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Análise Psicológica (2004), 2 (XXII): 369-376

Problematização das dificuldades de


aprendizagem nas necessidades educativas
especiais

LUÍS DE MIRANDA CORREIA (*)

INTRODUÇÃO problemática, comummente designada por defi-


ciência mental.
O conceito de dificuldades de aprendizagem Assim sendo, o aluno com DA é um aluno
(DA) surgiu da necessidade de se compreender a com um potencial para a aprendizagem médio,
razão pela qual um conjunto de alunos, aparen- ou acima da média, sendo este aspecto um factor
temente normais, estava constantemente a expe- de grande importância a transmitir-lhe no sentido
rimentar insucesso escolar, especialmente em áreas de o ajudar a situar-se e a compreender as suas
académicas tal como a leitura, a escrita ou o cál- áreas fortes e necessidades educativas.
culo. É por aqui que devemos começar, embora, pa-
Este conceito subentendeu, de imediato, uma ra que o possamos fazer, seja necessário compre-
discapacidade (inabilidade) para a aprendizagem, endermos esta problemática tão complexa que
numa ou mais áreas académicas, nada condizente leva tantos alunos a debaterem-se diariamente
com o potencial intelectual (inteligência) de um para que possam perceber o que se passa à sua
aluno, geralmente na média ou acima desta, en- volta em termos académicos e socioemocionais.
trando em conflito directo com os problemas de Depois de um percurso de investigação sinuo-
aprendizagem generalizados do aluno cujo po- so, em que, inicialmente, as DA foram vistas por
tencial intelectual era bastante abaixo da média vários prismas (ver Wiederholt, 1974), centran-
(QI abaixo de 70, quando medido por um teste do-se as desordens que lhe eram atribuídas nas
de inteligência). Neste último caso, o aluno faz áreas da linguagem falada e escrita e nos pro-
aprendizagens e tem realizações consentâneas com blemas perceptivo-motores, em meados dos anos
o seu potencial, não apresentando, portanto, difi- 601, nos anos 70 e parte dos anos 80, um grupo
culdades de aprendizagem, mas sim uma outra de educadores, médicos e investigadores come-

1
(*) Instituto de Estudos da Criança, Universidade do Em 1963 Kirk apresenta o termo dificuldades de
Minho. aprendizagem.

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çam a centrar a sua atenção na área da lingua- apresentam DA são totalmente ignorados e, na
gem, tentando estabelecer uma conexão aparente maioria dos casos, entregues a um insucesso
entre algumas desordens de comunicação e as escolar total5 que leva a níveis assustadores de
DA. Este grupo de estudiosos começou por iden- absentismo e de abandono escolar.
tificar e estudar crianças que tinham problemas Esta situação tão dramática motivou a elabo-
de leitura e, em certos casos, problemas de ração deste artigo cujo objectivo será o de tentar
leitura e de cálculo, para depois se ocupar com o apresentar argumentos cientifico-pedagógicos
estudo das DA, em termos mais restritos, ou em defesa da inserção das DA dentro do grupo
seja, preocupando-se com a especificidade de das necessidades educativas especiais (NEE) e,
determinada problemática dentro do contexto como tal, receptoras de serviços de apoio especia-
mais lato das DA2. lizados.
Começam, assim, a surgir nos últimos 20 anos Chegados aqui, retomamos as DA no sentido
programas educacionais eficazes, fruto de um es- de tentarmos problematizá-las nas NEE. Se, por
forço concertado entre investigadores, educado- um lado, nos parece tarefa fácil, dado o caudal
res e pais, fazendo das DA, designadamente das de literatura que existe sobre o assunto (Fonseca,
DA específicas (dislexias, disgrafias, discalcu- 1984, 1999; Correia, 1991; Hallahan, Kauffman
lias, etc.), problemáticas bem compreendidas e & Lloyd, 1996; Bender, 1998; Hammill & Bryant,
com bons prognósticos. 1998; Cruz, 1999), por outro, ela não será assim
Hoje em dia, salvo o caso das dificuldades de tão fácil, tendo em conta a interpretação do con-
aprendizagem não verbais (DANV), que ainda ceito feita pela maioria dos profissionais de edu-
continuam a ser alvo de uma atenção muito espe- cação no nosso país. E é por esta interpretação
cial pelo facto da investigação só muito recente- que vamos começar.
mente se ter debruçado sobre elas3, as DA em Em Portugal, no que se refere à atenção dada
geral são entendidas como uma problemática re- às DA, de uma forma sucinta, a análise efectuada
ceptora de serviços de educação especial, tendo revela as seguintes conclusões:
os alunos que as apresentem direito a programa- Num sentido lato, as DA são consideradas co-
ções educacionais individualizadas que reflictam mo todo o conjunto de problemas de aprendiza-
as suas características e necessidades. gem que grassam nas nossas escolas, ou seja,
todo um conjunto de situações, de índole tempo-
rária ou permanente, que se aproxima, ou mesmo
A SITUAÇÃO EM PORTUGAL quererá dizer, risco educacional ou NEE. Esta
parece ser a interpretação dada ao conceito por
No entanto, este não parece ser o caso no nosso um grande número de profissionais de educação
país, onde a legislação não contempla esta ca- que, por paralelismo semântico (dificuldade vs.
tegoria4 e, por conseguinte, onde os alunos que problema) ou por desconhecimento ou, até, por
indução, o aceitam num sentido muito mais amplo.
O Decreto-Lei 319/91, de 23 de Agosto, acen-
tua esta perspectiva ao referir no seu preâmbulo
que «a evolução dos conceitos resultantes do
2
Como exemplo podemos citar a dislexia, inicial- desenvolvimento de experiências de integração»
mente traduzida numa inabilidade para a leitura. leva a salientar «a crescente responsabilização da
3
O primeiro livro inteiramente dedicado às DANV, escola regular pelos problemas dos alunos com
intitulado Nonverval learning disability: The syndro-
me and the model, da autoria de Byron Rourke, foi es-
crito em 1989 e, em Portugal, só na década de 90 e
anos seguintes é que aparece alguma literatura sobre
este assunto pela mão do Professor Vítor da Fonseca,
da qual podemos destacar o seu artigo intitulado «Di-
ficuldades de aprendizagem não verbais», publicado
no primeiro número da revista Inclusão. 5
Muitos deles chegam ao 2.º Ciclo do Ensino Bási-
4
Só o Decreto-Lei 319/91, de 23 de Agosto, a men- co com idades cronológicas muito superiores às nor-
ciona no seu preâmbulo, mas com um sentido lato, que- mais e com problemas significativos nas áreas da lei-
rendo significar problemas de aprendizagem. tura, da escrita e da matemática.

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deficiência ou com dificuldades de aprendiza- mo eliminando, a possibilidade de intervenções
gem» (p. 4390). pedagógicas adequadas para quem realmente apre-
Aqui o termo dificuldades de aprendizagem, sente DA.
embora não tenha sido definido no referido De- Kauffman (2002), ao referir-se à investigação
creto-Lei, parece subentender NEE ou problemas na era do pós-modernismo, comenta:
de aprendizagem.
«Afirmações mal pensadas deformam a edu-
Há ainda a salientar uma outra perspectiva,
cação, quer o seu contra-senso seja pós-
esta muito mais controversa, uma vez que, inten-
-moderno ou político, ou ambas as coisas,
cionalmente ou não, ela vem situar as DA no
e muitas delas são baseadas em investiga-
foro da deficiência mental, com as devidas con-
ção científica cujo mérito é duvidoso.» (p.
sequências, muito negativas em nosso entender,
39)
quer para os profissionais de educação, quer
para os alunos que apresentam DA. Assim, no Também Mckinney (1984), ao falar de técni-
relatório do Conselho Nacional de Educação, in- cas de classificação empírica com respeito à ca-
titulado Os Alunos com Necessidades Educativas racterização das DA, afirma:
Especiais: Subsídios para o Sistema de Educa-
«…estas técnicas parecem ter o potencial
ção, Bairrão e col. (1998) afirmam:
para diferenciar, por um lado, as dificul-
«Nas categorias Dificuldades de Aprendi- dades de aprendizagem da deficiência
zagem Ligeiras, Dificuldades de Aprendi- mental e, por outro, do insucesso escolar
zagem Moderadas ou Dificuldades de não categorizado.» (p. 48)
Aprendizagem Severas, consoante o grau
É bem evidente, nas palavras de Mckinney, a
de dificuldade do aluno, deveriam ser in-
importância de se saber diferenciar entre DA e
cluídos os alunos que apresentam defici-
deficiência mental, uma vez que, para além des-
ências ou incapacidades, de grau ligeiro,
tas duas categorias apresentarem características
moderado ou severo, que não se incluem
bastante desiguais, também exigem programa-
em nenhuma das restantes categorias exis-
ções educacionais individualizadas muito dife-
tentes nos quadros do inquérito e que se
rentes.
traduzem em necessidades especiais a ní-
Por seu turno, também a nova definição de
vel das aprendizagens. (...) Por isso, não
DA proposta pela Learning Disabilities Associa-
se considerou a deficiência mental como
tion of Ontário, Canadá, datada de 2001, corro-
uma categoria independente das Dificul-
bora esta diferença, ao afirmar que:
dades de Aprendizagem. Assim, os alunos
que apresentem deficiência mental deve- «As dificuldades de aprendizagem são dis-
riam ser classificados em função do tipo e capacidades específicas e não discapacida-
grau de dificuldades que essa deficiência des globais e, como tal, são distintas da
acarreta a nível das aprendizagens, ou se- deficiência mental.» (p. 1)
ja, estes alunos deveriam ser incluídos nu-
Um outro dado a referir, quanto à exclusão
ma das categorias das Dificuldades de Apren-
desta problemática do seio das NEE ou, até,
dizagem (Ligeiras, Moderadas ou Seve-
quanto à sua inexistência no espectro dos proble-
ras).» (p. 110)
mas de aprendizagem, prende-se com o precei-
Contudo, perante todo um passado científico tuado no Artigo 10.º, Ponto 2, do Decreto-Lei
que sempre se referiu às DA como uma proble- 6/2001, de 18 de Janeiro, que nem sequer a refe-
mática por si, a ter em atenção, com direito a ser- re. Ora, é sabido que há um grupo de alunos cu-
viços de apoio especializados (Kirk, 1963; John- jas “desordens neurológicas” interferem com a
son & Myklebust, 1967, 1991; Fonseca, 1984, recepção, integração ou expressão de informação
1999; NJCLD, 1994; Correia, 1991, 1997; Halla- (Fonseca, 1984, 1996, 1999; Correia, 1991, 1997;
han & Kauffman, 1997; Smith, Dowdy, Polloway Adelman & Taylor, 1993; Rebelo, 1993; Smith,
& Blalock, 1997; Bender, 1998; Cruz, 1999), um Dowdy, Polloway & Blalock, 1997; Cruz, 1999)
posicionamento deste tipo só aumenta a confu- reflectindo-se numa “discapacidade” ou “impe-
são sobre o conceito de DA, diminuindo, ou mes- dimento” para a aprendizagem da leitura, da es-

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crita, ou do cálculo ou para a aquisição de apti- das capacidades de escuta, fala, leitura, es-
dões sociais (Correia, 1991, 1997; Rebelo, 1993; crita, raciocínio ou matemáticas. Estas
Cruz, 1999; Fonseca, 1999, 2001), que ao não ser desordens, presumivelmente devidas a
abrangido por serviços de apoio especializados uma disfunção do sistema nervoso central,
(serviços de educação especial), sente um pro- são intrínsecas ao indivíduo e podem ocor-
longado insucesso académico e, até, social que o rer durante toda a sua vida. Problemas nos
leva, na maioria dos casos, ao abandono escolar. comportamentos auto-reguladores, na per-
Estamos, aqui, a considerar um sentido mais cepção social e nas interacções sociais po-
restrito de ver esta problemática, cuja interpre- dem coexistir com as DA, mas não cons-
tação do conceito de DA se restringe a uma mi- tituem por si só uma dificuldade de apren-
noria de especialistas e profissionais de educa- dizagem.
ção, mas que é a que deveria receber mais aten- Embora as dificuldades de aprendizagem
ção, uma vez que, até à data, as sucessivas refor- possam ocorrer concomitantemente com
mas e reorganizações curriculares ainda não con- outras condições de discapacidade (por
seguiram dar uma resposta eficaz à constelação exemplo, privação sensorial, perturbação
de problemas nas áreas da leitura, da escrita e da emocional grave) ou com influências ex-
matemática que grassam nas nossas escolas, tan- trínsecas (tal como diferenças culturais,
tos deles associados, porventura, a factores que ensino inadequado ou insuficiente), elas
se prendem com as DA. não são devidas a tais condições ou influ-
ências.» (1994, pp. 65-66)
Mesmo sendo a mais consensual e uma das
A PROBLEMATIZAÇÃO DAS DIFICULDADES
mais explícitas, nem assim esta definição deixa
DE APRENDIZAGEM
antever toda a gama de problemas académicos e
psicológicos que o termo dificuldades de apren-
Na nossa óptica, e tendo por base tudo o que
dizagem engloba. Talvez não seja esse o objecti-
atrás ficou dito, torna-se importante dar um sen-
vo das definições, esclarecer-nos cabalmente so-
tido conceptual ao termo DA para, a partir daí,
bre um determinado assunto. O certo é que as
podermos identificar adequadamente e progra-
dificuldades de aprendizagem podem afectar um
mar eficazmente para os alunos que verdadeira-
número considerável de capacidades cognitivas
mente apresentem DA.
necessárias para o desenvolvimento de aptidões
Assim sendo, será ao darmos esse sentido con-
pré-académicas e, consequentemente, impedir uma
ceptual ao termo DA que iniciaremos um pro-
aprendizagem com sucesso (Smith, Pollaway, Pat-
cesso que nos vai permitir não só perceber o con-
ton & Dowdy, 1995; Johnson & Johnson, 2000).
ceito, mas também chegar a um conjunto de res-
De acordo com um vasto caudal de investiga-
postas educativas eficazes para os alunos que
ção, os alunos com dificuldades de aprendiza-
realmente apresentem DA.
gem apresentam um conjunto de inabilidades em
Como educadores, podemos tornar-nos muito
áreas tão diversas como o são, por exemplo, as
mais capazes quando aceitamos uma definição
da percepção visual, auditiva, de linguagem e de
abrangente, embora clara e precisa, que nos per-
comunicação. Assim, eles podem sentir muitos
mita um grau elevado de flexibilidade. No nosso
problemas na compreensão de números, na des-
entender, a definição do National Joint Commit-
codificação de letras e palavras em textos ou,
tee on Learning Disabilities (NJCLD) é aquela
até, nas relações causa-efeito. Estes problemas
que, hoje em dia, parece receber maior consenso,
podem surgir numa ou mais áreas académicas
pelo que será ela que nos servirá de base à nossa
(DA ligeiras vs. DA severas), relacionadas ou
pretensão de inserir as DA no contexto das NEE.
não entre si. E deve-se a este facto, das DA in-
A definição do NJCLD diz o seguinte:
cluírem uma vasta gama de condições problemá-
«Dificuldades de aprendizagem é um ter- ticas, o aparecimento do termo dificuldades de
mo genérico que diz respeito a um grupo aprendizagem específicas, que mais não quer di-
heterogéneo de desordens manifestadas por zer que ao reconhecermos que um aluno tem di-
problemas significativos na aquisição e uso ficuldades de aprendizagem, este reconhecimen-

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to ser-nos-á inútil caso não possamos especificar desempenhar tarefas consentâneas com a
com mais rigor essa condição. sua idade cronológica e mental.
Até à data, pelo menos seis categorias de DA
Na mesma ordem de ideias, Lyon e Flynn (1991)
foram já identificadas:
consideraram um conjunto de subgrupos comuns
1- Auditivo-linguística. Prende-se com um onde se enquadram os indivíduos com DA, ba-
problema de percepção que, frequente- seado no tipo específico de discapacidade (cog-
mente, leva o aluno a ter dificuldade na nitiva, linguística, de leitura, de escrita, de cálcu-
execução ou compreensão das instruções lo e socioemocional), para tentarem chegar a um
que lhe são dadas. Não é, portanto, um sistema de classificação que permita dar uma
problema de acuidade auditiva (o aluno melhor resposta às suas necessidades.
consegue ouvir bem), mas sim de compre- Dizem eles que:
ensão/percepção daquilo que é ouvido. «Dado que os problemas conceptuais que
2- Visuo-espacial. Envolve características caracterizam a área das dificuldades de
tão diversas como uma inabilidade para aprendizagem não parecem ter tendência
compreender a cor, para diferenciar estí- para diminuir num futuro próximo, a iden-
mulos essenciais de secundários (proble- tificação de subgrupos e subtipos de difi-
mas de figura-fundo) e para visualizar culdades de aprendizagem pode ser me-
orientações no espaço. Assim, aqueles lhor conseguida se considerarmos uma pers-
alunos que apresentem problemas nas re- pectiva longitudinal desenvolvimental.»
lações espaciais e direccionais têm fre- (p. 71)
quentemente dificuldades na leitura, co-
meçando, por exemplo, por ter problemas No nosso entender, o que os autores preten-
na leitura das letras b e d e p e q (rever- dem dizer é que os professores e demais agentes
sões). educativos devem observar os alunos atenta-
3- Motora. Aqui o aluno que apresenta mente, durante um período razoável de tempo,
DA ligadas à área motora tem problemas em ambientes diferenciados e em diferentes ida-
de coordenação global ou fina ou, mesmo, des, para poderem perceber que tipo de subgru-
de ambas, visíveis quer em casa quer na pos existem realmente e como atendê-los eficaz-
escola, criando, tantas vezes, problemas mente.
na escrita e no uso do teclado e do rato de Fazê-lo, e torna-se imperativo que assim seja,
um computador. é reconhecer que os alunos com DA, sejam quais
4- Organizacional. Este problema leva o forem as suas características, devem ser sujeitos
aluno a experimentar dificuldades quanto a observações e avaliações cuidadas que levem a
à localização do princípio, meio e fim de planificações e programações eficazes. Estas
uma tarefa. O aluno tem ainda dificuldade programações, de cariz individualizado, exigem
em resumir e organizar informação, o que na maioria dos casos a intervenção dos serviços
o impede, com frequência, de fazer os tra- de apoio especializados (de educação especial)
balhos de casa, apresentações orais e ou- para que as necessidades dos alunos com DA
tras tarefas escolares afins. (académicas e socioemocionais) possam vir a ser
5- Académica. Esta categoria é uma das colmatadas. E, se assim é, então fácil se torna
mais comuns no seio das DA. Os alunos compreender que as DA terão que ser, necessa-
tanto podem apresentar problemas na área riamente, uma das categorias das NEE.
da matemática, como serem dotados nesta Ora vejamos: Uma das definições de NEE (Cor-
reia, 1997), comummente usada no nosso país,
mesma área e terem problemas severos na
diz-nos o seguinte:
área da leitura ou da escrita, ou em ambas.
6- Socioemocional. O aluno com proble- «Os alunos com necessidades educativas
mas nesta área tem dificuldade em cum- especiais são aqueles que, por exibirem
prir regras sociais (esperar pela sua vez) e determinadas condições específicas, po-
em interpretar expressões faciais o que faz dem necessitar de apoio de serviços de
com que ele seja muitas vezes incapaz de educação especial durante todo ou parte

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do seu percurso escolar, de forma a facili- junto de serviços de apoio especializados (de edu-
tar o seu desenvolvimento académico, pes- cação especial).
soal e socioemocional. Ora, no caso do aluno com dificuldades de
aprendizagem, como vimos atrás, ele pode apre-
Por condições específicas entende-se: sentar um conjunto de problemas (cognitivos, de
i) O conjunto de problemáticas relaciona- linguagem, académicos e socioemocionais) que
das com autismo, surdocegueira, deficiên- vão dificultar em muito o seu processamento de
cia auditiva, deficiência visual, deficiência informação e, por conseguinte, as suas aprendi-
mental, deficiência motora, perturbações zagens. Estes problemas são, na maioria dos ca-
emocionais graves, problemas de com- sos, intrínsecos ao aluno e, de acordo com a in-
portamento, dificuldades de aprendizagem, vestigação mais recente, terão uma origem neu-
problemas de comunicação, traumatismo robiológica (Silver, 1998).
craniano, multideficiência e outros proble- Temos, assim, a resposta para a primeira pre-
mas de saúde. missa, ou seja, os problemas do aluno são reais,
As condições específicas são identificadas situam-se na esfera do processamento de infor-
através de uma avaliação compreensiva, mação (recepção, integração ou expressão de in-
feita por uma equipa multidisciplinar, formação) e, portanto, constituem condições es-
também por nós designada por equipa pecíficas que devem ser englobadas nas NEE.
de programação educativa individuali- Assim sendo, também a segunda premissa
zada (EPEI). será verdadeira, uma vez que o aluno com DA ao
apresentar determinadas condições específicas,
Por serviços de educação especial enten- geralmente impeditivas de uma boa aprendiza-
de-se: gem, necessita de ser observado e avaliado, bem
ii) O conjunto de serviços de apoio espe- como os seus ambientes de aprendizagem, no
cializados destinados a responder às ne- sentido de lhe poderem ser dadas respostas edu-
cessidades especiais do aluno com base cativas adequadas tantas vezes efectuadas pelos
nas suas características e com o fim de ma- serviços de apoio especializados (de educação
ximizar o seu potencial. Tais serviços de- especial).
vem efectuar-se, sempre que possível, na Verificadas as premissas, a conclusão torna-se
classe regular e devem ter por fim a pre- evidente: as DA são uma categoria das NEE, ca-
venção, redução ou supressão da proble- racterizadas, numa perspectiva orgânica, por
mática do aluno, seja ela do foro mental, um conjunto de desordens neurológicas que in-
físico ou emocional e/ ou a modificação terferem com a recepção, integração e expressão
dos ambientes de aprendizagem para que de informação e, numa perspectiva educacional,
ele possa receber uma educação apropria- por uma inabilidade ou impedimento para a apren-
da às suas capacidades e necessidades.» dizagem da leitura, da escrita ou do cálculo, ou
(p. 25) para a aquisição de aptidões sociais.
Deste modo, se pretendemos criar ambientes
Esta definição deixa antever duas premissas de sucesso para alunos com DA, então torna-se
que levam a uma só conclusão. A primeira diz crucial que consideremos as DA como uma das
respeito ao facto de que o aluno com NEE só é problemáticas das NEE, com direito a serviços
considerado como tal quando exibe determina- de educação especial, e que percebamos o pro-
das condições específicas. A segunda diz que o cesso que leva a atendimentos eficazes que per-
aluno ao apresentar essas condições específicas mitam maximizar os seus potenciais, ou seja, ao
deve ter direito a uma avaliação exaustiva, feita aspirarmos a que um aluno com DA venha a su-
por um conjunto de profissionais de educação ceder numa escola regular da área da sua resi-
(EPEI), com o fim de lhe ser elaborada uma pro- dência, preferencialmente numa classe regular
gramação educacional individualizada que res- dessa mesma escola, então a regra deve ter a ver
ponda às suas necessidades. Diz ainda que para a com a implementação de um sistema inclusivo
concretização dessa programação a escola deve responsável que tenha por base a colaboração
poder recorrer, sempre que necessário, a um con- entre os vários agentes educativos, a apropriação

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de recursos, o envolvimento parental e o respeito sobre o que deve ser a sua educação são, de um
pelos direitos do aluno. Só assim, compreenden- modo geral, particularmente desastrosas.
do realmente o que são DA e promovendo os pa-
drões educativos, conseguiremos assegurar aos
alunos com DA uma educação de qualidade que REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
se apoie não só nos atributos e na experiência
dos professores, mas também em adequações Adelman, J. S., & Taylor, L. (1993). Learning problems
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reconheçamos que primeiro é preciso separar o Correia, L. M. (1997). Alunos com necessidades educa-
trigo do joio, isto é, romper os laços que ligam a tivas especiais nas classes regulares. Porto: Porto
razão ao absurdo no que toca ao debate de ques- Editora.
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