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A FRANCA NAS VÉSPERAS DA REVOLUÇÃO

Nas vésperas da revolução, 28 milhões de franceses viviam enquadrados num regime


social profundamente injusto e desigualitário. A velha sociedade de ordens de Antigo
Regime repousava na defesa dos privilégios da natureza e do claro, ordens que
representavam apenas 2% da população.
Nas mãos dos nobres concentravam-se as rendas provenientes da posse de ¼ do solo
francês, a quase totalidade dos cargos ministeriais e diplomáticos, bem como os
lugares cimeiros do exercito e da hierarquia religiosa.
Quanto ao claro, pertenciam-lhes 10% das terras mais ricas da França das quais
recolhiam numerosas rendas e direitos de origem feudal. Somava-se-lhes a dízima
eclesiástica, a que nem os nobres ou os reis escapavam. À semelhança da nobreza, a
ordem eclesiástica não pagava impostos à Coroa.
No ceio do 3 estado , os camponeses totalizavam 80% da população. Arrendatários na
sua maioria, suportavam pesadas cargas tributarias. A pauperização torná-los-ia uma
grande força de oposição, habitualmente aproveitada nos momentos críticos que a
França revolucionaria atravessou a partir de 1789.
Muito melhor não era a situação do povo miúdo das cidades, que buscava emprego
nas manufaturas, nos portos, nos serviços domésticos. Vitima dos magros salários e
seduzido pelas criticas aos ricos e privilegiados que se atrevia a ler nos imensos
opúsculos e panfletos que pelas ruas circulavam, ei-lo pronto para a violência logo que
o preço do pão subia.
Bem mais desafogados viviam os proprietários da manufaturas, os grandes mercadores
e os homens de negocias bancários, que aplicavam as suas fortunas na compra de
imóveis citadinos e de bens fundiários. Esta burguesia endinheirada constituía a elite
do Terceiro Estado.
Entre o povo miúdo e os grandes burgueses, encontravam-se os mestres de ofícios e
lojistas, os advogados, os médicos, os intelectuais. Hoje inclui-los-íamos na pequena e
media burguesia.
Se heterogéneos em bens e interesses, os estratos burgueses partilhavam dos mesmos
ódios e frustrações. Nas lojas maçónicas, nos salões ou nos cafés invocavam os
direitos humanos da liberdade e da igualdade. E criticavam os privilégios que o
nascimento reservava aos nobres, a seus olhos considerados ociosos e iletrados.
Mas instruídos e trabalhadores, os burgueses viam, com profunda mágoa, fugir-lhes os
altos postos na administração publica, restando-lhes no exercito os lugares de oficial
subalterno. As ambições politicas conduzi-los-iam à contestação e a destruição do
Antigo Regime.

A CONJUNTURA ECONÓMICO-FINANCEIRA
Em 1789, a Franca afigurava-se aos olhos do mundo, um pais prospero. Os seus
burgueses das cidades de Bordéus, Nantes e La Rochelle faziam fortunas com o
comercio colonial estabelecido com as Antilhas. Paris era uma grande metrópole e o
luxo de Versalhes servia de inspiração as demais cortes europeias.
Uma crise profunda minava, porem, a economia do reino. Os proprietários agrícolas
debatiam-se, na ultima década, com a baixa dos preços e dos lucros do trigo e do
vinho. Nas vésperas da Revolução, violentas tempestades fizeram perder as colheitas
em varias regiões de França e subir os preços. A psicose da fome, sempre má
conselheira, instalou-se.
Melhores tempos não atravessava a industria, em virtude do tratado de livre-câmbio
assinado em 1786, que favorecia a importação dos tecidos ingleses. Dois anos depois,
a França registava mais de 2000000 desempregados no sector têxtil. À crise económica
somava-se o défice crónico das finanças. As receitas não chegavam para cobrir as
despesas do Estado. Estas relacionavam-se com o exercito, constantemente envolvido
em guerras; com as obras publicas e a instrução; com os gastos impopulares da Corte;
com as pensões a antigos soldados ou servidores do Estado; com os próprios encargos
da divida publica ocasionados pelos sucessivos empréstimos.
Não era a pobreza de recursos da França que originava este défice cronico das
finanças, mas a injusta sociedade de ordens que isentava de contribuições o clero e a
nobreza, privando os cofres reias de ampliarem as sua receitas.
A reforma do sistema tributário esteve, por conseguinte, entre as grandes
propriedades do poder politico.

A INOPERANCIA DO PODER POLITICO E O


AGRAVAMENTO DAS TENSÕES SOCIAS
Luis 16, monarca absoluto de direito divino, subiu ao trono em 1774. O seu reinado
ficou desde logo marcado por tentativa varias de resolução da crise económico-
financeira. O ministro Turgot liberalizou o comercio dos cerais e propôs que a corveia
real fosse substituída por uma subvenção territorial que abrangia todos os
proprietários. Os privilegiados alarmaram-se e Luis 16 despediu o ministro.
O mesmo destino tiveram Necker, Calonne e Brienne, que procuraram reformar a
administração local e o sistema fiscal, abolindo privilégios tributários e nivelando os
impostos que as varias províncias e ordens sociais deveriam pagar. Os Parlamentos e a
Assembleia dos Notáveis, organismos controlados por representantes da nobreza,
moveram uma cerrada e permanente oposições às tentativas de reformas politicas.
Num ato de completa demagogia, fizeram crer que a miséria do povo se devia não as
isenções fiscais dos privilégios, mas sim à incompetência do absolutismo régio, que
chegaram a repudiar. Por isso, contribuíram para o clima de violência, pilhagens e
motins vividos em 1787, 1788,1789, quando a fome e o desemprego cresceram.
Incapaz de suster a reação nobiliárquica e de por cobro à agitação social, Luis 16
convocou os Estados Gerais para Maio de 1789. Convidou, ao mesmo tempo, os
Franceses a exprimirem as suas reclamações e os seus anseios.
Os Cadernos de Queixas, então elaborados, dão-nos conta dos antagonismo e tensões
vividos na sociedade francesa. Neles se fizeram ouvir nobres e clérigos, burgueses,
povo da cidade e do campo. Somos, sobretudo, tocados pelas denuncias do Terceiro
Estado relativamente aos impostos e aos humilhantes direitos senhoriais. De uma
monarquia controlada por uma constituição e assembleias pretendia-se a salvaguardar
da liberdade individual e da justiça social. Se o absolutismo merecia a contestação,
jamais , porem, a monarquia era posta em causa. Do rei os Franceses esperavam
remedio para as infelicidades.

A NAÇÃO SOBERANA
A abertura dos Estados Gerais teve lugar em Versalhes, a 5 de Maio de 1789, no meio
da maior expectativa. Não só porque, desde 1614, o absolutismo frances abandonara a
consulta daquela assembleia, mas , especialmente, porque o 3 estado reivindicava o
voto por cabeça e não por ordem.
Já num opusculo publicado em janeiro de 1789, o abade Sieyes lembrava que o 3
estado era “ Tudo”, até ao presente fora “ Nada” , pelo que pretendia “ Tornar-se
qualquer coisa”. Contudo, as expectativas do Terceiro Estado saíram goradas. O claro e
a nobreza revelava-se intransigentes na defesa do voto por ordem, o que
naturalmente, os favorecia. Quanto a Luis 16, mostrou-se simplesmente incapaz de
decidir .
Foi neste impasse que a 17 de Junho, eclodiu o primeiro acto revolucionário.
Considerando-se representar, pelo menos 96% da população francesa, os deputados
do 3 estado proclamaram-se Assembleia Nacional. A esta caberiam, de futuro, todas as
decisões que o monarca deveria executar.
Em consequência a nação soberana, e não Deus como até então se dizia, tornou-se a
fonte do poder legitimo e a nova autoridade politica. A monarquia absoluta chagara ao
fim!
Uma ves que, a 20 de Julho, os deputados pronunciaram o celebre juramente da Sala
do Jogo da Péla, de não se separarem enquanto não redigissem uma Constituição para
França, a nova Assembleia recebeu o nome de Assembleia Nacional Constituinte.

A TOMADA DA BASTILHA
A transformação dos Estados Gerais em Assembleia Nacional mostrou estar em curso
na França um processo revolucionário que Luis 16 não desejou e jamais controlou.
A mesma conclusão pode ser extraída daquele que é o acontecimento emblemático da
Revolução Francesa- a Tomada da Batilha- ocorrida a 14 de Julho de 1789. Tratou-se
de uma ação violenta do povo parisiense, revoltado com a alta dos preços do pão e
indignado com a desconfiança do rei face à Assembleia.
Na verdade, desde inícios de Julho, Luis 16 mandara colocar às portas de Paris 50 mil
homens armados. Receosa de uma “ conjuntura aristocrática”, a burguesia
empreendeu a formação de uma milícia, que veio a ser a Guarda Nacional.
Na Bastilha, fortaleza-prisão do absolutismo, procuraram-se as necessárias armas.
Nada deteve a multidão que para lá se dirigiu. A Bastilha foi demolida e o governo
massacrado. A Nação mais humilde salvava a Nação burguesa representada na
Assembleia!

A ABOLIÇÃO DOS DIREITOS FEUDAIS


Logo na segunda quinzena de julho e inícios de agosto de 1789, a França foi varrida por
uma autentica revolução camponesa, de contornos semelhantes a uma jacquerie de
Antigo Regime. Pressionados pela fome, sucessivamente agravada pelas más colheitas
dos últimos anos, os camponeses lutaram pela emancipação completada terra e pela
libertação individual das cargas feudais. Atacaram castelos, queimaram arquivos
senhorias, onde constavam os registos feudais, e, inclusive, mataram senhores que
lhes faziam frente. Este movimento impulsivo e irracional, conhecido por Grande
Medo, levaria os nobres a consentirem na supressão dos direitos e privilégios feudais.
Na noite de 4 de agosto de 1789, a Assembleia determinou a abolição das corveias e
servidões pessoais; a supressão da dizima à Igreja; a possibilidade de resgatar rendas e
foros; a eliminação das jurisdições privadas; a supressão da venalidade ( compra) dos
cargos públicos e a consequente livre admissão aos empregos públicos civis e militares.
Finalmente , a sociedade do Antigo Regime, fundada nos particularismos e nos
privilégios, dava lugar a uma sociedade live baseada a igualdade de todos perante a
lei. Não sem razão , os franceses comemoravam a abolição dos privilégios com a
plantação de arvores de liberdade!

A DELCARAÇÃO DOS DIRETOS DO HOMEM E DO


CIDADÃO
Entenderam os deputados da Assembleia Nacional Constituinte a necessidade de
elaborarem uma Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que legitimasse as
conquistas obtidas em relação ao rei e aos privilégios e, simultamenamete
fundamentasse a futura Constituição. Depois de uma serie de projetos, o texto final
ficou aprovado em 26 de Agosto de 1789. Considerada a certidão de óbito do Antigo
Regime, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão lançou as bases da nova
ordem social e politica. Proclamou que “ os homens nascem e permanecem livres e
iguais em direitos” e enumerou esses direitos: a liberdade, a propriedade, a segurança
e a resistência à opressão. Ao faze-lo, condenou os privilégios da sociedade de
ordens. A Declaração francesa é o primeiro texto publico do libertismo politico,
encarando o Homem , também , como um cidadão competente para intervir na
governação. Teve uma grande repercussão num mundo onde ainda dominavam as
monarquias absolutas e os privilégios senhoriais, inspirando, por isso, muitas
sublevação e documentos similares.

A CONTITUIÇÃO CIVIL DO CLERO


Primeiro braço do reino na sociedade francesa de Antigo Regime, o clero viu-se
despojado pela Revolução de todos os seus privilégios. Como qualquer outra entidade
senhorial, sofreu a abolição dos direitos feudais. Seguiu-se, em 2 de Novembro de
1789, o confisco dos seus bens, declarados à disposição da nação. Desprovido de
rendimentos, o clero, foi então , reorganizado.
A Constituição Civil do Clero, votada pela Assembleia em 12 julho de 1790, atribuiu
aos membros do claro secular ( bispos, arcebispos) a simples qualidade de funcionários
do Estado. Exigia-lhes , tbm , um juramento de fidelidade a Nação e ao rei.
Quanto ao claro regular, ficou condenado a extinção, em virtude da supressão das
ordens e congregações religiosas. A constituição Civil Do Clero foi um dos diplomas
mais controversos da Revolução. Mereceu a condenação do Papa, em marco e abil de
1791 e dividiu os Franceses. Regiões houve, especialmente no Oeste, que se
manifestaram fiéis aos padres refratários.
O próprio Luís 16 jamais quis ter por capelões padres revolucionários.

A REORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E
ECONÓMICA
Coube á Assembleia Nacional Constituintes a instituição de uma nova organização
administrativa, mias descentralizada. A 15 de fev de 1790, as antigas províncias deram
lugar a 83 departamentos, divididos em distritos, cantões e comunas. Nestas
circunscrições, órgãos eleitos e funcionários pagos pelo Estado encarregavam-se de
aplicar as leis, superintender no ensino, na salubridade, nas obras publicas , no
policiamento, na cobrança de impostos e no exercício da justiça. Estabeleceu-se um
nova fiscalidade: de futuro, todos os grupos sociais ficaram sujeitos ao imposto direto
sobre receitas e rendimentos.
No que se refere a organização económica , empreendeu-se a unificação do mercado
interno, eliminando-se as alfandegas internas e os monopólios. Previu-se, igualmente
um uniforme sistema de pesos e medidas que facilitasse as trocas. Quanto a
agricultura, invocou-se a liberdade de cultivo e de emparcelamento; no entanto,
salvaguardaram-se os baldios, no interesse do campesinato mais pobre. Para a
industria, as medidas foram mais radicais. Aboliram-se as corporações e declarou-se a
liberdade da empresa. Em suma, instituiu-se o principio da liberdade económica.

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