3

 A repressão e o recalque pulsional, que no esquema da crítica freudiana da cultura,

recaía na conta de uma difusa necessidade - ditada pela própria civilização - de


manter a sociedade coesa, na Dialética do esclarecimento aparece como objeto de
manipulação com autoria conhecida e endereço certo, isto é, aponta para a
disposição, por parte dos poderosos, tão planejada quanto possível, sobre o "mal-
estar na cultura" que acomete os indivíduos, sempre no sentido de obter adesão ao
que está estabelecido. (p. 5)
 O diferencial reside na estrutura interna dos objetos em questão: enquanto na obra
de arte verdadeira - os clássicos do passados e a vanguarda autêntica do presente
- os elementos formais encontram-se numa relação orgânica e dialética, na
mercadoria cultural eles se tornam totalmente intercambiáveis, sugerindo mesmo
a situação social real, na qual qualquer indivíduo é facilmente substituído, caso
necessário. (p. 5)
 a obra de arte, por mais que possa ser utilizada a posteriori dessa ou daquela
maneira, não tem inscrita nem na sua aparência exterior, nem na estrutura interna
que lhe dá origem, a obrigatoriedade de uma utilização, de um emprego para
qualquer finalidade externa, enquanto a mercadoria cultural, por definição, tem o
objetivo de proporcionar lucro aos seus produtores. (p. 5).
 na Teoria Estética, Adorno submete o conceito de sublimação a uma dura crítica,
sob a alegação de que ele seria mais frutífero do ponto de vista psicológico do que
sob o aspecto estético propriamente dito. Ele acusa não apenas Freud, mas seus
seguidores que escreveram ensaios psicanalíticos biográficos sobre artistas, de um
filistinismo que se expressa principalmente em abstrair totalmente da qualidade
efetivamente estética de suas obras em benefício de um diagnóstico - mesmo que
às vezes bastante preciso - do seu estado psíquico. (p. 7)
 CITAÇÃO ADORNO, NA TEORIA ESTÉTICA, EM CRÍTICA À
CONCEPÇÃO ESTÉTICA DA PSICANÁLISE: “As obras de arte são, para a
psicanálise, sonhos diurnos; ela confunde-os com documentos, transfere-os para
os que sonham enquanto que, por outro lado, os reduz, em compensação da esfera
extramental salvaguardada, a elementos materiais brutos, de um modo aliás
curiosamente regressivo em relação à teoria freudiana do «trabalho do sonho». O
momento de ficção nas obras de arte é, como em todos os positivistas,
excessivamente valorizado pela sua suposta analogia com os sonhos. O elemento
projectivo no processo de produção dos artistas é, na relação à obra, apenas um
momento e dificilmente o decisivo; o idioma, o material e sobretudo o próprio
produto têm um peso específico, que surpreende sempre os analistas. A tese
psicanalítica de que, por exemplo, a música seria o meio de defesa de uma
paranóia ameaçadora, é talvez muito válida no plano clínico, mas nada diz sobre
a categoria e o conteúdo de uma única composição estruturada. A teoria
psicanalítica da arte tem, sobre a teoria idealista, a vantagem de trazer à luz o que,
no interior da arte, não é em si mesmo artístico. Permite subtrair a arte ao sortilégio
do Espírito absoluto. No espírito da Aufklarung, levanta-se contra o idealismo
vulgar que, por rancor contra o' conhecimento da arte, especialmente do seu
entrelaçamento com o instinto, a desejaria pôr de quarentena numa pretensa esfera
superior. Ao decifrar o caracter social que se exprime pela obra de arte e no qual
se manifesta muitas vezes o do seu autor, fornece as articulações de uma mediação
concreta entre a estrutura das obras e a estrutura social. Mas difunde igualmente
um constrangimento afim ao do idealismo, o de um sistema de signos
absolutamente subjectivo para moções pulsionais também subjectivas. Decifra
fenômenos, mas não alcança o fenômeno arte. As obras de arte surgem-lhe apenas
como factos, e escapa-lhe a sua objectividade própria, a sua coerência, o seu nível
formal, os seus impulsos críticos e, finalmente, a sua idéia de verdade. À pintora,
que, sob o pacto da total sinceridade existente entre o analisando e o analista,
escarnecia das más gravuras vienenses com que ele desfigurava as suas paredes,
explicava-lhe este que tudo se reduzia à agressão da sua parte. As obras de arte
são incomparavelmente muito menos reflexo e propriedade do artista do que o
pensa um médico, que apenas conhece o artista no seu diva. Só os diletantes
referem tudo o que se encontra na arte ao inconsciente. A pureza da sua
sensibilidade repete clichês decadentes. No processo de produção artístico, as
moções inconscientes são impulso e material entre muitos outros. Inserem-se na
obra de arte através da mediação da lei formal; o sujeito literal, que compõe a
obra, não passaria de um cavalo pintado. As obras de arte não constituem thematic
apperception tests do seu autor.” (p. 19, 20)
 Uma outra questão levantada por Adorno no tocante às abordagens psicanalíticas
das obras de arte é a seguinte: se as considera como meros sintomas de quadros
clínicos psicopatológicos, fica implícita a inferência de que um hipotético estado
de saúde mental perfeita coincidiria com uma situação em que não haveria mais
lugar para a arte, já que a ela estaria reservado apenas o papel de externação
sintomática de psicopatologias, o que para Adorno traduz, no fundo uma espécie
de idolatria com relação à realidade tal "como ela é" - "co-responsável por essa
insensibilidade às artes é o culto que a psicanálise faz do princípio de realidade:
aquilo que não o obedece seria sempre apenas 'fuga'; a adaptação à realidade
torna-se o summum bonum" IN: A partir desse "pacto" com o status quo, Adorno
constata na psicanálise também a tendência a desqualificar os aspectos
propriamente substantivos das obras de arte, considerando-as, de modo genérico,
como meros "sonhos diurnos", para usar os termos com que o próprio Freud
justificou sua opção, para fins de análise, pelo best sellers da literatura em
detrimento das obras mais importantes. (p. 7)
 Adorno diz na Minima Moralia, no aforismo 136: “Os artistas não sublimam. Que
não satisfaçam os seus desejos nem os reprimam, mas os transformem em
produtos socialmente desejáveis - as suas criações - é uma ilusão da psicanálise;
além disso, as legítimas obras de arte são hoje, sem excepção, socialmente
indesejáveis. Os artistas mostram antes instintos veementes, qualificadamente
neuróticos, intermitentes e, ao mesmo tempo, em colisão com a realidade.” (p.
205).
 Partindo dessa imagem dos grandes artistas como pessoas que, não raro, estiveram
em conflito com a época em que viveram e que criaram construtos que se
sustentam por si mesmos em virtude de sua dimensão espiritual, Adorno propõe
que o termo adequado para caracterizar a relação entre a criação artística e a vida
pulsional seja o de expressão e não o já consagrado "sublimação, o qual, segundo
o filósofo, abstrai do construto criado pelo artista - momento objetivo da obra -,
concentrando-se apenas em aspectos subjetivos de sua psicologia. De acordo com
Adorno, os artistas "não se adequam à teoria freudiana, porque a ela falta um
conceito satisfatório de expressão, apesar de toda a consideração no
funcionamento da simbólica do sonho e da neurose" (MINIMA MORALIA). O
filósofo concede que uma excitação pulsional não censurada, de fato, não pode
ser vista como recalcada quando há um desvio de alvo para outro objeto, existindo
realmente um processo psíquico intermediário entre o recalque e a satisfação da
pulsão. (p. 8)
 Para Adorno, a expressão tem em comum com o recalque o fato de que, em ambos,
a excitação ser bloqueada pela realidade, havendo, no entanto, na expressão, um
tipo de externação imagética do conflito, a qual se cristaliza num construto cuja
aparência sensível resguarda um caráter objetivo que no conceito convencional de
sublimação não é levado em conta. (p. 8)

Você também pode gostar