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Na disfunção diastólica, as manifestações clínicas

podem ser semelhantes às da disfunção sistólica. Os


dados clínicos sugestivos de disfunção diastólica são:
ausência de impulsões visíveis no precórdio, ictus
cordis pouco impulsivo e sem desvio, presença de
quarta bulha e predomínio da congestão pulmonar em
relação às manifestações de baixo débito.
Introdução Ver Quadro 179.1.
A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome
caracterizada por anormalidades da função ventricular Fatores precipitantes
esquerda e da regulação neuro-hormonal, acompanhada • Infecção
de intolerância ao esforço, retenção hídrica e redução da • Interrupção de medicação
expectativa de vida. • Ingestão hídrica ou salina excessiva
As alterações hemodinâmicas, a ativação simpática
• Isquemia miocárdica
e os níveis plasmáticos elevados de norepinefrina
• Embolia pulmonar
desempenham papel primário na progressão da
• Insuficiência renal
disfunção ventricular esquerda e no prognóstico da
insuficiência cardíaca. Isso se deve aos efeitos nocivos • Anemia
diretos da norepinefrina no miocárdio, à taquicardia, ao • Hipertensão arterial não controlada
aumento do consumo de oxigênio e ao potencial para • Arritmias (fibrilação atrial e taquicardia)
arritmias ventriculares, além de ativação dos sistemas • Etilismo
renina-angiotensina e arginina-vasopressina. • Disfunção tireoidiana
É a principal causa de internação no SUS em • Medicamentos (anti-inflamatórios, bloqueadores
pacientes com idade igual ou superior a 65 anos. de cálcio, tiazolidinedionas).
A prevalência no Brasil é de cerca de 2.000.000 de
casos por ano (Datasus, 2007). Ver Quadro 179.1.

Causas Quadro 179.1 Dados clínicos relacionados com a etiologia


da insuficiência cardíaca.
A insuficiência cardíaca pode ser decorrente de
Etiologia Dados clínicos
disfunção ventricular sistólica e/ou diastólica.
Cardiopatia Especialmente se houver fatores de risco,
Disfunção sistólica. Diminuição da capacidade
isquêmica angina ou disfunção segmentar
contrátil do miocárdio, que é acompanhada de queda do
Hipertensão Frequentemente associada a hipertrofia
débito cardíaco. As manifestações clínicas são arterial ventricular e fração de ejeção preservada
decorrentes do hipofluxo periférico. Causas: doença Doença de Especialmente se houver dados
arterial coronariana, doença de Chagas, cardiomiopatia Chagas epidemiológicos sugestivos
(alcoólica, periparto, dilatada idiopática). Cardiomiopatia Cardiomiopatia dilatada, restritiva e displasia
Disfunção diastólica. Responsável por 30% dos casos. arritmogênica do ventrículo direito
Há preservação da capacidade contrátil miocárdica, mas Medicamentos Agentes quimioterápicos
a distensibilidade fica limitada, com redução da Sustâncias Álcool, cocaína, microelementos (mercúrio,
complacência ventricular. Maior resistência ao tóxicas cobalto e arsênio)
enchimento ventricular leva a manifestações clínicas Doenças Diabetes, hipo/hipertireodismo, doença de
endócrinas Cushing, insuficiência suprarrenal,
predominantemente para o lado pulmonar,
feocromocitoma, hipersecreção do
consequência de hipertensão venocapilar. Causas:
hormônio de crescimento
hipertensão arterial, cardiopatia isquêmica, Nutricional Deficiência de selênio, tiamina, carnitina,
cardiomiopatia hipertrófica, amiloidose, obesidade, caquexia
hemocromatose, infiltração amiloide do miocárdio em Infiltrativa Sarcoidose, amiloidose, hemocromatose
idosos (presbicardia). Doença Fístula arteriovenosa, beribéri, doença de
Disfunção sistólica e diastólica. Comprometimento da extracardíaca Paget, anemia
capacidade contrátil e da distensibilidade do miocárdio. Outras Periparto, cardiomiopatia do HIV, doença
Causas: cardiopatia isquêmica, cardiomiopatias. renal crônica
Manifestações clínicas comum causa fadiga, palpitação, dispneia ou dor
anginosa
Ver Quadros 179.2 e 179.3 e Figura 179.1.
IV Pacientes com doença cardíaca, causando incapacidade
Para saber mais de executar qualquer atividade física sem
Edema pulmonar cardiogênico desconforto. Sintomas de insuficiência cardíaca ou da
É uma grave manifestação de falência ventricular esquerda, síndrome anginosa podem ocorrer mesmo em
resultante de edema intersticial e extravasamento de líquido para repouso. Se qualquer atividade física for realizada, o
dentro dos alvéolos, podendo haver rompimento de capilares, desconforto aumenta
causa da expectoração hemoptoica.
O paciente apresenta-se com taquipneia, tosse, expectoração
Exames complementares
rósea e espumosa, sensação de sufocação, sudorese, retração dos
espaços intercostais e uso da musculatura respiratória acessória. • Radiografia de tórax: auxilia no diagnóstico da
Na ausculta pulmonar, percebe-se estertores desde as bases doença de base e da repercussão pulmonar
até os ápices. (redistribuição da circulação pulmonar, grau de
Medidas terapêuticas devem ser instituídas com urgência, congestão, derrame pleural) (Figura 179.2)
incluindo oxigênio, morfina, vasodilatadores (nitratos e
• Ecocardiograma: fornece informações anatômicas
nitroprussiato de sódio), diuréticos (furosemida, IV).
(dimensão das câmaras cardíacas, configuração
geométrica, espessura das paredes, massa
Quadro 179.2 Elementos essenciais para avaliação clínica do
miocárdica) e funcionais (função sistólica
paciente com insuficiência cardíaca.
segmentar, função sistólica global e função
Avaliação Dados clínicos
diastólica, fração de ejeção) (Figuras 179.3 e 179.4)
Dispneia, ortopneia, dispneia paroxística
Manifestações
noturna, palpitações, síncope, dor
• ECG: não mostra alterações específicas de
clínicas disfunção ventricular, mas pode ser importante para
torácica, fadiga, insônia, tosse
História familiar, diabetes hipertensão o diagnóstico da doença cardíaca
Fatores de risco
arterial, etilismo, tabagismo, dislipidemia • Cintilografia miocárdica: útil na avaliação
Infarto do miocárdio, operação/intervenções funcional e prognóstica da IC, particularmente em
Antecendentes
cardíacas pacientes com doença coronariana
Estado geral Peso, enchimento capilar • Avaliação hemodinâmica e angiocardiográfica:
Frequência, ritmo, amplitude, pulso
Pulso indicada em casos selecionados para estabelecer o
alternante
diagnóstico etiológico e para a definição de condutas
Pressão arterial Sistólica e diastólica
terapêuticas especiais
Sinais de Ingurgitamento jugular, edema, estertores
hipervolemia crepitantes, ascite, hepatomegalia, ascite • Peptídio natriurético atrial (BNP): elevado em
Frequência respiratória, estertores pacientes com insuficiência cardíaca congestiva,
Pulmões
crepitantes, derrame pleural, cianose relacionando-se diretamente à gravidade da doença e
Cardiomegalia, presença de terceira/quarta ao prognóstico. Pode ser usado para monitorar a
Coração bulha, sopro digestivo de disfunção resposta ao tratamento
valvar, ritmo de galope • Dosagem de eletrólitos.

Quadro 179.3 Classificação funcional da New York Comprovação diagnóstica


Association.
• Dados clínicos são suficientes para o
Classe Descrição reconhecimento da síndrome clínica (Quadro 179.2
I Pacientes com doença cardíaca, mas sem limitações
e Figura 179.1)
decorrentes de atividade física. A atividade física
comum não causa fadiga indevida, palpitações,
• Exames complementares possibilitam conhecer
dispneia, nem dor anginosa características anatômicas e funcionais do coração
II Pacientes com doença cardíaca, causando discreta • Exames complementares para comprovar a
limitação da atividade física. Eles se sentem etiologia.
confortáveis em repouso. A atividade física comum
provoca fadiga, palpitações, dispneia ou dor anginosa
III Pacientes com doença cardíaca, causando acentuada
limitação da atividade física. Eles se sentem
confortáveis em repouso. Atividade física aquém da
■ Reduzir ou suprimir ingestão de bebidas
alcoólicas
■ Exercícios de acordo com o grau de
insuficiência cardíaca.

Ver Figura 179.5 para escolha do esquema


terapêutico.

Figura 179.1 Esquema do quadro clínico da insuficiência


cardíaca.

Figura 179.3 Insuficiência cardíaca. A. Observar ao modo


M a dilatação do ventrículo esquerdo (VE) com perda da
contração (espessamento sistólico do septo interventricular e
da parede posterior), o que representa uma disfunção
sistólica importante. VD = ventrículo direito; P Post =
Figura 179.2 Insuficiência cardíaca. A radiografia de tórax parede posterior. B. No mesmo paciente foi realizado o
cálculo da fração de ejeção pelo método de Simpson (21%).
mostra aumento importante da área cardíaca com sinais de Valor menor que 30% significa disfunção sistólica
congestão nos hilos e nas bases pulmonares. importante.

Tratamento
• Determinar a etiologia e remover a causa, quando
possível (p. ex., tratamento cirúrgico de valvopatias,
revascularização miocárdica na doença arterial
coronariana)
• Eliminar ou corrigir fatores precipitantes (anemia,
infecções, tireotoxicose, embolia pulmonar)
• Medidas não farmacológicas e modificações do
estilo de vida:
■ Reduzir o peso, se o paciente for obeso
■ Dieta hipossódica (3 a 4 g de cloreto de
Figura 179.4 Insuficiência cardíaca. Observar nesta projeção
sódio/dia) ecocardiográfica apical a dilatação das câmaras cardíacas
■ Restrição hídrica nas formas mais graves com disfunção ventricular esquerda importante. AD = átrio
direito; AE = átrio esquerdo; VD = ventrículo direito; VE =
ventrículo esquerdo.
Quadro 179.4 Inibidores da enzima de conversão da
angiotensina na insuficiência cardíaca.
Fármaco Dose inicial Dose-alvo
Captopril 6,25 mg, 2 vezes/dia 50 mg, 3 vezes/dia
Enalapril 2,5 mg, 2 vezes/dia 10 mg, 2 vezes/dia
Ramipril 1,25 mg, 2 vezes/dia 5 mg, 2 vezes/dia
Lisinopril 2,5 mg/dia 10 mg/dia
Trandolapril 1 mg/dia 2 mg/dia
Figura 179.5 Diagrama para escolha do esquema
Benazepril 2,5 mg/dia 10 mg/dia
terapêutico na insuficiência cardíaca. BRA = bloqueadores
Fosinopril 5 mg/dia 20 mg/dia
dos receptores da angiotensina. Perindopril 2 mg/dia 8 mg/dia
Reações adversas: hipotensão arterial sintomática, tosse seca,
hiperpotassemia, elevação transitória da creatinina.
Tratamento medicamentoso
• Inibidores da enzima de conversão da angiotensina Quadro 179.5 Betabloqueadores na insuficiência cardíaca.
(IECA) (Quadro 179.4) Fármaco Dose inicial Dose-alvo
• Digoxina, VO, 0,25 mg/dia (ver Capítulo 613, Bisoprolol 1,25 mg, 1 vez/dia 10 mg/dia
Intoxicação Digitálica): deve ser utilizada em Metoprolol 12,5/25 mg, 1 vez/dia 200 mg/dia
pacientes classes funcionais III/IV ou naqueles que Carvedilol 3,125 mg, 2 vezes/dia 50 mg/dia
permanecem sintomáticos após o emprego de Nebivolol 1,25 mg, 1 vez/dia 10 mg/dia
diuréticos, IECA e betabloqueador
• Furosemida: doses e vias de administração são Prevenção
definidas pela resposta terapêutica (tiazídicos são • Tratar adequadamente a hipertensão arterial,
pouco eficazes quando utilizados isoladamente) dislipidemias, insuficiência coronariana, valvopatias
• Espironolactona, VO, 25 a 50 mg/dia. Indicada em • Uso precoce de inibidores da enzima de conversão
pacientes nas classes funcionais II, III e IV da angiotensina, mesmo em pacientes
• Betabloqueadores (carvedilol, bisoprolol, assintomáticos, mas com disfunção ventricular
metoprolol, nebivolol) comprovada ecocardiograficamente.
■ Antes de administrar betabloqueador, o
tratamento com diuréticos e inibidor da enzima Evolução e prognóstico
de conversão da angiotensina deve ser otimizado. Marcadores de mau prognóstico:
O paciente deve ter uma condição clínica de • Idade > 65 anos
estabilidade, sem sinais de retenção hídrica e/ou • Classes funcionais III e IV
necessidade de inotrópicos venosos
■ Os betabloqueadores devem ser iniciados em
Atenção
doses baixas, e aumentadas progressivamente,
• É importante identificar o mecanismo fisiopatológico:
conforme a resposta clínica e a tolerância, a cada disfunção sistólica, diastólica ou ambas?
2 semanas (Quadro 179.5) • Nenhum medicamento preenche todos os critérios como
■ O efeito secundário mais significativo é o agente de primeira escolha para o tratamento da disfunção
agravamento da IC no período inicial do sistólica, nem se consegue controlar idealmente a
tratamento, devido à supressão abrupta da insuficiência cardíaca quando utilizado isoladamente.
proteção adrenérgica mediada pelo sistema Digitálicos podem reduzir a dilatação ventricular, melhorar o
desempenho cardíaco e aliviar os sintomas; diuréticos
nervoso simpático
controlam a retenção de fluidos e aliviam os sintomas
• Anticoagulantes (cumarínicos): indicados para congestivos; e inibidores da enzima de conversão da
fibrilação atrial, trombo intraventricular, angiotensina reduzem a morbidade e a mortalidade, mas não
antecedentes de tromboembolismo previnem adequadamente a retenção de fluidos. Por isso, os
• Dobutamina (inotrópicos intravenosos), IV, 0,5 pacientes com insuficiência cardíaca não devem ser tratados
kg/min a 10 kg/min: tem como objetivo corrigir com um único medicamento. Ao contrário, as ações e efeitos
distúrbios hemodinâmicos graves. Usada muitas complementares e sinérgicos desses agentes devem ser
aproveitados para melhor controle dos sintomas e prolongar
vezes como ponte para transplante cardíaco em casos
a vida. Aproximadamente 30% dos pacientes em uso de
avançados.
IECA desenvolvem efeitos colaterais, principalmente tosse Bibliografia
seca, que impedem a manutenção da medicação. Nessa Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica –
situação trocamos o IECA pelos BRA, que têm o mesmo 2012. Arq. Bras. Cardiol., 2012; 98 (1 supl. 1): 1-33.
impacto dos IECA na redução da morbimortalidade a
Galvão-Alves, J. Emergência clínica. 1 ed. Rubio, 2007.
• Adicionar betabloqueadores de terceira geração (carvedilol, Oliveira, J.G.; Porto, C.C. In: Porto, C.C.; Porto, A.L. Doenças do
a
bisoprolol, metoprolol, nebivolol) ao esquema diurético e coração. Prevenção e tratamento. 2 ed. Guanabara Koogan, 2005.
nd

IECA assim que o paciente não apresentar mais sinais Simon, C. et al. Oxford handbook of general practice, 2 ed. Oxford
congestivos. São medicamentos fundamentais no tratamento University Press, 2005.
da IC com grande impacto na redução da morbimortalidade
• Se após a utilização de diuréticos, IECA ou BRA e
betabloqueadores o paciente permanecer sintomático,
considerar a adição de digital e espironolactona
• Não é possível, atualmente, estabelecer esquemas rígidos
para as diversas classes funcionais e tipos de insuficiência
cardíaca, mas um diagrama para escolha do esquema
terapêutico tem utilidade prática (Figura 179.5)
• Quando a insuficiência cardíaca torna-se refratária, é
necessário rigorosa reavaliação clínica e laboratorial do
paciente em busca de algum fator que possa ser removido.

Para saber mais


Disfunção diastólica (insuficiência cardíaca com função
sistólica preservada)
Não há, como na IC sistólica, tratamentos que reduzam a
morbimortalidade com base em ensaios clínicos. O foco
principal deve ser o tratamento da doença de base, que levou à
IC diastólica, isto é: revascularização miocárdica se cardiopatia
isquêmica; tratamento de hipertensão arterial se cardiopatia
hipertensiva.
• Digitálicos: não devem ser prescritos, exceto se houver
fibrilação atrial
• Inibidores da enzima de conversão da angiotensina e
bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA): têm as
mesmas indicações dos IECAs, e em geral são utilizados em
pacientes com intolerância aos IECAs, principalmente a tosse
• Betabloqueadores: indicados na disfunção ventricular
diastólica e cardiomiopatia dilatada
• Diuréticos: para o controle da congestão pulmonar e periférica.

• Cardiomegalia acentuada (índice cardiotorácico >


0,55)
• Fração de ejeção < 30%
• Redução na taxa de filtração glomerular
• Fibrilação atrial
• Arritmias complexas
• Diminuição acentuada da tolerância aos esforços
• Sódio plasmático < 130 mEq/ℓ
• Níveis elevados de peptídio natriurético atrial
• Diabetes
• Doença pulmonar associada.

A mortalidade é elevada, chegando a 50% ao ano nas


formas avançadas.

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