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CURA INTERIOR

E BATALHA ESPIRITUAL
PAC 404

Instituto Presbiteriano Mackenzie


CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER
Rua Maria Borba, 15 – Vila Buarque – 01221-040 São Paulo – SP
Fone (011) 3236-8644 – Email: pos.teo@mackenzie.br
http://www.mackenzie.com.br/tologia

.
Wadislau Martins Gomes.

Setembro, 2009
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 2

ORIENTAÇÃO

ABORDAGEM, PROPÓSITO E LIMITES


Cura interior e batalha espiritual é um curso sobre a dinâmica da vida cristã
orientada por uma cosmovisão bíblica, em oposição às propostas de espiritualidades
calcadas em cosmovisões culturais. Pretende dar ao aluno uma oportunidade para
examinar os temas recorrentes da sanidade interna e da luta externa. Estuda a
centralidade de Deus em oposição à centralidade do eu e à periferia do dualismo
natural/sobrenatural; o caráter real do bem e o caráter derivativo do mal; a
experiência do mundo espiritual e do mundo material; a genealogia do pecado e
suas consequências; o valor da obra consumada de Cristo e a vitória conquistada; a
verdadeira batalha espiritual e a verdadeira cura para o coração.

OBJETIVO
O objetivo geral da matéria é familiarizar o aluno com o material e as propostas de
cura interior e de batalha espiritual, discernindo os diferentes processos à luz da sã
doutrina. O objetivo específico é fornecer ao aluno uma visão da cura do coração
em termos de autoconfrontação ou de aconselhamento que seja realmente
redentivo, e uma visão da batalha espiritual que seja realmente a luta que todos
temos de enfrentar.

REQUISITOS E AVALIAÇÃO
A avaliação não visa coibir o aluno, mas, sim, fornecer parâmetros para melhor
aproveitamento da matéria, fixação do aprendizado e justa recompensa pelo bom
esforço. A avaliação leva em conta:
• Freqüência regular às aulas segundo o padrão da escola.
• Participação adequada e pertinente nas aberturas para discussão com o instrutor
e com os colegas, buscando compreensão ou demonstrando entendimento da
matéria dada. (Valor: 20 por cento da gradação final.)
• Leituras de, pelo menos, 900 páginas selecionadas entre as obras
recomendadas. A leitura de 1200 páginas acrescenta, 1 ponto à nota final. A
declaração de leitura deverá ser entregue até três meses depois da finalização do
módulo. (Valor: 30 por cento da gradação final.)
• Resenhas de três dos livros recomendados (5 laudas cada, fonte 12, 1 ½ entre
linhas), e uma declaração de posicionamento quanto às questões da cura interior
(2 laudas) a ser entregue até três meses depois da conclusão do módulo.

LEITURA RECOMENDADA:

Adams, Jay E. A Call to Discernment. Eugene, Oregon, Harvest House


Publishing, 1987. (139. pp.)
Eyrich, Howard, Hines, William. Cura para o Coração. São Paulo, Editora
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 3

Cultura Cristã, 2007. (192 pp.)


Horton, Michael Scott, org. Religião de Poder. São Paulo, Editora Cultura
Cristã, 1998. (288 pp.)
Lloyd-Jones, D. Martins. The Christian Warfare. Grand Rapids, Michigan,
Baker Book House, (1976) 1981. (371 pp.)
Lopes, Augustus Nicodemus. Batalha Espiritual. São Paulo, Editora Cultura
Cristã, _______. (159 pp.)
Lovelace, Richard F. Teologia da Vida Cristã. São Paulo, Shedd Publicações,
_______ (264 pp.)
Gomes, Wadislau Martins. As Agridoces Cadeias da Graça. Brasília, Editora
Refúgio, 2001. (128 pp.)
Jones, Peter. A Ameaça Pagã. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002 (309 pp.)
Powlison, David. Confrontos de Poder. São Paulo, Editora Cultura Cristã,
1999. (176 pp.)
Schaeffer Francis A. Verdadeira Espiritualidade. São Paulo, Editora Fiel.
______. (___ pp.)
________________ The Finish Work of Christ. Wheaton, Illinois, Crossway
Books, 1998. (239 pp.)
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 4

CONTEÚDO
NATURAL E SOBRENATURAL
REALIDADE
LÓGICA
VERDADE
A “SOLUÇÃO” HÍBRIDA
RELAÇÃO DA PSICOLOGIA COM O ACONSELHAMENTO BÍBLICO
O ESQUEMA DO PENSAMENTO GREGO
CONFIGURAÇÃO DAS IDÉIAS
ANTROPOLOGIA BÍBLICA, TERAPIA E REDENÇÃO
A QUESTÃO DA FÉ (PÍSTICA) E DA MORAL
NATUREZA DA BATALHA
EXEGESE, HERMENÊUTICA E PRÁTICA CRISTÃ
DINÂMICAS DA VIDA ESPIRITUAL
NATUREZA DA CURA
ESPIRITUALIDADE
VISÃO SECULAR DA ESPIRITUALIDAE
VISÃO BÍBLICA DA ESPIRITUALIDAE
CONSCIÊNCIA ESPIRITUAL
CONSCIÊNCIA DA SUPREMA SANTIDADE DE DEUS
CONSCIÊNCIA DA PROFUNDIDADE DO PECADO HUMANO
MODELO BÍBLICO DE REAVIVAMENTO ESPIRITUAL
CONSCIÊNCIA ESPIRITUAL DO EVANGELHO “EM CRISTO”
JUSTIFICAÇÃO: SOMOS ACEITOS PELA GRAÇA MEDIANTE A FÉ
JUSTIÇA DE DEUS E JUSTIFICAÇÃO DO ÍMPIO
POR QUE A JUSTIFICAÇÃO?
COMO SE PROCESSA A JUSTIFICAÇÃO?
QUAL É O RESULTADO DA JUSTIFICAÇÃO?
SANTIFICAÇÃO: LIBERTOS DAS CADEIAS DO PERCADO
FÉ ARREPENDIDA
SANTIFICAÇÃO É GRAÇA MEDIANTE A FÉ
SATISFAÇÃO COM A OBRA COMPLETA DE CRISTO
HABITAÇÃO DO ESPÍRITO: NÃO ESTAMOS SÓS
OBRA TRINA
AUTORIDADE: CAPACITADOS PARA AS BOAS OBRAS
CONSCIÊNCIA DAS OBRAS QUE DEUS JÁ TEM PREPARADO
INSTRUÇÃO
COMUNHÃO
DONS ESPIRITUAIS
ADORAÇÃO
PALAVRA E ORAÇÃO
SERVIÇO
EVANGELISMO IMPLOSIVO
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 5

CURA INTERIOR E BATALHA ESPIRITUAL

INTRODUÇÃO
Qual é a diferença que existe entre os movimentos de cura interior e de batalha
espiritual e a nossa posição de conselheiros bíblicos de orientação reformada? Lou Priolo,
respondendo a outro tipo de questão, diz bem: “Um conselheiro realmente cristão é aquele
cujo modelo de aconselhamento reflete a Escritura em cada ponto.” Um conselheiro que
apenas é cristão, geralmente, tenta integrar diferentes fontes com sua própria leitura da
Palavra (ou sequer isso). “Um conselheiro cristão constrói seu aconselhamento de maneira
mais exegética” – continua Priolo. “Ele [...] não tem uma ‘teoria de aconselhamento’, mas
uma ‘teologia do aconselhamento’”. Priolo completa o pensamento, dizendo que uma das
grandes diferenças é a base pressuposicional de cada um. 1
Os modelos de cura interior e de batalha espiritual que hoje vemos, formam uma
síntese de coisas que têm estado por aí já há muito tempo, e que têm sido discutidas pelo
segmento da igreja que pauta pela soberania de Deus e sua revelação na Escritura: o Deus
que é o criador e sustentador de todas as coisas e que criou o homem, à sua imagem e
semelhança, como um ser responsável.2 Tais pressuposições estabelecem as linhas
divisórias para o discernimento da verdadeira batalha espiritual e da verdadeira cura
interior.
Jesus disse aos fariseus e saduceus que lhe pediam um sinal dos céus, que nenhum
sinal seria dado senão o de Jonas (no ventre do grande peixe?). Ele os advertiu de que
presumiam conhecer o tempo, mas não discerniam os verdadeiros sinais do céu (Mateus
16.1-3). Paulo escreveu aos coríntios que sua pregação não se baseava em poder humano
nem era mediante persuasão de humana sabedoria, mas poder e sabedoria de Deus. O
verdadeiro testemunho de Deus é Cristo “e este crucificado”. Não o poder e a sabedoria
deste mundo, mas aquilo que é revelado pelo Espírito. Seguindo o pensamento, ele fala,
então, do homem interior e do conhecimento das coisas do mundo – negados ao homem
natural (psuchikos), mas acessíveis àquele que é nascido de novo e tem a “mente de
Cristo”, discernindo as coisas espiritualmente (1Co 211-16; ver 1-16).
Há uma batalha espiritual de que todos nós participamos, e há uma cura interior
incluída na redenção de todo crente. Para vencer a batalha e para curar o coração, será
preciso aprender a discernir entre a Palavra de Deus e seus poderes e as vozes deste mundo
e seus poderes, entre o nosso próprio coração e seus desígnios e o curso deste mundo.
Como disse Francis Schaeffer, para onde quer que nos tornemos, “somos
impressionados com o fato de que há pouco conteúdo de fé. Tudo é experiência; a emoção
(ou sentimentalismo) é a base. Certamente, deveremos ser cautelosos, aqui, porque não
estamos dizendo que não deva haver experiência nem emoção. Há e deveria haver. Mas
nem experiência nem emoção configuram base de fé”.3

1
Priolo, Lou. What do you Presuppose? The Journal of Modern Ministry, Jay Adams, ed. Stanley, NC,
Timeless Texts. Vol. I, Issue I, Spring 2004, pp. 65-66.
2
Ver Carrol, Robert. Presuppositions One and Two: God’s Sovereignty and Man’s Responsibilities. The
Journal of Modern Ministry, Jay Adams, ed. Stanley, NC, Timeless Texts. Vol. I, Issue I, Spring 2004, pp.
67-73.
3
Schaeffer, Francis A. The New Super-Spirituality. London, Hodder and Stoughton, 1973, p. 26.
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NATURAL E SOBRENATURAL
Recentemente tem havido mais conversa sobre o diabo por
causa do reavivamento do oculto e o levantamento dos
ministérios de libertação carismática especializados em
exorcismo, mas é difícil dizer se tais fatores estimulará o
satanismo prático ou o retardará por meio da reação que
provoca.4
Richard Lovelace

Cornelius Van Til, em The Reformed Pastor and the Modern Thought (O pastor
reformado e o pensamento moderno) discorre sobre as cosmovisões cristãs e não cristãs.
Segundo ele, as diferentes pressuposições do pensamento cristão e do não cristão são
irreconciliáveis.

REALIDADE

A primeira diferença que ele aponta é a da visão da realidade. “Tanto o cristão


quanto o não-cristão fazem pressuposições sobre a natureza da realidade”, diz Van Til. O
crente que pensa em termos de uma cosmovisão cristã pressupõe que o Deus “autocontido”
seja o criador e o sustentador do universo. O plano e a atuação de Deus sobre o mundo lhe
são bases para todas as demais considerações. Tal crente vê uma absoluta distinção entre
Deus criador e o mundo criado. O não crente, por sua vez, pressupõe caos e acaso no
universo ou, em certo sentido, a auto-existência da matéria. Poderá ser que Deus não exista
ou seja impessoal, o que não faz muita diferença para seu pensamento.
“Nem o cristão nem o não-cristão podem, como seres finitos, por meio da lógica,
legislar sobre o que a realidade deva ser”, prossegue Van Til. O cristão que pensa em
termos de uma cosmovisão bíblica observa todas as coisas e imagina-as segundo a
revelação na Escritura. Crê que ali está registrado o que ele pode conhecer de Deus, da
relação de Deus com o mundo e com o homem, “tanto em Adão quanto em Cristo”. Em
vez de concluir as coisas a partir da observação dos “fatos”, o crente as “experimenta”,
antes e durante a observação, e as interpreta à luz da hermenêutica de Deus, a Bíblia.
Tomando pelo princípio da sabedoria, que é o temor do Senhor, ele entende que todas as
coisas têm uma ordem divina e que sua tarefa, nas ciências, é descobri-la. Para tanto, ele
crê que o homem e o mundo foram “feitos um para outro”, de maneira que suas
capacidades racionais são aplicáveis à realidade em que vive. Tal é o tema de “dominar a
terra”. Do outro lado, o não cristão, conhecendo o fato de que Deus existe, pois tal lhe é
revelado na natureza e na consciência, não obstante, reprime a verdade, por causa da
rebelião do pecado, e tenta derivar uma coerência originada da própria imaginação. Sua
cosmovisão tem de ser uma em que haja caos e acaso em que ele mesmo possa ser
construtivo e alcançar poder para fazer as perguntas e fabricar as respostas e para
manipular as coisas em seu favor.

4
Lovelace, Richard F. Teologia da Vida Cristã. São Paulo, Shedd Publicações, _______ , p. 134.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 7

Van Til diz ainda que “tanto o cristão quanto o não cristão mantêm que suas
posições estão ‘de acordo com os fatos da experiência’”. O cristão que tem uma
cosmovisão bíblica mantém isto porque interpreta tanto os fatos quanto a experiência em
termos de sua crença. Deus é quem sustém a “uniformidade da natureza”, a estabilidade
dos dias e noites, que lhe permite conhecer os “fatos”. “A coerência que ele vê é tomada
como analógica de, e na verdade, resultado da absoluta coerência de Deus”, diz Van Til. O
não cristão mantém certa coerência com suas próprias pressuposições. Por exemplo, a
pressuposição da inexistência de uma irracionalidade final. Os fatos não têm ligações com
outros fatos. Incoerentemente, “há a pressuposição de que toda realidade é reacional em
termos do alcance da lógica manipulada pelo homem”. Acaba que “a natureza de qualquer
fato seria idêntica à natureza de qualquer outro fato, ou, resumindo, um único fato
universal”. Mais incongruente ainda, nessa linha de pensamento, é que não havendo
conexão entre os fatos, não poderia haver mudança, e, não havendo mudança, não poderia
haver experiência. Por isso é que os cientistas sem ciência, dizendo-se incrédulos quanto
ao conhecimento ou descoberta de fatos além deles mesmos, crêem que são bastante
poderosos para conhecer qualquer coisa.

LÓGICA

Para Van Til, cada um, cristão e não cristão reivindicam que sua posição está “de
acordo com as demandas da lógica”. A lógica, para o cristão, é um dom de Deus, sendo
manipulada pelo homem em termos da revelação de Deus sobre a relação do homem com o
mundo. “Gênesis diz-lhe, que a natureza é colocada em sujeição ao homem, e que ambos
estão sujeitos a Deus e seu propósito. Portanto, sua lógica está engrenada com a realidade,
mas não afirma controlar o próprio Deus e, assim, toda possibilidade.” O não cristão
também afirma que sua posição é lógica, sem, contudo conseguir atribuir nenhum
significado inteligível à sua posição. “Sua lógica opera no vazio. Não tem contacto com o
mundo. Se ele opera segundo a pressuposição da finalidade de todos os fatos, então sua
lógica é conseqüentemente destruída porque perde sua individualidade”. Trata-se de uma
lógica puramente formal. “Seria somente uma lógica de identidade, dizendo meramente
que A é A, pois tudo seria uma só coisa.”5

VERDADE

O pensamento corrente é que, assim como há verdades em todas as áreas do


conhecimento, nas ciências “exatas” e nas “humanas”, porque não se receber a
contribuição científica da psicologia? A questão não é difícil de ser respondida, mas é
preciso ter cuidado na resposta, uma vez que a discussão já saiu do terreno da inquirição
honesta para a luta emocional por causa do jogo de poder. Na verdade, engenheiros
discordam entre si, físicos também, linguistas, e especialmente, a psicologia se divide em
psicologias − mas pretendendo que haja, em algum lugar, uma teoria unificada da psique
que valide o “fato” da psicologia.

5
Van Til, Cornelius, The Reformed Pastor and the Modern Thought, Phillipsburg, New Jersey, Presbyterian
and Reformed Publishing Co., 1980
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 8

Todos os aspectos da psicologia secular têm algo da verdade (como não poderia
deixar de ser, uma vez que a realidade é feita da verdade, e a inverdade é a verdade
suprimida). O problema é que o pensamento humano rejeita a verdade pela injustiça. A
psicologia secular observa a realidade perceptível e coleta seus dados, mas os utiliza para
fugir de Deus, para negá-lo e para adorar e servir a criatura em lugar do Criador (Romanos
1:18-32). O resultado disso é que, sem acepção de pessoas, todos os homens têm,
naturalmente, um dilema moral que afeta sua consciência e seus pensamentos (Romanos 2.
11-16). Como conhecê-lo no que se refere à inteireza do seu ser, à integridade interna e sua
integração relacional, se o próprio julgamento de si mesmo está comprometido por causa
da injustiça?
Vem daí a necessidade de uma psicologia bíblico-teológica que permita o
aconselhamento cristão. As excelentes observações e dados da psicologia secular deverão
ser reciclados, isto é, desconstruídos e reorganizados numa estrutura de pensamento
bíblico.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 9

A “SOLUÇÃO” HÍBRIDA

Em luta contra o naturalismo e o racionalismo, mas retendo a noção da supremacia


da experiência, muitos cristãos optaram por uma mentalidade que consideram ser
espiritual, mas que, no fundo, é pagã. David Powlison diz, com razão, que “muitos
praticantes da ‘batalha espiritual’ têm bons impulsos e boas intenções”. Ele admite que
muitos deles conseguem ver a luta que se trava no mundo dos homens e dos anjos, e que
desejam realmente ajudar pessoas que enfrentam problemas. Entretanto, perdem de vista o
verdadeiro caráter da batalha, porque, biblicamente, a luta não é travada entre o mundo
sobrenatural e a carne, mas “nos lugares celestiais” e “contra principados e potestades”.
“Rejeitando a moderna cosmovisão secular” – diz Powlison – “eles geralmente sucumbem
à cosmovisão do ‘antigo paganismo’”.6
Peter Jones, em A Ameaça Pagã, diz que o verdadeiro “inimigo não é mais o
humanismo ateísta antirreligioso, mas uma nova religião pagã renovada”. O problema, diz
ele, “não é a não existência de Deus, mas muitos deuses”. Não é a “falta de espiritualidade,
mas o sincretismo espiritual”. Nessa linha, ele acrescenta que a dissolução da moralidade
acompanha essa ameaça da nova espiritualidade. “Escondido sob a roupagem da liberdade,
da tolerância, está o esqueleto do monismo pagão.”7 Peter Jones fornece cinco elementos
que sumariam o monismo contemporâneo: “tudo é um e um é tudo”, “A humanidade é
um”, “as religiões são um”, “o problema... é fazer distinções”8, “um só modo de fuga...
intuição e meditação”.9
A grande ênfase no eu e na anonimidade desse eu dissolvido na sociedade é
consequência dessa linha de pensamento. Acabamos descobrindo que o modelo de cura
interior proposto atualmente é um desdobramento do hibridismo cristão pagão.

CURA INTERIOR

Novamente, é preciso reafirmar a existência de coisa tal como cura interior. Jesus
Cristo, o Messias sofredor, de Isaías 53, “foi traspassado pelas nossas transgressões e
moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas
pisaduras fomos sarados” (v. 5). O autor de Hebreus indica: “fazei caminhos retos para os
pés, para que não se extravie o que é manco; antes, seja curado” (12.13). A questão é: de
que tipo de cura é que estes textos estão falando? Certamente não é a mesma cura interior
apregoada pelo evangelicalismo. Este tipo de cura interior porta um conteúdo de
concentração no eu (do curador ou da pessoa curada) perdido e anônimo no meio de uma
sociedade sem referencial externo e infinito.

David Wells chama isso de “eus pós-modernos” – “moderno, superficial, mutante,


encoberto e evasivo ... e ‘espiritual’”. Para o novo eu, tudo o que interessa é o interior,
pois, na verdade, tudo o que lhe resta é o interior. O mundo exterior dissolveu-se na

6
Powlison, David. Power Encounters. Grand Rapids, Michigan, Baker Books, 1995, p. 25.
7
Jones, Peter. A Ameaça Pagã. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 36.
8
Entre bem e mal, certo e errado, verdade e erro, Deus e Satanás, humano e animal, macho e fêmea,
homossexual e heterossexual, heresia e ortodoxia, razão e irracionalidade.
9
Jones, Peter. A Ameaça Pagã. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 38-41.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 10

separação do seu centro Criador e Sustentador e, em seu lugar, a imaginação do homem


criou um outro mundo cujo centro é o eu. Como toda realidade que se contrai, o eu central
é vazio, sem substância, residindo num contexto social tingido de sagrado. Peter Jones
continua, dizendo que este é um eu emancipado que, liberado de crenças, até mesmo, de
Deus, torna-se sua própria lei. “De fato, da maneira como atualmente funciona, o eu
assume que ele mesmo seja autoridade sobre Deus e, consequentemente, sobre a igreja. A
entronização do eu, sobre o que veremos mais adiante, resultou no individualismo
ocidental.” Antes, as formas de individualismo, criam no valor maior da individualidade e
em sua importância sobre a da sociedade. Hoje, o eu e a sociedade se confundem num
individualismo expressivo.

Esse tipo de individualismo, que tem especial afinidade com nossa cultura terapêutica,
assume que todas as pessoas têm direito de expressar um singular cerne de intuições e
sentimentos. Basta ligar a televisão para ver isto em ação! Não importando quão
embaraçoso seja a revelação, não importando quão íntimo seja, as pessoas querem falar
sobre suas coisas interiores. Querem falar ao mundo todo! Só podemos pensar que o studio
de televisão tenha se transformado em um novo confessionário. É o lugar, em vez de a
igreja, aonde pessoas depõem seus pesares.10

O contemporâneo movimento de cura interior, junto com a sociedade paganizada,


liberada, já não vê pecado, nem quer carregar nenhum peso de culpa. Já não temos culpa
de que devamos ser purificados, senão a de ter vergonha de sermos quem queremos ser.
Temos o direito de “contar nossa história” da maneira como quisermos.
Peter Jones argumenta ainda que a emancipação de toda autoridade pretende que
tenhamos liberdade para modelar a vida da nossa maneira. Pensamentos sobre verdade
objetiva, realidade, moral e fé bíblica tornam-se remotos. Não obstante a concentração no
eu, a sociedade permanece desconectado de habitação, de família, da história, dos outros
eus e, principalmente, de Deus.
“O que é que acontece em um mundo em que, de certa maneira, podemos criar
nossa própria realidade que não seja habitada por um Deus ou uma verdade externa a nós?”
– pergunta Peter Jones? A resposta é: “Uma maneira de pensar sobre isto é ver o que
aconteceu no Ocidente. Todas as culturas ocidentais têm sido mantidas coesas por três
forças: tradição, autoridade e poder. Destas, apenas a terceira subsistiu.” No mundo
(pós)moderno, devido à tensão entre eu dissoluto e a sociedade desvanecente, “tudo se
refere ao poder”: “controle, manipulação, dominação” a fim de conseguir hegemonia.
Alguém deseja controlar a própria vida, manipular prazeres e sofrimentos, e alguém deseja
dominar a vida dos outros. Que melhor maneira há para obter tudo isso senão pelo
exercício do poder? Que melhor maneira há para exercer o poder senão em um mundo
homogeneizado? Que melhor maneira há para alcançar esse objetivo senão pela
homogeneização das crenças? Peter Jones cita Chesterton, dizendo que, “quando Deus e
sua verdade se desvanecem na sociedade, será natural pensar que as pessoas não mais
acreditem em qualquer outra coisa. Isto, entretanto, não é o caso. Agora, as pessoas
passaram a acreditar em tudo.” 11
Os jogos de poder geram lídimas suspeitas portam o engano e o auto-engano.
Certamente, há aqueles que crêem sinceramente que a cosmovisão que defendem seja a
verdade de Deus, sem se dar conta de que ela é pagã e de que a dissolução moral do pecado
10
Wells, David. The Courage to Be Protestant. Grand Rapids, Mich., W. B. Eerdmans, 2008, pp. 69-72
11
Ibid.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 11

vai tomando conta do eu e da sociedade. Basta observar que, com toda a ênfase na
espiritualidade, a dissolução dos valores das esferas de autoridade, tais como limites da
individualidade, casamento, família, igreja e comunidade, ocorre, até mesmo, nos meios
evangélicos. Tudo isso faz parte da luta pelo poder. Certamente há, também, aqueles que
promovem movimentos de batalha espiritual e cura interior como meio para o
crescimento de igreja, utilizando-os como estratégias de marketing. Isso é a luta pelo
poder, aberta e descarada.
Uma das áreas mais exploradas nessa lutas de poder, que realça a centralização do
eu é a da cura interior. A igreja deixou de ser a proclamadora da redenção, para ser, antes e
unicamente, uma comunidade terapêutica. Para isso, a linguagem evangélica bíblica teve
de ceder lugar à psicologização.12

RELAÇÃO DA PSICOLOGIA COM O ACONSELHAMENTO BÍBLICO13

Certamente, as observações da psicologia poderão ajudar muito no preparo do


conselheiro e na condução do processo de aconselhamento, conquanto seja resguardada a
soberania da fé cristã revelada na Escritura como o elemento crítico da sua validade.
No pensamento secular a revelação sequer é considerada como método de leitura
do aconselhamento ou do aconselhado. Para nós, revelação, especialmente, a revelação da
Palavra de Deus, é a fonte primária de conhecimento e o princípio hermenêutico da
revelação na natureza (1 Timóteo 3.16-17; Hebreus 4.12-13; 11.3, 6; Romanos 1:18-25).
As ciências naturais poderão ser importantes e razoavelmente confiáveis ainda que o
método científico seja altamente paradigmático em sua pressuposição de fatos puros (os
objetos do conhecimento), os quais não poderão ser considerados finais sem Deus (o
sujeito do conhecimento). Entretanto, quando se trata das ciências sociais, surgem diversos
problemas:

(1) A mente do pesquisador é distorcida pelo pecado;


(2) A mente do pesquisador é distorcida pelos seus próprios conceitos filosóficos;
(3) É impossível de se entender todas as variáveis num dado conjunto;
(4) É impossível de se entender a estrutura de um conjunto para se escrutinar todas as
variáveis.

O ESQUEMA DO PENSAMENTO GREGO

O pensamento grego fez permear suas idéias no pensamento secular de maneira que
nem mesmo os Pais da igreja escaparam à sua influência. As implicações do sistema
forma-matéria se opõem à epistemologia cristã. O pensamento cristão nega a autonomia
dos fatos e das particularidades da realidade criada e a da racionalidade humana,
considerando-as como sendo derivadas do Deus Criador.14

12
Ver: Gomes, Wadislau Martins, Psicologização do Púlpito e Relevância da Pregação, Fides Reformata,
Vol. X, No. 1, 2005, pp. 11-29.
13
Excerto da apostila de Fundamentos Bíblicos Teológicos do Aconselhamento Bíblico, Wadislau Martins
Gomes.
14
Gomes, Davi Charles. Fides et Scientia: Indo Além da Discussão de “Fatos”. Fides Reformata, 2/2 S.
Paulo, [1997], 129-146.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 12

CONFIGURAÇÃO DAS IDÉIAS

Um pensamento não acurado, corrente em nosso tempo, separa a idéia cristã da


idéia secular como se fossem duas matérias diferentes divididas pelo conceito do
cientificismo. Na verdade, as bases do conceito cientificista não são, absolutamente,
científicas, mas sim, calcadas em paradigmas filosóficos. Um dos testemunhos da
primariedade da idéia cristã é o de que a idéia secular não demonstra outra verdade, mas se
opõe e se desvia daquela da Bíblia. O quadro seguinte fornece uma visão do tratamento
cristão de algumas idéias importantes para o nosso estudo, e seus desvios no pensamento
secular.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 13

Teorias de aplicação das observações das psicologias, portanto, de modo geral,


lidam com a natureza do homem, com suas motivações e comportamentos, e com sua
finalidade. Ora, esses são temas a que a Escritura se dirige de maneira muito particular e
que estão jungidos a uma formulação teológica.

ANTROPOLOGIA BÍBLICA, TERAPIA E REDENÇÃO

Seguindo essa linha, como é o homem? Como é ele em sua situação presente? Qual
é o problema básico do homem? Como ele poderá ser ajudado? Todas essas questões
devem ser precedidas de outra ainda mais básica, se é que queremos ter um modelo bíblico
para o aconselhamento: Estamos falando sobre a questão evangélica ou sobre outras
questões? Se a resposta é a questão evangélica, então temos de pensar em termos de
valores evangélicos, isto é, de valores bíblicos. Isto fará a diferença entre as respostas
redentiva e terapêutica à primeira questão.
Por terapêutico, eu me refiro à aproximação ao ser humano e seus problemas para
cura e solução (o que implica o modelo médico). Por redentivo (neologismo consagrado na
teologia), entenda-se a ação do poder do evangelho que inclui:

1. O ambiente do homem – que é o próprio Deus soberano – e todo o Seu propósito na


Criação, Queda e Redenção assim como no destino final da humanidade;
2. Toda a profundidade dos aspectos psicológicos, sociais, ecológicos e,
principalmente, teológicos do ser humano;
3. A transformação de seres humanos à imagem de Cristo com base na Sua obra
redentiva com todas as suas consequências por meio do Espírito Santo, sua cura
(psicológica, cultural – a totalidade do ser), isto é, a redenção dos problemas e o
alcance dos propósitos de Deus.

Ambos os termos, “terapia” e “redenção”, têm boa conotação se usados em seu


significado de cura e restauração. Há, contudo, uma tensão entre seus diferentes conteúdos
na psicologia e na teologia. A questão vai além da mera preferência pessoal com respeito
ao uso dos termos em relação à base e aos resultados dessa preferência.
As diferentes psicologias presumem a cura do homem a partir de princípios
seculares humanistas, das idéias da bondade completa do homem ou de sua maldade por
definição ou, ainda, de sua neutralidade moral e da circunstância natural do problema
(psicológico, mental ou ambiental), oferecendo a possibilidade de solução dos problemas
humanos à parte de Deus – seguindo um modelo médico do qual a expressão “terapia” se
deriva.
O termo redenção no aconselhamento cristão pressupõe o controle, a presença e a
autoridade de Deus, especialmente, na redenção consumada na obra de Cristo e aplicada na
obra do Espírito Santo.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 14

A QUESTÃO DA FÉ (PÍSTICA) E DA MORAL

Os termos usados pelas psicologias e pelo aconselhamento bíblico também são


diferentes em função das diferentes pressuposições. As psicologias usam o termo “terapia”,
de conotação mais natural. O homem enfrentaria problemas naturais, mais parecidos com
doença, dos quais precisaria ser curado. A teologia reformada utiliza o termo “redenção”
não apenas para fazer uso da linguagem teológica, mas, primordialmente, porque a crença
na depravação total do homem (veja Gênesis 2-3; Romanos 1-3) coloca o problema do
homem no âmbito dos aspectos moral e pístico (relativo à fé).

MAL

Van Til, na sequência do pensamento anterior, diz que o cristão e o não cristão
defendem que, “com respeito ao problema do mal, sua posição está de acordo com sua
consciência.” O cristão crê que sua consciência moral é um aspecto de sua experiência
total. O Criador é o sustentador de todas as coisas é também o supremo Juiz. Encontra, no
plano de Deus revelado na Escritura, as respostas para todos os problemas do mal e do
pecado. A Palavra de Deus, pelo Espírito Santo é que promove as aprovações e
desaprovações da consciência humana, prossegue Van Til. O não cristão tem sua referência
final na própria consciência. Alega que o mal não teria entrado no mundo por causa da
desobediência do homem, mas faria parte da uniformidade da natureza humana... “ele é
metafisicamente final, isto é, ele apenas é”. Em última instância, o não crente alega que “o
que é, tem de ser” e, assim, o mal não poderá ser distinguido do bem. Para a maioria, ainda
que o bem fosse distinto e oposto ao mal, não seria correto pensar em termos de antítese,
mas de síntese. “Se, aqueles que pensam ser bons são bem sucedidos em fazer o que
pensam que é ‘bom’, prevalecem na terra, é somente mediante a supressão do ‘bem’ de
outros que também pensam ser ‘bons’. Assim, o poder político jamais substituirá todas as
distinções éticas.”15
Desde o início, Deus revelou aos homens a existência de um princípio de antítese
entre o bem e o mal. O bem é tudo o que Deus analogicamente criou; o mal, porém, não
tem existência em si mesmo, como coisa criada, sendo, na verdade, a quebra do bem com
suas conseqüências16. Havendo “quebrado” o bem, o homem não alcançou uma síntese do
bem e do mal, como o diabo prometera, mas, antes, perdeu sua comunhão original com
Deus e o Seu conhecimento, o que afetou todo o seu espectro de vida até a morte eterna.
Uma tentativa unicamente terapêutica para recuperar o ser humano da Queda sem a
permissão de Deus, portanto, constitui rebelião contra Deus, de parte de uma mente
revertida e cujas perspectivas estão sempre de ponta cabeça. Os resultados serão mais
como os das famosas lobotomias frontais que encontraram solução para os problemas da
agressividade por meio da transecção da parte afetiva do cérebro (Antonio Egas Munis,
português, prêmio Nobel (1949), introduziu, em 1935, o conceito de se separar os lobos
frontais do paciente, quando tudo mais falhava e o paciente não tinha mais esperanças de

15
Van Til, Cornelius, The Reformed Pastor and the Modern Thought, Phillipsburg, New Jersey, Presbyterian
and Reformed Publishing Co., 1980
16
Cf. Francis A. Schaeffer, Genesis in Time and Space, The Complete Works of Francis Schaeffer, Vol. 2,
Book One, Wheaton, Ill.: Crossway Books, 1982.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 15

cura, imaginando que o paciente não poderia mais fazer associação que lhe pareciam
perturbadoras).
Isso significa que não só o mal é retirado, mas ainda a possibilidade do bem – o que
é o próprio mal. A tentativa de remover o mal à parte de Deus implica perda de vida, pois o
mal é o bem quebrado. (Teria sido essa a razão pela qual Deus proibiu aos homens o
acesso à árvore da vida?) Somente uma aproximação redentiva poderá oferecer uma boa
terapia para o problema do homem – simplesmente porque uma aproximação redentiva
procede de Deus (teologia) para alcançar o homem (psicologia, sociologia, ecologia),
enquanto que uma aproximação meramente terapêutica procede do homem, e não
chegando a Deus, que é a Fonte da Vida, não poderá alcançar o homem em sua totalidade
nem em todas as suas necessidades. Em suma, quanto ao aconselhamento cristão, não me
coloco totalmente contra o termo terapia, mas defendo que ele só tem significado quando
encasulado no termo redentivo.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 16

NATUREZA DA BATALHA

Com base no que vimos até agora, qual será nossa posição quanto à natureza da
batalha e a natureza da cura para o coração humano? Estaríamos divididos entre reino
material e espiritual, como em uma virtual “guerra nas estrelas”? Ou há um só reino, cujo
Rei e Senhor é Deus. Haveria uma divisão entre natureza e graça, ou há uma separação
entre a facção do reino das trevas, revoltada contra o Soberano Deus, e o poder redentor e
unificador do Glorioso Santo? O mundo espiritual é indistintamente separado do mundo
material? O centro da espiritualidade reside no mundo interior? A cura ocorre “de dentro
para fora”?
Para nós, questões como essas somente poderão ter resposta na Palavra de Deus,
mediante corretas e honestas exegese e hermenêutica.

EXEGESE, HERMENÊUTICA E PRÁTICA CRISTÃ

David Powlison, em Power Encounters (Confrontos de poder) dedica um capítulo


ao tratamento da sã interpretação bíblica, focalizando especialmente o assunto em pauta. A
Bíblia fala às muitas questões sobre a batalha espiritual de nossos dias, diz ele. Responde
às perguntas sobre a influência do oculto e das experiências passadas, sobre nossas vidas.
“Preciso realmente de um confronto de poder a fim de me livrar da escravidão residual”17
[do pecado, cometido por mim ou contra mim]?

Lovelace teceu interessantes comentários sobre o que a Escritura diz a respeito do


mundo dos homens e dos anjos. “A Escritura figura Satanás como o adversário de Deus e
do Reino de Deus, mentiroso, assassino, e ‘acusador dos irmãos’”. O apóstolo João,
continua Lovelace, no Apocalipse, rasga a superfície da história para mostrar a força
demoníaca que se opõe a igreja, figurando-a como um dragão que persegue a igreja de
Cristo. O diabo é a força por trás de eventos e de falsas religiões e movimentos que
ameaçam a fé. Os apóstolos sabiam que a obra de expansão do evangelho enfrentaria lutas
contra os agentes espirituais das trevas. Os Evangelhos e Atos relatam muitas ocasiões de
confrontos abertos contra Satanás e contra demônios. Paulo ensina que a força do pecado
nas pessoas é reforçada pela ação subjacente do poder das trevas que cega suas mentes
(2Co 4.4). Outras passagens dos Evangelhos e das Epístolas indicam a possibilidade de
controle demoníaco de pensamentos e ações de crentes, utilizando áreas da carne que não
estão ainda mortificadas. “João é Paulo ensinam que a energia e a direção por trás das
falsas religiões são demoníacas.”18
Conquanto ressalte a importância da atividade das trevas, Lovelace diz também que
grande parte da patologia, confusão e celeuma têm surgido em conexão com esse tema. A
carne, individual e corporativamente, é certamente a maior agência que adultera a obra
entre os cristãos, provocando reação tanto de cristãos oponentes quanto de incrédulos.

17
Powlison, David. Power Encounters, pp. 39-48.
18
Lovelace, Richard F. Dynamics of Spiritual Life. Madison, MI, Intervarsity, 1979, pp. 254-255.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 17

Certamente, esta é uma área com que a maioria não se incomoda e sobre a qual um
grupo barulhento se preocupa exageradamente, mas que deveria ser considerada. O
apóstolo Paulo, escrevendo aos efésios, diz:

Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos


de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo;
porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e
potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais do mal, nas regiões celestes. (Efésios 6.10-12.)

Uma leitura isolada deste texto poderá dar a idéia errada e tão em voga, de que o
principal aspecto de nossa luta é contra o oculto. Entretanto, uma leitura cuidadosa dará
importância à expressão “quando ao mais”. O versículo não está isolado do contexto geral
da Epístola, o qual se refere à totalidade da experiência da igreja, sua natureza, caráter e
missão. Tudo isso não será fácil, diz Paulo, portanto devemos nos fortalecer. O mundo em
que vivemos, incluindo nossa própria carne, é dominado por forças cujo caráter é real, cuja
natureza é má e cuja experiência influencia a vida.
David Powlison comenta sobre o movimento de batalha espiritual moderno,
dizendo que ele surgiu em 1960, em, pelo menos, quatro variedades. Os carismáticos,
representados por Don Basham (autor de Deliver Us From Evil, 1972), Derek Prince e
Benny Hinn; os dispensacionalistas de aproximação não carismática, representados por
Mark Bubeck (O Adversário, 1975), Merril Unger (What Demons Can Do to Saints, 1977)
e Fred Dickson (Demon Possession and the Christian, 1987); a chamada “terceira onda”
do Espírito Santo, representada por John Wimber, Charles Kraft, John White e Wayne
Grundem; e uma visão mais evangélica, representada por Neil Anderson, Timothy Warner,
Tom White e Ed Murphy.19
Powlison vê seis pontos fortes no movimento de batalha espiritual:

1. Reconhecimento de batalha e desafio ao mundo místico secular.


2. Encorajamento de cristãos ortodoxos a reconsiderar o mundo como um lugar
espiritual em que se desenvolve uma batalha.
3. Muitos “guerreiros espirituais” mostram admirável amor e auto sacrifício.
4. Demonstração da importância da oração.
5. Crença e prática do modo clássico de luta espiritual dentro e fora do panorama
sobrenatural, amor pela Palavra, consciência de oração e amor por Deus e pelas
pessoas são aspectos espirituais recomendados para todo cristão.20

Quanto à critica e ao método bíblico de luta espiritual, Powlison usa o Antigo


Testamento para concluir que:

1. Há um foco radical no Senhor Deus que está no centro do espetáculo.

19
Powlison, David. Power Encounters, pp. 32-34.
20
Ibid., pp. 36-37.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 18

2. Os seres humanos são sempre agentes morais responsáveis e não podem culpar o
diabo por seus próprios pecados.
3. Ainda que o Antigo Testamento reconheça a existência do mal e do diabo, a
Escritura afirma que Deus está no controle e com autoridade sobre a carne, o
mundo e o diabo.
4. O Antigo Testamento apresenta uma maneira para realizar a batalha espiritual.21

O que dizer sobre o Novo Testamento?


A confusão hoje gerada não se refere ao mal e ao diabo, mas ao sofrimento
humano. Certamente o domínio das trevas é responsável por pecados e dores, mas
pecadores e dores não devem ser tratados como demônios. (Ver Ec 9.3.)22
Satanás explora tanto a questão moral quanto a situacional. Como foi que Jesus
venceu ambas as formas de mal? Na tentação do deserto (Mt 4.1-11), Jesus usou o método
clássico de resistir firme, cingindo-se da verdade e revestindo-se da justiça, calçando a
preparação do evangelho da paz, segurando o escudo da fé e, tudo isso, tendo na cabeça o
capacete da salvação e, na mão, a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus (ver Ef 6.10-
19-8).
Podemos ver, na Bíblia, quatro tipos de influência demoníaca:

1. Tentação
2. Opressão
3. Obsessão
4. Possessão

Powlison fornece alguns passos para um melhor caminho, com base no Novo
Testamento, aqui adaptados:

1. Lutar e vencer a batalha espiritual mediante a descoberta de que é o Senhor quem


governa céus e terra.
2. Lutar e vencer a batalha espiritual, aprendendo a encontrar refúgio no Senhor Jesus
Cristo.
3. Lutar e vencer a batalha espiritual, aprendendo a procurar sabedoria na Palavra.
4. Lutar e vencer a batalha espiritual, parando de lutar sozinho e aprendendo a
comunhão dos santos.
5. Lutar e vencer a batalha espiritual, crescendo no entendimento dos pensamentos e
intenções do coração.
6. Lutar e vencer a batalha espiritual, falando palavras que transmitam graça.

21
Ibid., pp. 50-52.
22
Ibid., pp. 66-68.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 19

7. Lutar e vencer a batalha espiritual, servindo a Deus e aos outros, especialmente em


relação aos que estão em autoridade.
8. Lutar e vencer a batalha espiritual, aprendendo o papel da oração e sobre a
verdadeira vida de oração.

DINÂMICAS DA VIDA ESPIRITUAL

EU x NÓS
EXPERIENCIAL x REVELADO
NOVAS REVELAÇÕES x BÍBLICO, HISTÓRICO
AQUI E AGORA x AQUI, AGORA E PARA SEMPRE
ESPIRITUAL x ESPIRITUAL/MATERIAL
SINAIS E MARAVILHAS x REAL, NORMAL, AÇÃO SOBRENATURAL
LUTAS DE PODER x LUTAS NO PODER DE CRISTO
DE DENTRO PARA FORA x DE CIMA PARA DENTRO E PARA FORA
TERAPÊUTICO x REDENTIVO
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 20

NATUREZA DA CURA

ESPIRITUALIDADE

Existe, por aí, mais perguntas do que respostas em relação à espiritualidade. O que
é espiritualidade? Como posso ser espiritual? O que posso fazer (devocional)? A
grande pergunta, contudo, foi feita de maneira completamente diferente: Onde habitas?
A palavra habitação, na Bíblia, é um termo bastante “elástico” que apresenta
impressionantes figuras descritivas da vida espiritual. Isaías 57.15, diz: “Porque assim
diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no
alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para
vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos.”
Considere o Evangelho de João:

Assunto Jesus habita em Deus 1.1-3, Verbo, Luz e Vida


Tema: Jesus é Deus/Homem 1.14 Habitou conosco em graça e verdade
Proposição Jesus é vida em quem habita toda vida 20.31 “para que, crendo tenhais vida”
Movimentos habitacionais: 18.28
1, Habitação com os homens decaídos 1—7: Vim do Pai (encarnação)
Argumentação 2. Habitação em um mundo decaído 8—13: Entrei no mundo (lei e lei do amor)
3. Habitação vicária na cruz 14—19: Deixo mundo (morte e ressurreição)
4. Habitação nos lugares celestiais 20—21: Vou para o Pai (ascensão e Pentec.)

O apóstolo João, no cap. 1 – depois de argumentar sobre a essência de Cristo, o


Verbo, sobre o testemunho da Luz e sobre a Vida prometida aos que crêem – ilustrou seu
ponto: João Batista, cuja vocação e formação estavam impregnadas dos conceitos de
justiça e amor divinos revelados na Lei judaica, vendo Jesus passar, indicou a seus
seguidores: “Eis o Cordeiro de Deus! Os dois discípulos, ouvindo-o dizer isto, seguiram
Jesus. E Jesus, voltando-se e vendo que o seguiam, disse-lhes: Que buscais? Disseram-lhe:
Rabi (que quer dizer Mestre), onde assistes (meno, habitas)?” (vv. 36-39). Mestre, onde
habitas? Onde o Senhor habita?
Esta é a grande pergunta: Mestre, onde habitas? A verdadeira espiritualidade não
diz respeito às nossas capacidades ou habilidades, mas reside em Cristo, em quem “habita,
corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl 2.9) e de quem “somos para habitação
de Deus no Espírito” (Ef 2.22). Fomos criados para habitar e, desalojados de nossa
habitação, ansiamos por localização, pertinência, identificação.

VISÃO SECULAR DA ESPIRITUALIDADE

Michael Polanyi – a quem um de seus maiores estudiosos, Davi Charles Gomes,


considerou o acadêmico secular que mais se aproximou da fé cristã, sem, contudo,
aproximar-se do Deus vivo em função da dúvida quanto à revelação específica de Deus na
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 21

Escritura e em Cristo23 – disse: “O avanço do bem estar, portanto, parece não ser o
propósito da sociedade, mas, antes, uma tarefa secundária na qual vê uma oportunidade
para preencher seu verdadeiro objetivo no campo espiritual... Mas eu expresso minha
crença de que o homem moderno retornará a Deus por meio da clarificação de sua cultura e
propósitos sociais. O conhecimento da realidade e a aceitação de obrigações que guardam
nossa consciência, uma vez firmemente realizadas, revelarão Deus no homem e na
sociedade”.24
Embora reconhecendo o fato de que o indivíduo e a sociedade não construirão a
habitação de Deus (“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do
céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas” – At. 17.24), cremos
mais, que Deus revelou sua vontade na Escritura e em Cristo, e realizou sua habitação em
nós, individualmente e na igreja, para que habitássemos nele por meio da obra completa e
consumada de Cristo, o qual anunciamos ao mundo como glória e salvação vinda de Deus.

VISÃO BIBLICA DA ESPIRITUALIDADE

Segundo Lovelace, a verdade revelada pelo Espírito Santo para nos livrar dos
poderes da carne, do mundo e do diabo, e para nos conduzir ao triunfo na batalha e ao
descanso espiritual, é o ensino bíblico que revela o caráter santo de Deus, a profundidade
de nosso pecado, e os elementos da verdade redentora em Jesus Cristo. Tal verdade é o
ponto central da continuada renovação espiritual.25 Assim, adaptamos de Lovelace a
estrutura seguinte:

I. Consciência espiritual
A. Da suprema santidade de Deus (justiça e amor)
B. Da profundidade do pecado humano (individual e coletivo)
II. Consciência espiritual do evangelho “em Cristo”
A. Justificação: somos aceitos pela graça mediante a fé
B. Santificação: somos libertados das cadeias do pecado
C. Habitação do Espírito: não estamos sós
D. Sob autoridade: somos capacitados para as boas obras
III. Consciência das obras que Deus de antemão preparou
A. Instrução: edificação pessoal e eclesiástica até termos a mente de Cristo (des-
aculturação e assimilação da vida pela Palavra)
B. Comunhão: unidade com Deus e com a igreja, ajuda mútua
C. Adoração: culto público, familiar e individual, meditação na Palavra e
dependência em oração.
D. Serviço: na igreja e da igreja no mundo (missões)

23
Gomes, Davi Charles. De Rattonibus Cordis Coram Deo: The Limits of Michael Polanyi, pp. 220, 221.
24
Polanyi, Michael. Science, Faith and Society. Chicago, University of Chicago, 1946, p. 84.
25
Lovelace, Richard F, Dynamics of Spiritual Life. p. 91.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 22

CONSCIÊNCIA ESPIRITUAL

A consciência espiritual não é uma capacidade humana, mas poder divino.


Ninguém virá a Deus se este não o chamar, e ninguém “verá” a Deus se não lhe for
aceitável. O Espírito de Deus produz essa consciência nos seres humanos em geral
(“Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: do pecado,
porque não crêem em mim; da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais; do
juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado” – Jo 16-8-11).
O apóstolo Paulo, escrevendo aos coríntios, disse:

Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito,
que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o
Espírito de Deus. Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o
Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado
gratuitamente. Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria
humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais.
Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são
loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Porém
o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por
ninguém. Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós,
porém, temos a mente de Cristo” (1Co 2. 11-16).

Aos romanos, ele também disse:

Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de
conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes
mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a
consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se
(Rm 2.14-15).

CONSCIÊNCIA DA SUPREMA SANTIDADE DE DEUS

Jeremias proclama: "o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que
eu sou o Senhor e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me
agrado, diz o Senhor" (Jr 9.24); Oséias exorta: "Conheçamos e prossigamos em conhecer
ao Senhor; como a alva, a sua vinda é certa; e ele descerá sobre nós como a chuva, como
chuva serôdia que rega a terra" (Os 6.3); Jesus diz: "E a vida eterna é esta: que te
conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (Jo 17.3).
Tal não é um conhecimento apenas cognitivo nem apenas sentimental, mas o
verdadeiro conhecimento pessoal da revelação divina, o conhecimento experimental do
próprio caráter de Deus - do caráter santo de Deus. É o conhecimento do controle, da
presença e da autoridade de Deus.
Ana havia derramado seu coração na presença do Senhor sob forte desejo de gerar
um filho, o qual seria consagrado ao Senhor; recebida a bênção, ela orou, dizendo: "Então,
orou Ana e disse: O meu coração se regozija no Senhor, a minha força está exaltada no
Senhor; a minha boca se ri dos meus inimigos, porquanto me alegro na tua salvação. Não
há santo como o Senhor; porque não há outro além de ti; e Rocha não há, nenhuma, como
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 23

o nosso Deus" (1 Samuel12:1-2). O conhecimento pessoal de Deus desperta o coração para


a sua santidade! Por isso também Moisés entoou um hino ao Senhor: "Ó Senhor, quem é
como tu entre os deuses? Quem é como tu, glorificado em santidade, terrível em feitos
gloriosos, que operas maravilhas? Estendeste a destra; e a terra os tragou. Com a tua
beneficência guiaste o povo que salvaste; com a tua força o levaste à habitação da tua
santidade" (Ex 15.11-13).

CONSCIÊNCIA DA PROFUNDIDADE DO PECADO HUMANO

A consciência espiritual descrita na Escritura implica o conhecimento de Deus e o


conhecimento de nós mesmos. Calvino, sob o título O conhecimento de nós mesmos
conduz-nos a conhecer a Deus, dizendo que a soma de quase todo nosso conhecimento
consta de duas partes: do conhecimento de Deus e do conhecimento de nós mesmos; e que
"Como, porém, de muitos elos se entrelaçam, qual, entretanto, precede ao outro e ao outro
origina, não é fácil discernir ... Conseqüentemente, pelo conhecimento de si [mesmo] é
cada um não apenas aguilhoado a buscar a Deus, mas até como que pela mão conduzido a
achá-lo"?26
Lovelace diz que o conhecimento de Deus e o conhecimento do "eu" são
pré¬condições da vida espiritual, pois aquilo que é despertado no coração de quem vê a
santidade de Deus é a visão de sua própria condição à luz da natureza de Deus.27 Foi isso
que Isaías experimentou em visão:

No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime


trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele;
cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e
com duas voava. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o
Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. As bases do limiar se
moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. Então, disse eu: ai
de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de
um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!
Então, um dos serafins voou para mim, trazendo na mão uma brasa viva, que tirara
do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou
os teus lábios; a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado o teu pecado. Depois disto,
ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse
eu: Eis-me aqui, envia-me a mim. Então, disse ele: Vai e dize a este povo: Ouvi,
ouvi e não entendais; vede, vede, mas não percebais. Torna insensível o coração
deste povo, endurece-lhe os ouvidos e fecha-lhe os olhos, para que não venha ele a
ver com os olhos, a ouvir com os ouvidos e a entender com o coração, e se
converta, e seja salvo (Isaias 6.1-10).

E é disso também que Pedro fala:

... graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento de Deus e de Jesus,
nosso Senhor. Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as
coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que

26
João Calvino, As Institutas ou tratado da religião cristã, 4 vols., trad. de Waldyr Carvalho Luz, São Paulo: Casa
Editora Presbiteriana, 1985, 1.1, cf os. 53-54.
27
Lovelace, Dynamics, 82.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 24

nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as
suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos tomeis co-
participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no
mundo (2 Pd 1.2-4).

MODELO BÍBLICO DE REAVIVAMENTO ESPIRITUAL

A história da igreja do Novo Testamento tem sido um retrato da história da igreja


do Velho Testamento. Há um pacto feito, uma quebra do pacto e um retorno ao pacto.
Parece que já nos acostumamos com o movimento de pêndulo, crendo que um
reavivamento seja sempre necessário. Certamente, o reavivamento é bom. Mas deveria ser
constante, diário, e não feito de crises e emergências.
O apóstolo Paulo dá graças a Deus no meio de tribulações: "Graças, porém, a Deus,
que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo, e, por meio de nós, manifesta em todo lugar
a fragrância do seu conhecimento. Porque nós somos para com Deus o bom perfume de
Cristo; tanto nos que são salvos, como nos que se perdem." (II Co. 2.14-15). Graças a
Deus, nossos altos e baixos não têm de vir do pecado; vêm, sim, das tribulações e
provações que erguem nossa alma, nos trazem próximos do Autor da nossa salvação, nosso
Triunfo! Ele que é a Vida eterna, é o nosso Modelo de vida eterna. Nenhum despertamento
espiritual ocorre se não for baseado nele, causado por ele e após ele.
Na maioria das vezes, a igreja prefere seguir líderes que parecem espirituais, mas
que não seguem o Líder, o Verbo de Deus. Israel encontrou avivamento espiritual sob Joás,
Amazias e Hezequias através da redescoberta das Escrituras. Este foi o meio, também, pelo
qual o coração dos discípulos foi avivado após a morte e ressurreição de Jesus Cristo:
"Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos
expunha as Escrituras?" (Lc 24.32). Assim deveria ser com a igreja, como escreve
Lovelace:

O conceito de um remanescente crente tem uma constante e perturbadora aplicação


para a era da igreja. Durante todo o tempo, a igreja tem sido um rio que algumas
vezes corre sob a terra para, então, emergir além e expandir suas águas em
despertamentos e suprir reservatórios que refrescam e transformam a cultura de
gerações.28

A verdadeira espiritualidade flui da união com Cristo, não meramente da imitação


de Cristo (título do livro de Thomas à Kempis).
Os movimentos, na história da igreja que envolveram questões sobre a
espiritualidade sempre oscilaram entre a visão de Deus e a visão do homem. A igreja tem
experimentado, vez por outra, um desvio, tentando evitar uma visão de um Deus soberano
e santo que se ire contra o pecado e cuja ira se manifeste do céu contra o homem que
detém o pecado pela injustiça, e substituindo-o por um Deus "manso e suave" que quase
não precisava que Jesus sofresse a morte vicária em seu lugar.29

28
Ibid.,73.
29
Veja ibid., 85.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 25

CONSCIÊNCIA ESPIRITUAL DO EVANGELHO “EM CRISTO”

O que é que nos motiva a buscar mais espiritualidade? Escrevi, em Terras dos
Brasis, que a analogia da filiação, fraternidade e serviço que temos em Cristo alarga nossa
compreensão do "nome de Deus" na Grande Comissão – Pai, Filho e Espírito Santo. Deus
triuno opera em nós de maneira que nos identifiquemos, pela graça mediante a fé, com sua
própria natureza.
A motivação do crente que realmente se apropriou dos benefícios da obra de Cristo
é pactual antes de "outras coisas". Não vem a Deus por causa de suas bênçãos, mas porque
é Deus. Acolhe as bênçãos com gratidão porque Deus é bom e sua misericórdia dura para
sempre. Não é grato a Deus porque responde a orações, mas porque ele é o Deus que faz o
querer e o realizar; ora porque Deus o quer, e não exige, mas roga pela compreensão da sua
vontade, a dele e não a própria. Não segue a Cristo porque é crente, mas é crente pelo que
Cristo é. Não se deixa salvar por "qualquer coisa", mesmo boa e louvável, que não seja
Jesus Cristo. Não deseja o dom do Espírito para ter poder, mas entrega-se ao poder do
Espírito para toda a boa obra. Não quer os dons para ajuntar "brinquedos", mas para dar e
receber na comunhão dos santos.30
Na verdade, não existe outro princípio para o avivamento espiritual individual e
corporativo senão o evangelho da redenção consumada em Cristo, nem outro método senão
a redenção de Cristo aplicada à vida integral e eterna.

JUSTIFICAÇÃO: SOMOS ACEITOS PELA GRAÇA MEDIANTE A FÉ

JUSTIÇA DE DEUS E JUSTIFICAÇÃO DO ÍMPIO


O tema da justiça de Deus está relacionado ao Seu próprio ser. Deus é justo e bom.
Foi isso que o diabo pôs a prova, quando tentou Eva no Éden. O relato de Gênesis 3.1-6
diz que a serpente (o diabo, Ap 12.9) iniciou a tentação argumentando sobre a justiça de
Deus segundo Sua mesma palavra: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore
do jardim? Eva, demonstrando ciência do que Deus ordenara a Adão (Gn 2.15), respondeu:
Do fruto das árvores do jardim, podemos comer, mas da árvore que está no meio do
jardim, disse Deus, não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais. Lendo o que se
segue, pode-se até sentir o que ia por trás das palavras da serpente: "Que injustiça!" É certo
que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os
olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. "Deus é injusto oferecendo-lhes
o bem e reservando o mal para Si". As palavras de dúvida da serpente despertaram cobiça
em Eva. Fizeram o fruto da árvore mais agradável e desejável para dar entendimento. Ela
abrigou as palavras do diabo no coração e deve ter imaginado que aquilo que Deus,
injustamente, havia-lhe negado, ela o tomaria por direito! Desde então, o tema da justiça de
Deus versus a justiça humana tem perpassado a nossa história. Invertemos a ética da
palavra de Deus de uma ética de responsabilidade para uma ética de direitos. "Afinal",
pensamos, "eu não pedi para nascer ... "
A visão da justiça de Deus da perspectiva humana caída é uma visão
antropocêntrica. Deus é igual ao homem, mesmo que maior e mais forte. Até mesmo a
visão do povo de Israel, a quem Deus chamou para receber Sua Palavra, para testemunhar
30
Wadislau Martins Gomes, Em Terras dos Brasis, Brasília: Refúgio, 1997,42-43.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 26

Sua Palavra e para ser o meio humano da Palavra viva, Jesus Cristo (Rm 9.4,5), interpretou
de forma errada a questão da justiça, tendo zelo por Deus, mas sem entendimento.
Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria, não
se sujeitaram à que vem de Deus (Rm 10).
A justiça que vem de Deus estabelece, primeiro, sua própria identidade: Deus é
justo e bom (Sl 145.17). Em segundo lugar, estabelece que as justiças humanas, por causa
do pecado, são como trapos de imundícia (Is 64.6). A justificação do homem diante de
Deus é a conciliação de Sua justiça e Sua bondade em Cristo Jesus, que se fez por nós:
sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção (1Co 2.20). Paulo escreveu aos romanos
dizendo acerca da justiça de Deus: " ... visto que a justiça de Deus se revela no evangelho
de fé em fé, como está escrito: O justo viverá pela fé" Rm 1.17. E Antony Hoekema
comentou assim: “A ‘justiça de Deus’ que Paulo tinha em mente não era a justiça punitiva
que levava Deus a punir os pecadores, antes, era a justiça que Deus ofertava ao pecador
necessitado, e que este aceitava pela fé”.31

POR QUE A JUSTIFICAÇÃO?


Os crentes romanos que receberam a carta de Paulo eram, provavelmente, alguns
daqueles judeus que haviam estado em Jerusalém durante o Pentecostes. Paulo, igualmente
judeu, queria lhes comunicar o evangelho de Deus, prometido pelos profetas nas Escrituras
com respeito ao Filho, nascido, segundo a carne, da descendência de Davi, morto e
ressurreto para nossa justificação. Esses judeus haviam aprendido a viver pela lei dada por
meio de Moisés para revelar a glória de Deus e a glória perdida para o homem. Para
entender a graça e por amor do Seu nome, eles deveriam saber que, sem a graça, a justiça
de Deus se revela em ira contra todos que detém a verdade pela injustiça, quer judeus, quer
gentios (Rm 1). Então, ele pergunta e responde:
“Qual a vantagem do judeu? .... Muitas, sob todos os aspectos. Principalmente
porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus. E daí? Se alguns não creram, a
incredulidade deles virá a desfazer a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma! Seja Deus
verdadeiro e mentiroso todo homem, segundo o que está escrito: Para seres justificado nas
tuas palavras e venhas a vencer quando fores julgado. Mas, se a nossa injustiça traz a lume
a justiça de Deus, que diremos? Porventura será Deus injusto por aplicar a sua ira? (Falo
como homem.) Certo que não. Do contrário, como julgará Deus o mundo? E, se por causa
da minha mentira fica em relevo a verdade de Deus para a sua glória, por que sou eu ainda
condenado como pecador? E por que não dizemos, como alguns, caluniosamente, o fazem:
Pratiquemos males para que venham bens? A condenação deles é justa. Que se conclui?
Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que
todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado ...” (Rm 3.1-9).
Os que receberam a Revelação (oráculos) especial de Deus e aqueles que recebem
apenas a Sua revelação geral (Rm 1.19-20) estão todos debaixo da justiça de Deus
manifesta em ira (Rm 1.18). Nenhuma vantagem há em ser judeus no que se refere à
justiça de Deus, como Paulo continua dizendo, citando o Velho Testamento: “... como está
escrito: Não há um justo, nem sequer um, não há quem entenda, não há quem busque a
Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, nem um
sequer. ... desconheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos.”
(Rm 3.11-12, 17-18). Tudo o que a lei diz, explica Paulo, é para que se cale toda boca e

31
Antony Hoekema, Salvos Pela Graça, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1997, 59.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 27

todo o mundo seja culpável diante de Deus “... pois todos pecaram e carecem da glória de
Deus” (Rm 3.19-20, 23).
Mais uma vez, fica a pergunta: Então, por que Deus escolheu o povo de Israel?
Certamente para conhecer e viver a santidade da lei, segundo a Sua aliança, e para
pregar a Sua justiça a todos os povos, a fim de que houvesse um testemunho Escrito e vivo
de que a justiça de Deus existe e que ela foi transgredida por todos os homens. Só assim os
homens podem diferenciar entre justiça própria e justiça de Deus e compreender toda a
extensão do seu pecado. Só assim o homem pode compreender a extensão da bondade de
Deus para conosco, assumindo sobre Si mesmo, em Cristo, a ira de Sua justiça. Por isso
Paulo diz ainda:
Mas, agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos
profetas; .... mediante a fé em Cristo Jesus .... sendo justificados gratuitamente por sua
graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus; a quem Deus propôs, no seu sangue,
como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, .... tendo em vista a
manifestação da sua justiça no tempo presente para ele mesmo ser justo e justificador
daquele que tem fé em Jesus (Rm 3.21-22,24-26).
O sacrifício vicário de Cristo toma propícios diante de Deus todos aqueles que
foram chamados para depositar fé nele e na sua obra de redenção - a nós, que maculamos a
Sua santidade, ferimos Sua justiça e desprezamos Sua bondade. Ninguém pode se gloriar
por ter recebido Sua graça, porque a salvação é pela graça, mediante a fé, não por meio de
obras. Pela justiça verdadeira, o único direito que nos conferem as obras sem a fé em
Cristo é a morte por causa do pecado. Mas Deus justifica pela fé, confirmando a lei que diz
que ninguém é justo senão Aquele que é justo e justificador.

COMO SE PROCESSA A JUSTIFICAÇÃO?


Um réu justamente condenado, mesmo depois de cumprir a sua pena, continuará
sendo alguém que já transgrediu a lei, pois pagar a pena não anula o crime; e nem mesmo o
perdão puro e simples tem o poder de tomar um homem justo. Nada há no mundo que
possa tomar justo o injusto. O homem pode até mesmo pagar a sua própria dívida para com
Deus, mas de que adiantaria isso uma vez que ela seria paga em prestações eternas, com a
morte, no inferno? E quando à salvação, diz o salmista: Ao irmão, verdadeiramente,
ninguém o pode remir, nem pagar por ele a Deus o seu regate (pois a redenção deles é
caríssima, cessará a tentativa para sempre) para que continuasse a viver para sempre (Sl
49.7-9). Como, então, se processa a justificação?
Em Romanos 4, Paulo faz essa pergunta em relação a Abraão, a quem foi feita a
promessa (veja Gl 3.1-9):
“Que, pois, diremos ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne? Porque se
Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus. Pois,
que diz a Escritura? Abraão creu em Deus e isso lhe foi imputado para justiça. Ora, ao que
trabalha, o salário não é considerado como favor, e, sim, como dívida. Mas ao que não
trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça. E é
assim também que Davi declara ser bem aventurado o homem a quem Deus atribui justiça,
independentemente de obras: Bem aventurados aqueles cujas iniqüidades são perdoadas, e
cujos pecados são cobertos; bem aventurado o homem a quem o Senhor jamais imputará
pecado .... A fé foi imputada a Abraão para justiça. Como, pois, lhe foi atribuída? Estando
ele já circuncidado ou ainda incircunciso [isto é, da lei de uma aliança terrena, o corte do
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 28

prepúcio]? Não no regime da circuncisão, e, sim, quando incircunciso. E recebeu o sinal da


circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda incircunciso; para vir a ser o
pai de todos os que crêem, embora não circuncidados, a fim de que lhes fosse imputada a
justiça, e pai da circuncisão, isto é, daqueles que não são apenas circuncisos, mas também
andam nas pisadas da fé que teve nosso pai Abraão antes de ser circuncidado. Não foi por
intermédio da lei que a Abraão, ou a sua descendência, coube a promessa de ser herdeiro
do mundo; e, sim, mediante a justiça da fé. Pois, se os da lei é que são herdeiros, anula-se a
fé e cancela-se a promessa, porque a lei suscita a ira; mas onde não há lei, também não há
transgressão. Essa é a razão por que provém de fé, para que seja segundo a graça, a fim de
que seja firme a promessa para toda a descendência, não somente ao que está no regime da
lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão ...” (Rm 4.1-16).
O que temos de entender é que todos estamos debaixo da maldição da lei: da lei de
Deus, porque pecamos contra Ele, e da nossa própria lei porque somos incapazes de
cumprir sequer a nossa justiça própria (Rm 2.11.16; Gl 3.10-12). Por isso Deus usou de
justiça e de bondade para conosco entregando o Senhor Jesus Cristo para morrer em nosso
lugar, imputando sobre ele os nossos pecados, e O ressuscitou dentre os mortos para nos
imputar Sua justiça. Sobre isso Paulo diz: "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-
se ele mesmo maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aquele que for
pendurado em madeiro; para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios em Cristo
Jesus, a fim de que pela fé recebêssemos o Espírito prometido" (Gl 3.13; veja Rl 4.16-25).

QUAL É O RESULTADO DA JUSTIFICAÇÃO?


O resultado do pecado é a morte e a inimizade contra Deus (Romanos 6.23), e o
resultado da justificação é vida e paz. Isso tem implicações profundas no ser, pois se deriva
do próprio ser de Deus. Como Deus é justo e bom, o justificado em Cristo tem acesso, pela
fé, à Sua graça, plena de justiça e de bondade. O apóstolo Paulo assim argumenta, em
Romanos 5: "Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus, por meio de nosso
Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta
graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus" (5.1,2).
Esse mesmo argumento é desenvolvido na carta aos Filipenses, onde Paulo adverte
os crentes quanto ao legalismo dos que adoram a si mesmos e seguem as leis, motivados
por justiça própria. Nós que adoramos a Deus no Espírito não podemos confiar na carne,
diz ele (Fp 3.3). Fomos justificados e, sem justiça própria, temos acesso, pela fé, à graça de
refletirmos a glória de Deus. Em 2 Coríntios ele diz: “Porque Deus que disse: De trevas
resplandecerá luz – ele mesmo resplandeceu em nossos corações para iluminação do
conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (4.6). Para nós já não há auto-imagem,
mas nossa imagem é a de Deus; nem auto-realização, pois nosso desejo é realizar a obra de
Deus; nem auto-estima, pois nossa tarefa é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como a nós mesmos. Isso significa, não que devemos amar a nós mesmos para amar o
próximo, mas que devemos a amar a Deus sobre todas as coisas e, nesse amor, amar o
próximo com o amor com que já somos amados por Deus. Afinal, nós já nos amamos o
suficiente, a ponto de o Senhor Jesus dizer que devemos negar a nós mesmos para
conhecer a realidade do que é conhecê-lo, segui-lo e refleti-lo. A justiça de Deus, portanto,
excede todo o entendimento humano de justiça, elevando-nos a uma vida diante Deus.
Naquilo que estávamos incapacitados para cumprir a lei segundo a justiça de Deus,
a graça, pela mesma justiça, nos habilita a vive-Ia. A justificação nos retira de sob a
condenação da lei para e nos colocar numa posição diante de Deus que nos permite viver a
lei do Espírito e da vida. Na verdade, a graça não anula a lei, mas oferece muito mais em
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 29

relação a ela. Antes, todos nós andávamos sob a estrada da lei, mortos e enterrados sob ela
por causa do pecado. Mas a Cristo, em Sua morte e ressurreição, nos vivificou, pelo
Espírito, dando-nos a capacitação para andar nela (Rm 8.1-11). Daí a continuidade da
argumentação de Paulo:

"E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo
que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a
experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde porque o amor de Deus é
derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi outorgado" (Rm
5.3-5).

Quem tem o conhecimento da glória de Deus em Jesus Cristo e sua esperança é a de


glorificá-lo, tem essa mesma esperança de glória nas tribulações. Nada há que possa fugir
ao controle, à presença e à autoridade de Deus; por isso, aquele que glorifica a Deus
persevera confiante no meio das circunstâncias, adquire dupla experiência – a de que o
Senhor e justo e bom, e a do aprendizado de como viver a justiça e o amor de Cristo, no
Espírito – e se enche de uma esperança que não confunde, pois o novo ser nascido de Deus
não vive mais pela justiça própria senão a justiça de Jesus Cristo, pelo Espírito que nele
habita.
O amor de Deus, e não o amor próprio, passa a ser o motivador principal dos
homens salvos. Antes, perdido o temor do Senhor pelo amor, vivíamos pelo temor dos
homens, procurando agradar a homens e não a Deus. Depois de justificados, no entanto,
tivemos o alvo de nossa vida mudado para um referencial em Deus. Não mais podemos
procurar o favor de homens, ou agradar a homens, pois aí não seríamos servos de Cristo
(Gl 1.10), mas da lei. Servos de uma lei santa, boa e perfeita (veja Rm 7.12) demais para
homens pecadores. A lei que age sobre nós como o ar que respiramos: o mesmo oxigênio
que mantém a vida é o oxigênio que a purifica até a morte quando há desequilíbrio
metabólico. Pela justificação somos restaurados pelo amor de Deus e para o amor de Deus.

Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido
por nós sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados
pelo seu sangue, seremos por ele salvos da irá. Porque se nós, quando inimigos,
fomos reconciliados com Ele mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando
já reconciliados, seremos salvos pela sua vida ... " (Rm 5.8-10).

A paz com Deus, além do livramento da condenação do pecado, abre toda uma vida
de possibilidades na amizade com Deus. Agora sim, refeitos à imagem de Cristo temos
restabelecido em nós o propósito de sermos criaturas receptivamente criativas e ativamente
redentivas. Pessoas que vivem em comunhão com Deus, recebendo e refletindo Sua glória,
e frutificando no mundo para a vida eterna.
Da mesma forma como Paulo disse um dia que as coisas deste mundo não podiam
sequer ser comparadas às do porvir (Rm 8.18), assim também não se pode comparar a vida
antes da salvação com a vida em Cristo.

Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado
a morte, assim também a morte passou a todos os homens porque todos pecaram ...
reinou a morte desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 30

semelhança da transgressão de Adão .. , Todavia, não é assim o dom gratuito como


a ofensa; porque se pela ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a graça de
Deus, e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foi abundante sobre
muitos ... Se pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os
que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio
de um só, a saber; Jesus Cristo.

A justificação, como aí vista, não é apenas uma questão de justiça humana, mas a
justiça e o amor de Deus, são virtudes que pertencem à Sua própria essência, oferecida aos
homens pela graça, mediante a fé, para que se tornem suas próprias virtudes em Jesus
Cristo nosso Senhor (veja 2Pd 1.3-9).
Em um mundo em que a verdade é a verdade de cada um, em que o amor por si
mesmo vem antes de qualquer coisa e em que as obras de um homem visam produtividade
e não frutos de bondade – numa rebelião aberta contra a dependência do controle, presença
e autoridade de Deus – justificação é um termo de difícil entendimento. Para os católicos
romanos, a justificação vem pela fé, mas não depende única e exclusivamente da graça de
Deus. Não é pela graça mediante a fé. E, nesse caso, a fé se torna em obras. E qualquer que
creia que pode justificar a si mesmo por meio de obras, quer por devoção quer por ação,
banaliza a justificação e diminui a graça. A Escritura, claramente, revela que não pode
haver participação humana, no todo ou em parte, na justificação porque não há justiça no
homem e seu único direito é a penalidade do pecado.32 Essa é a parte da graça. Entretanto,
a justificação é pela graça mediante a fé, e a parte da fé é a aquiescência do homem. Como
disse John Owen: “A ratificação do coração acerca do modo da justificação de pecadores
feita por Jesus Cristo é proposta no evangelho como procedente da graça, da sabedoria e do
amor de Deus, contendo uma aquiescência interna quanto a seu interesse e condição”.33
Assim, o coração crê na Palavra de Deus para a justiça, espera no Espírito pela revelação
da graça, e confia no Filho para a justificação.

SANTIFICAÇÃO: LIBERTOS DAS CADEIAS DO PERCADO

Havendo descrito a salvação como uma herança divina – legada pelo Pai, executada
pelo Filho e tutorada pelo Espírito Santo (Ef. 1) – e havendo demonstrado o recebimento
da herança tanto em termos individuais quanto corporativos, pela graça mediante a fé (Ef.
2—3), o apóstolo Paulo, inicia sua exposição sobre o usufruto da herança, dizendo:

Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação
a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade,
suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por
preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; há somente um corpo e um
Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há
um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é
sobre todos, age por meio de todos e está em todos (Ef 4.1-6).

32
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, Scandale, N.Y.: Baker Book House para Westminster Discount Book
Service, s/d, 457.
33
John Owen, The Works of John Owen, ed. William H. Gold (red. Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1967, 5.93.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 31

A santificação é isso. É andar de modo digno da vocação para a união com Cristo,
avaliando cada um a si mesmo da maneira correta e apoiando uns aos outros na caminhada
cristã.
Depois, ele diz:

E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo.


Por isso, diz: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons
aos homens. Ora, que quer dizer subiu, senão que também havia descido até às
regiões inferiores da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima
de todos os céus, para encher todas as coisas (Ef 4.7-10).

Diferente também do que muitos pensam, ninguém se santifica no sentido de subir


aos céus para o "encontro" com Deus. Foi Cristo quem veio a nós para nos levantar
consigo mesmo. A tentativa de elevação em santidade através de obras, sejam valores
morais sejam cultos "enlevados", tudo isso configura legalismo.
A obra da santificação foge à esfera humana. Pensar que com a regeneração
passamos a ter uma nova visão das coisas e, por conseguinte, estamos capacitados a uma
plena santificação, é laborar em erro. A santificação é essencialmente uma obra divina que
envolve a totalidade de nossa vida num processo de abandono do pecado para uma vida de
obediência por meio do treinamento na palavra para o exercício numa nova esfera de vida.
Adiante ainda, Paulo indica o poder da verdadeira espiritualidade de tal processo de
santificação:

Mas não foi assim que aprendestes a Cristo, se é que, de fato, o tendes ouvido e
nele fostes instruídos, segundo é a verdade em Jesus, no sentido de que, quanto ao
trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as
concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e
vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão
procedentes da verdade" (Ef 4.20-24).

Enquanto o pecador não olhar para a cruz do Calvário e não ver a si mesmo ali
crucificado com Jesus ("E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim
importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida
eterna" Jo 3.14-15), não verá a santificação. E morrer com Cristo não significa a morte do
poder do pecado. Para este, o Espírito Santo aplica o sacrifício vicário de Cristo na vida do
crente.

FÉ ARREPENDIDA
Como Lovelace escreve:

Fé e arrependimento não são duas quantidades separáveis. Ter fé é receber a


Palavra como verdade de Deus e descansar nela em confiança; arrepender é ter
uma nova mente para com Deus, seu Cristo e o mundo, em nova obediência. São,
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 32

de fato, dois fatores experimentados em como um só elemento, de maneira que não


sejam fé mais arrependimento, mas fé arrependida.34

Uma fé arrependida, ele continua, é uma crença básica que se origina da


iluminação do Espírito num coração ainda em trevas com respeito à sua própria
necessidade e à grandeza da graça de Deus. Não podemos estar em meia união
com Cristo. A fé na justificação causa o arrependimento para a santificação.
Portanto, a regeneração e a perseverança na eterna salvação "não são acidentes da
reação humana, mas resultado do controle divino".35

Santificação, ao contrário do que muitos pensam, não é um êxtase espiritual ou


religiosidade, mas sim o amadurecimento à medida que Deus assume o controle da nossa
vida em cada uma de suas áreas. A santificação é a aplicação da justificação na experiência
diária do crente. Ela é parte da provisão divina de "todas as coisas que conduzem à vida e à
piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e
virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para
que por elas vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das
paixões que há no mundo" (2 Pd 1.3-4).
Lovelace diz que, por causa da quase ausência da ênfase sobre o pecado, as pessoas
pensam em termos de dois estágios da salvação (segunda bênção). Freqüentemente, a
igreja omite a questão da presença residual do pecado, o sutil envolvimento em pecados
individuais e corporativos, e a graça maravilhosa a nós concedida para a vitória sobre a
carne.36

SANTIFICAÇÃO É GRAÇA MEDIANTE A FÉ


O apóstolo Paulo perguntou aos gálatas:

Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos
aperfeiçoando na carne? Terá sido em vão que tantas coisas sofrestes? Se, na
verdade, foram em vão. Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera
milagres entre vós, porventura, o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé?”
(Gl 3.3-5).

As provisões de Deus para a vida e a piedade incluem a graça para a santificação.


Aquele que se converte terá de ouvir daquele que prega: "Você é aceito por meio da fé em
Jesus Cristo".37
Nossa consciência, mesmo depois de convertidos, nos perturba com dúvidas e
culpas, de maneira que, tendo começado no Espírito, passamos a andar segundo a carne.
Tentamos produzir nossa própria santificação.
Desanimados na luta contra a carne, duvidamos da crença do descanso completo
no Senhor e nos deixamos perturbar pelas lutas da vida. Wesley acreditava que essa
crença na graça santificadora estivesse em desarmonia com o ensino bíblico da vitória da

34
Lovelace, Dynamics, 102.
35
Ibid., 107.
36
Ibid., 109.
37
Ibid., 114.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 33

vida cristã. Vem dai a busca de "poder" que assola a igreja.38 Tal problema refletiu no
movimento da vida profunda e Keswick e se tornou uma parte importante do movimento
neopentecostal. A doutrina da santificação pela graça mediante a fé deverá, portanto, fugir
de dois desvios: (1) a noção de "vida cristã vitoriosa" em termos de pietismo e (2) o
descanso nesta vida em termos de "quietismo". Lembre-se sempre do que Paulo disse:
"Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém,
muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor;
porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa
vontade" (Fp. 2.12-13).

SATISFAÇÃO COM A OBRA COMPLETA DE CRISTO


Jay Adams, analisando o movimento Sonship, fundado por um velho amigo seu,
disse que Jack sempre o havia impressionado por causa da grande insatisfação que
demonstrava. Todos temos nossas insatisfações, diz ele, pois somos imperfeitos e
vivemos num mundo decaído. Mas a insatisfação de Jack não só era exagerada, mas
determinava as suas ações. Sempre faltava "algo mais". Não havia descanso. Jack tinha
uma veia pietista e sempre se colocava no centro de qualquer conversa. Sobretudo, estava
sempre tão certo de tudo que tornava difícil qualquer aproximação. A vida de crise, de
altos e baixos, evidenciava o controle dos sentimentos jamais satisfeitos. Era "como um
sacerdote que oferecia sacrifícios diários sem nenhuma possibilidade de remoção de
pecados”. A noção do sacrifício de Cristo feito "de uma vez por todas" (hapax), em
contraste, parecia ausente.39
A alegria da vida cristã flui da obra consumada de Cristo. Primeiro, há a satisfação
com o que somos em Cristo: "E é por intermédio de Cristo que temos tal confiança em
Deus; não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se
partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência [gr., hikanotes, competência] vem de
Deus" (2 Co 3.5). Temos uma nova imagem, um novo coração que emana da glória de
Deus na face de Cristo (oposto a auto-imagem: "E todos nós, com o rosto desvendado,
contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em
glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito" (2 Co 3.18).
Segundo, há a satisfação com o que temos em Cristo: "Deus pode fazer-vos
abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência (gr.,
autarkeia, autarquia), superabundeis em toda boa obra" (2 Co 9.8). Temos uma nova
fonte de valores: “De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento.
Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo
sustento e com que nos vestir, estejamos contentes” (1Tm 6.6-7).

Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e
qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e
em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome;
assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece (Fp
4.11-13).

Terceiro, há a satisfação com o amor de Deus em Cristo. “Ora, a esperança


não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito

38
Veja meu livro, As Agridoces Cadeias da Graça, Brasília: Refugio, 2001.
39
Jay E. Adams, Biblical Sonship, Woodruff, SC: Timeless Texts, 1999, pp. 7-8, 19-20.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 34

Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5.5). Temos uma nova direção de amor: "Porque
eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou
crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e
esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e
a si mesmo se entregou por mim" (Gl 2.19-20); "Porventura, procuro eu, agora, o
favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda
a homens, não seria servo de Cristo. Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o
evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque eu não o recebi, nem
o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo" (Gl 1.l0-13);
"Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo,
pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo" (Gl 6.14).
Sem a satisfação exclusiva com a obra completa e consumada de Cristo,
jamais nos habilitaremos à verdadeira santidade, firme, frutífera e feliz, como disse
Spurgeon sobre o Salmo 1.

HABITAÇÃO DO ESPÍRITO: NÃO ESTAMOS SÓS


Abraham Kuyper, em The Work of the Holy Spírit, diz que há uma distinção
entre a Igreja como corpo e o indivíduo membro dessa igreja, e que o caráter da obra
do Espírito Santo é necessariamente diferente em uma e outro. A igreja, nascida do
prazer divino, está completa no conselho eterno e o desígnio soberano tem preparado
todo o seu curso, numerando cada um dos seus membros. "A origem do
despertamento da vida eterna vem de cima; não da criatura, mas do Criador, e está
arraigado à sua escolha soberana. E não permanece na escolha, mas é seguida de um
ato igualmente decisivo que força e realiza a escolha.”40
Sinclair B. Ferguson, também comenta sobre isso:
O papel central do Espírito Santo consiste em revelar a Cristo e unir-nos a ele
e a todos os que são participantes de seu corpo. Assim como a habitação de Cristo e
a habitação do Espírito são dois aspectos de uma e a mesma realidade, também
sustentar-nos "em Cristo" ... é o coração e a alma do ministério do Espírito Santo. A
implicação consiste em que o modelo que empregamos para estruturar o ministério
do Espírito tem de ser o da união com Cristo.41
Toda habilitação para a vida cristã vem do Espírito do Deus. O
despertamento do membro e da igreja vem do Espírito Santo, com base no desígnio
do Pai, na obra do Filho e na ação do Espírito. O apóstolo Paulo, na Epístola aos
Efésios, escreve:

Pelo que diz: Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e


Cristo te iluminará. Portanto, vede prudentemente como andais, não como
néscios, e sim como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus. Por
esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a
vontade do Senhor. E não vos embriagueis com vinho, no qual há
dissolução, mas enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos,
entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais,
dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso
Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo
(Ef5.14-21).

40
Kuyper, Abraham. The Work of the Holy Spirit, NY, Funk & Wagnalls, 1900, pp. 203-212.
41
Ferguson, Sinclair B. O Espírito Santo, São Paulo: Os Puritanos, 2000, p. 135.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 35

Uma simples leitura da passagem acima mostrará que o Espírito Santo é o é


executor da nossa herança espiritual legada pelo Pai no testamento de Filho.
Contudo, uma leitura da história da igreja talvez mostre que, ainda que seja o mais
invocado para o nosso despertamento espiritual, talvez seja o mais entristecido ("E
não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção" –
Ef 4.30). Tem havido sempre uma marca d'água em todos as épocas de movimentos
"espirituais", isto é, a ênfase na obra do Espírito Santo. Em seu nome, porém, têm
sido levantadas bandeiras nem sempre condizentes com a justificação e a
santificação em Cristo. O selo do Espírito que marca o indivíduo e a Igreja para a
salvação perpassa a história da igreja verdadeira, enquanto o coração humano tenta
dar foros de legitimidade a falsificações.
Tal como na igreja primitiva e na igreja da reforma (Calvino tem sido
chamado de o teólogo do Espírito Santo e sua ênfase persistiu na obra dos puritanos
Owen e Sibbes) a obra do Espírito Santo tem sido sempre honrada como a agência
soberana na regeneração e na santificação. Entretanto, a ênfase dos grandes
avivamentos no poder para a realização da missão da igreja (o que é verdadeiro, mas
como ênfase secundária, dependente da primária); a ênfase posta por Finney sobre a
oração (igualmente verdadeira, mas também secundária) ainda que negasse a
sobrenaturalidade da conversão espiritual e a insistência em um segundo batismo do
Espírito Santo; a ênfase no poder espiritual concedido ao indivíduo em termos de
dons sobrenaturais da igreja neopentecostal (verdadeiros, mas secundários) e a
ênfase do marketing do evangelho em termos de sinais e maravilhas, tudo isso desvia
o coração do foco central da história da redenção: Jesus Cristo. Charles Parham, em
1900, concluiu do estudo do livro de Atos, que o dom de línguas seria evidência do
"batismo do Espírito". Logo Depois, em 1906, a Azuza Street Revival, em Los
Angeles, lançou o movimento pentecostal na América.

A OBRA TRINA
A Epístola de Paulo aos Efésios é uma exposição sobre a capacitação
individual e corporativa para a obra da igreja. Ela "apresenta uma dimensão do poder
de Deus que nos retira da religiosidade para a dinâmica da vida cristã".42 Nela, o
cristão percebe que os dons não são dados para a promoção da individualidade, mas
para o serviço cristão. Observe uma breve divisão e considerações sobre a epístola:
Proposição: Iluminação para o conhecimento da esperança da vocação, da riqueza da
herança, e da eficácia do poder da plenitude de Deus. (1.17-23)

Divisão:
Cap. 1 – O plano eterno do conselho da Trindade
Uma herança legada pelo Pai (1.1-6)
Uma herança executada pelo Filho (1.7-12)
Uma herança curada pelo Espírito (1.12-14)
Oração testamentária (1.15-23).
Caps. 2 e 3 – O plano de unificação

42
Ibid., 143
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 36

Promovendo a paz entre Deus e os homens (2.1-10)


Promovendo a paz entre os homens (2.11-18).
Promovendo a habitação de Deus no Espírito (2.19.22)
Promovendo a missão da igreja (3.1-13)
Oração pela maturidade da igreja (3.14-21 )
Caps. 4, 5 e 6 - O plano em execução
Conduta coerente (4.1-6)
Programa eficiente (4.7-17)
Novidade de vida (4.17-32)
Vida do indivíduo (5.1-21)
Vida familiar (5.22-6.4)
Vida profissional (6.5-9)
Vida ministerial (6.10-24)

Considerações:
A Epístola aos Efésios apresenta:

‰ Uma perspectiva teo-referente, isto é, tendo em Deus o seu princípio e seu


fim, pois, como disse Paulo aos romanos: "Porque dele, e por meio dele, e
para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" (Rm
11.36).
‰ Uma estrutura arquetípica trinitariana. O pacto intra-trinitário fornece a
estrutura de pensamento para o desenvolvimento da argumentação do
apóstolo Paulo. A teo-referência em um Deus trino fornece a base para o
tratamento dos princípios, natureza, e prática da igreja.
‰ Uma visão de Deus, da perspectiva de sua obra.
‰ Manifestação divina. Deus se apresenta na Bíblia como Criador Trino ("No
princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e
vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por
sobre as águas" Gn 1.1-2, hb., Elohim); "No princípio era o Verbo, e o Verbo
estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus.
Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi
feito se fez" (Jo 1.1-3). Na Epístola aos Efésios, tal estrutura trinitariana surge
logo no primeiro capítulo:
ƒ O Pai se manifesta como o Controlador (vocação, eleição,
predestinação) – Ef 1.3-6.
ƒ O Filho se manifesta como a Autoridade (fundamentação,
execução e guia) – Ef. 1.7-12.
ƒ O Espírito se manifesta como aquele que é Presente
(capacitação, habitação e selo) – Ef 1.13-14.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 37

Os quadros seguintes mostram a dedução de um modelo bíblico de cura interior /


exterior, com três movimentos básicos: de cima e para cima, de fora para dentro e
de dentro para fora.

A mensagem de Efésios é simples: Deus nos chamou para ser profetas de sua
verdade, sacerdotes de seu amor e reis sobre as obras da criação, mediante a adoção de
filhos, união no corpo da igreja e edificação individual e coletiva.

A CURA DO HOMEM INTERIOR E DO HOMEM EXTERIOR

O apóstolo Paulo, em outros lugares, descreve duas interações do ser humano que
estão envolvidas em batalha espiritual: a do homem interior e a do homem exterior. Na
primeira, ele usa os termos “homem interior” e “membros” (homem exterior): “Porque, no
tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus membros,
outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado
que está nos meus membros” (Rm 7.22-23). Na segunda, ele fala da esperança de vitória
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 38

no conflito: “Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem
exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia” (2 Co.
4.16). A terceira, em Efésios, ele parte da premissa da ação do alto, de Deus, sobre o
homem interior, a fim de promover a compreensão das latitudes do homem exterior.

...para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos
com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no
vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de
poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a
altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo
entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus. Ora, àquele
que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou
pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e
em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém! (3.16-21.)

Os movimentos da totalidade do ser humano, homem interior e exterior, as moções


do coração, são como um móbile acionado por Deus mediante a luz da sua revelação, em
um movimento de graça que induzem os afetos da fé, da esperança e do amor. Este
trinômio está na essência do homem interior, finalizando todos os movimentos no ato-
estrutura do corpo que se expressam em comportamentos e emoções.
Recebendo a graça de Deus (geral e específica), acionada do alto (fé discursiva), a
fé tácita (inerente) processa um movimento primário para cima e uma dupla motivação
secundária, uma busca interior para encontrar imanência e uma busca exterior para
encontrar transcendência. A esperança tem um movimento primário para dentro e uma
dupla motivação secundária, uma busca interior para encontrar conhecimento e uma busca
exterior para encontrar significado. O amor tem um movimento primário para fora e uma
dupla motivação secundária, uma busca interior para encontrar identidade e uma busca
exterior para encontrar relacionamento.43

43
Ver Gomes, Wadislau Martins. Aconselhamento Redentivo. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004, pp.
92-92.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 39

Assim, tendo os princípios acima, podemos entender a cura do homem interior e


exterior, proposta pela exposição da Epístola aos Efésios, conforme apresentado no livro
Coração e Sexualidade.44

TEO-REFERÊNCIA
Deus se manifesta como criador soberano glorioso e gracioso
Em controle da verdade Presente em amor Em autoridade sobre tudo
Criação: ser humano criado à imagem de Deus, dependente autárquico para refletir o caráter divino
Profetas da verdade de Deus Sacerdotes do amor de Deus Reis sobre as obras da criação
Queda: homem carente da glória por causa de descrença/reversão, infidelidade/inversão autonomia/reversão
Controlador da “verdade” Agradador (de si mesmo) Ditador (sobre pessoas e coisas)
Redenção: Deus, o Filho, fez-se carne, viveu, morreu, ressuscitou e ascendeu, manifestando glória e graça
Profeta: verdade e justiça Sacerdote: amor justificador Rei Senhor-Servo-Senhor
mediante quem o homem é transformado pela graça mediante a fé e feito à sua imagem
Filho/herdeiro Irmão-herdeiro Servo-rei
Resgatados “de” “para”: da morte para a vida, dos ídolos para Deus, de obras mortas para boas obras,
da inimizade para a paz, da solidão para a comunhão

AUTORIDADE: CAPACITADOS PARA AS BOAS OBRAS

Conquanto muitos crentes ortodoxos achem que qualquer ênfase no Espírito Santo
deveria ser considerada herética, já que o papel do Espírito seria o de apontar para Cristo,
muitos outros crentes estão convencidos de que esta é uma época de muita ênfase no
“poder” do Espírito e de pouca obediência e unção do Convencedor, Consolador, Selo e
Penhor da nossa salvação. Em muitos lugares, é dito que esta é a era do Espírito,
substituindo o verdadeiro evangelho e, em muitos outros, proíbe-se a oração ao Espírito
Santo. Lovelace crê que tal hesitação apresenta uma subordinação antinatural entre as
pessoas divinas e põe em risco a igualdade de poder e glória da Trindade. Essa reação
contra o “entusiasmo” (gr., enthousiasmos, extrabíblico, inspiração “divina” tal como o
sentimento das videntes de Delfos no momento de dar os oráculos) não é o único fator de
medo que tem impedido a igreja de entender a obra do Espírito Santo.45
Entretanto, o reconhecimento dos chamados cristãos pentecostais e dos
carismáticos, de que o Espírito Santo está presente e atuante, e de que os não estamos sós,
também apresenta um mal sem remédio: o desvio das verdades reveladas na Escritura
sobre o poder e a autoridade do Espírito Santo, a confusão entre o ministério do Espírito
Santo no indivíduo e no corpo, e a utilização indevida do poder e autoridade do Espírito
Santo em face do fenômeno da "cidade". Por que, da cidade?
Veja o que Michael Horton diz sobre o assunto:

44
Gomes, Wadislau Martins. Coração e Sexualidade. Brasília, Editora Refúgio, 1999.
45
Lovelace, Richard F. Dynamics, pp. 122-123.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 40

Ao longo do espectro – liberal e conservador, reformado, luterano, batista, católico


romano, e pentecostal – parece haver uma vaguidão geral a respeito do Deus que
adoramos e do propósito do culto. Mas será que temos de escolher entre a rotina
monótona e a perpétua inovação? É parte da preocupação deste livro a
demonstração de que há um caminho melhor.
Por alguma razão – muitas, na verdade – a pregação de hoje perdeu sua força. E o
mesmo aconteceu com o culto em geral, juntamente com seus efeitos: missões,
evangelismo, e cuidado diaconal. Por outro lado, algumas aproximações ao
ministério destes dias reduzem o Dia do Senhor a uma palestra; tudo mais no culto
é posto junto quase ao acaso e de modo circunstancial. E se o culto é reduzido ao
sermão, o sermão é, freqüentemente, reduzido a um exercício doutrinário e a uma
exortação e anuência morais. Algumas pessoas, compreensivelmente, reagindo ao
inte1ectualismo e moralismo enfadonhos, não apenas reconhecem a importância
de outros aspectos do culto (especialmente, o canto vívido), mas, também, mais e
mais tomam a própria pregação uma forma de entretenimento e de expressão
emocional. Além disso, conquanto o material de leitura para pastores, presbíteros,
músicos da igreja e leigos bem informados, costumasse ser baseado em teologia
séria, as bibliografias de hoje incluem, em ordem de procura, estudos de mercado
sobre os não-alcançados pela igreja, psicologia popular, guias de administração e
gerência para executivos bem-sucedidos, e novelas peculiares sobre o fim dos
tempos. Nesse cenário surge o que é chamado de "guerra nas estrelas", na qual
ambos os lados ajuntam textos-prova que, supostamente, encerram o combate de
uma vez por todas, o que resulta na trágica divisão do corpo de Cristo em campos
"tradicionais" e "progressistas", cada qual com seu culto dominical.46

Tal "fenômeno da cidade" não provém de um reavivamento espiritual, mas é


importado do clima urbano do século. Surge de ou encontra respaldo no pensamento pós-
moderno, no pluralismo teológico, na separação entre espiritualidade e santidade, entre
ética/moral e estética. Os maiores agrupamentos eclesiásticos, hoje, não apresentam
nenhuma identidade teológica prática, isto é, nenhuma linha doutrinária coerente que
baseie a ação religiosa. A disputa entre tradicionais e espiritualistas tomou conta do debate.

Como Horton também diz:

O encontro com Deus foi visto pelos reformadores, no Pentecostes, como tendo
ocorrido somente porque Deus havia descido - na encarnação, obediência, morte e
ressurreição de Cristo, e no derramamento do Espírito Santo. Os apóstolos não
tiveram um programa de "reavivamento", mas foram guiados pelo mandamento
direto do Cristo ascendente, o qual lhes deu não somente a salvação como dom
gratuito, mas também o dom de serem testemunhas de Cristo.47

Alguém já disse que a heresia é parasita da boa doutrina; também já foi dito que o
uso de um raio à guisa de eixo torna a roda excêntrica. Assim é que Lovelace diz que a
teoria triunfalista de que Jesus veio para destruir as obras do diabo como se tais obras
fossem somente as batalhas espirituais contras o ocultismo, diminui o poder e a autoridade
do Espírito de Cristo contra o mal e o pecado.48 Jesus Cristo veio para isto: "Para isto se
manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo" (1 Jo 3.8b). Por outro lado,
muitos cristãos ortodoxos, contentando-se em afirmar que o diabo já foi vencido na cruz,

46
Horton, Michael. Um Melhor Caminho. São Paulo, Editora Cultura Cristã.
47
Ibid.
48
Lovelace, Dynamics, p. 134.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 41

esquecem-se do perigo que a carne, o mundo e o diabo apresentam e da ordem para resistir
ao diabo e fugir da tentação.

CONSCIÊNCIA DAS OBRAS QUE DEUS JÁ TEM PREPARADO

Na conclusão do seu sermão baseado em Efésios 2.8-10, discorrendo sobre o v. 10


("Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de
antemão preparou para que andássemos nelas"), Calvino diz que sempre que Deus nos dá a
capacitação paras as boas obras, estas são frutos somente de sua bondade os quais nos são
dados uma vez que fomos perdoados dos nossos pecados. Resumindo, ele diz, duas coisas
são requeridas na entrega do louvor devido a Deus por causa de nossa salvação: Primeiro
que reconheçamos que todas as boas obras e todo bem que ele já nos tem dado não servem
para adquirir para nós mesmos nenhum favor de suas mãos nem servem para que
confiemos nelas, mas apenas demonstram para nós e para o mundo que já fomos perdoados
pelos dos pecados. Segundo, que aprendamos a dar toda a glória a Deus e não a nós ou a
qualquer outra coisa ou pessoas,49 dependendo sempre de sua autoridade e poder.
Deveríamos nos lembrar de que Jesus reteve sua autoridade, até mesmo quando nos
concedeu o poder: "Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide [indo], portanto ...
" (Mt 28-18b-19a.) e "Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou
pela sua exclusiva autoridade, mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo,
e sereis minhas testemunhas" (At 1.8). Toda autoridade humana depende da autoridade de
Deus: "porque não há autoridade que não proceda de Deus" (Romanos 13.1) e, portanto, o
poder para a realização da obra de Deus no mundo não pode ser traduzido na luta pelo
poder que existe na "cidade"?50
Escrevi, em outro lugar, que "o programa da igreja consiste em pregar e viver a
pregação para que a mensagem eterna tenha efeito em primeiro lugar na vida dos seus
membros e, então, seja vista e desejada, seja ouvida e crida por aqueles a quem o Senhor
amou. Esse programa pré-pós-teórico (em que teoria e prática se fundem) existiu desde o
início da história da igreja primitiva":

Com muitas outras palavras deu testemunho e exortava-os, dizendo: Salvai-vos


desta geração perversa. Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados,
havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas. E perseveravam na
doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada
alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos
apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum.
Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida
que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo,
partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza
de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto
isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos (At. 2.40-47).

Tal programa da igreja inclui instrução, comunhão, adoração e serviço. Por que
nesta ordem? Alguém poderia perguntar: "Não seria melhor colocar os elementos do
programa numa ordem de importância, tal como adoração, serviço, comunhão e

49
João Calvino, Sermons on Ephesians, Carlisle, Penn.: The Banner of Truth Trust, (1562) 1975, 167-168.
50
Veja Gomes, Wadislau Martins, As Agridoces Cadeias da Graça.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 42

instrução?" Não, porque sem instrução não haverá conhecimento da verdade (Rm 10.14),
sem comunhão não haverá exibição da verdade em amor (Ef 4.16) nem condições de
adoração (Mt 5.23-24), sem a adoração não haverá serviço que manifeste de modo
completo toda a obra de Deus.

INSTRUÇÃO
Quando falamos de instrução, estamos falando de des-aculturação e integração
para edificação pessoal e corporativa até que tenhamos a mente de Cristo. Uma das
passagens mais completas da Bíblia sobre a instrução em termos de espiritualidade é a de
Efésios 4.
Primeiro, o apóstolo Paulo roga que teoria e prática andem juntas na nossa
caminhada com Cristo, guardadas as implicações individuais e corporativas no vínculo da
unidade espiritual, pela graça mediante a fé, segundo o dom de Cristo (4.1-7).
Segundo, ele reafirma a impossibilidade de alguém alçar a si mesmo a Deus a fim
de ser espiritual; antes, tudo tem de ser e ocorrer na base do dom de Cristo, o qual desceu
para redimir e conceder dons aos homens para vivenciar tal redenção, e subiu para
finalmente nos elevar com ele (4.7-10).
Terceiro, o Senhor concedeu homens dotados como dons para a igreja, a fim de nos
elevar, individual e corporativamente, à verdadeira espiritualidade, à estatura de Cristo
(4.11¬15).
Quarto, a tensão entre a individualização e a socialização tem de ser desfeita. A
"cidade", hoje, e cada vez mais, orienta seus cidadãos a uma vida irreconciliável de
individualização e socialização, promovendo um artifício pecaminoso de unidade externa e
fragmentação externa. Tal estado de incongruência caracteriza, hoje, o indivíduo, a família
e o estado, as relações de vizinhança, empregatícias, etc. A proposta da Palavra de Deus é a
da uma verdadeira instrução que inclua verbo e vida, teoria e prática (4.15-20).
Quinto, a apreensão de Cristo, o Verbo que capacita e habilita o crente e a igreja
para andarem no Caminho envolve a instrução na Verdade e a educação na Vida, o que
implica a renovação do espírito do entendimento, o despojamento da carne e o
revestimento de Cristo. ("No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo
era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio
dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos
homens" – Jo 1.1; "Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão
por mim" – 14.6). (4.20-24).
A autoridade de Cristo é exercida sobre seus filhos, irmãos e servos por meio da
instrução, a qual confere o poder para pregar e viver segundo a vocação celestial. Dessa
maneira, autoridade não significa "autoridade" para obter dominância na concorrência da
"cidade" (cultura) nem para mandar em entidades das trevas, mas aprender a obedecer de
coração à Palavra de Deus. E "poder" não significa "fogos de artifício" tais como os “sinais
e maravilhas” que mais glorificam ao homem do que a Deus.

COMUNHÃO
O Senhor Jesus, na Oração sacerdotal, rogou ao Pai em favor da comunhão da
igreja:
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 43

Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim,
por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai,
em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me
enviaste. Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um,
como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na
unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também
amaste a mim. Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo
os que me deste, para que vejam a minha glória que me conferiste, porque me
amaste antes da fundação do mundo. (Jo 17.20-24.)

A comunhão da igreja reflete (glorifica) a união com Cristo; a união com Cristo
reflete a unidade e diversidade da Trindade. Qual seria o meio bíblico para aplicação do
princípio da união com Cristo na comunhão da igreja? Sem dúvida, a Ceia do Senhor é um
meio de graça que indica a base sobre a qual, pela mesma graça, a igreja processa a
comunhão por meio da vivência da diversidade da vida na unidade de Cristo. A Escritura
não trata do assunto de uma só vez, mas em diversos lugares, dado que é um tema que diz
respeito aos mais diversos aspectos do programa da igreja – instrução, comunhão, adoração
e serviço.

DONS ESPIRITUAIS
Não existe um atalho para a descoberta de dons espirituais. Eles fazem parte da
unidade e da diversidade da dinâmica da vida espiritual. A própria natureza dos dons
torna necessário que nos aproximemos deles segundo o propósito para o qual se destinam:
a capacitação individual para o aperfeiçoamento mútuo dos santos, para o desempenho
do serviço da igreja. Para entender tal propósito teremos de estudá-lo no contexto das
doutrinas bíblicas sobre Deus, sobre a salvação e sobre a igreja.51

Dons de quem?
Veja 1 Coríntios 11.4-7

V.4 –
______________________________________________________________________

V.5 –
______________________________________________________________________

V.6 –
______________________________________________________________________

As listas dos dons


Da maneira surpreendente como a Revelação costuma apresentar seus temas, as
diferentes listas de dons foram dadas no contexto próximo dos textos bíblicos nos quais
aparecem: Romanos 12; I Coríntios 12-14, Efésios 4. Uma perspectiva que considero
"sobreexcelente" é a de que as listas de dons não são exaustivas, mas agrupam os dons em
categorias descritivas universais que cobrem a diversidade concedida a cada membro da
igreja de Cristo para a experiência de crescer na unidade de Cristo.

51
Veja Gomes, Wadislau Martins. Em Terras dos Brasis.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 44

Conceitos
1. Dons (orig., charisma) espirituais (Rm 12): dons concedidos a cada um visando
exercício e compartilhamento para promover a plenitude do caráter de
Cristo (Is 11.2).
2. Dons (orig., dorea) de serviço (Ef 4): indivíduos exercitados nos dons, dados
para o serviço da igreja para promover o amadurecimento coletivo até a
estatura de Cristo.
3. Espirituais (orig., pneumatikos): correção do uso dos dons para aperfeiçoar a sua
aplicação na edificação da igreja e a proclamação do senhorio de Cristo.
4. Manifestação dos dons (I Co): independente da atuação humana.

(Observe a construção gramatical dos textos.)

DONS ESPIRITUAIS SERVIÇOS REALIZAÇÃO MANIFESTAÇÃO


Rm 1.11; 12.1-8 Ef 4.7-11 1Co 12.28 1Co 12. 8-10

APÓSTOLOS SABEDORIA
PROFETAS CONHECIMENTO FÉ
PROFECIA DONS DE CURAR
MESTRES
MINISTÉRIO APÓSTOLOS OPERAÇÃO DE
OPERADORES DE
ENSINO PROFETAS MILAGRES
MILAGRES
EXORTAÇÃO EVANGELISTAS PROFECIA
CURAS
CONTRIBUIÇÃO PASTORES / DISCERNIMENTO
SOCORROS
PRESIDÊNCIA MESTRES LÍNGUAS
GOVERNOS
MISERIÓRDIA INTERPRETAÇÃO
LÍNGUAS

Ordem espiritual:

Em Corinto, a ordem estava invertida:

Ex.: Paulo era pregador, apóstolo e mestre (1Tm 2.7; 2 Tm 1.11)


Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 45

Descrições
Dons espirituais
1. Profecia: dom de exortar, consolar, edificar (1 Co. 14.3), pregando a
Palavra para grupos maiores a fim de expor os segredos do coração
(1 Co. 14.24,25,29-32). Risco: ver o grupo e esquecer o indivíduo.
2. Ministério: dom de servir; percepção especial das necessidades do
trabalho e disposição para realizá-las (Atos 6.1; 1 Co. 16.15, 16).
Risco: tomar-se crítico dos que não cooperam.
3. Ensino: dom de transmitir as verdades da Palavra para treinar a outros no
estudo, no cumprimento e no testemunho (1 Co. 12.28); implica o
bom entendimento da Escritura (At. 16.28). Risco: gostar mais de
estudar do que de transmitir.
4. Exortação: dom de aconselhar, de apoiar, de encorajar (Cl. 3.16; At.
9.27). Inclui a habilidade para fazer a hermenêutica da Palavra e da
pessoa. Risco: dar conselhos sintéticos.
5. Contribuição: dom de multiplicar ganhos e dispô-los nas mãos de outros
e ou o dom de administrar os ganhos de outros para suprir as
necessidades da igreja (At. 9.36). Risco: dominância em função da
posição.
6. Presidência: dom de receber idéias opostas e de encaminhá-las para o
bem comum – inclui o discernimento de pessoas e suas
habilidades/capacidades (Tt. 1.5; 1 Tm. 5.17). Risco: querer
dominar; ver as qualidades dos amigos e a falta de qualidades dos
inimigos.
7. Misericórdia: dom da sensibilidade às necessidades das pessoas e
disposição para ajudá-las (2 Tm. 1.16). Risco: tornar-se crítico dos
que não são tão sensíveis.

Dons de serviço
1. Apóstolos: os que estabelecem os fundamentos da igreja.
2. Profetas: os que expõem a Palavra para audiências maiores.
3. Evangelistas: os que anunciam o evangelho.
4. Pastores-mestres: os que instruem na prática da Palavra e cuidam da vida
da igreja.

ADORAÇÃO
Os aspectos da adoração que queremos abordar, aqui, são os do culto público,
familiar e individual, e da meditação na Palavra e dependência em oração.
Como Lovelace bem disse, o princípio de renovação espiritual do indivíduo e da
congregação começa com a instrução da Palavra por meio de pregação forte e de ensino
efetivo que enfatize os elementos bíblicos da dinâmica espiritual, isto é, uma proclamação
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 46

profunda do evangelho.52 A instrução é beneficiada como farinha para produzir o pão da


comunhão – é a maneira de Deus para transformar teoria em prática, conhecimento em
amor. Amor, mais do que sentimento, é fruto da responsabilidade para com Deus e o
próximo. Uma vez que a comunhão esteja aí montada sobre a base da instrução da Palavra
e erguida no alto do poste da comunhão, a igreja manifestará a luz da glória de Deus
através da adoração.
A adoração é a expressão de surpresa e gratidão da parte daqueles que foram
justificados e estão sendo santificados por meio da Palavra exercitada na comunhão dos
irmãos em Cristo. É contemplação de Deus, mas não apenas contemplação. É encanto,
mas não apenas encanto. É exultação, mas não apenas exultação. É contemplação de Deus
em contrição, encanto com Deus em temor e tremor, exultação com zelo!
Russel Shedd, em um curso ministrado em O Refúgio, disse que é preciso que a
perfeita paz vinda da justificação em Cristo habite ricamente no coração do crente para
que ele esteja satisfeito com Deus, aceitando a si mesmo como especialmente criado por
Deus para as boas obras que ele de antemão preparou, a fim de que a adoração brote do
espírito.53
O culto é a forma mais visível da expressão de adoração da consciência do temor,
do amor, da gratidão e da admiração ante a santidade e beleza de Deus. Aqui, é preciso
separar uma vida cultual de expressão de uma vida idólatra de culto à necessidade.
O que temos visto hoje são estratagemas de crescimento de igreja que tentam imitar
a mídia secular, mas que só conseguem rabiscar caricaturas ridículas. Grupos de louvor
imitam os grupos em voga, cantam músicas sem validade artística e com letras que negam
a Palavra que deveria ser pregada. Às vezes, quando há dinheiro suficiente, o espetáculo
quase chega a ter bom nível técnico, mas o conteúdo continua incongruente com o veículo.
Algumas igrejas crescem com membros flutuantes, ora aqui ora ali; outras, sequer crescem.
Michael Horton escreve:

Não é de surpreender que uma história de capa da Newsweek sobre "A Busca do
Sagrado" observe que os que buscam coisas espirituais insistam em combinações
ec1éticas e recusem submeter-se à disciplina de se tomarem uma coisa ou outra.
Uma indústria de casas de campo, dedicada ao estudo sobre os "consumidores",
tem afirmado, repetidamente, que estamos lidando aqui com uma fascinação
generalizada pela espiritualidade consistente com a mistura e combinação auto
criada, juntamente com a rejeição da religião (entendida como firmada por crenças
particulares e relativamente estáveis, rituais, práticas e ações comunitárias). Gurus
do crescimento de igreja, freqüentemente, tomam isso como um requisito que,
simplesmente, deveríamos cumprir. Lealdade à marca é coisa do passado, e assim,
fora com o velho e vivas ao que é novo.54

Horton fornece uma visão interessante sobre a adoração cultual. No Pentecoste, o


Espírito desceu para dar poder à pregação da Palavra e à evangelização. Ele moveu a igreja
para um enredo dramático por meio do batismo em Cristo, conectando o grande Autor e
seus personagens com a audiência. A Reforma propôs uma volta ao drama do culto
verdadeiramente pentecostal e à pregação da Palavra. O culto, eles reconheceram, não
dizia respeito, primariamente, à ação humana, mas deveria ser centrado na ação divina.

52
Lovelace. Dynamics, p. 148
53
Gomes, Wadislau Martins. Em Terras dos Brasis, 104.
54
Horton, Michael. Um Melhor Caminho.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 47

Deus é não apenas central como objeto do culto, mas também o sujeito – um ator que
reconstitui a cada semana a reunião de estrangeiros e peregrinos como seu próprio povo
redimido.
O encontro com Deus foi visto pelos reformadores, no Pentecostes, como tendo
ocorrido somente porque Deus havia descido – na encarnação, obediência, morte e
ressurreição de Cristo, e no derramamento do Espírito Santo. Os apóstolos não tiveram um
programa de "reavivamento", mas foram guiados pelo mandamento direto do Cristo
ascendente, o qual lhes deu não somente a salvação como dom gratuito, mas também o
dom de serem testemunhas de Cristo.
A igreja medieval havia acumulado muitas inovações doutrinárias e cultuais, e o
leigo comum pouco sabia das Escrituras. Os cultos de adoração introduziram peças morais,
músicas insinuantes para excitar o senso de mistério e majestade, e se apoiaram em
imagens como sendo "os livros dos iletrados", se dizia. O Catecismo de Heidelberg, das
Igrejas Reformadas, troou em resposta: "Não, não deveríamos tentar ser mais sábios que
Deus. Ele quer que seu povo seja instruído pela pregação viva de sua Palavra - não por
ídolos que sequer podem falar".55 Se o povo não estava apto para crescer em maturidade
bíblica, a solução seria conduzi-lo ao crescimento, não, porém, acomodando-o à situação
de degeneração. Calvino chamou o culto, assim como a criação e a redenção, de
"maravilhoso teatro" no qual Deus desce para atuar diante de um mundo espectador. Como
vários escritores têm observado, isso se coloca em contraste com muito do que hoje é
proposto como sendo culto, quer derive sua orientação da alta cultura quer da cultura
popular. É a presença do Espírito através de meios ordenados que torna o culto o teatro da
graça no qual Cristo e todos os seus benefícios são comunicados àqueles que antes "não
eram povo" - quando viviam sem objetivos, sem nenhum enredo que fizesse sentido ou que
desse significado à sua vida fragmentada.
Enquanto nossa época, comumente rotulada de "pós-moderna", vai além,
celebrando essa fragmentação e perda de qualquer identidade estabilizadora, nossa resposta
deverá ser não a de um conservadorismo insensato nem a de uma acomodação igualmente
insensata.56 Os modernos movimentos de batalha espiritual e de cura interior perdem a
visão da “largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade” da adoração,
desconhecendo “o amor de Cristo, que excede todo entendimento”, deixando de ser tomada
de “toda a plenitude de Deus” (Ef 3. 18-19).

55
O Catecismo de Heidelberg (1563), O Dia do Senhor, Pergunta 98, no Ecumenical Creeds and Reformed
Confessions (Grand Rapids: CRC Publications, 1987), 56.
56
Ibid.
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 48

PALAVRA E ORAÇÃO
Muitas bênçãos de Deus providenciadas para nos conduzir à vida e à piedade têm
sido mal utilizadas porque deixam de ser uma expressão de culto para ser uma forma
idólatra de suprimento autônomo das próprias necessidades. A oração é uma delas. A
oração esta ligada à instrução, comunhão, adoração e serviço como elemento de
"habitação" no Senhor em dependência obediente. Certamente ela trás consigo uma
promessa, mas a promessa é derivada do mandamento.
Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não
der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais fruto ainda. Vós já
estais limpos pela palavra que vos tenho falado; permanecei em mim, e eu permanecerei em
vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira,
assim, nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós, os
ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada
podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo,
e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam. Se permanecerdes em mim, e as
minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito. Nisto é
glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos. Como
o Pai me amou, também eu vos amei; permanecei no meu amor. Se guardardes os meus
mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os
mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço. Tenho-vos dito estas coisas para que o
meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo seja completo. O meu mandamento é este: que vos
ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este: de
dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que
eu vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor;
mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a
conhecer. Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós
outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que
tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda. Isto vos mando: que vos
ameis uns aos outros (Jo 15.1-17).

Naquele dia, nada me perguntareis. Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes


alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome. Até agora nada tendes pedido em
meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa. Estas coisas vos tenho
dito por meio de figuras; vem a hora em que não vos falarei por meio de comparações, mas
vos falarei claramente a respeito do Pai. Naquele dia, pedireis em meu nome; e não vos
digo que rogarei ao Pai por vós. Porque o próprio Pai vos ama, visto que me tendes amado
e tendes crido que eu vim da parte de Deus. Vim do Pai e entrei no mundo; todavia, deixo o
mundo e vou para o Pai (Jo 16.23-28).

VONTADE SOBERANA DE DEUS

GLÓRIA DE DEUS

CONHECIMENTO CONHECIMENTO
DA REVELAÇÃO DA VONTADE

OBEDIÊNCIA Área de liberdade COMUNHÃO

Linha da necessidade
IDOLATRIA E ARREPENDIMENTO
AUTOENGANO Área de liberdade DISCIPLINA

AUTO ESTIMA / AUTO


REALIZAÇÃO CRISE JUSTIFICAÇÃO
LUTAS DE PODER
“dentro” e “fora”

VONTADE MORAL VONTADE TEMPORAL


Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 49

SERVIÇO
O serviço na igreja (família da fé – Tiago) e da igreja no mundo (Grande Comissão
– Mt 28.18-20) compõe o quadro da batalha espiritual, a qual requer guerreiros sadios,
interna e externamente curados, isto é, no coração e nas relações pessoais. O evangelho
que transforma nosso coração é o mesmo evangelho que pregamos.
A palavra chave deixa de ser “poder” ou “cura”, para ser “caráter”. O poder
redentor de Jesus Cristo, que cura o coração e vence a luta contra a carne, o diabo e o
mundo, é a fé que decorre da graça (1 João). Assim, o serviço cristão, no crescimento
pessoal e na expansão do reino, assume valor de fé mais do que de obras, e as obras de
nossas mãos refletem a graça de Deus.
Como exemplo, veja a questão da evangelização.

EVANGELISMO IMPLOSIVO
Suponha que você esteja voltando de um estudo bíblico sobre evangelização,
sentindo-se desafiado a falar do evangelho à primeira pessoa que dê tal oportunidade. Num
banco de praça perto de sua casa, um vizinho, professor de ciências do grupo escolar do
bairro, cumprimenta-o e, gentil, convida-o a sentar. Ao lado, um raro pau-brasil domina a
área; um cão pequinês fareja um rato no gramado úmido; o ambiente está pleno de
claridade e calor amainado pelo pela brisa.
Deixe-me fazer uma pergunta daquelas que a gente fica olhando com ar de quem
não se localizou ainda: Qual seria o ponto de contacto entre você e seu vizinho, que lhe
permitira uma conversa evangelizadora efetiva? A árvore, o cão, o sol, o vento? Como
poderia ser, se para o seu vizinho toda a natureza é produto do acaso ao longo do tempo?
Seria você mesmo? Como, ainda, poderia ser, se, além do antagonismo anticristão (a
despeito de toda gentileza) domina o não cristão? Seria ele mesmo? Como, também,
poderia ser, se ele se encontra perdido?
A única resposta seria: Deus mesmo é o ponto de contacto entre o crente e o
incrédulo; e a ausência de Deus, o ponto de contacto entre o incrédulo e Deus.
De posse deste conceito, há mais uma questão: Como é possível falar de coisas
espirituais a alguém que se encontra morto em delitos e pecados? Como disse o Senhor
Jesus a Nicodemos: "Se, tratando de coisas terrenas, não me credes, como crereis, se vos
falar das celestiais?" (João 3). Falar do evangelho a um incrédulo é com um estrangeiro
sem que os interlocutores falem a língua um do outro.
O pensamento pós-moderno (caracterizado pela ausência de absolutos e de
obrigação moral e pelo conceito de que tudo no mundo é construção linguística), agrava a
situação. Seu vizinho poderá até concordar que você tem o direito de crer como crê, mas
você terá de concordar que ele também tem tal direito. Sequer será politicamente correto
tentar uma aproximação proselitista.
O que fazer?
A proposta de um evangelismo implosivo segue o padrão da Grande Comissão:

Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu


e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 50

do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que


vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do
século" (Mateus 28.18-20).

Em Em Terras dos Brasis, ilustrei esse texto, dizendo que, indo, sob a autoridade de
Cristo, apontamos para Jesus andando sobre as águas para que outros o sigam; empurramo-
los para que, além de segui-lo, nadem com ele; e, finalmente, pulamos nas águas junto com
eles para gozar da presença de Jesus. Essa ação envolve realismo com esperança.
Não apontamos para um ideal romântico nem falamos de subir aos céus, mas
apontamos para o Deus conosco e falamos de Cristo em nós.

Quatro tipos de evangelismo (sistema baseado no evangelho)


Quatro tipos (pelo menos) de evangelismo podem ser usados por Deus para a obra
da evangelização (ação de evangelizar). Entretanto, aplicados isoladamente, tais tipos de
evangelismo refletem apenas parte da verdade evangélica e, por isso mesmo, falham com
respeito a atingir o objetivo de Deus.
O primeiro é o mais conhecido e dominou as grandes campanhas evangelísticas dos
últimos séculos até recentemente. É a evangelização de massas. Hoje, a tentativa continua
sendo feita, mas, devido a migração do grande público das salas de espetáculo para a TV, a
evangelização de massas tomou jeito de audiência de sofá (o fenômeno das novas igrejas é
outro).
O segundo tipo o evangelismo intensivo, caracterizado por uma apresentação do
método da salvação. Um grande homem de Deus, excelente evangelista, enviou uma carta
a um amigo. O amigo recebeu a carta do amigo – o que é sempre mais que uma carta,
como disse Paulo, na carta a Filemom, quando enviou Onésimo e, junto dele, o seu próprio
coração: "eu te escrevo, sabendo que farás mais do que estou pedindo" (1.21). Mais tarde, a
carta foi transformada em um folheto, cujo uso implicava treinamento especial, decoração
do texto, etc.
O terceiro tipo é o evangelismo religioso, muito usado nas igrejas tradicionais,
especialmente no século passado. Lembra-se do "convidar para ir à igreja". Tal modelo é
baseado em modelação (testemunhos públicos, testemunho pessoal, "olhe como sou
abençoado", etc.) expectação ("Olhe só o que Deus pode fazer em sua vida") e experiência
espiritual social ("sinta-se bem no nosso meio").
O quarto tipo é o, já fora de moda, evangelismo místico, "de sinais e maravilhas".
Certamente, eu acredito que sinais e maravilhas comprovaram a origem divina do
evangelho e que Deus ainda age supranaturalmente para corroborar a pregação das boas
novas de Cristo. Mas o fato de que a história mostra como ocorreu o processo de desvio
desse tipo moderno de evangelização, é preciso agir criticamente em relação a esse tipo em
especial. Antes, era a Palavra de Deus experimentada, depois veio a Palavra de Deus mais
experiência; depois disso, experiência mais Palavra de Deus; finalmente, está aí a
experiência sem a Palavra de Deus. É um grande desvio.
Correta e juntamente aplicados, os quatro tipos poderão ser bons instrumentos de
evangelização. Pregação de massas com apresentação de métodos e com exibição de
modelos e de poder espiritual pode ser efetiva na proclamação do evangelho, se tiver
conteúdo bíblico suficiente. Isoladamente, porém, tais tipos de evangelismo apresentam
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 51

uma mensagem impessoal, mecânica, religiosa e mística que foge das características da
Grande Comissão.

O grande problema é que tais tipos de evangelismo não atingem os ídolos do


coração, os quais são tentativas para achar substitutos para a soberania, a verdade e o amor
de Deus. Temos de manter em mente que a função da evangelização é pregar a bondade de
Deus para arrependimento e fé a um mundo decaído cuja natureza é rebelde contra Deus,
reversa em termos de pensar o contrário dos pensamentos de Deus, e inversa no sentido de
pensar em referência a si mesmo em vez de em Deus primeiro e depois no próximo como
em si mesmo.
Enquanto os evangelistas não estiverem plenamente convencidos pelo Espírito de
Deus pela instrução da Palavra, sobre a altura da santidade de Deus e da profundidade do
pecado humano, não serão bons evangelizadores; e enquanto os humanos sem Deus não
estiverem convencidos pelo Espírito Santo pela pregação da Palavra, sobre a profundidade
do pecado, da justiça e do juízo, e da altura da santidade e da bondade de Deus não
poderão ouvir, crer e arrepender para serem salvos.

Evangelização implosiva
Por que implosiva? Estou pensando em uma comunicação efetiva que, para bem da
economia do pensamento, preencha três solicitações: (1) um evangelismo (sistema baseado
no evangelho) que fale da obra completa de Cristo ao homem completo, de modo
substancial; (2) uma evangelização (ação de evangelizar) aconselhadora que responda às
questões das pessoas sobre a razão da esperança contra a desesperança de sofismas e idéias
opostas a Deus; e (3) um evangelho (boas novas da salvação) que proponha transformação
de caráter à semelhança de Cristo em termos individuais e corporativos.
O apóstolo Paulo, em Colossenses 1.15-28, fornece uma mostra do conteúdo
evangelístico que tenho em mente. Dado o fato de que a fé contempla o invisível, a
existência, o poder criado e a bondade de Deus (Hebreus 11.3,6), Paulo começa
localizando Jesus Cristo nesse contexto: ele é a imagem do Deus invisível, ponto
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 52

referencial da criação, o qual se fez carne, habitou entre os homens, morreu, ressuscitou e
ascendeu aos céus, de onde enviou seu Espírito para vir habitar em nós, individualmente e
na igreja. E conclui: "Cristo em vós, a esperança da glória; o qual nós anunciamos,
advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que
apresentemos todo homem perfeito em Cristo; para isso é que eu também me afadigo,
esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim"
(vv. 27b-29).

A isso, eu chamo de evangelismo implosivo. Com o que ele se parece? De todas as


situações de evangelismo, na Bíblia, a mais descritiva do processo em termos da natureza e
estratégia é o caso de Filipe e o oficial etíope (At 8.26-40). O relato apresenta aspectos
supranaturais e naturais da experiência do evangelismo implosivo ("uma anjo falou a
Filipe: Dispõe-te e vai ... Então, disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro e
acompanha-o").
O etíope, de volta de adorar a Deus em Jerusalém, vinha lendo as Escrituras, sobre
o profeta Isaías. Indagado se entendia o texto, o oficial da rainha etíope respondeu: "Como
poderei entender se ninguém me explicar?". Para encurtar a história, Felipe discorreu sobre
a passagem, apontando para o Cordeiro de Deus. Implodidas as idéias religiosas através
das quais tentava entender as coisas, o etíope certamente teve sua vida transformada (o
texto deixa transparecer isso na ação do Espírito) e, finalmente, quis ser batizado. "Eis aqui
água; que impede que seja eu batizado? Filipe respondeu: É lícito, se crês de todo o
coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus. Então,
mandou parar o carro, ambos desceram à água, e Filipe batizou o eunuco" (w. 36a-39).
A evangelização implosiva propõe uma base evangelística na igreja caracterizada
pelo culto teo-referente racional e vivo. O culto de adoração pública é o ponto maior do
significado da vida e prepara a pessoa para o culto do dia a dia. A Palavra lida e pregada, a
Santa Ceia e o Batismo são elementos poderosos, argumentos audíveis e visíveis à
edificação da igreja e para evangelização dos não cristãos. Especialmente quando são atos
conscientes e sinceros, seguidos da prática necessária: se alguém ouve a Palavra e não a
pratica é com um homem natural; quem participa das Ceia do Senhor em pecado ou deixa
Cura Interior e Batalha Espiritual – Wadislau M. Gomes – 2009 53

de participar por causa do pecado não confessado, é réu do corpo de do sangue de Cristo; e
quem é batizado, mas rejeita a fé, rejeitou o corpo de Cristo. Contudo, quem guarda a
Palavra, observa a comunhão com Deus e com os homens, e permanece na fé, este é
vitorioso - e ouvido quando evangeliza o amigo, o conhecido e o estranho.

Assim, a proposta da evangelização implosiva é esta: (1) em vez de evangelismo


extensivo, culto teo-referente; (2) em vez de evangelismo intensivo, exibição da unidade
da igreja em verdade e amor; (3) em vez de evangelismo religioso, pregação e prática da
Palavra; e (4) em vez de evangelismo místico, fé no poder de Deus (e não em nosso poder
a fim de convencer a Deus e aos homens).
Tal tipo de evangelização implode o coração das pessoas como um dia implodiu o
nosso com a convicção do nosso pecado sobreposta pela imensa graça de Deus.
Quando Deus, o indivíduo e a igreja vivem e pregam coerentemente, exibem ao
mundo que Deus está no controle da verdade, presente em amor e com autoridade sobre
todas as suas obras. "Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o
nome toda família, tanto no céu como sobre a terra, para que, segundo a riqueza da sua
glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem
interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e
alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a
largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que
excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus. Ora,
àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou
pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e em
Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!" (Efésios 3.14-21).

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