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SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2018
Dor e Cuidados Paliativos
Copyright© 2018, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Auxiliar Técnico
Marcelo de Carvalho Sperle
Ficha catalográfica
S678d Dor e Cuidados Paliativos / Editores: Sérgio Luiz do Logar Mattos, Mauro Pereira de Azevedo,
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso e Rogean Rodrigues Nunes.
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2018.
240 p.; 25cm.; ilust.
ISBN 978-85-98632-39-1
Vários colaboradores.
1. Anestesiologia – Estudo e ensino. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II. Mattos,
Sérgio Luiz do Logar. III. Nunes, Rogean Rodrigues. IV. Azevedo, Mauro Pereira de. V.
Cardoso, Mirlane Guimarães de Melo.
CDD - 617-96
AUTORES/COAUTORES
Alexandre Annes Henriques
•• Médico psiquiatra, mestre em ciências médicas pela UFRGS.
•• Psiquiatra contratado exclusivo do Serviço de Dor e Medicina Paliativa do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre (HCPA).
•• Coordenador do Programa de Psiquiatria e Dor – Prodor/HCPA.
•• Preceptor das residências médicas de psiquiatria, dor e medicina paliativa do HCPA.
•• Professor do Curso de Especialização em Tratamento da Dor e Medicina Paliativa da Faculdade de
Medicina da UFRGS.
É com grande orgulho e satisfação que a SBA apresenta mais um trabalho de enor-
me importância social, que contribui, de maneira incontestável, para a consolidação
dessa associação como a principal incentivadora na promoção e qualificação técnica e
científica do anestesiologista brasileiro.
Este livro representa não só o papel referencial de qualidade da SBA na especiali-
dade, mas o empenho e o esforço de todos aqueles que se dedicaram e trabalharam
para que esta obra se concretizasse de maneira tão qualificada.
A dor e, mais recentemente, os cuidados paliativos são áreas de atuação do mé-
dico anestesiologista, e a SBA não poderia deixar de atender às novas demandas de
uma sociedade cada vez mais exigente e dinâmica. Portanto, essas áreas precisam ser
fortalecidas para que os espaços sejam ocupados de maneira efetiva e competente e,
assim, no final, os pacientes possam se beneficiar de uma assistência especializada
mais aprimorada.
Esta obra comprova a histórica tradição da SBA no cumprimento de sua missão de
garantir a qualidade e a segurança da medicina perioperatória e, com isso, deixar seus
sócios orgulhosos em fazerem parte de tão respeitável entidade.
Bons estudos!
Parte II
Capítulo 11
Cuidados Paliativos: Aspectos Conceituais e Princípios Essenciais. . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso, Inês Tavares Vale e Melo, Guilherme Antônio Moreira
de Barros
Capítulo 12
Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
Guilherme Antonio Moreira de Barros, Danielle Soller Lopes, Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
Capítulo 13
Cuidados Paliativos: Quando Indicar e Como Reconhecer Critérios de Terminalidade. . . . 159
João Batista Santos Garcia
Capítulo 14
Organização e Modelos de Assistência em Cuidados Paliativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
Ana Paula dos Santos
Capítulo 15
Estratégias no Manejo da Dor Total. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
Capítulo 16
Sintomas Respiratórios em Cuidados Paliativos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
Fernanda Bono Fukushima, Edison Iglesias de Oliveira Vidal
Capítulo 17
Avaliação e Controle de Sintomas Neuropsiquiátricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
Lúcia Miranda Monteiro dos Santos, Alexandre Annes Henriques
Capítulo 18
Terapia de Sedação Paliativa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
Inês Tavares Vale e Melo, Luís Fernando Rodrigues
Capítulo 19
Hipodermóclise: Via Alternativa em Cuidados Paliativos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
Ana Cláudia Mesquita, Guilherme Antônio Moreira de Barros
Capítulo 20
Sintomas Gastrointestinais em Cuidados Paliativos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
Edison Iglesias de Oliveira Vidal, Fernanda Bono Fukushima
Capítulo 21
Assistência ao Fim da Vida: Identificação e Manejo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229
André Filipe Junqueira dos Santos, Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
PREFÁCIO
Parte I - Dor
A Sociedade Brasileira de Anestesiologia investe continuamente na atualização e
no aperfeiçoamento de seus associados. Nesse contexto, a Comissão de Treina-
mento e Terapêutica da Dor (CTTDor/SBA) participou da elaboração deste livro,
cujo objetivo é lançar uma luz nos meandros da dor, voltada especialmente para o
anestesiologista que não é clínico de dor.
Uma preocupação particular sempre foi incentivar o trabalho do anestesiologista
clínico, aquele que atua diariamente no centro cirúrgico, na prevenção e no tratamen-
to da dor, além de estimular aquilo que é feito de modo corriqueiro. Pensar na dor
como um momento inexorável no curso da cirurgia é esquecer a existência de efeitos
a longo prazo, especialmente sua cronificação. Quanto mais se falar em fisiopatologia
da dor pós-operatória, nos fatores envolvidos em sua cronificação e na importância de
uma técnica anestésica adequada como principal fator de prevenção, mais estaremos
ajudando na redução dessa importante patologia que pode acometer um número ex-
pressivo de pacientes em determinadas cirurgias, com grande impacto físico, social,
emocional e econômico para os pacientes e para o sistema de saúde.
Procuramos também atualizar o anestesiologista sobre novos aspectos da dor crô-
nica e oncológica, temas fundamentais que com frequência se apresentam diante do
clínico e para os quais devemos estar preparados para ao menos orientar o paciente.
Colegas importantes e com experiência foram convidados a participar desta em-
preitada e prontamente aceitaram a tarefa. A esses colegas agradeço imensamente em
nome da SBA e, especialmente, em nome da CTTDor/SBA.
A intenção é atualizar anualmente este livro, para que ele cresça e se aprimore
sempre. Novidades aparecem todos os dias, e a SBA estará sempre empenhada em
levar o melhor a seu associado.
Agradeço a confiança na SBA e seu apoio, sem o qual este livro não existiria.
Prefácio | 11
PREFÁCIO
DOR
01
Capítulo
Epidemiologia, Fisiopatologia e
Classificação da Dor
João Batista Santos Garcia
Érica Brandão de Moraes
Incidência
A dor está associada a elevados custos para o sistema de saúde, além de comprome-
ter também o humor e a qualidade de vida das pessoas. A dor crônica tem sido o foco
dos estudos epidemiológicos pelo grande impacto na vida dos indivíduos, além de ser
considerada hoje um problema de saúde pública mundial.
Estudo conduzido por meio de inquérito por telefone, com 17.543 pessoas em uma
cidade da Austrália, observou que os pacientes com dor crônica apresentaram maior
probabilidade de acesso dos serviços e estiveram mais propensos a serem usuários
frequentes desses serviços. O estudo mostrou ainda que a dor crônica está associada
ao aumento duas vezes maior de hospitalização e consultas médicas nos últimos 12
meses. As pessoas que tinham dor crônica procuraram cinco vezes mais os serviços
de emergência comparado com as pessoas que não tinham dor crônica1.
O impacto da dor reflete também na qualidade de vida das pessoas. Fatores como
depressão, incapacidade física e funcional, dependência, afastamento social, mu-
danças na sexualidade, alterações na dinâmica familiar, desequilíbrio econômico,
desesperança, sentimento de morte e outros encontram-se associados a quadros de
dor crônica2.
Estima-se que a prevalência de dor crônica possa variar de 12% a 80%3, e a dor
crônica com característica neuropática atinge em média 7% a 8% da população geral
e cerca de um terço da população com dor crônica4,5.
O maior estudo epidemiológico foi realizado em 2006, na Europa, com a par-
ticipação de 15 países. Um total de 46.394 pessoas respondeu ao questionário. A
Conclusões
A dor é um fenômeno complexo e individual, de prevalência importante, com im-
pactos físico, psíquico, social e econômico negativos na vida dos indivíduos. Deve ser
bem compreendida em seus mecanismos, avaliada corretamente e de forma sistemá-
tica, para que estratégias de tratamento sejam estabelecidas o mais cedo possível.
Referências
1. Blyth FM, March LM, Brnabic AJ et al. Chronic pain and frequent use of health care. Pain,
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teristics in the general population. Pain, 2008;136:380-7.
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pathic origin. Results from a general population survey. J Pain, 2006; 7:281-9.
6. Breivik H, Collett B, Ventafridda V et al. Survey of chronic pain in Europe: prevalence, impact on
daily life, and treatment. Eur J Pain, 2006;10:287-333.
Introdução
Mesmo com todo o avanço médico e novos tratamentos clínicos para várias doen-
ças, o número de procedimentos cirúrgicos tem aumentado. Mais de 230 milhões
de procedimentos cirúrgicos são realizados anualmente em todo o mundo. A dor
pós-operatória é a principal preocupação dos pacientes antes da cirurgia e está rela-
cionada com as complicações cirúrgicas e com o aumento da morbidade no período
pós-operatório. Postula-se que a dor não tratada no período pós-operatório pode au-
mentar a incidência de pneumonias, isquemia miocárdica, eventos tromboembólicos,
íleo paralítico, náuseas e vômitos, tempo de internação.
Apesar de todo o conhecimento e os fármacos disponíveis, a dor pós-operatória
continua subtratada. Mais da metade dos pacientes submetidos a cirurgias relatam
dor moderada a severa no pós-operatório, 40% dos pacientes relatam dor intensa mes-
mo após receberem seus analgésicos prescritos1,2.
A dor pós-operatória possui características únicas. Dor mista, em parte somática
(inflamatória e relacionada com o trauma tecidual), em parte neuropática (lesão
axonal decorrente da cirurgia) só pode ser adequadamente tratada se ambos os
componentes forem considerados após correta avaliação. Novos tratamentos têm
emergidos fundamentados nos conhecimentos científicos atuais. Terapêuticas mul-
timodais e tratamentos ditos preemptivos e preventivos têm sido recomendados
com base nos conhecimentos derivados dos conceitos de sensibilização neuronal
central e periférica2.
Analgesia Preventiva
A crença prévia de que a incisão cirúrgica desencadeia a sensibilização central tem
sido expandida para incluir os efeitos dos estímulos pré-operatórios e de outros estí-
mulos nocivos, intra e pós-operatórios, o que sugere que a definição prévia de analge-
sia preemptiva é muito restritiva.
A analgesia preventiva difere da analgesia preemptiva por procurar estender a du-
ração da analgesia pelo período pós-operatório, por todo o tempo em que os mecanis-
mos de lesão tecidual e sensibilização persistem. Assim, o termo analgesia preventiva
foi introduzido para enfatizar o fato de que a sensibilização central é induzida por
Analgesia Multimodal
O conceito de analgesia multimodal é definido como a utilização de diferentes
fármacos analgésicos, diferentes técnicas analgésicas ou mesmo diferentes vias de
administração para obtenção de melhor analgesia pós-operatória com redução dos
efeitos adversos.
Na analgesia multimodal procura-se prescrever analgésicos ou métodos que atuam
em diferentes vias ou receptores, periféricos e centrais, proporcionando sinergismo
da atividade analgésica. Também pode se associar métodos não farmacológicos aos
métodos farmacológicos com esta finalidade.
Bloqueios anestésicos no neuroeixo ou bloqueios regionais periféricos podem
ser úteis no controle da dor com redução do consumo de opioides no pós-operatório
imediato, especialmente naquelas cirurgias/pacientes em que os efeitos adversos dos
opioides podem ser mais limitantes (por exemplo, pacientes com reserva pulmonar
reduzida) ou ainda buscando uma recuperação cirúrgica mais precoce (por exemplo,
redução do tempo de íleo em cirurgias colônia).
Componentes de terapia multimodal comumente utilizadas e sua indicação em al-
gumas cirurgias por evidência ou consenso de expertos são resumidas na Tabela 2.
Opioides, AINES,
Peridural com
Gabapentinóides, Bloqueio Modalidades
Toracotomia ou sem Opioide,
Cetamina, Paravertebral Cognitivas, TENS
Opioide intratecal
Lidocaína
Opioides, AINES,
Bloqueio no Peridural com
Laparotomia Gabapentinóides, Anestésico local Modalidades
plano transverso ou sem Opioide,
Aberta Cetamina, na incisão, Cognitivas, TENS
abdominal (TAP) Opioide intratecal
Lidocaína
Opioides, AINES,
Peridural com
Artrodese de Gabapentinóides, Anestésico local Modalidades
ou sem Opioide,
Coluna Cetamina, na incisão, Cognitivas, TENS
Opioide intratecal
Lidocaína
Opioides, AINES,
Bloqueio no Peridural com
Gabapentinóides, Anestésico local Modalidades
Cesariana plano transverso ou sem Opioide,
Cetamina, na incisão, Cognitivas, TENS
abdominal (TAP) Opioide intratecal
Lidocaína
Opioides, AINES,
Revascularização Gabapentinóides, Modalidades
Opioide intratecal
do Miocárdio Cetamina, Cognitivas, TENS
Lidocaína
*Adaptado de CHOU, Roger et al. Management of Postoperative Pain: a clinical practice guideline
from the American Pain Society, the American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine, and
the American Society of Anesthesiologists’ committee on regional anesthesia, executive committee,
and administrative council. Journal of Pain, 2016.
Opioides
Apesar do grande número de agentes e técnicas de analgesia, o opioide continua
sendo padrão ouro no tratamento da dor aguda, e o médico, no entanto, lida com o
medo da possibilidade de provocar dependência ou enfrentar efeitos colaterais graves,
como a depressão respiratória.
Estes agentes opioides podem ser divididos em:
Opioides fracos - Aqui podemos citar a codeína e o tramadol, estão mais
indicados para procedimentos ambulatoriais e pós-operatório de cirurgias de pe-
Gabapentinoides
Gabapentina e Pregabalina - Estes alfa-2 delta ligante possuem mecanismos
de ação semelhantes. Modulam a α2 δ-1 subunidade do canal de cálcio voltagem de-
pendente no corno dorsal da medula espinhal e em outros sítios do sistema nervoso
central reduzindo a liberação de neurotransmissores excitatórios. Esses agentes po-
dem ser utilizados em dose única uma a duas horas antes da cirurgia, para reduzir a
dor e o consumo de opioides. Também possuem propriedade ansiolítica. Potenciali-
zam a analgesia, reduzem tolerância induzida por opioides e reduzem seu consumo,
resultando em menor incidência de efeitos adversos relacionados com os opioides.
Efeitos adversos podem ser limitantes. Tontura e sedação principalmente. São me-
dicamentos excretados via renal e só devem ser utilizados em pacientes com prejuízo
da função renal com cautela.
Anestésicos Locais
Os anestésicos locais são bloqueadores de canal de sódio. Podem ser utilizados em
infusão venosa, infiltração da ferida operatória ou nos bloqueios regionais e de neu-
roeixo. Reduzem o consumo de opioides, a incidência de náuseas e vômitos, melhoram
a qualidade de analgesia e o grau de satisfação do paciente.
Em cirurgias abdominais, torácicas e de membros quase sempre é possível indicar
um bloqueio regional anestésico. O advento do ultrassom criou técnicas novas de blo-
queios regionais e trouxe facilidade para execução e redução das complicações para a
execução de técnicas regionais.
Por outro lado a infiltração de parede com anestésico local, pode ser útil após lapa-
rotomia, cesárea e correção cirúrgica de hemorroida. O emprego da clonidina associada
ao anestésico local no bloqueio de nervo periférico pode aumentar o tempo de analgesia.
Na técnica contínua por via peridural, o cateter deve estar próximo à área de maior
estímulo nociceptivo, os anestésicos locais tendem a acelerar o peristaltismo e me-
lhorar a perfusão da mucosa intestinal, a reduzir a adesão plaquetária, melhorar a
microcirculação e diminuir a incidência de trombose venosa profunda.
Na via subaracnóidea, o anestésico pode ser utilizado em dose única e associado
à opioide em cirurgias de médio porte, com duração de analgesia dose-dependente
podendo durar até 24 horas.
Considerações Finais
O tratamento da dor pós-operatória é um grande desafio, sendo necessário edu-
cação continuada sobre o tema, enfocando os mecanismos da dor aguda, avaliação e
mensuração da dor e tratamento farmacológico e não farmacológico. As evidências
para um manejo multimodal da dor pós-operatória é significante no momento. O
tratamento da dor pós-operatória além de conforto ao paciente tem um potencial de
reduzir a morbimortalidade perioperatória, e outras complicações tardias como é o
caso da dor crônica pós-operatória.
Referências
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pain: results from a US national survey. Curr Med Res Opin, 2014; 30: 149-160.
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tice guideline from the American Pain Society, the American Society of Regional Anesthesia and
Pain Medicine, and the American Society of Anesthesiologists’ committee on regional anesthesia,
executive committee, and administrative council. J Pain, 2016; 17: 131-157.
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8. Lavand’homme PM, Grosu I, France MN et al. Pain trajectories identify patients at risk of persistent
pain after knee arthroplasty: an observational study. Clin Orthop Relat Res, 2014; 472: 1409-1415.
9. Vance CG, Dailey DL, Rakel BA et al. Using TENS for pain control: the state of the evidence. Pain
Manag, 2014; 4: 197-209.
Uso de Ultrassonografia no
Tratamento da Dor Pós-Operatória
Pedro Paulo Kimachi
Elaine Gomes Martins
Introdução
A técnica anestésica escolhida e seu impacto nos desfechos dos pacientes cirúrgicos
consistem em temas importantes atualmente. Muitas discussões sobre tratamento de
dor pós-operatória baseiam-se na análise comparativa de anestesia geral versus regio-
nal e complicações perioperatórias. Quando revisamos a literatura sobre o assunto, a
anestesia regional destaca-se, em várias situações específicas, como uma técnica que
é associada tanto à diminuição de complicações como ao melhor controle álgico1,2. A
prática de anestesia regional cresceu consideravelmente nas últimas décadas e esse
aumento pode ser atribuído a várias causas: ênfase atual na analgesia perioperatória;
melhores resultados descritos; destaque na formação médica; aprimoramento em téc-
nicas, equipamentos e drogas.
Um artigo interessante publicado em 2000 tentou vislumbrar sobre como seria o
futuro da anestesia regional3, e o passado recente apontava para contínua inovação e
criatividade. O uso de técnicas de imagem modernas que possibilitassem identificar
a localização anatômica exata de agulhas e soluções injetadas é criticamente impor-
tante;, desse modo o uso do ultrassom continua se destacando consideravelmente.
Dados recentes sugerem que o uso de ultrassom no tratamento de dor pós-operatória
aumenta as taxas de sucesso dos procedimentos e reduz o tempo de performance em
comparação com outras abordagens, entre outras inúmeras vantagens que vamos dis-
cutir na sessão de cada procedimento específico neste capítulo.
Bloqueios guiados por ultrassonografia exigem um conjunto único de habilidades.
Assim, normas e diretrizes estão constantemente sendo desenvolvidas pelas socieda-
Tabela 1 – Doses usuais de anestésico local e taxas de infusão para bloqueio de plexo
lombar com cateter.
Bloqueio de plexo lombar
Cateter plexular
Dose inicial do bloqueio
Anestésico local Ropivacaína
Concentração 0,5%
Volume 20 mL
Configuração da PCA com solução padrão 0,2%
4 a 6 mL/hora
Bolus 5 mL a cada 30 min
Tabela 3 – Doses usuais de anestésico local e taxas de infusão para bloqueio do plexo
braquial via interescalênica com cateter
Bloqueio de plexo braquial via interescalênica
Cateter plexular
Dose inicial do bloqueio
Anestésico local Ropivacaína
Concentração 0,5%
Volume 10 mL
Configuração da PCA com solução padrão 0,2%
3 a 5 mL/hora
Bolus 5 mL a cada 30 min
Tabela 4 – Doses usuais de anestésico local e taxas de infusão para bloqueio do ner-
vo femoral com cateter
Bloqueio do nervo femoral
Cateter plexular
Dose inicial do bloqueio
Anestésico local Ropivacaína
Concentração 0,2%
Volume 10 a 15 mL
Configuração da PCA com solução padrão 0,2%
4 a 6 mL/hora
Bolus 5 a cada 30 min
Figura 3 – Posicionamento e fixação após passagem de cateter no canal do adutor para analgesia de
artroplastia de joelho
Com o bloqueio, temos boa analgesia das faces anterior e medial do joelho, local
onde se encontra a incisão cirúrgica e a manipulação de cápsula articular. A analgesia
Figura 4 – Cateter via poplítea em nervo ciático conectado ao sistema de Patient Controlled Anal-
gesia (PCA)
Referências
1. Hartmann FV, Novaes MR, Carvalho MR. Bloqueio do nervo femoral versus fentanil por via veno-
sa em pacientes adultos com fraturas de quadril – revisão sistemática. Rev Bras Anestesiol, 2017;
67:67-71
Introdução
A dor aguda ou crônica é um problema de saúde mundial, e seu tratamento é
um desafio para a sociedade1. A dor aguda está associada a complicações respi-
ratórias, cardiovasculares, gastrointestinais e neuroendócrinas, a alterações da
coagulação, do tempo de permanência hospitalar e da performance psíquica dos
pacientes. Além disso, a dor aguda é um preditor de dor crônica2. Quanto mais
intensa a dor aguda, maior a chance de o paciente desenvolver dor crônica. Isso
ocorre porque o controle inadequado da dor aguda está associado a alterações no
corno dorsal da medula espinhal, com consequente hipersensibilização central e
perpetuação do quadro álgico3.
A dor crônica é um problema de saúde comum, no entanto, os estudos epidemioló-
gicos mostraram ampla variação de sua prevalência no mundo. A revisão sistemática
sintetizada pela Sociedade Internacional para o Estudo da Dor (IASP)4, que inclui o
estudo multinacional conduzido pela Organização Mundial de Saúde5, estima a média
ponderada de prevalência de dor crônica em 35,5%, com variação entre 11,5% e 55,2%.
Nos Estados Unidos da América, mais de cem milhões de pessoas experimentam
dor em algum momento da vida. Outro estudo sugere que cerca de 2 milhões de adul-
tos sofrem de dor neuropática nesse país6. Estudos conduzidos no Brasil, de forma
geral, estão associados a condições específicas, que encontraram em São Paulo 29,7%
da população idosa com dor crônica7. Em São Luís do Maranhão, 50% das mulhe-
res e 28,36% dos homens são afetados pela dor crônica8 e, em Salvador, um estudo
transversal que utilizou uma amostra probabilística da população da cidade revelou a
Uso de Opioides
Existe uma barreira à prescrição de opioides relacionada com conceitos incorretos
de hiperalgesia induzida por esses agentes, recomendações não baseadas em evidên-
cias científicas, potencial de efeitos adversos, incluindo sobredose, desenvolvimento
de tolerância, adição, dependência e abuso (Tabela 1)13.
Trabalho recente demonstrou que a prevalência de dependência pode variar de 0
a 31% (média de 4,5%)14. Por outro lado, a verdadeira prevalência de dependência por
causa do emprego de opioide não é conhecida, mas parece maior que a esperada e
pode variar de 0 a 50%15,16.
Dependência física ocorre após a utilização crônica de determinado fármaco e ma-
nifesta-se por sintomas de abstinência quando da suspensão abrupta, rápida redução
da dose, diminuição dos níveis sanguíneos ou administração de um antagonista do
fármaco em questão17. O desenvolvimento de síndrome de abstinência não necessa-
riamente indica a utilização dessa substância de forma abusiva. Opioides, anticonvul-
sivantes, benzodiazepínicos e antidepressivos, quando consumidos por um período
prolongado, produzem dependência física. Acredita-se que o uso de morfina em dose
igual ou superior a 30 mg/dia por um período de duas a quatro semanas represente
um fator de risco para o desenvolvimento de síndrome de abstinência18. É essencial
agir de forma preventiva diante da possibilidade de desenvolvimento de síndrome
de abstinência, que é caracterizada por ansiedade, insônia, irritabilidade, agitação,
náusea, vômito, diaforese, diarreia, cólica abdominal, crise convulsiva, taquicardia,
hipertensão e até mesmo morte.
Tolerância é definida como a situação na qual a exposição crônica a determinada
substância resulta na redução de seu efeito e, portanto, na necessidade de aumentar
sua dosagem com o intuito de obter o mesmo resultado19. Os mecanismos responsá-
veis pelo fenômeno de tolerância são múltiplos e desenvolvem-se em diferentes níveis
Abordagem da Dor
O alívio da dor aguda pós-operatória (DAPO) é primariamente uma atribuição da
equipe de anestesiologia. Entretanto, o manejo do paciente portador de dor crônica no
contexto da DAPO demanda atenção especial e multiprofissional.29 Frequentemente,
esses pacientes apresentam alteração psíquica – depressão e ansiedade, doenças que
tornam a condução do tratamento mais difícil. Os pacientes com dor crônica normal-
mente fazem uso de vários fármacos, o que facilita o desenvolvimento de interações
medicamentosas. Medicações como antidepressivos, anticonvulsivantes, relaxantes
musculares, anestésicos locais, antagonistas dos receptores N-metil-D-aspartato
(NMDA), anti-inflamatórios (AINE) e opioides podem alterar a farmacocinética e
farmacodinâmica de seus pares, aumentando ou reduzindo a concentração sérica do
agente, de modo a influenciar o efeito desejado. As implicações clínicas dessas intera-
ções parecem não ter impacto significativo30.
Antidepressivos são frequentemente utilizados para o tratamento de dor crônica
de diferentes etiologias31 e são classificados de acordo com sua estrutura química e/ou
seu mecanismo de ação. Os grupos de antidepressivos mais frequentemente utilizados
são os antidepressivos tricíclicos, os inibidores seletivos da recaptação da serotoni-
na e os inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina. Acredita-se que, em
adição à inibição da recaptação da serotonina e da noradrenalina, os antidepressivos
tricíclicos atuam nos canais de sódio localizados no sistema nervoso periférico e têm
Conclusão
O tratamento adequado da dor aguda pós-operatória deve ser uma preocupação
da equipe de saúde em qualquer contexto. O paciente com dor crônica faz uso de di-
ferentes medicações, as quais devem ser identificadas e consideradas no momento do
planejamento da analgesia. A analgesia sistêmica e regional tem sido recomendada,
principalmente como parte de uma abordagem multimodal e multiprofissional.
Referências
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Introdução
A dor crônica pós-operatória (DCPO) é considerada uma prioridade em saúde.
Sua incidência é alta, variando de 10% a 50%1,2. Aproximadamente 10% a 20% dos
pacientes cirúrgicos intercorrem com DCPO moderada a intensa 12 meses após o
procedimento3, e seu tratamento, não raramente, é difícil e dispendioso, com custos
associados ao aumento do uso do serviço de saúde, bem como à redução da qualidade
de vida e da produtividade econômica. O número de procedimentos cirúrgicos reali-
zados anualmente é crescente e potencialmente enorme e o contingente de pacientes
referenciados ao médico especialista em dor devido à DCPO segue essa tendência4.
Por definição, DCPO é aquela que persiste por mais de dois meses após uma cirur-
gia e não estava presente antes do procedimento cirúrgico, que tem características
diferentes ou com aumento de intensidade comparada com a dor pré-operatória. É
preciso que a dor esteja localizada no sítio cirúrgico ou em área referida. Considerado
isso e excluídas outras causas para a dor sentida (por exemplo, recidiva ou progressão
de doença; infecciosa), o diagnóstico de DCPO pode ser firmado5,6.
Etiologia
Os mecanismos da DCPO são complexos e ainda malcompreendidos, mas envol-
vem fatores biopsicosociais7. Diferentes mecanismos podem ser responsáveis por
distintos quadros dolorosos, mesmo após o mesmo tipo de cirurgia. A DCPO pode
ser expressa como uma combinação de diferentes tipos clínicos de dor, como neuro-
pática, nociceptiva, referida, visceral ou mista. A mais comumente manifestada é a
Conclusão
É provável que a prevenção – se realmente possível – requeira uma intervenção
prolongada no pós-operatório, com uma combinação de drogas com diferentes meca-
nismos de ação que deveria ser continuada até que a resposta inflamatória periférica
e os estímulos aferentes tenham cessado. Ansiedade e dor pré-operatória devem ser
avaliadas e tratadas, embora, muitas vezes, não haja tempo hábil para tal controle.
O controle inadequado da dor PO se associa à DCPO, embora a relação causal seja
incerta. De toda forma, analgesia de qualidade deve ser oferecida por razões éticas e hu-
manitárias e para redução de morbidades relacionadas com o mal da dor controle PO36.
A prevenção permanece como peça-chave para diminuir o fardo da DCPO. Acom-
panhamento rigoroso no pós-operatório e controle precoce com especialista podem
beneficiar pacientes que apresentam os primeiros sinais de dor nova ou recorrente.
Um encaminhamento a um programa multidisciplinar de dor deve ser considerado
em pacientes selecionados.
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Definição
A International Association for Study of Pain (IASP) define a dor como uma expe-
riência sensorial e emocional desagradável associada ao dano tecidual atual ou poten-
cial, ou descrito nos termos desse dano1. A dor pós-operatória ainda é vista como um
fato inevitável após a cirurgia por muitas populações, o que é um grande erro, muitas
vezes oriundo de conceitos errados propagados pela própria equipe médica. Ciente
deste fato e dos riscos relacionados com a presença de dor, tanto agudamente como
de modo crônico, a IASP declarou 2017 como o Ano Internacional contra a Dor após
Cirurgia2. A presença de dor pós-operatória é um dos principais fatores de risco para
o desenvolvimento de dor crônica pós-operatória. A ação da IASP foi difundida em
todas as suas regionais no mundo (no Brasil é representada pela Sociedade Brasileira
para o Estudo da Dor – SBED) e tem como objetivos:
• disseminar ao redor do mundo informações acerca da dor após cirurgia;
• educar pesquisadores em dor e profissionais de saúde que veem em primeira
mão pacientes com este tipo de dor quando interagem com os pacientes;
• aumentar a consciência da dor pós-operatória entre os administradores públi-
cos, membros da mídia e público em geral; e
• encorajar líderes governamentais, organizações de saúde e outros a apoiar po-
líticas que resultem em melhor manejo da dor pós-operatória.
Caracteristicamente, a dor pós-operatória tende a se resolver aos poucos após o
trauma cirúrgico, sendo mais intensa nas primeiras 48 horas (Figura 1). Alguns
pacientes, entretanto, podem ter um curso anormal de dor, apresentando dores lo-
calizadas nos dermátomos correspondentes à cirurgia por meses ou anos, ou a dor
pode aparecer após longos períodos sem sintomas. A dor pode, inclusive, ser loca-
Figura 1 – Representação esquemática da dor pós-operatória após cirurgia de grande porte em pacien-
tes com analgesia otimizada com opioide parenteral4
A prevalência da DCPO é maior nas cirurgias nas quais haja lesão de nervos, espe-
cialmente quando inevitável, como nas amputações, e, mais ainda, quando derivadas
de trauma.
Não se sabe quais são os fatores determinantes para a transformação ou evolução
da dor aguda em crônica após a cirurgia. Sabe-se, porém, que diversos fatores de risco
colaboram para essa transformação (ou evolução). Esses fatores de risco podem estar
relacionados com fatores pré-operatórios, intraoperatórios ou pós-operatórios (Tabela
3). Alguns desses fatores estão relacionados com o paciente; outros, com a cirurgia.
Em geral, esses fatores de risco não existem isoladamente, ou seja: a associação dos
fatores potencializa o risco de desenvolvimento de DCPO.
Uma revisão recente sobre os preditores de dor pós-operatória e consumo de anal-
gésicos encontrou que os principais fatores de risco para dor pós-operatória são a dor
pré-operatória, ansiedade, idade e o tipo de cirurgia12. Esses fatores também serão de-
terminantes no risco de desenvolvimento de DCPO. A avaliação do DNIC pode servir
para determinar os pacientes em risco para o desenvolvimento de DCPO.
A presença de estados dolorosos pré-operatórios se associa à maior dor pós-opera-
tória, o que inclui pacientes com fibromialgia, síndrome da bexiga dolorosa, síndrome
Prevenção e tratamento
A prevenção do desenvolvimento da DCPO se inicia na identificação dos pacien-
tes com maior risco de desenvolvimento da patologia, observando-se os fatores de
risco envolvidos em cada caso particular. Especial atenção deve ser dada aos pa-
cientes com quadros álgicos pré-operatórios, que é o principal fator de risco para
desenvolvimento de DCPO, e naqueles usuários crônicos de opioides, pelo risco de
hiperalgesia induzida pelos opioides. Identificando-se os pacientes em risco, é pos-
sível a adoção precoce de medidas preventivas antes mesmo da cirurgia. Já foram
Perspectivas e conclusão
Não existe nenhuma medicação nem estudo de medicação para uso especifico
em DCPO. As melhores perspectivas estão voltadas para o uso de medicamentos
que atuem em processos específicos da reação inflamatória para prevenção da sua
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Tratamento Farmacológico da
Dor Crônica
Paulo Renato Barreiros da Fonseca
Irimar de Paula Posso
Esther Alessandra Rocha
Introdução
A dor crônica é uma condição multifatorial com sintomas físicos e psicológicos que
afeta de 30% a 50% da população mundial. Sua incidência varia de acordo com inú-
meros fatores, como a metodologia do estudo e as características geográficas e econô-
micas, podendo variar em diferentes regiões de um mesmo país. No Brasil, um estudo
recente demonstrou que a prevalência da dor crônica foi significativamente diferente
nas diversas regiões, com 25% na região Centro-Oeste, 32% na região Nordeste, 42%
na região Norte, 44% na região Sudeste e 47% na região Sul1,2.
A dor crônica é geralmente descrita como uma dor persistente por pelo menos três
meses, porém, outros critérios apontam um mínimo de seis meses de dor para consi-
derá-la crônica. Há também critério mais flexível, que a descreve como uma dor que
se estende além do período esperado para a cura. O tratamento medicamentoso da
dor crônica deve levar em consideração se ela é nociceptiva, neuropática ou mista e
também se ela é uma dor oncológica ou não oncológica3.
Apesar de, nas últimas décadas, terem ocorrido avanços notáveis no manejo da
dor, a dor crônica continua a ser um sério problema, embora a abordagem baseada em
mecanismos e evidências tenha melhorado o resultado do tratamento farmacológico
de muitos tipos de dor crônica4.
Em pacientes com dor crônica de leve intensidade, o tratamento inicial deve ser
com monoterapia, porém, muitas vezes, nas doses indicadas, ocorrem efeitos adversos
que impedem que seja atingida a dose necessária para obter analgesia adequada. A
combinação de dois ou mais fármacos passa a ser a melhor estratégia terapêutica, pois
Dipirona
A dipirona possui propriedades analgésicas, antitérmicas, antiespasmódicas e
discreta atividade anti-inflamatória. Seu efeito analgésico é dose-dependente e rela-
cionado com a concentração plasmática de seus metabólitos 4-metilaminoantipirina
e 4-aminoantipirina. A dose indicada para obter analgesia é de 25 a 30 mg.kg-1 por via
venosa (EV) ou oral (VO) a cada seis horas, sendo aconselhada dose máxima diária
de 8 g.dia-1. A dipirona potencializa a analgesia dos AINEs e opioides, reduzindo seu
consumo, sendo indicada como um dos componentes da analgesia multimodal no tra-
tamento da dor crônica nociceptiva, mista e oncológica15,16.
Paracetamol
O paracetamol apresenta propriedades analgésicas e antitérmicas, porém, não exi-
be atividade anti-inflamatória. Potencializa a analgesia dos AINEs e opioides, redu-
zindo seu consumo, sendo indicado como um dos componentes da analgesia multimo-
dal no tratamento da dor crônica nociceptiva, mista e oncológica. É metabolizado pelo
sistema CYP 450 e pode gerar o metabólito tóxico N-acetil-p-benzoquinonaimina,
que normalmente é conjugado com a glutationa e excretado por via renal. Quando a
síntese desse metabólito é elevada por doses exageradas ou por causa de polimorfismo
da fração CYP 2D6, resultando em metabolização ultrarrápida e o processo de conju-
Opioides
Os opioides são indicados de modo mais liberal para o tratamento da dor crônica
oncológica segundo a escada analgésica da OMS, porém, devem ser usados com par-
cimônia em pacientes portadores de dor crônica não oncológica. Para seu uso seguro
e efetivo, alguns princípios gerais devem ser respeitados:
• maximizar primeiro as estratégias analgésicas não opioides;
• informar os pacientes sobre os riscos, incluindo o vício, antes de iniciar a tera-
pia com opioides;
• usar termos de contrato para pacientes que iniciam a terapia com opioides ou
com doses crescentes de opioides;
• programar visitas de acompanhamento em intervalos curtos;
• realizar testes periódicos de urina para confirmar a aderência;
• monitorar a intensidade da dor e o comprometimento funcional relacionado com
a dor nos retornos, pois a resposta analgésica pode diminuir ao longo do tempo;
• evitar aumentos de dose sem avaliar a gravidade da dor e a interferência da dor
na vida diária;
• considerar o opioide como um tratamento empírico e suspendê-lo se o resulta-
do não for benéfico;
• considerar a rotação de opioides se houver suspeita de tolerância;
• não usar opioide em pacientes de alto risco para essa substância, particular-
mente aqueles com adição atual ou passada a drogas, incluindo álcool4.
Antidepressivos
Aumentam a biodisponibilidade central de noradrenalina e serotonina por inibir
sua recaptação neuronal. A analgesia decorre principalmente da ativação de vias ini-
bitórias descendentes monoaminérgicas, sendo indicados em dor crônica oncológica
e não oncológica, incluindo dor neuropática, osteoarticular, pós-operatória crônica,
fibromialgia e neuralgia pós-herpética, entre outras42,43.
Antidepressivos tricíclicos (ADT)
Bloqueiam a recaptação da serotonina e noradrenalina, a hiperalgesia induzida
pelo agonista NMDA e os canais de sódio. A amitriptilina e a nortriptilina são os
mais utilizados. Deve ser usada dose inicial baixa com aumento gradual a cada 3-7
dias até a dose máxima de 150 mg em tomada única noturna. Os principais efei-
tos adversos são sonolência; tontura; hipotensão ortostática; bloqueio de condução
cardíaca; retenção urinária; constipação; xerostomia; visão turva; ganho de peso
e redução do limiar convulsivo, sendo contraindicados em pacientes com anorma-
lidade de condução ventricular; retenção urinária; glaucoma de ângulo fechado e
epilepsias não controladas44-46.
Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN)
Os IRSN ou antidepressivos duais, quando usados em doses mais baixas, atuam
predominantemente como inibidores seletivos da recaptação da serotonina e, em
doses mais altas, inibem a recaptação da noradrenalina, sendo considerados de pri-
meira linha para o tratamento da dor neuropática, mas também são indicados em
dor musculoesquelética e fibromialgia. Os fármacos mais usados são a duloxetina e a
venlafaxina. A dose inicial recomendada é 30 mg.dia-1 para a duloxetina e 37,5 mg.dia-1
Anticonvulsivantes
Os gabapentinoides, a pregabalina e a gabapentina são os anticonvulsivantes mais
utilizados como adjuvantes. Eles têm melhor perfil de tolerância do que a carbama-
zepina e apresentam atividade anti-hiperálgica, antialodínica, ansiolítica, sedativa e
moduladora do sono, além de potencializar a analgesia, atenuar a tolerância induzida
por opioides e reduzir seu consumo. Atuam como ligantes à subunidade alfa-2-delta dos
canais de cálcio voltagem-dependentes pré-sinápticos, regulando a entrada de cálcio no
neurônio pré-sináptico e diminuindo a liberação de neurotransmissores excitatórios na
fenda sináptica. São bem tolerados e têm poucas interações farmacológicas. A gabapen-
tina não apresenta farmacocinética linear por causa da saturação na absorção, portan-
to, deve-se iniciá-la com doses baixas da ordem de 300 mg a 600 mg.dia-1 e aumentar
gradualmente, até 3.600 mg.dia-1, dividida em três tomadas diárias. A pregabalina apre-
senta farmacocinética linear, sendo a titulação mais fácil e rápida, podendo iniciar o
tratamento com dose eficaz da ordem de 75 mg duas a três vezes ao dia até atingir a dose
máxima preconizada, de 600 mg.dia-1. Os principais efeitos adversos são sonolência;
tontura; ganho de peso; vertigem; xerostomia e edema de membros inferiores47-50.
A carbamazepina é um anticonvulsivante cuja principal indicação é na neuralgia
do trigêmeo. Age bloqueando os canais de sódio voltagem-dependente, retardando
a recuperação iônica após a ativação e suprimindo a atividade espontânea sem blo-
quear a condução normal. Seus principais efeitos adversos são sonolência; náuseas;
vômitos; ataxia; diplopia; vertigens; alterações hepáticas; leucopenia e rush cutâneo.
A oxcarbazepina é um pró-fármaco rapidamente metabolizado a 10-mono-hidróxido
que exerce função farmacológica e parece ser mais segura e eficaz que a carbamazepi-
na, sendo considerada uma substância de primeira linha para nevralgia do trigêmeo
e do glossofaríngeo51.
A lamotrigina é indicada no tratamento da neuralgia do trigêmeo refratária. Age
bloqueando os canais de sódio voltagem-dependente e inibindo a liberação de glu-
tamato e aspartato. Seus principais efeitos adversos são eritema cutâneo, que pode
evoluir para síndrome de Stevens-Johnson52. O topiramato tem apresentado bons
resultados no tratamento da enxaqueca, mas seus efeitos ainda são conflitantes53.
Lidocaína venosa
A lidocaína por via venosa é eficaz nas síndromes dolorosas crônicas, inclusive na
dor neuropática. Atua inibindo os canais de sódio e potássio, o receptor NMDA e o
Conclusões
Não é fácil planejar uma terapia farmacológica efetiva para dor crônica. Neste ca-
pítulo, foram enfocadas as principais classes de medicamentos para o tratamento da
dor crônica e as combinações de fármacos indicadas para a analgesia multimodal,
com o objetivo de propiciar aumento do conhecimento sobre as opções farmacológicas
disponíveis para gerenciar os diferentes tipos de dor crônica.
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Tratamento Intervencionista da
Dor Crônica
André Marques Mansano
Breno José Santiago Bezerra de Lima
Karen Santos Braghiroli
Introdução
A terapia intervencionista baseia-se no conceito de que, para determinado tipo de
dor, existe uma base estrutural anatômica. O bloqueio neural altera ou interrompe o
estímulo nociceptivo proveniente de tal estrutura. Nos Estados Unidos, o tratamento
intervencionista da dor é definido como sendo a disciplina médica voltada ao diagnósti-
co e tratamento de doenças relacionadas com a dor, principalmente com a aplicação de
técnicas intervencionistas, para o controle de dores subagudas, crônicas, persistentes ou
intratáveis, independentemente ou em conjunto com outras modalidades de tratamento1.
No Brasil, ele ainda não é considerado uma especialidade e, em geral, anestesiologistas,
neurocirurgiões e ortopedistas especialistas em coluna são os profissionais que se dedi-
cam a essa área de atuação. Muitas sociedades no mundo e no Brasil têm colaborado nas
mais variadas formas para a difusão dessas técnicas entre os especialistas em dor. No
mundo, destaca-se o World Institute of Pain (WIP), fundado em 1993, e a American So-
ciety of Interventional Pain Physicians (ASIPP), criada cinco anos depois, nos Estados
Unidos. A Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) criou, em 2006, o Comitê
de Técnicas Minimamente Invasivas da Dor. Com o surgimento dessas organizações
associativas, um interesse cada vez maior tem atraído os profissionais para o treina-
mento nesse campo. Nos Estados Unidos, segundo dados da ASIPP, em 1997, foram
realizados 1.377.000 procedimentos intervencionistas em dor pela Medicare, o maior
seguro de saúde daquele país, enquanto, em 2006, foram realizados 4.610.360, um au-
mento de mais de três vezes em dez anos. O número de procedimentos realizados nos
Estados Unidos continuou a crescer, de modo que, em 2011, foram realizados 2.289.213
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Dor Oncológica
Breno José Santiago Bezerra de Lima
Roberto Henrique Benedetti
Paulo Adilson Herrera
Introdução
A dor oncológica é um sintoma complexo que afeta vários aspectos da rotina diária
do paciente, incluindo condicionamento físico, atividades corriqueiras, estados emo-
cional e psicológico, além das interações sociais.
A prevalência de dor crônica em populações em tratamento de combate ao cân-
cer alcança valores entre 33% e 59%, e é consideravelmente mais alta em pacientes
com doença avançada (64% a 74%). Em razão da alta prevalência da dor oncológica e
suas severas consequências, todos os pacientes com doença ativa devem ser avaliados
quanto à presença de quadro álgico e prontamente tratados de maneira específica1,2.
Tratamento Intervencionista
O tratamento intervencionista da dor é realizado nos pacientes com pobre resposta
à terapia medicamentosa e naqueles em que os efeitos colaterais são severos demais
para conseguirem adesão ao tratamento medicamentoso proposto.
Referências
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Introdução
Este capítulo tem como foco a dor crônica e sua prevalência bastante elevada na
sociedade brasileira, buscando apresentar algumas síndromes dolorosas crônicas de
caráter não oncológico que podem fazer parte da rotina do anestesiologista com inte-
resse na área da dor.
Neuralgia trigeminal
É a forma de dor facial mais comum em pessoas com mais de 50 anos de idade. A
maior incidência da trigeminalgia ocorre entre os 50 e 70 anos de idade, sendo mais
prevalente em mulheres. Qualquer um dos ramos do trigêmeo pode ser atingido, sen-
do a distribuição mais comum a área englobando o segundo e terceiro ramos (32%)5.
A fisiopatologia é incerta, mas observações clínicas sugerem que a compressão do
nervo trigêmeo perto da sua saída no tronco cerebral por vasos sanguíneos ou tumor
podem causar a neuralgia trigeminal. A pressão local causa desmielinização que leva
à despolarização anormal, resultando em impulsos ectópicos5.
A dor é de curta duração (segundos), em geral unilateral, lancinante e semelhante a
um choque elétrico. Estímulos simples como comer, lavar o rosto, fazer a barba, calor,
frio, escovar os dentes e falar podem desencadear uma crise álgica2,5.
Os exames de imagem como ressonância nuclear magnética são importantes para
excluir etiologia secundária na trigeminalgia5.
Carbamazepina é o tratamento mais estudado para neuralgia do trigêmeo. Outros
medicamentos como oxcarbazepina, fenitoína, baclofeno, lamotrigina, lidocaína tó-
pica podem ser usados. Toxina botulínica, pregabalina, gabapentina e clonazepam
precisam de mais evidências para serem utilizados6.
Cefaleia em salvas
A cefaleia em salvas é uma cefaleia neurovascular primária, sendo estritamente uni-
lateral e associada a sintomas autonômicos ipsilaterais no crânio. A cefaleia em salvas
apresenta comportamento circadiano e circanual. O ataque pode ser provocado por
vasodilatadores como álcool e nitroglicerina. Os primeiros ataques aparecem entre os
20 e 40 anos de idade. Diferentemente da enxaqueca, a cefaleia em salvas afeta mais os
homens e a história familiar de cefaleia em salvas é um fator de risco importante7.
Os ataques consistem em dor lancinante, forte, unilateral, ao redor e atrás do olho.
A dor ocorre com sinais de desregulação autonômica ipsilateral como lacrimejamento,
congestão nasal, rinorreia e até mesmo miose e/ou ptose podem ocorrer. A miose e a
ptose podem permanecer entre os ataques7.
O tratamento abortivo pode ser feito com inalação de oxigênio, 100% de oxigênio
7 L · min-1 por máscara facial é um dos métodos mais efetivo e o mais seguro. Outras
opções de tratamento abortivo são o sumatriptano subcutâneo e a ergotamina sublin-
gual. O tratamento profilático mais seguro é com o verapamil, mas outras opções
como o lítio e a prednisona podem ser utilizados7.
Na falha do tratamento conservador, o tratamento intervencionista com a radio-
frequência convencional do gânglio esfenopalatino é uma boa opção. Em casos refra-
tários à radiofrequência, a estimulação dos nervos occipitais pode ser considerada7.
Dor fantasma
Amputação parcial ou completa de um membro não leva necessariamente à dor
fantasma. A dor é chamada de fantasma quando o paciente sente dor e disestesia nos
membros em que não estão mais presentes. Importantes diagnósticos diferenciais são
a dor no coto de amputação e o telescoping (sentir a extremidade distal mais proxi-
mal). A incidência da dor fantasma varia de 2% a 80%, no entanto nos estudos mais
recentes a incidência tem sido bastante alta. Em estudo retrospectivo com amputa-
ções traumáticas em combate, 78% dos participantes tiveram dor do membro fantas-
ma desde o momento em que ocorreu a amputação. A intensidade da dor do membro
fantasma na escala analógica visual costuma ser entre sete e dez. Medo, depressão e
ansiedade costumam estar presentes nos pacientes com dor do membro fantasma,
assim como personalidade controladora e rígida8.
A dor é em geral intermitente com intervalos que variam de um dia até semanas,
casos de intervalos de até um ano são relatados. O ataque pode durar de segundos
até horas e a dor é descrita como lancinante, em queimação, em cólica, em choque,
penetrante. A dor fantasma geralmente se inicia 14 dias após a amputação, mas pode
haver um aparecimento muito precoce com até menos de 24 horas, assim como o
quadro pode somente se instalar vários anos depois. Mulheres possuem mais chances
Fibromialgia
A fibromialgia (FM) é uma síndrome em que a dor crônica difusa de intensidade
variável é o sintoma principal. A dor costuma ter início em uma determinada região
e depois se generaliza com difícil localização, sendo constante, em queimação, agu-
lhadas, pontadas ou prurido. Os pacientes também relatam uma grande variedade de
outros sintomas como: depressão e ansiedade, síndrome do intestino irritável, síndro-
me da bexiga dolorosa, transtorno temporomandibular, dor pélvica crônica, cefaleia
crônica diária, síndrome de hipersensibilidade química, rigidez matinal, lombalgia,
dor miofascial, artrites, pernas inquietas, zumbidos, rash cutâneos, hipersensibilida-
de ao frio ou ao calor, parestesias de extremidades, déficit de memória, sensação de
edema de extremidades, articular ou periarticular e intolerâncias alimentares.
Os pacientes com FM caracteristicamente têm sono não restaurador, agravando os
sintomas no dia seguinte. Outra característica da síndrome é a fatigabilidade fácil ao
esforço físico, mental e estressores psicológicos.
A prevalência na população geral é estimada em 10-11% e no Brasil é, provavelmen-
te, a segunda doença reumatológica mais frequente. Pode acometer desde crianças
a idosos, mas geralmente seus sintomas se iniciam entre os 25 e 65 anos, com idade
média de 49 anos. Acomete mais mulheres que homens, em uma proporção de 8:1.
Há evidências de que a FM resulta de um processamento sensorial anormal do sis-
tema nervoso central, referido como sensibilização central com uma amplificação dos
estímulos sensoriais periféricos e redução do controle inibitório descendente da dor
no mesencéfalo. Hiperalgesia e alodinia são comuns em pacientes com fibromialgia
pela atividade reduzida de neurotransmissores envolvidos na inibição da dor como:
serotonina, noradrenalina e dopamina e aumento das concentrações de neurotrans-
Neuralgia pós-herpética
Condição clínica que surge como uma complicação do Herpes-Zóster (HZ) provo-
cando dor neuropática na região afetada. Os pacientes costumam se queixar de dor
contínua tipo queimação, com episódios de paroxismos de pontada, choque e lateja-
mento de moderada a forte intensidade.
Os pacientes podem observar uma resposta amplificada aos estímulos no local da
neuralgia pós-herpética (NPH) com hiperalgesia e alodinia ou alterações focais na
função autonômica (por exemplo, aumento da transpiração). Dor musculoesquelética
com trigger points pode ocorrer em pacientes com NPH como resultado de proteção
excessiva da área afetada, gerando atrofia muscular e amplitude reduzida de movi-
mento articular. Ao exame físico se evidenciam áreas de hiperpigmentação, hipo-
pigmentação ou cicatrizes nos dermátomos afetados previamente pelo HZ. Alguns
pacientes chegam a apresentar prurido crônico na região afetada. O diagnóstico da
NPH é eminentemente clínico.
O HZ é causado pela reativação do vírus da varicela (Varicela-Zóster) que fica la-
tente nos gânglios da raiz dorsal dos nervos espinhais e gânglios de nervos sensoriais
cranianos. Tipicamente, apresenta-se como uma erupção vesicular dolorosa com uma
distribuição dermatomérica única, unilateral e que não atravessa a linha média. Ra-
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CUIDADOS
PALIATIVOS
11
Capítulo
Introdução
A doença terminal é um processo contínuo e flutuante, com grande variabilidade
individual associada a múltiplos sintomas caracteristicamente intensos e oscilantes.
Por isso, os tratamentos devem adequar-se em função da intensidade desses sinto-
mas, dentro de uma visão flexível de tratamentos combinados. Cuidar de indivíduos
no fim da vida e de suas famílias dia após dia é uma proposta desafiadora. Entender
os desafios para fornecer cuidados de qualidade é o primeiro passo importante, a
fim de desenvolver abordagens adequadas para apoiar, educar e facilitar a capaci-
dade de “cuidar no fim da vida”, e é isso que nos propormos a fazer neste capítulo
introdutório sobre essa modalidade de assistência, que destaca a dor como um cui-
dado paliativo especializado.
Nesse universo, os cuidados paliativos surgem como uma modalidade de assistên-
cia direcionada às condições de incurabilidade e de fim da vida. À medida que a doen-
ça avança e o tratamento curativo não proporciona seu controle razoável, os cuidados
paliativos, como um modelo de cuidados totais, ativos, integrais e preventivos, são
oferecidos ao paciente com doença ameaçadora de vida e à sua família, que vivencia
a dor e o sofrimento de seu ente querido. Desse modo, crescem em significado, pois
legitimam o direito do paciente de morrer com dignidade, em detrimento do esforço
ilimitado e desnecessário de curar a doença. Exige-se, portanto, dos médicos uma
base de conhecimento que permita identificar fatores emergentes que possam influen-
ciar o curso da doença limitante de vida, com um excelente controle de sintomas e
consequentemente melhor qualidade de vida.
Como definido por Saunders, o cuidado paliativo está dirigido para o alívio do so-
frimento e da “dor total”, termo por ela introduzido na década de 1970, que descreve
todos os aspectos que rodeiam o doente com dor, em especial o paciente oncológico.
Saunders estabeleceu três princípios essenciais para atingir os objetivos dos cuida-
dos paliativos. Estes são: tratamento dos sintomas, destacando-se o controle da dor;
apoio psicossocial e espiritual, além da comunicação contínua e da adaptação das
necessidades do doente e de sua família, considerando o paciente, e não a doença,
como o verdadeiro centro da atenção, trabalhando com uma equipe multiprofissio-
nal e interdisciplinar, para oferecer uma resposta rápida e efetiva aos pacientes, suas
famílias e aos cuidadores profissionais9. Em alguns casos, a perspectiva existencial,
mesmo sem dor e outros sintomas, pode não ter significado. Para as famílias, há,
igualmente, grande sofrimento nesse processo: perda antecipada, testemunho per-
manente da angústia emocional do paciente e o convívio com os fardos do cuidado.
Finalmente, os cuidadores profissionais testemunham potencialmente o sofrimento
Portanto, o controle dos sintomas, com ênfase no alívio da dor, é um dos compo-
nentes essenciais e instrumento fundamental dos cuidados paliativos, independente-
mente da etiologia da doença.
Considerações Finais
Tratar além de curar é missão básica dos profissionais médicos. Com a atual taxa
de mortalidade, a parte essencial do controle da dor nos cuidados paliativos é melho-
rar a qualidade de vida e/ou a qualidade da morte. Cuidados no fim da vida são parti-
cularmente intensos por causa das diferentes dimensões envolvidas no adoecimento.
Essas dimensões, que incluem as condições físicas, emocionais, sociais, espirituais e
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Informação e Comunicação em
Cuidados Paliativos
Guilherme Antonio Moreira de Barros
Danielle Soller Lopes
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
Introdução
Os cuidados paliativos, segundo a Organização Mundial de Saúde, são cuidados
direcionados a portadores de doenças ameaçadoras da vida que têm como objetivo a
melhora da qualidade de vida de pacientes e familiares, aliviando a dor e outros sinto-
mas, proporcionando apoio espiritual e psicológico desde o momento do diagnóstico
até o final da vida, incluindo a fase de luto1.
A comunicação é a base do relacionamento humano e não poderia ser diferente
quando se refere à relação médico-paciente. A boa comunicação pode ter efeito be-
néfico sobre o paciente, mas a comunicação praticada de forma desrespeitosa pode
ter efeito iatrogênico, especialmente quando envolve a revelação de uma má notícia.
Elementos como empatia, compreensão, interesse, desejo de ajuda e bom humor são
indispensáveis para conseguir um ambiente de conforto emocional, no qual o pacien-
te receberá informações sobre doença e diagnóstico, e o médico agirá segundo seus
conhecimentos, experiência clínica e suas capacidades humanas2-4. Os profissionais
envolvidos nesses cuidados necessitam de habilidades específicas nas quais o tema
“comunicação” possui importante papel. Na maioria das vezes os pacientes possuem
doenças de alta complexidade, e as demandas de cuidados do paciente e da própria
família, são muito altas4.
Todos gostamos de comunicar quando o conteúdo a ser transmitido é bom: o suces-
so de uma proposta terapêutica, o nascimento de uma criança saudável, a alta hospi-
talar etc. Mas quando o conteúdo envolve uma má notícia, o sentimento é totalmente
distinto e evitamos ao máximo sermos expostos à situação5. Pode-se definir uma má
notícia como qualquer informação que possa afetar de forma séria e adversa a visão
de um indivíduo sobre seu futuro. A maioria dos profissionais de saúde já se deparou,
Decisão de se informar
Muitos familiares e profissionais da saúde optam por não revelar a verdade nos
casos em que a morte está próxima, o que visa “proteger” o paciente do impacto da má
notícia. Quando essa atitude é adotada o paciente é privado da chance de se despedir,
de tomar providências práticas como testamento, herança, de providenciar e parti-
cipar de rituais religiosos, de se desculpar, de revelar segredos, de fazer coisas que
sempre quis fazer, de dizer “eu te amo”, de fazer as pazes consigo mesmo. Ademais,
a chance de um paciente que ignora seu real estado de saúde optar por tratamentos
fúteis ou recusar opções de cuidados paliativos aumenta consideravelmente.
Além disso, cada vez mais de forma compulsória, os profissionais da saúde têm
a obrigação de fornecer e solicitar o termo de livre consentimento e esclarecimento
previamente a qualquer procedimento. Não é possível o paciente consentir com um
tratamento ou com uma opção terapêutica se ele não tem informação suficiente,
nem em quantidade nem em qualidade, para decidir6. Muitos fatores influenciam a
forma e a qualidade do ato de se comunicar eficientemente com os pacientes, entre
eles, as condutas e abordagens adotadas pelo serviço em que o profissional de saúde
está engajado, a idade, o cansaço, o contexto cultural, a crença religiosa e o trei-
namento sobre comunicação recebido. Esse treinamento pode ser adquirido como
ensino formal ou pelo exemplo de outros profissionais em práticas semelhantes. Sa-
be-se, entretanto, que o treinamento do profissional pode ter efeito positivo sobre a
qualidade da comunicação2.
Protocolo de COMSKIL
Esse protocolo, desenvolvido em 2005 no Memorial Sloan-Kettering Cancer Cen-
ter, nos Estados Unidos, não só possui estrutura abrangente para as habilidades de co-
municação organizacional, mas também provê descrições específicas em habilidades
necessárias em vários contextos, suprindo assim deficiências encontradas em outras
ferramentas. Trata-se de um modelo de treinamento bem aceito internacionalmente
em que o foco da atenção é centrado no paciente5.
Segundo a OMS, o modelo de atenção centrado no paciente assegura que serviços de
saúde deverão ser adaptados de acordo com as necessidades individuais dos pacientes
e que os cuidados serão fornecidos em parceria com eles, em vez de somente serem en-
tregues. Assim, o cuidado ofertado estará onde pessoas, famílias e comunidades serão
informadas, engajadas, apoiadas e tratadas com dignidade e respeito5. Esse modelo de
atenção alcança adequada comunicação usando estratégias, habilidades, perguntas
e avaliações cognitivas4.As estratégias de comunicação são os planos que, a priori,
direcionam o comportamento de comunicação para uma realização bem-sucedida.
O emprego de várias estratégias associadas facilita o processo. O processo de comu-
nicar, ou seja, a tarefa propriamente dita, é a série de diálogos e comportamentos
Quadro 1 – Avaliação
Habilidade de avaliação Descrição Exemplo
Avaliando o entendimento Pergunte ao paciente sobre seu – Fale-me o que você sabe sobre
do paciente entendimento do que lhe foi infor- seu diagnóstico. Por que você
mado ou sobre sua situação atual não me diz o que entendeu sobre
o que eu disse antes?
Avaliando o conhecimento do Pergunte ao paciente sobre sua – Nós estávamos falando sobre
paciente compreensão de termos médicos sua doença e eu disse que houve
o aparecimento de uma nova me-
tástase. O que isso significa para
você?
Fazer declarações de parceria Transmita a aliança que pos- – Vamos trabalhar juntos
sui com o paciente para descobrir como resolver
esse problema
Oferecer tempo para que a toma- Reforce que há tempo dispo- – Nós temos algum tempo
da de decisão ocorra nível para a tomada de deci- para decidir. Sabemos tam-
são, quando isso for aplicável, bém que em estudos feitos
e reafirme que tal atraso não anteriormente esse atraso não
vai afetar o tratamento faz diferença para a evolução
da doença
Declarar os itens a serem discuti- Indique o que você gostaria de – Hoje eu gostaria de discutir
dos no dia abordar durante a consulta com você as opções de trata-
mento disponíveis
Negociar a prioridade do dia Solicite ao paciente que ele – Deve haver muito a con-
ajude a priorizar os temas a versar, o que você gostar ia
serem discutidos no dia de pr ior izar como mais
impor tante?
C – Convite à verdade
O melhor cenário ocorre quando, durante o processo de investigação da doença,
a questão sobre o quanto o paciente deseja saber já tenha sido abordada. Por exem-
plo, no momento da indicação de um exame de imagem, perguntar ao paciente se ele
gostaria de ser informado dos resultados mesmo que as notícias não sejam boas. O
paciente também tem o direito de não ser informado; nesse caso, ele deve nomear a
pessoa com quem se deve discutir a questão.
Avaliar o quanto o paciente sabe e o quanto quer saber, também, tem a finalida-
de de ser um preâmbulo para a informação. Então, a maioria dos pacientes pode
já estar preparada para o próximo passo: receber uma informação desagradável.
I – Informar
Alguma introdução à má notícia pode funcionar como aviso, preparando o paciente
para a notícia que virá a seguir, como, por exemplo, a frase: “Infelizmente, as notícias
não são boas. ” A literatura mostra que o profissional de saúde não deve se desculpar
por uma notícia ruim, pois o paciente e seus familiares podem interpretar como se,
de alguma forma, o médico fosse responsável pelos acontecimentos. A informação
deve ser compartilhada em quantidade, velocidade e qualidade suficientes para que o
paciente possa tomar alguma decisão ou optar pelo consentimento informado sobre
seu tratamento e sua vida particular.
O vocabulário utilizado deve ser inteligível para o nível cultural e idade do enfermo,
desde as crianças até os mais idosos. É aconselhável evitar jargões muito técnicos. Os
nomes complicados de determinadas condições médicas que o paciente não entenda
podem causar mais temor e apreensão do que uma condição que ele compreende o
significado e as respectivas dimensões. Assim, corre-se o risco de se superestimar
a gravidade da doença. Alguns pacientes podem entender que “novos protocolos de
tratamento” significam real possibilidade de cura, o que frequentemente é falso. Ao
mesmo tempo, deve-se evitar ao máximo o uso de eufemismos, visto que o paciente
tende a interpretar como uma desvalorização da sua condição, ou, então, não com-
preender a verdadeira gravidade da situação.
Portanto, a linguagem utilizada deve ser direta e acessível, os termos mais
difíceis devem ser explicados a cada passo. O profissional da saúde deve checar
o entendimento após cada informação importante. Nessas circunstâncias, as
pausas podem ser bastante úteis. Talvez um dos maiores desafios seja oferecer
a informação de forma clara e honesta, mantendo a esperança do paciente. Em
um estudo australiano feito com pacientes oncológicos, as atitudes dos médicos
consideradas mais positivas, no momento da revelação da má notícia, foram: ser
realista sobre o futuro, conversar pessoalmente, oferecer alguma forma de trata-
mento, assegurar que, no decorrer do processo de adoecer, o paciente não sentirá
dor, ter segurança sobre as informações oferecidas, dar espaço e tempo para
perguntas, perguntar ao paciente se ele entendeu as informações oferecidas, não
utilizar eufemismos (tumorzinho, probleminha), utilizar as palavras corretas,
E – Emoções
Lidar com as emoções do paciente é uma das maiores dificuldades além de ser fator
gerador de estresse para o profissional de saúde. De fato, é um dos momentos mais
importantes na comunicação de más notícias e é quando o treinamento e a experiên-
cia prática são determinantes para a qualidade do relacionamento com o paciente.
Cada indivíduo reage de uma forma distinta. A equipe de saúde deve estar preparada
para qualquer tipo de reação. Provavelmente, as respostas mais comuns sejam choque
seguido de choro. Porém, outras reações comuns são a raiva, o silêncio, a negação e até
o descrédito do profissional que revelou a má notícia.
Considerando-se os diversos cenários possíveis, é recomendado que o profissional
de saúde simplesmente permita ao paciente sentir toda a emoção e ter tempo para
chorar e se expressar livremente. Sugere-se que a equipe ouça, muito mais do que
fale, com paciência e solidariedade, deixando o paciente se acalmar. Neste momento,
é possível se utilizar do toque, principalmente porque a cultura brasileira permite que
se seja bastante caloroso e afetivo. É possível utilizar-se de lenços de papel, copos de
água ou chá.
Desaconselha-se o emprego de expressões como “não se preocupe” ou “não é nada”,
por causa do risco de se desvalorizar uma notícia muito importante para o paciente e
seus familiares, fazendo com que se sintam incompreendidos e desamparados.
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Introdução
Há uma tendência mundial de incorporar os cuidados paliativos (CP) ao modelo
de assistência tradicional de manejo de doenças, chamando atenção para a maior
abrangência desses cuidados ao maior número possível de pacientes. Descritos
de forma breve, os cuidados paliativos são cuidados dirigidos a indivíduos com
doenças ameaçadoras à vida, com foco na qualidade de vida. A definição completa
da Organização Mundial de Saúde (OMS) engloba muito mais, porém, de maneira
resumida, os CP devem abordar as necessidades físicas, psicológicas e sociais, por
meio de três componentes principais: prevenção e manejo meticuloso de sintomas,
incluindo a dor; excelência na comunicação ao discutir os cuidados e o planeja-
mento futuro destes; um suporte extra em relação às necessidades práticas, como
atendimento domiciliar1,2.
Há um corpo de evidência que mostra que os CP podem melhorar os desfechos em
pacientes com doença avançada, e quanto mais cedo são instituídos os cuidados, melho-
res os resultados. Em pacientes com câncer, o início precoce dos CP esteve associado a
melhor qualidade de vida, menos sintomas depressivos, menos cuidados agressivos no
final da vida, maior consciência do prognóstico e sobrevida mais longa3,4.
De maneira contrária ao que muitos pensam, a indicação de CP pode ocorrer
enquanto uma doença ainda está em tratamento, ou seja, logo após o diagnóstico,
principalmente quando poucos tratamentos curativos estão disponíveis. Contudo,
essa maneira moderna de cuidado simultâneo ainda tem muito a galgar e se firmar,
especialmente em áreas que envolvem doenças diferentes do câncer.
Média Longa
Grau II Hospital-dia Domiciliar
complexidade permanência
2 – Paciente clinica- O paciente e sua famí- O paciente e sua fa- O paciente necessita O paciente necessita
mente estável, com lia necessitam de ma- mília necessitam de de internação hospi- de cuidados contí-
doença com baixo po- teriais ou procedimen- cuidados profissio- talar para cuidados nuos a longo prazo
tencial de cura e com tos mais complexos nais por equipe de contínuos e procedi- e procedimentos
prognóstico de morte do que seria viável em atenção básica ou mentos frequentes de frequentes de mé-
a médio prazo e/ou domicílio (bloqueio oferecidos por equipe média complexidade dia complexidade
com necessidade de anestésico, hidratação do hospital, para pro- que não são viáveis em (como aspiração e
submeter-se a proce- intermitente, medica- cedimentos viáveis em domicílio; tanto ele analgesia), sem con-
dimentos pertinentes ção parenteral de uso domicílio (como cura- como sua família ne- dições de permane-
a serviços de média periódico), mas sem tivos, fisioterapia res- cessitam ser atendidos cer com estrutura
complexidade de aten- necessidade de inter- piratória, medicações por equipe multipro- familiar e sem rede
ção à saúde. nação hospitalar. parenterais) e orienta- fissional. social de suporte.
ção para melhoria de
conforto psicossocial e
espiritual.
Critérios de Terminalidade
A terminalidade costuma ser considerada quando se esgotam as possibilidades de
resgate das condições de saúde do paciente e a possibilidade de morte se aproxima
de forma inevitável e previsível. O paciente se torna “irrecuperável” e caminha para
a morte, sem que se consiga reverter tal processo, independentemente das medidas
terapêuticas adotadas15.
A irreversibilidade da doença é definida de forma consensual pela equipe médica,
baseada em dados objetivos e subjetivos. Estabelecido esse diagnóstico, os cuidados
paliativos constituem o objetivo principal da assistência ao paciente.
Tentam-se estabelecer índices de prognóstico e de qualidade de vida, procurando
definir de forma mais clara esse momento da evolução de uma doença, tendo como
objetivo o estabelecimento de condutas para o acompanhamento desses pacientes.
Contudo, abordam-se mais aspectos epidemiológicos, faltando a especificidade em
nível individual. É mister reconhecer a definição do paciente terminal, além da bio-
logia, inserida em um contexto particular, cultural, subjetivo e humano. As possíveis
dificuldades na compreensão de um conceito preciso não devem, de forma alguma,
comprometer os benefícios que o paciente e seus familiares e a equipe profissional
podem ter no reconhecimento dessa condição. Nesse contexto, há uma grande pers-
pectiva de ações que envolvem humanização, amor, solidariedade e respeito, que pode
gerar um cuidado de alta qualidade, favorecendo despedidas, preparação de separa-
ções e projetos para os que sobreviverão. É um momento para a expressão da dor e do
sofrimento, de sentimentos intensos que envolvem a perda e a morte12.
Muitas medidas consideradas curativas ou restaurativas podem configurar trata-
mento fútil, como a nutrição parenteral ou enteral, a administração de drogas vasoa-
tivas, a terapia renal substitutiva, a instituição ou manutenção de ventilação mecânica
invasiva e, inclusive, a internação ou permanência do paciente em UTI. A priorização
dos cuidados paliativos e a identificação de medidas fúteis devem ser estabelecidas de
forma consensual pela equipe multiprofissional em consonância com o paciente (se
possível), seus familiares ou seu representante legal. As ações paliativas devem ser
registradas de forma clara no prontuário do paciente16.
A aproximação do fim da vida ou do processo de morte pode ser definida quando
pacientes provavelmente vão morrer nas próximas 12 horas e inclui aqueles para os
quais o óbito é esperado há horas ou dias e que possuem condições avançadas, pro-
gressivas e incuráveis, condições de fragilidade que gerem um óbito esperado ou que
Conclusão
Os CP podem melhorar o controle de sintomas e a qualidade de vida dos pacientes.
Devem ser indicados precocemente, de forma orientada e segundo critérios especí-
ficos. Reconhecer pacientes terminais e promover um fim de vida com humanidade
deve ser uma prioridade das equipes de cuidado.
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Organização e Modelos de
Assistência em Cuidados Paliativos
Ana Paula dos Santos
Introdução
A literatura apresenta uma farta gama de estudos que mostram que não apenas
o oferecimento de cuidados paliativos, mas também a precocidade da indicação são
fatores de promoção de qualidade de vida diante das doenças ameaçadoras da vida.
Porém, Hawley, em 2017, deixa muito claro que os cuidados paliativos, infeliz-
mente, ainda não conseguem ser ofertados a todos os pacientes e famílias que deles
necessitam. Cita como exemplo que um terço dos hospitais americanos com mais de
50 leitos não possuem nenhum tipo de modelo de assistência em cuidados paliativos.
No Brasil a situação é um pouco mais complexa. Certamente não somos, ainda,
possuidores do número expressivo de 5 mil hospices, como, segundo a National Hos-
pice and Palliative Care Organization (NHPCO), tem a população norte-americana e
muito menos mais de 200 hospices da Inglaterra, o país berço de todo o novo movi-
mento Hospice, a filosofia que rege o cuidar paliativo.
Seja pela implantação de um hospice, seja pelo estabelecimento de uma enfermaria
de cuidados paliativos, um grupo consultor de um hospital geral, uma unidade-dia,
um ambulatório, uma equipe de atendimento domiciliar ou uma hospedaria, o que
vemos é o crescimento exponencial das práticas em cuidados paliativos, que vem, nos
últimos anos, sendo marcado pelo franco desenvolvimento de serviços de diversas
modalidades de atendimento, por motivos que vão além da preocupação do simples
cuidar, mas que perpassam as mesas de administradores que veem nos cuidados pa-
liativos a excelência do cuidado associado ao uso adequado e ponderado das novas e
caras tecnologias, muitas vezes desnecessárias e dolorosas ao paciente, ou pelas exi-
A Organização de um Serviço
Segundo Maciel, 2012, para que se proponha a construção de um serviço de cuida-
dos paliativos, há de se responder essencialmente a duas questões:
• que objetivos tal serviço pretende alcançar?
• qual a demanda de necessidades desse futuro serviço de cuidados paliativos?
Na primeira questão, há que se colocarem pontos acerca do tipo de cuidados que
se espera oferecer: cuidados de pacientes no fim da vida? Cuidados prolongados de
pacientes crônicos? Ser um serviço cujo objetivo é a reabilitação de pacientes graves
e vulneráveis?
Porém, para se definirem os objetivos do serviço a ser montado, é de suma impor-
tância entender a demanda da região ou do hospital no qual se pretende montar o
serviço de cuidados paliativos.
Para tal, é importante conhecer os diagnósticos mais frequentes dos pacientes; as
necessidades de pacientes e familiares; saber sobre os recursos existentes, tanto em
investimentos quanto em recursos humanos e de material; conhecer a necessidade e
a formação dos componentes envolvidos e a necessidade de treinamento em cuidados
paliativos de novas pessoas. Portando, com as respostas a essas perguntas e enten-
dendo a necessidade de integrar o novo serviço em meio à rede de saúde local, pois a
atenção global ao paciente exige que o serviço de cuidados paliativos não seja isolado,
pode-se, enfim, definir o modelo de assistência a ser criado.
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Estratégias no Manejo da
Dor Total
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
Introdução
Pacientes com doença avançada enfrentam muitos desafios. A dor é o sintoma
de uma doença que pode ter sido associada a muitas perdas, como de sua norma-
lidade, independência, saúde e futuro. A significação da dor varia entre os indi-
víduos. Um paciente diabético com dor neuropática periférica pode estar muito
angustiado pela cronicidade1, mas um paciente com doença cardíaca isquêmica
pode acreditar que a dor torácica aguda significa que está morrendo. Ainda é co-
mum as pessoas acreditarem que a dor severa é inevitável no avanço da doença,
especialmente no câncer, e isso pode ser um fator de amplificação da dor nesses
pacientes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o doente com câncer
apresenta uma média de dez sintomas simultaneamente. A dor, mesmo não sendo
o sintoma mais frequente, é o que significativamente afeta a qualidade de vida dos
doentes oncológicos na terminalidade, constituindo-se num fator importante do
sofrimento relacionado com a doença, mesmo quando comparado com a expecta-
tiva de morte2.
Uma descrição inicial para dor em um câncer terminal, conhecida como “dor to-
tal”, foi proposta por Cicely Saunders, fundadora do movimento Hospice, na década
de 1960, que reconheceu a dimensão física, psicológica, social e espiritual na per-
cepção da sensação dolorosa e os efeitos multidimensionais que tem sobre a vida
do doente e sua família 3,4 . Dito isso, devemos nos lembrar de que Cicely Saunders,
em seu conceito visionário, já incluiu o atendimento de pacientes com esclerose
lateral amiotrófica (ELA) ou doença do neurônio motor. Nos últimos anos, ficou
Evolução
Prevenir, diagnosticar, tratar e curar (muitas vezes) faz parte da arte milenar do
médico, porém, estamos nos esquecendo da arte e da ciência de prognosticar. Estra-
tegicamente, em cuidados paliativos, devemos prognosticar antes de diagnosticar e
tratar, pois o manejo da dor está intimamente relacionado com o prognóstico, para
delinear os objetivos do plano individual de intervenção, como também na condução
das expectativas, prioridades, tomadas de decisão e escolhas terapêuticas consensuais
da equipe, dos pacientes e de seus familiares. De modo geral, a maioria dos clínicos
Manejo terapêutico
Implica a consideração de três aspectos: tratar a causa da dor quando possível;
usar medidas não farmacológicas (físicas e comportamentais) e adotar analgesia de
amplo espectro. A terapia medicamentosa refere-se à arte e à ciência no uso combi-
nado de três grupos farmacológicos: analgésicos não opioides, analgésicos opioides,
com a morfina como a droga de eleição, e drogas adjuvantes18. Nesse sentido, a OMS
publicou, em 1986, um algoritmo que serve até os dias atuais como modelo clínico
para o tratamento da dor oncológica validado e aceito mundialmente, que é a Escada
Analgésica, na qual a dor deve ser tratada segundo uma escala ascendente de potên-
cia medicamentosa ou de complexidade de procedimentos anestésicos e/ou neuroci-
rúrgicos15. As principais vantagens desse método são a simplicidade e a eficácia. As
drogas aumentam sua potência, desde analgésicos anti-inflamatórios não hormonais
até dipirona na dor leve, passando pelos opioides fracos, como codeína e tramadol, na
Monitorização
É necessário o seguimento não só para a avaliação contínua da eficácia terapêutica
e detecção dos efeitos adversos, mas também para pesquisar o aparecimento de novos
focos de dor e revisar as respostas aos fármacos que o paciente recebeu previamen-
te, para ajustar a posologia (doses, intervalos), agregar fármacos adjuvantes quando
necessário, modificar os fármacos prescritos ou adaptar a via de administração dos
medicamentos. Embora a morfina por via oral seja a terapêutica farmacológica de
eleição, alguns pacientes possuem limitações para essa via de administração.
Com base no que o próprio paciente refere para avaliação da intensidade da dor,
é sugerida a utilização de escalas unidimensionais (numérica, verbal, percentual e
visual analógica) e multidimensionais, que nos fornecem informação quantitativa e
qualitativa da dor.
Rotineiramente, a monitorização de fatores que podem intervir na resposta anal-
gésica apropriada dos opioides no curso da doença se faz necessária para a implemen-
tação dos ajustes terapêuticos, a considerar: progressão da doença; desenvolvimento
de tolerância; aparecimento de efeitos adversos intratáveis; fatores farmacocinéticos e
farmacodinâmicos; identificação do padrão temporal da dor; tipo de dor; a abordagem
adequada do componente neuropático da dor mista, frequentemente negligenciado,
contribuindo diretamente para a baixa adesão ao tratamento analgésico21.
Considerações Finais
O paciente com uma doença ameaçadora da vida pode enfrentar vários desafios e
perdas, começando com a perda de sua saúde e expectativa de futuro. Como a cada de-
safio a perda ocorre, o paciente demora a absorver a nova situação, e esse sofrimento
fica demonstrado nas diferentes dimensões da “dor total”. Sua reavaliação contínua é
essencial, assim como a reconsideração de como apoiar a compreensão, a adaptação e
a resolução de cada um dos domínios físico, psicológico, espiritual e social inseridos
na “dor total”.
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Sintomas Respiratórios em
Cuidados Paliativos
Fernanda Bono Fukushima
Edison Iglesias de Oliveira Vidal
Dispneia
Aspectos gerais
A dispneia pode ser definida como “experiência subjetiva de desconforto respirató-
rio que consiste em diferentes sensações qualitativas e varia em intensidade”1. Dessa
forma, a falta de ar, tal como a dor, é um sintoma, e não um sinal. Sua prevalência
é bastante variável (12%-74%)2-4, dependendo do diagnóstico de base e do estágio
da doença em cada paciente. Diversas pesquisas têm demonstrado que medidas da
frequência respiratória, saturação de oxigênio, gasometria e mesmo a percepção de
profissionais de saúde e familiares não se correlacionam com a percepção do paciente
sobre sua falta de ar5. Como a dor, esse sintoma pode ser entendido como uma combi-
nação de fatores físicos, mas também de aspectos psicossociais e espirituais, sendo o
Avaliação
A avaliação clínica da dispneia inclui, portanto, o relato do paciente, a história da
evolução do sintoma e o exame físico direcionado. Os resultados da avaliação guiarão
o tratamento, bem como servirão para o estabelecimento de um parâmetro basal a ser
utilizado para a avaliação da resposta terapêutica do paciente.
A presença e intensidade da dispneia devem ser avaliadas por meio de instrumentos
validados, como as escalas numéricas verbais ou a escala analógica visual. A avaliação
da intensidade da dispneia faz parte de vários instrumentos específicos de avaliação em
cuidados paliativos, como a escala de avaliação dos sintomas de Edmonton (ESAS).
Avaliações mais específicas, como exames laboratoriais (ex.: dosagem de D-dí-
mero, peptídeos natriuréticos tipo B, proteína C reativa, hemograma, gasometria
arterial) ou radiológicos (ex.: radiografias e tomografia computadorizada), devem ser
solicitadas se os benefícios da informação a ser obtida excederem o desconforto e o
risco relacionados com o procedimento e na medida em que se encontrem alinhados
com os objetivos de cuidado do paciente, seus valores e preferências individuais. To-
davia, a oximetria de pulso ou gasometria não deve ser vista como medida objetiva
Ansiolíticos e fenotiazinas
A falta de ar, em especial quando aguda ou grave, pode causar grande ansiedade e
pânico. Opioides e terapias não farmacológicas podem aliviar tanto a dispneia como
a ansiedade resultante. As evidências atuais apontam o uso de prometazina por via
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Introdução
As intervenções em cuidados paliativos têm como objetivo principal propiciar qua-
lidade de vida ao paciente portador de doença avançada que não apresente possibili-
dade de cura. Manejar adequadamente os sintomas neuropsiquiátricos nesse contexto
é uma das condições para promover a qualidade de vida. O apoio às famílias desses
pacientes é igualmente essencial.
O termo neuropsiquiatria indica uma combinação entre a perspectiva da neurolo-
gia e a perspectiva psiquiátrica do mesmo fenômeno, sendo uma área de interface en-
tre o “cérebro” e a “mente”, entre a função cerebral e o comportamento humano. Esse
termo costuma ser empregado perante doenças cerebrais complexas que apresentam
significantes aspectos neurológicos e psiquiátricos (p. ex., transtorno de Tourette, sín-
dromes demenciais, doenças autoimunes com envolvimento do SNC etc.).
Os sintomas neuropsiquiátricos são uma expressão de alterações estruturais e/
ou funcionais da atividade cerebral, por acometimento primário do órgão e/ou por
reação secundária do cérebro a mudanças sistêmicas. Por essa razão, as doenças neu-
ropsiquiátricas costumam ser bastantes heterogêneas em relação a sua apresentação
clínica e, geralmente, demandam abordagens terapêuticas paralelas da neurologia e
da psiquiatria, com diferentes combinações dessas terapêuticas no plano geral de tra-
tamento, conforme a demanda em cada caso.
Outra definição da ocorrência de sintomas neuropsiquiátricos é quando ocorrem
comorbidades neurológicas juntamente com doenças psiquiátricas ou vice-versa (p.
ex., um paciente com depressão que sofreu um acidente vascular cerebral ou um pa-
ciente com doença de Huntington que desenvolve alterações cognitivas, emocionais
e/ou comportamentais).
Delirium
Delirium constitui a condição com sintomas neuropsiquiátricos mais comuns em
pacientes portadores de doença avançada (CP), ocorrendo entre 26-44% dos pacientes
admitidos em ambiente hospitalar ou unidades específicas de CPs. Principalmente
nos casos de câncer e nos doentes que se encontram em fase terminal, sua ocorrência
pode indicar a proximidade da morte. Pacientes com câncer admitidos em hospitais
apresentam prevalência de até 45% de delirium, e 50% desses ainda são reversíveis.
Quando próximos do final de vida, 88% dos pacientes apresentam delirium, o que
pode ser muito estressante para pacientes, familiares e cuidadores.
De acordo com os critérios da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais (DSM-5.0), delirium consiste em uma alteração do nível de
consciência de instalação aguda (horas ou dias) e curso flutuante, acompanhada de
déficit de atenção e alteração da cognição, como déficit de memória ou desorientação.
Deve existir evidência na história, no exame físico ou nos exames laboratoriais de
que a alteração seja causada por uma condição orgânica subjacente ou consequência
direta de uma condição médica geral ou de seu tratamento.
O delirium é de início agudo e pode se apresentar como:
• hiperativo – estado hipervigilante, com alucinações, agitação psicomotora,
agressividade; constitui o quadro de delirium mais facilmente diagnosticado;
• hipoativo – confusão, sedação, apatia; o diagnóstico pode ser mais difícil e con-
fundido com estado depressivo;
• misto – alterna as duas modalidades.
Diversos fatores de risco podem contribuir para que os pacientes com doença avan-
çada apresentem delirium. A seguir, foram listados as principais causas e os fatores de
risco para o delirium:
• evolução da doença: metástase cerebral, síndromes paraneoplásicas;
• infecções: ITU, infecção respiratória, sépsis;
• distúrbios eletrolíticos: cálcio, potássio, sódio, magnésio, fosfato;
• desidratação/desnutrição;
• hiperglicemia/hipoglicemia;
• hipercarbia/hipoxemia;
• falência de órgãos: insuficiências renal, hepática e cardíaca;
• obstipação intestinal;
• tratamentos: quimioterapia, radioterapia.
Os medicamentos podem estar associados ao desenvolvimento de delirium em 12-39%
dos casos:
• anticolinérgicos: anti-histamínicos, atropina, hioscina, difenidramina, tricíclicos;
• antimicrobianos: quinolonas, aciclovir, macrolídeos, sulfonamidas, cefalospo-
rinas, aminoglicosídeos, anfotericina;
• analgésicos: opioides, AINEs;
• corticosteroides;
• agonistas dopaminérgicos: levodopa, pramipexol, bromocriptina, amantadina;
• anticonvulsivantes: ácido valproico, fenitoína, carbamazepina;
• antidepressivos: mirtazapina, inibidores de recaptação de serotonina, tricíclicos;
• sedativos: benzodiazepínicos, barbitúricos;
• relaxantes musculares;
• cardiovasculares: antiarrítmicos, betabloqueadores, metildopa, clonidina, diu-
réticos, digitálicos;
• gastrointestinais: bloqueadores H2, metoclopramida, loperamida, antiespasmódicos;
• outros: fitoterápicos, lítio, donepezil, fenotiazinas.
O quadro clínico ocorre com múltiplas apresentações dos seguintes sintomas:
• início agudo;
• curso flutuante durante o dia/intervalos lúcidos presentes;
• déficit de atenção;
• alteração no nível de consciência;
• pensamento desorganizado;
• distúrbios da percepção (delírios e alucinações);
• alterações psicomotoras (hiper ou hipoatividade);
Tratamento
O tratamento é composto por medidas farmacológicas e não farmacológicas. O ha-
loperidol3 é o fármaco de escolha para controlar os sintomas de agitação psicomotora
e alucinações, nas doses de 0,5 a 1,0 mg (VO, IV ou SC), podendo a dose ser repetida
a cada 45-60 minutos até o alívio dos sintomas, em uma dose máxima de 5 mg nas
24 horas. Idosos vão requerer doses menores, para evitar os efeitos colaterais (em
especial, os efeitos extrapiramidais). Ele necessita de pouco ajuste de dose em insufi-
ciência hepática e nenhum ajuste em insuficiência renal. Por meio da via subcutânea,
o haloperidol pode ser facilmente prescrito no manejo de náuseas e vômitos (25% de
resposta) e em agitação terminal em pacientes sob CP. O haloperidol foi listado como
uma das 25 medicações importantes no tratamento de CPs.
Outros fármacos antipsicóticos, como olanzapina 2,5 a 10 mg 1X/dia, risperidona
1-6 mg/dia e quetiapina 25-400 mg/dia, podem ser utilizados, apresentando um efeito
mais sedativo, com menor incidência de efeitos extrapiramidais. A olanzapina tam-
bém apresenta efeito antiemético, incluindo náusea e vômito por quimioterapia, por
opioides e por tumor cerebral (2,5 a 5 mg/dia).
Os benzodiazepínicos não devem ser utilizados isoladamente em pacientes com deli-
rium. Contudo, em delirium terminal, o midazolam intermitente ou contínuo é empre-
gado. Delirium hipoativo em CPs pode melhorar com o uso de metilfenidato.
Paralelamente à medicação, outras intervenções devem ser implementadas, como
avaliação da medicação em uso, correção da hidratação e das alterações eletrolíticas
e/ou metabólicas, tratamento de infecção, da obstipação, hipoxemia etc. Também é
necessário corrigir fatores que podem agravar o quadro, como imobilização do pa-
ciente, distúrbio de sono e controle da dor.
As medidas não farmacológicas fornecem um suporte importante na melhora do
quadro e buscam otimizar a orientação do paciente. A presença dos familiares junto
com o paciente diminui estranhamentos ao ambiente, bem como a presença de um
acesso a uma janela pode auxiliar no ciclo sono-vigília. A utilização de relógios e ca-
lendários também auxilia a orientação no tempo. Evitar o emprego de sondas vesicais
e nasogástricas e, sempre que possível, evitar a contenção mecânica do paciente no
leito igualmente colaboram no manejo do quadro. A abordagem da privação do sono,
além do uso de medicação, inclui proporcionar um ambiente com o mínimo de ruídos
e iluminação adequada e a organização de horários de intervenções físicas (curativos,
banho etc.) e da administração das medicações, para não interromper o período de
descanso do paciente.
Ansiedade e Depressão
Sintomas ansiosos e depressivos são comuns em pacientes com doenças neurode-
generativas. Há múltiplos fatores envolvidos no desenvolvimento de tais sintomas,
como estressores por doenças crônicas e debilitantes, efeitos diretos de doença em
tecido cerebral, efeitos colaterais de medicamentos (p. ex., oscilações por levodopa
em doença de Parkinson (DP), sintomas depressivos como efeito colateral de terapia
imunomodulatória em esclerose múltipla etc.).
Os estudos com foco nos sintomas e distúrbios de ansiedade em pacientes gra-
vemente enfermos, muitos em cuidados paliativos, são em número menor do que os
direcionados para a depressão, mas sintomas de ansiedade são frequentes nesses pa-
cientes10,11. Ansiedade é um estado psíquico de apreensão ou medo provocado pela
antecipação de uma situação desagradável ou perigosa. Interfere na saúde mental e
física dos pacientes, bem como na relação destes com a família e os cuidadores, além
de diminuir a qualidade de vida11,12.
Há pacientes que também apresentam transtornos ansiosos e transtornos de hu-
mor (incluindo o transtorno depressivo maior). A prevalência é de 25% para depressão
maior, de até 40% para transtornos de humor em geral e de até 80% de sintomas
depressivos em pacientes terminais. Já os sintomas ansiosos ocorrem em até 70% dos
casos, mas transtornos de ansiedade perfazem 15%.
Depressão não tratada potencializa a percepção de dor e diminui a capacidade de
tomada de decisão, piora a interação com familiares, diminui a capacidade de atingir
objetivos finais de vida e aumenta o risco de suicídio, bem como a morbimortalidade
clínica dos pacientes.
O impacto negativo sobre o paciente ocasionado por um quadro de ansiedade persis-
tente não tratada foi demonstrado em um estudo com 600 pacientes portadores de câncer
avançado, em que os autores reportaram menor entendimento por parte dos pacientes das
informações fornecidas pelo médico sobre o estado de saúde, desconforto em perguntar
a equipe sobre suas reais condições, dúvidas sobre as terapias oferecidas e receio de que
não terão o controle adequado de sintomas como dor no final da vida13. O diagnóstico e
a instituição precoce do tratamento são fundamentais, pois os distúrbios de ansiedade
não apresentam uma situação adaptativa, e a tendência é interferir negativamente nas
terapias para o controle de sintomas, com prejuízo da qualidade de vida do paciente.
Observa-se que a depressão na presença da proximidade da morte pode não ter
necessariamente um conteúdo patológico, e sim expressar o medo do desconhecido, a
frustração pelos sonhos e planos que não terão mais espaço para serem alcançados. A
Psicose
A ocorrência de sintomas psicóticos (delírios e/ou alucinações) é frequente em
pacientes com doença de Parkinson. Quase 20% desses pacientes experimentam alu-
cinações, usualmente visuais. Isso ocorre, via de regra, quando o paciente é idoso e
com demência. Mas também podem ocorrer em quaisquer estágios da DP como efeito
colateral de medicações antiparkinsonianas.
Os sintomas psicóticos são as situações com indicação absoluta de uso de medica-
ções antipsicóticas. Essas medicações são empregadas no manejo de outros sintomas
Sintomas Cognitivos
Os sintomas cognitivos são compostos pelas faculdades da orientação, memória,
atenção, juízo (insight), discurso (comunicação e fala) e pensamentos (incluindo racio-
cínio). Na maioria das doenças neurológicas e psiquiátricas, as alterações cognitivas
estão presentes, em menor ou maior grau.
Nas síndromes demenciais, essas alterações são praticamente presentes em todas
as funções listadas anteriormente.
Alterações Comportamentais
A agitação é um dos sintomas comportamentais mais frequentes e desgastantes
para a equipe de saúde e para a família, em CP, sendo comum causa de institucionali-
zação e aumento de utilização de recursos de saúde. Mas a apatia também pode ser um
comportamento de difícil manejo. A agitação ocorre em até 60% dos pacientes com
doença de Alzheimer (a forma mais comum de demência).
O parkinsonismo medicamentoso (ou pseudo-parkinsonismo) é a segunda causa
mais frequente de síndrome de rigidez acinética. Há bradicinesia, rigidez muscular
e alterações posturais. A polifarmacoterapia é o principal fator de risco. A maioria
ocorre nos primeiros 2-3 meses de uso da medicação. Não ocorre somente com antip-
sicóticos, mas também com antieméticos, antidepressivos, antagonistas do canal do
cálcio, anticonvulsivantes e antiarrítmicos.
A acatisia, outra condição de alteração comportamental, com inquietação e agita-
ção psicomotora, é bastante observada com o uso de antipsicóticos. Também ocorre
com antidepressivos e antieméticos.
Quando não há resposta às intervenções não farmacológicas para a agitação, além dos
antipsicóticos, o uso de anticonvulsivantes é empregado. Os antipsicóticos aumentam o
risco de quedas, de sedação e de eventos cerebrovasculares. Na agitação por demência,
os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, representados pelo citalopram e pela
sertralina, exibiram algumas evidências na efetividade em uma revisão da Cochrane.
Insônia
O sono é um fenômeno biológico essencial, um estado de intensa atividade cere-
bral, e uma de suas funções é manter a homeostase do organismo. A falta de sono
(privação) provoca diversas alterações fisiológicas e comportamentais em humanos.
Estudos mostram que o sono insuficiente, seja em quantidade e/ou em qualidade,
pode levar a disfunção metabólica, hipertensão, acidente vascular encefálico, diabetes
e doenças cardíacas, aumentando a mortalidade. A avaliação do sono é crucial nesse
contexto, assim como instituir as medidas terapêuticas necessárias.
As intervenções de “higiene do sono” são hábitos rotineiros que representam uma
intervenção comportamental destinada a promover o sono e, consequentemente, me-
lhorar sua qualidade e quantidade. As recomendações são: (i) estabelecer uma rotina
regular para deitar-se e levantar-se; (ii) tornar o ambiente de dormir agradável, com
Definição
Terapia de Sedação Paliativa (TSP) é o termo que define o uso de medicações seda-
tivas com o objetivo de aliviar sintomas intoleráveis e refratários a outros tratamentos,
pela redução intencional ou abolição do nível de consciência1. Esses sintomas seriam
definidos como refratários quando todas as outras formas de tratamento tivessem
falhado em controlá-los, sem comprometer o nível de consciência do paciente2-4.
Terapia de Sedação Paliativa (TSP) versus Eutanásia
Alguns autores descrevem a sedação do paciente terminal como uma forma de
eutanásia lenta ou misericordiosa, mas a TSP para o paciente terminal deve ser dis-
tinguida da eutanásia. Na TSP, o objetivo é aliviar o sofrimento, usando fármacos
sedativos titulados apenas para o controle dos sintomas. Na eutanásia, a intenção é
tirar a vida do paciente, administrando-se um fármaco letal, embora se utilizando do
argumento de que o objetivo é o alívio do sofrimento. Além disso, estudos têm mos-
trado que a indicação bem-feita da terapia de sedação paliativa não antecipa a morte,
afastando-a, portanto, do conceito de eutanásia5.
Classificação
A TSP corretamente indicada, na dose certa, por via adequada, não é um “atalho”
para se atingir o mesmo objetivo da eutanásia. Não existe evidência de que a TSP
administrada apropriadamente encurte a vida5,6. Para essa sedação, portanto, é muito
importante que a consciência seja reduzida até o nível suficiente para o alívio dos
sintomas, o que é individual e pode variar amplamente.
A TSP pode ser classificada conforme o grau: leve ou consciente – quando a cons-
ciência é mantida de modo que permita a comunicação do paciente – e profunda,
Indicações
As principais indicações para a TSP são: dor, delírio agitado, dispneia e convulsões.
Essa indicação deve ser avaliada pela equipe multiprofissional após serem esgotados
os esforços de cada profissional em sua atuação, para amenizar o sofrimento8. A
decisão de iniciar o tratamento com fármacos sedativos deve estar de acordo com a
vontade do paciente, da família ou do responsável legal e em consenso com a equipe
médica. Todas as pessoas envolvidas nos cuidados com o paciente devem ser infor-
madas, agregadas e encorajadas a permanecer nesses cuidados durante a sedação,
recebendo sempre o suporte da equipe multiprofissional. A prevalência de sintomas
refratários que necessitam de TSP varia de 10% a 50%, com uma mediana de 20% a
30%. Situações emergenciais podem requerer terapia de sedação paliativa urgente.
Comumente podem ser: hemorragia maciça; sensação de asfixia; dispneia terminal
intensa ou crises de dor insuportável.
A Tabela 2 resume essas indicações.
Tabela 2 – Indicações para a terapia de sedação paliativa (TSP)
Indicações Usuais
1. Dor
2. Dispneia
3. Delirium agitado
4. Convulsões
Indicações Urgentes
1. Sangramento
2. Asfixia
3. Dispneia terminal intensa
4. Crise de dor insuportável
Indicação Especial
1. Sofrimento existencial
Questões Éticas
Quando estamos diante de uma situação em que existem indicações para empregar
a Terapia de Sedação Paliativa, três aspectos éticos emergem e devem ser considera-
dos ao se decidir pelo emprego dessa técnica8. São eles:
1. Imperativo moral – diante do sofrimento decorrente de um sintoma refratário,
não é aceitável permitir que o paciente morra sofrendo. Por isso se justifica a
sedação paliativa.
2. Consentimento informado – sempre que for indicada, a sedação deve ser reali-
zada precedida do consentimento informado. As metas e os objetivos do trata-
mento devem ser discutidos com a família e o paciente, inclusive as implicações
religiosas que tal procedimento pode trazer. A decisão do paciente ou do fami-
liar mais próximo deve ser respeitada, mesmo que outros parentes opinem de
forma contrária.
3. Suspensão e contenção de medidas de sustentação da vida devem ser retira-
das (isso não é um elemento indispensável na sedação paliativa) – hidratação
e nutrição artificial. Ambas mantêm alto aporte hídrico ao organismo, pioran-
do secreções, edema, anasarca e ascite, ferindo, portanto, o princípio da não
maleficência. Mesmo para aqueles pacientes que estavam ingerindo antes da
sedação, vale assegurar à família que ele está morrendo da doença avançada, e
não por falta de nutrientes.
Pré-requisitos
1. O paciente deve ser portador de doenças graves como:
• câncer avançado incurável;
• insuficiência orgânica em fase final quando o transplante ou a terapia reposi-
tora do órgão não está disponível ou foi recusado pelo paciente;
• AIDS em fase avançada, sem resposta à TARV; recusa do paciente ou efeitos
colaterais intensos;
• doença neuromuscular avançada;
• demência avançada, incapaz de ingerir nutrição oral normal.
2. O paciente que está sofrendo com um ou mais dos seguintes sintomas:
• dor;
• dispneia;
Circunstâncias Especiais
1. Sofrimento social ou existencial intenso
Isolamento social \
Perda da dignidade > podem causar extremo sofrimento
Perda do sentido da vida / que é refratário às medidas paliativas
intensivas
Introdução
De maneira geral, a infusão de medicamentos utilizados no tratamento de diversas
enfermidades se dá pela via intravenosa (IV), em especial quando há indisponibili-
dade da via oral (VO)1. No entanto, os cateteres venosos, periféricos ou centrais, são
propensos a complicações e infecções, podendo permanecer in situ por poucos dias, o
que não permite sua utilização em cuidados de longa duração2. No caso de pacientes
em cuidados paliativos, a terapia IV muitas vezes se torna inviável por causa das con-
dições da rede venosa dos pacientes, a qual pode apresentar veias colapsadas, frágeis,
delgadas e de fácil rotura1,3. Além disso, tais pacientes podem ser incapazes de tolerar
a medicação oral por causa da doença subjacente e/ou de sintomas, como náuseas e
disfagia4. Assim, são necessárias vias alternativas para a administração de medica-
mentos5 e o uso da via subcutânea (SC) pode ser vantajoso6.
A hipodermóclise (HDC), ou terapia SC, pode ser definida como a infusão de
fluidos isotônicos e/ou medicamentos por via SC com para reposição hidroeletro-
lítica e/ou terapia medicamentosa7. A HDC se apresenta como um meio alternativo
para a realização de tratamento medicamentoso e reposição hidroeletrolítica de
forma segura e eficaz, especialmente em pacientes senis, com doenças crônicas e
em cuidados paliativos7-8. Vale ressaltar que quando um medicamento é adminis-
trado em bolus ou diluído em volume diminuto, tal aplicação não deve ser definida
como HDC, mas como “uso da via SC”9. A HDC é realizada no tecido subcutâneo,
por meio de agulha inserida em uma prega cutânea, em diferentes regiões topo-
gráficas do corpo10.
Vantagens e Desvantagens
As vantagens e desvantagens da HDC estão elencadas no Quadro 23-4,7,23-26.
Quadro 2 – Vantagens e desvantagens do uso da hipodermóclise
Vantagens Desvantagens
• Várias opções de sítios de punção • Taxa de infusão limitada a 3.000 ml em
• Fácil punção e manutenção simples 24 horas (1.500 ml por sítio); pacientes
• Maior conforto/aceitação pelo paciente com tecido SC reduzido podem ter o volu-
• Facilmente realizada no ambiente de cui- me limitado a 2.000 ml em 24 horas
dado, inclusive no domicílio • Uso limitado nas situações em que há ne-
• Pode ser realizada pelo cuidador ou pelo cessidade de rápida velocidade de infusão
próprio paciente e reposição com alto volume de fluidos
• Diminuição do potencial de sobrecarga de • Possibilidade de leve edema no local de
fluido (taxa de infusão mais lenta) inserção
• Redução de complicações • Limitações para a administração de eletró-
• Baixo risco de efeitos adversos sistêmicos litos, aditivos nutricionais e medicamentos
• Diminuição da flutuação das concentra- (ex.: inadequada para substâncias vesican-
ções plasmáticas de opioides tes, infusões ácidas e fortemente alcalinas)
• Baixo custo • Possibilidade de reações locais
• Possibilidade de alta hospitalar precoce • Não recomendada quando há necessidade
• Prevenção da desidratação de idosos de ajuste rápido de doses, já que a absor-
• Menor necessidade de supervisão da en- ção pelo tecido subcutâneo é mais lenta
fermagem, de modo que os profissionais • Absorção variável (influenciada por per-
obtêm mais tempo para outras atividades fusão e vascularização)
de atenção e conforto perante o paciente
Sítios de Punção
Escolha do sítio de punção
A escolha do sítio de punção deve visar ao conforto, à mobilidade e à independência
do paciente, assim, devem ser evitadas punções nas regiões próximas às articulações9.
Ainda, a seleção do local da punção dependerá do nível de atividade do paciente, do
tipo de medicação necessária e da espessura do tecido subcutâneo27.
Diluição
Não existe um consenso sobre a diluição de medicamentos para a infusão SC9.
Contudo, todos os medicamentos administrados por essa via devem estar na forma
líquida e diluídos7. Os diluentes que podem ser utilizados são: água para injeção, soro
fisiológico (SF) 0,9% ou soro glicosado (SG) 5%35.
Apesar de ser o diluente mais utilizado7,36, a água para injeção é contraindicada
em algumas situações por causa da maior chance de precipitação35, como no caso dos
medicamentos cetamina, octreotide e ondansetrona, os quais devem ser diluídos em
SF a 0,9%7. A diluição deve ser pelo menos igual ao volume da apresentação do medi-
camento. Ex.: morfina 10 mg/ml, ampola de 1 ml, diluir em 1 ml de água para injeção7.
Para diminuir o risco de possível reação local em razão da incompatibilidade entre o
SF 0,9% e fármacos como a ciclizina e maiores concentrações do haloperidol, pode-se
optar pela água para injeção35.
Soluções
Soluções isotônicas como SF 0,9%, solução glicofisiológica (SGF) e SG 5% são
consideradas seguras para infusão via SC7,9-10,37 (Quadro 4). Quanto ao ringer lactato,
ainda é necessário maior evidência, mas seu uso pode ser considerado seguro, pois se
trata de solução isotônica com pH próximo à neutralidade9. Eletrólitos como o cloreto
de potássio e o cloreto de sódio devem ser administrados somente após a diluição no
SF 0,9% ou SG 5%15,38.
A infusão em bolus sempre deve ser realizada lentamente. No caso de gotejamento
de infusões contínuas por ação gravitacional, equipos de microgotas devem ser utili-
zados9. O gotejamento da infusão deve ser regulado por meio de equipo com dosador
ml/h, microgotas ou bomba de infusão, com fluxo mantido em torno de 60 a 125 ml/
h7,39. Para mais detalhes da infusão de diferentes soluções, consultar o Quadro 4.
Ondansetrona
Ranitidina
Tramadol
Cefepime
Cefotaxima
Ceftriaxona
Ceftazidima
Cetorolaco
Clonazepam
Clorpromazina
Dexametasona
Dipirona
Escopolamina
Famotisina
Fentanil
Fenobarbital
Furosemida
Granisetrona
Haloperidol
Hioscina
Insulina
Levomepromazina
Cetamina
Metadona
Metoclopramida
Midazolan
Morfina
Octreotide
Considerações Finais
O uso da via SC apresenta-se como alternativa confiável no caso de impossibilidade
de uso da VO e evita algumas complicações da via IV, incluindo oclusão do dispositi-
vo, migração e flebite4,34. Existe também uma gama mais ampla de locais de infusão,
como as coxas, os braços e o abdome4. A administração SC, portanto, pode desempe-
nhar papel importante na melhora da qualidade dos cuidados paliativos12.
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Sintomas Gastrointestinais em
Cuidados Paliativos
Edison Iglesias de Oliveira Vidal
Fernanda Bono Fukushima
Avaliação
A avaliação de pacientes portadores de náusea e vômito deve levar em conta as prin-
cipais etiologias descritas na seção anterior, bem como o prognóstico do paciente, seus
objetivos de cuidados e o custo ou desconforto associado a cada estratégia diagnóstica.
A história clínica deve avaliar qualitativa e quantitativamente a percepção do pa-
ciente quanto à náusea, bem como os episódios de vômitos1,2. É importante tentar
esclarecer a presença de fatores desencadeantes dos sintomas, como movimentos,
odores, sabores, sentimentos e lembranças. Também deve ser questionada a presença
de sintomas associados, como tontura, síncope, dor abdominal, constipação, alteração
de consciência e estado emocional. Ainda, os episódios de vômito devem ser caracte-
rizados em termos de conteúdo e cor (ex.: fecaloide, biliar, alimentar e hemorrágico).
Adicionalmente, é fundamental rever todos os medicamentos em uso e tratamentos
realizados, incluindo cirurgias, radioterapia e quimioterapia e a história pregressa do
paciente que envolva náusea e vômito (ex.: distúrbios vestibulares, doenças gastroin-
testinais e transtornos psiquiátricos).
O exame físico e os exames complementares podem contribuir para a identificação
de questões como obstrução intestinal, impactação fecal, disautonomia, insuficiência
hepática, hipercalcemia, uremia e hiponatremia.
Abordagem farmacológica
Sempre que possível os medicamentos prescritos devem levar em consideração as
principais hipóteses relacionadas às causas e aos mecanismos contribuintes para a ocor-
rência de náusea e vômito1-5. Por exemplo, medicamentos anti-histamínicos (ex.: dimeni-
drinato e meclizina) são mais bem indicados para quadros de origem vestibular. Náusea
e vômito relacionados, sobretudo, com questões associadas ao córtex cerebral ou sistema
límbico são comumente tratados por bloqueadores de serotonina (ex.: ondansentron) ou
de receptores GABA (ex.: lorazepam), sendo esses últimos bastante efetivos nos casos de
náusea e vômito associados à ansiedade. Estímulos decorrentes da região esplâncnica e
da inervação vagal são usualmente tratados por bloqueadores dopaminérgicos (ex.: meto-
clopramida e domperidona) e por bloqueadores de serotonina. Naturalmente, condições
específicas, como hipercalcemia, hiponatremia, impactação fecal e úlceras pépticas, de-
vem receber tratamento específico em associação ao tratamento sintomático.
No entanto, muitas vezes não é possível identificar ou corrigir de modo específico
a(s) etiologia(s) subjacente(s) para os quadros de náusea e vômitos. Nesses casos, testes
terapêuticos podem promover ao mesmo tempo alívio e pistas quanto às causas ori-
ginais. Como a dopamina e a serotonina são os principais neurotransmissores usual-
mente envolvidos na gênese de náusea e vômito, é razoável que testes terapêuticos se
iniciem por esses medicamentos. Ao combinar diferentes tratamentos farmacológicos
para esses sintomas, deve-se buscar a associação de medicamentos com mecanismos
de ação distintos e sem a sobreposição de efeitos adversos.
Prevenção
Sempre que possível deve-se tentar antecipar a possibilidade de ocorrência de náu-
sea e vômito e adotar medidas com o intuito de tentar prevenir sua ocorrência ou
para orientar pacientes e familiares sobre seu manejo precoce. A adoção de medidas
preventivas deve levar em conta o risco individual de o paciente desenvolver náusea
e vômito com base em seu histórico relativo a esses sintomas, na patologia de base,
em comorbidades e em tratamentos. Em situações de alto risco, como ante o uso de
quimioterapia altamente emetogênica, sempre devem ser instituídas medidas preven-
tivas para uso regular na prescrição médica. Em situações de menor risco, como uma
prescrição inicial de opioides, costuma ser suficiente prescrever o uso de um medica-
mento antiemético em caso de surgimento de sintomas.
Constipação
A constipação representa um sintoma comum entre pacientes portadores de doen-
ças avançadas e pode ser definida como desconforto associado à frequência reduzida
de evacuações, cursando com fezes endurecidas e esforço evacuatório1,6. Se não trata-
da adequadamente, a constipação pode ocasionar grande sofrimento ao paciente, en-
volvendo dor e distensão abdominal, náusea e vômito, incontinência fecal e urinária,
tenesmo, impactação fecal com diarreia paradoxal, obstrução intestinal e delirium.
Infelizmente, de modo frequente, as possíveis causas de constipação não são avaliadas
cuidadosamente, como se estivéssemos diante de um sintoma menos importante.
Etiologia
Em grande parte das vezes, a constipação possui uma etiologia multifatorial em
pacientes portadores de doenças ameaçadoras da vida em fase avançada, incluindo
fatores contribuintes reversíveis e irreversíveis. Serão elencados, a seguir, os princi-
pais elementos de uma variedade desses fatores que frequentemente corroboram para
a gênese desse sintoma.
1. Medicamentos: opioides, antiácidos (ex.: sais de alumínio), bloqueadores de
canais de cálcio, betabloqueadores, antitussígenos, fármacos com efeito anti-
colinérgico (ex.: antidepressivos tricíclicos, escopolamina, fenotiazinas e anti-
-histamínicos), suplementos de ferro por via oral, anti-inflamatórios não este-
roidais, antagonistas de serotonina (ex.: ondansentron), diuréticos (por causa
da possibilidade de desidratação) e agentes quimioterápicos (especialmente os
derivados de alcaloides de vinca, como vincristina e vimblastina).
2. Distúrbios metabólicos: desidratação, hipocalemia, hipercalcemia, hiperpara-
tireiodismo, uremia, hipotireoidismo e diabetes mellitus.
Tratamento
Abordagem geral
Exames, investigações e tratamentos devem ser adequados à forma de apresen-
tação do quadro, ao estágio e ao contexto do paciente e de sua doença. A correção de
todos os múltiplos fatores contribuintes frequentemente não é possível para a maior
parte dos pacientes no fim da vida. Uma abordagem geral pode ser bastante útil e
Diarreia
A diarreia é frequentemente definida como a eliminação de fezes mais amolecidas
que o normal e que também podem apresentar-se em número aumentado e com sen-
sação de urgência9. No entanto, pacientes diferentes podem ter concepções próprias
a esse respeito e definir diarreia como episódios frequentes de evacuação, inclusive
de consistência aumentada e em menor volume. Portanto, o profissional de saúde,
diante da queixa de diarreia, deve, inicialmente, buscar esclarecer as características
do sintoma relatado. Diarreia persistente pode acarretar desidratação, desnutrição,
fadiga, hemorroidas e lesões da pele perianal.
Etiologia
A causa mais comum de diarreia na medicina paliativa provavelmente correspon-
de ao excesso de laxantes, principalmente após as doses de laxativos terem sido au-
mentadas progressivamente ante um episódio importante de constipação. Infecções
gastrointestinais agudas representam outra causa comum e usualmente têm duração
limitada a um ou dois dias.
Além dos laxantes, uma variedade de medicamentos também pode contribuir para
a ocorrência de diarreia, como quimioterápicos (ex.: fluoropirimidinas e inibidores
da topoisomerase I), antiácidos, antibióticos e medicamentos que contenham subs-
tâncias como lactose, sorbitol, propileno glicol e polietileno glicol9,10. Antibióticos po-
dem gerar intolerância à lactose de forma temporária e a resolução da diarreia pode
demandar a retirada de derivados do leite da alimentação seguida de reintrodução
gradual após a resolução da diarreia11. Alguns medicamentos podem causar tanto
diarreia como constipação. Esse é o caso dos suplementos de ferro por via oral, AINEs
(especialmente diclofenaco, indometacina e ácido mefenâmico).
Avaliação
A história clínica deve analisar o aspecto e a frequência dos episódios evacuató-
rios, bem como a duração dos sintomas, sendo consideradas diarreias crônicas aque-
las com duração superior a três semanas. Naturalmente, deve-se realizar revisão de
medicamentos em uso atual e prévio, bem como de tratamentos cirúrgicos, seções de
radioterapia e comorbidades.
O exame físico deve excluir a possibilidade de obstrução intestinal e de impactação
fecal. Em casos de dúvida, a radiografia simples de abdome pode ser bastante útil.
A observação do aspecto das fezes pode indicar a presença de melena e outros diag-
nósticos. Diarreia aquosa e profusa sugere diarreia de origem colônica, enquanto fezes
pálidas, gordurosas e flutuantes sugerem esteatorreia associada a quadros disabsortivos.
Exames complementares podem incluir a pesquisa de leucócitos nas fezes, de
toxina de Clostridium difficile, coprocultura, exame parasitológico, medição de os-
molalidade fecal e concentração de sódio e potássio fecais, bem como a realização
de colonoscopia, de acordo com a situação clínica de cada paciente e seus objetivos
de cuidados.
Tratamento da diarreia
A abordagem geral para o tratamento das diarreias envolve a hidratação dos pa-
cientes, usualmente pela via oral, embora a via venosa ou subcutânea também possa
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Introdução
Praticamente todos os pacientes no processo de fim de vida passam por um padrão
de sintomas e sinais nos dias anteriores à morte. Essa trajetória é frequentemente
referida como “morte ativa” ou “morte iminente”. O reconhecimento imediato dessa
trajetória é fundamental para que os médicos forneçam as intervenções mais adequa-
das para o paciente e sua família.
A trajetória das doenças de fim de vida traz diferentes demandas e desafios para
pacientes, familiares e equipe de saúde. O processo de morte ativa é caracterizado
pelo aumento da prevalência e da intensidade dos sintomas físicos, psicossociais e
espirituais. A abordagem das questões de fim de vida de forma coerente com os valo-
res culturais, religiosos e espirituais do paciente e de sua família é primordial para o
controle dos sintomas desconfortáveis nessa fase.
Preocupações familiares nessa fase são comuns, e os familiares presentes durante o
processo de fim de vida geralmente expressam as seguintes preocupações/perguntas:
• Meu ente querido está com dor? Como saber?
• Ele não vai se alimentar e isso não pode acelerar sua morte?
• O que devemos esperar? Como saber que o tempo é curto?
• Será que eu/nós devemos ficar à beira do leito?
• Nosso ente querido pode ouvir o que estamos dizendo?
• O que fazemos depois da morte de nosso ente querido?
Definição
Não há um consenso na literatura quanto à definição precisa do que sejam as últi-
mas horas de vida, porém, a identificação da exacerbação de sintomas e o manejo de-
les nesse momento, que exige alteração do planejamento de cuidados, são primordiais.
Para o manejo de cuidados ao paciente em fase final de vida é importante a defi-
nição correta desse momento. A fase de terminalidade deve ser considerada quando
se esgotam as possibilidades de resgate das condições de saúde e a possibilidade de
morte próxima parece inevitável e previsível - sendo considerada nos próximos seis
meses de vida. Por sua vez, o conceito de fase final de vida ou processo ativo de morte
é considerado quando os sintomas se exacerbam e começa a emergir um quadro de
morte próxima e irreversível, com sobrevida de horas a dias. Esse quadro também
pode ser conhecido como “últimas quarenta e oito horas” ou “agonia terminal”.
Para a eficácia desse processo, a atuação de uma equipe multidisciplinar é fun-
damental, visto que, além do controle de sintomas físicos, é necessário haver apoio
psicossocial e boa comunicação com o paciente e seus familiares, visando auxiliar a
adaptação do paciente e da família a essa nova realidade.
Os sintomas mais comuns que podem surgir nas últimas semanas de vida e que
se intensificam nos últimos dias são: anorexia, dor, dispneia e delirium e é possível
que tais sintomas não ocorram sequencialmente e que a morte se dê rapidamente.
Por outro lado, caso esses sintomas sejam desenvolvidos em dias, e não em semanas,
torna-se importante excluir causas reversíveis para a deterioração, sendo obrigatório
afastar, entre outras fontes, efeitos adversos a medicamentos.
Cabe ressaltar que muitos desses sintomas podem ser exacerbados por aspectos
que vão além do biológico, e o sofrimento pode ser intensificado por componentes
psicológicos, sociais, espirituais e/ou existenciais perante a iminência da morte3.
Identificação da Terminalidade
Para cuidar dos pacientes moribundos é essencial “diagnosticar o morrer”. No en-
tanto, diagnosticar o quadro de terminalidade é, muitas vezes, um processo complexo.
As trajetórias de inteligência podem fornecer uma estrutura para abordar as expecta-
tivas dos pacientes e familiares sobre o que acontecerá em relação à saúde antecipada.
Distintas trajetórias de doenças foram reconhecidas na literatura médica. Um grande
estudo observacional descreveu trajetórias de doença distintas de fim de vida por fra-
gilidade/demência, câncer e falência de órgãos (Figura 1):
Pesquisas subsequentes lançaram alguma controvérsia sobre a validade desses
achados, particularmente se as internações podem ter um papel mais significativo no
padrão de declínio do que a própria doença específica.
Fragilidade/demência: um padrão de diminuição da deficiência cognitiva e/ou físi-
ca que pode progredir ao longo de vários anos4. Setenta por cento dos pacientes com
demência necessitam de assistência quando apresentam aumento da dependência
Prognostificação
A decisão de continuar ou suspender o tratamento no momento de morte ati-
va é fortemente influenciada pelo conhecimento do prognóstico pelo paciente17. O
momento apropriado para o início do cuidado paliativo é considerado um ponto
crucial para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos18, sobretudo quando o tra-
tamento específico lhes é agressivo ou mesmo prejudicial. No caso de uma elevada
possibilidade de óbito ser considerada por parte da equipe médica, o uso da questão
surpresa (“Você se surpreenderia se o paciente morresse nos próximos 12 meses?”)
é um indicador de que ele poderia ser elegível para cuidados paliativos19. A questão
surpresa não é um parâmetro definitivo para cuidados paliativos, devendo ser con-
siderada uma ferramenta nos casos em que a equipe de assistência tenha dificuldade
em identificar o processo de terminalidade. Um estudo demonstrou que, através
do uso da questão surpresa, os médicos estimaram corretamente a morte, em um
ano, em 69% dos pacientes, porém, apenas 25% receberam cuidados de fim de vida
e 2,7% tiveram consulta de cuidados paliativos; 60,5% tiveram uma ordem de não
ressuscitação e 43% morreram no hospital20.
Os médicos tendem a ser excessivamente otimistas quando lidam com o prognóstico.
Em um estudo, solicitou-se que 343 médicos fornecessem estimativas de sobrevivência
para 468 doentes terminais no momento da indicação para cuidados de fim de vida.
Apenas 20% das previsões foram precisas (conforme definido em 33% da sobrevivência
real). Em geral, os médicos superestimaram a sobrevida por um fator de 5,3 vezes21.
Todo tipo de médico tende a superestimar, embora os médicos mais experientes têm
Manejo de Sintomas
O manejo de sintomas exacerbados é contexto fundamental para um quadro de
terminalidade com menor sofrimento, suavizando a agonia final, além de evitar trata-
mentos que possam ser considerados fúteis nessa fase. Os sintomas mais indicativos
dessa fase e sua conduta são descritos a seguir.
Anorexia: no processo de morte ativa as atividades metabólicas diminuem, oca-
sionando uma perda de apetite natural. O indivíduo nesse processo pode não ter ne-
nhuma ingesta de alimentos, e a aceitação de líquidos se torna progressivamente mais
difícil. Forçar a alimentação por meio do uso de sondas enterais pode ser considerado
uma medida fútil ou até danosa. A administração de nutrição artificial, tanto enteral
quanto parenteral, está associada a comorbidades e não contribui para o alívio de ne-
nhum sintoma ou reversão do quadro. Hidratar os lábios com gaze molhada ou cubos
de gelo pode trazer mais conforto32.
Dor: uma morte livre de dor é um tema central para pacientes, familiares e a
equipe de assistência ao definir uma “boa morte”33 , e a dor é um sofrimento comum
no morrer34 . Uma revisão identificou apenas dois estudos sobre o tratamento da
dor na morte ativa, que abordaram o uso de morfina e fentanila, mas a interpreta-
ção dos resultados é variável, limitando sua contribuição para evidências. Estudos
de opioides em populações que estão morrendo são desafiadores. É claramente es-
perado um efeito analgésico de opioides, tornando os grupos controlados com pla-
cebo eticamente injustificados. No entanto, problemas de absorção alterada, meta-
bolismo e eliminação de opioides em pacientes que estão morrendo podem afetar a
eficácia do tratamento e os perfis de efeito adverso35,36. Embora a sedação paliativa
possa ser indicada para dor refratária, a dor descontrolada não foi uma indicação
em muitos trabalhos37.
Delirium: o delirium é uma alteração aguda e flutuante no estado mental,
acompanhada de interrupção do ciclo sono/vigília, desatenção e percepções alte-
radas (alucinações/delírios). O delirium pode ser hipoativo ou hiperativo e muitas
vezes multifatorial1. A causa identificável mais comum de delirium no ambiente
hospitalar são os fármacos: anticolinérgicos (p. ex., fármacos antissecretórios,
antieméticos, anti-histamínicos, antidepressivos tricíclicos etc.), os sedativo-hip-
nóticos (p. ex., benzodiazepínicos) e os opioides. Outras causas comuns incluem
distúrbios metabólicos (elevação de sódio ou cálcio, baixa glicose ou oxigênio),
infecções, doenças do SNC ou retirada de droga/álcool. O medicamento de es-
colha para controle do quadro na maioria dos pacientes é um eurocéptico. Um
estudo de revisão encontrou evidências limitadas que apoiam o uso de midazolam
e clorpromazina para agitação terminal38 em dois estudos de sedação paliativa 37.
Nenhum estudo relatou especificamente sobre efeitos adversos nem sobrevida re-