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n.º 05
GENEBRA
Procuradoria-Geral da República
Gabinete de Documentação
e Direito Comparado
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
n.o 05
GENEBRA
NAÇÕES UNIDAS
not
a
*
Os conceitos utilizados e a apresentação do material constante da presente publi-
cação não implicam a manifestação de qualquer opinião, seja de que cariz for, da
parte do Secretariado das Nações Unidas relativamente ao estatuto jurídico de
qualquer país, território, cidade ou região, ou das suas autoridades, ou em relação
à delimitação das suas fronteiras ou limites territoriais.
*
* *
O material constante da presente publicação pode ser livremente citado ou
reproduzido, desde que indicada a fonte e que um exemplar da publicação con-
tendo o material reproduzido seja enviada para o Alto Comissariado/Centro para
os Direitos Humanos, Nações Unidas, 1211 Genebra 10, Suíça.
HR/P/PT/5
ISSN 1020-1688
A administração da justiça, incluindo os departamentos policiais […]
em total conformidade com as normas aplicáveis constantes de ins-
trumentos internacionais em matéria de Direitos Humanos, são
essenciais para a concretização plena e não discriminatória dos
Direitos Humanos e indispensáveis aos processos da democracia e do
desenvolvimento sustentável.
[…]
III
Nota para os utilizadores do manual O presente manual é parte integrante de um conjunto
de três materiais de formação em matéria de direi-
tos humanos destinados às forças policiais. Este kit
de formação para a polícia inclui também um dos-
sier para formação de formadores e uma compilação de bolso das normas
de direitos humanos aplicáveis à actuação das forças policiais. Os três
componentes deste kit são complementares e, no seu conjunto, contêm todos
os elementos necessários para a organização de programas de formação
em direitos humanos para os funcionários responsáveis pela aplicação da
lei, segundo a abordagem adoptada pelo Alto Comissariado das Nações Uni-
das para os Direitos Humanos/Centro para os Direitos Humanos.
N.T.
As notas do tradutor (N.T.) constantes da presente publicação são da responsabilidade do Gabinete de Documentação
e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República e não responsabilizam a Organização das Nações Unidas.
IV
Prefácio
Tenhamos em conta a lógica sim- a As referências das fontes humanos. Estes mitos sobrevivem, apesar de a his-
dos instrumentos interna-
ples da Declaração Universal dos cionais de direitos huma- tória nos ter demonstrado, uma vez e outra, que nada
nos citados no presente
Direitos do Homema (preâmbulo): manual estão indicadas pode estar mais longe da verdade.
na lista de instrumentos
constante das páginas
XIX a XXV, infra.
Considerando que é essencial a Para o utilizador deste manual, a tarefa que lhe pro-
protecção dos direitos do homem através de um pomos consiste em trabalhar para fazer desaparecer,
regime de direito, para que o homem não seja de uma vez por todas, estes mitos absurdos mas
compelido, em supremo recurso, à revolta con- persistentes; declarar que as violações dos direitos
tra a tirania e a opressão […] humanos por parte das forças policiais podem
apenas tornar mais difícil a já de si árdua missão
A mensagem é tão clara hoje como o era em 1948. de aplicar a lei e convencer disso os polícias seus
Sem a subsistência do Estado de Direito, ocorrem colegas; lembrar ao mundo que, quando um res-
violações de direitos humanos; e, quando ocor- ponsável pela aplicação da lei viola a lei, o resul-
rem violações, fomenta-se a rebelião. A conclusão tado é, não apenas um atentado à dignidade
é inevitável: a violação dos direitos humanos não humana e à própria lei, mas também um erguer
pode contribuir para a manutenção da ordem e de barreiras à eficaz actuação da polícia.
segurança públicas, pode apenas exacerbar a sua As violações da lei por parte das forças policiais têm
deterioração. Esta mensagem deveria já ser vista múltiplos efeitos práticos:
como um axioma. Pelo menos para as Nações Uni- • diminuem a confiança do público;
das, nada pode ser mais claro. • agravam a desobediência civil;
• ameaçam o efectivo exercício da acção penal
Então, porque continuam a subsistir velhos mitos pelos tribunais;
em alguns círculos responsáveis pela aplicação da • isolam a polícia da comunidade;
lei? Todos ouvimos já o argumento segundo o qual • resultam na libertação dos culpados e na puni-
o respeito pelos direitos humanos é, de alguma ção dos inocentes;
forma, incompatível com a efectiva aplicação da • deixam a vítima do crime sem que se lhe faça jus-
lei – a velha e estafada noção de que, para aplicar tiça pelo seu sofrimento;
a lei, capturar o delinquente e garantir a sua con- • comprometem a noção de "aplicação da lei", ao
denação, é necessário "ludibriar" um pouco a lei. retirar-lhe o elemento "lei";
Já todos assistimos à tendência para utilizar a força • obrigam os serviços de polícia a adoptar uma
de forma excessiva para controlar manifestações, ou atitude de reacção e não de prevenção;
pressão física para obter informação dos detidos, ou • provocam críticas por parte da comunidade inter-
ainda um excessivo uso da força para garantir uma nacional e dos meios de comunicação social e
captura. Para esta forma de pensar, a aplicação da colocam o respectivo Governo sob pressão.
lei é uma guerra contra o crime, constituindo os
direitos humanos meros obstáculos colocados no Pelo contrário, o respeito dos Direitos Humanos
caminho da polícia pelos advogados e organiza- por parte das autoridades responsáveis pela apli-
ções não governamentais de protecção dos direitos cação da lei reforça de facto a eficácia da actuação
V
dessas autoridades. Neste sentido, o respeito da polí- tos humanos, coloca-o na vanguarda do combate
cia pelos direitos humanos, além de ser um em prol destes direitos.
imperativo ético e legal, constitui também uma exi-
gência prática em termos de aplicação da lei. A importância de garantir que os direitos huma-
Quando se verifica que a polícia respeita, protege nos sejam protegidos no quadro de um Estado de
e defende os direitos humanos: Direito tem sido sublinhada pelas Nações Unidas
• reforça-se a confiança do público e estimula-se a desde a elaboração da Declaração Universal, tendo
cooperação da comunidade; vindo a orientar a Organização nas suas activida-
• contribui-se para a resolução pacífica de confli- des em prol da promoção e protecção dos direitos
tos e queixas; humanos desde essa altura. Esta tem sido uma
• consegue-se que a acção penal seja exercida com noção central no trabalho do Programa de Servi-
êxito pelos tribunais; ços Consultivos e de Assistência Técnica no Domí-
• consegue-se que a polícia seja vista como parte nio dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
integrante da comunidade, desempenhando uma Este programa foi iniciado em 1995 para apoiar os
função social válida; Estados, a seu próprio pedido, na criação e reforço
• presta-se um serviço à boa administração da jus- de estruturas nacionais com impacto directo na
tiça, pelo que se reforça a confiança no sistema; observância dos direitos humanos pelas pessoas em
• dá-se um exemplo aos outros membros da socie- geral e na manutenção do Estado de Direito.
dade em termos de respeito pela lei;
• consegue-se que a polícia fique mais próxima da À medida que o programa foi evoluindo, o mesmo
comunidade e, em consequência disso, em posi- sucedeu com as áreas de assistência em que se
ção de prevenir o crime e perseguir os seus auto- centra. Orientado por sucessivas resoluções da
res através de uma actividade policial de natureza Assembleia Geral e da Comissão dos Direitos do
preventiva; Homem, bem como pela natureza dos próprios
• ganha-se o apoio dos meios de comunicação pedidos dos Estados, o programa tem vindo a
social, da comunidade internacional e das autori- aperfeiçoar progressivamente a capacidade de
dades políticas. assistência em diferentes domínios, constituindo
hoje um enquadramento útil dos esforços
Os agentes policiais e serviços responsáveis pela empreendidos a nível nacional para o reforço dos
aplicação da lei que respeitam os direitos huma- direitos humanos e do Estado de Direito. Assim,
nos colhem, pois, benefícios que servem os pró- o Alto Comissariado/Centro para os Direitos
prios objectivos da aplicação da lei, ao mesmo Humanos aborda actualmente a questão do esta-
tempo que constroem uma estrutura de aplicação belecimento de instituições de defesa dos direitos
da lei que não se baseia no medo ou na força humanos de forma global, considerando funda-
bruta, mas antes na honra, no profissionalismo e mentais uma série de elementos constitutivos das
na dignidade. medidas empreendidas a nível nacional para asse-
gurar a protecção dos direitos humanos no quadro
Esta visão do agente policial está na base da abor- de um Estado de Direito e dispensando atenção
dagem adoptada pelo Alto Comissariado/Centro prioritária, nomeadamente, ao reforço da boa
para os Direitos Humanos das Nações Unidas administração da justiça e à adopção de políticas
relativamente à formação das forças policiais em e práticas humanas no domínio da aplicação da lei.
matéria de direitos humanos. Considera os agen-
tes policiais, não como inevitáveis violadores de Acreditamos que a publicação da obra Direitos
direitos humanos, mas antes como a primeira Humanos e Aplicação da Lei constitui um acon-
linha de defesa destes direitos. Na verdade, cada vez tecimento importante no contexto dos esforços
que um funcionário responsável pela aplicação da actualmente empreendidos pelas Nações Unidas
lei intervém em auxílio de uma vítima de crime, para promover e proteger os direitos humanos.
tudo o que faz para servir a comunidade e defen- Na verdade, a crucial interdependência entre a
der a lei, incluindo as normas relativas aos direi- protecção dos direitos fundamentais e a manu-
VI
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
tenção da lei e da ordem merecem particular aten- direitos humanos em cada sociedade. Não obs-
ção. Foi precisamente este nexo fundamental que tante, só em Janeiro de 1992, após uma cuidadosa
esteve no espírito dos autores da Declaração Uni- avaliação da metodologia e impacto desses cur-
versal quando redigiram o artigo 29.o, n.o 2, deste sos, foi adoptada pelo Alto Comissariado/Centro
histórico instrumento: para os Direitos Humanos uma abordagem nova
e inovadora à formação em matéria de aplicação da
No exercício destes direitos e no gozo destas liber- lei, que resultou na publicação do presente
dades ninguém está sujeito senão às limitações esta- manual.
belecidas pela lei com vista exclusivamente a
promover o reconhecimento e o respeito dos direi- Durante anos, o Programa de Serviços Consultivos
tos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as e de Assistência Técnica das Nações Unidas pro-
justas exigências da moral, da ordem pública e do moveu inúmeros cursos de formação para forças
bem-estar numa sociedade democrática. policiais em todas as regiões do mundo. Em mui-
tos casos, estes cursos permitiram que os partici-
Nesta conformidade, a missão da polícia nas socie- pantes tomassem contacto pela primeira vez com
dades modernas consiste em proteger os direitos as normas internacionais de direitos humanos
humanos, defender as liberdades fundamentais e que disciplinam a sua conduta profissional. Como
manter a ordem pública e o bem-estar geral numa tal, parece inquestionável que tais exercícios se
sociedade democrática, através de políticas e prá- justificaram. Mas quão eficazes foram efectiva-
ticas que sejam legais, humanas e deontologica- mente? Há três anos atrás, o Alto Comissa-
mente correctas. riado/Centro para os Direitos Humanos iniciou um
processo com o objectivo de responder a esta ques-
A profissão de polícia é, de facto, nobre e absolu- tão. Os resultados deste inquérito alteraram pro-
tamente vital para o bom funcionamento de uma fundamente a nossa forma de conceber as
sociedade democrática. A polícia dever-se-ia orgu- actividades desenvolvidas para ajudar os serviços
lhar de isto ter sido implicitamente reconhecido na de polícia a respeitarem os direitos humanos.
Declaração Universal há meio século atrás e expli-
citamente declarado em tantos instrumentos de As tradicionais abordagens aos cursos de forma-
direitos humanos adoptados no âmbito do sistema ção em matéria de direitos humanos apresentavam
das Nações Unidas desde então, nomeadamente o certamente algumas vantagens para os partici-
Código de Conduta para os Funcionários Respon- pantes. No mínimo, ajudavam a sensibilizar os
sáveis pela Aplicação da Lei, os Princípios Básicos funcionários responsáveis pela aplicação da lei a
sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo nível nacional para a existência de fontes, sistemas
pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da e normas internacionais de direitos humanos na
Lei e uma série doutras declarações e directrizes. área da administração da justiça. Mas o Alto
Trata-se de normas internacionais directamente Comissariado/Centro para os Direitos Humanos,
relevantes para o trabalho da polícia, desenvolvi- na avaliação que efectuou destas actividades, não
das, não para entravar a aplicação da lei, mas a fim ficou convencido de que tais cursos estivessem a
de fornecer orientações precisas para o desempe- contribuir para aperfeiçoar as aptidões e condutas
nho dessa função que é fundamental numa socie- necessárias para garantir que os participantes tra-
dade democrática. duzam esses princípios internacionais em com-
portamentos operacionais apropriados e eficazes.
De qualquer forma, para que possa proteger os
direitos humanos, a polícia deverá primeiro saber Os cursos iniciais compreendiam uma série de
em que consistem estes direitos. As Nações Uni- palestras essencialmente teóricas e destinadas aos
das têm vindo a contribuir desde há três décadas profissionais, ministradas por especialistas na
para a formação dos funcionários responsáveis área dos direitos humanos, sobre noções gerais des-
pela aplicação da lei, em reconhecimento da fun- tes direitos. Como os formadores não possuíam
damental influência deste grupo na situação dos qualquer experiência prática enquanto funcioná-
VIII
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
deverão deixar espaço para a utilização de técnicas Genebra, em Maio de 1993, um seminário para dis-
de formação interactivas (por exemplo, dramati- cutir a abordagem e o manual propostos pelo Cen-
zação, exercícios e casos práticos), a fim de asse- tro. Participaram neste seminário formadores e
gurar a participação activa dos formandos. Deverá membros das forças policiais de todas as regiões
ser seguida uma abordagem de "formação de for- do mundo, bem como importantes organizações
madores", por forma a multiplicar o impacto de não governamentais e peritos de direitos humanos
cada curso e reforçar as capacidades locais. Uma da área. Nos cursos experimentais realizados ao
cuidadosa exposição das normas deverá ser com- abrigo do programa, o Centro beneficiou dos pre-
plementada por sessões concebidas com o objec- ciosos conhecimentos especializados de dezenas de
tivo de sensibilizar os elementos das forças consultores policiais oriundos do mundo inteiro.
policiais para a importância dos direitos huma- O Alto Comissariado/Centro para os Direitos
nos e para o risco que correm de os violar, mesmo Humanos deixa aqui o seu agradecimento por
sem intenção. Finalmente, cada curso organizado todo este apoio fundamental.
segundo esta concepção deverá ser cuidadosa-
mente concebido por forma a ter em conta a par- Um especial reconhecimento é devido à Divisão
ticular realidade cultural, educativa, histórica e para a Prevenção do Crime e Justiça Penal do Cen-
política do país que os destinatários têm por mis- tro para o Desenvolvimento Social e Questões
são servir e proteger. Humanitárias das Nações Unidas, em Viena. Este
manual e o programa para forças policiais do Cen-
Estas lições fundamentais constituíram a base da tro para os Direitos Humanos são dois dos ele-
elaboração do programa do Centro destinado à mentos de um projecto desenvolvido em conjunto
formação das forças policiais. Cada uma delas foi com a Divisão para a Prevenção do Crime e Justiça
tida em conta na abordagem da formação policial Penal desde 1992, numa parceria plena e frutífera
formalmente introduzida em 1992, já aplicada a pela qual o Alto Comissariado/Centro para os
título experimental em numerosos países da Direitos Humanos está profundamente grato.
África, Ásia, América Latina e Europa. Formado-
res, comandantes e agentes das forças policiais Finalmente, e muito em especial, as Nações Uni-
nacionais, bem como agentes que prestam ser- das manifestam o seu reconhecimento e os seus
viço nos contingentes de polícia civil (CIVPOL) agradecimentos ao principal autor do primeiro
das operações de manutenção da paz das Nações projecto deste manual, Ralph Crawshaw, do Cen-
Unidas, têm vindo a beneficiar de cursos minis- tro de Direitos Humanos da Universidade de
trados ao abrigo deste programa. É importante Essex, no Reino Unido.
salientar que cada curso experimental foi seguido
da adequada avaliação e revisão do programa, num
esforço permanente e concertado para delinear
um programa de formação que culminou na
publicação do presente manual.
Página
Prefácio V
Abreviaturas XXIII
Instrumentos internacionais citados no presente manual XXIV
Declaração de objectivos XXX
Primeira Parte 1
FORMAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS
PELA APLICAÇÃO DA LEI
Teoria e Prática
Parágrafos
Cap. 01 Método do Alto Comissariado / Centro para
os Direitos Humanos nas Nações Unidas
para a Formação da Polícia 1-10 3
a. Método colegial 3
b. Formação de formadores 3 3
c. Técnicas pedagógicas 4 3
d. Especificidade dos destinatários 5 4
e. Orientação prática 6 4
f. Explicação pormenorizada das normas 7 4
g. Sensibilização 8 4
h. Flexibilidade de concepção e aplicação 9 5
i. Instrumentos de avaliação 10 5
XI
Parágrafos Página
Cap. 03 Técnicas de formação eficazes 21-44 11
a. Introdução 90-92 25
b. Observações sobre os temas dos capítulos 93-102 25
c. Estrutura dos cursos 103-114 27
1. CURSO COMPLETO 105-107 27
2. SEMINÁRIO PARA FUNCIONÁRIOS SUPERIORES DE POLÍCIA 108-111 27
3. CURSO BÁSICO PARA AGENTES SEM FUNÇÕES DE COMANDO 112-114 28
d. Observações finais 115 28
XII
Parágrafos Página
Segunda Parte 29
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
XIII
Parágrafos Página
Cap. 09 O papel da polícia numa sociedade democrática 193-224 55
XIV
Parágrafos Página
[V] Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra
a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos
ou Degradantes e Convenção contra a Tortura e Outras Penas
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes 261-262 70
(d) Discriminação racial 263-270 70
[I] Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial 264-267 70
[II] Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Racial 268-270 70
(e) Discriminação por motivos de religião 271-276 71
[I] Declaração Universal dos Direitos do Homem 272 71
[II] Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião
ou na Convicção 273-276 71
(f) Discriminação contra as mulheres 277-283 71
[I] Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres 278-280 71
[II] Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres 281-283 72
(g) Discriminação e crianças 284-296 72
[I] Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos 285 72
[II] Convenção sobre os Direitos da Criança 286-288 72
(h) Manifestações particulares de discriminação 289-296 73
3. OBSERVAÇÕES FINAIS 297-298 73
b. Normas internacionais sobre não discriminação
– Aplicação prática 74
1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS 74
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS 75
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO 75
Terceira Parte
DEVERES E FUNÇÕES DA POLÍCIA 77
de acusação 317-319 82
XV
Parágrafos Página
(d) De não ser obrigado a testemunhar contra
XVI
Parágrafos Página
(d) Medidas de derrogação 428-433 110
(e) Desaparecimentos forçados ou involuntários 434-435 110
3. OBSERVAÇÕES FINAIS 436-438 110
b. Normas internacionais sobre detenção – Aplicação prática 111
1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS 111
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS 113
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO 115
XVII
Parágrafos Página
(d) Conflito armado não internacional 503-519 135
[I] Artigo 3.o comum às Convenções 505-507 135
[II] Protocolo Adicional II 508-517 136
[III] Estatuto 518 137
[IV] Deveres e responsabilidades da polícia 519 137
(e) Distúrbios internos 520-536 138
[I] Definições e características dos distúrbios internos 522-523 138
[II] Normas internacionais 524-526 139
[III] Princípios e normas humanitárias 527-534 140
[IV] Deveres e responsabilidades da polícia 535-536 141
(f) Terrorismo 537-554 141
[I] Definições e tipos de terrorismo 538-544 141
[II] Actos de terror praticados durante conflitos armados 545-547 142
[III] Cooperação internacional na luta contra o terrorismo 548-553 142
[IV] Deveres e responsabilidades da polícia 554 143
(g) Estados de excepção e medidas de derrogação 555-566 143
[I] Disposições convencionais 556-565 143
[II] Responsabilidades da polícia 566 145
3. CONCLUSÕES 567-569 145
b. Normas internacionais sobre conflitos armados e distúrbios
internos – Aplicação prática 145
1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS 145
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS 149
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO 150
Quarta Parte
GRUPOS NECESSITADOS DE PROTECÇÃO
ESPECIAL OU TRATAMENTO DISTINTO 153
XVIII
Parágrafos Página
Cap. 17 Aplicação da Lei e os Direitos das Mulheres 676-757 175
XIX
Parágrafos Página
Cap. 19 Protecção e indemenização das vítimas 824-877 205
Quinta Parte
QUESTÕES DE COMANDO, DIRECÇÃO E CONTROLO 217
XX
Parágrafos Página
[III] Conflito armado e distúrbios internos 936-937 228
[IV] Protecção dos jovens 938 228
[V] Protecção das vítimas e sua indemnização 939-940 229
3. CONCLUSÕES 941-943 229
b. Normas internacionais sobre o comando, gestão
e organização policial – Aplicação prática 230
1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS 230
2. EXERCÍCIO PRÁTICO 231
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO 231
ANEXOS
XXI
XXII
Abreviaturas
XXIII
Instrumentos Internacionais
citados no presente manual
Relatório do Oitavo Congresso Eigth United Nations Congress on the Prevention of Crime
and Treatment of Offenders, Havana, 27 August - 7 September 1990, report prepared by the
Secretariat [em português: "Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do
Crime e o Tratamento dos Delinquentes, Havana, 27 de Agosto - 7 de Setembro de
1990: relatório preparado pelo Secretariado"] (Publicação das Nações Unidas, N.o de Venda
E.91.IV.2)
Instrumentos Universais
Declaração Universal dos Direitos do Homem • Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral, de
10 de Dezembro de 1948; Compilação, vol. I, p. 1.
Vide também infra, anexo I.1.
Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Cul- • Resolução 2200 A (XXI) da Assembleia Geral,
turais (entrada em vigor: 3 de Janeiro de 1976) de 16 de Dezembro de 1966, anexo; Compila-
ção, vol. I, p. 8.
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (entrada em • Resolução 2200 A (XXI) da Assembleia Geral,
vigor: 23 de Março de 1976) de 16 de Dezembro de 1966, anexo, Compila-
ção, vol. I, p. 20. Vide também infra, anexo I.2.
Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacional sobre os • Resolução 2200 A (XXI) da Assembleia Geral,
Direitos Civis e Políticos (entrada em vigor: 23 de Março de 1976) de 16 de Dezembro de 1966, anexo; Compila-
ção, vol. I, p. 41.
Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre os Direi- • Resolução 44/128 da Assembleia Geral, de 15 de
tos Civis e Políticos com vista à Abolição da Pena de Morte Dezembro de 1989, anexo; Compilação, vol. I,
(entrada em vigor: 11 de Julho de 1991) p. 46.
Convenção de Viena sobre Relações Consulares (Viena, 24 de Abril de • Nações Unidas, Treaty Series N.T.2
, vol. 596,
1963) (entrada em vigor: 19 de Março de 1967) p. 261.
Declaração dos Princípios de Direito Internacional relativos às • Resolução 2625 (XXV) da Assembleia Geral,
Relações Amigáveis e à Cooperação entre Estados em confor- de 24 de Outubro de 1970, anexo.
midade com a Carta das Nações Unidas
XXIV
Direitos Humanos na Administração da Justiça
Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas as Pessoas Sujei- • Resolução 43/173 da Assembleia Geral, de 9
tas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão de Dezembro de 1988, anexo; Compilação,
vol. I, p. 265. Vide também infra anexo I.5.
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medi- • Resolução 45/110 da Assembleia Geral, de 14
das não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) de Dezembro de 1990, anexo; Compilação,
vol. I, p. 336.
Pena de morte
Garantias para a Protecção dos Direitos das Pessoas Sujeitas a • Resolução 1984/50 do Conselho Económico e
Pena de Morte Social, de 25 de Maio de 1984, anexo; Compilação,
vol. I, p. 310.
Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre os Direi- • Vide supra, Carta Internacional dos Direitos
tos Civis e Políticos com vista à Abolição da Pena de Morte Humanos
Execuções extrajudiciais
Princípios sobre a Prevenção Eficaz e Investigação das Execuções • Resolução 1989/65 do Conselho Económico
Extrajudiciais, Arbitrárias ou Sumárias e Social, de 24 de Maio de 1989, anexo;
Compilação, vol. I, p. 409. Vide também infra
anexo I.8.
XXV
Princípios Orientadores para a Aplicação Efectiva do Código de • Resolução 1989/61 do Conselho Económico e
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação Social, de 24 de Maio de 1989, anexo.
da Lei
Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo • Relatório do Oitavo Congresso, capítulo I, sec-
pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei ção B.2; Compilação, vol. I, p. 318. Vide tam-
bém infra anexo I.4.
Justiça de Menores
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Jus- • Resolução 40/33 da Assembleia Geral, de
tiça de Menores (Regras de Beijing) 29 de Novembro de 1985, anexo; Compilação,
vol. I, p. 356. Vide também infra anexo I.9.
Convenção sobre os Direitos da Criança (entrada em vigor: 2 de Setembro • Resolução 44/25 da Assembleia Geral, de 20
de 1990) de Novembro de 1989, anexo; Compilação,
vol. I, p. 174.
Princípios Orientadores das Nações Unidas para a Prevenção da • Resolução 45/112 da Assembleia Geral, de 14
Delinquência Juvenil (Princípios Orientadores de Riade) de Dezembro de 1990, anexo; Compilação,
vol. I, p. 346.
Regras das Nações Unidas para a Protecção dos Menores Priva- • Resolução 45/113 da Assembleia Geral, de 14
dos de Liberdade de Dezembro de 1990, anexo; Compilação,
vol. I, p. 275.
Prevenção da Discriminação
Raça
Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as • Resolução 1094 (XVIII) da Assembleia Geral,
Formas de Discriminação Racial de 20 de Novembro de 1963; Compilação, vol. I,
p. 61.
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas • Resolução 2106 A (XX) da Assembleia Geral,
da Discriminação Racial (entrada em vigor: 4 de Janeiro de 1969) de 21 de Dezembro de 1965, anexo; Compilação,
vol. I, p. 66.
Sexo
Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra as • Resolução 2263 (XXII) da Assembleia Geral,
Mulheres de 7 de Novembro de 1967; Compilação, vol. I,
p. 145.
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discri- • Resolução 34/180 da Assembleia Geral, de 18
minação contra as Mulheres (entrada em vigor: 3 de Setembro de 1981) de Dezembro de 1979, anexo; Compilação,
vol. I, p. 150.
XXVI
Manifestações particulares de discriminação
Convenção Relativa à Escravatura (Genebra, 25 de Setembro de 1926) (entrada • Liga das Nações, Treaty Series, vol. LX, p. 253;
em vigor: 9 de Março de 1927) Compilação, vol. I, p. 201.
Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocí- • Resolução 260 A (III) da Assembleia Geral, de
dio (entrada em vigor: 12 de Janeiro de 1951) 9 de Dezembro de 1948, anexo; Compilação,
vol. I, p. 673.
Protocolo que altera a Convenção Relativa à Escravatura, assinado • Resolução 794 (VIII) da Assembleia Geral, de
em Genebra a 25 de Setembro de 1926 (entrada em vigor: 7 de Dezembro 23 de Outubro de 1953; Compilação, vol. I, p. 206.
de 1953)
Convenção Suplementar Relativa à Abolição da Escravatura, do • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 266, p. 3;
Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Compilação, vol. I, p. 209.
Escravatura (Genebra, 7 de Setembro de 1956) (entrada em vigor: 30 de Abril de 1957)
Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância • Resolução 36/55 da Assembleia Geral, de 25 de
e Discriminação Baseadas na Religião ou na Convicção Novembro de 1981; Compilação, vol. I, p. 122.
Trabalhadores migrantes
Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de • Resolução 45/158 da Assembleia Geral, de
Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das Suas Famílias 18 de Dezembro de 1990, anexo; Compilação,
vol. I, p. 554.
Terrorismo
Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns (entrada em • Resolução 34/146 da Assembleia Geral, de 17
vigor: 3 de Junho de 1983) de Dezembro de 1979, anexo.
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (Genebra, 28 de Julho • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 189, p. 137;
de 1951) (entrada em vigor: 22 de Abril de 1954) Compilação, vol. I, p. 638.
Convenção Relativa ao Estatuto das Pessoas Apátridas (Nova Iorque, • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 360, p. 117;
28 de Setembro de 1954) (entrada em vigor: 6 de Junho de 1960) Compilação, vol. I, p. 625.
Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados (Nova Iorque, 31 de • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 606,
Janeiro de 1967) (entrada em vigor: 4 de Outubro de 1967) p. 267; Compilação, vol. I, p. 655.
Declaração sobre os Direitos Humanos dos Indivíduos Que não • Resolução 40/144 da Assembleia Geral, de
são Nacionais do País onde Vivem 13 de Dezembro de 1985, anexo; Compilação,
vol. I, p. 668.
XXVII
Conflitos Armados Internacionais
Primeira Convenção de Genebra • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 75, p. 31;
Convenção I de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos Compilação, vol. I, p. 685.
e Doentes das Forças Armadas em Campanha (Genebra, 12 de Agosto
de 1949) (entrada em vigor: 21 de Outubro de 1950)
Segunda Convenção de Genebra • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 75, p. 85;
Convenção II de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos, Compilação, vol. I, p. 711.
Doentes e Náufragos das Forças Armadas no Mar (Genebra, 12 de Agosto
de 1949) (entrada em vigor: 21 de Outubro de 1950)
Terceira Convenção de Genebra • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 75, p. 135;
Convenção III de Genebra relativa ao Tratamento dos Prisioneiros Compilação, vol. I, p. 732.
de Guerra (Genebra, 12 de Agosto de 1949) (entrada em vigor: 21 de Outubro de 1950)
Quarta Convenção de Genebra • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 75, p. 287;
Convenção IV de Genebra relativa à Protecção das Pessoas Civis Compilação, vol. I, p. 803.
em Tempo de Guerra (Genebra, 12 de Agosto de 1949) (entrada em vigor: 21 de Outu-
bro de 1950)
N.T.3
Em português. “As Convenções e Declarações da Haia de 1899 e 1907”
N.T.4
Em português. “Suplemento ao Jornal Americano de Direito Internacional”
N.T.5
Em português. “Documentos Oficiais”
XXVIII
Instrumentos Regionais Fonte
Protocolo Adicional n.o 1 à Convenção Europeia dos Direitos do • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 213, p. 221;
Homem (Paris, 20 de Março de 1952) (entrada em vigor: 18 de Maio de 1954) Compilação, vol. II.
Protocolo Adicional n.o 4 à Convenção Europeia dos Direitos do • Conselho da Europa, European Treaty
Homem (Estrasburgo, 16 de Setembro de 1963) (entrada em vigor: 2 de Maio de 1968) SeriesN.T.6, n. 46; Compilação, vol. II.
o
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de São José • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 1144, p. 123;
da Costa Rica”) (São José, 22 de Novembro de 1969) (entrada em vigor: 18 de Julho de 1978) Compilação, vol. II.
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Nairobi, 26 de • OUA, documento CAB/LEG/67/3/Rev.;
Junho de 1981) (entrada em vigor: 21 de Outubro de 1986) International Legal MaterialsN.T.7 (Washington,
D.C.), vol. XXI (1982), p. 58; Compilação, vol. II.
Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou • Conselho da Europa, European Treaty Series,
Tratamentos Desumanos e Degradantes (Estrasburgo, 26 de Novembro de n.o 126; Compilação, vol. II.
1987) (entrada em vigor: 1 de Fevereiro de 1989)
N.T6
Em português. “Série de Tratados Europeus”
N.T.7
Em português. “Materiais Jurídicos Internacionais”
XXIX
Declaração de objectivos
XXX
*
Pri
m eira
Par
t e
FORMAÇÃO
DOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS
PELA APLICAÇÃO DA LEI
TEORIA E PRÁTICA
cap
ítu
lo
01
Método do Alto Comissariado / Centro
para os Direitos Humanos nas Nações
Unidas para a Formação da Polícia
1. O Alto Comissariado para os Direitos Humanos/ Unidas, assim assegurando que o essencial das
/Centro para os Direitos Humanos (AC/CDH), normas das Nações Unidas se veja plena e sis-
através do seu programa de serviços consultivos tematicamente reflectido no conteúdo dos cur-
e de assistência técnica, participa desde há mui- sos. 1
tos anos na formação de profissionais de todas as
áreas da administração da justiça, nomeada- b. Formação de formadores
mente a aplicação da lei. O presente manual 3. Os participantes nacionais nos cursos do
baseia-se no método desenvolvido ao longo des- AC/CDH são seleccionados no pressuposto de
ses anos, cujos elementos fundamentais são os que as suas responsabilidades se manterão uma vez
seguintes: concluída a actividade de formação. São encarre-
gados da organização das suas próprias actividades
a. Método colegial
1
Quando não haja disponi-
bilidade por parte dos peri-
de formação e divulgação após regressarem aos res-
2. O AC/CDH recorre a uma tos de direitos humanos das
Nações Unidas, os organi-
pectivos postos. Desta forma, os cursos têm um
lista de peritos orientada para a zadores de cursos prepara-
dos com base no presente
efeito multiplicador, à medida que a informação é
manual poderão conside-
prática. Em lugar de reunir pai- rar a possibilidade de pedir
difundida no seio das instituições em causa.
a participação de peritos de
néis compostos apenas por pro- organizações não governa-
Desde 1992, os cursos do AC/CDH incluem com-
mentais de defesa e pro-
fessores e teóricos, o AC/CDH moção dos direitos
ponentes de formação de formadores, tais como
humanos.
escolhe profissionais da área lições e materiais concebidos para dar a conhecer
em questão, nomeadamente agentes e formadores aos participantes diversas técnicas pedagógicas,
das forças policiais. De acordo com a experiência assim os habilitando a ministrar eles próprios for-
do AC/CDH, obtêm-se melhores resultados mação, para além do conteúdo substancial das ses-
recorrendo ao método colegial através do qual os sões. Para melhores resultados, os organizadores
polícias discutem entre si do que seguindo um dos cursos deverão procurar seguir este mesmo
modelo baseado na relação professor-aluno. Esta modelo de formação.
abordagem permite ao AC/CDH aperceber-se
da cultura profissional própria das forças policiais. c. Técnicas pedagógicas
Ao mesmo tempo, formandos e formadores são 4. Todos os cursos desenvolvidos pelo AC/CDH
acompanhados e orientados por pessoal espe- incluem uma diversidade de técnicas eficazes para
cializado do AC/CDH e da Divisão para a Pre- a formação de adultos. Em particular, sugere-se a
venção do Crime e Justiça Penal das Nações utilização de métodos de ensino criativos e inte-
4
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
aplique a mulheres ou a homens, ou a distintos gru- truir as suas próprias notas e material de apresen-
pos culturais. tação, com base no conteúdo do manual e na reali-
dade específica no terreno.
h. Flexibilidade de concepção e aplicação
9. Para serem de utilidade universal, os cursos de i. Instrumentos de avaliação
formação devem ser concebidos de forma a facili- 10. Os cursos do AC/CDH incluem exercícios de
tar a flexibilidade da respectiva utilização, sem avaliação anteriores e posteriores ao próprio curso,
impor aos formadores enfoques ou métodos rígidos. tais como questionários de exame, com três objec-
Os cursos deverão ser passíveis de adaptação às tivos principais. Os questionários prévios, quando
necessidades específicas e às particulares circuns- correctamente utilizados, permitem aos formado-
tâncias culturais, educativas, regionais e vivenciais res adequar o curso às particulares necessidades dos
de uma ampla diversidade de potenciais destinatá- destinatários. Os questionários finais e as sessões
rios no seio de um determinado grupo-alvo. Por de avaliação permitem aos formandos avaliar os
conseguinte, o presente manual não se destina a ser conhecimentos adquiridos e contribuem para a
“lido” textualmente aos formandos, devendo antes modificação e para o aperfeiçoamento contínuo (e
o formador seleccionar o material relevante e cons- crucial) dos cursos sugeridos no presente manual.
02
Participantes
nos programas
de formação
8
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Existe a tendência para fazer grandes distinções da lei considerarem que o trabalho da polícia é
entre as actividades definidas como “o verdadeiro uma actividade essencialmente prática que
trabalho do polícia” (tarefas operacionais e práti- exige respostas pragmáticas e muitas vezes
cas) e outras funções necessárias nos organismos expeditas para situações a que dão uma solução
encarregados da aplicação da lei. imediata, embora por vezes meramente tem-
porária.
Existe frequentemente um sentimento de que os
imperativos da actividade policial prática são NOTA PARA O FORMADOR: As observações e
incompatíveis com os requisitos legais e admi- comentários constantes do presente capítulo ser-
nistrativos. viram de base a algumas das recomendações cons-
tantes dos capítulos seguintes. Deverão ser tidos
Um corolário destas tendências é o facto de em conta pelos organizadores e intervenientes nos
muitos funcionários responsáveis pela aplicação cursos.
03
Técnicas
de Formação
Eficazes
12
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
formador consiga dar resposta continuamente a essa adaptarem-se às necessidades dos destinatários
pergunta será um factor importante para o seu êxito. ao longo do curso.
Assim, deve fazer-se tudo quanto seja possível para
assegurar que todo o material apresentado é rele- d. Técnicas participativas
vante para o trabalho dos participantes e que essa rele- 27. Indicam-se em seguida algumas técnicas par-
vância é posta em destaque sempre que não for ticipativas.
imediatamente evidente. Esta tarefa pode ser mais
fácil na abordagem de temas operacionais, como a
captura ou utilização de armas de fogo. Pode, porém, 1. APRESENTAÇÃO E DEBATE
exigir um planeamento mais cuidadoso relativa-
mente às questões de carácter essencialmente teó- 28. Depois da exposição (conforme acima des-
rico, como a actividade da polícia numa sociedade crita, no parágrafo 26), é conveniente promover um
democrática ou a protecção de grupos vulneráveis. debate informal para esclarecer alguns pontos e faci-
litar o processo de tradução das ideias na prática.
Variado – Para conseguir e manter a participação Este debate é moderado pela pessoa que proce-
activa dos formandos, será conveniente variar as deu à exposição que deve tentar suscitar a inter-
técnicas pedagógicas utilizadas ao longo do curso. venção de todos os participantes. Convém que os
Os agentes não estão, na sua maioria, acostuma- formadores tenham preparada uma lista de ques-
dos a longas sessões de estudo e uma rotina abor- tões a fim de iniciar o debate.
recida e monótona fá-los-á tomar mais consciência
da própria aula do que das questões que nela se 29. No final da exposição e do debate, o formador
abordam. Dever-se-ão seleccionar técnicas diver- deverá fazer um resumo ou dar uma panorâmica
sificadas, alternando a discussão com a dramati- geral da discussão. Deverá também complemen-
zação e o estudo de casos práticos com sessões de tar a sessão com a utilização de suportes audiovi-
reflexão colectiva, consoante o tema em análise. suais previamente preparados ou material de
estudo distribuído antecipadamente a todos os
26. Assim, em linhas gerais, devem adoptar-se os participantes.
seguintes métodos e abordagens:
6. SIMULAÇÃO/DRAMATIZAÇÃO
4. ESTUDO DE CASOS PRÁTICOS
37. Nestes exercícios, os participantes são chama-
33. Além de debater os temas propostos para dis- dos a desempenhar uma ou mais tarefas numa situa-
cussão, os grupos de trabalho podem analisar ção plausível que simula a “vida real”. No contexto
casos práticos. Estes dever-se-ão basear em situa- dos direitos humanos e aplicação da lei, os exercí-
ções plausíveis e realistas que não sejam excessi- cios de simulação ou dramatização podem ser utili-
vamente complexas e girem em torno de duas ou zados para praticar os conhecimentos adquiridos ou
três questões principais. A solução dos casos prá- para que os participantes possam experimentar situa-
ticos deverá permitir aos participantes exercitar ções que até então lhes eram desconhecidas.
as suas aptidões profissionais e aplicar as normas
de direitos humanos e direito humanitário. Os 38. O resumo da situação deverá ser distribuído
funcionários superiores de polícia deverão exerci- por escrito a todos os participantes, atribuindo-se
tar as suas aptidões de comando e gestão. a cada um deles uma personagem (o agente da
polícia, a vítima, o juiz e outros). Durante o exer-
34. A situação que se propõe para análise pode ser cício não se deverá permitir que alguém abandone
apresentada aos participantes para que a examinem a sua personagem qualquer que seja o motivo. Esta
no seu conjunto ou sucessivamente desenvolvida técnica revela-se particularmente útil para sensi-
perante eles (“hipóteses evolutivas”) mediante a bilizar os participantes para o respeito dos senti-
sucessiva introdução de novos elementos a que mentos e da perspectiva de outros grupos, assim
têm de dar resposta. como para a importância de certas questões.
14
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
prestem especial atenção e anotem as suas obser- b) A sala utilizada deve ter capacidade suficiente
vações para posterior debate. para o número previsto de participantes.
41. Para a realização de mesas redondas, como de a) Deverá ser possível regular a temperatura e
conferências-debate, é necessário reunir um grupo ventilação da sala.
diversificado de especialistas em diversas áreas, com
diferentes perspectivas do tema a abordar. Para que b) O número de participantes nunca deverá
o debate seja animado, é necessário que estejam exceder a capacidade das salas.
presentes os seguintes elementos fundamentais: um
moderador firme e dinâmico, conhecedor quer do c) As casas de banho deverão ser de fácil acesso.
tema em debate quer do uso da técnica de “advogado
do diabo”, e a utilização de hipóteses. O moderador d) O programa diário deverá incluir um inter-
deve provocar intencionalmente os participantes, valo de 15 minutos durante a manhã, um intervalo
estimulando o debate entre os peritos e os forman- para almoço de pelo menos uma hora e outro
dos e controlando o desenrolar da discussão. intervalo de 15 minutos durante a tarde.
04
Educadores e Formadores
c) Em caso de exposições conjuntas, reúna-se com b) Estude o manual para aperfeiçoar o seu
o colega que consigo irá dirigir a sessão no dia anterior conhecimento de qualquer matéria na qual não se
a cada apresentação, a fim de a preparar em conjunto. sinta completamente confortável.
d) Faça exposições breves, respeitando os limi- c) Aperfeiçoe e reveja os seus materiais didácticos
tes de tempo estabelecidos no manual, relativa- pessoais antes de cada curso subsequente.
18
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
05
Utilização do Manual
50. Uma vez considerados quatro aspectos parti- sociedade democrática e a não discriminação.
culares da teoria e prática da formação nos capí- Aborda questões de princípio que são importantes
tulos anteriores, convém agora explicar a estrutura a nível da definição de políticas e estratégia poli-
e o conteúdo do restante manual. cial, logo relevantes para os funcionários que tra-
balham a esse nível. O seu conteúdo é igualmente
51. As partes segunda a quinta do manual contêm importante para educadores e formadores das for-
a informação e os materiais essenciais para a formação ças policiais, que devem conhecer devidamente
dos agentes policiais em matéria de direitos huma- os conceitos e princípios fundamentais no domí-
nos, abordando os seguintes aspectos: conceitos fun- nio da aplicação da lei e direitos humanos. Alguns
damentais (segunda parte); deveres e funções da dos tópicos abordados na segunda parte são tam-
polícia (terceira parte); grupos necessitados de pro- bém importantes para os funcionários que traba-
tecção especial ou tratamento distinto (quarta parte); lham “nas ruas”.
e questões de comando, direcção e controlo (quinta
parte). Como veremos, algum do material assume Capítulo VII – Fontes, sistemas e normas de direi-
uma relevância distinta para cada uma das diversas tos humanos relevantes no domínio da aplicação
categorias de funcionários e este aspecto será objecto da lei
de comentários à medida que o conteúdo específico
de cada capítulo seja exposto. Os anexos contêm tex- 54. Este capítulo dá-nos uma panorâmica geral do
tos dos principais instrumentos internacionais, bem sistema internacional de protecção dos direitos
como outra informação que complementa os capí- humanos na área da aplicação da lei. Nele se resu-
tulos substantivos abaixo apresentados. mem os diversos organismos, instrumentos e
mecanismos de controlo internacionais, ao
52. Na secção E do presente capítulo, onde se mesmo tempo que se destacam determinados
descrevem a forma e o conteúdo geral dos capítu- tipos de violação para os quais a polícia deverá
los, serão dadas mais indicações a respeito da uti- estar sensibilizada. Este capítulo constitui a base
lização e aplicação do material pedagógico. de uma sessão introdutória com a qual se deverão
iniciar todos os cursos preparados com base no pre-
a. Segunda parte (Conceitos fundamentais) sente manual. Fornece, essencialmente, os alicer-
53. A segunda parte trata dos conceitos amplos ces em que deverá assentar o remanescente do
que são a ética policial, o papel da polícia numa curso.
20
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Capítulo XIV • Utilização da força e de armas c. Quarta parte (Grupos necessitados de
de fogo protecção especial ou tratamento distinto)
63. A aplicação da lei e a manutenção da ordem 68. A quarta parte é importante devido à vulne-
implicam a possibilidade de recorrer à força para rabilidade das pessoas a que se refere cada um dos
alcançar estes objectivos; daí a importância que o capítulos e ao impacto da actividade da polícia
tema reveste para todos os agentes policiais. sobre a situação dessas pessoas. Embora o seu
conteúdo seja mais teórico do que prático, não é
64. Alguns funcionários são mais susceptíveis de menos importante do que outras secções.
ser chamados a recorrer à utilização da força do
que outros, sendo aliás especialmente treinados Capítulo XVI • Polícia e protecção dos jovens
para o fazer (por exemplo, aqueles que desem-
penham funções específicas no domínio da 69. Alguns agentes policiais têm especiais res-
manutenção da ordem pública). O capítulo XIV ponsabilidades relativamente aos jovens, sendo
assume particular relevância para os polícias este capítulo claramente importante para eles. Con-
dessa categoria. tudo, nele se identificam as normas internacionais
relativas à captura e detenção dos delinquentes
Capítulo XV • Distúrbios internos, estados de juvenis, pelo que reveste interesse para todos os fun-
excepção e conflitos armados cionários responsáveis pela aplicação da lei.
65. Neste capítulo, são apresentados os prin- Capítulo XVII • Aplicação da lei e direitos das
cípios e as normas de direito internacional mulheres
humanitário, por forma a sublinhar o impera-
tivo de uma conduta humana e da protecção 70. Neste capítulo, as mulheres são considera-
das vítimas no decorrer de um conflito. Para das não apenas como vítimas ou potenciais vítimas
além disso, são analisados outros períodos de de violações de direitos humanos e da criminali-
tensão aguda, tais como os distúrbios internos dade, mas também como agentes e participantes
e estados de excepção, explicando aos polícias as na administração da justiça. Por esta razão, todas
limitações jurídicas que acompanham as medi- as categorias de funcionários responsáveis pela
das de emergência. aplicação da lei necessitam de ser confrontados com
as questões que aborda.
66. Os funcionários responsáveis pela aplicação
da lei são, na sua maioria, chamados a intervir Capítulo XVIII • Refugiados e não nacionais
em situações de conflito e desordem ao longo da
sua carreira e a importância da matéria torna-a 71. Por razões históricas e geográficas, alguns
num elemento essencial de qualquer curso de for- países têm enormes e imediatas responsabilidades
mação em direitos humanos destinado à polícia. em relação aos refugiados. A maioria dos países tem
de dar resposta às necessidades dos estrangeiros
OBSERVAÇÕES GERAIS e apátridas seus residentes. Embora existam, por
SOBRE A TERCEIRA PARTE vezes, unidades especializadas da polícia encarre-
gadas de lidar com essas pessoas, qualquer polícia
67. Em todas as matérias abordadas nesta parte, pode, em determinado momento, ser confrontado
é importante concentrar-se nos aspectos estratégicos com elas.
e de definição política com os funcionários supe-
riores de polícia e nos aspectos práticos com os 72. A medida e a forma como este capítulo pode
agentes operacionais. A formação destes últimos ser utilizado como base para um curso dependem
dever-se-á centrar nas imposições legais e na con- da situação do país em causa e das categorias de
dução efectiva das actividades policiais. funcionários participantes. Em qualquer caso, a par-
75. Uma vez conhecidas as matérias abordadas nos 80. A secção A contém as informações necessá-
capítulos precedentes do presente manual, deverá ser rias à apresentação do tema, divididas em três
dada aos funcionários responsáveis pela aplicação da rubricas: Introdução, Aspectos gerais (do tema) e
lei com funções de comando e gestão a oportunidade Observações finais.
de considerarem as implicações das normas inter-
nacionais de direitos humanos e direito humanitá- Introdução – Situa o tema dentro do contexto da
rio nessas responsabilidades. O capítulo XX tem por actividade policial.
função facilitar e estimular este processo.
Aspectos gerais – Fornece informação organizada
Capítulo XXI • Investigação das violações cometi- em torno de diversas sub-rubricas:
das pela polícia
Princípios fundamentais – Exposição e explicação dos
76. A investigação das violações cometidas pela princípios fundamentais de direitos humanos e
polícia cabe evidentemente aos comandantes e direito internacional humanitário que servem de
dirigentes das forças policiais, mas o conteúdo do base às disposições concretas relativas ao tema;
capítulo XXI será também útil para outros fun-
cionários, nomeadamente para os que desempe- Disposições específicas – Exposição das normas per-
nham funções disciplinares a nível interno. Em tinentes relativas ao tema constantes dos diversos
certos casos, será também conveniente que os instrumentos.
22
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Qualquer informação adicional baseada em normas Secção B
internacionais com interesse para o tema em
causa é então exposta nas sub-rubricas seguintes. 84. A Secção B trata da aplicação prática das nor-
Por exemplo, no capítulo XIV, relativo à Utilização mas de direitos humanos e direito humanitário.
da Força e das Armas de Fogo, existem três sub- Contém uma lista de medidas práticas a adoptar
-rubricas sobre “Utilização da força e direito à pelos organismos e funcionários responsáveis pela
vida”, “Utilização da força e execuções extrajudiciais” aplicação da lei a fim de garantir o cumprimento
e “Utilização da força e desaparecimentos”, res- das normas, uma série de exercícios práticos e
pectivamente. uma lista de temas para discussão.
24
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
06
Estrutura
e Conteúdo
dos Cursos
a) a abordagem adoptada pelo Alto Comissa- b) tempo disponível para o curso ou cursos.
riado/Centro para os Direitos Humanos das
Nações Unidas, em especial a importância atri- 92. Formularemos em seguida algumas reco-
buída aos aspectos práticos da formação; mendações a respeito da importância a atribuir a
determinados temas abordados em diferentes
b) os participantes nos programas de formação, capítulos do presente manual, nos cursos destina-
tendo em conta as respectivas características e cate- dos a distintas categorias de funcionários respon-
gorias em que se integram; sáveis pela aplicação da lei. Estas recomendações
deverão ser tidas em conta ao considerar o tempo
c) as técnicas pedagógicas, que privilegiam a a destinar a cada um dos temas no programa de
participação dos destinatários; curso. Em seguida, serão propostos três modelos
possíveis para a estrutura dos cursos.
d) os formadores e instrutores, que devem ser
especialistas, credíveis e demonstrar flexibilidade; b. Observações sobre os temas dos capítulos
91. A estrutura e o conteúdo concretos de cada um 93. Cada um dos capítulos deverá ser abordado
dos cursos de formação em matéria de direitos em relativa profundidade com os formadores e ins-
26
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cursos destinados aos funcionários superiores, Organização de um dia de trabalho: Supõe-se que
bem como aos formadores e instrutores da polícia. um dia de curso tem início cerca das 09:00 horas
Sempre que possível, alguns elementos do capí- e termina ao redor das 18:00, com um intervalo para
tulo XXI (Investigação das violações cometidas almoço cerca do meio-dia e duas pausas mais cur-
pela polícia) deverão ser incluídos nos cursos des- tas, uma a meio da manhã e outra a meio da tarde,
tinados aos funcionários sem responsabilidades de a fim de assegurar que os participantes se mantêm
comando. bem dispostos e atentos. Os intervalos para almoço
deverão ser marcados em função dos costumes
c. Estrutura dos cursos locais. Deverá reservar-se algum tempo para que o
103. Propõem-se em seguida três modelos possí- grupo de formadores se reúna para uma breve ses-
veis para a estrutura dos cursos. Podem basear-se são preparatória antes das sessões e para fazer o
em variações do modelo proposto no anexo II ou ponto da situação no final de cada dia.
ser adaptadas às necessidades e circunstâncias
locais. Os modelos-tipo são os seguintes:
• Cursos completos – para todas as categorias de 1. CURSO COMPLETO
funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
sempre que possível (com um estudo menos deta- 105. O curso completo é composto por uma sessão
lhado da quinta parte do manual para os agentes sobre cada um dos temas de todos os capítulos das
sem funções de comando), formadores das forças partes segunda a quinta do manual, segundo a
policiais e elementos da CIVPOL. sequência neste estabelecida. A fim de permitir:
• Seminários – para funcionários superiores de • uma apresentação aprofundada de cada tema;
polícia. • um debate informal suficiente depois da apre-
• Cursos básicos – para funcionários sem funções sentação; e
de comando. • um tratamento completo de todos os exercícios prá-
104. Relativamente a estas propostas, convém ter ticos e tópicos para discussão, recomenda-se que cada
em conta as seguintes questões: sessão ocupe meio dia de curso, o que significa que
Sequência dos temas: Deverá seguir-se a sequên- cada um dos temas deverá ser abordado durante esse
cia das partes e capítulos do presente manual. Esta período de meio dia. Existem 15 temas a analisar deste
sequência obedece a uma determinada lógica. Por modo (partes segunda a quinta).
exemplo:
• é preferível abordar as questões tratadas na 106. Recomenda-se que seja dedicada uma sessão
segunda parte como temas introdutórios, uma vez adicional de meio dia à introdução e apresentação do
que derivam de conceitos fundamentais; curso e seus participantes e uma outra aos procedi-
• os temas da quinta parte serão mais proveitosa- mentos de encerramento e avaliação da formação.
mente abordados no final do curso, quando os
participantes adquiriram já conhecimento das 107. O curso completo deverá, pois, ser composto
normas internacionais; por 16 sessões de meio dia, ou seja, oito dias com-
• em termos de procedimento, a captura antecede a pletos de formação.
detenção, daí que as questões de direitos humanos
suscitadas por estas situações devam seguir a mesma
sequência (capítulos XII e XIII da terceira parte); 2. SEMINÁRIO PARA FUNCIONÁRIOS SUPERIORES
• qualquer análise das questões de direitos huma- DE POLÍCIA
nos no contexto de situações de conflito e desor-
dem (capítulo XV) deve pressupor o conhecimento 108. Caso os funcionários superiores não dispo-
das questões genéricas de direitos humanos e apli- nham de tempo para seguir um curso completo,
cação da lei abordadas nos anteriores capítulos da pode organizar-se um seminário de curta dura-
terceira parte (em especial no capítulo XIV, sobre ção. A sequência dos capítulos constante do
a utilização da força). manual deverá ser mantida. Para permitir um
111. A fim de conseguir contemplar os temas dos 114. O curso básico para funcionários responsáveis
capítulos nestas sessões e responder às necessidades pela aplicação da lei sem funções de comando seria,
dos funcionários superiores, recomenda-se que assim, composto por 10 sessões de meio dia, ou seja,
os princípios fundamentais de cada um dos temas 5 dias de formação.
sejam explicados numa apresentação e se façam
algumas referências às normas constantes de ins- d. Observações finais
trumentos internacionais. Podem ser dados exem- 115. As anteriores recomendações pretendem
plos de algumas destas normas. A primeira parte servir de base aos diversos tipos de cursos e
de cada sessão de meio dia ficaria então concluída seminários, sendo naturalmente possíveis algu-
com um debate informal, reservando-se a segunda mas alterações. Por exemplo, tanto o curso com-
parte para a realização de exercícios práticos. pleto como o curso básico podem sofrer
modificações a fim de responder às exigências dos
funcionários com funções especializadas, por
3. CURSO BÁSICO PARA AGENTES SEM FUNÇÕES forma a que os temas pertinentes para as res-
DE COMANDO pectivas áreas de especialização sejam alargados
e outros correspondentemente reduzidos. Em
112. Caso os agentes sem funções de comando regra, ao planear a estrutura dos cursos, os seus
não disponham de tempo para seguir um curso organizadores devem prestar atenção às neces-
completo, poderá organizar-se um curso básico. sidades dos destinatários.
28
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
*
Seg
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e
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
cap
ítu
lo
07
Fontes, Sistemas
e Normas de Direitos Humanos
no domínio da Aplicação da Lei
Objectivos do capítulo • Dar a conhecer aos formadores e, através deles, aos participantes no curso
o enquadramento geral do sistema estabelecido no âmbito das Nações Uni-
das para a protecção dos direitos humanos no domínio da aplicação da lei.
a. Importância das normas internacionais gressos periódicos das Nações Unidas para a
116. As normas internacionais de direitos huma- Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delin-
nos no domínio da aplicação da lei foram adop- quentes. A adopção destas normas pela Assem-
tadas por diversos organismos do sistema das bleia Geral e pelo Conselho Económico e Social,
Nações Unidas. Entre eles, assumiram particular dois dos principais órgãos das Nações Unidas,
relevância a Comissão dos Direitos do Homem, conferiu às mesmas um carácter de universali-
a sua Sub-Comissão para a Prevenção da Dis- dade, uma vez que significa que a comunidade
criminação e Protecção das Minorias e os Con- internacional no seu conjunto as aceita e consi-
Conceitos Fundamentais
* 31
dera como regras mínimas em matéria de apli- regras mínimas, examinadas neste manual a
cação da lei, independentemente do sistema jurí- par das pertinentes convenções, não deve ser
dico ou do direito interno do Estado Membro negligenciado com base em argumentos jurídi-
em causa. cos teóricos. A nossa posição justifica-se com
base em, pelo menos, três razões fundamentais:
117. Por outro lado, o conteúdo normativo de tais
regras e os detalhes da sua adequada aplicação a a) Tais instrumentos não convencionais consti-
nível nacional são definidos pela jurisprudência em tuem afirmações de valores partilhados pelas prin-
constante evolução do Comité dos Direitos do cipais culturas e sistemas jurídicos. Podem ser
Homem das Nações Unidas, órgão de controlo da encontrados no direito interno dos principais sis-
aplicação do Pacto Internacional sobre os Direitos temas jurídicos a nível mundial e foram elabora-
Civis e Políticos instituído em virtude deste ins- dos através de um processo internacional, com a
trumento. contribuição da generalidade dos Estados Membros
das Nações Unidas. Por conseguinte, têm uma
118. Antes de analisar as diversas fontes, siste- incontestável força moral.
mas e normas existentes a nível internacional,
há que fazer referência à força jurídica dessas b) Os tratados escritos não são a única fonte
normas. O conjunto das normas examinadas de normas imperativas. Devido à sua origem
no presente manual abrange disposições com for- internacional e ampla aceitação nas legislações
ças jurídicas muito diferentes, desde obriga- nacionais, as disposições das declarações, con-
ções imperativas estabelecidas em pactos e juntos de princípios e outros instrumentos são
convenções até orientações universais que se consideradas por muitos juristas como “princí-
impõem no plano ético e estão contidas em pios gerais de direito internacional”, que cons-
diversas declarações, regras mínimas e con- tituem uma das fontes de direito internacional
juntos de princípios. No seu conjunto, estes reconhecidas pelo Estatuto do Tribunal Inter-
instrumentos definem um enquadramento jurí- nacional de Justiça. Muitas destas disposições
dico internacional completo e pormenorizado, são consideradas cláusulas declarativas de
tendo em vista assegurar o respeito dos direitos princípios em vigor do chamado “direito inter-
humanos, da liberdade e da dignidade no con- nacional consuetodinário”, isto é, normas vin-
texto da justiça penal. culativas originadas com base na prática
reiterada dos Estados (uma vez que os Estados
119. Em termos estritamente jurídicos, pode têm a convicção de que se encontram obriga-
argumentar-se que apenas os tratados oficiais dos por tais princípios) e não em disposições
ratificados pelos Estados, ou a que estes hajam concretas de quaisquer tratados.
aderido, são juridicamente vinculativos. Entre
estes, contam-se, por exemplo, o Pacto Inter- c) As normas internacionais enunciadas nos
nacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o tratados formais não são, por vezes, suficiente-
Pacto Internacional sobre os Direitos Econó- mente detalhadas para permitir que os Estados
micos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre interpretem o seu valor normativo, ou determi-
os Direitos da Criança e a Convenção para a Pre- nem as suas repercussões ao nível da aplicação.
venção e Repressão do Crime de Genocídio. As disposições mais detalhadas das directrizes,
Deverá também ser referida a Carta das Nações princípios e regras mínimas, entre outros ins-
Unidas, ela própria um tratado juridicamente trumentos, representam, pois, um valioso com-
vinculativo no qual todos os Estados Membros plemento jurídico para os Estados que se
são necessariamente Partes. No entanto, o valor esforçam por aplicar as normas internacionais a
prático das diversas declarações, directrizes e nível interno.
32
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
b. Fontes fundamentais dotam de força jurídica vinculativa: o Pacto
Internacional sobre os Direitos Económicos,
1. CARTA DAS NAÇÕES UNIDASN.T.1 Sociais e Culturais e o Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos. O conjunto
120. A principal fonte que serve N.T.1 Portugal foi admitido destes instrumentos é designado por Carta
como membro das Nações
de base à adopção de normas de Unidas em sessão especial da Internacional dos Direitos Humanos.
Assembleia Geral realizada a
direitos humanos pelos orga- 14 de Dezembro de 1955, no
âmbito de um acordo entre
nismos das Nações Unidas é, os EUA e a então União
Soviética (resolução 995 (X)
sem dúvida, a própria Carta. No da Assembleia Geral). A
declaração de aceitação por
2. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
seu segundo parágrafo pream- Portugal das obrigações cons-
tantes da Carta foi deposi-
DO HOMEMN.T.2
bular, afirma-se que um dos tada junto do
Secretário-Geral a 21 de Feve-
principais objectivos da organi- n.o 3155),1956
reiro de (registo
estando publicada
123. A Declaração Universal N.T.2 Publicada no Diárioo da
República, I Série A, n. 57/
zação consiste em: na United Nations Treaty
Series, vol. 229, página 3, de
representa um importante pro- /78, de 9 de Março de 1978,
mediante aviso do Ministé-
[…] reafirmar a nossa fé nos 1958. O texto da Carta das
Nações Unidas foi publicado
gresso alcançado pela comuni- rio dos Negócios Estrangei-
ros.
direitos fundamentais do no Diário da República I
Série A, n.o 117/91, mediante dade internacional em 1948.
o aviso n.o 66/91, de 22 de
homem, na dignidade e no Maio de 1991. O seu valor de persuasão moral deriva do facto de
valor da pessoa humana, na ser reconhecida como uma declaração de normas
igualdade de direitos dos homens e das mulheres, internacionais de aceitação geral. Essa compila-
assim como das nações, grandes e pequenas […] ção de objectivos de direitos humanos foi elaborada
em termos amplos e genéricos, tendo constituído
O artigo 1.o, n.o 3, da Carta estabelece o princípio a fonte – e o enquadramento substantivo – dos dois
de que a cooperação internacional deverá ser rea- outros instrumentos que compõem a Carta Inter-
lizada: nacional dos Direitos Humanos. Por outro lado, na
[…] promovendo e estimulando o respeito pelos Declaração Universal foram enunciados e defini-
direitos do homem e pelas liberdades fundamen- dos os direitos fundamentais proclamados na
tais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua Carta das Nações Unidas. Os artigos 3.o, 5.o, 9.o, 10.o
ou religião […] e 11.o da Declaração Universal são particularmente
relevantes no domínio da administração da justiça.
121. Estas disposições não devem ser vistas como Estes artigos abordam, respectivamente, o direito
meras declarações de princípio, destituídas de sig- à vida, à liberdade e à segurança pessoal; a proibição
nificado; pelo contrário, como atrás ficou dito, a da tortura e das penas ou tratamentos cruéis,
Carta é um tratado juridicamente vinculativo do desumanos ou degradantes; a proibição da deten-
qual todos os Estados Membros são partes. Tais nor- ção arbitrária; o direito a um julgamento equitativo;
mas tiveram como efeito jurídico fazer cessar, de o direito à presunção de inocência até prova em con-
uma vez por todas, a polémica sobre se os direi- trário; e a proibição da retroactividade da lei penal.
tos humanos e o seu gozo pelos indivíduos cons- Embora estes sejam os artigos que mais directa-
tituem questões de direito internacional ou apenas mente se relacionam com a aplicação da lei, todo
dizem respeito à soberania dos Estados. Conse- o texto da Declaração Universal fornece orientações
quentemente, é agora incontestável que tais nor- para o trabalho da polícia.
mas obrigam a polícia.
Conceitos Fundamentais
* 33
a entrada em vigor, em Março de 1976, do c) Os dois conjuntos de direitos protegidos por
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e ambos os Pactos são universalmente reconheci-
Políticos. Este instrumento, nos seus artigos 6.o, dos como sendo interdependentes e tendo igual
7. o , 9. o , 11. o , 14. o e 15. o , define em maior deta- importância.
lhe o direito à vida, a proibição da tortura, a
proibição da prisão ou detenção arbitrárias, a 126. Nesta conformidade, tenha-se em atenção
proibição de aplicação de uma pena de prisão que o Pacto Internacional sobre os Direitos Eco-
por impossibilidade de cumprimento de uma nómicos, Sociais e Culturais protege uma ampla
obrigação contratual e a proi- N.T.3 Assinado por Portugal a variedade de direitos, nomeadamente o direito ao
bição da retroactividade da lei 7aprovado de Outubro de 1976 e
para ratificação trabalho, a condições de trabalho razoáveis, à
pela Lei n.o 29/78, de 12 de
penal. Com mais de 100 Esta- Junho, publicada no Diário constituição de associações sindicais, à segu-
da República, I Série A,
dos Partes N.T.3 , o Pacto é um n.o 133/78. O instrumento rança social e a mecanismos de seguro social, à
de ratificação foi depositado
instrumento juridicamente junto do Secretário-Geral protecção das famílias e das crianças, a um nível
das Nações Unidas a 15 de
vinculativo que deve ser res- Junho de 1978. de vida suficiente, à saúde, à educação e à parti-
peitado pelos Governos e cipação na vida cultural. A aplicação deste Pacto
suas instituições, nomeadamente a polícia. A é controlada pelo Comité dos Direitos Económi-
sua aplicação é controlada pelo Comité dos cos, Sociais e Culturais.
Direitos do Homem, órgão criado em confor-
midade com as disposições do próprio Pacto. Primeiro Protocolo Facultativo referente ao Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos,
Sociais e Culturais 127. O primeiro Protocolo N.T.5 Assinado por Portugal
a 1 de Agosto de 1978 e
Facultativo referente ao Pacto aprovado para adesão pela
Lei n.o 13/82, de 15 de
125. As publicações como o N.T.4 Assinado por Portugal Internacional sobre os Direitos Junho, publicada no Diário
a 7 de Outubro de 1976 e da República, I Série A,
presente manual, que se aprovado para ratificação Civis e PolíticosN.T.5 entrou em n.o 135/82. O instrumento
pela Lei n.o 45/78, de 11 de de adesão foi depositado
ocupam das normas aplicá- Julho, publicada no Diá- vigor em simultâneo com o junto do Secretário-Geral
rio da República, I Série A, das Nações Unidas
veis no domínio da aplicação n.o 157/78. O instrumento Pacto. Este instrumento adicio- a 3 de Maio de 1983.
de ratificação foi deposi-
da lei, fazem essencialmente tado junto do Secretário- nal atribui ao Comité dos Direi-
-Geral das Nações Unidas
referência aos instrumentos a 31 de Julho de 1978. tos do Homem competência para receber e
de carácter civil e político. Não obstante, seria considerar comunicações de indivíduos que ale-
um erro prosseguir sem mencionar o Pacto guem ser vítimas de violações de qualquer um dos
Internacional sobre os Direitos Económicos, direitos enunciados no Pacto. Ao examinar tais
Sociais e Culturais, que entrou em vigor em queixas, o Comité tem vindo a desenvolver um
Janeiro de 1976 N.T.4. Existem pelo menos três considerável corpo de jurisprudência, que propor-
bons motivos para isso: ciona preciosas orientações para interpretar as
repercussões do Pacto sobre o trabalho da polícia.
a) A lei não é administrada no vazio. A polícia
deve desempenhar as suas funções no contexto Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacio-
da realidade económica concreta enfrentada pela nal sobre os Direitos Civis e Políticos
população que se comprometeu a servir e proteger.
128. Embora o Pacto Internacional sobre os Direi-
b) Não é correcto supor que os direitos econó- tos Civis e Políticos não proíba a pena de morte,
micos e sociais, no seu conjunto, são irrelevan- impõe estritas limitações à sua aplicação. Perante
tes para o trabalho da polícia. Claros exemplos de uma opinião pública internacional cada vez mais
direitos económicos com relevância directa neste favorável à completa abolição da pena de morte, a
domínio são, entre outros, a não discriminação, Assembleia Geral adoptou, em 1989, o Segundo Pro-
a protecção contra as expulsões forçadas e as nor- tocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre os
mas fundamentais de direito laboral. Direitos Civis e Políticos com vista à Abolição da
34
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Pena de MorteN.T.6, que interdita
N.T.6
Assinado por Portugal nacional, tendo por objectivo N.T.7 Aprovada para ratifica-
a 13 de Fevereiro de 1990 e ção por Portugal pela Reso-
aos Estados Partes a utilização da aprovado para ratificação reforçar a cooperação interna- lução da Assembleia da
pela Resolução da Assem- República n.o 37/98, de 14
pena de morte. bleia da República cional com vista à erradicação de de Julho e ratificada pelo
n.o 25/90, de 27 de Setem- Decreto do Presidente da
bro, publicada no Diário da
República, I Série A,
tal atrocidade. Refere, em parti- deRepública n.o 33/ /98, de 14
Julho. Ambos os
Convenção contra n.o 224/90. Ratificado pelo
Decreto do Presidente da
cular, os actos cometidos com a documentos se encontram
publicados no Diário da
o Genocídio República n.o 54/90, de 27
de Setembro, publicado no
intenção de destruir, no todo ou República, I Série A,
n.o 160/98. O instrumento
Diário da República,
I Série A, n.o 224/90. O ins-
em parte, um grupo nacional, de ratificação foi depositado
junto do Secretário-Geral
129. A Convenção para a Pre- trumento de ratificação foi
depositado junto do Secre-
étnico, racial ou religioso através a 9 de
das Nações Unidas
Fevereiro de 1999.
venção e Repressão do Crime de tário-Geral das Nações Uni-
das a 17 de Outubro
do assassinato de membros
Genocídio entrou em vigor em de 1990. desse grupo, atentado grave à respectiva integri-
1951N.T.7. Resultou, tal como as próprias Nações Uni- dade física e mental, submissão deliberada do
das, do horror e da indignação universais sentidos grupo a condições de existência passíveis de acarretar
pela comunidade internacional face às graves vio- a sua destruição física, imposição de medidas des-
lações de direitos humanos que caracterizaram a tinadas a impedir os nascimentos no seu seio ou
Segunda Guerra Mundial. A Convenção confirma transferência forçada das crianças do grupo para
que o genocídio constitui um crime de direito inter- outro grupo.
Conceitos Fundamentais
* 35
Convenção contra a Tortura obrigados a adoptar medidas eficazes nos planos
legislativo, administrativo, judicial e outros para
130. A Convenção contra a Tor- N.T.8 Assinada por Portugal a impedir a ocorrência de actos de tortura; a respei-
4 de Fevereiro de 1985 e
tura e Outras Penas ou Trata- aprovada para ratificação tar a proibição de expulsar, entregar ou extraditar
pela Resolução da Assem-
mentos Cruéis, Desumanos ou de bleia da República n.o 11/88,
21 de Maio, publicada no
uma pessoa para outro Estado quando existam
Degradantes entrou em vigor Diário o
da República, I Série A,
n. 118/88. Ratificada pelo
motivos sérios para crer que o indivíduo possa ser
N.T.8
em Junho de 1987 . A Con- Decreto do Presidente submetido a tortura; a garantir às vítimas de tortura
da República n.o 57/88,
venção vai consideravelmente Diário daJulho,
de 20 de publicado no
República,
o direito de queixa perante as autoridades compe-
I Série A, n.o 166/88. O ins-
mais longe do que o Pacto Inter- trumento tentes, que deverão examinar o caso rápida e
de ratificação foi
nacional sobre os Direitos Civis depositado junto do Secretá-
rio-Geral das Nações Unidas
imparcialmente; a proteger os queixosos e teste-
e Políticos na protecção do indi- a 9 de Fevereiro de 1989. munhas; a excluir qualquer elemento de prova ou
víduo contra o crime internacional que é a tortura. testemunho obtido através do recurso à tortura; e
Nos termos da Convenção, os Estados partes estão a compensar as vítimas e pessoas a seu cargo.
Convenção sobre a Eliminação da Discriminação mento internacional que aborda o problema da dis-
Racial criminação contra as mulheres nas esferas polí-
tica, económica, social, cultural e civil. Exige que os
131. A Convenção Internacio- N.T.9 Aprovada para adesão Estados Partes adoptem medidas específicas em
pela Lei n.o 7/82, de 29 de
nal sobre a Eliminação de Abril, publicada no Diário cada uma destas áreas para pôr fim à discrimina-
da República I Série A,
Todas as Formas da Discrimi- n.o 99/82. O instrumento ção contra as mulheres e garantir-lhes o exercício
de adesão foi depositado
nação Racial entrou em vigor junto do Secretário-Geral e o gozo dos direitos humanos e liberdades fun-
das Nações Unidas a 24 de
em Janeiro de 1969N.T.9, proi- Agosto de 1982. damentais em condições de igualdade com os
bindo todas as formas de discriminação racial nas homens.
esferas política, económica, social e cultural.
Entre outras disposições, impõe a igualdade de tra- Convenção sobre os Direitos da Criança
tamento perante os tribunais, agências e orga-
nismos que participam na administração da 133. A Convenção sobre os N.T.11 Assinada por Portugal
a 26 de Janeiro de 1990 e
justiça, sem distinção quanto à raça, cor ou origem Direitos da Criança entrou em aprovada para ratificação
pela Resolução da Assem-
nacional ou étnica. vigor em Setembro de 1990, bleia da República n.o 20/90,
de 12 de Setembro. Ratifi-
contando agora com mais de cada pelo Decreto do Presi-
dente da República
Convenção sobre a Eliminação da Discriminação 100 Estados PartesN.T.11. Garante n.o 49/90, da mesma data.
Ambos os documentos se
contra as Mulheres alguns direitos especiais aos encontram publicados no
Diário da República,
delinquentes juvenis, em reco- IOSérie A, n.o 211/ /90.
instrumento de ratifica-
132. Após a sua entrada em N.T.10
Assinada por Portugal nhecimento da sua particular ção foi depositado junto do
a 24 de Abril de 1980 e Secretário-Geral das Nações
vigor, em Setembro de 1981, a aprovada para ratificação vulnerabilidade e do interesse Unidas a 21 de Setembro
pela Lei n.o 23/80, de 26 de de 1990.
Convenção sobre a Eliminação Julho, publicada no Diário da sociedade na sua reabilita-
da República I Série A,
de Todas as Formas de Discrimi- n.o 171/80. O instrumento ção. Em concreto, a Convenção estabelece a proi-
de ratificação foi depositado
nação contra as MulheresN.T.10 junto do Secretário-Geral bição de aplicar a prisão perpétua a menores, bem
das Nações Unidas a 30 de
tornou-se o principal instru- Julho de 1980. como a sua protecção contra a pena de morte e a
36
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
tortura. A privação da liberdade dos menores deve 136. Como fontes temos, N.T.14 Portugal assinou os
Protocolos Adicionais I e II
ser sempre uma medida de último recurso e, nomeadamente, os dois Proto- a 12 de Dezembro de 1977,
procedeu à respectiva ratifi-
quando imposta, deve sê-lo pelo período de tempo colos Adicionais (de 1977) às cação a 27 de Maio de 1992
e declarou aceitar a compe-
mais curto possível. Em qualquer circunstância, a Convenções de GenebraN.T.14. O tência da Comissão Interna-
cional para o Apuramento
Convenção exige que os menores em conflito com Protocolo I reafirma e desen- dos Factos, ao abrigo do
artigo 90.o do Protocolo I, a
a lei sejam tratados com a humanidade e o respeito volve as disposições das Con- 1 de Julho de 1994.
devidos à dignidade da pessoa humana e de venções de Genebra no que diz respeito aos
maneira que tenha em conta a idade da criança e conflitos armados internacionais, ao passo que o
as possibilidades de a reabilitar. Esta Convenção será Protocolo II faz o mesmo relativamente aos con-
analisada em maior detalhe no capítulo XVI, sobre flitos internos, sem carácter internacional.
Polícia e Protecção dos Jovens.
137. Em conformidade com estes instrumentos, o
Convenção sobre os Direitos dos Trabalhadores direito internacional humanitário deverá ser apli-
Migrantes cado a todas as situações de conflito armado, no
decorrer das quais os princípios de humanidade
134. A Convenção Internacio- N.T.12 Não ratificada por devem ser sempre respeitados, qualquer que seja
Portugal até 29 de Novem-
nal sobre a Protecção dos Direi- bro de 2000. o caso. Neles se dispõe ainda que os não comba-
tos de Todos os Trabalhadores Migrantes e tentes e pessoas colocadas fora de combate devido
Membros das Suas Famílias foi adoptada pela a ferimentos, doenças, captura ou outras causas
Assembleia Geral em Dezembro de 1990N.T.12. Foi devem ser respeitadas e protegidas, e que as pes-
elaborada pelas Nações Unidas em reconheci- soas que sofrem em consequência da guerra
mento do grande impacto dos fluxos de trabalha- devem ser auxiliadas e tratadas sem discriminação.
dores migrantes sobre os Estados e pessoas em O direito internacional humanitário proíbe os
causa e da necessidade de desenvolver normas seguintes actos, em todas as situações:
capazes de contribuir para a harmonização das • assassínio;
atitudes dos Estados mediante a aceitação de prin- • tortura;
cípios básicos de protecção dos trabalhadores • castigos corporais;
migrantes e suas famílias. A Convenção enumera • mutilações;
os direitos fundamentais deste grupo particular- • atentados à dignidade da pessoa;
mente vulnerável de pessoas e garante a protecção • tomada de reféns;
de tais direitos. • penas colectivas;
• execuções sem julgamento regular;
Direito internacional humanitário • tratamentos cruéis ou degradantes.
135. Para fins de formação das N.T.13 Portugal assinou as 138. Os mesmos instrumentos proíbem também
quatro Convenções de
forças policiais, o direito inter- Genebra a 11 de Fevereiro as represálias contra os feridos, doentes ou náu-
de 1950, tendo procedido à
nacional humanitário pode ser respectiva ratificação a 14
de Março de 1961. Portugal
fragos, pessoal e serviços médicos, prisioneiros
definido como o subconjunto ratificação, uma
apôs ainda, no momento da
reserva ao
de guerra, pessoas civis, bens civis e culturais,
das normas de direitos humanos referidas
artigo 10.o/10.o/10.o/11.o das
Convenções.
ambiente natural e instalações que contenham
aplicáveis em tempo de conflito forças perigosas. Eles estabelecem que ninguém
armado. Esta área será explicada em maior deta- pode renunciar, nem ser forçado a renunciar, à
lhe no capítulo XV. O conteúdo fundamental do protecção conferida pelo direito humanitário.
direito humanitário está definido, artigo por Finalmente, dispõem que as pessoas protegidas
artigo, nas quatro Convenções de Genebra de devem poder recorrer a todo o momento a uma
1949 que protegem, respectivamente, os feridos e potência protectora (Estado neutro que protege
doentes das forças armadas em campanha, os náu- os seus interesses), ao Comité Internacional da
fragos, os prisioneiros de guerra e as pessoas Cruz Vermelha ou a qualquer outra organiza-
civisN.T.13. ção humanitária imparcial.
Conceitos Fundamentais
* 37
4. PRINCÍPIOS, REGRAS MÍNIMAS E DECLARAÇÕES desempenho de funções legítimas no domínio da
aplicação da lei. Este instrumento resultou de um
Código de Conduta para os Funcionários cuidadoso equilíbrio entre o dever da polícia de
Responsáveis pela Aplicação da Lei garantir a ordem e a segurança pública e o seu dever
de proteger os direitos à vida, à liberdade e à segu-
139. Em Dezembro de 1979, a Assembleia Geral rança da pessoa. As suas disposições serão analisa-
adoptou o Código de Conduta para os Funcioná- das em maior profundidade no capítulo XIV, sobre
rios Responsáveis pela Aplicação da Lei. Este Utilização da Força e de Armas de Fogo.
Código é composto por oito artigos fundamentais,
que definem as responsabilidades específicas dos Conjunto de Princípios para a Protecção
funcionários responsáveis pela aplicação da lei no de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma
que diz respeito às seguintes questões: serviço da de Detenção ou Prisão
comunidade; protecção dos direitos humanos; uti-
lização da força; tratamento de informação confi- Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos
dencial; proibição da tortura e das penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; pro- Princípios Básicos Relativos ao Tratamento
tecção da saúde dos reclusos; corrupção; e res- de Reclusos
peito da lei e do próprio Código. Cada artigo é
seguido de um comentário detalhado, que clarifica 141. Estes três instrumentos estabelecem um
as implicações normativas do preceito. Este regime geral de protecção dos direitos das pes-
Código constitui, na sua essência, o critério fun- soas sujeitas a detenção ou prisão. O Conjunto
damental com base no qual a polícia – civil ou mili- de Princípios foi adoptado pela Assembleia
tar, uniformizada ou não – deverá ser julgada pela Geral em Dezembro de 1988. As Regras Mínimas
comunidade internacional. foram adoptadas pelo Primeiro Congresso das
Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tra-
Princípios Básicos sobre a Utilização da Força tamento dos Delinquentes, realizado em 1955
e de Armas de Fogo na cidade de Genebra, e mais tarde aprovadas pelo
Conselho Económico e Social. Os Princípios
140. Os Princípios Básicos sobre a Utilização da Básicos, adoptados pela Assembleia Geral em
Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Res- Dezembro de 1990, completam o regime, com
ponsáveis pela Aplicação da Lei foram adoptados em 11 parágrafos normativos.
1990 pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas
para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos 142. O conteúdo destes instrumentos será exami-
Delinquentes. Os Princípios têm em consideração nado em maior detalhe no capítulo XIII, sobre a
o carácter muitas vezes perigoso da actividade de Detenção. Em resumo, eles prevêem que todos os
fazer cumprir a lei, assinalando que uma ameaça à presos e detidos devem ser tratados com o res-
vida ou à segurança dos funcionários responsáveis peito devido à sua dignidade humana, no que con-
pela aplicação da lei constitui uma ameaça à esta- cerne às condições de detenção, tratamento e
bilidade da sociedade no seu todo. Ao mesmo disciplina, contacto com o mundo exterior, saúde,
tempo, estabelecem normas estritas para a utiliza- classificação e separação, queixas, registos, traba-
ção da força e de armas de fogo por parte da polí- lho e lazer e religião e cultura.
cia, nomeadamente quanto às circunstâncias em
que se pode recorrer a elas e formas de o fazer, pro- Declaração dos Princípios Básicos de Justiça
cedimentos a seguir após essa utilização e respon- Relativos às Vítimas da Criminalidade
sabilidade decorrente do seu uso indevido. Os e de Abuso de Poder
Princípios sublinham que apenas se pode recorrer
à força quando estritamente necessário e unica- 143. Nas suas actividades de construção normativa,
mente na medida em que tal seja necessário para o as Nações Unidas têm-se também ocupado da
38
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
importante questão dos direitos das vítimas. Para servem a causa da justiça, ao mesmo tempo que
este fim, a Assembleia Geral adoptou, em Novem- reduzem a aplicação das penas de prisão, as quais
bro de 1985, a Declaração dos Princípios Básicos devem, em qualquer caso, ser vistas como uma
de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade sanção extrema. As Regras estabelecem que tais
e de Abuso de Poder. Esta Declaração exige, medidas deverão ter em conta os direitos huma-
nomeadamente, que os Estados garantam às víti- nos e a reabilitação do delinquente, a protecção
mas o acesso à justiça, que as vítimas sejam tra- da sociedade e os interesses das vítimas. Este
tadas com compaixão pelo sistema jurídico, que lhes instrumento fornece orientações relativamente a
seja concedida reparação sempre que possível e atri- matérias como autorizações de saída, libertação
buída compensação caso a reparação se revele para fins de trabalho, liberdade condicional,
impossível e que tais pessoas recebam assistência remissão da pena, indulto, serviço cívico e san-
médica, material, psicológica e social. ções pecuniárias, entre outros aspectos.
Garantias para a Protecção dos Direitos Princípios Orientadores das Nações Unidas
das Pessoas Sujeitas a Pena de Morte para a Prevenção da Delinquência Juvenil
(Princípios Orientadores de Riade)
144. As Garantias para a Protecção dos Direitos das
Pessoas Sujeitas a Pena de Morte foram aprovadas Regras Mínimas das Nações Unidas
pelo Conselho Económico e Social em Maio de para a Administração da Justiça de Menores
1984. Elas estabelecem que a pena de morte só (Regras de Beijing)
poderá ser aplicada aos crimes mais graves e proí-
bem a execução de pessoas que eram menores de Regras das Nações Unidas para a Protecção
idade à data da prática do crime, bem como de dos Menores Privados de Liberdade
mulheres grávidas ou que tenham sido mães
recentemente e de dementes. Além disso, este 146. Estes três instrumentos, em conjunto com a
instrumento consagra determinadas garantias Convenção sobre os Direitos da Criança, consti-
processuais e exige que, caso a pena de morte seja tuem as normas essenciais no domínio da admi-
aplicada, a execução seja levada a cabo de forma a nistração da justiça de menores. Tal como a
causar o menor sofrimento possível. Convenção, estes textos (adoptados pela Assem-
bleia Geral em Dezembro de 1990, Novembro de
Regras Mínimas para a Elaboração de Medidas 1985 e Dezembro de 1990, respectivamente) exi-
não Privativas de Liberdade gem que os sistemas jurídicos nacionais tenham
em conta a situação e a vulnerabilidade particula-
145. Em Dezembro de 1990, a Assembleia Geral res dos menores que hajam entrado em conflito
adoptou as Regras Mínimas das Nações Unidas com a lei. Ocupam-se tanto da prevenção como do
para a Elaboração de Medidas não Privativas de tratamento, com base no princípio de que o inte-
Liberdade (Regras de Tóquio), com o objectivo resse superior da criança deve ser a consideração
de estimular a aplicação pelos Estados deste tipo primordial no domínio da justiça de menores. O seu
de medidas. Elas promovem a participação da conteúdo será analisado em maior profundidade no
comunidade na administração da justiça penal e capítulo XVI, sobre a Polícia e Protecção dos Jovens.
Conceitos Fundamentais
* 39
Declaração sobre os Desaparecimentos dos a prevenir os actos pelos quais se priva alguém
Forçados de liberdade sem deixar qualquer rasto do seu para-
deiro, assimilando-os a crimes contra a Humani-
147. Em Dezembro de 1992, a Assembleia Geral dade. Exige a adopção de medidas eficazes nos planos
adoptou a Declaração sobre a Protecção de Todas as legislativo, administrativo, judicial e outros para pre-
Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados. Esta venir e pôr fim a tais actos, indicando expressamente
Declaração exprime a preocupação da comunidade algumas dessas medidas, que dizem respeito,
internacional perante esta atrocidade de proporções nomeadamente, às garantias processuais, responsa-
mundiais. O texto compreende 21 artigos destina- bilização, aplicação de sanções e reparação das vítimas.
Princípios sobre as Execuções Extrajudiciais, damente através de uma cadeia de comando cla-
Arbitrárias ou Sumárias ramente definida, sobre os organismos responsá-
veis pela aplicação da lei, bem como de assegurar
148. Os Princípios sobre a Prevenção Eficaz e cuidadosos sistemas de registo, inspecção e noti-
Investigação das Execuções Extrajudiciais, Arbi- ficação das detenções às famílias e aos represen-
trárias ou Sumárias foram recomendados aos tantes legais. Exigem ainda a protecção das
Estados pelo Conselho Económico e Social em testemunhas e dos membros da família, bem
Maio de 1989. Os Princípios proporcionam orien- como a cuidadosa recolha e apreciação das provas
tação aos funcionários responsáveis pela aplicação pertinentes. Os Princípios desenvolvem em deta-
da lei e outras autoridades nacionais sobre a pre- lhe as disposições dos tratados de direitos huma-
venção e investigação desses crimes e procedi- nos que garantem o direito à vida. O seu conteúdo
mentos judiciais a seguir para levar os autores a será analisado em maior detalhe no capítulo XXI,
responder perante a justiça. Sublinham a impor- sobre Investigação das Violações Cometidas pela
tância de exercer um controlo rigoroso, nomea- Polícia.
MASSACRES
40
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
c. Mecanismos de direitos humanos das Nações em alternativa, determinados fenómenos relativos
Unidas aos direitos humanos, como a tortura, a detenção arbi-
149. As Nações Unidas instituíram um complexo trária e os desaparecimentos. Estes mecanismos
sistema de mecanismos para a elaboração de nor- não se baseiam em nenhum tratado de direitos
mas de direitos humanos, sua aplicação e respec- humanos em particular, mas antes na autoridade do
tivo controlo. Conselho Económico e Social e suas comissões fun-
cionais, em conformidade com a Carta das Nações
150. As normas de direitos humanos relevantes no Unidas. Alguns deles aparecem abaixo indicados.
domínio da aplicação da lei foram adoptadas por dife-
rentes organismos do sistema das Nações Unidas,
nomeadamente a Assembleia Geral, o Conselho Eco- 1. MECANISMOS CONVENCIONAIS
Conceitos Fundamentais
* 41
155. A actividade dos órgãos de controlo da aplicação interno e para auxiliar os organismos responsáveis
dos tratados – e em especial, para os fins do pre- pela aplicação da lei nos seus esforços de inter-
sente manual, do Comité dos Direitos do Homem – pretação e garantia dos direitos consagrados nos ins-
que elaboram uma abundante jurisprudência no trumentos internacionais.
decurso da análise das comunicações e dos relató-
rios estaduais que lhes são apresentados e através 156. Os seis principais tratados de direitos huma-
da formulação de comentários gerais e directrizes, nos e organismos criados para controlar a respec-
serve para informar os processos legislativos a nível tiva aplicação são os seguintes:
Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Cul- • Comité dos Direitos Económicos, Sociais e
turais Culturais
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos • Comité dos Direitos do Homem
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas • Comité para a Eliminação da Discriminação
de Discriminação Racial Racial
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discri- • Comité para a Eliminação da Discriminação
minação contra as Mulheres contra as Mulheres
42
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Esta pronuncia-se, então, sobre a questão de saber Relator Especial sobre a Tortura
se o caso deverá ser submetido à Comissão dos
Direitos do Homem, por revelar um padrão regu- 161. Em 1985, a Comissão dos Direitos do Homem
lar de violações de direitos humanos. Caberá designou um Relator Especial sobre a Tortura, para
depois à Comissão decidir sobre a realização de um acompanhar as questões relativas à tortura e outras
estudo aprofundado da situação que inclua um penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degra-
relatório e recomendações ao Conselho Econó- dantes através da comunicação com os Governos,
mico e Social. realização de visitas aos países para consultas sobre
a prevenção dos crimes em causa e recepção de pedi-
159. Todas as fases iniciais do processo são con- dos de acção urgente. O Relator Especial dá segui-
fidenciais, apesar de ser dada oportunidade aos mento a estas solicitações, contactando o Governo
Governos em causa de formular observações. O pro- em causa a fim de garantir a protecção dos indiví-
cedimento torna-se, porém, público quando a situa- duos em questão. Deverá ser sublinhado que o man-
ção é remetida ao Conselho Económico e Social. dato do Relator Especial não se sobrepõe ao do Comité
Desta forma, as violações sistemáticas ocorridas num contra a Tortura, criado ao abrigo da Convenção con-
determinado país para as quais não seja encontrada tra a Tortura, uma vez que a Convenção se aplica ape-
uma solução no decurso das fases iniciais do processo, nas aos Estados que nela são partes, ao passo que o
podem ser levadas ao conhecimento da comunidade mandato do Relator Especial é de âmbito universal.
internacional através do Conselho Económico e Social
– um dos principais órgãos das Nações Unidas. Grupo de Trabalho sobre os Desaparecimentos
Forçados ou Involuntários
(b) Alguns relatores especiais e grupos
de t rabalho Relator Especial sobre execuções 162. Em 1980, a Comissão dos Direitos do Homem
extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias instituiu o Grupo de Trabalho sobre os Desapareci-
mentos Forçados ou Involuntários para acompanhar
160. Este mecanismo foi criado em 1982 com o o fenómeno, que se verifica em diversos países, do
objectivo de permitir à Comissão dos Direitos do “desaparecimento” de pessoas, ou seja, situações em
Homem supervisionar a situação das execuções que estas são raptadas pela força por determinados
arbitrárias no mundo e reagir com eficácia à Governos ou grupos que não deixam rasto do destino
informação que lhe seja apresentada, em parti- que lhes é dado. O Grupo de Trabalho já examinou
cular quando esteja iminente uma execução cerca de 20 000 casos individuais registados em mais
deste tipo ou existam receios de que se possa veri- de 40 países, recorrendo a procedimentos de acção
ficar. O Relator Especial, com a assistência Alto urgente para impedir a ocorrência de desapareci-
Comissariado/Centro para os Direitos Huma- mentos, apurar o paradeiro das pessoas supostamente
nos, recebe e aprecia a informação pertinente “desaparecidas”, processar queixas e canalizar infor-
sobre tais casos, podendo comunicar com os mação entre os Governos e as famílias afectadas.
Governos em causa a fim de evitar execuções
iminentes ou solicitar uma investigação oficial Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária
e medidas penais apropriadas nos casos em que
tenha ocorrido uma execução arbitrária. 163. O último mecanismo a ser mencionado nesta
rubrica é o Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbi-
Conceitos Fundamentais
* 43
trária, instituído pela Comissão dos Direitos do 166. A Comissão é um órgão parajudicial que recebe
Homem em 1991 para investigar tais situações e apre- queixas (petições), procura encontrar uma solução
sentar as suas conclusões à Comissão. O Grupo de amigável para a questão e formula pareceres não
Trabalho recorre a procedimentos de acção urgente vinculativos sobre a ocorrência ou não de uma vio-
para intervir em casos em que se suspeita de que lação da Convenção.
alguém tenha sido detido arbitrariamente e que a sua
vida ou saúde esteja em perigo em resultado dessa 167. O Tribunal é um órgão judicial que emite
detenção. O Grupo de Trabalho formula recomen- pareceres consultivos e decide sobre os casos já
dações que apresenta directamente aos Governos em submetidos à Comissão, a pedido de um dos Esta-
causa e submete os casos confirmados à Comissão. dos em causa ou da própria Comissão, sendo estas
decisões vinculativas. Os indivíduos não podem
d. Fontes, sistemas e normas a nível regional recorrer directamente ao Tribunal.
164. O presente manual, que se destina a servir de
instrumento de formação utilizável em todo o 168. O Comité de Ministros é um órgão político
mundo, baseia-se nas normas de N.T.15 composto pelos Governos. Decide sobre os casos já
O sistema europeu
âmbito universal adoptadas pela sofreu recentemente profun- examinados pela Comissão mas não submetidos à
das alterações: já o Protocolo
Organização das Nações Unidas. n.o 9 à Convenção Europeia apreciação do Tribunal. O Comité vela pela execução
dos Direitos do Homem,
Não obstante, os formadores e entrado em vigor a 1 de das sentenças do Tribunal, adopta resoluções
Outubro de 1994, abriu aos
formandos devem conhecer requerentes individuais a pos- mediante as quais solicita aos Estados que tomem as
sibilidade de submeter o caso
também os instrumentos e meca- ao Tribunal, cumpridos que medidas necessárias a este respeito e pode suspen-
estivessem
nismos de âmbito regional exis- alguns requisitos. A entrada der ou expulsar um Estado do Conselho da Europa.
em vigor, a 1 de Novembro
tentes na Europa, nas Américas de 1998, do Protocolo n.o 11
à Convenção Europeia trans-
e em África (na Ásia não exis- formou o sistema por com-
pleto, extinguindo a
tem ainda mecanismos deste Comissão Europeia, abolindo
os poderes de decisão do
2. O SISTEMA INTERAMERICANO NO ÂMBITO
género). Comité de Ministros e admi- DA ORGANIZAÇÃO DE ESTADOS AMERICANOS
tindo expressamente a possi-
bilidade de recurso dos
particulares a um Tribunal
Europeu único e perma-
nente. O sistema de protec-
169. No continente americano, os direitos humanos
1. O SISTEMA EUROPEU ção dos direitos do Homem estão protegidos a nível regional pela Convenção
no âmbito do Conselho da
NO ÂMBITO DO CONSELHO Europa transformou-se,
assim, no primeiro sistema
Americana sobre Direitos Humanos, que entrou
DA EUROPAN.T.15 internacional de protecção em vigor em Julho de 1978. No sistema interame-
dos direitos humanos de
carácter puramente jurisdi-
cional.
ricano, a Comissão Interamericana de Direitos
N.T.16
165. O principal instrumento de Assinada por Portugal
a 22 de Setembro de 1976 e
Humanos recebe queixas por violação da Conven-
direitos humanos existente no aprovada para ratificação
pela Lei n.o 65/78, de 13 de
ção, investiga o caso e formula recomendações, de
espaço da Europa é a Convenção Outubro, publicada no Diá-
rio da República, I Série A,
carácter não vinculativo, destinadas ao Governo em
para a Protecção dos Direitos do n.o 236/78. O aviso de depó-
sito do instrumento de ratifi-
causa. As petições dirigidas contra um Estado Parte
Homem e das Liberdades Funda- cação (aviso 1/79, de 2 de
Janeiro) encontra-se publi-
na Convenção podem acabar por ser submetidas à
mentaisN.T.16 (geralmente desig- cado no Diário da
República, I Série A,
apreciação do Tribunal Interamericano de Direitos
nada por Convenção Europeia n.o 1/79. O instrumento de
ratificação foi depositado Humanos, que profere decisão vinculativa.
junto do Secretário-Geral do
dos Direitos do Homem), que Conselho da Europa a 9 de
Novembro de 1978. O Proto-
entrou em vigor em Setembro colo n.o 11 foi assinado a 11
de Maio de 1994, aprovado
de 1993. Os órgãos do sistema para ratificação pela Resolu- 3. O SISTEMA AFRICANO NO ÂMBITO
ção da Assembleia da Repú-
europeu relacionados com esta blica n.o 21/97, de 3 de Maio DA ORGANIZAÇÃO DE UNIDADE AFRICANA
e ratificado pelo Decreto do
Convenção são a Comissão Presidente da República
n.o 20/97, da mesma data.
Europeia dos Direitos do Ambos os documentos se 170. A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
encontram publicados no
Homem, o Tribunal Europeu Diário da República, I Série Povos foi adoptada pela Organização de Unidade
A, n.o 102/97. O instrumento
dos Direitos do Homem e o de ratificação foi depositado Africana em 1981, tendo entrado em vigor em
junto do Secretário-Geral
Comité de Ministros do Conselho do Conselho da Europa Outubro de 1986. Nos termos da Carta, foi criada
a 14 de Maio de 1997.
da Europa. a Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos
44
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Povos com a missão de promover e proteger os ponder às questões que se coloquem a respeito
direitos humanos em África. A Comissão inter- do mesmo sistema.
preta ainda as normas da Carta e tem competên-
cia para receber queixas de violações de direitos 172. A mensagem essencial a ser retirada do pre-
humanos apresentadas por Estados, indivíduos e sente capítulo é a seguinte: os direitos humanos
grupos. Com base em tais queixas, pode procurar não são uma questão sob a jurisdição exclusiva
uma solução amigável, empreender estudos e for- do Estado ou dos seus agentes. Pelo contrário,
mular recomendações. constituem uma preocupação legítima da comu-
nidade internacional, empenhada há mais de
e. Conclusões meio século na definição de normas, criação de
171. O presente capítulo destina-se apenas a dar mecanismos para a aplicação das mesmas e con-
uma panorâmica geral das fontes, sistemas e trolo da respectiva observância. Os funcionários
normas internacionais de direitos humanos e organismos responsáveis pela aplicação da lei
relevantes no domínio da aplicação da lei. que desempenham as suas importantes funções
Embora os formadores se devam familiarizar de forma a respeitar e proteger os direitos huma-
tanto quanto possível com as matérias abordadas, nos honram, não só a si próprios, mas também
não é aconselhável tentar transmitir toda a infor- o Governo que os emprega e a nação que servem.
mação contida neste capítulo numa só sessão. Ao Aqueles que cometem violações de direitos
invés, ele deverá ser utilizado como fonte da humanos acabarão por chamar a atenção da
informação necessária para transmitir aos par- comunidade internacional e ser por ela conde-
ticipantes, numa sessão introdutória, o conhe- nados. O desafio do verdadeiro profissional de
cimento básico do sistema internacional que polícia deverá, pois, consistir em aplicar e defen-
disciplina a respectiva actividade e, ao longo do der as normas de direitos humanos, em todas as
curso, como material de referência para res- ocasiões.
• Assembleia Geral
• Conselho Económico e Social
• Comissão dos Direitos do Homem
• Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e Protecção das Minorias
• Congressos periódicos das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e
o Tratamento dos Delinquentes
Segunda Revisão
Principais instrumentos de direito internacional relevantes no domínio da apli-
cação da lei
Terceira Revisão
Principais mecanismos internacionais de direitos humanos relevantes no
domínio da aplicação da lei
46
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*08
Conduta policial lícita
e conforme
aos princípios éticos
47
*
Segunda Parte
a. Normas internacionais sobre uma con- • o respeito da dignidade da pessoa humana;
duta policial lícita e conforme aos princípios éti- • o respeito e a protecção dos direitos humanos.
cos – Informação para as apresentações
São estes os princípios fundamentais que servem
de base a uma conduta policial ética e lícita e dos
1. INTRODUÇÃO quais derivam todas as obrigações e disposições
específicas neste domínio que passamos a enun-
173. As normas internacionais de direitos huma- ciar:
nos relevantes no domínio da aplicação da lei pro-
porcionam uma base sólida para uma actividade (b) Disposições específicas sobre
policial ética e lícita. Contudo, algumas normas uma conduta policial lícita e conforme aos
dizem particularmente respeito à ética policial, e princípios éticos
outras colocam questões de ordem ética aos orga-
nismos e funcionários responsáveis pela aplicação 178. Os princípios supra mencionados estão con-
da lei. O presente capítulo centra-se nessas normas sagrados nos artigos 2.o e 8.o do Código de Conduta
particularmente importantes. para os Funcionários Responsáveis pela Aplica-
ção da Lei. Ao adoptar este Código, na sua resolu-
174. Os direitos humanos baseiam-se na noção de ção 34/169 de 17 de Dezembro de 1979, a
respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. Assembleia Geral reconheceu as importantes tare-
Estes direitos são inalienáveis: ninguém pode ser fas que os funcionários responsáveis pela aplica-
deles privado. Além disso, os direitos humanos são ção da lei desempenham, com diligência e
protegidos pelo direito internacional e pela lei dignidade, em conformidade com os princípios
interna dos Estados. de direitos humanos, e instou a que o conteúdo e
o significado das normas do Código fossem incul-
175. A polícia, enquanto força responsável pela cados a todos os funcionários responsáveis pela apli-
aplicação da lei, tem claramente a obrigação de res- cação da lei, através da educação, da formação e do
peitar esta mesma lei, nomeadamente a legislação estabelecimento de mecanismos de controlo.
adoptada para promoção e protecção dos direitos
humanos. Ao fazê-lo, estará a respeitar o princípio 179. O Código de Conduta é composto por oito
fundamental que serve de base à própria lei – o prin- artigos, cada um dos quais seguido de um comen-
cípio do respeito pela dignidade humana. Estará tam- tário explicativo, que podem ser resumidos nos
bém a reconhecer a inalienabilidade dos direitos seguintes termos:
humanos de todas as pessoas.
O artigo 1. o exige que os funcionários responsá-
176. As bases de uma conduta policial ética e lícita veis pela aplicação da lei cumpram, a todo o
são, pois, o respeito da lei, o respeito da digni- momento, o dever que a lei lhes impõe. A
dade humana e, consequentemente, o respeito expressão “funcionários responsáveis pela apli-
dos direitos humanos. cação da lei” é definida no comentário,
incluindo todos os agentes da lei que exercem
poderes de polícia, especialmente poderes de
2. ASPECTOS GERAIS DE UMA CONDUTA POLICIAL captura ou detenção.
LÍCITA E CONFORME AOS PRINCÍPIOS ÉTICOS
O artigo 2.o exige que os funcionários responsáveis
(a) Princípios fundamentais pela aplicação da lei respeitem e protejam a dig-
nidade humana e que defendam e garantam os
177. A aplicação e a manutenção da ordem pública direitos humanos. O comentário enuncia os ins-
devem ser compatíveis com: trumentos internacionais de direitos humanos
• o respeito e o cumprimento da lei; relevantes no domínio da aplicação da lei.
48
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
O artigo 3.o restringe a utilização da força por parte tações para o cumprimento das obrigações jurídi-
dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei cas de promover e proteger os direitos humanos,
ao estritamente necessário e na medida exigida ao mesmo tempo que reafirma algumas destas
pelo cumprimento do seu dever. O comentário faz obrigações. O Código constitui a base ideal para a
referência ao princípio da proporcionalidade no uso elaboração de códigos deontológicos nacionais
da força e considera a utilização de armas de fogo destinados aos agentes policiais.
como uma medida extrema.
[i] Ética policial e utilização da força
O artigo 4.o estabelece que as informações de
natureza confidencial em poder dos funcionários 182. O presente manual compreende um capítulo
responsáveis pela aplicação da lei devem ser man- autónomo dedicado à utilização da força pela polí-
tidas em sigilo, a menos que o cumprimento do cia. Contudo, é importante referir nesta fase o
dever ou as necessidades da justiça exijam abso- princípio 1 dos Princípios Básicos sobre a Utiliza-
lutamente o contrário. ção da Força e de Armas de Fogo pelos Funcioná-
rios Responsáveis pela Aplicação da Lei, nos
O artigo 5.o consagra a proibição absoluta da tor- termos do qual “os Governos e os organismos de
tura e de outros tratamentos cruéis, desumanos ou aplicação da lei devem manter sob permanente
degradantes. Afirma ainda que nenhum funcionário avaliação as questões éticas ligadas à utilização da
responsável pela aplicação da lei poderá invocar força e de armas de fogo”.
ordens superiores ou circunstâncias excepcionais,
tais como a guerra ou a ameaça à segurança nacio- 183. A exigência de avaliação permanente das
nal, para justificar a prática da tortura. questões éticas implica a necessidade de instituir
sistemas para esse fim e tem implicações nos pro-
O artigo 6.o exige que os funcionários responsáveis gramas de formação que abordam os aspectos teó-
pela aplicação da lei assegurem a protecção da ricos e práticos da utilização da força.
saúde das pessoas à sua guarda.
[ii] Conduta policial lícita e conforme
O artigo 7.o proíbe que os funcionários responsá- aos princípios éticos – responsabilidade
veis pela aplicação da lei cometam qualquer acto de individual
corrupção.
184. A responsabilidade individual dos agentes
O artigo 8.o exige que os funcionários responsáveis policiais é abordada nos seguintes instrumentos:
pela aplicação da lei respeitem a lei e o Código de
Conduta e que evitem e se oponham vigorosa- Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou
mente a quaisquer violações dos mesmos. Impõe- Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes
-lhes ainda a obrigação de denunciar as violações – o artigo 2.o, n.o 3, estabelece que: “Nenhuma
do Código. ordem de um superior ou de uma autoridade
pública poderá ser invocada para justificar a tor-
180. As “ordens superiores” e “circunstâncias tura”. Esta norma aplica-se a qualquer funcioná-
excepcionais”, referidas no artigo 5.o do Código, bem rio público ou pessoa actuando a título oficial. De
como a obrigação de participar violações enun- qualquer forma, conforme já indicado, o Código de
ciada no artigo 8.o, são claramente importantes Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
no domínio da ética da actividade policial e serão Aplicação da Lei inclui uma norma semelhante.
analisadas em maior detalhe mais adiante, uma vez
que relevam também de outros instrumentos. Código de Conduta para os Funcionários Respon-
sáveis pela Aplicação da Lei – o artigo 5.o, que rei-
181. O Código de Conduta pode ser considerado tera a proibição da tortura, dispõe que nenhum
como um código deontológico que fornece orien- funcionário responsável pela aplicação da lei
Conceitos Fundamentais
* 49
poderá invocar ordens superiores para justificar a Princípio 19 – dispõe que, sem prejuízo do prin-
prática da tortura. cípio 3, uma ordem de um superior hierárquico ou
Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de de uma autoridade pública não poderá ser invocada
Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis como justificação para tais execuções; e estabe-
pela Aplicação da Lei – Incluem três princípios rela- lece que os superiores hierárquicos ou outros fun-
tivos à responsabilidade individual, a saber: cionários públicos poderão ser responsabilizados
pelos actos cometidos pelos agentes sob as suas
Princípio 24 – exige que os Governos e organismos ordens caso tivessem tido uma possibilidade
responsáveis pela aplicação da lei garantam que os razoável de impedir a ocorrência desses actos.
funcionários superiores são responsabilizados caso
tenham, ou devessem ter, conhecimento de que os [iii] Conduta policial lícita e conforme
funcionários sob as suas ordens utilizam ou aos princípios éticos – dever de denunciar
tenham utilizado ilicitamente a força ou armas de as violações
fogo, e não tomem as medidas ao seu alcance para
impedir, fazer cessar ou denunciar tal abuso. 185. O dever dos agentes policiais de denunciarem
as violações de direitos humanos que cheguem
Princípio 25 – exige que os Governos e organismos ao seu conhecimento está consagrado nos seguin-
responsáveis pela aplicação da lei assegurem que tes instrumentos:
não é imposta qualquer sanção penal ou discipli-
nar aos agentes policiais que, em conformidade com Código de Conduta para os Funcionários Respon-
o Código de Conduta para os Funcionários Res- sáveis pela Aplicação da Lei: conforme já ficou
ponsáveis pela Aplicação da Lei e com os Princí- dito, o artigo 8.o ocupa-se da denúncia das viola-
pios Básicos, se recusem a cumprir uma ordem para ções. Em termos concretos, isto significa que os
utilizar a força ou armas de fogo ou denunciem essa agentes policiais que tenham motivos para crer que
utilização por parte de outros funcionários. se produziu ou está prestes a produzir-se uma vio-
lação do Código de Conduta deverão dar conta
Princípio 26 – estabelece que a obediência a desse facto aos seus superiores e, se necessário, a
ordens superiores não pode ser invocada caso os outras autoridades ou instâncias de controlo ou de
agentes policiais soubessem que a ordem de uti- recurso competentes. O comentário a este artigo
lização da força ou de armas de fogo de que reconhece a necessidade de preservar a disciplina
resultaram a morte ou lesões graves era mani- interna do organismo em questão. Os funcionários
festamente ilegal e tivessem uma possibilidade responsáveis pela aplicação da lei só deverão, pois,
razoável de se recusar a cumpri-la. efectuar tais denúncias junto de outras entidades
Princípios sobre a Prevenção Eficaz e Investigação que não os seus superiores imediatos caso não
das Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias ou Sumá- exista, ou não seja eficaz, outra alternativa.
rias – Incluem dois princípios, cada um dos quais
compreende diversas disposições, que se relacio- Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de
nam com a responsabilidade individual, nos termos Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis
seguintes: pela Aplicação da Lei: a obrigação de denunciar as
violações dos Princípios não está explicitamente
Princípio 3 – impõe aos Governos a obrigação de consagrada mas, como já tivemos oportunidade de
proibir ordens de funcionários superiores ou auto- referir, o princípio 25 proíbe a imposição de san-
ridades públicas que autorizem ou incitem outras ções penais ou disciplinares aos funcionários que
pessoas a levar a cabo execuções extrajudiciais, procedam a essas denúncias.
arbitrárias ou sumárias; exige que todas as pessoas
tenham o direito e o dever de se recusar a cumprir Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas
tais ordens; e estabelece que a formação das for- as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção
ças policiais deverá destacar estas disposições. ou Prisão: Incluem um princípio, composto por
50
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
várias normas, que obriga à denúncia das violações. cação para a prática de execuções extrajudiciais,
O n.o 2 do Princípio 7 estabelece que os funcionários arbitrárias ou sumárias.
que tenham razões para acreditar que ocorreu ou
está iminente uma violação do Conjunto de Prin-
cípios, deverão comunicar esse facto aos seus 3. OBSERVAÇÕES FINAIS
superiores e, se necessário, a outras autoridades
competentes de controlo ou de recurso. 187. As demais partes relevantes dos instrumen-
tos de direitos humanos acima mencionados serão
[iv] Conduta policial lícita e conforme analisadas nos capítulos seguintes. É evidente que
aos princípios éticos – circunstâncias a observância por parte dos agentes das disposições
excepcionais e situações de emergência pública destes instrumentos garantirá uma conduta poli-
cial ética e lícita nas áreas pelos mesmos abrangidas.
186. Os seguintes instrumentos abordam as ques-
tões relativas às circunstâncias excepcionais e 188. Para além das normas do Código de Conduta
situações de emergência pública: para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei, que dizem respeito à ética policial em geral,
Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas as disposições dos outros instrumentos referidos no
contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos presente capítulo foram destacadas uma vez que
Cruéis, Desumanos ou Degradantes: o artigo 3.o tratam de questões específicas relativas à ética e
afirma que não se poderão invocar circunstâncias licitude do comportamento policial.
excepcionais tais como o estado de guerra ou
ameaça de guerra, a instabilidade política interna 189. Por exemplo, a questão da responsabilidade indi-
ou qualquer outra situação de emergência pública vidual – dos funcionários superiores que emitam
como justificação para a prática da tortura ou de ordens ilícitas e de outros funcionários que even-
outros maus tratos. tualmente recebam semelhantes ordens – é muito
importante numa instituição disciplinada e hierar-
Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou quicamente organizada. As disposições dos instru-
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes: mentos examinados no presente capítulo são bastante
o artigo 2.o, n.o 2, contém uma disposição seme- claras quanto a determinar quem incorre em res-
lhante à da Declaração. ponsabilidade individual: a pessoa que profere a ordem
ilícita e a pessoa que comete o acto ilícito, não obstante
Código de Conduta para os Funcionários Respon- este ter ou não sido ordenado por um superior.
sáveis pela Aplicação da Lei: conforme supra men-
cionado, o artigo 5.o proíbe expressamente aos 190. Quanto às disposições que exigem que a polí-
agentes policiais a invocação de circunstâncias cia denuncie as violações de direitos humanos, os
excepcionais ou situações de emergência pública instrumentos não se limitam a elevar esta obriga-
para justificar a prática da tortura ou outros maus ção de denunciar à categoria de norma interna-
tratos. cional, eles indicam também as situações em que
o agente pode e deve recorrer a instâncias exteriores
Princípios sobre a Prevenção Eficaz e Investiga- à instituição policial para o fazer.
ção das Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias ou
Sumárias: nos termos do Princípio 1, que exige 191. A terceira questão de relevância específica
que os Governos proíbam por lei quaisquer exe- que abordámos, isto é, a proibição de invocação
cuções desse tipo, as circunstâncias excepcio- de circunstâncias excepcionais ou situações de
nais, nomeadamente o estado de guerra ou a emergência para justificar uma conduta policial
ameaça de guerra, a instabilidade política interna ilícita ou anti-ética, reveste-se da maior impor-
ou qualquer outra situação de emergência tância. Sempre que se verifiquem circunstâncias
pública, não poderão ser invocadas como justifi- excepcionais, bem como durante situações de
Conceitos Fundamentais
* 51
emergência, a polícia pode ficar sujeita a consi- ciais individualmente considerados e as organi-
deráveis pressões no sentido de demonstrar efi- zações de polícia se devem esforçar por ser efica-
cácia e “conseguir resultados”. Esta pressão pode zes e, ao mesmo tempo, por respeitar a lei, a
ser imposta pelo poder político, pela opinião dignidade humana e os direitos humanos. Garan-
pública ou ter origem dentro do próprio orga- tir a eficácia da acção policial é, em parte, uma ques-
nismo responsável pela aplicação da lei. Tais tão de competência profissional e técnica; mas,
situações colocam dilemas tanto éticos como independentemente do nível de competência, esse
jurídicos a todos os agentes de polícia, consti- objectivo não poderá ser atingido sem o apoio
tuindo as normas internacionais, que são bas- activo e a cooperação efectiva do público em geral.
tante claras na matéria, um importante ponto de É mais fácil conseguir e manter tal apoio e coo-
referência tanto para estes últimos como para as peração caso a actividade policial seja desenvolvida
instituições policiais. de forma lícita e humana. Uma polícia arbitrária,
violenta e desrespeitadora da lei suscita o medo e
192. A exigência de uma conduta policial ética e o desprezo. Tal polícia não recebe, nem merece, o
lícita significa essencialmente que os agentes poli- apoio do público.
•
RECOMENDAÇÕES DESTINADAS Inscreva-se em programas de formação contínua para compreender
A TODOS OS AGENTES POLICIAIS melhor as competências que a lei lhes atribui e respectivas limitações.
52
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS tário explicativo, para distribuição por todos os
agentes policiais. O documento será também tor-
Exercício n.o 1 nado público. Redija um instrumento que preen-
cha os requisitos enunciados na presente hipótese.
Os instrutores e formadores das forças policiais,
sobretudo os que se ocupam dos novos agentes, Exercício n.o 3
deparam-se com o problema de as atitudes e os
conhecimentos adquiridos nos programas de for- O Princípio 1 dos Princípios Básicos sobre a Uti-
mação serem por vezes contrariados pelas atitudes lização da Força e de Armas de Fogo pelos Fun-
e comportamentos prevalecentes no seio da insti- cionários Responsáveis pela Aplicação da Lei exige
tuição policial. Por outras palavras, a cultura da orga- que os Governos e organismos responsáveis pela
nização pode ser hostil a algumas atitudes e aplicação da lei mantenham “sob permanente ava-
conhecimentos considerados desejáveis num liação as questões éticas ligadas à utilização da
agente de polícia. Isto é especialmente verdade no força e de armas de fogo”.
que diz respeito à formação policial em matéria de
direitos humanos. 1). Que práticas e procedimentos podem ser
adoptados a fim de manter as questões éticas liga-
O que pode ser feito para solucionar este problema das à utilização da força e de armas de fogo sob per-
por parte dos: manente avaliação?
a) Formadores e instrutores das forças policiais? 2). Analise e descreva formas de abordar as
questões éticas relacionadas com a utilização da
b) Comandantes e supervisores das forças policiais? força e de armas de fogo pela polícia no âmbito
da formação dos agentes policiais.
Elabore uma pequeno texto com os conselhos que
daria aos novos agentes colocados às suas ordens Exercício n.o 4
ou sob a sua supervisão, sobre a forma como
podem ser polícias eficazes e ao mesmo tempo res- O Princípio 7, n.o 2, do Conjunto de Princípios para
peitadores dos direitos humanos. a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer
Forma de Detenção ou Prisão estabelece:
Exercício n.o 2
Os funcionários com razões para crer que ocorreu
Imagine que foi nomeado para um comité encar- ou está iminente uma violação do presente Con-
regado de elaborar um código deontológico para a junto de Princípios devem comunicar esse facto aos
polícia do seu país. Você deverá ter em conta: seus superiores e, sendo necessário, a outras auto-
ridades ou instâncias competentes de controlo ou
a) O princípio do respeito pela dignidade inerente de recurso.
à pessoa humana;
1). Que dificuldades poderá um agente policial
b) O Código de Conduta para os Funcionários que faça uma denúncia desse tipo ter de enfren-
Responsáveis pela Aplicação da Lei, das Nações tar dentro da instituição a que pertence?
Unidas;
2). Como podem essas dificuldades ser ultra-
c) As circunstâncias do seu país, nomeadamente passadas?
quaisquer preocupações com a actual evolução da
criminalidade e com a actividade policial, e elabo- 3). Caso um agente policial tenha motivos para
rar um código deontológico composto por diversos acreditar que ocorreu uma violação do Conjunto de
artigos, cada um dos quais seguido de um comen- Princípios, terá ele o direito de, em todas as cir-
Conceitos Fundamentais
* 53
cunstâncias, levar a questão ao conhecimento de 6). O artigo 7.o do Código de Conduta para os Fun-
entidades estranhas à organização policial – por cionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
exemplo, à imprensa? proíbe que os agentes policiais cometam qualquer
acto de corrupção. Como definiria um acto de cor-
4). O que aconselharia aos novos agentes em rupção? Indique as três condições que considera
fase de formação sobre a maneira de responder mais importantes para prevenir a corrupção no
caso sejam testemunhas de maus tratos cometi- seio da polícia.
dos por colegas seus contra detidos?
7). A utilização da força por parte da polícia con-
tra uma pessoa levanta questões tanto éticas como
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO jurídicas. Que nível de força terá um agente de exer-
cer para que se coloquem tais questões? Por outras
1). Que vantagens tem a afirmação de que os direi- palavras, pode a mais pequena utilização de força
tos humanos são inalienáveis e inerentes a todas colocar questões no domínio da ética e da legali-
as pessoas e não direitos concedidos pelos Estados? dade, ou tal só acontecerá caso se verifiquem
lesões corporais?
2). Porque sentem alguns polícias existir uma
certa incompatibilidade entre a aplicação da lei e 8). Uma vez que a polícia tem a obrigação de
a protecção dos direitos humanos? cumprir as disposições da lei interna, que define
as competências das forças policiais e protege os
3). O que pode ser feito para fazer desaparecer a direitos humanos, qual a finalidade dos códigos
ideia presente em alguns polícias de que o respeito deontológicos adoptados nos diferentes países?
dos direitos humanos pode ser incompatível com
a aplicação da lei? 9). Na sua opinião, que qualidades deverá reunir
um candidato ao ingresso na polícia, tendo em
4). Que utilidade têm os códigos adoptados a conta que deverá ser capaz de agir com eficácia e
nível internacional, tais como o Código de Conduta em conformidade com os princípios éticos
para os Funcionários Responsáveis pela Aplica- enquanto agente policial?
ção da Lei, para cada agente policial e organismo
responsável pela aplicação da lei? 10). Existem algumas vantagens na elaboração de
códigos deontológicos distintos para as diferentes
5). Que procedimentos de gestão e supervisão categorias de agentes policiais, por exemplo, para os
podem ser adoptados para garantir que todos os fun- funcionários responsáveis pela investigação penal?
cionários de polícia respeitam a obrigação de confi- Em que medida seria esse código distinto das dis-
dencialidade imposta pelo artigo 4.o do Código de posições fundamentais do Código de Conduta para
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Apli- os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
cação da Lei? das Nações Unidas?
54
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*09
O papel da Polícia
numa Sociedade democrática
Princípios fundamentais •No exercício dos seus direitos e liberdades, cada pessoa está sujeita ape-
nas às limitações estabelecidas pela lei.
55
*
Segunda Parte
a. Normas internacionais sobre direitos nal contêm disposições análo- N.T.1
Assinado por Portugal a
22 de Setembro de 1976 e
humanos e actividade policial numa socie- gas: aprovado para ratificação
por Portugal pela Lei
dade democrática – Informação para as apre- n.o 65/78, de 13 de Outu-
bro, publicada no Diário da
sentações Carta Africana dos Direitos do República, I Série A,
n.o 236/ /78. O aviso de
depósito do instrumento de
Homem e dos Povos ratificação (aviso n.o 1/79,
– artigo 13.o: de 2 de Janeiro) encontra-se
publicado no Diário da
1. INTRODUÇÃO República, I Série A, n.o
1/79. O instrumento de rati-
ficação foi depositado junto
Convenção Americana sobre do Secretário-Geral do Con-
193. O termo “democracia” tem múltiplos sig- Direitos Humanos selho da Europa a 9 de
Novembro de 1978.
nificados e existem diversas formas de – artigo 23.o;
governo democrático. Como este manual se Protocolo n.o 1N.T.1 à Convenção
destina a ser utilizado no mundo inteiro, e diz Europeia dos Direitos do Homem
respeito aos direitos humanos e à aplicação da – artigo 3.o.
lei, há que interpretar esse termo em sentido
muito amplo e conforme consagrado em diver- Convém também fazer referência a estes textos,
sos instrumentos de direitos humanos. sempre que necessário.
194. Por exemplo, a maior parte dos Princípios 196. A democracia está relacionada com dois
Fundamentais acima enunciados figuram na outros ideais importantes no domínio da aplicação
Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo da lei:
artigo 21.o estabelece que toda a pessoa tem direito: • o princípio do Estado de Direito;
• de tomar parte na direcção dos negócios públi- • a promoção e protecção dos direitos humanos.
cos do seu país, quer directamente, quer por inter-
médio de representantes livremente escolhidos; De facto, estes três ideais são interdependentes, pois
• de acesso, em condições de igualdade, às funções a melhor forma de proteger os direitos humanos
públicas do seu país. consiste em garantir a existência de processos
democráticos eficazes e a manutenção do Estado
O artigo 21.o refere ainda que: de Direito; além disso, os textos de direitos huma-
• a vontade do povo é o fundamento da autoridade nos consagram direitos e liberdades que são
dos poderes públicos; essenciais tanto para os processos democráticos
• esta vontade deve exprimir-se através de eleições como para o Estado de Direito.
honestas a realizar periodicamente;
• as eleições serão realizadas por sufrágio univer- 197. Um aspecto significativo da actividade policial
sal e igual, com voto secreto ou segundo processo numa sociedade democrática que deverá ser refe-
equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. rido nestas observações iniciais é a questão do
“policiamento democrático”. Este conceito é
195. O Pacto Internacional sobre os Direitos importante, uma vez que a actividade policial é um
Civis e Políticos (artigo 25.o) consagra os mes- dos meios através dos quais se governa um
mos direitos: Estado. Como os processos e as formas de governo
• direito de tomar parte na direcção dos negócios democráticos constituem direitos humanos fun-
públicos, directa ou indirectamente; damentais, a noção de policiamento democrático
• direito de aceder, em condições gerais de igual- baseia-se nestes direitos. Um dos requisitos de
dade, às funções públicas do seu país; um policiamento democrático é a responsabili-
• direito de votar em eleições genuínas e perió- dade da polícia perante a população que serve.
dicas.
198. Os direitos essenciais numa democracia e o
NOTA PARA OS FORMADORES: Os seguintes ins- papel da polícia relativamente a esses direitos são
trumentos de direitos humanos de âmbito regio- questões de que nos ocuparemos mais adiante,
56
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
assim como o policiamento democrático e seus são claramente importantes para que as pessoas,
requisitos. individualmente ou em grupo, possam conceber
e desenvolver ideias e ideais. Isto constitui, por
outro lado, um elemento fundamental dos pro-
2. ASPECTOS GERAIS DA ACTIVIDADE POLICIAL cessos políticos democráticos.
NUMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA
[ii] Direito à liberdade de opinião
(a) Princípios fundamentais e de expressão
199. Os princípios democráticos fundamentais 203. Este direito é protegido pela Declaração Uni-
enunciados nos textos de direitos humanos são versal dos Direitos do Homem (artigo 19.o), Pacto
os seguintes: Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
• participação directa e por intermédio de represen- (artigo 19.o), Carta Africana dos Direitos do Homem
tantes na direcção dos negócios públicos (de onde e dos Povos (artigo 9.o), Convenção Americana
decorre o direito de todas as pessoas de participar, sobre Direitos Humanos (artigo 13.o) e Convenção
directa ou indirectamente, no governo do seu país); Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10.o).
• igualdade de acesso à função pública;
• sufrágio universal e igual com base em eleições 204. A liberdade de opinião é indispensável aos pro-
livres e periódicas; cessos políticos, da mesma forma que a liberdade
• respeito das liberdades fundamentais. de consciência. A possibilidade de comunicar pen-
samentos e opiniões é mais um dos elementos
As normas específicas dos instrumentos de direi- necessários ao exercício da democracia.
tos humanos foram concebidas para tornar efecti-
vos os princípios acima enunciados e serão [iii] Direitos à liberdade de reunião
analisadas em seguida. e de associação pacíficas
(b) Disposições específicas sobre 205. Estes direitos são protegidos pela Declaração
a actividade policial numa sociedade Universal dos Direitos do Homem (artigo 20.o),
democrática Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polí-
ticos (artigos 21.o e 22.o), Carta Africana dos Direi-
200. Os direitos essenciais aos processos políticos tos do Homem e dos Povos (artigos 10.o e 11.o),
democráticos e aos princípios acima enumerados Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(que se encontram, eles próprios, consagrados em ins- (artigos 15.o e 16.o) e Convenção Europeia dos
trumentos de direitos humanos) são os seguintes: Direitos do Homem (artigo 11.o).
[i] Direito à liberdade de pensamento, 206. As actividades políticas só podem ser desen-
consciência e religião volvidas em associação com outras pessoas e a par-
tir do momento em que existam instâncias para a
201. Este direito é protegido pela Declaração Uni- comunicação de ideias, propostas e estratégias. Por
versal dos Direitos do Homem (artigo 18.o), Pacto estes motivos, os direitos à liberdade de reunião e
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de associação pacíficas são tão importantes quanto
(artigo 18.o), Carta Africana dos Direitos do os direitos referidos nas rubricas precedentes.
Homem e dos Povos (artigo 8.o), Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos (artigo 12.o) e Con- NOTA PARA OS FORMADORES: 1. A liberdade de reu-
venção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 9.o). nião pacífica é referida no princípio 12 dos Prin-
cípios Básicos sobre a Utilização da Força e de
202. A liberdade de consciência, bem como a Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis
liberdade de ter e de manifestar as suas convicções pela Aplicação da Lei. Esse princípio, bem como
Conceitos Fundamentais
* 57
os dois que se lhe seguem, relativos à utilização da • manter a imparcialidade e não discriminar entre
força em caso de reuniões ilegais e em caso de reu- as pessoas e os grupos que pretendem exercer tais
niões violentas, respectivamente, aparecem repro- direitos.
duzidos no capítulo XV, secção A.2 (e), infra, que
se ocupa dos distúrbios internos. 209. De uma forma mais geral, a polícia deverá man-
ter a ordem social (paz e tranquilidade sociais) para
2. Na introdução ao presente capítulo, foram que os processos políticos possam ser conduzidos
identificados os três ideais interdependentes da em conformidade com a Constituição e com a lei e
democracia, Estado de Direito e protecção dos de forma a que os direitos políticos indispensáveis
direitos humanos. Após examinarmos os direitos a esses processos possam ser exercidos. De facto, o
essenciais à democracia, cabe agora referir os artigo 28.o da Declaração Universal proclama:
direitos essenciais ao Estado de Direito. Deles são
exemplos o direito à presunção da inocência e o Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano
direito a um julgamento equitativo em caso de social e no plano internacional, uma ordem capaz
dedução contra a pessoa de qualquer acusação em de tornar plenamente efectivos os direitos e as
matéria penal. Estes direitos são protegidos pela liberdades enunciados na presente Declaração.
Declaração Universal dos Direitos do Homem
(artigos 10.o e 11.o), Pacto Internacional sobre A manutenção da ordem social é uma das princi-
os Direitos Civis e Políticos (artigo 14.o), Carta pais funções da polícia.
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
(artigo 7.o), Convenção Americana sobre Direitos (d) Disposições específicas sobre actividade policial
Humanos (artigo 8.o) e Convenção Europeia dos e eleições democráticas
Direitos do Homem (artigo 6.o). Outros exemplos
podem ser encontrados e, na verdade, pode enten- 210. A polícia e as forças de segurança desempe-
der-se que todos os chamados “direitos civis” nham um duplo papel nos processos eleitorais.
reforçam o Estado de Direito. A eficaz administração da justiça em período
eleitoral exige um equilíbrio entre, por um lado,
(c) Os direitos políticos e o papel da polícia a necessidade de segurança e manutenção da
ordem durante o período eleitoral e, por outro, a
207. Os direitos políticos acima enunciados, con- necessidade de não atentar contra os direitos dos
sagrados em normas internacionais juridicamente cidadãos e de garantir um ambiente livre de inti-
vinculativas para os Estados Partes nos diversos tra- midação. O Código de Conduta para os Funcio-
tados, têm implicações na actividade e prática poli- nários Responsáveis pela Aplicação da Lei impõe
ciais. Para que possam ser exercidos, é necessário a todos os agentes da ordem a obrigação de servir
que a polícia adopte uma série de medidas, infra a comunidade. Esta noção exige necessariamente
indicadas na secção B.1: “Medidas práticas para a que as forças de segurança se esforcem por garan-
aplicação das normas internacionais”. Porém, é tir que todos os cidadãos participem em eleições
conveniente considerar nesta fase o importante que sejam regulares no plano administrativo e
papel desempenhado pela polícia no que diz res- tenham lugar ao abrigo de qualquer intervenção sus-
peito aos direitos políticos. ceptível de colocar entraves à livre expressão da von-
tade popular.
208. Em muitos aspectos, a polícia pode ser con-
siderada como uma promotora dos direitos polí- 211. O Código de Conduta estabelece também que
ticos, permitindo que estes sejam exercidos pelos “os funcionários responsáveis pela aplicação da
indivíduos. Isto significa: lei devem respeitar e proteger a dignidade
• assegurar um justo equilíbrio entre a ordem humana, manter e apoiar os direitos fundamentais
pública e o exercício de tais direitos pelas pessoas de todas as pessoas” (artigo 2.o), o que abrange, não
e grupos de pessoas; só o direito de participar em eleições, mas todos
58
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
os direitos humanos. As instituições policiais que para inspirar a confiança dos votantes na neu-
não respeitam os direitos humanos fundamentais tralidade, regularidade e segurança do processo.
arriscam-se a criar uma atmosfera de intimidação Os agentes da CIVPOL devem, como é evidente,
inibidora do eleitorado e, assim, subverter a vera- comportar-se de forma absolutamente objectiva
cidade da eleição. e, tal como os seus colegas da polícia nacional,
demonstrar o mais alto grau de disciplina e pro-
212. Para além disso, em conformidade com o fissionalismo.
Código de Conduta, os funcionários responsáveis
pela aplicação da lei devem “opor-se rigorosa- 215. Tanto os funcionários nacionais de polícia
mente e combater” qualquer acto de corrupção como os agentes da CIVPOL têm por missão con-
(artigo 7.o). Assim, eles estão claramente obrigados tribuir para uma verdadeira e manifesta atmosfera
a impedir quaisquer tentativas de fraude eleitoral, de ordem e segurança, comportando-se com objec-
falsificação de identidade, suborno, intimidação e tividade e defendendo os direitos das partes, dos
todos os outros actos que possam afectar a vera- candidatos, dos votantes e do público em geral,
cidade dos resultados eleitorais. O Código estabe- durante os períodos eleitorais.
lece ainda que os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei “não devem cometer qualquer acto (e) Disposições específicas sobre
de corrupção” (artigo 7.o). Esta obrigação reveste- uma actividade policial democrática
-se da maior importância, dada a tendência de
associar a polícia e as forças de segurança com uma 216. Na sua resolução 34/169, de 17 de Dezembro
ou outra das partes nos processos eleitorais em cer- de 1979, pela qual adoptou o Código de Conduta para
tos países. Por último, e com o objectivo de asse- os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da
gurar a imparcialidade das forças de segurança, o Lei, a Assembleia Geral declarou que como qualquer
papel da polícia na manutenção da ordem em órgão do sistema de justiça penal, todos os órgãos
período eleitoral subordina-se frequentemente ao de aplicação da lei devem ser representativos da
dos supervisores eleitorais. comunidade no seu conjunto, responder às suas
necessidades e ser responsáveis perante ela […]
213. No caso dos serviços nacionais de polícia, os
agentes presentes nos locais de recenseamento Uma polícia representativa, receptiva às necessi-
ou de voto devem agir de forma discreta, profis- dades da comunidade e responsável perante ela, por
sional e disciplinada. Em geral, isto exige que, em outras palavras, uma actividade policial democrá-
cada local, sejam colocados funcionários de polí- tica, é fundamental numa democracia.
cia e segurança no número mínimo necessário
para assegurar a segurança do espaço em causa. [i] Polícia representativa
Este “número mínimo necessário” é geralmente
determinado em conjunto com os supervisores 217. Isto significa que a polícia deve assegurar-se
eleitorais. Em caso algum a polícia deverá estar posi- de que os seus agentes são suficientemente repre-
cionada de forma a impedir o legítimo acesso ao sentativos da comunidade que servem. Os grupos
local de voto, intimidar os eleitores ou desencora- minoritários devem estar adequadamente repre-
jar a sua participação. sentados dentro das instituições policiais,
mediante políticas de recrutamento justas e não dis-
214. Em geral, solicita-se aos contingentes de criminatórias e de medidas destinadas a permitir
polícia civil (CIVPOL) das operações de manu- que os membros de tais grupos desenvolvam a
tenção da paz que adoptem uma postura um sua carreira no seio dos organismos em causa.
pouco diferente. O seu mandato compreende
alguns elementos de reforço da confiança e a 218. Além disso, a polícia deve ter em conta a
própria visibilidade desses funcionários nos composição do pessoal ao seu serviço em termos
locais de recenseamento e de voto pode contribuir qualitativos, bem como quantitativos. Isto significa
Conceitos Fundamentais
* 59
garantir, não só que os efectivos policiais existem [iii] Polícia responsável
em número suficiente e são devidamente repre-
sentativos da população, mas também que os 221. Este objectivo pode ser alcançado de três prin-
agentes têm a vontade e a capacidade de exercer a cipais formas:
sua missão no quadro de um sistema político • legalmente – tal como todos os indivíduos e ins-
democrático. tituições nos países onde vigora o princípio do
Estado de Direito, os polícias são responsáveis
[ii] Polícia receptiva às necessidades perante a lei;
da comunidade • politicamente – a polícia é responsável perante a
população que serve, através das instituições políticas
219. Para este fim, a polícia deve conhecer as democráticas do Estado. Desta forma, as suas políti-
necessidades e expectativas do público e saber cas e práticas no domínio da aplicação da lei e manu-
como lhes dar resposta. É evidente que a popula- tenção da ordem ficam sujeitas ao controlo público;
ção necessita e espera que a polícia: • economicamente – a polícia é responsável pela
• previna as infracções e, caso elas sejam cometi- forma como utiliza os recursos que lhe são atri-
das, descubra os seus autores; buídos. Este aspecto vai além do controlo das suas
• mantenha a ordem pública. principais funções no domínio da aplicação da lei,
constituindo uma forma suplementar de controlo
Estas são, porém, necessidades e expectativas democrático sobre todos os escalões de comando, ges-
muito genéricas. A polícia deverá também ter em tão e administração de uma instituição policial.
consideração:
• a forma como a população deseja que esses 222. É também possível encontrar métodos de
objectivos sejam alcançados (por exemplo, de controlo mais informais a nível local, por exemplo
maneira lícita e humana); mediante a criação de grupos de ligação entre a polí-
• as necessidades e expectativas específicas de cada cia e os cidadãos. Por outro lado, esta forma de con-
população num dado momento e em determinado trolo pode funcionar como um meio capaz de
lugar. permitir à polícia conhecer e dar resposta à neces-
sidades locais imediatas.
Compete aos comandantes das forças policiais
compreender as necessidades e expectativas da
comunidade que servem, fazer a sua própria ava- 3. OBSERVAÇÕES FINAIS
liação profissional e ter ambos os factores em
conta na definição das políticas e estratégias de 223. A análise da actividade policial numa sociedade
actuação policial. democrática destaca os aspectos políticos desta
actividade. Esta pode ser uma área sensível e difí-
220. Um outro aspecto da actividade policial cil, pelas seguintes razões:
receptiva às necessidades da comunidade – que se
relaciona com a noção de actividade policial res- a) algumas circunstâncias dos países em processo
ponsável – é a necessidade de que os actos dos agen- de transição para formas de governo democráticas
tes da polícia fiquem sujeitos ao escrutínio colocam dificuldades especiais à polícia. Nestas
público. No parágrafo d) do preâmbulo da resolu- situações, a polícia tem de estar particularmente
ção 34/169 da Assembleia Geral sugerem-se algu- consciente da necessidade de permanecer impar-
mas formas de garantir o exercício deste tipo de cial e de adoptar uma atitude não discriminatória;
controlo. Entre elas, incluem-se o controlo por
parte de uma comissão de avaliação, ministério, b) em países com uma longa tradição democrá-
órgão especializado, poder judicial, provedor, tica, existe a tendência para ignorar e minimizar
comité de cidadãos, ou qualquer combinação de os aspectos políticos da actividade policial, ten-
todos estes métodos. dência essa que resulta, em parte, da preocupação
60
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
da própria polícia de se manter independente e imparcial. Para que isto seja conseguido, todos os
imparcial. Isto pode levar a alguma ingenuidade agentes da polícia devem ter consciência de que
na abordagem de situações altamente politizadas. não estão ao serviço de qualquer Governo ou
regime em particular.
Contudo, em sentido bastante amplo, a activi-
dade policial é por vezes uma actividade vinca- 224. O fundamento de toda a actividade policial
damente política. Há que garantir que a acção das reside na Constituição e na lei. A polícia está ao ser-
forças policiais se mantém independente e viço do Estado de Direito e dos fins da justiça.
Conceitos Fundamentais
* 61
}
Objectivos do capítulo • Recomendações destinadas a todos os funcionários com responsabilida-
des de comando e supervisão
Uma das mais importantes obrigações da polícia Para fins de debate, imagine que é membro de um
numa sociedade democrática consiste em perma- grupo de trabalho encarregado da elaboração de um
necer politicamente imparcial e independente. conjunto de directrizes destinadas aos agentes
policiais sobre a forma de se manterem politica-
Tendo presente esta exigência, deverão os agentes mente imparciais. As directrizes serão utilizadas
policiais ser autorizados a: na formação dos novos agentes e para recordar
aos agentes em serviço as suas obrigações a tal res-
a) votar? peito. Estas directrizes deverão consistir numa
b) pertencer a partidos políticos? série de conselhos práticos destinados a orientar
c) pertencer a associações sindicais? a acção dos agentes no desempenho das suas fun-
62
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
ções, assim como no âmbito das suas vidas priva- 1). De que formas pode um organismo respon-
das. Qual deverá ser o conteúdo dessas directrizes? sável pela aplicação da lei responder às necessidades
da comunidade e ser responsável perante ela?
Exercício n.o 2
2). Responder às necessidades da comunidade sig-
Na resolução 34/169 da Assembleia Geral, pela qual nifica conhecer essas necessidades e encontrar
foi adoptado o Código de Conduta para os Funcioná- uma forma de as satisfazer. De que formas pode
rios Responsáveis pela Aplicação da Lei, declara-se: um organismo responsável pela aplicação da lei
tomar conhecimento das necessidades da comu-
[…] como qualquer órgão do sistema de justiça nidade?
penal, todos os órgãos de aplicação da lei devem
ser representativos da comunidade no seu con- 3). Os funcionários superiores de polícia são res-
junto, responder às suas necessidades e ser res- ponsáveis pelo comando e pela gestão das insti-
ponsáveis perante ela, tuições policiais. São também responsáveis pelo
comando estratégico das actividades operacionais.
1). De que formas pode um organismo respon- De que forma podem as exigências de responder
sável pela aplicação da lei ser representativo da às necessidades da comunidade e ser responsável
comunidade no seu conjunto? perante ela afectar tais responsabilidades?
2). Uma forma de assegurar que o organismo é
representativo da comunidade no seu conjunto Exercício n.o 4
consiste em recrutar para os seus quadros um
número proporcional e representativo dos mem- Tendo em conta as obrigações da polícia de:
bros dos grupos minoritários existentes no seio da
sociedade. Tendo presente esta consideração: • assegurar um policiamento eficaz;
• respeitar e proteger os direitos humanos;
a) identifique um grupo minoritário presente • permanecer representativa da comunidade no
na sua comunidade que não esteja devidamente seu conjunto, responder às suas necessidades e ser
representado dentro do seu organismo; responsável perante ela:
[…] como qualquer órgão do sistema de justiça 1). Considere as diferenças entre a actividade
penal, todos os órgãos de aplicação da lei devem policial no seio de uma sociedade democrática e a
ser representativos da comunidade no seu con- actividade policial no seio de uma sociedade não
junto, responder às suas necessidades e ser res- democrática. Indique as cinco diferenças que con-
ponsáveis perante ela, sidere mais significativas.
Conceitos Fundamentais
* 63
2). O artigo 21.o da Declaração Universal dos 7). Pense em formas de a polícia proteger o
Direitos do Homem consagra o direito de todas as direito à liberdade de reunião e de associação no
pessoas de participarem na direcção dos negócios seio de uma sociedade. Indique as cinco formas que
públicos do seu país, quer directamente quer atra- considere mais importantes.
vés de representantes livremente escolhidos. De que
formas pode este direito político reforçar a protecção 8). De que forma pode a polícia desempenhar o
de outros direitos civis e políticos? seu papel da melhor maneira durante os períodos
eleitorais, de maneira independente e imparcial e
3). O que entende pela expressão “Estado de por forma a manter a ordem, a segurança e a paz
Direito”? Por que razão é importante que todas as durante o escrutínio? Deverá a polícia apoiar
pessoas e instituições do Estado se subordinem ao publicamente as campanhas eleitorais dos candi-
princípio do Estado de Direito? datos que defendem políticas firmes em matéria
de lei e de ordem?
4). Quando o princípio do Estado de Direito pre-
valece num país, de que forma isso promove e 9). Pense no sistema em vigor no seu país para
protege os direitos humanos? responsabilizar a polícia perante a comunidade
que serve através de instituições políticas demo-
5). Pense em formas de a polícia proteger o cráticas. É satisfatório? Em caso negativo, que defi-
direito à liberdade de pensamento, consciência e ciências tem? Como poderá ser aperfeiçoado?
religião no seio de uma sociedade. Indique as
cinco formas que considere mais importantes. 10). Embora seja fundamental que a polícia res-
ponda perante a comunidade através de instituições
6). Pense em formas de a polícia proteger o políticas democráticas, é também essencial que os
direito à liberdade de opinião e de expressão no seio políticos não interfiram nas operações quotidianas
de uma sociedade. Indique as cinco formas que con- da polícia. Porque é indispensável que a polícia man-
sidere mais importantes. tenha esta forma de independência operacional?
64
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*10
Polícia
e não discriminação
Objectivos do capítulo • Familiarizar a polícia com as exigências legais de uma conduta não dis-
criminatória e sensibilizá-la para os efeitos nefastos das atitudes discrimi-
natórias.
}
}
Princípios fundamentais • Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direi-
tos.
• Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discrimina-
ção, à igual protecção da lei.
65
*
Segunda Parte
a. Normas internacionais sobre policiais compreendam e respeitem o princípio
não discriminação – Informação fundamental da não discriminação. É também
para as apresentações importante que os polícias compreendam as dis-
posições dos textos internacionais de direitos
humanos, bem como da legislação nacional, que
1. INTRODUÇÃO procuram tornar efectivo esse princípio.
225. Na Carta das Nações Unidas, os Estados Mem- 229. O presente capítulo analisa as normas inter-
bros reafirmam a sua fé nos direitos humanos fun- nacionais relativas à não discriminação, fazendo
damentais, na dignidade e no valor da pessoa particular referência às mais significativas no
humana e na igualdade de direitos entre homens e âmbito do processo de aplicação da lei e manu-
mulheres. Comprometeram-se também a promover tenção da ordem.
e estimular o respeito pelos direitos humanos e
pelas liberdades fundamentais para todos, sem dis-
tinção quanto à raça, sexo, língua ou religião. 2. ASPECTOS GERAIS DA NÃO DISCRIMINAÇÃO
66
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Encontra-se expresso em termos praticamente [iii] Direito a um julgamento equitativo
idênticos no Pacto Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos (artigo 16.o) e na Convenção Ame- 238. Este direito é protegido pelo artigo 10.o da
ricana sobre Direitos Humanos (artigo 3.o). Declaração Universal dos Direitos do Homem,
O artigo 5.o da Carta Africana dos Direitos do que estabelece:
Homem e dos Povos garante o direito ao reco-
nhecimento da personalidade jurídica. Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a
sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um
234. Este direito aplica-se a “todos os indivíduos”, tribunal independente e imparcial que decida dos seus
sendo o reconhecimento da personalidade jurí- direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusa-
dica fundamental num sistema que protege os ção em matéria penal que contra ela seja deduzida.
direitos humanos através da lei. A negação deste
direito pode conduzir à negação de outros direitos. 239. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis
Exige-se, pois, que a personalidade jurídica seja ple- e Políticos (artigo 14.o), a Carta Africana dos Direi-
namente reconhecida a todos os cidadãos de um tos do Homem e dos Povos (artigo 7.o), a Conven-
Estado, em condições de igualdade. ção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 8.o)
e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem
[ii] Direito à igualdade perante a lei (artigo 6.o) garantem o direito a um julgamento
equitativo. Acrescentam também alguns requisitos
235. Este direito é protegido pelo artigo 7.o da destinados a garantir essa finalidade. Muito impor-
Declaração Universal dos Direitos do Homem, tante, neste contexto, é o facto de estabelecerem
segundo o qual: que este direito se aplica a “todas as pessoas”, ou a
“toda a pessoa” ou a “qualquer pessoa” ou a “todos”.
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm
direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a pro- 240. Embora tais disposições imponham obrigações
tecção igual contra qualquer discriminação que viole a aos tribunais e sistemas jurídicos em geral, é
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal importante lembrar que uma conduta contrária à
discriminação. ética, ilegal ou discriminatória da parte da polícia
pode comprometer o direito a um julgamento
236. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis equitativo. Para que o processo seja justo, é neces-
e Políticos contém disposições similares e exige que sário que os tribunais possam analisar provas
a lei proíba a discriminação por motivos de, nomea- autênticas e imparciais, obtidas por meios lícitos
damente, raça, cor, sexo, língua e religião (artigo 26.o); e conformes aos princípios éticos. Esta é uma das
a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos condições necessárias para garantir o direito de
Povos estabelece que todas as pessoas beneficiam de todas as pessoas a um processo equitativo.
uma total igualdade perante a lei e têm direito a uma
igual protecção da lei (artigo 3.o); e a Convenção [iv] Direito de acesso à função pública em condições
Americana sobre Direitos Humanos dispõe no de igualdade
mesmo sentido, acrescentando no entanto que esse
direito deverá ser reconhecido a todas as pessoas 241. Este direito relaciona-se com o direito de toda
“sem discriminação” (artigo 24.o). a pessoa a tomar parte na direcção dos negócios
públicos do seu país e com o direito de voto em
237. Estes requisitos são muito significativos em eleições livres e genuínas. Está consagrado no
termos de policiamento, uma vez que determi- artigo 21.o, n.o 2, da Declaração Universal dos
nam que, na aplicação da lei, a polícia deve conceder Direitos do Homem, que dispõe:
uma protecção igual a todos. Não deverá assim
haver qualquer discriminação de natureza adversa Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de
aquando da aplicação da lei. igualdade, às funções públicas do seu país.
Conceitos Fundamentais
* 67
242. O artigo 25.o, alínea c), do Pacto Internacio- 247. Dada a gravidade dos actos que infringem essa
nal sobre os Direitos Civis e Políticos estabelece que legislação, as suas consequências negativas sobre os
todos os cidadãos têm direito de aceder “em con- direitos humanos e o risco de a incitação à discrimi-
dições gerais de igualdade” à função pública do seu nação, à hostilidade ou à violência poder conduzir a
país. Este direito é igualmente reconhecido na graves situações de distúrbio civil, a resposta da polí-
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos cia a essas infracções deverá ser rápida e eficaz.
Povos (artigo 13.o) e na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (artigo 23.o). Todos estes [vi] Derrogação das obrigações durante
artigos consagram o direito de participar nos os estados de emergência
negócios públicos ou no governo do país, bem
como o direito a eleições livres e honestas. Estes 248. O artigo 4.o do Pacto Internacional sobre os
direitos deverão ser garantidos sem discriminação Direitos Civis e Políticos permite aos Estados toma-
a “todos os cidadãos”. rem medidas que derroguem algumas das obriga-
ções assumidas em virtude do Pacto em situações
243. A actividade policial é uma função pública de emergência pública que ameacem a existência
importante. Todos os cidadãos devidamente qualifi- da nação. Estes estados de emergência devem ser
cados, e que o desejem fazer, deverão ter a oportu- oficialmente declarados e as medidas derrogató-
nidade de aceder a essa função e de nela participar. rias adoptadas dever-se-ão limitar às estritamente
O ingresso nas corporações de polícia de um país exigidas pela situação. Além do mais, tais medidas:
deverá depender exclusivamente das qualificações, • não deverão ser incompatíveis com outras obriga-
aptidões para o desempenho da função e compe- ções impostas ao Estado pelo direito internacional;
tência dos candidatos. Ninguém deverá ser excluído • não deverão envolver uma discriminação fun-
com base apenas na respectiva raça, cor ou sexo. dada unicamente na raça, na cor, no sexo, na lín-
gua, na religião ou na origem social.
[v] Incitamento à discriminação
Alguns artigos não podem ser objecto de derro-
244. O artigo 20.o, n.o 2, do Pacto Internacional gação, nomeadamente os que protegem o direito
sobre os Direitos Civis e Políticos estabelece: à vida e a proibição da tortura e dos maus tratos.
Todo o apelo ao ódio nacional, racial e religioso que cons- 249. Disposições semelhantes figuram no artigo 27.o
titua uma incitação à discriminação, à hostilidade ou à da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
violência deve ser interditado pela lei. (As normas derrogatórias constantes do artigo 15.o
da Convenção Europeia dos Direitos do Homem não
Esta obrigação dos Estados Partes no Pacto signi- fazem qualquer referência específica à questão da
fica que lhes incumbe adoptar e reforçar legislação discriminação).
que proíba o incitamento à discriminação nos ter-
mos enunciados nesse artigo. 250. A exigência de que as medidas de derrogação não
sejam discriminatórias reveste-se de considerável
245. Conforme acima indicado, o artigo 7.o da importância. As situações de emergência pública são
Declaração Universal dos Direitos Humanos con- muitas vezes declaradas em períodos de tensão e desor-
sagra o direito a igual protecção contra qualquer dem civil. Nessas circunstâncias, um Governo pode,
discriminação que viole a Declaração e contra por exemplo, considerar necessário reforçar os pode-
qualquer incitamento a tal discriminação. res da polícia em matéria de captura, assim derrogando
as normas dos tratados que protegem o direito à liber-
246. As normas da Declaração Universal têm claras dade e segurança da pessoa. Caso sejam adoptadas
implicações no domínio da aplicação da lei, pois quando medidas nesse sentido, é fundamental que os pode-
os Estados adoptam legislação em conformidade com res suplementares atribuídos à polícia sejam exerci-
essas normas, incumbe à polícia aplicá-las. dos rigorosamente dentro dos limites impostos por lei
68
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
e sem discriminação. O exercício ilegal ou discrimina- assistência e socorros médicos às pessoas feridas
tório das competências policiais em períodos de ten- ou afectadas, tão rapidamente quanto possível. Isto
são e desordem civil pode contribuir significativamente significa que existe uma obrigação geral de res-
para o exacerbar dessa mesma tensão e desordem. peitar a vida humana – toda a vida humana – e de
garantir a prestação de assistência médica.
251. A questão das medidas derrogatórias será
analisada em maior detalhe no capítulo XV sobre NOTA PARA OS FORMADORES: Este instrumento
Distúrbios Internos, Estados de Excepção e Con- será analisado em maior detalhe no capítulo XIV,
flitos Armados. sobre Utilização da Força e de Armas de Fogo.
[i] Código de Conduta para os Funcionários Res- 257. O Princípio 1 impõe que todas as pessoas
ponsáveis pela Aplicação da Lei sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão
sejam tratadas de forma humana e com respeito
252. Os artigos 1.o, 2.o e 8.o do Código relacionam- pela dignidade inerente à pessoa humana.
-se com a questão da discriminação.
258. O Princípio 5, n.o 1, exige que o Conjunto de
253. O artigo 1.o estabelece que os funcionários res- Princípios se aplique a todas as pessoas que se encon-
ponsáveis pela aplicação da lei devem servir a comu- trem no território de um determinado Estado, sem
nidade e proteger todas as pessoas contra actos ilegais. distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo,
O artigo 2.o exige-lhes que protejam a dignidade humana língua, religião ou convicção religiosa, opinião polí-
e que mantenham e defendam os direitos fundamentais tica ou outra, origem nacional, étnica ou social, for-
de todas as pessoas. O artigo 8.o estabelece que os fun- tuna, nascimento ou qualquer outra situação. Contudo,
cionários responsáveis pela aplicação da lei devem res- o n.o 2 acrescenta uma importante condição:
peitar a lei e o próprio Código de Conduta. As medidas aplicadas ao abrigo da lei e exclusiva-
mente destinadas a proteger os direitos e a condição
254. A referência a “todas as pessoas” constante dos especial das mulheres, especialmente das mulhe-
artigos 1.o e 2.o exclui claramente qualquer hipótese res grávidas e mães de crianças de tenra idade, das
de discriminação, enquanto que as normas do artigo crianças e dos adolescentes, dos idosos, dos doen-
8.o significam que quaisquer disposições legais que tes ou das pessoas deficientes não serão conside-
proíbam a discriminação, bem como as disposições radas medidas discriminatórias. A necessidade de
do próprio Código de Conduta, devem ser respeitadas. tais medidas, bem como a sua aplicação, serão
sempre ser objecto de reapreciação por parte de uma
[ii] Princípios Básicos sobre a Utilização autoridade judiciária ou outra autoridade.
da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei NOTA PARA OS FORMADORES: Este instrumento
será analisado em maior detalhe no capítulo XIII,
255. O princípio 5 deste instrumento refere-se a sobre Detenção.
situações em que é inevitável a utilização da força
e de armas de fogo por parte da polícia. [iv] Declaração dos Princípios Básicos
de Justiça Relativos às Vítimas
256. Nos termos do princípio 5 b), a polícia deverá da Criminalidade e de Abuso de Poder
esforçar-se por reduzir ao mínimo os danos e lesões
e respeitar e preservar a vida humana. O princípio 259. Conforme declarado pela Assembleia Geral na
5 c) exige que a polícia assegure a prestação de sua resolução 40/34, de 29 de Novembro de 1985
Conceitos Fundamentais
* 69
(terceiro parágrafo preambular), pela qual adoptou (d) Discriminação racial
esta Declaração:
263. Existem dois instrumentos que se ocupam
[…] as vítimas da criminalidade e as vítimas de abuso especificamente da discriminação racial.
de poder e, frequentemente, também as respectivas
famílias, testemunhas e outras pessoas que acorrem [i] Declaração das Nações Unidas sobre
em seu auxílio sofrem injustamente perdas, danos ou a Eliminação de Todas as Formas
prejuízos e […] podem, além disso, ser submetidas a pro- de Discriminação Racial
vações suplementares quando colaboram na persegui-
ção dos delinquentes. 264. O artigo 1.o proclama que a discriminação entre
seres humanos com base na raça, cor ou origem étnica
260. O parágrafo 3.o da Declaração exige que as constitui um atentado à dignidade humana e deverá
disposições do instrumento se apliquem a todas as ser condenada enquanto negação dos princípios da
pessoas, sem distinção de qualquer espécie. Acres- Carta das Nações Unidas, violação dos direitos humanos
centa aos fundamentos habituais (nomeadamente e liberdades fundamentais consagrados na Declaração
a raça, a cor e o sexo), as “crenças ou práticas cul- Universal dos Direitos do Homem, obstáculo às rela-
turais” e a “capacidade física”. ções amistosas e pacíficas entre as nações e facto sus-
ceptível de perturbar a paz e segurança entre os povos.
NOTA PARA OS FORMADORES: Este instrumento
será analisado em maior detalhe no capítulo XIX, 265. O artigo 2.o, n.o 2, exige que nenhum Estado
sobre Protecção e Indemnização das Vítimas. estimule, defenda ou apoie, mediante a actuação da
polícia ou de qualquer outra forma, qualquer dis-
[v] Declaração sobre a Protecção de Todas criminação baseada na raça, cor ou origem étnica pra-
as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas ticada por qualquer grupo, instituição ou indivíduo.
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes
e 266. O artigo 7.o determina que toda a pessoa tem
Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou direito à igualdade perante a lei e a igual justiça nos
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes termos da lei, direito à segurança pessoal e à pro-
tecção do Estado contra qualquer violência ou
261. Ambos os instrumentos contêm parágrafos atentado à sua integridade física e direito a um
introdutórios (no preâmbulo da resolução da Assem- recurso e protecção efectivos contra qualquer dis-
bleia Geral que adopta a Declaração e no texto da pró- criminação de que possa ser vítima com base na
pria Convenção) onde se declara que, em conformidade raça, cor ou origem étnica.
com os princípios enunciados na Carta das Nações
Unidas, o reconhecimento dos direitos iguais e ina- 267. Nos termos do artigo 9.o, n.o 2, todos os actos
lienáveis de todas as pessoas constitui o fundamento de violência contra qualquer raça ou grupo de pes-
da liberdade, da justiça e da paz no Mundo. soas de outra cor ou origem étnica, bem como
qualquer incitamento à prática de tais actos,
262. Além do mais, ambos os instrumentos com- devem ser punidos por lei.
preendem disposições (artigo 8.o da Declaração e
artigo 13.o da Convenção) que garantem a qual- [ii] Convenção Internacional sobre a Eliminação
quer indivíduo que alegue ter sido submetido a tor- de Todas as Formas de Discriminação Racial
tura o direito de apresentar queixa junto das
autoridades competentes do Estado em causa. 268. A discriminação racial é definida pelo artigo 1.o
nos seguintes termos:
NOTA PARA OS FORMADORES: Ambos os instru-
mentos serão analisados em maior detalhe no […] qualquer distinção, exclusão, restrição ou prefe-
capítulo XIII, sobre Detenção. rência fundada na raça, cor, ascendência na origem
70
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
nacional ou étnica que tenha como objectivo ou como Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
efeito destruir ou comprometer o reconhecimento, o gozo (artigo 8.o), pela Convenção Americana sobre Direi-
ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos tos Humanos (artigo 12.o) e pela Convenção Euro-
do homem e das liberdades fundamentais nos domínios peia dos Direitos do Homem (artigo 9.o).
político, económico, social e cultural ou em qualquer
outro domínio da vida pública. [ii] Declaração sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Intolerância e Discriminação
o
269. Nos termos do artigo 2. , os Estados Partes na Baseadas na Religião ou na Convicção
Convenção condenam a discriminação racial e com-
prometem-se a prosseguir uma política tendente a 273. O artigo 1.o deste instrumento protege o
eliminar tal discriminação em todas as suas formas. direito à liberdade de religião e convicção nos mes-
mos termos que o artigo 18.o da Declaração Uni-
270. Em conformidade com o artigo 5.o, os Estados versal dos Direitos do Homem.
Partes obrigam-se a garantir o direito de todos,
sem distinção quanto à raça, cor ou origem nacio- 274. O artigo 2.o proclama que ninguém será
nal ou étnica, à igualdade perante a lei, nomeada- objecto de discriminação por parte de qualquer
mente no gozo de uma série de direitos. Entre Estado, instituição, grupo de pessoas ou indiví-
estes, incluem-se: duo por motivos de religião ou outra convicção.
• o direito à igualdade de tratamento perante os tri-
bunais; 275. A discriminação com base na religião ou con-
• o direito à segurança da pessoa e à protecção do vicção é condenada pelo artigo 3.o como um atentado
Estado contra a violência ou os atentados à res- à dignidade humana e uma violação dos direitos e
pectiva integridade física, infligidos quer por fun- liberdades proclamados na Declaração Universal.
cionários públicos quer por qualquer indivíduo,
grupo ou instituição. 276. Nos termos do artigo 4.o, os Estados deverão
tomar medidas eficazes para prevenir e eliminar
(e) Discriminação por motivos de religião a discriminação por motivos de religião ou con-
vicção, devendo adoptar ou revogar legislação,
271. O direito à liberdade de pensamento, cons- segundo necessário, a fim de proibir qualquer dis-
ciência e religião é protegido por diversos ins- criminação deste tipo.
trumentos universais e regionais de direitos
humanos e a discriminação por motivos religiosos (f ) Discriminação contra as mulheres
é objecto de uma declaração específica.
277. Existem dois instrumentos que abordam
[i] Declaração Universal dos Direitos do Homem especificamente a questão da discriminação con-
tra as mulheres. Tal como acontece com os
272. A liberdade religiosa é protegida pelo artigo 18.o, instrumentos específicos sobre discriminação
nos seguintes termos: racial e discriminação por motivos religiosos, eles
complementam as disposições em matéria de dis-
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, criminação constantes dos instrumentos gerais de
de consciência e de religião; este direito implica a liber- direitos humanos de âmbito universal e regional.
dade de mudar de religião ou de convicção, assim como
a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozi- [i] Declaração sobre a Eliminação
nho ou em comum, tanto em público como em privado, da Discriminação contra as Mulheres
pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
278. O artigo 1.o condena a discriminação contra
É igualmente protegida pelo Pacto Internacional as mulheres, considerando-a fundamentalmente
sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 18.o), pela injusta e um atentado à dignidade humana.
Conceitos Fundamentais
* 71
279. O artigo 2.o exige que sejam abolidas as leis, (g) Discriminação e crianças
costumes, regulamentos e práticas em vigor que
constituam discriminação contra as mulheres. 284. O problema da discriminação contra a
criança é abordado em dois instrumentos.
280. O artigo 10. o exige que sejam adoptadas
medidas a fim de garantir a igualdade de direi- [i] Pacto Internacional sobre os Direitos
tos entre mulheres e homens nos domínios eco- Civis e Políticos
nómico e social. Impõe, em particular, que sejam
assegurados às mulheres o direito a receber for- 285. O artigo 24.o, n.o 1, estabelece:
mação profissional, o direito ao trabalho e o
direito à livre escolha da profissão e do emprego, Qualquer criança, sem nenhuma discriminação de
bem como o direito à progressão na carreira e pro- raça, cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou
fissão. social, propriedade ou nascimento, tem direito, da parte
da sua família, da sociedade e do Estado, às medidas de
[ii] Convenção sobre a Eliminação de Todas protecção que exija a sua condição de menor.
as Formas de Discriminação contra as Mulheres
[ii] Convenção sobre os Direitos da Criança
281. A discriminação contra as mulheres é definida
no artigo 1.o desta Convenção como: 286. Tal como a maioria dos instrumentos interna-
cionais de direitos humanos, os direitos iguais e
[…] qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no inalienáveis de todos os membros da família
sexo que tenha como efeito ou como objectivo com- humana são referidos nos parágrafos preambulares.
prometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou o exer-
cício pelas mulheres, seja qual for o seu estado civil, com 287. O artigo 1.o deste instrumento define a
base na igualdade dos homens e das mulheres, dos criança como todo o ser humano menor de 18
direitos do homem e das liberdades fundamentais nos anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for apli-
domínios político, económico, social, cultural e civil cável, atingir a maioridade mais cedo.
ou em qualquer outro domínio.
288. Em conformidade com o artigo 2.o, os Esta-
282. Nos termos do artigo 2.o, os Estados conde- dos Partes obrigam-se a:
nam a discriminação contra as mulheres e
comprometem-se, entre outros aspectos, a abste- […] respeitar e a garantir os direitos previstos na presente
rem-se de qualquer acto ou prática de discrimi- Convenção a todas as crianças que se encontrem sujei-
nação contra as mulheres e a assegurar que as tas à sua jurisdição, sem discriminação alguma, inde-
autoridades e instituições públicas se conformam pendentemente de qualquer consideração de raça, cor,
com esta obrigação. sexo, língua, religião, opinião política ou outra da
criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua
283. Em conformidade com o artigo 1, alí- 11.o, n.o origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapaci-
nea b), os Estados Partes deverão garantir o direito dade, nascimento ou de qualquer outra situação.
à igualdade de oportunidades no emprego entre
mulheres e homens, nomeadamente a aplicação dos e a:
mesmos critérios de selecção em matéria de
emprego. […] toma[r] todas as medidas adequadas para que a
criança seja efectivamente protegida contra todas as
NOTA PARA OS FORMADORES: Ambos os instru- formas de discriminação ou de sanção decorrentes da
mentos serão analisados em maior detalhe no situação jurídica, de actividades, opiniões expressas ou
capítulo XVII, sobre Aplicação da Lei e Direitos das convicções de seus pais, representantes legais ou outros
Mulheres. membros da sua família.
72
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
(h) Manifestações particulares 293. Existe uma Convenção N.T.1
Ratificada por Portugal
a 2 de Janeiro de 1929
de discriminação Relativa à EscravaturaN.T.1, que (aviso publicado no Diário
do Governo, I Série, n.o
contém detalhadas disposições 1/29).
N.T.2
Portugal não é parte
289. O genocídio, a escravatura e o apartheid cons- destinadas a prevenir e a erra- neste instrumento.
N.T.3
Assinada por Portugal
tituem formas particulares e graves de discrimi- dicar a escravatura, um Proto- a 7 de Setembro de 1956 e
aprovada para ratificação
nação que analisaremos brevemente. coloN.T.2 de emenda a esta pelo Decreto-Lei n.o 42/172,
de 2 de Março de 1959,
Convenção e uma Convenção publicado no Diário do
Governo, I Série, n.o 47.
290. Nos termos do artigo 2.o da Convenção para Suplementar Relativa à Aboli- O instrumento de ratifica-
ção foi depositado junto do
a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, ção da EscravaturaN.T.3. Secretário-Geral das Nações
Unidas a 10 de Agosto de
entende-se por genocídio: 1959. O aviso de depósito
do instrumento de ratifica-
ção encontra-se publicado
294. O apartheid é qualificado no Diário do Governo, I
[…] os actos abaixo indicados, cometidos com a Série, n.o 116, de 21 de Maio
como um crime contra a Hu- de 1959.
intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo manidade ao abrigo do artigo 1.o
nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: da Convenção Internacional para a Eliminação e
Repressão do Crime de Apartheid.
a) Assassinato de membros do grupo;
295. Esta Convenção contém disposições detalha-
b) Atentado grave à integridade física e mental de das destinadas a prevenir e abolir o apartheid. Em
membros do grupo; conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 2, os Esta-
dos Partes declaram criminosas as organizações,
c) Submissão deliberada do grupo a condições de instituições e indivíduos que cometam o crime de
existência que acarretarão a sua destruição física, total apartheid.
ou parcial;
296. O crime de apartheid é pormenorizadamente
d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no definido no artigo 2.o, compreendendo diversos
seio do grupo; actos específicos cometidos com o objectivo de
instituir e manter a dominação de um grupo racial
e) Transferência forçada das crianças do grupo para de seres humanos sobre qualquer outro grupo
outro grupo. racial de seres humanos e de o oprimir de forma
sistemática.
291. O artigo 4.o exige que as pessoas que tenham
cometido genocídio sejam punidas, quer sejam
governantes constitucionalmente responsáveis, 3. OBSERVAÇÕES FINAIS
funcionários públicos ou particulares.
297. Sendo a não discriminação um aspecto
292. A escravatura é proibida pelo artigo 4.o da extremamente importante da protecção e pro-
Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos moção dos direitos humanos, ela está relacio-
seguintes termos: nada com as questões abordadas em todos os
capítulos do presente manual. Afecta todos os
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; aspectos do trabalho dos funcionários responsá-
a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, veis pela aplicação da lei e constitui um elemento
são proibidos. essencial de uma actividade policial ética, lícita
e democrática.
É também proibida pela Carta Africana dos Direi-
tos do Homem e dos Povos (artigo 5.o), Convenção 298. O presente capítulo concentrou-se nos ele-
Americana sobre Direitos Humanos (artigo 6.o) e mentos da não discriminação que assumem par-
Convenção Europeia dos Direitos do Homem ticular relevância para a teoria e prática da
(artigo 4.o). actividade policial, bem como para o comando e ges-
Conceitos Fundamentais
* 73
tão das organizações policiais. Ao apresentar o espera-se dar-lhes a conhecer, ou recordar-lhes, a
tema desta forma intensiva e detalhada aos fun- exigência absoluta de desenvolverem a sua activi-
cionários responsáveis pela aplicação da lei, dade de forma imparcial e não discriminatória.
}
Recomendações destinadas • Procure conhecer bem a comunidade que serve. Encontre-se com líderes
a todos os agentes policiais e representantes dos diversos grupos étnicos e raciais.
Recomendações destinadas
a todos os funcionários • Organize programas de formação contínua para sensibilizar a polícia para
com responsabilidades a importância da existência de boas relações inter-étnicas e inter-raciais e
de comando e supervisão de uma aplicação da lei justa e não discriminatória.
• Elabore uma plano de acção para as relações inter-raciais, em consulta
com as diversas comunidades étnicas.
74
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
• Aplique sanções aos funcionários que demonstram um comportamento
profissional discriminatório, insensível ou inadequado.
}
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS 3). Elaborar um pequeno conjunto de directrizes
para os agentes sobre os dois novos crimes, a fim
Exercício n.o 1 de facilitar a aplicação da lei que os institui”.
Conceitos Fundamentais
* 75
obrigação de garantir os direitos humanos de todas 7). A Declaração Universal dos Direitos do
as pessoas sujeitas à sua jurisdição sem distinção Homem (artigo 6.o), tal como outros instrumen-
quanto à raça, à cor, ao sexo, à religião e à convicção. tos de direitos humanos, estabelece que todos os
indivíduos têm direito ao reconhecimento da sua
4). Pense no direito de todas as pessoas a bene- personalidade jurídica. Que perigos enfrenta um
ficiarem de igual protecção da lei e indique quais ser humano cuja personalidade jurídica não é
as repercussões deste direito sobre a actividade reconhecida?
policial.
8). Por que motivo é importante, para efeitos da
5). O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis promoção e protecção dos direitos humanos, que
e Políticos (artigo 20.o) impõe que todo o apelo ao estes direitos sejam considerados inalienáveis e uni-
ódio racial seja proibido por lei. Existe também o versais?
direito à liberdade de opinião e de expressão.
Como podem conciliar-se estes dois imperativos? 9). Embora a maioria das formas de discrimina-
Qual é o mais importante? ção contra pessoas constituam violações de direi-
tos humanos, a discriminação que favorece
6). A Convenção sobre a Eliminação de Todas as determinadas categorias de pessoas (tais como
Formas de Discriminação contra as Mulheres mulheres e crianças) é estimulada e por vezes
(artigo 11.o) exige que os Estados Partes garantam obrigatória. Em que domínios da aplicação da lei
às mulheres as mesmas oportunidades do é esta forma de discriminação “positiva” importante
emprego que aos homens, nomeadamente a apli- e necessária?
cação dos mesmos critérios de selecção em maté-
ria de emprego. Que dificuldades coloca esta 10). Redija um artigo para inclusão num código de
exigência no domínio do recrutamento dos agen- disciplina policial nos termos do qual a discrimi-
tes policiais? Como podem estas dificuldades ser nação passe a constituir uma infracção a esse
ultrapassadas? código.
76
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
*
Ter
c eira
Par
t e
DEVERES
E FUNÇÕES DA POLÍCIA
cap
ítu
lo
*11
Investigação policial
• A informação sensível deverá ser sempre tratada com cuidado e o seu carác-
ter confidencial respeitado em todas as ocasiões;
79
*
Deveres e funções da Polícia
a. Normas internacionais sobre investiga- os direitos humanos, e cumprir a lei. Numa socie-
ção policial – Informação para as apresenta- dade democrática, o investigador criminal deverá
ções mostrar-se receptivo e ser responsável perante a
comunidade. Além do mais, as investigações deve-
rão ser conduzidas tendo devidamente em conta
1. INTRODUÇÃO o princípio da não discriminação. As normas rela-
tivas à ética policial, actividade policial numa
299. A investigação do crime constitui a primeira sociedade democrática e não discriminação são
etapa fundamental na administração da justiça. analisadas atrás nos capítulos VIII, IX e X e deve-
Trata-se do meio pelo qual aqueles que são acusa- rão ser consultadas para mais informação.
dos de um crime poder ser levados a comparecer
perante a justiça a fim de determinar a sua culpa-
bilidade ou inocência. É também essencial para o 2. ASPECTOS GERAIS SOBRE DIREITOS
bem-estar da sociedade, pois o crime causa sofri- HUMANOS E INVESTIGAÇÃO POLICIAL
mento entre a população e compromete o desen-
volvimento económico e social. Por estas razões, (a) Princípios fundamentais
a condução das investigações criminais de forma
eficaz e em conformidade com a lei e com os prin- 303. A investigação criminal tem por objectivos a
cípios éticos é um aspecto extremamente impor- recolha de provas, identificação do presumível
tante da actividade policial. autor do crime e apresentação das provas em tri-
bunal para que a culpabilidade ou inocência do
300. O objectivo do presente capítulo consiste em arguido possa ser determinada. Os princípios fun-
analisar a investigação do crime enquanto actividade damentais que emanam das normas internacionais
policial autónoma. Assim, serão consideradas as nor- são, assim, os seguintes:
mas internacionais de direitos humanos parti- • presunção da inocência de todos os arguidos;
cularmente relevantes no domínio da investigação • direito de todas as pessoas a um julgamento justo;
criminal. Contudo, todas as restantes normas • respeito pela dignidade, honra e privacidade de
importantes para o exercício da actividade policial todas as pessoas.
em geral, referidas nos capítulos precedentes e
subsequentes, continuam a ser aplicáveis. (b) Normas específicas sobre a investigação
301. No decorrer de uma investigação, os agentes 304. Os princípios acima enunciados encontram-
podem efectuar capturas, mas apenas quando tal seja -se consagrados nas disposições dos instrumentos
necessário e caso disponham de autoridade legal de direitos humanos que garantem o direito à pre-
para o fazer. Os suspeitos da prática de um crime sunção de inocência até prova em contrário, o
sob investigação podem ser detidos, mas deverão direito a um processo equitativo e a interdição de
ser sempre tratados com humanidade. Poderá ser intromissões ilícitas e arbitrárias na vida privada.
necessário utilizar a força para capturar ou deter um
suspeito, mas apenas quando estritamente neces- [i] Presunção de inocência
sário e na medida exigida para alcançar o objectivo
lícito prosseguido. Dever-se-ão consultar os capítu- 305. Este direito está consagrado no artigo 11.o,
los XII, XIII e XIV, infra, para uma análise por- n.o 1, da Declaração Universal, onde se lê:
menorizada das normas internacionais relativas a
estes aspectos da actividade policial. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-
se inocente até que a sua culpabilidade fique legal-
302. Para que a investigação policial seja feita em mente provada no decurso de um processo público em
conformidade com os princípios éticos, os inves- que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam
tigadores deverão respeitar a dignidade humana e asseguradas.
80
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
É também garantido pelo Pacto Internacional julgada em razão de qualquer acusação em maté-
sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 14.o, ria penal contra si deduzida, toda a investigação do
n.o 2), Carta Africana dos Direitos do Homem e dos crime ou crimes que servem de base a tal acusa-
Povos (artigo 7.o, n.o 1, alínea b)), Convenção Ame- ção deverá ser conduzida dentro do respeito dos
ricana sobre Direitos Humanos (artigo 8.o, n.o 2) princípios éticos e em conformidade com as dis-
e Convenção Europeia dos Direitos do Homem posições jurídicas que disciplinam a investigação.
(artigo 6.o, n.o 2). O respeito das normas é particularmente impor-
tante no que diz respeito aos seguintes aspectos:
306. Duas importantes questões decorrem destas • obtenção de provas;
disposições: • interrogatório dos suspeitos (também analisado
infra, no capítulo XIII);
a) A culpabilidade ou a inocência só podem ser • imperativo de declarar a verdade perante o juiz
determinadas por um tribunal regularmente cons- ou tribunal.
tituído, na sequência de um processo regular no
âmbito do qual tenham sido concedidas ao 310. As disposições dos instrumentos de direitos
arguido todas as garantias necessárias para a sua humanos atrás mencionados incluem uma série de
defesa; garantias mínimas consideradas necessárias para
assegurar o direito a um processo equitativo. Ana-
b) O direito à presunção de inocência até prova lisaremos em seguida aquelas que têm particula-
em contrário é essencial para garantir um julga- res implicações na condução das investigações
mento justo. criminais.
307. A presunção de inocência tem uma importante [iii] Garantias mínimas para assegurar
consequência sobre o processo de investigação: um processo equitativo
todas as pessoas sob investigação deverão ser tra-
tadas como inocentes, quer tenham sido detidas ou a) A ser informado pronta e detalhadamente
presas preventivamente quer permaneçam em das acusações contra si formuladas
liberdade no decurso do inquérito.
311. Esta norma reitera e reforça uma das obriga-
[ii] Direito a um processo equitativo ções que os funcionários responsáveis pela aplicação
da lei deverão cumprir ao efectuar uma detenção.
308. Este direito está consagrado no artigo 10.o da Por exemplo, o artigo 9.o, n.o 2, do Pacto Interna-
Declaração Universal dos Direitos do Homem, cional sobre os Direitos Civis e Políticos dispõe:
que estabelece:
Todo o indivíduo preso será informado, no momento
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a da sua detenção, das razões dessa detenção e receberá
sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um notificação imediata de todas as acusações apresenta-
tribunal independente e imparcial que decida dos seus das contra ele.
direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusa-
ção em matéria penal que contra ela seja deduzida. Isto significa que, ao capturar uma pessoa, há que
seguir o seguinte procedimento:
Aparece também, em termos mais desenvolvidos,
no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polí- NO MOMENTO DA CAPTURA – a pessoa deverá ser
ticos (artigo 14.o), Carta Africana dos Direitos do imediatamente informada dos motivos da captura;
Homem e dos Povos (artigo 7.o), Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos (artigo 8.o) e Con- LOGO QUE POSSÍVEL APÓS A CAPTURA – a pessoa
venção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 6.o). deverá ser informada das acusações contra si for-
309. Para que uma pessoa seja equitativamente muladas.
313. É evidente que a natureza das investigações pode 318. No decorrer das investigações, a polícia pode
influenciar o período de tempo durante o qual a pes- encontrar testemunhas do crime cujo depoimento
soa deverá ser informada das acusações contra si for- não corrobore as acusações contra a pessoa que se
muladas. Em casos muito complexos, esse período encontra a ser investigada. É evidente que tal
de tempo poderá ser mais longo do que em casos depoimento pode ser suficiente para indicar que
menos complexos. Contudo, a regra é sempre a mesma: o suspeito do crime não foi, de facto, o seu autor.
a pessoa deverá ser informada logo que possível. Nesse caso, a pessoa em causa deve deixar de ser
objecto de investigação.
b) Julgamento num prazo razoável
319. Por outro lado, essa prova pode simples-
314. Esta garantia significa que a investigação mente enfraquecer as acusações formuladas con-
deverá ser efectuada e concluída tão rápida e efi- tra o suspeito, sem as fazer desaparecer
cazmente quanto possível. completamente. As restantes provas podem ser
suficientes para deduzir acusação contra o sus-
315. Tal como a primeira das garantias referidas, peito e levá-lo a julgamento. Porém, o facto é que
a complexidade do caso poderá afectar o período uma testemunha cujo depoimento enfraquece a
que efectivamente decorre até que a pessoa seja acusação é uma testemunha de defesa, pelo que
levada a julgamento. Outros factores, tais como a deverá ser citada para comparecer em julgamento.
disponibilidade das testemunhas e o comporta-
mento da pessoa no decorrer da investigação, d) De não ser obrigado a testemunhar contra si
podem também influir na duração das investiga- próprio ou a confessar-se culpado
ções. Não obstante, o julgamento deverá ter sem-
pre lugar num prazo razoável. 320. Sendo certo que esta garantia protege a pes-
soa acusada na fase de julgamento, ela afecta tam-
316. A maneira de conduzir a investigação policial bém as investigações aquando do interrogatório do
não deverá dar azo ao desrespeito desta garantia. suspeito pelas autoridades policiais.
NOTA PARA OS FORMADORES: Existe também uma 321. Os interrogatórios e exames das pessoas sus-
garantia mínima impondo que a pessoa acusada peitas da prática de um crime são objecto de nor-
disponha do tempo e dos meios suficientes para mas específicas, que analisaremos mais adiante no
preparar a sua defesa, o que deverá ser conjugado capítulo XIII. Algumas destas normas destinam-
com a exigência de que o julgamento tenha lugar -se exactamente a impedir que se exerça uma pres-
num prazo razoável. são excessiva sobre os suspeitos para que se
confessem culpados. É evidente que, se alguém tiver
c) A interrogar, ou fazer interrogar, as testemu- sido ilicitamente compelido a confessar-se cul-
nhas de acusação pado durante a fase de inquérito, esta garantia, que
se destina a proteger os arguidos durante o julga-
e a obter a comparência e o interrogatório das testemu- mento, terá sido violada.
nhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas
de acusação [iv] Intromissões arbitrárias na vida privada
317. A primeira parte desta garantia diz respeito à 322. A privacidade, a honra e a reputação dos indi-
forma de condução do julgamento, mas a segunda víduos são protegidas pelo artigo 12.o da Declara-
82
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
ção Universal dos Direitos do Homem, que diz o obtêm informações que podem ser potencial-
seguinte: mente prejudiciais à reputação de outras pessoas.
Sublinha que se deverá tomar a máxima cautela no
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida tratamento de tais informações e que qualquer
privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua divulgação das mesmas para outros fins que não
correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. o desempenho do dever ou os interesses da justiça
Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem é totalmente abusiva.
direito a protecção da lei.
326. A divulgação abusiva de informação confi-
323. Disposições semelhantes estão consagradas na dencial prejudicial à reputação de um indivíduo vio-
Convenção Americana sobre Direitos Humanos laria certamente as disposições da Declaração
(artigo 11.o) e na Convenção Europeia dos Direitos Universal e Convenções Americana e Europeia,
do Homem (artigo 8.o), embora este último ins- acima referidas.
trumento limite tal direito (artigo 8.o, n.o 2) nos
seguintes termos: (c) Aspectos técnicos da investigação
Não pode haver ingerência da autoridade pública no exer- 327. A eficácia das investigações, se levadas a cabo
cício deste direito senão quando esta ingerência estiver pre- com base no respeito pela dignidade humana e pelo
vista na lei e constituir uma providência que, numa princípio da legalidade, depende em larga medida
sociedade democrática, seja necessária para a segurança dos seguintes factores:
nacional, para a segurança pública, para o bem-estar eco- • disponibilidade de recursos científicos e técnicos
nómico do país, a defesa da ordem e a prevenção das e utilização inteligente dos mesmos;
infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou • aplicação intensiva de técnicas policiais elemen-
a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. tares;
• conhecimentos e preparação dos investigadores;
324. Estas normas têm repercussões óbvias sobre • observância das disposições legais que discipli-
as investigações criminais: nam as investigações, bem como das normas
Revistas e Buscas – em especial das pessoas e internacionais de direitos humanos.
suas casas, outros bens e veículos,
e 328. Os recursos científicos e técnicos compreen-
Intercepção – de correspondência, mensagens dem, por exemplo:
telefónicas e outras comunicações, deverão res- • meios para examinar o local do crime, elemen-
peitar escrupulosamente a lei e ser absolutamente tos descobertos nesse local e outro material com
necessárias para fins legítimos de aplicação da lei. eventual valor probatório;
• meios para registar e referenciar a informação
325. A protecção da intimidade é reforçada pelas recolhida durante as investigações. As investigação
disposições do artigo 4.o do Código de Conduta para em larga escala podem exigir o recurso a meios
os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, informáticos.
que estabelece:
329. As técnicas policiais elementares dizem res-
As informações de natureza confidencial em poder dos peito, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem • interrogatório de testemunhas e suspeitos (são téc-
ser mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento nicas diferentes que exigem abordagens diferen-
do dever ou as necessidades da justiça estritamente ciadas);
exijam outro comportamento. • buscas em diversos locais, tais como espaços
abertos, edifícios e veículos, bem como revistas pes-
O comentário ao artigo assinala que, devido à soais (mais uma vez, são técnicas diferentes que
natureza das suas funções, os agentes policiais exigem abordagens diferenciadas).
84
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
ponsável, no seio da instituição policial, pela procedimentos contabilísticos bem definidos e de
manutenção dos contactos e realização de todas as uma fiscalização rigorosa. O funcionário que
transacções. Isto permite responsabilizar um decide sobre a autorização de pagamento deverá
determinado agente por todos os contactos com o ignorar a identidade do informador, mas é indis-
informador em questão; pensável que conheça os pormenores do crime e
a natureza da informação fornecida.
b) Embora a identidade do informador deva em
geral permanecer confidencial, para protecção do 336. Ainda relativamente às relações entre a polí-
agente que com ele contacta e do próprio infor- cia e os informadores, devemos acrescentar que a
mador deverá ser mantido um registo oficial com probabilidade de corrupção de alguns agentes, em
indicação da identidade de cada informador e do determinadas fases, é tão alta, que se torna quase
agente responsável pela ligação com ele. Esse inevitável. Os funcionários superiores de polícia têm
registo deverá poder ser consultado apenas por assim a enorme responsabilidade de:
um superior hierárquico especificamente designado
para o efeito. a) definir uma política clara que sirva de base a
procedimentos reguladores e directrizes eficazes
c) As actividades dos informadores deverão ser e permita optimizar os benefícios a retirar da reco-
cuidadosamente vigiadas. Acontece frequente- lha de informação confidencial sobre o crime e os
mente que o informador, não só tem conheci- delinquentes;
mento do planeamento de um crime, como está
também envolvido nesse mesmo planeamento e b) estabelecer procedimentos reguladores estri-
pode ser considerado um potencial participante na tos e directrizes explícitas a fim de que os agentes
sua execução. Regra geral, isto não é aceitável, seus subordinados compreendam exactamente de
uma vez que significa, quase inevitavelmente, que que forma deverão conduzir as suas relações com
o informador irá cometer um delito. os informadores e até que ponto essas relações
são vigiadas.
d) Muito raramente, a actividade criminosa em
planeamento é de tal magnitude, e a não participa- 337. A criação de um sistema para a utilização efi-
ção do informador colocá-lo-á em tal perigo, que ele caz dos informadores policiais é fundamental na
poderá ter de participar na sua execução. Tolerar prevenção e detecção do crime. A corrupção desse
quaisquer crimes, incluindo os cometidos pelos sistema implica a corrupção dos próprios agentes,
informadores, coloca graves questões jurídicas e éti- a subversão do sistema de justiça penal e a viola-
cas. Qualquer decisão de o fazer deverá ser tomada ção dos direitos humanos.
ao mais alto nível no seio da instituição policial e ape-
nas depois das devidas consultas com as autoridades (e) Vítimas
judiciárias. Estas decisões e consultas deverão ser sem-
pre tomadas e efectuadas caso a caso. Não deve 338. A questão das vítimas do crime será abor-
jamais conceder-se qualquer imunidade geral. dada em detalhe no capítulo XIX, infra. Contudo,
uma vez que diversas questões relativas às víti-
e) As contrapartidas económicas oferecidas aos mas de crime se relacionam estreitamente com o
informadores nunca devem ser excessivas. Os processo de investigação, é importante fazer-lhes
pagamentos não devem constituir um grande ali- aqui referência.
ciante ao fornecimento de informações, caso con-
trário o informador poderá ser tentado a encorajar 339. Um dos três princípios fundamentais que
terceiros a perpetrar novos crimes. referimos no início do presente capítulo é aquele
que exige o respeito da dignidade, honra e priva-
f ) Os pagamentos efectuados aos informadores cidade de todas as pessoas. Este princípio aplica-
deverão ser estritamente controlados através de -se particularmente às vítimas. O parágrafo 4.o da
86
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
b. Normas internacionais sobre investigação policial – Aplicação prática
}
Recomendações destinadas • Institua procedimentos normalizados para o registo de informação no
a todos os agentes policiais decorrer das investigações.
}
}
Recomendações destinadas • Trate todos os suspeitos como pessoas inocentes, de forma educada, res-
a todos os agentes policiais peitosa e profissional.
• Mantenha um registo detalhado de todos os interrogatórios efectuados.
• Participe em acções de formação contínua a fim de aperfeiçoar os seus
conhecimentos no domínio da investigação.
• Antes de qualquer interrogatório, informe sempre as vítimas, testemu-
nhas e suspeitos dos respectivos direitos.
• Antes de empreender qualquer acção no âmbito de um inquérito, pergunte
a si próprio: É legal? Será admitida em tribunal? É necessária? É indevida-
mente intrusiva?
• Nunca procure nem se apoie numa confissão para fundamentar um
processo. Pelo contrário, o objectivo da investigação consiste em reunir ele-
mentos de prova independentes.
• Sempre que possível, solicite um mandado ou ordem judicial antes de
empreender quaisquer buscas. As buscas sem mandado devem ser excep-
cionais e efectuadas apenas na medida do razoável e com motivo justifi-
cado, na sequência de uma captura lícita, quando livremente consentidas
ou quando a obtenção de um mandado prévio seja impossível, dadas as
circunstâncias.
• Conheça a comunidade onde trabalha. Desenvolva estratégias activas de
prevenção do crime, nomeadamente tomando consciência dos riscos exis-
tentes no seio dessa comunidade.
}
}
1). Indique os argumentos que utilizaria nessa 2). Pense nos conselhos que daria acerca da apli-
ocasião para convencer um investigador da neces- cação desse código: deveriam as violações a esse
sidade de respeitar as normas jurídicas e os prin- documento constituir fundamento para a instau-
cípios éticos. ração de processo disciplinar por infracção do
código de disciplina policial, ou deveriam os códi-
2). Alguma vez se justifica a violação da lei com gos e procedimentos disciplinares permanecer dis-
o objectivo de aplicar a lei? sociados dos códigos deontológicos? Indique as
razões que justificam qualquer uma das conclusões.
3). Se forem dados argumentos para justificar a
violação da lei com o objectivo de aplicar a lei, Exercício n.o 3
como podem eles ser conciliados com a presunção
de inocência de todas as pessoas suspeitas ou Para fins de discussão, imagine que a sua instituição
acusadas de um crime? policial está a investigar uma organização envolvida
88
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
no tráfico de droga. Os membros desta organização 3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO
são implacáveis e extremamente eficientes. Os resul-
tados da investigação desenvolvida até ao momento 1). Por que razão é importante respeitar o direito
indicam que só poderão ser feitos progressos infil- à presunção de inocência?
trando agentes na organização a fim de obter provas 2). De que forma contribui a presunção de ino-
das actividades a que esta se dedica. Caso tal táctica cência para o respeito do direito a um julgamento
seja bem sucedida, a intenção será capturar imedia- equitativo?
tamente todos os implicados nas actividades crimi-
nosas da organização. O responsável do seu serviço 3). De que forma contribui o direito de uma pes-
autoriza a táctica da infiltração, mas pretende que soa a ser informada prontamente das acusações
sejam elaboradas algumas directrizes destinadas aos deduzidas contra si para o respeito do direito a um
agentes a infiltrar, a fim de assegurar que a sua actua- julgamento equitativo?
ção seja eficaz e conforme aos princípios éticos.
4). Por que razão é importante que uma pessoa
1). Elabore as directrizes solicitadas pelo res- acusada da prática de um crime não seja obrigada
ponsável do seu serviço. a testemunhar contra si própria?
2). Durante quanto tempo, na sua opinião, deverá 5). Quais são as qualidades essenciais de um
um agente policial trabalhar no seio de uma orga- agente da polícia especializado na investigação cri-
nização do tipo da descrita no presente exercício? minal?
3). Deverão os agentes infiltrados participar nas 6). Indique sucintamente os conselhos que daria
actividades criminosas da organização? Que con- a um novo agente sobre a forma de proceder a revis-
selhos lhes daria a este respeito? tas pessoais.
2). Elabore uma declaração de princípios desti- 10). Os criminosos não respeitam as normas. Por-
nada ao ministro, com base no exame imparcial de que deverá a polícia fazê-lo?
ambos os conjuntos de recomendações e conselhos.
*12
Captura
Princípios fundamentais
}
Objectivos do capítulo • Apresentar as normas internacionais aplicáveis a qualquer acto das autori-
dades que tenha por efeito privar uma pessoa de liberdade, nomeadamente por
ter alegadamente cometido um delito, e destacar alguns aspectos práticos da
aplicação dessas normas.
}
}
• Todo o indivíduo detido tem direito a ser julgado num prazo razoável ou liber-
tado.
91
*
Terceira Parte
dia e hora da transferência para um local de detenção; dia e hora da com-
parência perante uma autoridade judicial; identidade dos agentes envol-
vidos; informação precisa sobre o local de detenção; e pormenores relativos
ao interrogatório.
347. O termo “captura” não aparece definido nos 349. Os instrumentos internacionais de direitos
instrumentos de direitos humanos que proíbem a humanos compreendem diversas disposições des-
detenção arbitrária, mas sim no Conjunto de Prin- tinadas a proteger a liberdade individual. Aquelas
cípios para a Protecção de Todas as Pessoas Sujei- que dizem especificamente respeito à captura são
tas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, sob a proibição da detenção arbitrária; as normas que
a secção “Terminologia”, nos seguintes termos: definem procedimentos a seguir na sequência de
uma captura; as normas relativas à detenção de
[…] acto de deter um indivíduo por suspeita da prática menores; e as que exigem a compensação das víti-
de infracção ou por acto de uma autoridade. mas de detenção ilegal.
92
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
[i] Proibição da detenção arbitrária nados mentais, alcoólicos, toxicodependentes ou
vagabundos;
350. Esta proibição está consagrada no artigo 9.o f ) para impedir a entrada ou residência ilegais
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de uma pessoa no país.
que estabelece: Estes casos inscrevem-se em três amplas catego-
rias, apesar de haver alguma sobreposição entre
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou elas. As situações referidas nas alíneas a) e c)
exilado. dizem claramente respeito à lei e aos procedi-
mento penais; os casos mencionados nas alíneas b)
351. A mesma proibição está expressa no artigo 9.o, e e) relacionam-se sobretudo com a protecção ou
n.o 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos o controlo sociais; e a alínea f) tem a ver com a cha-
Civis e Políticos, nos seguintes termos: mada “detenção administrativa”.
Todo o indivíduo tem direito à liberdade e à segurança NOTA PARA OS FORMADORES: Apesar de estas
da sua pessoa. Ninguém pode ser objecto de prisão ou últimas disposições se aplicarem apenas aos
detenção arbitrária. Ninguém pode ser privado da sua Estados que são Partes na Convenção Europeia,
liberdade a não ser por motivo e em conformidade com é altamente provável que normas semelhantes
processos previstos na lei. estejam em vigor em muitos Estados espalhados
pelo mundo. Cada uma das diferentes categorias
352. A detenção arbitrária é também proibida pela de casos tem repercussões sobre a actividade da
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos polícia que variam de local para local, podendo ser
(artigo 6.o), Convenção Americana sobre Direitos analisadas durante sessões de debate formais e
Humanos (artigo 7.o, n.os 1 a 3) e Convenção Euro- informais. Algumas das questões levantadas
peia dos Direitos do Homem (artigo 5.o, n.o 1). Cada pelas normas acima indicadas são colocadas nos
um destes textos proclama o direito à liberdade e Tópicos para Discussão, no final do presente
segurança pessoal, a proibição da detenção arbitrária capítulo.
e a exigência de que os fundamentos de qualquer
detenção estejam definidos na lei. [ii] Procedimentos a seguir na sequência
da captura
353. Com efeito, o artigo 5.o da Convenção Euro-
peia dos Direitos do Homem afirma que ninguém 354. Os procedimentos a seguir na sequência da
será privado de liberdade excepto em casos espe- captura encontram-se descritos nos n.os 1 e 2 do
cificamente determinados e que, em resumo, con- artigo 9.o do Pacto Internacional sobre os Direitos
sistem na captura ou detenção: Civis e Políticos, que dispõe:
a) na sequência de condenação por um tribunal
competente; 2). Todo o indivíduo preso será informado, no
b) por desobediência a uma ordem legítima de momento da sua detenção, das razões dessa detenção
um tribunal ou para garantir o cumprimento de e receberá notificação imediata de todas as acusações
uma obrigação imposta por lei; apresentadas contra ele.
c) a fim de comparecer perante uma autoridade
judicial competente por suspeita razoável de ter 3). Todo o indivíduo preso ou detido sob acusação
cometido uma infracção; de uma infracção penal será prontamente conduzido
d) detenção de um menor em virtude de ordem perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada pela
proferida em conformidade com a lei, para fins de lei a exercer funções judiciárias e deverá ser julgado num
educação sob vigilância ou para o fazer comparecer prazo razoável ou libertado. A detenção prisional de
perante a autoridade competente nos termos da lei; pessoas aguardando julgamento não deve ser regra
e) detenção de pessoas a fim de impedir a pro- geral, mas a sua libertação pode ser subordinada a
pagação de doenças infecciosas, bem como de alie- garantir que assegurem a presença do interessado no
94
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
estatuto jurídico do menor e a evitar prejudicá-lo, liberdades individuais em nome do interesse
tendo em conta as circunstâncias do caso. público mais vasto e com o objectivo de assegurar
outros benefícios, designadamente a ordem
362. A Convenção sobre os Direitos da Criança pública e a segurança da população.
aborda também a questão da captura de jovens.
O artigo 37.o, alínea b), estabelece: 367. A necessidade de restringir o exercício de
direitos humanos para salvaguardar a existência
Nenhuma criança será privada de liberdade de forma ile- da nação é reconhecida e permitida pelo Pacto
gal ou arbitrária: a captura, detenção ou prisão de uma Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
criança devem ser conformes à lei, serão utilizadas uni- (artigo 4.o), pela Convenção Americana sobre
camente como medida de último recurso e terão a dura- Direitos Humanos (artigo 27.o) e pela Convenção
ção mais breve possível. Europeia dos Direitos do Homem (artigo 15.o).
NOTA PARA OS FORMADORES: Deverá também 368. Em termos gerais, é necessário que se esteja
fazer-se referência ao capítulo XVI, sobre Polícia perante uma situação de emergência pública que
e Protecção dos Jovens. ameace a existência da nação, só podendo as medi-
das de derrogação ser introduzidas na estrita
[v] Indemnização em caso de captura ilegal medida em que a situação o exigir. Continua a
haver algum controlo por parte da comunidade
363. O artigo 9.o, n.o 5, do Pacto Internacional sobre internacional sobre os Governos em causa sempre
os Direitos Civis e Políticos exige que as vítimas de que tais medidas são adoptadas.
prisão ou de detenção ilegal tenham direito a obter
compensação. O artigo 5.o, n.o 6, da Convenção Euro- 369. Alguns direitos não são passíveis de derro-
peia dos Direitos do Homem reitera esta exigência. gação, continuando protegidos em todas as cir-
cunstâncias. Variam ligeiramente consoante as
364. Não existe disposição semelhante quer na disposições do instrumento em causa, mas
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos incluem sempre:
Povos quer na Convenção Americana sobre Direi- • o direito à vida
tos Humanos. Contudo, o artigo 10.o deste último • a proibição da tortura;
instrumento estabelece que os indivíduos terão • a proibição da escravatura.
direito a indemnizações caso sejam condenados,
por sentença transitada em julgado, com base 370. A questão das medidas derrogatórias será
num erro judiciário. A captura ou detenção ilegais examinada em maior detalhe no capítulo XV,
podem ser elementos de um erro judiciário. sobre Distúrbios internos, estados de excepção e
conflitos armados. A breve referência feita no
365. O princípio 35 do Conjunto de Princípios para presente capítulo destina-se a assinalar que a
a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer derrogação pode ter algumas consequências. Por
Forma de Detenção ou Prisão determina que todos exemplo, podendo os mecanismos destinados a
os danos emergentes de actos ou omissões de um garantir o controlo das autoridades judiciárias
funcionário público contrários aos direitos previs- sobre a captura e detenção de indivíduos ser
tos no Conjunto de Princípios serão passíveis de suprimidos ou restringidos, corre-se o risco de
indeminização, nos termos das normas de direito abrir caminho à ocorrência de detenções arbi-
interno aplicáveis em matéria de responsabilidade. trárias, torturas e outras formas de maus tratos
dos detidos.
(c) Medidas de derrogação
371. Deverá insistir-se no facto de que, ao serem
366. Em certas circunstâncias, os Governos adoptadas medidas de derrogação, os agentes poli-
podem considerar necessário e correcto limitar as ciais deverão respeitar escrupulosamente as
372. Um exemplo de um desaparecimento forçado 376. Incumbe aos funcionários responsáveis pela
ou involuntário é apresentado na Ficha Informa- aplicação da lei:
tiva n.o 6 (Rev.1) do Centro para os Direitos Huma- a) prevenir e detectar todos os crimes relacio-
nos das Nações Unidas, que se ocupa do tema, nados com o fenómeno dos desaparecimentos for-
nos seguintes termos (página 2): çados ou involuntários;
b) velar para que os outros agentes da institui-
[…] uma pessoa é presa, detida ou raptada contra a sua ção policial onde trabalham não participem em
vontade ou de outra forma privada de liberdade por tais crimes.
agentes governamentais de qualquer ramo ou nível,
ou ainda por grupos organizados ou particulares que RELATOS DE DESAPARECIMENTOS
actuam em nome, ou com o apoio, directo ou indi-
recto, consentimento ou aquiescência do Governo, que 377. Através da sua resolução 20 (XXXVI), de 29
de seguida se recusam a revelar o destino ou paradeiro de Fevereiro de 1980, a Comissão dos Direitos do
da pessoa em causa ou se recusam a reconhecer a pri- Homem estabeleceu o Grupo de Trabalho sobre os
vação de liberdade, assim subtraindo essa pessoa à pro- Desaparecimentos Forçados ou Involuntários,
tecção da lei. composto por peritos nomeados a título indivi-
dual, para examinar as questões relativas ao desa-
373. Sempre que funcionários responsáveis parecimento de pessoas nas circunstâncias atrás
pela aplicação da lei participam em actos con- referidas.
ducentes a um desaparecimento forçado ou
involuntário, subvertem de forma muito grave 378. O Grupo de Trabalho recebe e examina
o papel da polícia, uma vez que a pessoa “desa- denúncias de desaparecimentos apresentadas por
parecida” é subtraída à protecção da lei e, em con- familiares das pessoas desaparecidas, ou por orga-
sequência, privada de todos os seus direitos nizações de direitos humanos que actuam em seu
humanos. nome. Depois de determinar se a comunicação
preenche determinados requisitos, o Grupo de
374. Os desaparecimentos forçados ou involuntá- Trabalho transmite os casos individuais aos Gover-
rios implicam a violação de diversos direitos nos em causa, solicitando-lhes que procedam a
humanos fundamentais, nomeadamente: investigações e o informem do resultado das mes-
• o direito à liberdade e à segurança pessoal; mas.
• o direito do detido um tratamento humano;
• o direito à vida.
3. OBSERVAÇÕES FINAIS
NOTA PARA OS FORMADORES: Breves referências
ao fenómeno dos desaparecimentos forçados ou 379. O poder de captura é uma das principais
involuntários serão feitas mais adiante, nos capí- prerrogativas das autoridades policiais. É essencial
tulos XIV e XXI. à aplicação da lei e à administração da justiça. O
direito à liberdade individual é um direito humano
375. É evidente que, se os funcionários respon- fundamental. É essencial ao gozo de outros direi-
sáveis pela aplicação da lei forem responsáveis pela tos e constitui uma condição prévia indispensável
prática de desaparecimentos forçados ou invo- de um governo democrático no seio de uma socie-
luntários, estarão a exercer ilegalmente poderes dade democrática.
96
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
380. As normas internacionais indicadas no pre- tes deverão também possuir as aptidões práticas e
sente capítulo demonstram como um poder essen- tácticas necessárias ao exercício desses poderes
cial da polícia pode ser conciliado com um direito dentro dos limites que lhes estão impostos. É no
humano fundamental. A polícia necessita de com- desempenho concreto e prático da actividade poli-
preender em pleno os poderes de que dispõe neste cial que tais poderes são correcta ou incorrecta-
âmbito, bem como os limites dos mesmos. Os agen- mente exercidos e os direitos respeitados ou violados.
(c) Eficácia de quaisquer instruções específicas Todo o indivíduo tem direito à liberdade e à segu-
emitidas pelos comandos policiais ou supervisores rança da sua pessoa. Ninguém pode ser objecto de
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
prisão ou detenção arbitrária. Ninguém pode ser 4). Que implicações tem a presença na casa de
privado da sua liberdade a não ser por motivo e em quatro pessoas, além da pessoa a capturar, sobre
conformidade com processos previstos na lei. os seus planos operacionais?
3). Que formação recebem os agentes policiais do 1). Considera que estes são motivos suficientes
seu país em matéria de poderes e técnicas de captura? para que se afaste a protecção contra a detenção arbi-
trária, a fim de que mais homens possam ser deti-
4). Diga de que forma considera que essa for- dos e interrogados sobre os crimes?
mação poderia ser aperfeiçoada, a fim de garantir
que todas as capturas efectuadas por agentes poli- 2). Exponha os argumentos a favor do aumento
ciais são lícitas e necessárias. dos poderes de captura da polícia nas circunstân-
cias enunciadas. Quais deveriam ser esses pode-
Exercício n.o 3 res?
Imagine que foi incumbido de proceder à captura 3). Exponha os argumentos a favor da manu-
de uma pessoa que se julga estar armada e ser peri- tenção em vigor, em tais circunstâncias, das dis-
gosa. Essa pessoa encontra-se escondida numa posições e procedimentos legais destinados a
casa na cidade que é ocupada por mais quatro pes- garantir a protecção das pessoas contra a detenção
soas. A pessoa a capturar não sabe que a polícia des- arbitrária.
cobriu o seu paradeiro e considera a casa um
esconderijo seguro. Sabe-se que a pessoa em causa 4). Para além do exercício de poderes acresci-
resistiu a anteriores capturas, tendo utilizado uma dos, que outras medidas poderiam ser adoptadas
arma de fogo contra a polícia. pela polícia para tranquilizar a população?
100
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*13
Detenção
101
*
Terceira Parte
}
Princípios fundamentais • As convicções religiosas e morais dos detidos deverão ser respeitadas.
(vide também Capítulo XII,
Captura) • Toda a pessoa detida tem o direito de comparecer perante uma autori-
dade judiciária que decidirá sobre a legalidade da sua detenção.
a. Normas internacionais sobre detenção para os Direitos Humanos ou através dos Cen-
– Informação para as apresentações tros de Informação das Nações Unidas existen-
tes na maioria dos Estados Membros (n. o de
Venda E.94.XIV.6).
1. INTRODUÇÃO
382. Todas as pessoas privadas de liberdade são vul-
381. As normas internacionais de direitos neráveis aos maus tratos. Algumas categorias,
humanos, bem como a maioria dos sistemas tais como as mulheres e as crianças, são parti-
jurídicos nacionais, distinguem entre “detidos” cularmente vulneráveis. Além do mais, conforme
e “presos”. Um detido é alguém que se encon- acima referido, os detidos à guarda da polícia não
tra privado de liberdade, mas não foi condenado foram em geral condenados pela prática de qual-
pela prática de qualquer delito. Um preso é uma quer crime. São pessoas inocentes relativamente
pessoa privada de liberdade em resultado de às quais se aplica a regra da presunção de ino-
uma condenação. Uma vez que a polícia, na cência.
maior parte dos sistemas jurídicos, lida princi-
palmente com detidos na fase prévia ao julga- 383. Por estas razões, a conduta da polícia rela-
mento, o presente capítulo centra-se nessa tivamente a um detido deverá ser humana e
categoria de pessoas. estritamente conforme à lei e aos regulamentos
que disciplinam o tratamento das pessoas priva-
N OTA PARA OS FORMADORES : Os utilizadores das de liberdade. Isto é particularmente impor-
do manual deverão estar alerta para o facto de o tante aquando do interrogatório ou exame de
tema do presente capítulo ser analisado em pro- pessoas acusadas ou suspeitas da prática de um
fundidade na obra Direitos Humanos e Prisão crime.
Preventiva: Um Manual de Normas Internacio-
nais relativas à Prisão Preventiva (n.o 3 da Série 384. As normas internacionais relativas ao trata-
de Formação Profissional), publicada pelo Cen- mento dos detidos consagram disposições deta-
tro para os Direitos Humanos das Nações Uni- lhadas e princípios fundamentais que, se
das e pela Divisão para a Prevenção do Crime e respeitados, irão garantir que as pessoas privadas
Justiça Penal das Nações Unidas. Este manual de liberdade à guarda da polícia beneficiam de
pode ser obtido directamente através do Centro condições de detenção humanas e lícitas.
102
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
2. ASPECTOS GERAIS DOS DIREITOS HUMANOS É também proibida praticamente nos mesmos ter-
DURANTE A DETENÇÃO mos pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis
e Políticos (artigo 7.o), Carta Africana dos Direitos do
(a) Princípios fundamentais Homem e dos Povos (artigo 5.o), Convenção Ameri-
cana sobre Direitos Humanos (artigo 5.o, n.o 2) e Con-
385. As pessoas passam a ficar à guarda da polícia venção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 3.o).
na sequência do exercício de poderes legais de
captura por parte das autoridades policiais ou por 389. No âmbito das Nações Unidas, foram adop-
decisão de um juiz ou outra autoridade com com- tadas uma Declaração e uma Convenção contra a
petência legal para o exercício do poder judicial. tortura, que estabelecem um conjunto de medidas
específicas para combater esta odiosa prática.
386. A detenção é objecto de um processo disci-
plinado por lei, beneficiando os detidos de formas Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas
específicas de protecção que se baseiam nos contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos
seguintes princípios: Cruéis, Desumanos ou Degradantes
• ninguém será sujeito à tortura ou a outros maus
tratos; 390. A Declaração define a tortura no seu artigo 1.o.
• todos os detidos têm direito a um tratamento Esta definição interessa aos agentes policiais, uma
humano e ao respeito pela dignidade inerente à pes- vez que nela se afirma que a tortura consiste em
soa humana; todo acto pelo qual penas ou sofrimentos graves,
• todas as pessoas se presumem inocentes até que físicos ou mentais são intencionalmente infligidos
a sua culpabilidade seja provada nos termos da a uma pessoa por um funcionário público, ou outrem
lei. por ele instigado […] com o fim de obter dela ou de ter-
ceiro uma informação ou uma confissão, de a punir por
(b) Normas específicas sobre a detenção um acto que tenha cometido ou se suspeite que come-
teu, ou de intimidar essa ou outras pessoas […]
387. Os instrumentos internacionais de direitos
humanos contêm disposições muito detalhadas 391. Diversas disposições da Declaração exigem:
sobre a detenção, que abrangem a proibição da
tortura, exigências genéricas de um tratamento a) a proibição da tortura pelos Estados;
humano e exigências específicas relativamente ao
tratamento dos menores e das mulheres. Todas elas b) a investigação dos alegados casos de tortura;
serão analisadas no presente capítulo, juntamente
com outras questões relevantes: interrogatório e c) que a formação dos agentes policiais e outros
exame dos suspeitos, detenção na sequência de funcionários públicos tenha plenamente em conta
medidas derrogatórias das disposições dos tratados a proibição da tortura;
tomadas pelos Governos e desaparecimentos for-
çados ou involuntários. d) a inclusão da proibição da tortura nas normas
ou instruções gerais relativas aos deveres e funções
[i] Proibição da tortura de todos aqueles que possam ser chamados a
intervir na guarda ou tratamento dos detidos;
388. A tortura foi absolutamente interditada pela
comunidade internacional. É proibida pelo artigo 5.o e) o controlo sistemático pelos Estados dos
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que métodos e práticas de interrogatório;
estabelece:
f ) o exame periódico das disposições relativas à
Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou custódia e ao tratamento das pessoas privadas de
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. liberdade.
104
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
público pode invocar qualquer argumento para para o tratamento humano das pessoas detidas ou pre-
justificar a prática da tortura. sas. O princípio 6 consagra a proibição da tortura.
[ii] Exigências gerais de um tratamento humano 401. As normas específicas constantes deste ins-
dos detidos trumento podem ser discutidas com os partici-
pantes do curso e as suas disposições comparadas
398. As exigências gerais de um tratamento com a legislação interna, com os regulamentos e ins-
humano das pessoas detidas estão definidas no truções a que obedecem no desempenho das res-
artigo 10.o do Pacto Internacional sobre os Direi- pectivas funções e com a verdadeira prática policial.
tos Civis e Políticos, que impõe: São particularmente importantes as disposições
que estabelecem:
a) que todas as pessoas privadas de liberdade
sejam tratadas com humanidade e com o devido a) o controlo judicial dos detidos (princípios 4,
respeito pela dignidade inerente à pessoa humana; 11 e 37);
b) que as pessoas acusadas sejam separadas das b) o direito dos detidos a comunicarem com o seu
pessoas condenadas e submetidas a um regime dife- advogado ou defensor (princípios 11, 15, 17 e 18);
renciado, adequado à sua condição de pessoas não
condenadas; c) o direito dos detidos a comunicarem e man-
terem contacto com as suas famílias (princípios 15,
c) que os menores acusados da prática de uma 16, 19 e 20);
infracção sejam separados dos adultos;
d) o acompanhamento médico adequado das
Disposições semelhantes podem ser encontradas pessoas detidas (princípios 24 e 26);
na Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
mas não na Carta Africana dos Direitos do e) a manutenção de registos das circunstâncias
Homem e dos Povos nem na Convenção Europeia da captura e detenção (princípio 12);
dos Direitos do Homem.
f ) o registo detalhado das circunstâncias de
399. A definição do conceito de “pessoa detida”, qualquer interrogatório (princípio 23).
constante do Conjunto de Princípios para a Protec-
ção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma 402. A questão da responsabilidade individual
de Detenção ou Prisão na secção entitulada “Ter- dos funcionários responsáveis pela aplicação da
minologia”, interessa directamente aos funcioná- lei é abordada no princípio 7, n. o 2. De acordo
rios responsáveis pela aplicação da lei: com esta disposição, os funcionários que tive-
rem razões para crer que ocorreu ou está imi-
pessoa privada da sua liberdade, excepto se o tiver sido em nente uma violação do Conjunto de Princípios
consequência de condenação pela prática de uma infracção. deverão comunicar esse facto aos seus superio-
res e, se necessário, a outras autoridades ou
assim como a definição de “pessoa presa”: instâncias competentes de controlo ou de
recurso.
pessoa privada da sua liberdade em consequência de con-
denação pela prática de uma infracção. 403. O Conjunto de Princípios contém disposi-
Em geral, é a primeira categoria de pessoas que se ções mais relevantes no que concerne aos indiví-
encontra sob custódia policial. duos sob custódia policial do que as Regras
Mínimas para o Tratamento dos Reclusos. Contudo,
400. O Conjunto de Princípios é composto por 39 os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
princípios. O princípio 1 define os requisitos básicos com responsabilidades importantes no que diz
106
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Convenção sobre os Direitos da Criança rada a adopção e aplicação das mesmas na admi-
nistração dos estabelecimentos penitenciários e cor-
410. A Convenção sobre os Direitos da Criança é reccionais, o princípio da separação consagrado na
composta por 54 artigos, estando dividida em três regra 8 é relevante para a situação das mulheres deti-
partes. Este instrumento reitera e reforça muitas das à guarda da polícia. Esta regra exige:
das proibições e garantias enunciadas no presente
capítulo. O artigo 37.o assume particular relevân- a) que as diferentes categorias de reclusos
cia, dispondo da seguinte forma: sejam mantidas em instituições separadas ou em
zonas distintas da mesma instituição, tendo em
a) A alínea a) proíbe a tortura e os maus tratos consideração, nomeadamente, o respectivo sexo,
da criança, bem como a imposição da pena de idade e antecedentes criminais;
morte e da prisão perpétua;
b) que mulheres e homens sejam mantidos,
b) A alínea b) proíbe a privação da liberdade de tanto quanto possível, em instituições separadas;
uma criança de forma ilegal ou arbitrária; nos estabelecimentos que recebam pessoas de
ambos os sexos, as instalações destinadas às
c) A alínea c) exige que a criança privada de mulheres devem ser completamente separadas.
liberdade seja tratada com a humanidade e o res-
peito devidos à dignidade da pessoa humana. 413. Embora, em geral, a existência de estabeleci-
Deverá também ser tratada de forma consentânea mentos e instalações separadas para as mulheres
com as necessidades das pessoas da sua idade, colocadas sob custódia policial não seja necessária
permanecer separada dos adultos e ter o direito de nem exequível, o princípio segundo o qual as mulhe-
manter contacto com a sua família. res devem permanecer alojadas em locais distintos
dos dos homens deve ser rigorosamente respeitado.
d) A alínea d) concede à criança privada de liber-
dade o direito de aceder rapidamente à assistência 414. A questão da DISCRIMINAÇÃO é tratada no
jurídica, bem como o direito de impugnar a lega- princípio 5 do Conjunto de Princípios para a Pro-
lidade da sua privação de liberdade perante um tri- tecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer
bunal ou outra autoridade competente. Forma de Detenção ou Prisão. Este preceito esta-
belece que:
NOTA PARA OS FORMADORES: Deverá também ser
feita referência ao capítulo XVI, sobre a Polícia e a) os Princípios se aplicam a todas as pessoas,
Protecção dos Jovens. sem discriminação alguma, nomeadamente de
raça, cor, sexo e língua;
[iv] Mulheres detidas
b) as medidas aplicadas nos termos da lei e
411. A especial condição das mulheres é reconhe- exclusivamente destinadas a proteger os direitos
cida e protegida por dois tipos de disposições: umas e a especial condição das mulheres, em especial das
que exigem que as mulheres detidas permaneçam mulheres grávidas e lactantes, não serão conside-
alojadas em locais separados dos dos homens e radas discriminatórias.
outras relativas à questão da discriminação.
415. As leis e regulamentos internos que exigem:
412. LOCAIS DE DETENÇÃO – esta questão é abordada
na regra 8 das Regras Mínimas para o Tratamento a) que a vigilância das mulheres detidas seja
dos Reclusos. Apesar de a resolução 663 C (XXIV) efectuada por mulheres polícias,
do Conselho Económico e Social, de 31 de Julho de
1957, pela qual o Conselho adoptou as Regras, ter b) que as revistas pessoais sejam efectuadas por
recomendado que fosse favoravelmente conside- funcionários do mesmo sexo que os detidos em
NOTA PARA OS FORMADORES: Deverá também ser b) exerçam uma vigilância sistemática sobre as nor-
feita referência ao capítulo XVII, sobre Aplicação mas, instruções, métodos e práticas de interrogatório,
da Lei e Direitos das Mulheres. a fim de evitar qualquer caso de tortura (artigo 11.o).
418. A Declaração sobre a Protecção de Todas as Pes- e) um detido suspeito ou acusado de um delito
soas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos criminal presume-se inocente até que a sua cul-
Cruéis, Desumanos ou Degradantes estabelece que os pabilidade tenha sido legalmente provada perante
Estados “examinarão periodicamente os métodos de um tribunal (princípio 36, n.o 1).
interrogatório” a fim de prevenir a tortura e os maus
tratos das pessoas privadas de liberdade (artigo 6.o). [ii] Objectivo das normas
419. A Convenção contra a Tortura e Outras Penas 421. O objectivo das normas relativas à audição e
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degra- ao interrogatório consiste em garantir o trata-
dantes exige que os Estados: mento humano dos detidos:
108
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
b) a fim de prevenir a ocorrência de erros judi- b) procurar apurar os factos ou recolher infor-
ciários – devido ao facto de os detidos poderem con- mação, isto é, não ter unicamente em vista obter
fessar crimes que não cometeram na sequência da a confissão da pessoa interrogada.
sujeição a torturas ou maus tratos.
425. A atitude do funcionário que interroga deverá
422. As falsas confissões de um crime são, nessas estar condicionada pelo respeito da dignidade ine-
circunstâncias, um perigo muito real, devido: rente à pessoa humana e pelos fins da audição ou
interrogatório, conforme acima indicados.
a) à vulnerabilidade dos detidos em geral;
426. Os conhecimentos e a preparação do funcio-
b) à particular vulnerabilidade de alguns detidos, nário que procede ao interrogatório deverão abran-
devido a factores pessoais e psicológicos passíveis ger:
de afectar a sua capacidade de decidir livremente
e de pensar de forma racional; a) as normas éticas e jurídicas aplicáveis ao pro-
cesso de audição ou interrogatório;
c) à compreensível tendência das pessoas sujei-
tas a maus tratos de tudo fazer para que esses b) toda a informação disponível sobre o crime ou
maus tratos cessem, nomeadamente confessando incidente sobre o qual irá incidir o interrogatório;
crimes que não cometeram.
c) os factores psicológicos que intervêm no pro-
[iii] Implicações das normas sobre os processos de cesso de interrogatório, particularmente aqueles que
audição ou interrogatório afectam a capacidade dos indivíduos de decidir
livremente e pensar de forma racional;
423. As normas acima referidas têm repercussões
tanto sobre as finalidades da audição ou interro- d) a personalidade e o carácter da pessoa a ser
gatório como sobre a atitude, os conhecimentos e ouvida.
a preparação dos funcionários que conduzem
esses actos, bem como as respectivas competências É fundamental que as duas últimas áreas de conhe-
técnicas. cimento e preparação tenham por base o trabalho
teórico actualmente desenvolvido nesta área.
424. A audição ou interrogatório de um detido não
poderá ter por finalidade: 427. As aptidões técnicas da pessoa que interroga
resultarão da formação e da experiência adquiridas
• obrigar a pessoa a confessar-se culpada, a incri- com base nos conhecimentos actualmente dispo-
minar-se a si própria ou a testemunhar contra ter- níveis sobre a teoria e a prática do interrogatório.
ceiro;
• sujeitar a pessoa a um tratamento susceptível de NOTA PARA OS FORMADORES: As observações for-
comprometer a sua capacidade de decisão ou dis- muladas centraram-se no interrogatório de pessoas
cernimento. suspeitas ou acusadas da prática de um crime. O
interrogatório das testemunhas do crime é também
A audição ou interrogatório dos detidos é parte inte- extremamente importante para uma investigação
grante do processo de investigação e visa a recolha criminal eficaz. Cada tipo de interrogatório exige
e a análise de informação. Ambas as finalidades uma diferente abordagem e a aplicação de diferentes
serão melhor servidas se o funcionário adoptar a conhecimentos e técnicas.
seguinte atitude:
a) demonstrar abertura de espírito, isto é, não ten- Profissionais na área da psicologia e agentes poli-
tar utilizar o interrogatório para reforçar ideias ciais têm vindo a acumular significativos conhe-
preconcebidas; cimentos especializados na teoria e prática dos
110
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
437. O tratamento humano dos detidos não exige é essencial que a formação se baseie em conheci-
um alto nível de conhecimentos técnicos especia- mentos teóricos sólidos e nas boas práticas actual-
lizados; exige apenas o respeito pela dignidade mente desenvolvidas.
inerente à pessoa humana e a observância de algu-
mas regras de conduta elementares. De todas as 438. A forma como uma instituição policial trata as
questões abordadas no presente capítulo, apenas pessoas colocadas à sua guarda revela-nos a medida
a audição ou o interrogatório dos detidos exigem do profissionalismo dos seus agentes; dos princí-
conhecimentos particulares. Um interrogatório pios éticos que é capaz de respeitar; e demonstra até
eficaz e, ao mesmo tempo, conforme aos princí- que ponto a instituição poderá ser considerada como
pios éticos exige um alto nível de competência prestadora de um serviço à comunidade e não como
técnica da parte dos agentes, que pode ser adqui- um instrumento de repressão. A longo prazo, estes
rida através da formação e da experiência. Contudo, factores irão determinar a eficácia do organismo.
}
}
Recomendações destinadas • Estabeleça, divulgue, aplique e reveja regularmente regulamentos inter-
a todos os funcionários nos relativos ao tratamento dos detidos.
com responsabilidades
de comando e supervisão • Proporcione formação especializada a todos os funcionários que traba-
lham nas instalações de detenção.
• Assegure-se de que existe uma área destinada às visitas normais, com uma
grelha, mesa ou divisória semelhante entre o visitante e o detido.
112
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
}
Recomendações destinadas • Providencie para que esteja sempre de serviço pelo menos um agente com for-
a todos os funcionários mação ao nível da psicoterapia e apoio psicológico, nomeadamente no domínio
com responsabilidades da prevenção do suicídio.
de comando e supervisão
• Examine todos os detidos, no momento da admissão, procurando detectar sinais
de doença, ferimentos, intoxicação por álcool ou drogas ou alienação mental.
• Dê instruções aos agentes que trabalham nas instalações de detenção para que
não transportem consigo armas de fogo, excepto quando devam conduzir os deti-
dos ao exterior.
• Exija que todos os funcionários das instalações de detenção usem placas de iden-
tificação claramente visíveis, a fim de facilitar a denúncia de qualquer infracção.
• Estabeleça sanções por eventuais violações, informando todo o pessoal a esse res-
peito. Tendo em conta a gravidade do acto, essas sanções poderão ir desde a sus-
pensão, multa e expulsão da instituição até à instauração de processo criminal em
caso de violações graves.
}
O artigo 6.o da Declaração sobre a Protecção de a) um exame periódico dos métodos e práticas
Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas de interrogatório;
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degra-
dantes afirma: b) um exame periódico das disposições relativas
à custódia e ao tratamento das pessoas privadas de
Todos os Estados examinarão periodicamente os liberdade.
métodos de interrogatório e as disposições relati-
vas à custódia e ao tratamento das pessoas priva- 2). Elabore uma lista sucinta de directrizes e ins-
das de liberdade no seu território, a fim de truções destinadas aos funcionários responsáveis
prevenir qualquer caso de tortura ou de outras pela aplicação da lei para garantir que aos detidos seja
penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou prestado um tratamento humano entre o momento
degradantes. da captura e a chegada ao local de detenção.
c) intentar um recurso perante um tribunal, a fim O princípio 21 do Conjunto de Princípios para a Pro-
tecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer
de que e≤ste decida sem demora sobre a legalidade
Forma de Detenção ou Prisão afirma:
da sua detenção.
a) à assistência de um advogado;
1). Estão normas semelhantes consagradas na
legislação do seu país, ou nas instruções e direc-
b) às suas famílias; trizes destinadas à polícia?
2). Imagine que é membro de um grupo de 3). Uma das consequências do princípio 21 é
trabalho constituído para considerar os direi- obrigar a polícia a utilizar técnicas de interroga-
tos dos detidos a serem levados prontamente tório que não se baseiem na coacção física ou
à presença de um juiz ou outra autoridade psicológica. Considera que os agentes policiais do
judicial, e a terem acesso à assistência de um seu organismo conhecem e sabem utilizar tais téc-
advogado. nicas?
114
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
4). Imagine que é membro de um grupo de tra- c) Nenhuma condenação pela prática de uma
balho encarregado de formular recomendações infracção penal se poderá basear exclusivamente
sobre: na confissão como elemento de prova. Quaisquer
confissões deverão ser sempre corroboradas por ele-
a) as medidas de controlo e mentos de prova adicionais que demonstrem a
culpabilidade da pessoa.
b) os programas de formação
d) Sempre que alguém confesse a prática de um
necessários para assegurar que os agentes poli- crime a um agente policial, essa pessoa será de ime-
ciais interrogam os suspeitos de forma eficaz e em diato conduzida a um tribunal para que um juiz
conformidade com os princípios éticos e com a lei. ou outra autoridade judicial possa verificar que a
confissão foi feita voluntariamente e sem qual-
Enumere os principais aspectos das suas reco- quer pressão abusiva.
mendações e indique resumidamente formas de as
aplicar. O Governo deixou claro que iria introduzir pelo
menos algumas destas recomendações.
Exercício n.o 4
Para fins de debate, imagine que é membro de um
Imagine que ocorreram recentemente no seu país grupo de trabalho da polícia encarregado de dar
diversos casos de pessoas condenadas a longas parecer, em nome das autoridades policiais, sobre
penas de prisão pela prática de crimes graves com estas quatro recomendações. Exponha os argu-
base em confissões que mais tarde se veio a mentos contra e a favor de cada uma delas e selec-
demonstrar que eram falsas. Esta situação levou a cione a recomendação ou recomendações que
uma grande perda de confiança no sistema judi- julga deverem ser adoptadas. Indique os motivos
cial e policial. A principal razão para estas falsas da sua escolha.
confissões foram os maus tratos por parte da polí-
cia, especialmente dos agentes responsáveis pela
condução dos interrogatórios. 3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO
As infracções cometidas pelos agentes estão a ser 1). Você capturou um homem que escondeu
objecto dos normais inquéritos judiciais, bem uma bomba algures no centro da cidade. O enge-
como de procedimentos disciplinares internos. nho deverá explodir dentro de uma hora e ele
recusa-se a dizer onde o colocou. Tem o direito de
A Comissão de Inquérito nomeada pelo Governo torturar esse homem para o obrigar a revelar o
a fim de estudar as reformas do sistema de justiça esconderijo da bomba?
penal e do procedimento de interrogatório dos
suspeitos pela polícia formulou diversas reco- 2). De que formas poderá a formação dos fun-
mendações, nomeadamente as seguintes: cionários responsáveis pela aplicação da lei
assegurar que seja plenamente tomada em consi-
a) O advogado ou representante legal do sus- deração a proibição da tortura, conforme disposto
peito deverá estar sempre presente durante os na Declaração sobre a Protecção de Todas as Pes-
interrogatórios a que este seja sujeito por parte da soas contra a Tortura e Outras Penas ou Trata-
polícia. mentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes
(artigo 5.o)?
b) Todas as audições dos suspeitos pela polícia
serão filmadas e as gravações serão utilizadas 3). Por que motivo é importante que as pessoas
como prova em quaisquer procedimentos legais acusadas sejam separadas das pessoas condenadas
subsequentes. e recebam um tratamento diferenciado?
Conceitos Fundamentais
* 115
4). Por que motivo é importante tratar o caso 8). Que qualidades pessoais deverá possuir um
dos delinquentes juvenis evitando o recurso ao agente policial para conduzir os interrogatórios
sistema de justiça penal, conforme exigido pelas com eficácia e em conformidade com os princípios
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Admi- éticos? Poderão estas qualidades ser adquiridas
nistração da Justiça de Menores (Regra 11)? através da formação, ou são talentos inatos?
5). Quais são as vantagens de dispor de unidades 9). Quais são as vantagens e as desvantagens da
policiais especializadas no tratamento das questões gravação em vídeo do interrogatório policial dos sus-
relativas aos menores e à delinquência juvenil? peitos? Indique todos os fins para os quais essas
gravações poderão ser utilizadas.
6). Que factores pessoais e psicológicos podem
afectar a capacidade do detido que está a ser inter- 10). Foi demonstrado que algumas pessoas que
rogado de decidir livremente e formular juízos confessam a prática de um crime sem que o
racionais? tenham cometido conseguem relatar a sua parti-
cipação de forma convincente porque os agentes
7). Quais serão as diferenças entre um interroga- policiais que conduzem os interrogatórios lhes
tório que visa o apuramento dos factos e a recolha fornecem involuntariamente suficiente informação
de informação e um outro que tem exclusivamente com base na qual são construídos os relatos. De que
por objectivo obter a confissão do suspeito? formas poderá esta situação ser evitada?
116
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*14
Utilização da força
e de armas de fogo
Objectivos do capítulo • Dar indicações aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei sobre
a utilização da força e de armas de fogo, seu impacto sobre os direitos à
vida e à segurança pessoal e normas internacionais relativas à adequada
utilização da força e de armas de fogo para fins policiais legítimos.
}
• Todos os agentes policiais deverão receber formação sobre o uso dos dife-
rentes meios capazes de permitir a utilização da força em diferentes graus.
117
*
Terceira Parte
}
Princípios fundamentais Responsabilidade pela utilização da força e de armas de fogo
118
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
}
Princípios fundamentais Procedimentos relativos à utilização de armas de fogo
120
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
[ii] Recurso inicial a meios não violentos terceiros, ou claramente inútil ou inadequado,
dadas as circunstâncias.
449. Tanto quanto possível, os agentes policiais
deverão utilizar meios não violentos antes de 454. As normas e regulamentos sobre a utilização
recorrer à força ou a armas de fogo. de armas de fogo por parte de funcionários res-
ponsáveis pela aplicação da lei deverão fornecer
[iii] Moderação; medidas humanitárias orientações sobre as circunstâncias em que tais fun-
cionários estão autorizados a transportar armas
450. Caso a utilização legítima da força ou de armas de fogo, garantir que as armas de fogo sejam uti-
de fogo seja inevitável, os funcionários responsáveis lizadas apenas nas circunstâncias adequadas e de
pela aplicação da lei deverão recorrer a tais métodos maneira conforme a diminuir os riscos de lesões,
com moderação e reduzir ao máximo os danos e disciplinar o controlo, armazenagem e distribuição
lesões, bem como respeitar e preservar a vida de armas de fogo e prever um sistema de partici-
humana. Para estes fins, deverão garantir a presta- pação sempre que os agentes policiais façam uso
ção de assistência médica a qualquer pessoa ferida de uma arma de fogo no exercício das suas funções.
ou afectada no mais curto espaço de tempo e asse-
gurar-se de que os familiares ou amigos das pessoas [vi] Manutenção da ordem durante reuniões
feridas ou afectadas são avisados do incidente. públicas
[iv] Participação do uso da força 455. No dispersar de reuniões ilegais mas não vio-
lentas, os funcionários responsáveis pela aplicação
451. Os ferimentos ou mortes resultantes da uti- da lei deverão evitar o recurso à força ou, quando
lização da força ou de armas de fogo deverão ser tal não seja possível, restringi-lo ao mínimo neces-
participados aos funcionários superiores e toda a sário. No dispersar de reuniões violentas, os fun-
utilização arbitrária ou abusiva da força deverá ser cionários responsáveis pela aplicação da lei apenas
tratada como um crime. As circunstâncias excep- podem utilizar armas de fogo caso o recurso a
cionais ou situações de emergência pública não jus- meios menos perigosos seja impraticável. Em
tificam a violação dos Princípios. qualquer situação, conforme acima indicado, só é
permitida a utilização de armas de fogo em legí-
[v] Utilização de armas de fogo tima defesa do próprio ou de terceiros, para afas-
tar um perigo iminente de morte ou lesões físicas
452. Permite-se a utilização de armas de fogo em graves, ou a fim de proceder à captura de uma
legítima defesa do próprio ou de terceiros contra pessoa que apresente tal perigo. É proibida a uti-
um perigo iminente de morte ou lesões físicas lização intencional de armas de fogo com conse-
graves, ou a fim de proceder à captura de uma quências fatais, a menos que absolutamente
pessoa que apresente tal perigo, caso as medidas inevitável com o objectivo de salvar uma vida.
menos extremas se revelem insuficientes. É proi-
bida a utilização intencional de armas de fogo com [vii] Utilização da força sobre pessoas detidas
consequências fatais, a menos que absolutamente
inevitável a fim de salvar uma vida. 456. Os funcionários responsáveis pela aplicação
da lei não poderão utilizar a força sobre as pessoas
453. Antes de utilizar uma arma de fogo contra sujeitas a detenção a menos que tal se revele abso-
alguém, o polícia deverá identificar-se e advertir cla- lutamente indispensável à manutenção da segu-
ramente da sua intenção de utilizar a arma em ques- rança e da ordem dentro da instituição, ou em
tão. Deverá ser dado tempo suficiente para que o caso de ameaça à segurança pessoal. As armas de
delinquente se conforme com a advertência, a fogo não poderão ser utilizadas contra tais pessoas,
menos que tal se mostre susceptível de resultar na excepto em legítima defesa do próprio ou de ter-
morte ou em lesões físicas graves do agente ou de ceiros contra um perigo iminente de morte ou
122
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
(d) Utilização da força e execuções b) velar para que os outros agentes do orga-
ex trajudiciais nismo onde trabalham não participem em tais
crimes.
465. A expressão “execuções extrajudiciais”
designa as privações arbitrárias da vida acima des-
critas, quando perpetradas, por exemplo, pela polí- 3. OBSERVAÇÕES FINAIS
cia, pelo exército ou por outros agentes do Estado.
As execuções extrajudiciais constituem uma 470. Para além dos motivos éticos e jurídicos que
forma de terrorismo de Estado, sendo por vezes obrigam a que a polícia respeite as normas inter-
cometidas por unidades que se tornaram conhe- nacionais relativas à utilização da força e de armas
cidas como os “esquadrões da morte”. de fogo, existem também considerações de índole
prática e política. Os abusos e excessos na utiliza-
466. Os Princípios sobre a Prevenção Eficaz e ção da força por parte da polícia podem ter como
Investigação das Execuções Extrajudiciais, Arbi- efeito levar a que um trabalho, já de si difícil, se
trárias ou Sumárias enunciam medidas de combate torne impossível. Para além disso, tais abusos e
a estas flagrantes violações do direito à vida. Este excessos comprometem um dos principais objec-
instrumento é composto por 20 princípios desti- tivos da actividade policial – a manutenção da paz
nados a prevenir a ocorrência de execuções extra- e estabilidade social. Casos houve em que a utili-
judiciais e a garantir a cuidadosa investigação das zação excessiva da força por parte da polícia resul-
mesmas, caso se verifiquem. Os Princípios exigem tou numa instabilidade pública em tão larga escala
que se exerça um controlo rigoroso sobre os fun- e de tal forma violenta que as instituições res-
cionários que exercem poderes de captura e deten- ponsáveis pela aplicação da lei se tornaram tem-
ção, bem como sobre aqueles que se encontram porariamente incapazes de manter a ordem e
autorizados a utilizar a força e as armas de fogo. proteger a segurança pública. As consequências
generalizadas de tais incidentes, bem como as
(e) Utilização da força e desaparecimentos suas enormes repercussões mediáticas, compro-
metem seriamente o fundamental apoio da popu-
467. Deverá ser feita referência ao capítulo XII, lação à actividade policial.
sobre Captura, na medida em que contém obser-
vações gerais sobre os desaparecimentos forçados 471. Em resumo, as normas internacionais de
ou involuntários (parágrafos 372-376, supra). direitos humanos exigem que a utilização de
armas de fogo pela polícia seja uma medida excep-
468. O fenómeno dos desaparecimentos forçados ou cional; que a utilização da força por parte da polí-
involuntários é referido no presente capítulo uma vez cia seja necessária e proporcional ao objectivo
que uma pessoa desaparecida nessas circunstâncias pretendido; e que a utilização da força e de armas
terá muito provavelmente sido vítima de uma utili- de fogo pela polícia seja regulamentada, controlada
zação indevida da força. Além do mais, as vítimas e compatível com os direitos fundamentais à vida,
deste tipo de abuso são muitas vezes ilegalmente exe- à liberdade e à segurança da pessoa.
cutadas, assim se vendo privadas do seu direito à vida.
b. Normas internacionais sobre utilização da
469. Será conveniente recordar aos funcionários res- força – Aplicação prática
ponsáveis pela aplicação da lei as suas respon-
sabilidades relativamente ao fenómeno dos
desaparecimentos forçados ou involuntários, 1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO
nomeadamente: DAS NORMAS INTERNACIONAIS
Parta do princípio de que todas as armas estão Defina directivas claras para a participação de
carregadas. todos os incidentes que envolvem a utilização da
força ou de armas de fogo.
Estude e utilize técnicas de persuasão, mediação
e negociação. Regule de forma rigorosa o controlo, acondicio-
Planeie antecipadamente a utilização gradual e namento e distribuição de armas de fogo, nomea-
progressiva da força, começando pelos meios não damente instituindo procedimentos destinados a
violentos. garantir que todos os funcionários se responsabi-
lizam pelas armas e munições que lhes são con-
Esteja atento ao estado físico e mental dos seus cole- fiadas.
gas e intervenha sempre que seja necessário para
assegurar que recebam atenção, orientação e acon- Proíba a utilização de armas e munições que pro-
selhamento adequados. voquem lesões, danos ou riscos injustificados.
Assegure-se periodicamente de que os agentes
Recomendações destinadas a todos os funcionários apenas transportam consigo as armas e munições
com responsabilidades de comando e supervisão. que lhes são oficialmente atribuídas. Preveja san-
ções adequadas para qualquer agente em cuja
Estabeleça e aplique regulamentos internos cla- posse sejam encontrados materiais não distribuí-
ros sobre a utilização da força e de armas de fogo. dos pela via oficial (especialmente dispositivos
como balas de fragmentação, projécteis de ponta
Organize regularmente cursos de formação nos oca ou “dumdum”).
seguintes domínios: primeiros socorros, defesa
pessoal, utilização de equipamento defensivo, uti- Defina estratégias para diminuir o risco de os agen-
lização de armas não mortíferas, utilização de tes se verem forçados a utilizar armas de fogo.
124
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
2. EXERCÍCIO PRÁTICO 2). De que forma a utilização excessiva e abusiva da
força pela polícia torna o trabalho desta mais difícil?
Para fins de debate, imagine que, na zona onde tra-
balha, ocorreram os seguintes incidentes: 3). Qual o significado da expressão “utilização pro-
porcional da força” no contexto da actividade policial?
a) Durante uma patrulha, um agente policial
deparou-se com um homem que roubava um tran- 4). Que alternativas existem à utilização da força?
seunte. O ladrão ameaçou a vítima com uma Que conhecimentos técnicos especializados exigem
arma, roubando-lhe a pasta e a carteira e pondo- essas alternativas e de que forma podem os agen-
-se, de seguida, em fuga. O agente ordenou-lhe que tes receber formação neste domínio?
se detivesse. Como tal não acontecesse, puxou da
arma e disparou sobre o assaltante, que resultou 5). Em que circunstâncias se justifica a utilização
mortalmente ferido. intencional da força com consequências mortais por
parte da polícia?
b) Durante uma patrulha, um agente policial
deparou-se com duas pessoas que partiam a mon- 6). Por que razão o direito internacional não
tra de uma joalharia e furtavam uma grande quan- aceita a invocação de ordens superiores como jus-
tidade de jóias em exposição. Nenhuma delas tificação para a prática de violações de direitos
parecia estar armada e, logo que viram o agente, humanos?
puseram-se em fuga. O polícia ordenou-lhes que
se detivessem. Um dos assaltantes obedeceu, mas 7). Como podem as organizações policiais tornar
o outro continuou a fugir. O agente puxou do mais fácil aos agentes policiais a recusa do cum-
revólver e, depois de lhe ordenar uma vez mais que primento de ordens superiores ilegais passíveis
parasse, disparou e matou-o. O cúmplice, que de conduzir a violações de direitos humanos?
havia parado, foi detido.
8). De que formas pode a polícia proteger o
Comente a justificação legal para a utilização de direito à vida?
uma arma mortífera, em cada um destes casos,
tendo em conta: 9). As normas internacionais sobre a utilização
da força pela polícia encorajam o recurso a armas
• a legislação e directrizes sobre a utilização da força incapacitantes não mortíferas. Que armas desta
pela polícia em vigor no seu país; natureza conhece? Quais estão à sua disposição e
• os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e que perigos apresenta a sua utilização? Como
de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis podem estes perigos ser ultrapassados?
pela Aplicação da Lei, em particular o princípio 9.
10). Sempre que recorram à força, os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei têm a obrigação
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO de participar o facto aos seus superiores. A que
níveis de utilização da força se deverá aplicar esta
1). Por que razão os Estados e a comunidade obrigação? Como se podem descrever os diferen-
internacional estabelecem restrições à utilização da tes níveis de utilização da força a fim de que os fun-
força pela polícia? cionários saibam que casos devem participar?
*15
Distúrbios Internos,
Estados de Excepção
e Conflitos Armados
Objectivos do capítulo • Apresentar aos utilizadores do manual e aos participantes, que fre-
quentem cursos de formação, as normas de direitos humanos e de direito
humanitário aplicáveis às actividades de manutenção da ordem em situa-
ções excepcionais e indicar-lhe os limites das medidas excepcionais que podem
ser adoptadas nestas circunstâncias.
}
}
• Os direitos só podem ser alvo de restrições que sejam previstas pela lei.
• Toda a acção ou restrição ao exercício dos direitos deve visar unica-
mente a garantia do respeito pelos direitos e liberdades de terceiros e res-
ponder às justas exigências da moral, ordem pública e paz social.
127
*
Terceira Parte
• Devem ser envidados todos os esforços para limitar danos e ferimentos.
• Deve estar disponível uma panóplia de meios que permitam uma utili-
zação diferenciada da força.
• Uma medida excepcional não deve, em caso algum, dar origem a dis-
criminação baseada na raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social.
• Ninguém poderá ser condenado por uma infracção penal que não cons-
tituía um delito no momento da sua prática.
128
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
•O direito humanitário aplica-se em todas as situações de conflito
armado.
130
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
dos consiste no facto de o direito dos beligeran- lação a protecção deste direito e a proibição da pri-
tes utilizarem meios para atingir o inimigo não vação arbitrária da vida. Este direito encontra-se
ser ilimitado. Os princípios de proporcionalidade igualmente protegido pelas regras que restringem
(em relação às acções do adversário ou aos resul- o recurso à força pela polícia.
tados militares esperados das suas próprias
acções) e de selectividade (na escolha dos méto- [ii] Direito dos conflitos armados
dos, armamentos e alvos) decorrem deste princípio
fundamental. 484. O direito dos conflitos armados é composto
por dois grandes grupos convencionais (desig-
482. A repressão dos distúrbios civis é regida nados por «direito convencional da Haia» e
pelos princípios da necessidade e da proporcio- «direito convencional de Genebra») e por um
nalidade no recurso à força. Ambos os princípios certo número de regras consuetudinárias basea-
requerem respectivamente que a polícia não uti- das nos princípios fundamentais acima referi-
lize a força, a menos que tal se revele estritamente dos.
necessário para a aplicação da lei e manutenção da
N.T.1
ordem e que a aplicação da força seja proporcional 485. O «direito convencional da 18 de Assinada por Portugal a
Outubro de 1907. O
–por outras palavras, a força só deverá ser utilizada Haia» é essencialmente com- instrumento de ratificação
foi depositado a 13 de Abril
na estrita medida em que permita a aplicação da posto por uma série de declarações ção encontra-se publicado
de 1911. O texto da Conven-
b) o conflito armado não internacional ou […] em caso de guerra declarada ou de qualquer outro
guerra civil. conflito armado que possa surgir entre duas ou mais das
Altas Partes contratantes, mesmo que o estado de
488. As situações de tensões e distúrbios inter- guerra não seja reconhecido por uma delas.
nos, como por exemplo os tumultos e os actos
esporádicos de violência, que não constituem con- […] em todos os casos de ocupação total ou parcial do
flitos armados, não cabem no campo de aplicação território de uma Alta Parte
do direito internacional humanitário. contratante, mesmo que esta ocupação não encontre
qualquer resistência militar. […]
489. No que diz respeito às categorias de pessoas, dis-
tinguem-se principalmente os combatentes e os não NOTA PARA O FORMADOR: como iremos verificar
combatentes. De forma esquematizada, têm direito na secção «Conflito armado não internacional»
ao estatuto de combatente os membros das forças infra., o artigo 3.o comum às quatro Convenções de
armadas de uma parte no conflito que use as suas Genebra é a única disposição destas Convenções
armas abertamente. Este estatuto só é concedido àque- que visa os conflitos armados não internacionais.
les que combatam em conflitos armados internacio-
nais. As pessoas com direito ao estatuto de combatente: 493. O n.o 4.o do artigo primeiro do Protocolo Adi-
cional I às Convenções de Genebra alarga a definição
• têm o direito de participar nas hostilidades; do conflito armado internacional para nele incluir:
• têm o direito a ser consideradas como prisionei-
ros de guerra se forem capturadas pelo inimigo; […] os conflitos armados em que os povos lutam con-
• devem respeitar as leis da guerra; tra a dominação colonial e a ocupação estrangeira e
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
contra os regimes racistas no exercício do direito dos Por outras palavras, para serem considerados
povos à autodeterminação […] como combatentes os polícias devem fazer parte
de um serviço responsável pela aplicação da lei
[i] Estatuto da polícia oficialmente incorporado nas forças armadas de
uma parte no conflito. Este acto de incorporação,
494. No parágrafo 489 supra foi invocado o «esta- bem como a obrigação de notificação das outras par-
tuto de combatente», avançada uma definição tes, além de modificar o estatuto dos membros do
geral desta noção e precisados alguns direitos e serviço em causa, confirma igualmente o estatuto
obrigações dos combatentes. Com efeito, a definição civil dos polícias que pertençam a serviços não
do termo evoluiu ao longo dos anos, por forma a contemplados no n.o 3 do artigo 43.o.
ter em conta os tipos de conflitos em curso e os
desejos da comunidade internacional. 499. Finalmente, e ainda no que concerne o esta-
tuto das pessoas, a quarta Convenção de Genebra
495. Foi por exemplo assim que a definição de relativa à Protecção das Pessoas Civis em Tempo
combatente contida nos artigos 43.o e 44.o do Pro- de Guerra (título III, secção III, artigo 54.o) dis-
tocolo Adicional I às Convenções de Genebra não põe que:
opera uma distinção entre as forças armadas
muito organizadas de um Estado e as tropas A Potência ocupante não poderá modificar o estatuto dos
menos estruturadas dos movimentos de libertação. funcionários ou dos magistrados do território ocupado
Esta definição permite assim atribuir um reco- ou tomar contra eles sanções ou quaisquer medidas
nhecimento jurídico a certos tipos de guerrilhas sur- coercivas ou de diferenciação no caso de deixarem de
gidas nos conflitos recentes. exercer as suas funções por razões de consciência.
498. O artigo 43.o do Protocolo Adicional I contém DIREITOS – durante as hostilidades beneficiar da
no seu n.o 3 uma disposição importante, com a protecção conferida pelas medidas que regula-
seguinte redacção: mentam os métodos e meios de guerra e serem tra-
tados como prisioneiros de guerra se forem
A parte num conflito que incorpore, nas suas forças capturados pelo inimigo.
armadas, uma organização paramilitar ou um serviço
armado encarregado de fazer respeitar a ordem, deve RESPONSABILIDADES – na sua qualidade de com-
notificar esse facto às outras Partes no conflito. batentes implicados na luta contra o inimigo, res-
Por exemplo, o artigo 14.o da terceira Convenção a) Protecção dos prisioneiros de guerra
de Genebra dispõe que os prisioneiros de guerra
têm direito ao respeito pela sua pessoa e honra em Em virtude do artigo 12.o da terceira Convenção de
todas as circunstâncias. Genebra, a Potência detentora é responsável pelo
tratamento de que são alvos os prisioneiros de
d) Protecção das pessoas e das populações civis guerra. Como existem nesta Convenção disposições
sobre a evasão e captura dos prisioneiros de
Por exemplo, o artigo 51.o, n.o 2, do Protocolo guerra, as infracções cometidas por ou contra os
Adicional I dispõe que nem a população civil prisioneiros de guerra e ainda relativas aos pro-
enquanto tal, nem as pessoas civis devem ser alvo cessos judicias, é muito provável que as forças de
de ataques. O mesmo parágrafo proíbe ainda os polícia da Potência detentora sejam chamadas a
actos ou ameaças de violência cujo fim principal intervir.
é de espalhar o terror entre a população civil.
b) Protecção das pessoas e populações civis
501. É de notar que, em relação à regra vigente em
tempo de paz, as actividades correntes de manu- O capítulo VI, título IV, secção I, do Protocolo
tenção da ordem são «desviadas» para tarefas Adicional I visa a protecção civil no sentido do
decorrentes da situação criada pelo conflito. Este artigo 61.o, nomeadamente a realização de um
ponto será examinado de forma mais detalhada certo número de tarefas humanitárias destinadas
aquando da análise consagrada aos deveres dos a proteger a população civil contra os perigos das
polícias que não tenham o estatuto de combatente. hostilidades e a ajudar a superar os seus efeitos ime-
diatos. Em tempo de guerra, a polícia pode ser
502. Os agentes da força pública que não tenham chamada a realizar algumas destas tarefas, nomea-
o estatuto de combatente – como é o caso dos fun- damente os alertas, evacuações, salvamentos, loca-
134
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
lizações e sinalizações das zonas de perigo e o res- b) consoante a incidência que o conflito ou a
tabelecimento e a manutenção da ordem nas ocupação do território sobre eles exerça, respeitar
zonas sinistradas. as regras do direito internacional aplicáveis à sua
situação.
c) Manutenção da ordem sob a autoridade de
uma potência ocupante (d) Conflito armado não internacional
Por exemplo o artigo 43.o das Regras anexadas à 503. As quatro Convenções de Genebra de 1949 são
Convenção da Haia de 1907 impõe à Potência ocu- compostas por mais de 400 artigos muito deta-
pante que restabeleça e mantenha a ordem pública lhados. Por si só, o artigo 3.o comum às quatro Con-
e a segurança no território que ocupa. Esta dispo- venções visa a protecção das vítimas de conflitos
sição inclui a obrigação de respeitar as leis em «que não apresentem um carácter internacional»
vigor no país ocupado – a menos que seja expres- e estabelece regras mínimas para a protecção das
samente impedido de o fazer. pessoas que não participam activamente nas hos-
tilidades, incluindo os membros das forças arma-
São definidas nos artigos 64.o a 78.o da quarta Con- das postos fora de combate.
venção de Genebra e nos artigos 75.o a 77.o do Pro-
tocolo Adicional I regras mais detalhadas relativas à 504. Em 1977 as disposições do artigo 3.o comum
legislação penal e ao processo judicial. Estas regras às quatro Convenções de Genebra foram comple-
baseiam-se no princípio de que a legislação penal do tadas por um protocolo adicional à Convenções, o
território ocupado deve permanecer em vigor, a Protocolo II. Este instrumento composto por 28 arti-
menos que constitua uma ameaça para a Potência ocu- gos precisa a protecção de que devem beneficiar as
pante, caso esse em que a referida Potência ocu- vítimas dos conflitos armados não internacionais.
pante poderá revogá-la ou suspendê-la. Tanto este
último princípio como as regras dele decorrentes, têm [i] Artigo 3.o comum às Convenções
por objectivo dar às instituições e aos funcionários
do território ocupado a possibilidade de continuarem 505. O artigo 3.o comum às quatro Convenções de
a desempenhar as suas funções como no passado – Genebra confere uma protecção humanitária ele-
na medida em que tal seja possível. mentar a certas categorias de pessoas, através da
extensão dos princípios basilares das Convenções
As tarefas de natureza corrente de manutenção da aos conflitos armados não internacionais que
ordem seriam afectadas não só pelas condições ocorram no território de uma das partes. Nesse caso
gerais do conflito, mas também pelas condições cada parte no conflito deve aplicar «pelo menos»
específicas da ocupação do território. Os funcioná- as disposições do preceito, sendo o artigo 3.o por
rios policiais continuariam a exercer as suas funções vezes qualificado como «convenção dentro das
como no passado, a menos que se abstenham de o Convenções».
fazer por considerações de consciência ou sejam
afastados das suas responsabilidades pela Potência 506. O princípio fundamental de tratamento
ocupante, sendo todos estes casos contemplados humano é enunciado no primeiro parágrafo, que
no artigo 54.o da quarta Convenção de Genebra. define igualmente as pessoas cobertas pelo preceito,
a saber:
RESPONSABILIDADES – na sua qualidade de fun-
cionário da polícia em exercício das funções gerais As pessoas que não tomem parte directamente nas hos-
de aplicação da lei: tilidades, incluídos os membros das forças armadas
que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham
a) respeitar as leis e procedimentos nacionais, sido postas fora de combate por doença, ferimento,
nomeadamente aqueles que consagram normas detenção ou por qualquer outra causa, serão, em todas
internacionais em matéria de direitos humanos; as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
d) os actos de terrorismo e os atentados contra 517. A única protecção prevista para as pessoas
a dignidade da pessoa. que participam directamente nas hostilidades
encontra-se inscrita no artigo 4.o, n.o 1, que proíbe
512. O artigo 4.o prevê igualmente a protecção das ordenar que não haja sobreviventes.
crianças, designadamente a proibição de recrutar
crianças menores de quinze anos para as forças [iii] Estatuto
armadas e a proibição de as deixar participar nas
hostilidades. 518. As pessoas que participam nas hostilidades no
âmbito de um conflito armado não internacional
513. O artigo 5.o enuncia as garantias das pessoas são:
privadas de liberdade – sem qualquer distinção
quanto aos motivos desta privação e sem criar a) os membros das forças armadas, das forças de
um estatuto de prisioneiro de guerra, com o polícia ou de outras forças de segurança do Estado
objectivo de garantir que os detidos sejam tra- que estejam sujeitas ao direito internacional dos
tados com humanidade e que a sua segurança direitos humanos, ao direito internacional huma-
seja assegurada. nitário e ao direito penal nacional,
ou
514. O artigo 6. o diz respeito ao exercício da b) os membros dos grupos armados dissidentes
acção penal e à repressão de infracções penais rela- organizados que, em virtude do direito penal
cionadas com o conflito armado, enunciando as nacional, devem responder por terem recorrido
regras susceptíveis de garantir o respeito pelas nor- ilicitamente à força, pelos seus actos de insurrei-
mas elementares mínimas em matéria de processo ção e outras infracções que possam ter cometido
judicial. e que se encontram igualmente obrigados a res-
peitar o direito internacional humanitário, por
515. O título III do Protocolo comporta seis arti- serem uma «parte no conflito».
gos relativos às pessoas afectadas por um conflito
armado devido à sua qualidade de feridos, doen- [iv] Deveres e responsabilidades da polícia
tes ou náufragos. Este título reafirma o princípio
de humanidade do tratamento, enuncia regras 519. Nos conflitos armados não internacionais os
destinadas a garantir protecção e cuidados a esta funcionários policiais têm os seguintes deveres e
categoria de vítimas e a proteger o pessoal médico, responsabilidades:
as missões e unidades médicas e os transportes
sanitários. DEVERES – enquanto responsáveis pela aplicação
da lei:
516. O título IV do Protocolo contém seis artigos
relativos à protecção da população civil, obri- a) defrontar os grupos armados de oposição, de
gando as partes no conflito a garantirem à popu- acordo com as funções e capacidades do serviço
lação civil e às pessoas civis uma protecção geral encarregue da aplicação da lei e de acordo com a
contra os perigos resultantes de operações mili- situação geral;
tares, com a reserva de que as pessoas civis
gozam desta protecção « salvo se participarem b) proceder a investigações sobre a actuação dos
directamente nas hostilidades e enquanto durar membros dos grupos armados da oposição;
tal participação» (artigo 13.o, n. os 1 e 3). O n. o 2
do artigo 13.o proíbe que a população civil e as pes- c) realizar tarefas correntes de manutenção da
soas civis sejam objecto de ataques. Proíbe ordem que – tal como é o caso num conflito
igualmente os actos ou ameaças de violência armado internacional – serão «desviadas» das acti-
cujo objectivo principal é de espalhar o terror vidades normais desenvolvidas em tempo de paz,
entre a população civil. devido à situação criada pelo conflito.
a) Conflitos armados internacionais, aos quais 522. Certos peritos internacionais propuseram
são aplicáveis as quatro Convenções de Genebra, diversos tipos de distúrbios e tensões internas não
bem como o Protocolo Adicional I às Convenções assimiláveis a conflitos armados. Por seu lado, o
de Genebra; Comité Internacional da Cruz Vermelha identificou
b) Conflitos armados não internacionais de alta um certo número de características comuns, as
intensidade, nos quais as forças rebeldes exercem quais se encontram presentes, total ou parcialmente,
um controlo sobre uma parte do território que lhes nas situações de distúrbios civis. Assim, os distúrbios
permite desenvolver operações militares contínuas internos foram descritos da seguinte forma:
e concertadas e aplicar o presente Protocolo. Estes
conflitos entram no campo de aplicação do Proto-
N.T.2
… situações nas quais não existe Vide International Review
of the Red Cross (Genebra),
colo II Adicional às Convenções de Genebra e do um conflito armado não interna- 28o ano, n.o 262 ( Janeiro-Feve-
reiro de 1988), p. 12.
artigo 3.o comum às quatro Convenções de Genebra; cional enquanto tal, mas em que
c) Situações de violência especificamente se verifica uma confrontação no seio do país, apresen-
excluídas do n.o 2 do artigo 1.o do Protocolo II, tando uma certa gravidade ou duração e envolvendo actos
a saber: as situações de tensão e de perturbação de violência. Estes últimos podem revestir diversas for-
internas, tais como motins, actos de violência iso- mas, indo desde a geração espontânea de actos de
lados e esporádicos e outros actos análogos, que não revolta até à luta entre grupos mais ou menos organi-
são considerados como conflitos armados. zados e as autoridades no poder. Nestas situações, que
não degeneram necessariamente em lutas abertas, as
Esta última categoria de conflitos será agora exa- autoridades no poder fazem apelo a vastas forças de polí-
minada sob a rubrica geral «Distúrbios internos». cia, podendo mesmo incluir as forças armadas, para res-
tabelecer a ordem interna. O elevado número de
NOTA PARA O FORMADOR: apesar de a distinção vítimas tornou necessária a aplicação de um mínimo de
entre conflitos armados e distúrbios ou tensões regras humanitáriasN.T.2.
internas não estar prevista no artigo 3.o comum às
quatro Convenções, este preceito refere-se clara- 523. O termo «tensões internas» refere-se a situa-
mente aos conflitos armados implicando hostili- ções de tensões graves (quer elas sejam políticas,
dades entre as forças armadas. religiosas, raciais, económicas ou outras) ou às
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
sequelas de um conflito armado ou de distúrbios pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação
internos. Os distúrbios e tensões internas podem da Lei:
incluir:
12). Dado que a todos é garantido o direito de par-
a) introdução de diversas formas de detenção – ticipação em reuniões lícitas e pacíficas, de acordo
maciças e prolongadas; com os princípios enunciados na Declaração Universal
dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional
b) torturas e sevícias contra os detidos; sobre os Direitos Civis e Políticos, os Governos e os
serviços e funcionários responsáveis pela aplicação
c) suspensão das garantias judiciárias funda- da lei devem reconhecer que a força e as armas de
mentais; fogo só podem ser utilizadas de acordo com os prin-
cípios 13 e 14.
d) desaparecimentos forçados e outros actos de
violências como a tomada de reféns; 13). Os funcionários responsáveis pela aplicação da
lei devem esforçar-se por dispersar as reuniões ilegais
e) medidas repressivas contra as famílias e mas não violentas sem recurso à força e, quando isso
conhecidos dos detidos; não for possível, limitar a utilização da força ao estri-
tamente necessário.
f ) campanhas de terror no N.T.3
Ibid., p. 13.
seio da população civilN.T.3. 14). Os funcionários responsáveis pela aplicação da
lei só podem utilizar armas de fogo para dispersarem
[ii] Normas internacionais reuniões violentas se não for possível recorrer a
meios menos perigosos, e somente nos limites do estri-
524. O direito internacional dos direitos humanos tamente necessário. Os funcionários responsáveis
aplica-se, tanto em tempo de paz como em tempo pela aplicação da lei não devem utilizar armas de
de guerra, ao conjunto das categorias de conflitos, fogo nesses casos, salvo nas condições estipuladas no
nomeadamente a: princípio 9.
140
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
devem ser procurados e recolhidos;
b) Os feridos e doentes devem ser protegidos e 537. Os actos de terrorismo são contrários aos fins
tratados; e princípios da Carta das Nações Unidas, e
c) Devem ser colocados à disposição dos orga- foram condenados pela Assembleia Geral em
nismos humanitários meios que lhes permitam diversas resoluções, nomeadamente em 1970
socorrer as vítimas. pela Declaração sobre os Princípios de Direito
Internacional relativos às Relações Amigáveis e
534. Os três textos, que traduzem os princípios e à Cooperação, em conformidade com a Carta
normas em vigor, podem ser ainda utilizados como: das Nações Unidas, a qual proíbe expressamente
o terrorismo.
a) afirmações das normas internacionais em
matéria de direitos humanos e direito humanitá- [i] Definições e tipos de terrorismo
rio pertinentes e aplicáveis em situações de dis-
túrbios e tensões internos; 538. O terrorismo é uma noção vaga e frequen-
b) instrumentos para a educação e formação dos temente muito politizada, de forma que é difí-
funcionários policiais sobre estas normas; cil chegar a um acordo sobre uma definição do
c) instrumento de investigação teórica, estraté- conceito para fins jurídicos. Nenhum dos ins-
gica e táctica para fazer face às situações de dis- trumentos internacionais relativos à matéria
túrbios civis. tratada neste capítulo definem o que é o terro-
rismo.
[iv] Deveres e responsabilidades da polícia
539. Os estudos teóricos neste domínio permitiram
535. Em períodos de distúrbios civis, os deveres e identificar um determinado número de definições
responsabilidades dos funcionários policiais são os e distinguir entre os diferentes tipos de terro-
seguintes: rismo. A principal distinção opõe:
DEVERES – na qualidade de responsáveis pela apli- a) O terrorismo de direito comum – que obedece
cação da lei, devem restabelecer a paz e desenvol- a um móbil estritamente criminoso,
ver tarefas gerais de manutenção da ordem. e
b) o terrorismo político – com motivações pura-
RESPONSABILIDADES – na qualidade de respon- mente políticas,
sáveis pela aplicação da lei, devem respeitar as
normas internacionais em matéria de direitos apesar de se admitir que as duas intenções se
humanos e direito humanitário, e respeitar a legis- encontrem por vezes misturadas.
lação nacional, especialmente as leis que consa-
gram normas internacionais em matéria de direitos 540. É feita igualmente a distinção entre:
humanos.
a) O terrorismo de Estado – os actos perpetra-
536. É do conhecimento geral que, em período de dos pelos representantes do Estado para fins
distúrbios civis, os serviços de polícia têm res- repressivos,
ponsabilidades imensas e contraditórias, e que os e
polícias são pessoalmente expostos a graves peri- b) o terrorismo contra o Estado – os actos sub-
gos. No entanto, os funcionários responsáveis pela versivos perpetrados por grupos ou pessoas pri-
aplicação da lei são obrigados a aplicar as regras vadas.
destinadas a proteger os direitos humanos e os prin-
cípios humanitários de forma absoluta.
(f ) Terrorismo
[ii] Actos de terror praticados durante conflitos [iii] Cooperação internacional na luta contra
armados o terrorismo
N.T7
545. Os actos de terror são expressamente proibi- 548. A violência causada pelo Assinada por Portugal a
16 de Junho de 1980 e apro-
dos tanto durante os conflitos armados interna- terrorismo é proibida por um vada para ratificação pela
Resolução da Assembleia
cionais como não internacionais, em virtude das certo número de instrumentos da República n.o 3/84,
de 8 de Fevereiro de 1984,
seguintes disposições: internacionais que definem os publicada no Diário
da República, I Série,
meios de luta contra os actos de n.o 33/84. O instrumento
de ratificação foi depositado
CONFLITOS ARMADOS INTERNACIONAIS – O artigo terror que visam certos alvos junto do Secretário-Geral
das Nações Unidas
51.o do Protocolo Adicional I às Convenções de específicos. Tal é, por exemplo, a 6 de Julho de 1984.
Genebra de 1949 proíbe os actos ou ameaças de o caso da Convenção Interna-
violência cujo objectivo principal é espalhar o ter- cional contra a Tomada de RefénsN.T.7, adoptada pela
ror entre a população civil (n.o 2). Assembleia Geral em 1979.
CONFLITOS ARMADOS NÃO INTERNACIONAIS – 549. Convém ainda chamar a atenção dos partici-
O artigo 13.o do Protocolo Adicional II às Con- pantes em cursos de formação para as Medidas de
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Luta contra o Terrorismo Internacional, propostas nos instrumentos que proíbem a tortura e a escra-
em 1990 pelo Oitavo Congresso das Nações Uni- vatura.
das sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos
Delinquentes, as quais constituem um guia útil para 553. As disposições do parágrafo 28 são impor-
coordenar a luta contra o terrorismo internacional tantes, já que na luta contra o terrorismo os próprios
quer a nível nacional como internacional. Estados não devem recorrer a métodos terroristas.
550. O parágrafo 5.o das Medidas insta a um [iv] Deveres e responsabilidades da polícia
reforço da cooperação internacional para a pre-
venção da violência provocada pelo terrorismo, 554. Os deveres e responsabilidades dos funcio-
enumerando um certo número de acções que nários policiais em matéria de terrorismo são os
deveriam ser tomadas, nomeadamente: seguintes:
552. O parágrafo 28 trata especificamente das pes- 556. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis
soas acusadas ou condenadas pela prática de cri- e Políticos dispõe, no seu artigo 4.o, que os Esta-
mes terroristas. Estas pessoas devem ser tratadas dos podem adoptar medidas derrogatórias das
de forma não discriminatória e em conformidade obrigações previstas no Pacto se um perigo
com os princípios e normas em matéria de direi- público de natureza excepcional, proclamado por
tos humanos reconhecidos internacionalmente, um acto oficial, ameaçar a existência da nação.
tais como os que são enunciados na Declaração Uni- Estas medidas devem:
versal dos Direitos do Homem e no Pacto Inter- a) ser estritamente necessárias pelas exigências
nacional sobre os Direitos Civis e Políticos e ainda da situação;
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
-Geral do Conselho da Europa plenamente informado 3. CONCLUSÕES
sobre as medidas tomadas e motivos que as provo-
caram. Devem igualmente informar o Secretário- 567. Os instrumentos examinados no presente
-Geral do Conselho da Europa da data em que essas capítulo distinguem diversos níveis de distúrbios
disposições tiverem deixado de estar em vigor. internos e conflitos armados: distúrbios internos
que não constituem um conflito armado, conflitos
565. A Convenção Europeia não autoriza qualquer armados não internacionais de fraca ou forte
derrogação aos seguintes artigos: intensidade e conflitos armados internacionais.
Devemos, no entanto, relembrar que a maior parte
a) direito à vida (artigo 2.o), exceptuando os das reuniões pacíficas e legais permanecem legais
casos em que a morte resultar de um acto lícito de e pacíficas, não degenerando em tumultos. Da
guerra; mesma forma, a maior parte dos distúrbios civis
b) proibição da tortura e penas ou tratamentos violentos não terminam em conflitos armados e a
cruéis, desumanos ou degradantes (artigo 3.o); maior parte das guerras civis não se transforma em
c) proibição da escravatura e servidão (artigo 4.o, conflitos interestaduais.
n.o 1);
d) proibição das leis retroactivas (artigo 7.o). 568. É, no entanto, importante saber que existem por
vezes riscos de recrudescimento e que a polícia tem
[ii] Responsabilidades da polícia um papel crucial a desempenhar com vista à pre-
venção deste tipo de evolução. Nos casos em que as
566. É especialmente difícil defender e proteger os pessoas exercem o seu direito de reunião pacífica no
direitos humanos em período de conflito armado respeito pela lei, a polícia tem o dever de as ajudar a
ou de distúrbios civis. E é precisamente durante este exercer este direito, devendo tomar todas as medi-
género de situações que os Estados são mais fre- das preventivas necessárias para evitar qualquer inci-
quentemente levados a tomar medidas derrogató- dente violento. Contudo, se ocorreram estes tipos de
rias. Quando tal se verifica, os funcionários desordem, a intervenção policial poderá levar a uma
responsáveis pela aplicação da lei têm a obrigação diminuição, ou a um aumento dos distúrbios.
absoluta de:
569. A capacidade da polícia prevenir desacatos
a) respeitar e proteger o núcleo de direitos e restabelecer a ordem rapida e humanamente
humanos não derrogáveis a todo o momento e em depende da aplicação das estratégias e tácticas de
qualquer circunstância; manutenção da ordem mais apropriadas. Neste
b) respeitar as medias que ainda garantem pro- contexto, revestem-se de importância primordial as
tecção de todos os outros direitos humanos, após técnicas de manutenção da ordem e, por conse-
as derrogações decididas pelo Governo. guinte, a formação prática.
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
• Os prisioneiros de guerra estão unicamente obrigados a revelar a sua iden-
tidade, devendo ser tratados com humanidade. É proibido infligir-lhes tor-
turas físicas ou psicológicas.
}
}
Recomendações destinadas Distúrbios civis
aos funcionários
com responsabilidades
de comando e supervisão
• Elaborar instruções claras de respeito pelas reuniões e a agrupamentos
livres e pacíficos.
• Ordenar aos agentes da força pública que façam prova de tolerância relati-
vamente aos agrupamentos ilegais, mas pacíficos, que não constituam uma
ameaça, a fim de não provocar uma escalada inútil. Aquando da elaboração
das estratégias de disciplina das multidões, convém relembrar que o seu objec-
tivo é, antes de mais, de manutenção da ordem e da segurança e de proteger
os direitos humanos, e não a aplicação de tecnicismos jurídicos relativos à neces-
sidade de autorizações ou a comportamentos ilegais não ameaçadores.
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS c) Os autores de atentados contra a ordem
pública e de actos contrários à lei serão detidos, a
Exercício n.o 1 menos que a sua detenção imediata possa agravar
seriamente a situação.
Você é informado de que, na cidade onde exerce o d) Deve ser excluído o recurso à força, salvo em
seu poder de polícia, está prevista uma manifestação casos de ameaça imediata contra a vida ou a
contra a discriminação racial. No seguimento de con- segurança de terceiros, ou se for absolutamente
tactos entre a polícia e os organizadores da mani- necessário para proceder a detenções ou impedir
festação, você toma conhecimento de que são desacatos graves.
esperados mais de 10 000 manifestantes e que a e) O recurso às armas de fogo é proibido,
manifestação será pacífica e não violenta. excepto em caso de ameaça iminente de morte ou
de ferimento grave.
O itinerário combinado com os organizadores atra-
vessará a cidade e os manifestantes dirigir-se-ão à TAREFA: tendo em conta a situação inicial, os
Câmara Municipal, com vista a entregar uma peti- novos factos ocorridos e os princípios que devem
ção ao Presidente, que por sua vez fará uma decla- enquadrar as tarefas de manutenção da ordem:
ração pública. Os manifestantes são escoltados
através da cidade por polícias em trajes normais 1). Elabore um plano para manter a ordem
(isto é, sem escudos nem capacetes) e é igualmente durante a manifestação.
combinado com os organizadores que a polícia fará
prova de tolerância permanecendo a sua presença 2). Indique o número de agentes policiais que
discreta. deveria ser destacado.
Dois dias antes da data fixada para a manifes- 3). Concretize o tipo e quantidade de equipa-
tação você toma conhecimento, através dos mento especial que entregaria aos agentes policiais
seus informadores, que grupos extremistas ou que teria disponível em reserva.
hostis decidiram confrontar os manifestantes
perto da Câmara Municipal e perturbar o des- 4). Descreva a estrutura hierárquica no seio do ser-
file esperando, desta forma, provocar graves viço de polícia encarregue de dar ordens e de asse-
incidentes e desacreditar os objectivos da gurar que não existem incidentes.
mobilização. Os militantes extremistas recu-
sam qualquer diálogo com a polícia, sendo difí- 5). Indique as principais responsabilidades de
cil obter mais pormenores sobre os seus cada escalão hierárquico.
planos. As estimativas apontam para que estes
sejam cerca de 700. 6). Descreva a táctica que aplicaria para enqua-
drar a manifestação e indique a forma como ela per-
Por razões de princípio foi decidido que a mitiria alcançar os objectivos de manutenção da
manifestação seria mesmo assim autorizada e ordem.
que seria protegido o direito de reunião pacífica
dos manifestantes. Os grandes princípios que 7). Enumere os factos que comunicaria aos orga-
enquadram as tarefas de manutenção da ordem nizadores da manifestação no que diz respeito às
neste género de manifestações são os seguin- intenções dos contra-manifestantes extremistas e
tes: justifique a sua escolha.
a) Deve ser preservada a ordem pública dentro 8). Indique as instruções que daria aos agentes
do respeito pelos direitos humanos. policiais relativamente à utilização da força, de-
b) Não serão tolerados os atentados contra a tenções e respeito geral pelos direitos humanos e
ordem pública e os actos contrários à lei. pelos princípios humanitários. Concretize as ins-
150
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
no Protocolo Adicional II às Convenções de Gene- 8). Quais são as vantagens e inconvenientes dos
bra de 1949 confere uma protecção às pessoas seguintes meios para reprimir os distúrbios civis:
que participam nas hostilidades. Parece-lhe que gás lacrimogéneo, matracas, munições em plástico
seria interessante estender alguma forma de pro- ou borracha e mangueira de água?
tecção aos combatentes na conduta das hostilida-
des, tal como foi o caso nas regras relativas aos 9). Como é que o oficial que dirige a intervenção
conflitos armados internacionais? da polícia aquando de um tumulto grave e que
ordena que a multidão seja espancada com matra-
4). Em que medida é que um código de conduta cas, poderá preservar a sua autoridade e dominar
que definisse as regras de comportamento aplicá- a situação, isto é como poderá ele fazer com que
veis em período de distúrbios civis poderia ajudar os polícias obedeçam às suas ordens sem fazer
a polícia? uma utilização excessiva da força?
5). Quais são os direitos humanos fundamen- 10). Em que medida é que lhe parece interessante
tais não derrogáveis que correm um especial risco que as unidades de polícia sejam especialmente trei-
de ser violados em caso de conflito armado não nadas para intervirem em casos de distúrbios públi-
internacional ou de distúrbios civis graves? Porque cos? Esta fórmula apresenta igualmente inconvenientes.
é que ocorrem atentados aos direitos humanos Quais são eles e como poderão ser evitados?
nestes tipos de situações?
11). Poderá a utilização incorrecta de armas nor-
6). Porque é que devemos respeitar os direitos das malmente não letais (tais como o gás lacrimogé-
pessoas que perpetraram actos terroristas ou que neo e as munições em borracha) causar a morte e
são suspeitas da prática de tais actos? ferimentos graves? Como? Como podem estes aci-
dentes ser evitados?
7). De que forma é que a polícia pode ajudar os
indivíduos a exercerem o seu direito de reunião
pacífica?
GRUPOS NECESSITADOS
DE PROTECÇÃO ESPECIAL
OU TRATAMENTO DISTINTO
153
*
Quarta Parte
cap
ítu
lo
*16
Polícia e Protecção de Jovens
Objectivos do capítulo • Proporcionar aos utilizadores do manual uma compreensão básica das
normas internacionais de direitos humanos aplicáveis a jovens que tenham
contacto com o sistema de justiça penal, e sensibilizá-los para a importância
de proteger todas as crianças contra o abuso e tomar medidas para pre-
}
• As crianças devem ser tratadas de uma forma que promova o seu sen-
tido de dignidade e valor pessoal, que facilite a sua reintegração na socie-
dade, que reflita o interesse superior da criança e que tenha em conta as
necessidades de uma pessoa daquela idade.
155
*
Quarta Parte
• As medidas de coacção física e de utilização da força em crianças devem
ser excepcionais, ser unicamente utilizadas quando todas as outras medi-
das de controlo tenham sido exaustas e ser unicamente aplicadas pelo mínimo
período de tempo necessário.
• Os funcionários e agentes que lidam com jovens devem receber uma for-
mação adequada e ter qualidades pessoais que os tornem aptos a desem-
penhar essas funções.
• Devem ser efectuadas visitas periódicas e visitas não anunciadas por ins-
pectores aos estabelecimentos de jovens.
a. Normas internacionais sobre a polícia Em relação a este último ponto, é reconhecido que
e a protecção de jovens – Informação para o facto de um jovem ser qualificado como «delin-
apresentações quente» ou como «criminoso» contribui fre-
quentemente para o desenvolvimento de um
comportamento sistematicamente anti-social e
1. INTRODUÇÃO indesejável por parte desse jovem.
570. Os jovens devem gozar de todos os direitos e 572. Para que a lei e as medidas de prevenção do
liberdades discutidos nos capítulos precedentes crime sejam aplicadas de forma eficaz e humana é
deste manual, não devendo por exemplo ser sujei- necessária a consciencialização e respeito, por parte
tos a prisão arbitrária. Os jovens detidos devem ser da polícia, por boas práticas em matéria de protec-
tratados humanamente e não devem ser sujeitos ção de jovens e de prevenção da delinquência juve-
a tortura. Todas as limitações ao uso da força pela nil. A legislação e a prática a que é feita referência,
polícia ser-lhes-ão aplicáveis. tal como se encontra consagrada em instrumentos
de direito internacional, será considerada infra.
571. O jovens são ainda protegidos por instrumen-
tos que reflectem normas internacionais que têm em
conta o seu estatuto e as suas necessidades particu- 2. ASPECTOS GERAIS RELATIVOS AO PAPEL
lares. A comunidade internacional, por intermédio DA POLÍCIA E À PROTECÇÃO DOS JOVENS
das Nações Unidas, reconhece a importância de:
(a) Princípios fundamentais
a) proteger o bem-estar de todos os jovens que
estejam em conflito com a lei; 573. Assegurar o bem-estar dos jovens e o afastá-los
b) proteger os jovens contra o abuso, a negli- do sistema de justiça penal constituem princípios
gência e a exploração; fundamentais de direitos humanos e de protecção
c) adoptar medidas especiais para prevenir a de jovens. Estes princípios são também funda-
delinquência juvenil. mentais para a prevenção da delinquência juvenil.
156
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
Todas as disposições detalhadas que serão conside- ver o bem-estar do jovem e reduzir a necessi-
radas neste capítulo decorrem destes princípios. dade de intervenção da lei e tratar de forma efi-
caz, equitativa e humanitária o jovem em conflito
(b) Disposições específicas em matéria de com a lei;
direitos humanos, polícia e protecção de d) a justiça juvenil deve ser concebida como
jovens parte integrante do processo de desenvolvimento
nacional de cada país;
574. Serão consideradas as disposições de cinco e) a aplicação destas Regras deve ser feita den-
instrumentos que consagram normas interna- tro do contexto das condições económicas, sociais
cionais relativas a jovens. Contudo, deverá ser e culturais existentes em cada Estado membro;
feita igualmente referência aos capítulos XII e XIII f ) os serviços de justiça de jovens devem ser
supra, nos quais são consideradas as disposições sistematicamente desenvolvidos e coordenados
específicas relativas à prisão e detenção de tendo em vista aperfeiçoar e apoiar a capacidade
jovens, no contexto das normas gerais relativas dos funcionários que trabalham nestes serviços, em
à prisão e detenção. especial os seus métodos, modos de actuação e
atitudes.
[i] Regras Mínimas das Nações Unidas
para a Administração da Justiça de Menores 578. A regra n.o 2 define um jovem como
(Regras de Beijing)
qualquer criança ou pessoa jovem que, em rela-
575. As Regras de Beijing são consagradas num ins- ção ao sistema jurídico considerado, pode ser
trumento detalhado composto por 30 regras con- punido por um delito, de forma diferente da de um
tidas em seis partes, a saber: “Princípios Gerais”, adulto.
“Investigação e Procedimento”, “Julgamento e
Decisão”, “Tratamento em Meio Aberto”, “Trata- O comentário à regra n.o 2 salienta o facto de que
mento em Instituição” e “Investigação, Planifica- os limites de idade dependem expressamente de
ção, Formulação de Políticas e Avaliação”. cada sistema jurídico, respeitando assim total-
mente os sistemas económicos, sociais, políticos
576. A PRIMEIRA PARTE (PRINCÍPIOS GERAIS) con- e culturais dos Estados membros.
tém nove regras, podendo aquelas que têm uma rele-
vância directa para os agentes responsáveis pela 579. A regra n.o 3 requer que as disposições per-
aplicação da lei, ser resumidas da seguinte forma: tinentes das presentes Regras sejam aplicadas
não só aos delinquentes juvenis, mas também
577. A regra n.o 1 consagra as “orientações funda- aos jovens que possam ser processados por qual-
mentais” nos termos das quais: quer comportamento específico, que não seria
punido se fosse cometido por um adulto. Procu-
a) os Estados membros promovem o bem-estar rar-se-ão alargar os princípios contidos nas pre-
do jovem; sentes Regras a todos os jovens aos quais se
b) os Estados membros criam condições que apliquem medidas de protecção e de assistência
assegurem ao jovem uma vida útil na comuni- social.
dade, fomentando um processo de desenvolvi-
mento pessoal e de educação afastado, tanto 580. A regra n.o 4 relaciona-se com a idade da res-
quanto possível, de qualquer contacto com a cri- ponsabilidade penal, determinando que nos sis-
minalidade e a delinquência; temas jurídicos que reconhecem a noção de
c) medidas positivas que assegurem a mobili- responsabilidade penal em relação aos jovens, esta
zação completa de todos os recursos existentes, não deve ser fixada a um nível demasiado baixo,
incluindo a família, a comunidade, as instituições “tendo em conta os problemas de maturidade afec-
comunitárias e as escolas, com o fim de promo- tiva, psicológica e intelectual”.
[…] Em relação aos delinquentes juvenis deve ter-se em 586. A regra n.o 8 destina-se a proteger o direito
conta não só a gravidade da infracção, mas também as à vida privada. Nos termos desta disposição o
circunstâncias pessoais. As circunstâncias individuais direito do jovem à vida privada deve ser respei-
do delinquente (tais como a condição social, a situação tado em todas as fases, com vista a evitar que seja
familiar, o dano causado pela infracção ou outros fac- prejudicado por uma publicidade inútil ou pelo
tores em que intervenham circunstâncias pessoais) processo de estigmatização. Em princípio, não
devem influenciar a proporcionalidade da decisão (por deve ser publicada nenhuma informação que
exemplo, tendo em conta o esforço do delinquente para possa conduzir à identificação de um delin-
indemnizar a vítima ou o seu desejo de encetar uma vida quente juvenil.
sã e útil). […]
587. A SEGUNDA PARTE (INVESTIGAÇÃO E PRO-
583. A regra n.o
6 diz respeito à margem de dis- CEDIMENTO) contém quatro regras, que poderão ser
cricionariedade, e exige um poder discricionário resumidas da seguinte forma:
suficiente em todas as fases do processo e a dife-
rentes níveis da administração da justiça juvenil, 588. A regra n.o 10 diz respeito ao primeiro con-
designadamente nas fases de instrução, de acusa- tacto e determina que:
ção, de julgamento e de aplicação e seguimento das
medidas tomadas. As pessoas que exercem este a) sempre que um jovem é detido, os pais ou o
poder discricionário devem ser especialmente tutor devem ser imediatamente notificados ou, no
qualificadas ou formadas para o exercer judicio- caso de tal não ser possível, a notificação deverá ser
samente. feita com a maior brevidade após a detenção;
b) um juiz ou qualquer outro funcionário ou
584. O comentário à regra n.o 6 salienta a neces- organismo competente deverá examinar imedia-
sidade de: tamente a possibilidade de libertar o jovem;
c) os contactos entre os organismos encarrega-
a) se permitir o exercício do poder discricioná- dos de fazer cumprir a lei e o jovem delinquente
rio em todas as fases importantes do processo, deverão ser estabelecidos de forma a respeitar o esta-
para que as pessoas que tomam decisões possam tuto jurídico do jovem, favorecer o seu bem-estar
adoptar as medidas consideradas mais apropriadas e evitar prejudicá-lo, tendo em conta as circuns-
em cada caso; tâncias do caso.
b) prever medidas de controlo e equilíbrio que
limitem o abuso do poder discricionário; 589. O comentário à regra n.o 10 afirma que o
c) proteger os direitos do jovem delinquente. envolvimento em processos de justiça juvenil pode
em si mesmo ser «nocivo» para os jovens e requer
585. É feita uma referência específica aos direi- que o termo «evitar prejudicá-lo» seja interpre-
tos dos jovens delinquentes na regra n. o 7, que tado de forma lata. Salienta igualmente a impor-
exige garantias fundamentais, que deverão ser tância deste aspecto no primeiro contacto com as
158
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
agências responsáveis pelo cumprimento da lei, já 595. No que concerne as unidades especializadas
que ele poderá influenciar profundamente a atitude de polícia dentro das cidades, o comentário afirma
de um jovem face ao Estado e à sociedade. O que o aumento da delinquência juvenil é asso-
comentário salienta que a benevolência e a fir- ciado ao desenvolvimento das grandes cidades, e
meza são essenciais em tais situações. que tais unidades são indispensáveis, não só para
a aplicação das disposições das Regras, mas tam-
590. A regra n.o 11 exige que, sempre que possível, bém para melhorar a prevenção e o controlo da cri-
os casos dos delinquentes juvenis sejam tratados minalidade juvenil.
evitando o recurso a um processo judicial. A polí-
cia e as outras agências que se ocupam de casos 596. A regra n.o 13 requer que a prisão preventiva
envolvendo jovens poderão lidar com eles discri- constitua uma medida de último recurso e que a
cionariamente, evitando o recurso ao formalismo sua duração seja o mais curta possível. Os jovens
processual penal estabelecido. sob prisão preventiva devem estar separados dos
adultos e devem receber cuidados, protecção e
591. O comentário à regra n.o 11 salienta que o toda a assistência de que necessitem, tendo em
recurso a meios extrajudiciais, que permite evitar um conta a sua idade, sexo e personalidade.
processo penal e implica, muitas vezes, o encami-
nhamento para os serviços comunitários, é comum- 597. O comentário à regra n.o 13 realça o perigo da
mente aplicado em vários sistemas jurídicos, de «contaminação criminal» dos jovens presos pre-
forma oficial e oficiosa. Acrescenta que em muitas ventivamente e sublinha a necessidade de medidas
situações, a não intervenção é a melhor solução e que alternativas.
o recurso a meios extrajudiciais desde o começo, sem
encaminhamento para serviços (sociais) alternativos, 598. A TERCEIRA PARTE (JULGAMENTO E DECI-
pode constituir a melhor resposta. Tal sucede, SÃO) contém nove regras, a maioria das quais não
sobretudo, quando o delito não é de natureza grave tem uma relevância directa para os agentes da
e quando a família, ou outras instituições de controlo polícia.
social informal já reagiram, ou estão em vias de
reagir, de modo adequado e construtivo. 599. A regra n.o 14 determina que, no caso de um
jovem delinquente não ter sido alvo de um processo
592. É sublinhada ainda a importância de assegu- extrajudicial (previsto na regra n.o 11), este deve ser
rar o consentimento do delinquente juvenil (dos julgado pela autoridade competente em confor-
seus pais ou tutor) para as medidas extrajudiciais midade com os princípios de um processo justo e
recomendadas. equitativo. A regra n.o 15 dispõe que, durante todo
o processo, o jovem tem o direito a ser represen-
593. A regra n.o 12 exige que os polícias que se tado pelo seu advogado e a que os seus pais ou tutor
ocupam frequentemente, ou exclusivamente, de participem no processo.
menores ou que se dedicam essencialmente à pre-
venção da delinquência juvenil recebam uma 600. Nos termos do artigo 16.o, as autoridades
instrução e formação especiais. Com este fim, competentes devem dispor de relatórios de
deveriam ser criados nas grandes cidades serviços inquérito social relativos aos delinquentes juve-
especiais de polícia destinados a lidar com delin- nis antes de pronunciarem o julgamento. O
quentes juvenis e com a prevenção da criminali- artigo 17. o enuncia detalhadamente princípios
dade juvenil. orientadores para as autoridades envolvidas no jul-
gamento e na decisão. A regra n.o 18 estabelece
594. O comentário à regra n.o 12 sublinha que, diversas medidas para as disposições do julga-
sendo a polícia sempre o primeiro ponto de con- mento e o artigo 19.o estipula que o recurso à colo-
tacto com o sistema de justiça juvenil, é importante cação numa instituição deve ser o menor
que ela actue de maneira informada e adequada. possível.
160
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
de prevenção da delinquência. Estas medidas 611. A PARTE III (PREVENÇÃO GERAL) corres-
devem evitar criminalizar e penalizar um jovem ponde ao parágrafo 9, que contém nove subpará-
por um comportamento que não cause danos grafos. Em resumo este parágrafo exige a
sérios ao seu desenvolvimento, nem prejudi- instituição de planos de prevenção detalhados em
que terceiros. Tais políticas e medidas devem todos os níveis da administração pública que
envolver: incluam:
162
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
tida por um adulto, não seja penalizada quando Aplicação das Regras”, “Jovens sob Detenção ou que
cometida por um jovem; Aguardam Julgamento”, “A Administração dos
f ) o pessoal de administração da justiça de Estabelecimentos de Menores” e “Pessoal”.
ambos os sexos deve ser formado para responder
às necessidades especiais dos jovens e estar fami- 617. Este instrumento é aplicável a todos os tipos
liarizado e usar as possibilidades e programas e formas de estabelecimentos e instituições, nos
alternativos que permitam subtrair os jovens ao sis- quais existem jovens privados da sua liberdade. Con-
tema judiciário; tudo, o essencial das suas disposições diz respeito
g) deve ser adoptada e estritamente aplicada legis- às instituições onde os jovens são detidos por um
lação para proteger as crianças e os jovens contra o longo período de tempo, tendo em vista o seu tra-
consumo de drogas e o tráfico de estupefacientes; tamento e readaptação, e não a detenção nas
esquadras de polícia. A detenção dos jovens pela
615. A PARTE VII (INVESTIGAÇÃO, ELABORAÇÃO DE polícia tem normalmente uma curta duração e é
POLÍTICAS E COORDENAÇÃO) contém sete pará- realizada por razões ligadas com a protecção ime-
grafos. Aqueles que dizem respeito às pessoas e diata do jovem ou com a investigação criminal.
organismos responsáveis pela aplicação da lei
podem resumir-se da seguinte forma: 618. Os princípios e disposições que se revelam de
interesse para os funcionários responsáveis pela
a) Devem ser desenvolvidos esforços e estabe- aplicação da lei ou que se revestem de maior
lecidos mecanismos para promover a interacção e importância no tratamento de jovens detidos pela
coordenação entre entidades e serviços económi- polícia são considerados infra.
cos, sociais, educativos e de saúde, o sistema judi-
ciário, os organismos para a juventude, os 619. A SECÇÃO I (PERSPECTIVAS FUNDAMENTAIS)
organismos comunitários e de desenvolvimento e contém 10 regras, podendo ser resumidas da
outras instituições relevantes. seguinte forma aquelas que se revestem de impor-
b) A troca de informações, experiência e conhe- tância para os casos de detenção pela polícia:
cimentos técnicos, obtidos através de projectos,
programas e iniciativas relativas à criminalidade a) O sistema de Justiça de Menores deverá
juvenil, à prevenção da delinquência e à justiça de garantir os direitos e a segurança, e promover o
menores, deve ser intensificada, a nível nacional, bem-estar físico e mental dos jovens.
regional e internacional. b) A privação de liberdade de um jovem deve ser
c) A cooperação regional e internacional em maté- uma medida de último recurso e deve ser tomada
ria de criminalidade juvenil, prevenção da delin- pelo período mínimo necessário;
quência e justiça juvenil que envolva práticos, peritos c) As Regras devem ser aplicadas de forma
e pessoas responsáveis pela tomada de decisões na imparcial, sem discriminação de qualquer espécie
matéria, deve ser desenvolvida e fortalecida. quanto à raça, cor, sexo, língua ou religião. As
d) Deve ser encorajada a colaboração na realização crenças religiosas, as práticas culturais e os con-
de trabalhos de investigação sobre as modalidades ceitos morais dos jovens devem ser respeitados.
eficazes de prevenção do crime e da delinquência d) Os jovens que não sejam fluentes na língua falada
juvenis, devendo os resultados de tais investigações pelo pessoal do estabelecimento de detenção devem
ser amplamente difundidos e avaliados. ter direito aos serviços gratuitos de um intérprete.
[iii] Regras das Nações Unidas para a Protecção 620. A SECÇÃO II (ÂMBITO E APLICAÇÃO DAS
dos Menores Privados de Liberdade REGRAS) contém seis regras, a primeira das quais
compreende as seguintes definições:
616. Estas Regras são enunciadas num instru-
mento detalhado de 87 regras contidas em cinco a) Menor é qualquer pessoa que tenha menos de 18
secções: “Perspectivas Fundamentais”, “Âmbito e anos. A idade limite abaixo da qual não deve ser per-
164
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
instrumentos examinados no presente capítulo 630. Em virtude do artigo 2. o, os Estados Par-
– por exemplo aquelas que dizem respeito aos tes comprometem-se a garantir os direitos
jovens presos ou aguardando julgamento, expos- enunciados na Convenção a todas as crianças
tas no parágrafo 622. que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, sem
distinção alguma, independentemente de qual-
625. É, no entanto, importante colocar ênfase quer consideração de raça, cor, sexo, língua ou
numa disposição específica da secção IV destas religião.
Regras, a saber a regra 56, nos termos da qual a
família ou o tutor dos jovens deve ser avisado ime- 631. O artigo 3.o dispõe que, em todas as decisões
diatamente: relativas a crianças adoptadas por instituições
públicas ou privadas de protecção social, por tri-
a) em caso de morte do jovem detido; bunais, autoridades administrativas ou órgãos
b) em caso de doença que exija a transferên- legislativos, o interesse superior da criança será tido
cia do jovem para um estabelecimento médico primacialmente em conta.
exterior;
c) se o estado de saúde do jovem obrigar a cui- 632. As matérias tratadas na Convenção que
dados na enfermaria do estabelecimento, por um dizem respeito às pessoas e organismos respon-
período superior a 48 horas. sáveis pela aplicação da lei podem ser classificadas
sob as rubricas «Protecção dos direitos», «Protec-
626. A SECÇÃO V (PESSOAL) inclui sete artigos ção contra a exploração» e «Protecção das crianças
detalhados relativos às qualificações, à selecção, à em situações especiais». As disposições em causa
formação e ao comportamento do pessoal das ins- encontram-se resumidas infra.
tituições especializadas no tratamento e readapta-
ção de jovens. Protecção dos direitos
633. Nos termos do artigo 6.o da Convenção, os
[iv] Convenção sobre os Direitos Estados Partes reconhecem que toda a criança tem
da Criança um direito inerente à vida e asseguram, na medida
do possível, a sobrevivência e o desenvolvimento
627. Este importante instrumento é composto por da criança.
54 artigos que prevêem uma protecção completa
da criança. 634. O artigo 8.o enuncia o direito da criança a
preservar a sua identidade, incluindo a sua nacio-
628. O preâmbulo da Convenção: nalidade, nome e relações familiares, nos termos
da lei e sem ingerência ilegal.
a) recorda que a Declaração Universal dos Direi-
tos do Homem proclamou que a infância tem 635. O artigo 12.o obriga os Estados a garantirem
direito a uma ajuda e assistência especiais; à criança com capacidade de discernimento o
b) reconhece que em todos os países do mundo, direito de exprimir livremente a sua opinião sobre
há crianças que vivem em condições particular- as questões que lhe digam respeito. Para este fim,
mente difíceis e que importa assegurar uma aten- deve ser nomeadamente dada à criança a possibi-
ção especial a essas crianças. lidade de ser ouvida nos processos judiciais que lhe
interessem, seja directamente, seja através de um
629. Nos termos do artigo primeiro da Convenção representante.
deve ser considerado como criança
636. O artigo 13.o enuncia o direito à liberdade de
[…] todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos expressão, que inclui a liberdade de procurar, rece-
termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade ber e expandir informações e ideias de toda a espé-
mais cedo. cie, sem considerações de fronteiras, sob forma oral,
637. O artigo 14.o protege o direito da criança à liber- a) que seja capaz de favorecer o seu sentido de
dade de pensamento, de consciência e de religião. dignidade e valor;
Os pais ou o tutor têm o direito de orientar a b) que reforce o seu respeito pelos direitos huma-
criança no exercício deste direito. nos e as liberdades fundamentais de terceiros;
c) que tenha em conta a sua idade e a necessi-
638. O artigo 15.o enuncia o direito à liberdade de dade de facilitar a sua reintegração social e o assu-
associação e à liberdade de reunião pacífica. mir de um papel construtivo no seio da sociedade.
642. O artigo 40.o impõe aos Estados a obrigação 647. O artigo 34.o estipula que os Estados devem
de reconhecerem, a qualquer criança suspeita, proteger as crianças contra todas as formas de
166
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
exploração e violência sexuais. Para atingir este beneficie de adequada protecção e assistência
fim serão adoptadas medidas para evitar: humanitária, de forma a permitir o gozo dos direi-
tos reconhecidos pela Convenção e por outros ins-
a) que as crianças sejam incitadas ou coagidas trumentos internacionais relativos aos direitos
a dedicarem-se a uma actividade sexual ilícita; humanos ou de carácter humanitário.
b) que as crianças sejam exploradas para fins
de prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; 652. O artigo 35.o diz respeito ao rapto, venda ou
c) que as crianças sejam exploradas para fins tráfico de crianças e solicita aos Estados que
de produção de espectáculos ou materiais de carác- tomem todas as medidas apropriadas nos planos
ter pornográfico. nacional, bilateral e multilateral para evitar tais
abusos.
648. O artigo 36.o requer aos Estados que protejam
as crianças contra todas as formas de exploração 653. O artigo 38.o prende-se com os conflitos
prejudiciais a qualquer aspecto do seu bem-estar. armados e impõe aos Estados que respeitem e
façam respeitar as regras do direito internacional
Protecção das crianças em situações humanitário aplicáveis às crianças. Os Estados
especiais devem, em particular:
649. O artigo 9.o diz respeito à separação das
crianças dos seus pais, e exige que os Estados asse- a) tomar todas as medidas pos-
N.T.1
Foi entretanto adoptado,
a 25 de Maio de 2000, pela
gurem que as crianças não sejam separadas dos síveis na prática para garantir que Assembleia Geral das
Nações Unidas, o Protocolo
seus pais contra a sua vontade, a menos que as auto- nenhuma criança com menos de Facultativo à Convenção
sobre os Direitos da
ridades competentes decidam que esta separação 15 anos participe directamente Criança, relativo ao Envolvi-
mento de Crianças em Con-
é necessária de acordo com o interesse superior da nas hostilidadesN.T.1; flitos Armados, que
aumenta a idade para
criança, sob reserva de revisão judiciária e em con- b) abster-se de incorporar nas a participação de crianças
em conflitos armados de 15
formidade com a legislação e procedimentos apli- forças armadas as pessoas que para 18 anos.o Noso termos
do artigo 10. , n. 1, o Pro-
cáveis. não tenham a idade de 15 tocolo entrará em vigor três
meses após o depósito do
anosN.T.2; décimo instrumento de rati-
ficação.
650. Nos casos em que a separação é resultado das c) nos termos das obrigações N.T.2
O mesmo Protocolo
medidas adoptadas por um Estado, tais como a contraídas à luz do direito inter- Facultativo à Convenção
sobre os Direitos da Criança
detenção, a prisão, o exílio, a expulsão ou a morte nacional humanitário para a fixa a idade mínima para
o recrutamento obrigatório
de um ou de ambos os pais ou da própria criança, protecção da população civil em em 18 anos (artigo 2.o)
e exige aos Estados Partes
o preceito obriga o Estado, se tal lhe for solicitado, caso de conflito armado, os que aumentem a idade
mínima para o recruta-
a dar aos pais, à criança ou a outro membro da famí- Estados Partes na presente Con- mento voluntário «em
anos» (artigo 3.o, n.o 1).
lia as informações essenciais sobre o paradeiro do venção devem tomar todas as
membro ou membros ausentes da família, a medidas possíveis na prática para assegurar pro-
menos que a divulgação destas informações seja tecção e assistência às crianças afectadas por um
prejudicial ao bem-estar da criança. conflito armado.
651. O artigo 22.o diz respeito aos refugiados e [v] Regras Mínimas das Nações Unidas
solicita aos Estados que adoptem medidas apro- para a Elaboração de Medidas não Privativas
priadas para que uma criança: de Liberdade (Regras de Tóquio)
a) que requeira o estatuto de refugiado, ou 654. As Regras de Tóquio são enunciadas num
b) que seja considerada refugiado, de harmonia instrumento detalhado composto por 23 artigos
com as normas e processos de direito internacio- repartidos por oito rubricas intituladas: «Princípios
nal ou nacional aplicáveis, quer se encontre só, gerais», «Antes do processo», «Processo e conde-
quer acompanhada de seus pais ou de qualquer nação», «Aplicação das penas», «Execução das
outra pessoa, medidas não privativas de liberdade», «Pessoal»,
657. As disposições enunciadas nas Regras relati- 664. O artigo 3.o enuncia as garantias jurídicas
vas à polícia e às suas funções na administração da destinadas a assegurar o respeito pela legalidade,
justiça juvenil são resumidas infra. a proteger os direitos do delinquente, a sua dig-
nidade, segurança e vida privada, quando são con-
658. Os artigos relativos aos «Princípios gerais» sideradas ou aplicadas medidas não privativas da
dizem respeito aos objectivos fundamentais, ao liberdade. Em particular:
campo de aplicação das medidas não privativas de
liberdade e às garantias jurídicas. a) A escolha da medida não privativa da liberdade
baseia-se na avaliação da natureza e da gravidade
659. O artigo primeiro enuncia os objectivos fun- do delito, da personalidade e dos antecedentes do
damentais do instrumento, a saber formular uma delinquente, do objecto da condenação e dos direi-
série de princípios de base que visam favorecer o tos das vítimas.
168
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
b) As medidas não privativas da liberdade que policiais estão envolvidos na supervisão de medi-
acarretem uma obrigação para o delinquente, e das não privativas da liberdade.
que sejam aplicáveis antes ou em vez do processo,
requerem o consentimento do delinquente. 670. Os artigos da rubrica «Pessoal» prendem-se
com o recrutamento e a formação e os artigos da
665. Os artigos relativos à «Fase anterior ao pro- rubrica «Voluntariado e outros recursos da colec-
cesso» dizem respeito às medidas que podem ser tividade» tratam da participação da colectividade,
adoptadas antes do processo e aos meios de evitar da compreensão e cooperação por parte do público
a detenção provisória. e finalmente dos voluntários.
666. O artigo 5.o exige que a polícia, o Ministério 671. Nos artigos da rubrica «Pesquisa, planificação,
Público ou os outros serviços com competências elaboração das políticas e avaliação» é sublinhada,
em matéria de justiça penal estejam habilitados a inter alia, a importância de que se revestem:
retirar as acusações contra o delinquente, desde que
tal seja apropriado e compatível com o sistema a) a pesquisa sobre os problemas que enfrentam
jurídico e se considerarem não ser necessário ter os indivíduos em causa, os práticos a comunidade
recurso a um processo judiciário para os fins de: e os responsáveis (artigo 20.o, n.o 2);
b) as avaliações regulares para que a aplicação das
a) protecção da sociedade: medidas não privativas de liberdade seja mais efi-
b) prevenção do crime; caz (artigo 21.o, n.o2);
c) promoção do respeito pela lei e pelos direitos c) a ligação entre os serviços responsáveis
das vítimas. pelas medidas não privativas da liberdade, os
outros sectores do sistema de justiça penal e os
Cada sistema jurídico fixará critérios para determinar organismos de desenvolvimento e de protecção
se é conveniente retirar as acusações contra o delin- social (artigo 22.o).
quente ou para decidir qual o processo a seguir.
}
Recomendações destinadas • Receber uma formação especializada sobre o tratamento e cuidados efi-
a todos os agentes policiais cazes e humanos a prestar aos delinquentes juvenis.
Recomendações destinadas • Encorajar o recurso a uma série de disposições como alternativas ao tra-
aos funcionários tamento de crianças em instituições, incluindo as medidas de protecção,
com responsabilidade de ajuda e de supervisão, a orientação, a liberdade condicional, o inter-
de comando e supervisão
namento numa instituição, os programas de ensino e de formação profis-
sional, bem como outras medidas adequadas e proporcionais à situação.
170
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
ção, os detalhes sobre as notificações enviadas aos pais, os seus problemas
de saúde (física ou mental) e a indicação das pessoas encarregues pela sua
guarda ou tratamento.
• Se tal for possível, criar um serviço especial para jovens, composto por
peritos que se dedicarão ao estudo da criminalidade juvenil e aos casos de
vitimização dos jovens.
172
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
medidas tomadas em relação aos delinquentes 7). Os Princípios Orientadores das Nações Uni-
juvenis permanecem sempre proporcionais às cir- das para a Prevenção da Delinquência Juvenil
cunstâncias do delinquente e à infracção? Propo- (Princípios Orientadores de Riade) afirmam que «o
nha a introdução de melhorias para assegurar um comportamento ou conduta dos jovens, que não é
melhor respeito pelo princípio da proporcionali- conforme às normas e valores sociais gerais, faz
dade. muitas vezes parte do processo de maturação e
3). Os jovens suspeitos de terem cometido um crescimento e tende a desaparecer espontanea-
delito têm três importantes direitos ou garantias mente na maior parte dos indivíduos na transição
de processo, a saber o direito ao silêncio, o direito para a idade adulta» (parágrafo 5 e). Está de
à assistência judiciária e o direito à presença de um acordo? Se esta afirmação estiver correcta no seu
dos pais ou de um tutor em todas as fases do pro- conjunto, quais são as suas implicações para a
cesso. Como é que estes direitos são garantidos pelo polícia no plano da acção e da prática policiais?
sistema de justiça penal em que você trabalha? 8). Os Princípios Orientadores de Riade reco-
Quais são os limites estabelecidos a estes direitos? mendam que os organismos públicos se encarre-
Proponha melhorias para que estas garantias guem mais especialmente das crianças sem
sejam respeitadas. habitação ou que vivam na rua, e que lhes assegu-
4). Em certos países, a polícia participa em pro- rem os serviços necessários. É igualmente reco-
gramas de reinserção dos delinquentes juvenis no mendado que os jovens possam obter, sem
âmbito da comunidade. Quais são as vantagens e dificuldades, informações sobre os equipamentos,
inconvenientes desta participação? meios de habitação, possibilidades de emprego e
5). Reflita sobre a forma como o serviço respon- outras fontes de assistência a nível local (parágrafo
sável pela aplicação da lei em que você trabalha 38). Em que medida é que a polícia deveria ser
poderá contribuir para um programa de investi- envolvida neste contexto? Através de que outros
gação sobre as causas e prevenção da criminalidade meios é que a polícia poderá contribuir para a pro-
juvenil. Que informações poderão ser fornecidas tecção e ajuda às crianças sem habitação?
pelo seu serviço? Que competências técnicas pode- 9). Imagine que o governo do seu país produz
rão ser oferecidas pelo seu serviço? Será que o seu uma brochura informativa sobre o abuso de
serviço cooperaria nesse tipo de investigação no caso álcool, drogas e outras substâncias nocivas aos
de esta ser desenvolvida por uma universidade no jovens, com vista à sua difusão pelo público.
seu país? Diversos organismos públicos enviam informa-
6). Quais são os meios utilizados pelos sistema ções e conselhos para esta brochura. Quais são as
de justiça penal no âmbito do qual você trabalha informações e conselhos que a polícia deveria pro-
para evitar que sejam instaurados processos por incluir na brochura?
penais contra jovens por um comportamento 10). Explique as modalidades de acordo com as
que não prejudique gravemente nem o interes- quais os funcionários da polícia e os professores
sado nem um terceiro? Existem outros meios? devem cooperar com vista à prevenção da exploração
Quais? e abuso de crianças.
*17
Aplicação da lei e os direitos das mulheres
Objectivos do capítulo • Permitir que os utilizadores do manual compreendam o essencial das nor-
mas internacionais relativas aos direitos humanos aplicáveis às mulheres
na administração da justiça e sensibilizar os utilizadores para a necessidade
de eliminar a discriminação baseada no sexo nas actividades de aplicação
da lei, bem como para o importante papel desempenhado pela polícia na
luta contra todas as formas de violência contra as mulheres.
}
}
Princípios fundamentais • As mulheres têm direito a gozar de forma igual todos os direitos nos domí-
nios político, económico, social, cultural, civil e outros.
• A polícia deve fazer prova de uma diligência razoável para prevenir qual-
quer acto de violência dirigido contra as mulheres, investigar estes casos e
proceder às detenções, independentemente do facto de os seus autores
serem funcionários públicos ou particulares, ou destes actos terem sido come-
tidos em casa, na colectividade ou em instituições oficiais.
• A polícia deve tomar rigorosas medidas oficiais para evitar que as mulheres
sejam vítimas de violência e assegurar a prevenção da revitimização imputá-
vel a omissões ou a práticas policiais que não tenham em conta o sexo da vítima.
175
*
Quarta Parte
• A violência contra as mulheres constitui um crime e deve ser tratada
enquanto tal, mesmo quando ocorra no seio da família.
176
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
2. ASPECTOS GERAIS DOS DIREITOS DAS MULHERES nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qual-
E A APLICAÇÃO DA LEI quer outra situação. […]
(b) Disposições específicas relativas aos 687. O artigo 3.o do Pacto Internacional acrescenta
direitos das mulheres e à aplicação da lei uma exigência suplementar, a saber que os Esta-
dos Partes devem assegurar a homens e mulheres
683. No âmbito da matéria abordada no presente o igual gozo de todos os direitos civis e políticos
capítulo, parece apropriado examinar as disposi- consagrados no Pacto.
ções específicas, classificando-as sob duas gran-
des rubricas: «Protecção das mulheres» e «As 688. Existem dois instrumentos internacionais
mulheres polícias». A primeira rubrica será sub- que abordam especificamente a discriminação
dividida da seguinte forma: «As mulheres e a contra as mulheres: a Declaração sobre a Eliminação
discriminação», «As mulheres vítimas de vio- da Discriminação contra as Mulheres e a Con-
lência doméstica», «As mulheres vítimas de vio- venção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
lação e outros delitos sexuais», «As mulheres Discriminação contra as Mulheres.
detidas» e «A protecção das mulheres em
período de conflito». 689. Nos termos do artigo 1.o da Declaração, a dis-
criminação contra as mulheres «é fundamental-
[i] A protecção das mulheres mente injusta e constitui um atentado contra a
dignidade humana».
a. As mulheres e a discriminação
684. Deve ser feita igualmente referência ao capí- 690. Nos termos do artigo 2.o devem ser tomadas
tulo X do manual, sobre Polícia e Não Discrimi- todas as medidas apropriadas para abolir as leis, cos-
nação, onde se encontram informações e fontes tumes, regulamentos e práticas em vigor que cons-
sobre a questão da não discriminação em geral. tituam uma discriminação contra as mulheres, e
para assegurar uma protecção jurídica adequada da
685. Os principais instrumentos em matéria de igualdade de direitos de homens e mulheres.
direitos humanos proíbem a discriminação no
exercício dos direitos humanos. Por exemplo o 691. Nos termos do artigo 3.o devem ser tomadas
artigo 2.o da Declaração Universal dos Direitos do todas as medidas apropriadas para educar a opinião
Homem dispõe que: pública e incutir, em todos os países, o desejo de
abolir os preconceitos e suprimir as práticas
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as baseadas na ideia de inferioridade da mulher.
liberdades proclamados na presente Declaração, sem dis-
tinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de 692. O artigo 8.o da Declaração dispõe que devem
língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem ser tomadas todas as medidas apropriadas,
178
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
702. Esta exigência é enunciada no artigo 1.o do Domestic Violence: a Resource Manual, publicado
Código de Conduta para os Funcionários Respon- pelo Centro das Nações Unidas para a o Desenvolvi-
sáveis pela Aplicação da Lei, o qual dispõe que os mento Social e Assuntos Humanitário em 1993. Os
agentes dos serviços de polícia devem cumprir, a parágrafos que se seguem são extractos deste manual
todo o momento, o dever que a lei lhes impõe, ser- e pretendem dar uma visão geral das questões que
vindo a comunidade e protegendo todas as pessoas se revestem de interesse para os serviços de polícia.
contra actos ilegais. O artigo 2.o do referido Código
refere que a polícia deve respeitar e proteger a 706. DEFINIÇÃO: existem diversas definições, mas em
dignidade humana, e defender e proteger os direi- substância, entendem-se por «violência doméstica» as
tos fundamentais de todas as pessoas. sevícias físicas ou a violência moral exercidas sobre a
mulher pelo seu parceiro do sexo masculino. As mani-
b. As mulheres vítimas de violência domés- festações deste fenómeno vão desde as simples agres-
tica sões ao homicídio, passando pelos insultos verbais
703. A violência infligida contra as mulheres pelos repetidos, pela reclusão e pela privação de rendimentos.
seus parceiros do sexo masculino constitui uma vio-
lação grave dos seus direitos. Quando esta violên- 707. AMPLITUDE DO PROBLEMA: é difícil medir a
cia se produz, tal significa que o Estado falhou no incidência da violência doméstica, já que este con-
seu dever de proteger o direito à segurança da pes- siste, em grande parte, num problema ocultado,
soa e talvez mesmo o direito à vida, em relação a podendo ser actualmente detectado em muitas
uma ou mais pessoas sob a sua jurisdição. famílias dos países desenvolvidos ou em desen-
volvimento. Este problema afecta as famílias de
704. É em parte graças aos serviços de manuten- todas as classes sociais e atravessa todas as cliva-
ção da ordem que os Estados podem assegurar o gens culturais. Aparentemente nenhuma região do
respeito por estes dois direitos fundamentais e é mundo está ao abrigo deste fenómeno.
por esta razão que a questão da violência domés-
tica constitui um elemento importante da forma- 708. As causas de natureza individual, tais como
ção em matéria de direitos humanos ministrada aos o alcoolismo ou a toxicodependência, puderam
responsáveis pela aplicação da lei. Porém, a inter- ser isoladas mas, de acordo com certas teorias,
venção da polícia nos casos de violência doméstica, são a dependência social, política e económica da
constitui uma questão técnica de manutenção da mulher em relação ao homem que criam uma
ordem na qual entram em jogo considerações que estrutura social na qual o homem pode perpetrar
afectam matérias como a política, a prática, o actos de violência contra as mulheres.
comando, o enquadramento, a formação e as rela-
ções com os outros serviços e grupos sociais. 709. Apesar de poderem ser identificadas causas
individuais para o problema, tais como o abuso do
705. O fenómeno da violência doméstica foi álcool ou de drogas, certas teorias sugerem que a
objecto de inúmeras pesquisas e os organismos dependência social, política e económica das
responsáveis pela aplicação da lei devem asse- mulheres em relação aos homens, fornece a estru-
gurar que todos os sectores intervenientes na tura através da qual os homens cometem actos de
manutenção da ordem estão plenamente infor- violência contra as mulheres.
mados sobre as boas práticas fundadas nesta pes-
quisa. Tal pode, por exemplo, ser feito através 710. Há quem defenda que as origens desta vio-
do contacto directo com os serviços de polícia lência se encontram nas estruturas sociais, costumes
dos Estados onde já tenham sido desenvolvidas e crenças de ordem cultural – por exemplo aquelas
estratégias eficazes. que dizem respeito à superioridade masculina.
NOTA PARA OS FORMADORES: algumas destas estra- 711. Devem, por isso, ser adoptados métodos e polí-
tégias foram descritas em Strategies for Confronting ticas especiais para enfrentar a violência doméstica,
a) uma intensa formação da polícia sobre a 715. Dada a gravidade e amplitude do fenómeno
forma de lidar com este fenómeno; da violência doméstica e o papel crítico desem-
b) um serviço de consultas familiares que possa penhado pela polícia através das suas interven-
intervir 24 horas por dia em situações de crise; ções, recomenda-se que todos os serviços de
c) centros de acolhimento de emergência para polícia:
mulheres e crianças;
d) centros de consulta onde as mulheres possam a) sejam dotados de princípios directores que
obter ajuda e apoio psicológico; rejam a acção da polícia;
e) tratamento para os homens que cometam b) assegurem uma organização eficaz das suas
actos de violência e de agressão (para além da ins- intervenções para fazer face a este problema.
tauração de processos penais).
716. Os princípios directores incluem nomeada-
Estas condições só poderão ser preenchidas no mente:
âmbito de uma acção na qual intervenham vários ser-
viços, o que depende dos recursos disponíveis. Nos a) uma definição da violência doméstica;
casos em que os recursos sejam limitados, a colec- b) uma explicação do regime jurídico aplicável
tividade deve desempenhar um papel mais activo. à violência doméstica;
c) uma exposição clara daquilo que se espera
713. Quando seja aplicada a lei penal, existem nor- das intervenções da polícia nos casos de inciden-
malmente dois processos possíveis, a saber: tes devidos a violência doméstica;
d) um resumo dos processos destinados a pro-
a) os autores dos actos de violência podem ser teger as vítimas;
examinados nos casos em que o inquérito, provas e) um especial enfoque em relação à responsa-
e testemunhos recolhidos tenham permitido cons- bilidade da polícia para a orientação das vítimas para
tatar que foi cometida uma infracção penal; os serviços de apoio apropriados;
b) a autoridade judiciária pode, nos casos em que f ) o reconhecimento da necessidade da polícia
a legislação o previr, emitir um despacho judicial des- colaborar com os outros profissionais dos servi-
tinado a proteger a vítima contra quaisquer novos ços comunitários em todos os estádios da sua
180
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
intervenção em casos particulares e, em geral, no dos seus direitos e um acto criminal de uma gra-
seu envolvimento com o problema. vidade extrema. Isto significa, à semelhança do
que sucede nos casos de violência doméstica, que
717. A organização eficaz das intervenções inclui o Estado falhou em proteger o direito à segurança
nomeadamente: da pessoa e possivelmente mesmo o direito à vida
de uma ou mais pessoas que se encontram sob a
a) o estabelecimento de unidades especiais sua jurisdição. Por esta razão, e também porque a
encarregues dos casos de violência doméstica; violação e as outras agressões sexuais constituem
b) o desenvolvimento, para as intervenções de emer- infracções penais, a polícia deve ser eficaz tanto no
gência, técnicas e práticas orientadas para a vítima plano da prevenção, como no plano da detecção des-
que melhorem o apoio proporcionado às mesmas; tas infracções, mas também de assegurar um tra-
c) assegurar a realização de inquéritos efectivos tamento humano e profissional às vítimas.
sobre os delitos que resultem dos incidentes cau-
sados pela violência doméstica. 721. A PREVENÇÃO exige o desenvolvimento de
estratégias preventivas eficazes, tanto num plano
718. Todas estas recomendações são inspiradas geral como para fazer face a situações que apre-
nas políticas, práticas e técnicas de manutenção da sentem um risco acrescido de vitimização, por
ordem elaboradas nos serviços de polícia de não ter sido detectada uma ou mais infracções
alguns Estados Membros da Organização das anteriores.
Nações Unidas. Os serviços de polícia que pre-
tendem melhorar o seu funcionamento nos domí- 722. No âmbito das estratégias de prevenção, a
nios em questão deveriam inspirar-se nos polícia deverá por exemplo aconselhar as mulhe-
conhecimentos e competências técnicas já exis- res sobre a conduta a adoptar para evitarem ser
tentes. vítimas de agressões sexuais, assegurar um serviço
de segurança reforçada nas zonas de elevado risco
719. COOPERAÇÃO INTERDEPARTAMENTAL: a vio- e, enfim, investigar os suspeitos, controlá-los de
lência doméstica constitui um problema complexo forma eficaz e em conformidade com a lei.
exigindo o recurso a profissionais que exerçam a sua
actividade em diferentes domínios e à comunidade 723. As actividades de prevenção, nos casos de ris-
em geral. Entre aqueles que geralmente se vêem cos acrescidos de violência, devem incluir conse-
envolvidos, encontramos os educadores, os membros lhos mais específicos sobre as condutas a adoptar
de organizações religiosas, os trabalhadores sociais, para evitar as violações e um desdobramento per-
o pessoal médico-sanitário, o pessoal dos serviços de tinente de pessoal e de outros meios, ambos
alojamento, os membros de associações de defesa baseados no exame e avaliação do risco específico.
das mulheres e as pessoas que trabalham em cen-
tros de acolhimento e refúgios para as vítimas de vio- 724. A DETECÇÃO exige a aplicação dos meios téc-
lência doméstica. É essencial que a polícia e as nicos necessários que se prendam com todos os
pessoas ou grupos em questão cooperem para que aspectos da investigação criminal e a detecção de
possa ser adoptada a abordagem interdisciplinar infracções, nomeadamente:
necessária, por forma a evitar qualquer duplicação
das intervenções e permitir que as funções essen- a) a interrogação das vítimas, as testemunhas e
ciais de uma organização ou de um grupo não sub- os vizinhos;
vertam as acções de outros. b) a recolha e conservação dos relatórios médico-
-legais;
c. As mulheres vítimas de violação c) o interrogatório dos suspeitos.
e de outros delitos sexuais
720. Qualquer tipo de violência sexual infligida Compete aos funcionários com responsabilidades
contra as mulheres constitui uma violação grave de comando e supervisão da polícia assegurar a
182
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
mulheres detidas possam ser respeitados – sobre- cunstâncias. Estes dois artigos enunciam as con-
tudo no que diz respeito à regra que impõe a deten- dições a respeitar para que estas pessoas sejam
ção de mulheres e homens em locais separados. tratadas com humanidade e estipulam expressa-
mente que as mulheres devem ser tratadas com
e. A protecção das mulheres em período deferências especiais devidas ao seu sexo.
de conflito
732. Apesar de o direito internacional dos direitos 736. A terceira Convenção de Genebra Relativa ao
humanos continuar a ser aplicável em período de Tratamento dos Prisioneiros de Guerra contém
conflito, o seu efeito pode ser diminuído através diversas medidas sobre a protecção das mulheres.
de medidas derrogatórias tomadas pelo Governo O artigo 14.o enuncia a regra geral nos termos da
para fazer frente a estados de emergência. Contudo, qual as mulheres devem ser tratadas com todas as
nos casos em que o conflito assume as proporções deferências especiais devidas ao seu sexo e diver-
de um conflito armado, o direito internacional sos artigos contêm disposições específicas relati-
humanitário torna-se aplicável e é especialmente vas nomeadamente às condições de detenção e às
concebido para regular a conduta das hostilida- sanções disciplinares ou judiciárias.
des e proteger as vítimas do conflito.
737. A quarta Convenção de Genebra Relativa à Pro-
733. Convém referir o capítulo XV do presente tecção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra
manual, consagrado aos Distúrbios Internos, Esta- contém uma disposição geral sobre a protecção
dos de Emergência e Conflitos Armados, no qual das mulheres, enunciada no artigo 27.o, nos termos
foram expostos todos os princípios e disposições do qual as mulheres serão especialmente protegi-
de direito internacional humanitário relacionados das contra qualquer ataque à sua honra e parti-
com a aplicação da lei em período de conflito. As cularmente contra a violação e a prostituição
medidas derrogatórias autorizadas pelos instru- forçada ou contra qualquer forma de atentado ao
mentos de direitos humanos são examinadas na sec- seu pudor.
ção A.2 g) daquele capítulo.
738. A secção III do Título IV do Protocolo Adicional
734. O direito internacional humanitário, tal como às Convenções de Genebra de 1949 (Protocolo I) diz
o direito internacional dos direitos humanos, con- respeito ao tratamento das pessoas em poder de uma
têm medidas para a protecção dos direitos e do esta- parte no conflito e o seu artigo 76.o prende-se com
tuto especial das mulheres. As medidas aplicáveis a protecção das mulheres, dispondo que:
em conflitos armados internacionais e não inter-
nacionais são resumidas infra, sendo igualmente a) as mulheres devem ser objecto de um respeito
examinados os princípios extraídos do direito especial e protegidas nomeadamente contra a vio-
internacional humanitário que dizem respeito aos lação, a prostituição forçada e qualquer outra
distúrbios e tensões que não constituem um con- forma de atentado ao pudor;
flito armado. b) os casos de mulheres grávidas ou de mães de
crianças de tenra idade delas dependentes e que
735. CONFLITO ARMADO INTERNACIONAL: o ar- forem presas, detidas ou internadas por razões
tigo 12.o da primeira Convenção de Genebra Para ligadas ao conflito armado serão examinados com
Melhorar a Situação dos Feridos e Doentes das For- prioridade absoluta;
ças Armadas em Campanha e o artigo 12.o da c) na medida do possível, as Partes no conflito
segunda Convenção de Genebra para Melhorar a procurarão evitar que a pena de morte seja pro-
Situação dos Feridos, Doentes e Náufragos das For- nunciada contra mulheres grávidas ou mães de
ças Armadas no Mar estipulam que os membros crianças de tenra idade que delas dependam, por
das forças armadas (e certas outras categorias de infracção cometida relacionada com o conflito
pessoas), que se encontram feridos ou doentes, armado. A condenação à morte dessas mulheres
devem ser respeitados e protegidos em todas as cir- não será nunca executada.
742. O Protocolo Adicional II às Convenções de 747. Esta secção diz respeito às mulheres que
Genebra de 1949 desenvolve e completa as dis- exercem a profissão de responsáveis pela aplicação
posições do artigo 3.o comum às Convenções e, nos da lei ou de empregadas nos serviços responsáveis
termos do n.o 2 e) do seu artigo 4.o, são proibidos por esta aplicação. Apesar da presente secção, ao
a violação, a prostituição forçada e todo o aten- contrário do que sucede com outras secções pre-
tado ao pudor. cedentes, não lidar com a «protecção das mulhe-
res», a questão da discriminação – e da protecção
743. O artigo 5.o do mesmo Protocolo diz respeito contra a discriminação – não pode ser ignorada.
às pessoas privadas de liberdade por motivos rela-
cionados com o conflito armado. Nos termos do 748. As normas internacionais relativas às mulhe-
n.o 2 a) deste artigo, as mulheres serão guardadas res polícias podem ser examinadas sob as seguin-
em locais separados dos dos homens, excepto tes rubricas: «Acesso e nomeação para um emprego
quando os homens e mulheres de uma mesma na polícia», «Igualdade de oportunidades na polícia»
família são alojados conjuntamente. e «Desdobramento das mulheres polícias».
744. O n.o 4 do artigo 6.o do Protocolo dispõe que a 749. O ACESSO E A NOMEAÇÃO PARA UM
pena de morte não será executada contra as mulhe- EMPREGO NA POLÍCIA são regidos pelas seguintes
res grávidas e as mães de crianças de tenra idade. regras:
745. DISTÚRBIOS E TENSÕES INTERNAS: as dispo- a) Os efectivos da polícia devem ser represen-
sições do direito internacional humanitário não se tativos.
aplicam a estes conflitos, já que não se trata de con-
flitos armados. Contudo, como já foi indicado no Esta exigência é examinada no capítulo IX do
capítulo XV, existem três textos elaborados por manual, consagrado ao Papel da Polícia numa
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
Sociedade Democrática. A Assembleia Geral, na 750. É evidente que a nomeação para um serviço de
resolução 34/169, de 17 de Dezembro de 1979, polícia específico depende do número de lugares a
através da qual adoptou o Código de Conduta para preencher num determinado momento, bem como
os Responsáveis pela Aplicação da Lei, estipula dos critérios fixados para o recrutamento. Tendo em
que todo o serviço responsável pela aplicação da lei conta as exigências e os direitos acima enunciados,
deve ser representativo da colectividade no seu tais considerações não devem servir de pretexto para
todo. excluir as mulheres suficientemente qualificadas
Isto significa que seria necessário que um número para um emprego num serviço de polícia.
suficiente de mulheres estivesse empregado num
serviço de aplicação da lei para que este possa ser 751. A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NO SEIO
considerado como representativo da comunidade DA POLÍCIA é regulada pelas seguintes regras:
que está a servir.
a) o direito a receber uma formação profissional;
b) O direito à igualdade de acesso à função b) o direito à progressão ou promoção profissional;
pública. c) o direito das mulheres à igualdade de remu-
neração em relação aos homens e à igualdade de
Este direito é examinado no capítulo X, que diz res- tratamento para um trabalho de valor igual;
peito à Polícia e Não Discriminação. O n.o 2 do d) o direito a férias pagas e às prestações de
artigo 21.o da Declaração Universal dos Direitos do desemprego, reforma, doença, invalidez e velhice;
Homem refere que toda a pessoa tem direito de e) o direito à protecção da saúde e à segurança
acesso, em condições de igualdade, às funções das condições de trabalho;
públicas do seu país. Este mesmo direito é prote- f ) o direito a ser protegida contra a discriminação
gido pelo Pacto Internacional sobre os Direitos em função do casamento ou da maternidade (o que
Civis e Políticos (artigo 25.o c)), bem como por inclui a proibição de sanções ou de despedimento
instrumentos jurídicos regionais. Este direito devidos à gravidez ou à maternidade, a concessão
implica que as mulheres que possuam as qualifi- de uma licença de parto paga ou de um benefício
cações requeridas deverão ter acesso às funções comparável sem perda do emprego; a concessão de
públicas na polícia e aí ocupar um posto. uma protecção especial às mulheres durante a gra-
videz, bem como a concessão de serviços sociais, tais
c) O direito à livre escolha da profissão e do como serviços de guarda de crianças).
emprego.
Estes seis pontos constituem um resumo das
Este direito vem consagrado na Declaração sobre medidas especificadas na Declaração sobre a Eli-
a Eliminação da Discriminação contra as Mulhe- minação da Discriminação contra a Mulheres
res (artigo 10.o, n.o 1a)) e na Convenção sobre a Eli- (artigo 10.o) e na Convenção sobre a Eliminação de
minação de todas as Formas de Discriminação todas as Formas de Discriminação contra as
contra as Mulheres (artigo 11.o, n.o 1 c)). No artigo Mulheres (artigo 11.o).
11.o, n.o 1 b) da Convenção, é igualmente enunciado
o direito das mulheres às mesmas possibilidade de 752. O desdobramento das mulheres polícias é
emprego que os homens, incluindo a aplicação regido por:
dos mesmos critérios de selecção em matéria de
emprego. a) os direitos que requerem a igualdade de opor-
tunidades em relação aos homens no emprego
As consequências destes direitos consistem no (por exemplo os direitos à formação e à progres-
facto de as mulheres que pretendam servir na polí- são profissionais). Isto significa que as mulheres
cia e preencham os critérios exigidos para o recru- devem ter as mesmas possibilidades que os
tamento terem o direito de ser nomeadas para um homens de alargar e aprofundar a sua experiência
posto nesse serviço. como polícias e de realizar as funções de manu-
186
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
com a vítima; fazer uma comparação com eventuais incidentes anteriores
que se encontrem nos arquivos e tomar todas as medidas necessárias para
evitar as reincidências.
• Solicitar a opinião das colegas do sexo feminino no que concerne aos prin-
cípios de acção, práticas, comportamentos ou atitudes que estabelecem uma
distinção em função do sexo, tentar melhorar a situação por iniciativa pró-
pria e apoiar as colegas do sexo feminino nos seus esforços.
}
}
Recomendações destinadas • Divulgar e aplicar instruções claras precisando que os pedidos de auxílio
aos funcionários em casos de violência doméstica devem ser alvo de intervenções rápidas e
com responsabilidade eficazes e que, nos termos da lei, os delitos de violência doméstica são equi-
de comando e supervisão
valentes, às outras agressões.
188
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
Exercício n.o 3 actos de violência ilegais cujos protagonistas per-
tencem a outras categorias de pessoas? No seu país
Foi decidido, no plano dos princípios, que as estes actos de violência são abrangidos pela lei nor-
mulheres polícias seriam afectadas a uma uni- malmente aplicável aos casos de violência e
dade especializada do seu serviço de polícia, a qual agressão, ou antes existe um delito distinto e
está encarregue dos distúrbios à ordem pública e especial de «violência exercida sobre concubina
das intervenções armadas antiterroristas. Redija ou cônjuge do sexo feminino» ou de «violência
recomendações dirigidas ao seu superior hierár- e agressões exercidas sobre uma mulher» ao qual
quico sobre: correspondem penas mais pesadas do que para
as outras formas de violência? Examine as van-
a) a percentagem de mulheres/homens nos tagens e inconvenientes de que se reveste a exis-
efectivos dessa unidade; tência de uma categoria distinta e especial de
b) os critérios de selecção, bem como um delitos.
método para proceder à selecção de mulheres que 5). É, por vezes, alegado que, por razões de
se candidatem para integrar essa unidade; ordem social e cultural, a polícia não intervém de
c) a afectação operacional das mulheres, por forma satisfatória em favor das vítimas de delitos
exemplo a questão de saber se devem ou não exis- sexuais. Concretize quais podem ser estas razões
tir limites a essa afectação e a forma de as afectar de ordem social e cultural. Parece-lhe que são váli-
quando estiver mobilizada uma unidade para das no caso do seu país? O que é que se pode
fazer face a distúrbios violentos contra a ordem fazer para ultrapassar o problema?
pública. 6). Uma das soluções para assegurar uma ade-
quada cooperação entre os diversos serviços cha-
mados a intervir em casos de violência doméstica
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO contra as mulheres, consistiria na criação de uma
unidade composta, por exemplo, por funcionários
1). Identifique os factores que põem em causa o policiais, agentes dos serviços sanitários e sociais
princípio de acordo com o qual todas as pessoas e especialistas na área da assistência psicológica.
devem beneficiar de uma protecção igual da lei e Quais as vantagens e inconvenientes da criação de
indique o que pode ser feito para melhorar a situa- uma unidade deste tipo?
ção. 7). Examine as diferentes formas pelas quais
2). A violência física infligida contra uma um organismo de polícia poderia criar um
mulher pelo seu parceiro constitui um crime. Nes- ambiente favorável para entrevistar as vítimas
tas condições, porque que é que foi necessário de violações. Qual seria a forma mais prática e efi-
indicar claramente aos serviços e aos funcioná- caz no seu país?
rios da polícia que esses delitos devem ser alvo de 8). Quais os métodos utilizados no seu serviço
inquéritos completos e levados a cabo de uma de polícia para que as mulheres polícias benefi-
forma justa? ciem de igualdade de oportunidades? Parece-lhe
3). Há quem defenda que as desigualdades que estas consideram esses métodos suficien-
sociais, económicas e políticas de que as mulhe- tes? O que é que poderia ainda ser feito para
res são vítimas se encontram na origem da vio- melhorar as perspectivas de carreira das mulhe-
lência perpetrada pelos homens contra elas. res polícias?
Está de acordo com este raciocínio? Se não esti- 9). Se as mulheres pudessem exercer livre-
ver de acordo, indique as razões e avance outra mente o seu direito à livre escolha da profissão,
explicação. Se pensar que este raciocínio é cerca de metade dos membros de um serviço de
justo, o que poderá ser feito para corrigir esta polícia poderiam ser mulheres. Parece-lhe que
situação? um tal serviço de polícia seria mais ou menos
4). Em que medida é que a violência infligida eficaz sob o plano operacional do que os servi-
contra uma mulher pelo seu parceiro difere dos ços com uma percentagem de mulheres polícias
190
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*18
Refugiados e não nacionais
Objectivos do capítulo • Dar aos utilizadores do manual um conhecimento básico da especial vul-
nerabilidade dos refugiados e não nacionais e indicar as normas interna-
cionais que protegem estas categorias de pessoas, bem como as funções dos
funcionários policiais na aplicação destas normas.
}
}
• Ninguém poderá ser enviado para um país, no qual a sua vida ou liber-
dade se encontre ameaçada e no qual seja perseguido, ou para um país ter-
ceiro que tenha por política enviar os seus refugiados para tais países.
191
*
Quarta Parte
devem ser objecto de qualquer tipo de pena, no caso de se apresentarem
imediatamente às autoridades.
• Não pode ser negado asilo, pelo menos de natureza temporária, aos refu-
giados que chegam directamente de um país onde eram perseguidos.
192
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
• Podem ser autorizadas excepções a certas garantias de processo, unica-
mente por razões imperiosas de segurança nacional, por exemplo se pesa-
rem ameaças políticas ou militares sobre do conjunto da nação.
deslocadas no interior do território. tar (artigo 1.o, secção A.2.) […] Assinado a 31 de Janeiro
de 1967 e aprovado para
adesão pelo Decreto Lei
n.o 207/75, de 1 de Abril de
760. As razões que explicam estes movimentos maci- O Protocolo de 1967 relativo ao 1975, publicado no Diário
da República n.o 90,
ços e imprevisíveis de populações são variados, indo Estatuto dos Refugiados N.T.2 I Série, de 17 de Abril de
1975. O depósito do instru-
desde as catástrofes naturais à miséria, passando pelas estende a aplicação da Convenção mento de adesão junto do
Secretário-Geral das Nações
perseguições individuais ou colectivas. Contudo, é de 1951 às pessoas que, apesar de Unidas deu-se a 13 de Julho
de 1976.
sobretudo a violência a principal responsável pela preencherem os critérios conti- Portugal fez uma declara-
ção nos termos da qual 1) o
maior parte dos êxodos involuntários. As duas guer- dos na definição da Convenção, presente Protocolo será apli-
cado sem qualquer limita-
ras mundiais e os cerca de 130 conflitos armados que se tornaram refugiados no segui- ção geográfica; e 2) em
todos os casos que o Proto-
tiveram lugar desde 1945 provocaram o deslocamento mento de acontecimentos ocorri- colo confere o estatuto de
pessoa mais favorecida aos
dos depois de 1 de Janeiro de 1951. refugiados de países estran-
de milhões de pessoas e de povos no mundo. geiros, esta cláusula não
deverá ser interpretada por
forma a significar o estatuto
concedido por Portugal aos
761. O «refugiado» é definido N.T.1
Assinada por Portugal a 762. Os outros termos empre- nacionais do Brasil ou de
28.07.1951 e aprovada para outros países com os quais
na Convenção de 1951 relativa adesão através do Decreto- gues no presente capítulo são o Portugal possa estabelecer
-Lei n.o 43201, de 1 de Outu- relações do tipo das da
ao Estatuto dos RefugiadosN.T.1 bro de 1960, publicado no de «pessoas deslocadas no inte- Commonwealth.
Diário do Governo n.o 229.
como uma pessoa que: O Decreto n.o 281/76, que rior do território» e «estrangei-
765. Independentemente da categoria na qual as 769. No dia 1 de Abril de 1992, cerca de 111 Estados
coloquemos, as pessoas deslocadas têm direito eram Partes na Convenção relativa ao Estatuto dos
ao respeito, em virtude da dignidade inerente à Refugiados e/ou ao respectivo Protocolo de 1967, o
pessoa humana e dos direitos humanos funda- qual veio estender a aplicação da Convenção às pes-
mentais. soas que se tornaram refugiadas como consequência
de acontecimentos ocorridos após 1 de Janeiro de 1951.
2. ASPECTOS GERAIS DOS DIREITOS HUMANOS 770. É de notar que existem igualmente instrumentos
DOS REFUGIADOS E DOS NÃO NACIONAIS regionais em matéria de direitos dos refugiados. Em
1969, a Organização da Unidade Africana adoptou
(a) Princípios fundamentais a Convenção da OUA que regula os aspectos espe-
cíficos dos problemas dos refugiados em África. O
766. O tratamento dos refugiados e dos não Conselho da Europa adoptou vários instrumentos
nacionais funda-se nos seguintes quatro princí- em matéria de refugiados; parece adequado citar
pios: igualmente os instrumentos relativos ao direito de
asilo na América Latina, bem como a Declaração de
• igualdade dos direitos; Cartagena sobre os Refugiados (1984).
• inalienabilidade dos direitos;
• universalidade dos direitos; 771. As disposições que dizem especificamente res-
• em caso de perseguição, direito a procurar e peito à aplicação da lei e aos direitos humanos serão
beneficiar de asilo. analisadas nas secções c a i, que visam os refugia-
194
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
dos, as pessoas deslocadas no interior do território, 777. L IBERDADE DE CIRCULAÇÃO : os Estados
os estrangeiros ou não nacionais e os apátridas. contratantes devem conceder aos refugiados que
se encontrem regularmente nos seus territórios
(c) Disposições da Convenção de 1951 o direito de neles escolherem o lugar de resi-
que visam especificamente o estatuto dência e circularem livremente, com as reservas
dos refugiados instituídas pela regulamentação aplicável aos
estrangeiros geralmente nas mesmas circuns-
772. INAPLICABILIDADE DA CONVENÇÃO: a Con- tâncias (artigo 26.o).
venção não é aplicável às pessoas em relação às
quais existem razões sérias para se pensar: 778. DOCUMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO: os Esta-
dos contratantes devem emitir documentos de
a) que cometeram um crime contra a paz, um identificação a qualquer refugiado que se encon-
crime de guerra ou um crime contra a humanidade, tre no seu território e que não possua um
no sentido da definição contida nos instrumentos documento de viagem válido (artigo 27.o).
internacionais;
b) que cometeram um crime grave de direito 779. DOCUMENTOS DE VIAGEM: as medidas
comum fora do país de acolhimento antes de nele incluem a obrigação de emitir documentos para os
terem sido admitidas como refugiados; refugiados que residam regularmente nos seus
c) que foram consideradas culpadas pela prá- territórios, com os quais possam viajar fora desses
tica de actos contrários aos fins e princípios das territórios, a não ser que a isso se oponham razões
Nações Unidas (artigo 1.o, Secção F). imperiosas de segurança nacional ou de ordem
pública (artigo 28.o).
773. OBRIGAÇÕES GERAIS: todo o refugiado tem,
para com o país em que se encontra, deveres que 780. REFUGIADOS EM SITUAÇÃO IRREGULAR NO
incluem, em especial, a obrigação de acatar as leis, PAÍS DE ACOLHIMENTO: as medidas incluem a
regulamentos, bem como as medidas de manu- obrigação de os Estados contratantes não aplica-
tenção da ordem pública adoptadas (artigo 2.o). rem sanções penais aos refugiados em situação irre-
gular, que chegam directamente de um território no
774. NÃO DISCRIMINAÇÃO: as disposições da Con- qual a sua vida ou liberdade se encontravam
venção devem aplicar-se aos refugiados sem dis- ameaçadas, e que se apresentam imediatamente
criminação quanto à raça, religião ou país de às autoridades.
origem (artigo 3.o).
781. EXPULSÕES: os Estados contratantes só pode-
775. DIREITO DE ASSOCIAÇÃO: os Estados contra- rão expulsar um refugiado que se encontre regu-
tantes concederão aos refugiados que residam larmente nos seus territórios por razões de
regularmente nos seus territórios, o tratamento segurança nacional ou de ordem pública. A expul-
mais favorável concedido aos nacionais de um são de um refugiado só se fará em execução de uma
país estrangeiro, no que se refere às associações de decisão tomada em conformidade com o processo
objectivos não políticos e não lucrativos e aos sin- previsto pela lei. O texto prevê ainda que o refu-
dicatos profissionais (artigo 15.o). giado deve ser autorizado a apresentar provas
capazes de o ilibarem de culpa, a apelar e a fazer-se
776. DIREITO DE SUSTENTAR ACÇÃO EM JUÍZO: os representar para esse efeito perante uma autori-
refugiados nos territórios dos Estados contratantes dade competente ou perante uma ou mais pessoas
terão livre e fácil acesso aos tribunais. Os refugia- especialmente designadas pela autoridade com-
dos beneficiarão do mesmo tratamento que os petente (artigo 32.o).
nacionais no que diz respeito ao acesso aos tribunais,
incluindo a assistência judiciária no Estado contra- 782. PROIBIÇÃO DE EXPULSÃO E DE REFOULEMENT:
tante onde têm a residência habitual (artigo 16.o). nenhum dos Estados contratantes expulsará ou
783. Parece evidente que as disposições que mais Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as
de perto se relacionam com a situação dos refu- liberdades proclamados na presente Declaração, sem dis-
giados são o direito à liberdade de circulação e o tinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo,
direito a procurar e a beneficiar de asilo em caso de língua, de religião, de opinião política ou outra, de
de perseguição. Estes direitos são protegidos pela origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento
Declaração Universal dos Direitos do Homem nos ou de qualquer outra situação. […]
seguintes artigos:
Este direito é igualmente protegido pelo Pacto
Artigo 13.o Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
(artigo 2.o), pelo Pacto Internacional sobre os
1). Toda a pessoa tem o direito de livremente circular Direitos Económicos, Sociais e Culturais (artigo 2.o,
e escolher a sua residência no interior de um Estado. n.o 2), pela Carta Africana dos Direitos do Homem
e dos Povos (artigo 2.o), pela Convenção Americana
2). Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país sobre Direitos Humanos (artigo 1.o) e pela Con-
em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de venção Europeia sobre os Direitos do Homem
regressar ao seu país. (artigo 14.o).
196
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
Direitos do Homem se revestem de especial rele- b) o artigo 73.o do Protocolo Adicional I às Con-
vância para a situação dos refugiados: venções de Genebra de 1949 dispõe que as pessoas
que, antes do início das hostilidades, foram consi-
a) direito à vida, liberdade e segurança da pes- deradas apátridas ou refugiadas, nos termos dos ins-
soa (artigo 3.o); trumentos internacionais pertinentes aceites pelas
b) proibição de tortura e penas ou tratamentos Partes interessadas, ou da legislação nacional do
cruéis, desumanos ou degradantes (artigo 5.o); Estado de acolhimento ou de residência, serão, em
c) direito ao reconhecimento em todos os luga- qualquer circunstância e sem qualquer discrimi-
res da sua personalidade jurídica (artigo 6.o); nação, pessoas protegidas, nos termos dos títulos I
d) direito à igualdade perante a lei e a uma igual e III da Convenção IV. O título I da Convenção
protecção da lei (artigo 7.o); define as disposições gerais e o título III diz respeito
e) proibição de prisões e detenções arbitrárias ao estatuto e tratamento das pessoas protegidas.
(artigo 9.o);
f ) direito a que a sua causa seja equitativa e publi- 789. Nenhuma disposição do direito internacio-
camente examinada no que concerne a determina- nal humanitário visa especificamente a situação dos
ção dos seus direitos e obrigações, bem como sobre refugiados em conflitos armados não internacio-
qualquer acusação em matéria penal (artigo 10.o); nais. No entanto:
g) proibição de qualquer intromissão arbitrária
na vida privada, família, domicílio ou correspon- a) o artigo 3.o comum às quatro Convenções de
dência (artigo 12.o); Genebra de 1949, que se aplica em caso de con-
h) direito à liberdade de pensamento, consciên- flitos armados que não apresentem um carácter
cia e religião (artigo 18.o); internacional e que ocorram no território de uma
i) direito à liberdade de opinião e de expressão das Altas Partes Contratantes, exige que as pessoas
(artigo 19.o); que não participem directamente nas hostilida-
j) direito à liberdade de reunião e de associação des sejam tratadas com humanidade, «sem qual-
pacíficas (artigo 20.o). quer distinção de carácter desfavorável baseada
na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento
Todos os direitos e proibições acima mencionados ou fortuna, ou qualquer critério análogo».
encontram-se igualmente inscritos no Pacto Inter- b) o Protocolo Adicional II às Convenções de Gene-
nacional sobre os Direitos Civis e Políticos e nos ins- bra, que diz igualmente respeito à protecção das víti-
trumentos regionais. Estes textos foram analisados mas de conflitos armados não internacionais, deve ser
pormenorizadamente nos capítulos precedentes. aplicado sem qualquer distinção de carácter desfavo-
rável, baseado nas razões já enunciadas no artigo 3.o
788. Os princípios específicos do direito inter- comum às quatro Convenções de Genebra (artigo 2.o).
nacional humanitário aplicáveis à situação dos
refugiados em período de conflitos armados inter- 790. Para além das medidas de protecção, é de lem-
nacionais encontram-se inscritos nos seguintes brar que a Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos
instrumentos: Refugiados e os outros instrumentos relativos ao
estatuto e tratamento dos refugiados se revestem de
a) o artigo 44.o da Convenção de Genebra Rela- uma pertinência especial durante os conflitos arma-
tiva à Protecção das Pessoas Civis em Tempo de dos e quando um território está ocupado.
Guerra (quarta Convenção) dispõe que, ao aplicar
as medidas de fiscalização mencionadas na presente (e) Pessoas deslocadas no interior
Convenção, a Potência detentora não tratará como do território
estrangeiros inimigos, exclusivamente na base da
sua subordinação jurídica a um Estado inimigo, os 791. O vasto número de êxodos maciços verificado
refugiados que não gozem de facto da protecção de nos últimos anos produziu «pessoas deslocadas no
qualquer Governo. interior do território» – isto é, pessoas obrigadas
792. As populações deslocadas encontram-se a) à Carta das Nações Unidas, que encoraja o res-
geralmente em países em desenvolvimento e com- peito universal e efectivo pelos direitos humanos e
põem-se maioritariamente por mulheres e crian- liberdades fundamentais de todos os seres humanos,
ças. Em certos países, as pessoas deslocadas sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;
representam mais de 10% da população. b) à Declaração Universal dos Direitos do
Homem, que proclama que todos os seres huma-
793. Como continuam a viver no seu próprio país, nos nascem livres e iguais em dignidade e em
as pessoas deslocadas são excluídas do presente sis- direitos, e que todos podem invocar todos os direi-
tema de protecção dos refugiados. Convém, no tos e liberdades proclamados na referida Declara-
entanto, relembrar os funcionários responsáveis ção, sem qualquer distinção, nomeadamente de
pela aplicação da lei que os princípios e disposições raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou
do direito internacional em matéria de direitos qualquer outra opinião, origem nacional ou social,
humanos continuam a ser plenamente aplicáveis. fortuna, nascimento ou qualquer outra situação, e
As pessoas deslocadas são extremamente vulne- que proclama ainda que todos têm direito ao reco-
ráveis e têm o direito de invocar todos os direitos nhecimento em todos os lugares da sua personali-
humanos, sem qualquer distinção de carácter des- dade jurídica, que todos são iguais perante a lei, têm
favorável nem qualquer tipo de discriminação. direito a igual protecção da lei sem distinção e a pro-
tecção igual contra qualquer discriminação.
794. Convém ainda chamar a atenção dos funcioná-
rios responsáveis pela aplicação da lei para as dispo- A resolução reconhece ainda que a protecção dos
sições do artigo 17.o do Protocolo Adicional II às direitos humanos e das liberdades fundamentais
Convenções de Genebra de 1949, que consiste no prevista nos instrumentos internacionais deveria
Protocolo relativo à Protecção das Vítimas dos Con- ser igualmente assegurada às pessoas que não
flitos Armados Não Internacionais. O seu artigo 17.o possuem a nacionalidade do país no qual vivem.
proíbe as deslocações forçadas de civis, dispondo que:
796. DEFINIÇÃO: para os fins da Declaração, o
a) a deslocação da população civil não poderá ser termo «estrangeiro» aplica-se a todo o indivíduo que
ordenada por razões relacionadas com o conflito, não possui a nacionalidade do Estado no qual se
salvo nos casos em que a segurança das pessoas encontre (artigo 1.o).
civis ou razões militares imperativas o exijam;
b) se tal deslocação tiver de ser efectuada, serão toma- 797. OBRIGAÇÕES DOS ESTRANGEIROS: os estran-
das todas as medidas possíveis para que a população geiros devem conformar-se às leis do Estado no qual
civil seja acolhida em condições satisfatórias de aloja- residem ou se encontram, no respeito pelos cos-
mento, salubridade, higiene, segurança e alimentação; tumes e tradições do seu povo (artigo 4.o).
c) as pessoas civis não poderão ser forçadas a dei-
xar o seu próprio território por razões que se rela- 798. DIREITOS DOS ESTRANGEIROS: os estrangeiros
cionem com o conflito. gozam inter alia dos seguintes direitos, em confor-
midade com o direito interno e sob reserva das obri-
(f ) Disposições específicas da Declaração gações internacionais do Estado no qual se encontram:
sobre os direitos humanos das pessoas
que não possuem a nacionalidade a) o direito à vida, à segurança da sua pessoa;
do país em que vivem nenhum estrangeiro pode ser capturado ou detido
arbitrariamente; um estrangeiro só pode ser pri-
795. ADOPÇÃO DA DECLARAÇÃO: a Declaração foi vado da sua liberdade por motivos e em confor-
adoptada pela Assembleia Geral na sua resolução midade com o procedimento previsto pela lei;
198
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
b) o direito à protecção contra qualquer inge- se encontrem nesta situação por razões de raça, cor,
rência arbitrária ou ilegal na sua vida privada e fami- religião, cultura, ascendência ou origem nacional
liar, o seu domicílio ou correspondência; ou étnica (artigo 7.o).
c) o direito à igualdade perante os tribunais e 802. COMUNICAÇÃO: qualquer estrangeiro deve
outros órgãos e autoridades judiciárias e, em caso poder contactar a todo o momento a missão diplo-
de procedimentos judiciários ou quando a lei o pre- mática do Estado da sua nacionalidade ou, na sua
vir em caso de acções de outra natureza, o direito falta, o consulado ou missão diplomática de qual-
a ser assistido gratuitamente por um intérprete, se quer outro Estado encarregue da protecção dos
tal for necessário; interesses do Estado da sua nacionalidade no
d) o direito à liberdade de pensamento, opinião, Estado no qual reside (artigo 10.o).
consciência e religião; o direito a manifestar a sua
religião ou convicções, só podendo este direito ser (g) Disposições específicas do direito inter-
objecto das restrições previstas na lei que se reve- nacional dos direitos humanos
lem necessárias à protecção da segurança, da ordem e do direito internacional humanitário apli-
e da saúde públicas ou da moral e das liberdades e cáveis à situação dos não nacionais
direitos fundamentais de outrem (artigo 5.o, n.o 1).
803. As normas de direito internacional dos
799. DIREITOS SUJEITOS A CERTAS CONDIÇÕES: direitos humanos aplicáveis à situação dos não
sob reservas das restrições previstas pela lei e nacionais são enunciadas nos diferentes artigos
necessárias numa sociedade democrática para a da Declaração sobre os Direitos Humanos das
protecção da segurança nacional e pública, da Pessoas que não Possuem a Nacionalidade do
ordem e saúde públicas, da moral ou dos direitos País no qual Vivem, acima referida. Todas estas
e liberdades de outrem, e que são compatíveis normas se encontram espelhadas de formas dife-
com os outros direitos reconhecidos nos instru- rentes na Declaração Universal dos Direitos do
mentos internacionais pertinentes e com os direi- Homem e nos tratados internacionais e regio-
tos enunciados na Declaração, os estrangeiros nais analisados de forma mais detalhada nos
beneficiam do: capítulos anteriores.
200
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
nunciada em conformidade com o procedimento importante consiste indubitavelmente no des-
previsto na lei (artigo 31.o). respeito pelos direitos humanos, já que traduzem
claramente carências ou abusos de poder por
(i) Disposições específicas do direito inter- parte dos governos em causa. Como a manuten-
nacional dos direitos humanos ção da ordem é um dos meios através dos quais
e do direito internacional humanitário apli- um governo protege e favorece os direitos huma-
cáveis à situação dos apát ridas nos, a existência de tais deslocações pode indicar
igualmente uma incapacidade de manter a
818. As disposições pertinentes são essencial- ordem ou a existência de abusos de poder na
mente os direitos civis e políticos fundamentais e aplicação da lei.
as disposições do direito internacional humanitá-
rio destinadas a proteger as pessoas civis e as pes- 821. As pessoas deslocadas encontram-se fre-
soas que não participam nas hostilidades e que quentemente numa situação desesperada e são
são visadas nas subsecções anteriores. sempre vulneráveis. Os refugiados e outras cate-
gorias de pessoas que não têm a nacionalidade do
819. É conveniente relembrar especialmente aos país no qual se encontram estão expostas às
participantes em cursos de formação: agressões xenófobas ou racistas. Com efeito, estes
atentados são de tal forma prováveis, que a viti-
a) o direito de todos a invocar os direitos e liber- mização de não nacionais se torna praticamente
dades reconhecidos pela Declaração Universal dos previsível.
Direitos do Homem;
b) o princípio da não-discriminação na aplicação 822. Incumbe claramente à polícia desempenhar as
das disposições contidas na Declaração Universal suas tarefas de forma eficaz, no respeito pela legali-
dos Direitos do Homem, bem como nos tratados dade e com humanidade, a fim de não criar ou de não
internacionais e regionais em matéria de direitos contribuir para a criação de situações que levem cer-
humanos; tas pessoas a tornar-se deslocados ou que impeçam
c) o direito à igualdade perante a lei e à igual pro- as pessoas deslocadas de regressar aos seus lares.
tecção da lei.
823. Incumbe nitidamente à polícia proteger os
não nacionais, independentemente da categoria à
3. CONCLUSÕES qual pertençam. As normas decorrentes dos ins-
trumentos estudados neste capítulo proporcionam
820. As deslocações maciças de populações têm um padrão inequívoco para aferir o sucesso ou
causas múltiplas e complexas, das quais a mais fracasso da polícia nesta matéria.
}
}
Recomendações • Relembrar a especial vulnerabilidade dos refugiados e dos não nacionais
para os funcionários e dar ordens claras relativas às suas necessidades de protecção.
com responsabilidades
de comando e supervisão • Elaborar modalidades de luta contra a violência e actos de intimidação racista
e xenófobos, em cooperação com os representantes das comunidades.
• Criar unidades especiais com formação jurídica necessária, bem como com
competências linguísticas e sociais, para a execução de uma missão que
assente mais na protecção, do que na aplicação de leis de imigração.
202
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
As suas reacções em relação a esta situação devem nos nascem livres e iguais em dignidade e direi-
fundar-se em considerações pragmáticas de manu- tos e que consequentemente os não nacionais de
tenção da ordem e nas normas internacionais per- qualquer país têm geralmente menos direitos
tinentes. que os nacionais desse país. Como é que tal se
justifica?
4). As disposições da Convenção de 1951 relativa
3. TÓPICOS DE DISCUSSÃO ao Estatuto dos Refugiados não são aplicáveis às
pessoas que «cometeram um crime grave de
1). A natureza e amplitude internacionais dos direito comum for a do país de acolhimento»
problemas originados pela concessão de asilo são (artigo 1.o, Secção F b). Em que é que consiste um
actualmente bem conhecidas. De que forma pode- «crime político»? De que forma é que ele se dis-
ria ser empreendida uma acção internacional para tingue de um crime de direito comum?
fazer face aos problemas de manutenção da ordem 5). Como é que a polícia pode permanecer infor-
causados pelo fluxo de refugiados para um deter- mada sobre a atitude e os sentimentos da popula-
minado país? ção local face aos refugiados e a outros não
2). Os refugiados e outros não nacionais têm o nacionais, a fim de adoptar medidas para impedir
dever de respeitar as leis e regulamentos dos países as agressões xenófobas ou racistas?
onde se encontram. O que é que a polícia poderá 6). Se a polícia detectar uma certa animosidade
fazer para assegurar que estas pessoas são infor- no seio da comunidade local em relação aos refu-
madas sobre a legislação e regulamentação locais? giados e outros não nacionais, que medidas
3). Um dos princípios em matéria de direitos poderá ela tomar para prevenir as agressões xenó-
humanos proclama que todos os seres huma- fobas ou racistas contra estas populações?
*19
Protecção
e indemnização
das vítimas
Princípios fundamentais • Todas as vítimas de criminalidade, abuso de poder ou violações dos direi-
tos humanos devem ser tratadas com compaixão e respeito.
• As vítimas devem ser informadas sobre os direitos que lhes são reconhe-
cidos, com vista a obterem indemnização e protecção.
205
*
Quarta Parte
• Devem ser evitados os atrasos inúteis na decisão de processos.
• Sempre que tal seja apropriado, os autores de crimes devem indemnizar
as vítimas pelos prejuízos causados.
a. Normas internacionais sobre os direitos não lida com a maior parte dos crimes cometidos.
humanos, protecção e indemnização Tal sucede, por um lado, porque as vítimas decidem
de vítimas – Informação para frequentemente não apresentar queixa e, por outro
as apresentações lado, porque para a grande maioria dos crimes
comunicados não é apurado um responsável.
1. INTRODUÇÃO
828. A polícia necessita da cooperação das víti-
824. A situação das vítimas de criminalidade e abu- mas, as quais devem não só comunicar o crime
sos de poder suscita um interesse considerável aos cometido para que a justiça penal possa ser accio-
níveis nacional, regional e internacional, tal como nada, como também fornecer informações que
o demonstra a amplitude das investigações levadas possam permitir que o inquérito chegue a bom
a cabo sobre esta questão, bem como a actividade polí- termo. As relações entre a polícia e as vítimas são
tica, jurídica e administrativa que daí decorre. assim de dependência e interesse mútuos.
825. Temos actualmente uma ideia muito precisa do 829. As normas internacionais consideradas no
que é necessário para ajudar as vítimas e do que tal presente capítulo reflectem a política dos Estados
representa para os diferentes elementos do sistema membros da ONU em matéria de justiça penal,
de justiça penal. É evidente que a melhor forma de podendo a sua aplicação influenciar profunda e posi-
ajudar as vítimas é através da prevenção da crimina- tivamente as relações entre a polícia e as vítimas,
lidade e abusos de poder, por forma a limitar ao no interesse de ambas.
máximo os casos de vitimização ou de revitimização.
206
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
• as vítimas têm direito a uma indemnização comportamento das empresas e de outros actos de
rápida do prejuízo que sofreram. abuso de poder;
e) incentivar o respeito pelos códigos de con-
Todas as normas consideradas no presente capítulo duta e pelas normas éticas e, nomeadamente,
decorrem destes dois princípios. das normas internacionais, por parte dos fun-
cionários, incluindo o pessoal encarregado da
b) Disposições específicas relativas aos aplicação da lei.
direitos fundamentais das vítimas, protecção
e indemnização 833. Na sua resolução 1989/57, de 24 de Maio de
1989, o Conselho Económico e Social fez um certo
831. Em 1985, a Assembleia Geral adoptou a número de recomendações relativas à aplicação
Declaração dos Princípios Básicos de Justiça da Declaração. Uma destas recomendações apon-
Relativos às Vítimas da Criminalidade e de tava para a necessidade de ser elaborado, publicado
Abuso de Poder. Esta Declaração enuncia as nor- e difundido um guia para os profissionais de jus-
mas básicas para o tratamento das vítimas da cri- tiça penal (parágrafo 1.o).
minalidade e abuso de poder, no que diz
respeito ao acesso aos procedimentos judiciá- 834. Em 1990, o Secretariado da ONU publicou um
rios e administrativos, ao direito a ser infor- Guia destinado aos profissionais sobre a aplicação da
mado e a receber um tratamento equitativo, ao Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relati-
direito a que os seus pontos de vista sejam toma- vos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder.
dos em consideração ou ao direito a obter uma
restituição e indemnização. 835. O Conselho da Europa debruçou-se também
activamente sobre esta questão e elaborou diversos
832. A Assembleia Geral, na sua resolução 40/34 textos, entre os quais se encontra a Convenção
de 29 de Novembro de 1985, através da qual adop- Europeia Relativa à Indemnização das Vítimas de Cri-
tou esta Declaração, afirma: mes Violentos (1983), bem como duas recomenda-
ções: a Recomendação n.o R (85) 11 sobre a posição
a necessidade de adopção, a nível nacional e interna- da vítima no âmbito do direito e do processo penais
cional, de medidas que visem garantir o reconheci- (1985) e a Recomendação n.o R (87) 21 sobre a assis-
mento universal e eficaz dos direitos das vítimas da tência às vítimas e prevenção da vitimização (1987).
criminalidade e de abuso de poder (parágrafo 1).
836. Diversas disposições da Declaração das
A Assembleia solicita igualmente aos Estados Nações Unidas de 1985 serão adiante examinadas
Membros que adoptem as medidas necessárias sob os títulos «Protecção das vítimas de criminali-
para dar efeito às disposições contidas na Decla- dade» e «Protecção das vítimas de abuso de poder».
ração e aplicar uma série de medidas, nomeada- Algumas das recomendações enunciadas pelo Con-
mente: selho Económico e Social na sua resolução 1989/57
relativa à aplicação da Declaração serão expostas sob
a) reduzir a vitimização e estimular a ajuda às o título «Recomendações para a aplicação da Decla-
vítimas em situação de carência; ração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às
b) incentivar os esforços colectivos e a partici- Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder». As
pação dos cidadãos na prevenção do crime; fontes relativas às normas sobre o tratamento das
c) examinar regularmente a legislação e as prá- vítimas de conflitos são indicadas sob o título «Pro-
ticas existentes, a fim de assegurar a respectiva adap- tecção das vítimas de conflitos».
tação à evolução das situações;
d) adoptar e aplicar legislação que proíba actos NOTA PARA OS FORMADORES: convém igualmente
contrários às normas internacionalmente reco- referir o capítulo XVII do presente manual, que trata
nhecidas no âmbito dos direitos humanos, do da Aplicação da Lei e Direitos das Mulheres, e em
208
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
b) permitindo que as opiniões e as preocupa- ções sociais – por exemplo, na família, comunidade
ções das vítimas sejam apresentadas e examinadas ou o local de trabalho. Mais uma vez, estes méto-
nas fases adequadas do processo, quando os seus dos não impedem o decurso normal do procedi-
interesses pessoais estejam em causa, sem prejuízo mento de justiça penal.
dos direitos da defesa e no quadro do sistema de
justiça penal do país; 846. RESTITUIÇÃO: o parágrafo 8.o da Declaração
c) prestando a assistência adequada às vítimas dispõe que os autores de actos criminosos ou os
ao longo de todo o processo; terceiros responsáveis pelo seu comportamento
d) tomando medidas para minimizar, tanto devem, se necessário, reparar de forma equitativa
quanto possível, as dificuldades encontradas pelas o prejuízo causado às vítimas, às suas famílias ou
vítimas, proteger a sua vida privada e garantir a sua às pessoas a seu cargo. Tal reparação deve incluir
segurança, bem como a da sua família e das suas a restituição dos bens, uma indemnização pelo
testemunhas; prejuízo ou pelas perdas sofridas.
e) evitando demoras desnecessárias na resolução
das causas e na execução das decisões ou senten- 847. Por vezes a polícia apreende bens dos réus
ças que concedam indemnizações às vítimas. e retém-nos enquanto espera a conclusão do
processo judiciário. Na medida em que a «resti-
Esta última disposição está em conformidade com tuição de bens» constitui um aspecto importante
o direito de toda a pessoa acusada a ser julgada sem da restituição, parece evidente que os bens
demoras excessivas, o qual se encontra enunciado apreendidos pela polícia devem ser entregues
no parágrafo 3 c) do artigo 14.o do Pacto Interna- às vítimas logo que possível. A necessidade de
cional sobre os Direitos Civis e Políticos, no pará- reter os bens como elemento de prova deve
grafo 1 d) do artigo 7.o da Carta Africana dos geralmente ser examinada pelos legisladores e
Direitos do Homem e dos Povos, no artigo 8.o da especificamente pela polícia e Ministério Pú-
Convenção Americana sobre Direitos Humanos e blico em cada caso concreto.
no artigo 6.o da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem. 848. A INDEMNIZAÇÃO COMO SANÇÃO: o pará-
grafo 9.o da Declaração dispõe que os Governos
844. MEIOS NÃO OFICIAIS DE SOLUÇÃO DE DIFE- devem reexaminar as respectivas práticas, regula-
RENDOS: o parágrafo 7.o da Declaração dos Prin- mentos e leis, de modo a fazer que a restituição
cípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da conste da sentença nos casos penais, para além das
Criminalidade e de Abuso de Poder dispõe que os outras sanções penais.
meios, tais como a mediação, a arbitragem e as prá-
ticas de direito consuetudinário ou as práticas 849. A REABILITAÇÃO DO AMBIENTE : o pará-
autóctones de justiça devem ser utilizados, grafo 10.o da Declaração dispõe que em todos os
quando se revelem adequados, para facilitar a casos em que sejam causados graves danos ao
conciliação e obter uma indemnização em favor ambiente, a restituição deve incluir, na medida
das vítimas. do possível, a reabilitação do ambiente, a repo-
sição das infra-estruturas e a substituição dos
845. Estes meios não são propostos como alter- equipamentos colectivos.
nativas aos procedimentos de justiça penal, tendo
antes por objecto resolver os diferendos e facilitar 850. R ESPONSABILIDADE DO E STADO POR
a conciliação, independentemente do curso que ACTOS DOS SEUS FUNCIONÁRIOS E AGENTES : O
assuma o processo de justiça penal. Os termos parágrafo 11.o da Declaração prevê que, quando
«práticas de direito consuetudinário» e «práticas funcionários ou outras pessoas, agindo a título
autóctones de justiça» dizem respeito aos proces- oficial ou quase oficial, tenham cometido uma
sos que permitem tratar os diferendos que surjam infracção penal, as vítimas devem receber a res-
no âmbito dos mecanismos tradicionais e das rela- tituição por parte do Estado cujos funcionários
210
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
860. É evidente que as violações das normas inter- maior parte das recomendações relacionam-se
nacionais em matéria de direitos humanos que com o objectivo do presente Manual e são adiante
constituem igualmente violações da legislação resumidas.
penal nacional serão visadas pelas disposições
desta legislação. Os parágrafos 1.o a 17.o da Decla- 865. Recomenda-se aos ESTADOS MEMBROS:
ração aplicam-se a estas violações.
a) que adoptem e apliquem as disposições da
861. NORMAS NACIONAIS E INDEMNIZAÇÃO: o Declaração em conformidade com os seus proce-
parágrafo 19.o da Declaração determina que os dimentos constitucionais e com a sua prática
Estados deveriam encarar a possibilidade de inser- nacional;
ção de normas que proíbam os abusos de poder e b) que examinem os métodos utilizados para
que prevejam reparações às vítimas de tais abusos ajuda às vítimas, incluindo a indemnização ade-
nas suas legislações nacionais. Entre tais repara- quada por um prejuízo ou dano efectivamente
ções deveriam figurar, nomeadamente, a restitui- sofrido, que identifiquem os inconvenientes que
ção e a indemnização, bem como a assistência e o eles acarretam e os meios de os contornar, de
apoio de ordem material, médica, psicológica e forma a responder eficazmente às necessidades das
social que seja necessário. vítimas;
c) que adoptem as medidas adequadas para pro-
862. ADESÃO A CONVENÇÕES: o parágrafo 20.o da teger as vítimas contra abusos, calúnias ou inti-
Declaração dispõe que os Estados deveriam enca- midações no decurso ou no seguimento de um
rar a possibilidade de negociar convenções inter- processo penal ou de outro processo relativo ao
nacionais multilaterais em favor da protecção dos delito, incluindo a instituição de recursos eficazes.
direitos humanos.
866. Recomenda-se aos ESTADOS MEMBROS, EM
863. LEGISLAÇÃO E PRÁTICAS: O parágrafo 21. da o
COLABORAÇÃO COM OS SERVIÇOS, INSTITUIÇÕES
Declaração dispõe que os Estados deveriam: E ORGANIZAÇÕES COMPETENTES que se esforcem
para:
a) reexaminar periodicamente a legislação e as
práticas em vigor, com vista a adaptá-las à evolu- a) encorajar o fornecimento de assistência e
ção das situações; socorro às vítimas de criminalidade, tendo em
b) adoptar e aplicar, se necessário, textos legis- conta os diferentes sistemas sociais, culturais e
lativos que proibissem qualquer acto que consti- jurídicos e a experiência adquirida na utilização dos
tua um grave abuso de poder político ou diferentes mecanismos e métodos de prestação
económico; de tais serviços, bem como o estado actual dos
c) incentivar as políticas e os mecanismos de pre- conhecimentos sobre a vitimização;
venção destes actos; b) desenvolver uma formação apropriada de
d) estabelecer direitos e recursos apropriados e todos aqueles que prestam serviços às vítimas,
facilmente acessíveis para as vítimas de tais actos. com vista a permitir-lhes que adquiram compe-
tências e a compreensão necessárias para ajudar
e) Recomendações para a aplicação as vítimas a enfrentar os efeitos psicológicos da
da Declaração dos Princípios Básicos delinquência e a ultrapassar eventuais preconcei-
de Justiça Relativos às Vítimas tos, bem como fornecer informações factuais;
da Criminalidade e de Abuso de Poder c) criar meios de comunicação eficazes entre
todos aqueles que se ocupam das vítimas, orga-
864. Como já vimos acima (parágrafo 833), o Con- nizar cursos e reuniões e divulgar informações,
selho Económico e Social, na sua resolução com vista a permitir-lhes evitar que o funciona-
1989/57 formulou recomendações para a aplicação mento do sistema agrave os prejuízos sofridos
da Declaração das Nações Unidas de 1985. A pelas vítimas;
212
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
em tais circunstâncias. Sempre que seja possível, profissionais, bem como à procura e troca de
convém conceder uma prioridade especial à pro- informações.
tecção e assistência em favor dessas vítimas.
876. Devem ser envidados todos os esforços para
assegurar o respeito por estas normas, desde que tal
3. CONCLUSÕES não ocorra em detrimento dos direitos dos suspei-
tos. O primeiro destes direitos é, sem dúvida, a pre-
874. As normas enunciadas na Declaração dos sunção de inocência. Este direito, bem como outros
Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas importantes direitos dos suspeitos, é examinado de
da Criminalidade e de Abuso de Poder e noutros forma bastante detalhada nos capítulos precedentes,
instrumentos destinados a assegurar a protecção nomeadamente nos capítulos XI (Investigações
das vítimas são normas fundamentais, já que per- Policiais), XII (Captura) e XIII (Detenção).
mitem avaliar o grau de protecção concedido às
vítimas pelos diferentes órgãos do Estado. 877. Tanto a falta de conhecimento sobre os direi-
tos das vítimas, como a ausência de protecção dos
875. Nos casos em que estas normas são incor- direitos dos suspeitos conduzem a uma perda de
poradas na legislação nacional é necessário asse- confiança na capacidade do Estado para proteger
gurar a aplicação efectiva dessa legislação, através as pessoas sob a sua jurisdição. A manutenção
de diferentes medidas impostas e recomendadas desta confiança é essencial para que o respeito
nos textos acima considerados. Estas medidas pela aplicação da lei possa ser assegurado de
dizem especialmente respeito à formação dos forma eficaz, ética e humana.
Recomendações para todos • Informar, de forma clara e compreensível, todas as vítimas sobre a exis-
os agentes p0liciais tência de serviços de assistência jurídica, material, médica, psicológica e social.
No caso de as vítimas o desejarem, colocá-las directamente em contacto
com esses serviços.
}
}
Recomendações • Prever uma formação em matéria de assistência às vítimas para todos
para os funcionários os funcionários.
com responsabilidades
de comando e supervisão • Estabelecer uma estreita cooperação com os organismos e programas que
fornecem assistência médica, social, jurídica e outras às vítimas.
214
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
Enquanto membro de um grupo de trabalho 5). Examine os mecanismos oficiosos de solu-
nomeado pelo seu chefe, faça recomendações ção de diferendos junto das vítimas e autores de
sobre os seguintes pontos: crimes, tais como a mediação, a arbitragem e as prá-
ticas de direito consuetudinário existentes no seu
a) meios que possam auxiliar os funcionários país. Qual a sua eficácia? Poderiam ser introduzi-
policiais a enfrentar situações difíceis, mantendo- dos outros mecanismos? De que forma é que a polí-
-os porém suficientemente sensíveis em relação às cia se encontra associada a estes mecanismos
vítimas dessas situações; oficiosos? Como é que poderemos aumentar a efi-
b) outros meios, para além da formação, com cácia destes mecanismos?
vista a sensibilizar os polícias para as necessidades
das vítimas; 6). A restituição de bens constitui um importante
c) a estrutura e conteúdo de um programa de for- elemento da restituição para uma vítima de cri-
mação destinado aos membros do seu serviço, minalidade. No seu país, através de que meios é
com vista a sensibilizá-los para as necessidades das que as vítimas podem recuperar os bens que lhe
vítimas e indicar-lhes quais os recursos existentes foram roubados, antes da conclusão do processo
no âmbito e fora do sistema de justiça penal que que iniciaram contra os suspeitos? De que forma
podem ser utilizados para a ajuda às vítimas. poderia ser melhorado o sistema existente de
restituição de bens roubados às vítimas no seu
país?
3. TÓPICOS DE DISCUSSÃO
7). Tanto os suspeitos da prática de crimes, como
1). Analise três exemplos de vitimização grave as vítimas da criminalidade têm direitos, sendo que
de mulheres na sua sociedade e proponha méto- alguns deles podem ser contraditórios, tais como,
dos e directivas que a polícia poderia adoptar para por exemplo, o direito do suspeito a ser libertado
responder às preocupações e às necessidades das sob caução e o direito da vítima à segurança e a não
mulheres vítimas e para evitar uma «dupla viti- temer a prática de um novo crime, ou ainda o
mização». direito do suspeito a beneficiar de tempo e meios
suficientes para preparar a sua defesa e o direito
2). Para além de o Governo ter responsabilida- da vítima obter justiça e a ver o seu caso rapida-
des em matéria de segurança dos cidadãos, a mente decidido. Indique outros direitos que
colectividade e os particulares devem igualmente podem entrar em contradição e discuta a forma de
contribuir para a prevenção do crime e, desta conciliar os direitos destas duas categorias de pes-
forma igualmente da vitimização. Que medidas soas.
podem ser tomadas pela colectividade e pelos
particulares para a prevenção do crime? Como é 8). Examine a forma de adaptar as disposições da
que a polícia pode melhorar os seus esforços Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Rela-
neste domínio? tivos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de
Poder às particularidades jurídicas, sociais e cul-
3). Diversos estudos demonstraram que uma turais do seu país. Elabore um projecto de direc-
importante percentagem dos crimes efectiva- tivas, com vista a ajudar os funcionários policiais
mente cometidos não eram denunciados à polícia. a respeitarem estes princípios.
Será que a polícia deve encorajar a denúncia de uma
maior percentagem de crimes? Que vantagens e 9). Analise a forma como as vítimas de crimina-
inconvenientes é que tal poderá acarretar? lidade se encontram protegidas contra os abusos
e intimidações que podem resultar da sua partici-
4). Que efeitos positivos é que um acréscimo no pação num processo penal e ainda como no seu país
apoio e assistência da polícia às vítimas terá na pre- é assegurada a sua segurança física. Como poderá
venção e despiste de crimes? ser reforçada a protecção das vítimas a este respeito?
216
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
*
Qu
int
ap
ar t
e
QUESTÕES DE COMANDO,
DIRECÇÃO E CONTROLO
217
*
Quinta Parte
cap
ítu
lo
*20
Direitos Humanos
nas questões de comando,
direcção e organização da polícia
• Devem ser mantidos processos claros, completos e exactos no que diz res-
peito aos inquéritos, capturas, detenções, casos de recurso à força e utili-
zação de armas de fogo, assistência às vítimas e todos os aspectos da
actividade da polícia.
219
*
Quinta Parte
• Os serviços de polícia devem instituir um vasto leque de meios que per-
mitam uma utilização diferenciada da força e formar polícias com vista à
utilização destes meios.
• Os polícias que se recusem executar uma ordem ilícita dos seus superio-
res beneficiam de imunidade.
220
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
a. Normas internacionais sobre comando, ordem. Para tal, é antes de mais necessário que a
gestão e organização policial – Informação polícia seja responsabilizada e controlada. A polí-
para as apresentações cia deve ser responsável perante o governo e, por
conseguinte, perante a população por via do pro-
1. INTRODUÇÃO cesso político democrático.
878. Uma das principais funções do Estado consiste 883. O respeito pelos direitos humanos no
na manutenção da paz e da segurança dentro das âmbito do exercício da função policial depende,
suas fronteiras. Apesar de a polícia consistir numa por conseguinte, dos sistemas políticos e jurídi-
das formas para desempenhar esta função, os ser- cos existentes e dos agentes que asseguram o
viços encarregues da aplicação da lei constituem funcionamento destes sistemas, e depende igual-
um elemento importante na governação de um mente de forma crucial dos responsáveis pelo
Estado. comando e direcção dos serviços de polícia.
879. Outra função essencial do Estado consiste 884. Neste capítulo examinaremos as implicações
em assegurar o respeito pelas suas obrigações jurí- da obrigação jurídica de protecção e promoção dos
dicas internacionais em matéria de defesa e pro- direitos humanos para os agentes com responsa-
tecção dos direitos fundamentais das pessoas que bilidades de comando e direcção dos serviços de
se encontram sob a sua jurisdição. Também neste polícia.
caso a polícia constitui um dos meios que permi-
tem ao Estado desempenhar esta função. 2. ASPECTOS GERAIS DOS DIREITOS HUMANOS
NAS QUESTÕES DE COMANDO, DIRECÇÃO E ORGANI-
880. Estas observações têm por objectivo subli- ZAÇÃO DA POLÍCIA
nhar a importância da função policial na admi-
nistração de um Estado e, por conseguinte, a a) Princípios fundamentais
importância de um bom comando e de uma boa
direcção dos serviços de polícia. 885. Os seguintes princípios são essenciais para que
a defesa e protecção dos direitos humanos sejam
881. As obrigações jurídicas internacionais trans- asseguradas pela polícia e no âmbito do exercício
formam-se em obrigações jurídicas nacionais por da função policial:
via das disposições constitucionais e legislativas
adoptadas pelos Estados. Os direitos humanos são • respeito pela lei e sujeição à lei;
assim protegidos pela legislação nacional. No • respeito pela dignidade inerente à pessoa
entanto, a protecção eficaz dos direitos humanos humana;
implica a intervenção do conjunto das actividades • respeito pelos direitos humanos.
governativas, incluindo a função legislativa, orça-
mental, a elaboração de políticas e práticas, o esta- 886. Os serviços de polícia devem ser comandados
belecimento de estruturas e dispositivos no e dirigidos de maneira consentânea com estes prin-
conjunto do aparelho de Estado e no seio dos orga- cípios e em conformidade com o seguinte princí-
nismos públicos e instituições governamentais pio, enunciado na resolução 34/169 da Assembleia
dele dependentes. Geral, de 17 de Dezembro de 1979 (preâmbulo),
através da qual foi adoptado o Código de Conduta
882. No que concerne à função policial, a defesa e para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
protecção dos direitos humanos exigem que seja da Lei:
prestada uma grande atenção aos diferentes aspec-
tos do comando, direcção e administração dos ser- […] todos os órgãos de aplicação da lei devem ser repre-
viços de polícia, bem como das modalidades sentativos da comunidade no seu conjunto, responder
concretas de aplicação da lei e da manutenção da às suas necessidades e ser responsáveis perante ela.
222
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
sujeitos à lei desse Estado. É essencial para a c) enunciando as normas éticas num código de
defesa e protecção dos direitos humanos que os fun- conduta.
cionários policiais estejam pessoalmente sujeitos
à lei em relação aos seus actos ou omissões. 898. Esse código de normas éticas:
895. Um grande número de agentes encarregues a) não deve prever sanções, já que estas se
da aplicação da lei, para além de estarem sujeitos encontram consagradas na lei e nos códigos dis-
à lei, encontram-se igualmente submetidos às ciplinares;
regras e sanções de códigos, tais como os códigos b) deve enumerar valores éticos e relacioná-los
de disciplina aplicáveis no seio dos serviços encar- com os fins e objectivos da organização;
regues da aplicação da lei e unicamente aos mem- c) deve conter directivas de natureza ética tendo
bros desses serviços. A existência de tais códigos explicitamente em consideração os dilemas
não significa que os funcionários policiais não morais e tentações específicas que a polícia deve
devam estar sujeitos à lei do Estado, já que a sua enfrentar.
responsabilidade perante ela é da mais alta
importância. 899. Tendo em conta todos os princípios funda-
mentais acima definidos, em particular os prin-
896. Contudo, no exercício das suas funções, os cípios relativos ao respeito pela dignidade
polícias humana e pelos direitos humanos, bem como
o princípio nos termos do qual a polícia deve
a) devem resolver dilemas morais; responder às necessidades do conjunto da colec-
b) devem fazer face a situações em relação às tividade e responder perante ela ( vide parágra-
quais pensam poder violar a lei, para a obtenção fos 885 e 886):
de resultados;
c) estão submetidos a influências corruptíveis. a) a necessidade de defender e proteger os direi-
tos humanos deve ser expressamente consagrada
Por todas estas razões é muito importante que no código;
as normas gerais de ética dos serviços respon- b) o código de normas éticas deve ser tornado
sáveis pela aplicação da lei sejam do mais alto público.
nível e claramente entendidos e aceites por
todos os agentes. 900. As normas enunciadas numa declaração de
valores éticos ou num código de conduta devem ser
897. Nos casos em que as normas de ética pro- aceites e reconhecidas como válidas para todos os
fissional são de alto nível, os polícias estão em seus destinatários. Para assegurar que tal ocorra,
melhores condições para resolver os problemas pode-se nomeadamente:
morais e de resistir às tentações de ilegalidade
e corrupção. O estabelecimento e manutenção de a) associar todos os membros da organização
um alto nível de ética profissional no seio dos policial à elaboração ou revisão do código, através
organismos policiais constituem assim uma das de um processo de consultas;
tarefas primordiais dos responsáveis pelo b) exigir que os candidatos a um emprego na
comando e direcção da polícia. Esta tarefa pode organização conheçam e aceitem formalmente o
ser desempenhada de diversas formas, nomea- código;
damente: c) apresentar o código, bem como os seus objec-
tivos, no âmbito dos programas de formação.
a) dando o exemplo, através de uma boa prática
de direcção e comando; 901. Convém notar que os textos que enunciam
b) assegurando que todos os polícias estão sujei- normas em matéria de direitos humanos e normas
tos à lei e a qualquer código de disciplina interna; humanitárias, nomeadamente os textos que dizem
224
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
f) Sistemas de comando, direcção Tal significa que os responsáveis pelo comando e
e controlo direcção da polícia devem estabelecer e gerir, no seio
dos serviços encarregues da aplicação da lei, sis-
908. A necessidade de estabelecer, gerir e avaliar temas que permitam:
os sistemas para o comando, direcção e controlo
dos serviços encarregues da aplicação da lei a) que a polícia seja jurídica e politicamente res-
decorre de disposições precisas enunciadas em ponsável – por exemplo, através de sistemas ade-
diversos instrumentos em matéria de direitos quados para a elaboração de relatórios e processos
humanos. Esta necessidade, tal como o demons- que possam ser consultados por pessoas exterio-
tram os diferentes exemplos extraídos de capítu- res ao serviço;
los anteriores, é simultaneamente explícita e b) a comunicação entre a polícia e a população
implícita. local.
226
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
todos os funcionários autorizados a empregar a diz respeito à representatividade da polícia, a qual
força e utilizar armas de fogo. se encontra prevista na resolução 34/169 de 17 de
Dezembro de 1979 da Assembleia Geral (preâm-
922. As disposições dos dois instrumentos acima bulo), através da qual foi adoptado o Código de Con-
mencionados só poderão ser respeitadas se, no duta para os Responsáveis pela Aplicação da Lei.
seio dos serviços encarregues da aplicação da lei, Encontra-se aí concretamente estipulado que todo
existirem sistemas adequados e se esses sistemas o serviço encarregue da aplicação da lei deve ser
forem aplicados e controlados. representativo do conjunto da colectividade, o que
significa que os responsáveis pelo comando e
923. A necessidade de sistemas e estruturas decorre direcção da polícia devem assegurar que o pes-
de outras disposições especiais enunciadas em ins- soal do seu serviço é suficientemente representa-
trumentos em matéria de direitos humanos. A maio- tivo da população local.
ria dos serviços encarregues da aplicação da lei
instituíram a totalidade ou parte dos sistemas neces- 927. Os grupos minoritários devem estar devida-
sários. Contudo, continuam a verificar-se violações dos mente representados no seio dos serviços de polí-
direitos humanos, devido a imperfeições nesses sis- cia, devendo aí poder fazer carreira.
temas, o que significa que os responsáveis pelo comando
e direcção da polícia devem examiná-los permanen- h) Formação
temente a fim de assegurar a respectiva eficácia.
928. Os responsáveis pelo comando e direcção
g) Recrutamento da polícia têm explicitamente o dever de assegu-
rar que os membros do seu serviço recebem a for-
924. As políticas e práticas em matéria de recruta- mação necessária para desempenhar todas as
mento pelos serviços encarregues da aplicação da suas funções.
lei devem ter em conta as considerações seguintes,
já invocadas nos capítulos anteriores deste manual: 929. Tendo em conta os princípios fundamentais
de:
[i] Direitos humanos, polícia e não discriminação a) respeito e sujeição à lei;
b) respeito pela dignidade inerente à pessoa
925. Uma das questões examinadas no capítulo X humana;
(Polícia e Não Discriminação) consiste no direito c) respeito pelos direitos humanos,
de aceder às funções públicas em condições de é essencial que todos os agentes policiais tenham
igualdade. Este direito encontra-se protegido por conhecimento das disposições da legislação
convenções internacionais e regionais e significa nacional, bem como as normas internacionais
que todos os cidadãos que preencham as condições destinadas a garantir os direitos humanos. Tal
exigidas e que o desejem devem poder aceder e par- encontra-se previsto nos Princípios Orientadores
ticipar na função policial. Ninguém poderá ser para a Aplicação Efectiva do Código de Conduta
excluído unicamente por razões, como a raça, cor, para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
sexo ou religião, devendo as únicas considerações da Lei, adoptados pelo Conselho Económico e
a ter em conta para fins de recrutamento ser a Social, através da sua resolução 1989/61, de 24 de
qualidade e competências pessoais dos candidatos Maio de 1989, os quais dispõem que (secção I.A.,
e o número de vagas a preencher no serviço. parágrafo 4):
[ii] Os direitos humanos e a missão da polícia nas Os Governos devem adoptar as medidas necessá-
democracias rias para que os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei recebam instrução, no âmbito da
926. Outra questão examinada no capítulo IX (O formação de base e de todos os cursos posteriores
Papel da Polícia numa Sociedade Democrática) de formação e de aperfeiçoamento sobre as dis-
930. A necessidade de proteger e promover os a) que os poderes públicos devem proibir as ordens
direitos humanos significa igualmente que a de superiores hierárquicos ou de serviços oficiais que
polícia deve receber formação sobre a aplicação autorizem ou incitem outras pessoas a proceder a
prática das normas em matéria de direitos execuções extrajudiciais, arbitrárias ou sumárias;
humanos e das normas humanitárias, isto é, b) que todas as pessoas têm o direito e dever a
deve receber orientações sobre a forma de recusar a execução dessas ordens;
desempenhar as suas funções em conformidade c) que a formação dos funcionários responsáveis pela
com essas normas. aplicação da lei deve insistir sobre estas disposições.
931. Certos textos que enunciam as normas inter- [ii] Tratamento dos detidos
nacionais fazem uma referência expressa à for-
mação, tal como é indicado infra. 934. A Declaração contra a Tortura prevê que, na
formação do pessoal encarregue da aplicação da lei,
[i] Utilização da força se assegure que é plenamente tida em conta a
proibição de tortura e outros tratamentos cruéis,
932. Os Princípios Básicos sobre a Utilização da desumanos ou degradantes (artigo 5.o).
Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Res-
ponsáveis pela Aplicação da Lei exigem que: 935. A Convenção contra a Tortura dispõe que o
ensino e formação sobre a proibição da tortura
a) seja assegurada uma « formação profissional devem ser parte integrante da formação do pessoal
contínua e completa» a todos os funcionários res- encarregue da aplicação da lei (artigo 10.o).
ponsáveis pela aplicação da lei (princípio 18.o);
b) os funcionários responsáveis pela aplicação da [iii] Conflito armado e distúrbios internos
lei recebam uma formação « de acordo com nor-
mas de avaliação adequadas sobre a utilização da 936. Cada uma das quatro Convenções de Genebra de
força» (princípio 19.o); 1949 contém um artigo determinando que os Estados
c) que os funcionários responsáveis pela apli- Partes se comprometem a difundir o texto da Con-
cação da lei obrigados a usar armas de fogo só venção e a incorporar o seu estudo nos programas de
sejam autorizados a fazê-lo «após terem recebido instrução militar e civil. É evidente que estas disposi-
formação especial para a sua utilização» (princí- ções se revestem de grande importância para a formação
pio 19.o); dos membros da polícia, os quais podem ser chama-
d) que, aquando da formação dos responsáveis dos a combater em conflitos armados internacionais.
pela aplicação da lei, seja prestada uma atenção
especial «às questões de ética policial e de direitos 937. A quarta Convenção de Genebra, sobre a Pro-
humanos, em particular no âmbito da investigação, tecção de Pessoas Civis em Tempo de Guerra esti-
aos meios de evitar a utilização da força ou de pula que as autoridades de polícia que assumam
armas de fogo, incluindo a resolução pacífica de responsabilidades em relação às pessoas protegi-
conflitos, ao conhecimento do comportamento de das «deverão especialmente incluir no seu estudo»
multidões e aos métodos de persuasão, de nego- as disposições da Convenção (artigo 144.o).
ciação e mediação, bem como aos meios técnicos,
tendo em vista limitar a utilização da força ou de [iv] Protecção dos jovens
armas de fogo» (princípio 20.o);
e) que os programas de formação sejam revistos 938. As Regras Mínimas das Nações Unidas para
em função de incidentes concretos (princípio 20.o). a Administração da Justiça de Menores dispõem que
228
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
os agentes policiais « os polícias que se ocupam fre- a necessidade de terem plenamente em conta as
quentemente, ou exclusivamente, de jovens ou implicações das suas responsabilidades em rela-
que se dedicam essencialmente à prevenção da ção ao imperativo legal de defender e proteger os
delinquência juvenil» devem receber uma instru- direitos humanos, para que a função policial seja
ção e uma formação especiais (regra 12). executada de forma eficaz e em conformidade
com as normas em matéria de direitos humanos
[v] Protecção das vítimas e sua indemnização e as normas humanitárias. Tal aplica-se tanto às
operações planeadas e concertadas levadas a cabo
939. A Declaração dos Princípios Básicos de Jus- sob o controlo directo dos chefes ou superiores hie-
tiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de rárquicos, como às actividades não supervisiona-
Abuso de Poder determina que o pessoal dos ser- das desenvolvidas por cada agente de polícia no
viços de polícia e dos outros serviços interessados âmbito do seu trabalho de rotina. No primeiro
deve receber uma formação que o sensibilize para caso:
as necessidades das vítimas, bem como instru-
ções que garantam uma ajuda pronta e adequada a) a necessidade de defender e proteger os direi-
às vítimas (parágrafo 16). tos humanos pela polícia e no âmbito da função
policial deve ser tida em consideração aquando da
940. Todas as disposições acima mencionadas que planificação, preparação e execução das operações
se referem expressamente à formação dizem res- de polícia;
peito a importantes domínios da actividade da b) as reuniões organizadas para os polícias antes
polícia e devem ser tidas em conta aquando da e depois de uma operação devem fazer uma refe-
elaboração das políticas de formação e ser con- rência expressa às questões que essa operação
cretizadas nas acções práticas de formação. levanta do ponto de vista dos direitos humanos.
Regra geral • Dirigir um serviço de polícia não consiste num trabalho de escritório. Siga
para os funcionários de perto as realidades operacionais, mantenha-se atento aos sentimentos
com responsabilidades e preocupações da população local e permaneça em estreito contacto com
de comando e supervisão
os seus subordinados.
}
}
230
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
• Apelar à assistência técnica disponibilizada pelos programas internacio-
nais e bilaterais a fim de desenvolver métodos, competências e capacida-
des técnicas que permitam uma aplicação da lei adequada e eficaz.
1). Defina as tarefas de cada um dos três agen- 3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO
tes policiais. Indique nomeadamente os objectivos
gerais da sua afectação, as competências especiais 1). Quais são os argumentos existentes a favor e
que podem possuir e que se poderiam revelar contra a nomeação de um profissional de relações
úteis em cada uma das três organizações, bem públicas para uma organização de polícia?
232
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*21
Investigação das violações
cometidas pela polícia
Princípios fundamentais • Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e pro-
teger a dignidade da pessoa humana e defender os direitos humanos de todos.
233
*
Quinta Parte
• Os superiores hierárquicos devem ser responsabilizados nos casos em que,
tendo conhecimento ou devendo ter conhecimento de que foi cometido um
abuso, não tomaram todas as medidas no seu poder para o prevenir.
• Os agentes policiais que se recusem a executar uma ordem ilícita dos seus
superiores devem receber imunidade contra acções penais e sanções disci-
plinares.
a. Normas internacionais sobre a investiga- gações e controlos. Estas disposições são exami-
ção de violações de direitos humanos pela nadas de forma mais detalhada na secção 2 b
polícia – Informação para as apresentações infra e são próprias de instrumentos que dizem
mais concretamente respeito à questão dos direi-
1. INTRODUÇÃO tos humanos e à aplicação da lei, sendo impor-
tante que os agentes policiais delas tenham
944. A obrigação jurídica que recai sobre os Esta- conhecimento.
dos no sentido de estes defenderem e protegeram
os direitos fundamentais das pessoas que se 947. Se, por um lado, não é necessário que os
encontram sob a sua jurisdição, significa que agentes policiais tenham um conhecimento deta-
existe uma exigência geral de investigar alegações lhado dos procedimentos e organismos interna-
de violações de direitos humanos, visto que os cionais estabelecidos para controlar a forma como
direitos humanos não se encontram protegidos os Estados defendem e protegem os direitos
sempre que a sua violação não for alvo de uma humanos, parece-nos importante que aqueles
investigação. tenham conhecimento da existência desses orga-
nismos e procedimentos. Eles serão, por isso,
945. Este imperativo de carácter geral é reforçado invocados na subsecção 2 d infra.
por medidas internacionais de controlo e aplicação.
Foram, por exemplo, estabelecidos procedimentos 948. A secção 2 c diz respeito às investigações que
e organismos no âmbito de certos instrumentos em podem estar na origem de informação relativas a
matéria de direitos humanos, com o objectivo de desaparecimentos forçados ou involuntários.
controlar a aplicação das respectivas disposições.
Sempre que estes procedimentos sejam invoca-
dos, um Estado poderá ser convidado a explicar a 3. ASPECTOS GERAIS
razão pela qual não respeitou as disposições de um
ou outro instrumento, situação essa que pode (a) Princípios fundamentais
requerer a realização de uma investigação sobre
uma violação dos direitos humanos. 949. O princípio da responsabilidade reveste-se de
uma importância capital para as investigações
946. Mais concretamente, certos instrumentos relativas a violações dos direitos humanos – no que
em matéria de direitos humanos, contêm dispo- diz respeito à responsabilidade dos serviços encar-
sições que obrigam de forma inequívoca os Esta- regues da aplicação da lei perante a colectividade,
dos a investigar as queixas relativas a violações de através de processos políticos democráticos e da res-
normas neles enunciadas, enquanto que outros ponsabilização de cada membro destes serviços
obrigam os Estados a estabelecer mecanismos e perante a lei, visto que sem responsabilidade não
procedimentos que possam conduzir a investi- poderá existir uma investigação válida.
234
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
950. O segundo princípio fundamental decorre do A alínea c do comentário ao artigo 8.o tem a
primeiro e exige que as investigações sejam com- seguinte redacção:
pletas, rápidas e imparciais.
A expressão «autoridade com poderes de controlo e de
(b) Disposições precisas relativas reparação competentes» refere-se a qualquer autori-
às queixas, controlo e investigações dade ou organismo existente ao abrigo da legislação
nacional, quer esteja integrado nos organismos de apli-
951. O facto de as disposições relativas às queixas, cação da lei quer seja independente destes, com pode-
controlo e investigações estarem incorporadas nos res estatutários, consuetudinários ou outros para
instrumentos que consagram determinadas normas examinarem reclamações e queixas resultantes de vio-
em matéria de direitos humanos aplicáveis aos lações deste Código.
funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
demonstra a importância que a comunidade inter- A alínea d do mesmo comentário tem o seguinte
nacional lhes atribui. Estas disposições são enun- conteúdo:
ciadas de seguida em relação a cada instrumento
concreto. Nalguns países, pode considerar-se que os meios de
comunicação social («mass media») desempenham
[i] Código de Código de Conduta funções de controlo, análogas às descritas na alínea
para os Funcionários Responsáveis anterior. Consequentemente, os funcionários respon-
pela Aplicação da Lei sáveis pela aplicação da lei poderão como último
recurso e com respeito pelas leis e costumes do seu país
952. A resolução 34/169 da Assembleia Geral, de e pelo disposto no artigo 4.o do presente Código, levar
17 de Dezembro de 1979, através da qual foi adop- as violações à atenção da opinião pública através dos
tado o Código de Conduta, dispõe (preâmbulo): meios de comunicação social.
[…] que os actos dos funcionários responsáveis pela NOTA PARA OS FORMADORES : o artigo 4. o do
aplicação da lei devem estar sujeitos ao escrutínio Código de Conduta estipula que as informações
público, exercido por uma comissão de controlo, um de carácter confidencial que se encontram no
ministério, um procurador-geral, pela magistratura, poder dos funcionários responsáveis pela aplica-
por um provedor, uma comissão de cidadãos, ou por ção da lei devem ser mantidas em segredo «a não
vários destes órgãos, ou ainda por um outro organismo ser que o cumprimento do dever ou as necessi-
de controlo. dades da justiça estritamente exijam outro com-
portamento».
953. O artigo 8.o do Código de Conduta dispõe o
seguinte: 954. O Conselho Económico e Social, através
da resolução 1989/61, de 24 de Maio de 1989,
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei adoptou os Princípios Orientadores para a
devem respeitar a lei e o presente Código. Devem, tam- Aplicação Efectiva do Código de Conduta para
bém, na medida das suas possibilidades, evitar e opor- os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
se vigorosamente a quaisquer violações da lei ou do da Lei.
Código.
O parágrafo 3.o da secção I.B. destes Princípios
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei que dispõe o seguinte:
tiverem motivos para acreditar que se produziu ou irá
produzir uma violação deste Código, devem comunicar Disciplina e supervisão. Devem ser estabelecidos meca-
o facto aos seus superiores e, se necessário, a outras auto- nismos eficazes para assegurar a disciplina interna e o
ridades com poderes de controlo ou de reparação com- controlo externo assim como a supervisão dos funcio-
petentes. nários responsáveis pela aplicação da lei.
Queixas de particulares. Devem ser adoptadas disposi- Sempre que haja motivos razoáveis para crer que foi
ções especiais, no âmbito dos mecanismos previstos pelo cometido um acto de tortura tal como definido no
parágrafo 3, para o recebimento e tramitação de quei- artigo 1.o, as autoridades competentes do Estado inte-
xas formuladas por particulares contra os funcionários ressado procederão oficiosamente e sem demora a uma
responsáveis pela aplicação da lei, e a existência destas investigação imparcial.
disposições será dada a conhecer ao público.
O artigo 10.o determina o seguinte:
955. Da conjugação destas disposições podemos
concluir que: Se da investigação a que se referem os artigos 8.o ou 9.o
resultar que foi cometido um acto de tortura tal como
a) os actos dos diferentes membros do pessoal definido no artigo 1.o, haverá lugar a procedimeto penal
dos responsáveis pela aplicação da lei devem ser contra o suposto culpado ou culpados, em conformidade
controlados oficialmente por organismos eficazes com a legislação nacional. Se se considerar fundada
e independentes desses mesmos serviços; uma alegação de outras formas de penas ou tratamen-
b) devem ser estabelecidos mecanismos disci- tos cruéis, desumanos ou degradantes, o suposto cul-
plinares eficazes no seio dos serviços responsáveis pado ou culpados serão submetidos a procedimentos
pela aplicação da lei; penais, disciplinares ou outros procedimentos ade-
c) estes organismos e mecanismos devem ser quados.
acessíveis aos particulares e aos funcionários res-
ponsáveis pela aplicação da lei que pretendam comu- [iii] Convenção contra a Tortura e outras Penas ou
nicar uma violação ou dar início a um inquérito. Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes
Todas estas disposições podem dar origem à aber-
tura de inquéritos sobre as violações de direitos 958. As disposições da Declaração contra a Tortura
humanos cometidas pela polícia. encontram-se desenvolvidas na Convenção, na qual
é acrescentada a obrigação de indemnizar as vítimas.
[ii] Declaração sobre a Protecção de todas
as Pessoas contra a Tortura e outras Penas 959. O artigo 12.o da Convenção estipula o
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes seguinte:
956. Em conformidade com a Declaração contra Os Estados partes deverão providenciar para que as
a Tortura, toda a pessoa que alegue ter sido sujeita suas autoridades competentes procedam imediata-
a tortura tem o direito de apresentar queixa, mente a um rigoroso inquérito sempre que existam
devendo os alegados casos de tortura ser alvo de motivos razoáveis para crer que um acto de tortura foi
um inquérito, independentemente do facto de ter praticado em qualquer território sob a sua jurisdição.
sido apresentada uma queixa. Deve ser instau-
rado um processo penal contra os presumíveis O artigo 13.o convenciona que:
autores.
Os Estados partes deverão garantir às pessoas que ale-
957. O artigo 8.o da Declaração dispõe o seguinte: guem ter sido submetidas a tortura em qualquer terri-
tório sob a sua jurisdição o direito de apresentar queixa
Toda a pessoa que alegue ter sido submetida a tor- perante as autoridades competentes desses Estados,
tura ou a outras penas ou tratamentos cruéis, desu- que procederão de imediato ao exame rigoroso do caso.
manos ou degradantes, por um funcionário público Deverão ser tomadas medidas para assegurar a protec-
ou a instigação do mesmo, terá direito a que o seu ção do queixoso e das testemunhas contra maus tratos
caso seja examinado imparcialmente pelas autori- ou intimidações em virtude da apresentação da queixa
dades competentes do Estado visado. ou da prestação de declarações.
236
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
O artigo 14.o dispõe que: causa, a forma e o momento da morte, a pessoa res-
ponsável e o procedimento ou prática susceptível de a
1). Os Estados partes deverão providenciar para que ter provocado. Durante a investigação será feita uma
o seu sistema jurídico garanta à vítima de um acto de autópsia adequada, serão recolhidas e analisadas todas
tortura o direito de obter uma reparação e de ser indem- as provas materiais e documentais e serão ouvidos os
nizada em termos adequados, incluindo os meios depoimentos das testemunhas. A investigação distinguirá
necessários à sua completa reabilitação. Em caso de entre a morte por causas naturais, a morte por aci-
morte da vítima como consequência de um acto de tor- dente, o suicídio e o homicídio.
tura, a indemnização reverterá a favor dos seus herdeiros.
964. O princípio 10.o estipula que a autoridade
2). O presente artigo não exclui qualquer direito a encarregue da investigação deverá ter todos os
indemnização que a vítima ou outra pessoa possam poderes para obter as informações necessárias e dis-
ter por força das leis nacionais. porá de todos os recursos de que necessite, por
forma a desempenhar a sua tarefa conveniente-
960. O artigo 4.o da Convenção requer que todos mente, devendo estar nomeadamente habilitada a
os actos de tortura, bem como a tentativa de come- citar testemunhas, incluindo os funcionários em
ter tortura e a cumplicidade ou participação na causa, e fazê-las prestar testemunho.
prática de actos de tortura constituam infracções
à luz do direito penal. [v] Conjunto de princípios para a protecção
de todas as pessoas sujeitas a qualquer tipo
961. Tanto a Declaração como a Convenção contêm de detenção ou prisão
disposições exigindo o início de investigações em
casos de alegada tortura ou maus por parte de res- 965. Em conformidade com o parágrafo 2.o do prin-
ponsáveis pela aplicação da lei ou nos casos em que cípio 7.o deste instrumento, os funcionários que
tais responsáveis sejam, de outra forma, suspeitos tenham razões para crer que ocorreu ou está iminente
de estar implicados em actos de tortura. uma violação do Conjunto de Princípios, devem
comunicar esse facto aos seus superiores e, sendo
[iv] Princípios Relativos a uma Prevenção Eficaz necessário, a outras autoridades ou instâncias de
e Investigação das Execuções Extrajudiciais, controlo ou de recurso competentes. Em conformi-
Arbitrárias ou Sumárias dade com o parágrafo 3.o do princípio 7.o, qualquer
outra pessoa tem direito a comunicar esse facto.
962. Este instrumento contém um certo número
de disposições detalhadas sobre as investigações 966. O princípio 29.o prevê que os lugares de
relativas às execuções extrajudiciais, muitas de detenção sejam inspeccionados regularmente por
entre elas aplicáveis por analogia a outros tipos de pessoas qualificadas e experientes, nomeadas por
violações dos direitos humanos. uma autoridade competente diferente da autoridade
directamente encarregada da administração do
963. O princípio 9.o enuncia o seguinte: local de detenção. O seu objectivo é de assegurar
o respeito pelas leis e regulamento aplicáveis, esti-
Proceder-se-á a uma investigação exaustiva, imediata pulando este mesmo princípio que os detidos têm
e imparcial de todos os casos em que haja suspeita de o direito de comunicar em regime de absoluta
execuções extrajudiciais, arbitrárias ou sumárias, confidencialidade com as pessoas que inspeccio-
incluindo aqueles em que as queixas de parente ou nam os lugares de detenção.
outras informações credíveis faça pensar que se verifi-
cou uma morte não devida a causas naturais, nas refe- 967. O princípio 33.o dispõe que:
ridas circunstâncias. Os Governos manterão órgãos e
procedimentos de investigação para realizar tais inqué- a) a pessoa detida ou presa, ou o seu advogado,
ritos. A investigação terá como objectivo determinar a têm o direito de apresentar um pedido ou queixa rela-
238
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
violações dos direitos humanos, nomeadamente das âmbito nacional. Todos os Estados têm o dever de asse-
violações dos seguintes direitos: gurar uma legislação adequada e uma magistratura
independente e o respeito e observância pelos direi-
a) direito à vida; tos humanos, através de instituições democráticas.
b) direito à liberdade e à segurança da pessoa; Esta tarefa e este dever compreendem a obrigação de
c) direito a um tratamento humano para os detidos. investigar as violações de direitos humanos.
977. Quando os agentes encarregues da aplicação 981. Devido à natureza do papel da polícia e à vul-
da lei são responsáveis por desaparecimentos for- nerabilidade dos direitos humanos face à actividade
çados ou involuntários e consequentemente por policial, é altamente provável que as violações de
violações dos direitos humanos, as comunicações direitos humanos pela polícia constituam infrac-
entre o Grupo de Trabalho e os governos podem ções penais.
conduzir à abertura de inquéritos sobre as violações
de direitos humanos cometidas por esses agentes. 982. Os agentes policiais suspeitos ou acusados de
terem cometido infracções que constituam violações
978. O Grupo de Trabalho desempenha o seu papel dos direitos humanos devem estar sujeitos aos pro-
sempre que é determinado o paradeiro de uma pes- cedimentos normais de investigação existentes no
soa desaparecida no seguimento de um inquérito, Estado em causa. Da mesma forma, as acusações
independentemente do facto de a pessoa estar viva penais dirigidas contra agentes policiais devem ser
ou não. A sua acção assenta no princípio de que os examinadas pela jurisdição penal normal.
Estados devem assumir a responsabilidade pelas
violações de direitos humanos cometidas no seu 983. Constituem assim fundamentos da protecção
território, o que significa nomeadamente que dos direitos humanos a nível nacional a existên-
devem investigar as alegações de violações de direi- cia de uma magistratura independente e de um sis-
tos humanos cometidas pelos agentes policiais. tema legislativo que funcione correctamente.
Inúmeros países estabeleceram, contudo, insti-
(d) Procedimentos e organismos tuições que complementam o papel da magistra-
internacionais estabelecidos com vista tura e dos tribunais neste domínio, as quais
a supervisionar o respeito pelas normas podem oferecer meios suplementares de investi-
de direitos humanos gação sobre as violações de direitos humanos
cometidas pela polícia. Estas instituições podem
979. Tal como foi indicado na introdução ao pre- ser classificadas de acordo com três grandes cate-
sente capítulo, os agentes policiais não necessitam gorias:
de um conhecimento profundo sobre este aspecto
da questão, sendo contudo importante que estejam a) comissões de direitos humanos – são esta-
ao corrente da existência dos mecanismos inter- belecidas para assegurar a aplicação da lei e dos
nacionais encarregues de controlar o comporta- regulamentos que protegem os direitos humanos.
mento da polícia. Os utilizadores do manual que Estas comissões têm igualmente competência
pretendam obter uma visão geral destes mecanis- (pela legislação ou por decreto) para receber e exa-
mos e organismos deverão assim recorrer ao capí- minar queixas de particulares ou de grupos de
tulo VII (Fontes, sistemas e normas de direitos indivíduos, controlar a política do governo em
humanos relevantes no domínio da aplicação da lei). matéria de direitos humanos e melhorar o conhe-
cimento geral em matéria de direitos humanos
da população;
3. CONCLUSÕES b) serviços dos provedores de justiça (ombuds-
person) – estabelecidos para proteger os direitos
980. A tarefa de defesa e protecção dos direitos das pessoas que se queixam de ter sido vítimas de
humanos consiste, antes de mais, numa tarefa de injustiças por parte da administração pública. Os
Regra geral • Emitir instruções permanentes e precisas e prever uma formação perió-
para os funcionários dica no que diz respeito aos direitos fundamentais de todas as pessoas que
com responsabilidade tenham contacto com a polícia. Insistir no facto de que todos os agentes
de comando e supervisão
policiais têm simultaneamente o direito e o dever de desafiar as ordens ilí-
citas dos seus superiores e de participar imediatamente o caso a um fun-
cionário hierarquicamente superior.
• Afastar qualquer agente implicado num caso de violação dos direitos huma-
nos enquanto se aguarda o resultado da investigação. No caso de, após um
julgamento, o agente ser tido como culpado devem ser-lhe impostas sanções
penais e disciplinares. No caso de o agente ser declarado inocente, o seu bom
nome deve ser reabilitado e todos os seus benefícios devem ser restabelecidos.
240
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
• Estabelecer directivas claras para a elaboração de relatórios e para a reco-
lha e preservação de provas, bem como de procedimentos para a protec-
ção do carácter confidencial das testemunhas.
2). Foi-lhe pedido que redigisse a versão preli- O mandato do grupo de trabalho consiste em:
minar do capítulo de um código de disciplina
interna no qual serão definidos os actos e omissões Fazer recomendações ao Ministro da Administra-
cometidos por funcionários policiais que consti- ção Interna a propósito do estabelecimento de um
tuirão infracções a esse código. sistema de investigação sobre as alegações e quei-
xas relativas a infracções penais e violações dos direi-
a) Que actos e omissões é que incluiria nesse tos humanos cometidas pela polícia, fazendo uma
capítulo? referência especial:
b) Qualificaria a «violação dos direitos huma-
nos» como uma infracção especial do código, ou a) à necessidade de garantir que os particulares
identificaria os actos concretos que corresponde- tenham um fácil acesso a este sistema;
riam a violações dos direitos humanos, qualifi- b) à composição do serviço de investigação do
cando-os como infracções? Indique as razões que ponto de vista do perfil profissional e das qualifi-
presidiram à sua escolha. cações dos seus membros;
c) aos poderes que devem ser atribuídos a esse
3). Pediram-lhe que desse a sua opinião sobre a serviço, por forma a permitir-lhe desempenhar as
preparação de um estágio de formação destinado suas funções;
aos mais altos funcionários da polícia recente- d) à necessidade de conservar a confiança do
mente nomeados: público e da polícia no seio do sistema.
242
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Ministério da Administração Interna e advogados países, se pode considerar que os meios de comu-
para fazer recomendações detalhadas, tendo em nicação social desempenham as funções de controlo
vista o estabelecimento de um novo sistema para em relação aos recursos ou queixas contra os fun-
o tratamento das queixas e alegações relativas a cionários responsáveis pela aplicação da lei. Em que
infracções penais e violações dos direitos humanos circunstâncias é que lhe parece aceitável que um
pela polícia. Este comité publicou um relatório funcionário de polícia comunique violações ao
preliminar contendo as seguintes propostas: código de conduta a um jornal?
a) todas as queixas contra a polícia e todas as ale- 2). Que medidas poderão ser adoptadas no seio
gações de infracções penais ou violações de das organizações de polícia para assegurar que os
direitos humanos contra a polícia devem ser apre- membros das organizações comuniquem as vio-
sentadas pessoalmente ou por escrito numa lações de direitos humanos cometidas por colegas?
esquadra de polícia;
b) todas as queixas ou alegações recebidas atra- 3). O que poderá ser feito para assegurar à popu-
vés deste procedimento devem ser registadas; lação que as investigações levadas a cabo por fun-
c) os registos de queixas e alegações contra a polí- cionários da polícia sobre actos ilegais, incluindo
cia devem poder ser inspeccionados a todo o momento violações de direitos humanos cometidos por
por juízes, magistrados, advogados dos autores das outros agentes policiais, são completas e rigorosas?
queixas ou das alegações, bem como pelos funcio-
nários do Ministério da Administração Interna; 4). Identifique os diferentes meios que permitem dar
d) todas estas queixas ou alegações devem ser exa- a conhecer ao público os sistemas adoptados para inves-
minadas imediatamente e de forma detalhada por tigar as violações de direitos humanos cometidas pela
polícias especializados; polícia. Qual a melhor forma de tornar estes sistemas
e) todos estes exames devem ser controlados acessíveis ao público, por forma a que nada impeça a
por um comité judicial. apresentação de queixas relativas a tais violações?
O Comité governamental consultou diversos orga- 5). Na sua opinião parece-lhe que a polícia deve
nismos interessados: investigar alegações de actos ilegais, incluindo vio-
lações de direitos humanos, cometidas pelos seus
a) solicitando-lhes os seus pontos de vista sobre membros, ou acha que estas investigações deverão
os prováveis efeitos e eficácia de um dispositivo que antes ser efectuadas por um organismo total-
assentasse nessas propostas; mente independente?
b) pedindo-lhes que elaborassem recomenda-
ções precisas com vista a dar seguimento a essas 6). Em que circunstâncias e em que medida é que
propostas. os superiores hierárquicos devem ser considerados
responsáveis por violações de direitos humanos
Responda a estes dois pontos em nome: cometidas pelos seus subordinados?
244
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Anexo I
1. DECLARAÇÃO UNIVERSAL 1
Adoptada pela Assembleia cesso público em que todas as garantias necessá-
Geral na sua resolução 217
DOS DIREITOS DO HOMEM1 A (III) de 10 de Dezembro rias de defesa lhe sejam asseguradas.
de 1948.
(Extractos)
[…] 2. Ninguém será condenado por acções ou
omissões que, no momento da sua prática, não
Artigo 3.o constituíam acto delituoso à face do direito interno
Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e ou internacional. Do mesmo modo, não será infli-
à segurança pessoal. gida pena mais grave do que a que era aplicável no
[…] momento em que o acto delituoso foi cometido.
[…]
Artigo 5.o
Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou 2. PACTO INTERNACIONAL 2
Adoptado pela Assembleia
Geral na sua resolução
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. SOBRE OS DIREITOS CIVIS E 2200 A (XXI) de 16 de
Dezembro de 1966.
[…] POLÍTICOS2
(Extractos)
o […]
Artigo 9.
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido
ou exilado. Artigo 6.o
1. O direito à vida é inerente à pessoa humana.
Artigo 10.o Este direito deve ser protegido pela lei: ninguém
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a pode ser arbitrariamente privado da vida.
que a sua causa seja equitativa e publicamente
julgada por um tribunal independente e imparcial 2. Nos países em que a pena de morte não foi
que decida dos seus direitos e obrigações ou das abolida, uma sentença de morte só pode ser pro-
razões de qualquer acusação em matéria penal nunciada para os crimes mais graves, em con-
que contra ela seja deduzida. formidade com a legislação em vigor, no
momento em que o crime foi cometido e que
Artigo 11.o não deve estar em contradição com as disposições
1. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso do presente Pacto nem com a Convenção para a
presume-se inocente até que a sua culpabilidade Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio.
fique legalmente provada no decurso de um pro- Esta pena não pode ser aplicada senão em virtude
Anexos
* 245
de um juízo definitivo pronunciado por um tri- duzido perante um juiz ou uma outra autoridade
bunal competente. habilitada pela lei a exercer funções judiciárias e
deverá ser julgado num prazo razoável ou libertado.
3. Quando a privação da vida constitui o crime A detenção prisional de pessoas aguardando
de genocídio fica entendido que nenhuma dispo- julgamento não deve ser regra geral, mas a sua liber-
sição do presente artigo autoriza um Estado Parte tação pode ser subordinada a garantir que asse-
no presente Pacto a derrogar de alguma maneira gurem a presença do interessado no julgamento em
qualquer obrigação assumida em virtude das dis- qualquer outra fase do processo e, se for caso
posições da Convenção para a Prevenção e a disso, para execução da sentença.
Repressão do Crime de Genocídio.
4. Todo o indivíduo que se encontrar privado
4. Qualquer indivíduo condenado à morte terá o de liberdade por prisão ou detenção terá o direito
direito de solicitar o perdão ou a comutação da de intentar um recurso perante um tribunal, a fim
pena. A amnistia, o perdão ou a comutação da pena de que este estatua sem demora sobre a legali-
de morte podem ser concedidos em todos os casos. dade da sua detenção e ordene a sua libertação se
a detenção for ilegal.
5. Uma sentença de morte não pode ser pro-
nunciada em casos de crimes cometidos por pes- 5. Todo o indivíduo vítima de prisão ou de
soas de idade inferior a 18 anos e não pode ser detenção ilegal terá direito a compensação.
executada sobre mulheres grávidas. […]
246
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
menores exigir que se proceda de outra forma ou indulto, porque um facto novo ou recentemente reve-
se o processo respeita a diferendos matrimoniais lado prova concludentemente que se produziu um
ou à tutela de crianças. erro judiciário, a pessoa que cumpriu uma pena em
virtude dessa condenação será indemnizada, em con-
2. Qualquer pessoa acusada de infracção penal formidade com a lei, a menos que se prove que a
é de direito presumida inocente até que a sua cul- não revelação em tempo útil do facto desconhe-
pabilidade tenha sido legalmente estabelecida. cido lhe é imputável no todo ou em parte.
3. Qualquer pessoa acusada de uma infracção 7. Ninguém pode ser julgado ou punido nova-
penal terá direito, em plena igualdade, pelo menos mente por motivo de uma infracção da qual já foi
às seguintes garantias: absolvido ou pela qual já foi condenado por sen-
tença definitiva, em conformidade com a lei e o pro-
a) A ser prontamente informada, numa língua cesso penal de cada país.
que ela compreenda, de modo detalhado, acerca da
natureza e dos motivos da acusação apresentada
contra ela; Artigo 15.o
b) A dispor do tempo e das facilidades necessárias 1. Ninguém será condenado por actos ou omis-
para a preparação da defesa e a comunicar com um sões que não constituam um acto delituoso,
advogado da sua escolha; segundo o direito nacional ou internacional, no
c) A ser julgada sem demora excessiva; momento em que forem cometidos. Do mesmo
d) A estar presente no processo e a defender-se a modo não será aplicada nenhuma pena mais forte
si própria ou a ter a assistência de um defensor da do que aquela que era aplicável no momento em que
sua escolha; se não tiver defensor, a ser informada a infracção foi cometida. Se posteriormente a esta
do seu direito de ter um e, sempre que o interesse infracção a lei prevê a aplicação de uma pena mais
da justiça o exigir, a ser-lhe atribuído um defensor ligeira, o delinquente deve beneficiar da alteração.
oficioso, a título gratuito no caso de não ter meios
para o remunerar; 2. Nada no presente artigo se opõe ao julga-
e) A interrogar ou fazer interrogar as testemu- mento ou à condenação de qualquer indivíduo por
nhas de acusação e a obter a comparência e o motivo de actos ou omissões que no momento
interrogatório das testemunhas de defesa nas em que foram cometidos eram tidos por crimi-
mesmas condições das testemunhas de acusação; nosos, segundo os princípios gerais de direito
f ) A fazer-se assistir gratuitamente de um intér- reconhecidos pela comunidade das nações.
prete, se não compreender ou não falar a língua uti- […]
lizada no tribunal;
g) A não ser forçada a testemunhar contra si pró-
pria ou a confessar-se culpada. 3. CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS FUNCIO-
NÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI
4. No processo aplicável às pessoas jovens a lei (Anexado à resolução 34/169 da Assembleia Geral, de 17
penal terá em conta a sua idade e o interesse que de Dezembro de 1979)
apresenta a sua reabilitação.
A ASSEMBLEIA GERAL
5. Qualquer pessoa declarada culpada de crime
terá o direito de fazer examinar por uma jurisdi- Considerando que um dos objectivos proclamados
ção superior a declaração de culpabilidade e a sen- na Carta das Nações Unidas é o da realização da coo-
tença em conformidade com a lei. peração internacional para o desenvolvimento e
encorajamento do respeito pelos direitos do
6. Quando uma condenação penal definitiva é homem e das liberdades fundamentais para todos,
ulteriormente anulada ou quando é concedido o sem distinção de raça, sexo, língua ou religião,
Anexos
* 247
Lembrando, em particular, a Declaração Universal penal, cujo objectivo consiste em prevenir o crime
dos Direitos do Homem 108 e os Pactos Interna- e lutar contra a delinquência, e que a conduta de
cionais sobre os direitos do homem 109, cada funcionário do sistema tem uma incidência
sobre o sistema no seu conjunto,
Lembrando igualmente a Declaração sobre a Pro- d) Que qualquer órgão encarregado da aplicação
tecção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras da lei, em cumprimento da primeira norma de
Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou qualquer profissão, tem o dever de autodisciplina,
Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral na sua em plena conformidade com os princípios e nor-
resolução 3452 (XXX) de 9 de Dezembro de 1975, mas aqui previstos, e que os actos dos funcioná-
rios responsáveis pela aplicação da lei devem estar
Consciente de que a natureza das funções de apli- sujeitos ao escrutínio público, exercido por uma
cação da lei para defesa da ordem pública e a comissão de controlo, um ministério, um procu-
forma como essas funções são exercidas, têm uma rador-geral, pela magistratura, por um provedor,
incidência directa sobre a qualidade de vida dos indi- uma comissão de cidadãos, ou por vários destes
víduos e da sociedade no seu conjunto, órgãos, ou ainda por um outro organismo de con-
trolo,
Consciente das importantes tarefas que os fun- e) Que as normas, enquanto tais, carecem de valor
cionários responsáveis pela aplicação da lei levam prático, a menos que o seu conteúdo e significado
a cabo, com diligência e dignidade, em conformi- seja inculcado em todos os funcionários respon-
dade com os princípios dos direitos do homem, sáveis pela aplicação da lei, mediante educação, for-
mação e controlo,
Consciente, no entanto, das possibilidades de
abuso que o exercício destas tarefas proporciona, Adopta o Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei, que figura em
Reconhecendo que a elaboração de um Código de anexo à presente resolução e decide transmiti-lo aos
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Governos, recomendando que encarem favoravel-
Aplicação da Lei é apenas uma das várias medidas mente a sua utilização no quadro da legislação e
importantes para garantir a protecção de todos os prática nacionais como conjunto de princípios que
direitos e interesses dos cidadãos servidos pelos deverão ser observados pelos funcionários res-
referidos funcionários, ponsáveis pela aplicação da lei.
[…]
Consciente de que existem outros importantes
princípios e condições prévias ao desempenho ANEXO
humanitário das funções de aplicação da lei, Código de Conduta para os Funcionários Respon-
nomeadamente: sáveis pela Aplicação da Lei
248
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes de polí- Artigo 3.o
cia, especialmente poderes de prisão ou detenção. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
b) Nos países onde os poderes policiais são exer- só podem empregar a força quando tal se afigure
cidos por autoridades militares, quer em uni- estritamente necessário e na medida exigida para
forme, quer não, ou por forças de segurança do o cumprimento do seu dever.
Estado, a definição dos funcionários responsáveis
pela aplicação da lei incluirá os funcionários de tais Comentário:
serviços. a) Esta disposição salienta que o emprego da
c) O serviço à comunidade deve incluir, em parti- força por parte dos funcionários responsáveis
cular, a prestação de serviços de assistência aos pela aplicação da lei deve ser excepcional.
membros da comunidade que, por razões de Embora admita que estes funcionários possam
ordem pessoal, económica, social e outras emer- estar autorizados a utilizar a força na medida em
gências, necessitam de ajuda imediata. que tal seja razoavelmente considerado como
d) A presente disposição visa, não só todos os necessário, tendo em conta as circunstâncias,
actos violentos, destruidores e prejudiciais, mas para a prevenção de um crime ou para deter ou
também a totalidade dos actos proibidos pela legis- ajudar à detenção legal de delinquentes ou de
lação penal. É igualmente aplicável à conduta de suspeitos, qualquer uso da força fora deste con-
pessoas não susceptíveis de incorrerem em res- texto não é permitido.
ponsabilidade criminal. b) A lei nacional restringe normalmente o
emprego da força pelos funcionários responsáveis
Artigo 2.o pela aplicação da lei, de acordo com o princípio da
No cumprimento do seu dever, os funcionários proporcionalidade. Deve-se entender que tais prin-
responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar cípios nacionais de proporcionalidade devem ser
e proteger a dignidade humana, manter e apoiar respeitados na interpretação desta disposição. A pre-
os direitos fundamentais de todas as pessoas. sente disposição não deve ser, em nenhum caso,
interpretada no sentido da autorização do
Comentário: emprego da força em desproporção com o legítimo
a) Os direitos do homem em N.T.1 Assinada a 24 de Abril
de 1963 e aprovada para
objectivo a atingir.
questão são identificados e pro- o pelo Decreto-Lei
adesão
n. 183/72, Diário do
c) O emprego de armas de fogo é considerado
tegidos pelo direito nacional e Governo n.o 127, Suple- uma medida extrema. Devem fazer-se todos os
mento de 30 de Maio de
internacional. De entre os ins- 1972. O instrumento de ade-
são foi depositado junto do
esforços no sentido de excluir a utilização de
trumentos internacionais rele- Secretário-Geral das Nações
Unidas a 13 de Setembro
armas de fogo, especialmente contra as crianças.
vantes contam-se a Declaração de 1972.
Em geral, não deverão utilizar-se armas de fogo,
Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Inter- excepto quando um suspeito ofereça resistência
nacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Decla- armada, ou quando, de qualquer forma coloque em
ração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra perigo vidas alheias e não haja suficientes medi-
a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, das menos extremas para o dominar ou deter.
Desumanos ou Degradantes, a Declaração das Cada vez que uma arma de fogo for disparada,
Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as For- deverá informar-se prontamente as autoridades
mas de Discriminação Racial, a Convenção Inter- competentes.
nacional sobre a Supressão e Punição do Crime de
Apartheid, a Convenção sobre a Prevenção e Puni- Artigo 4.o
ção do Crime de Genocídio, as Regras Mínimas para As informações de natureza confidencial em
o Tratamento de Reclusos e a Convenção de Viena poder dos funcionários responsáveis pela aplicação
sobre Relações ConsularesN.T.1. da lei devem ser mantidas em segredo, a não ser
b) Os comentários nacionais a esta cláusula que o cumprimento do dever ou as necessidades
devem indicar as provisões regionais ou nacionais da justiça estritamente exijam outro comporta-
que definem e protegem estes direitos. mento.
Anexos
* 249
Comentário: legítimas, na medida em que sejam compatíveis
Devido à natureza dos seus deveres, os funcioná- com as Regras Mínimas para o Tratamento de
rios responsáveis pela aplicação da lei obtêm infor- Reclusos».
mações que podem relacionar-se com a vida c) A expressão «penas ou tratamentos cruéis,
particular de outras pessoas ou ser potencialmente desumanos ou degradantes» não foi definida pela
prejudiciais aos seus interesses e especialmente à Assembleia Geral, mas deve ser interpretada de
sua reputação. Deve-se ter a máxima cautela na sal- forma a abranger uma protecção tão ampla quanto
vaguarda e utilização dessas informações as quais possível contra abusos, quer físicos quer mentais.
só devem ser divulgadas no desempenho do dever
ou no interesse. Qualquer divulgação dessas infor- Artigo 6.o
mações para outros fins é totalmente abusiva. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
devem assegurar a protecção da saúde das pes-
Artigo 5.o soas à sua guarda e, em especial, devem tomar
Nenhum funcionário responsável pela aplicação da medidas imediatas para assegurar a prestação de
lei pode infligir, instigar ou tolerar qualquer acto cuidados médicos sempre que tal seja necessário.
de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento
cruel, desumano ou degradante, nem invocar Comentário:
ordens superiores ou circunstanciais excepcionais, a) «Cuidados Médicos», significando serviços
tais como o estado de guerra ou uma ameaça à segu- prestados por qualquer pessoal médico, incluindo
rança nacional, instabilidade política interna ou médicos diplomados e paramédicos, devem ser
qualquer outra emergência pública como justifi- assegurados quando necessários ou solicitados.
cação para torturas ou outras penas ou tratamen- b) Embora o pessoal médico esteja geralmente
tos cruéis, desumanos ou degradantes. adstrito aos serviços de aplicação da lei, os fun-
cionários responsáveis pela aplicação da lei devem
Comentário: tomar em consideração a opinião de tal pessoal,
a) Esta proibição decorre da Declaração sobre a Pro- quando este recomendar que deve proporcionar-
tecção de Todas as Pessoas contra a Tortura e -se à pessoa detida tratamento adequado, através
outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou em colaboração com pessoal médico não ads-
ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral, trito aos serviços de aplicação da lei.
de acordo com a qual: c) Subentende-se que os funcionários responsáveis
«tal acto é uma ofensa contra a dignidade humana pela aplicação da lei devem assegurar também cui-
e será condenado como uma negação aos propó- dados médicos às vítimas de violação da lei ou de
sitos da Carta das Nações Unidas e como uma vio- acidentes que dela decorram.
lação aos direitos e liberdades fundamentais
afirmados na Declaração Universal dos Direitos do Artigo 7.o
Homem (e noutros instrumentos internacionais Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
sobre os direitos do homem)». não devem cometer qualquer acto de corrupção.
b) A Declaração define tortura da seguinte forma: Devem, igualmente, opor-se rigorosamente e com-
«Tortura significa qualquer acto pelo qual uma bater todos os actos desta índole.
dor violenta ou sofrimento físico ou mental é
imposto intencionalmente a uma pessoa por um Comentário:
funcionário público, ou por sua instigação, com a) Qualquer acto de corrupção, tal como qualquer
objectivos tais como obter dela ou de uma terceira outro abuso de autoridade, é incompatível com a
pessoa informação ou confissão, puni-la por um profissão de funcionário responsável pela aplica-
acto que tenha cometido ou se supõe tenha come- ção da lei. A lei deve ser aplicada na íntegra em rela-
tido, ou intimidá-la a ela ou a outras pessoas. Não ção a qualquer funcionário que cometa um acto de
se considera tortura a dor ou sofrimento apenas corrupção, dado que os Governos não podem
resultante, inerente ou consequência de sanções esperar aplicar a lei aos cidadãos se não puderem
250
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
ou quiserem aplicá-la aos seus próprios agentes e veis pela aplicação da lei não devem sofrer san-
dentro dos seus próprios organismos. ções administrativas ou de outra natureza pelo
b) Embora a definição de corrupção deva estar facto de terem comunicado que se produziu ou
sujeita à legislação nacional, deve entender-se que está prestes a produzir-se uma violação
como incluindo tanto a execução ou a omissão deste Código.
de um acto, praticada pelo responsável, no c) A expressão «autoridade com poderes de con-
desempenho das suas funções ou com estas trolo e de reparação competentes» refere-se a qual-
relacionado, em virtude de ofertas, promessas ou quer autoridade ou organismo existente ao abrigo
vantagens, pedidas ou aceites, como a aceitação da legislação nacional, quer esteja integrado nos
ilícita destas, uma vez a acção cometida ou omi- organismos de aplicação da lei quer seja inde-
tida. pendente destes, com poderes estatutários, con-
c) A expressão «acto de corrupção», anteriormente suetudinários ou outros para examinarem
referida, deve ser entendida no sentido de abran- reclamações e queixas resultantes de violações
ger tentativas de corrupção. deste Código.
d) Nalguns países, pode considerar-se que os
Artigo 8.o meios de comunicação social («mass media»)
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei desempenham funções de controlo, análogas às des-
devem respeitar a lei e o presente Código. Devem, critas na alínea anterior. Consequentemente, os
também, na medida das suas possibilidades, evi- funcionários responsáveis pela aplicação da lei
tar e opor-se vigorosamente a quaisquer violações poderão como último recurso e com respeito pelas
da lei ou do Código. leis e costumes do seu país e pelo disposto no
artigo 4.o do presente Código, levar as violações à
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei atenção da opinião pública através dos meios de
que tiverem motivos para acreditar que se produ- comunicação social.
ziu ou irá produzir uma violação deste Código, e) Os funcionários responsáveis pela aplicação da
devem comunicar o facto aos seus superiores e, se lei que cumpram as disposições deste Código
necessário, a outras autoridades com poderes de merecem o respeito, o total apoio e a colaboração
controlo ou de reparação competentes. da comunidade em que exercem as suas funções,
do organismo de aplicação da lei no qual servem
Comentário: e dos demais funcionários responsáveis pela apli-
a) Este Código será observado sempre que tenha cação da lei.
sido incorporado na legislação ou na prática nacio-
nais. Se a legislação ou a prática contiverem dis-
posições mais limitativas do que as do actual 4. PRINCÍPIOS BÁSICOS 3
Adoptados pelo oitavo Con-
gresso das Nações Unidas para
Código, devem observar-se essas disposições mais SOBRE A UTILIZAÇÃO DA a prevenção do crime e trata-
mento dos delinquentes, reali-
limitativas. FORÇA E DE ARMAS DE FOGO zado em Havana (Cuba) de 27
de Agosto a 7 de Setembro de
b) O presente artigo procura preservar o equi- PELOS FUNCIONÁRIOS RES- 1990.
Anexos
* 251
Considerando que a ameaça à vida e à segurança 41/149, de 4 de Dezembro de 1986, se congratula
dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei com esta recomendação do Conselho,
deve ser considerada como uma ameaça à estabi-
lidade da sociedade no seu todo, Considerando que é conveniente atender, tendo em
devida conta as exigências de segurança pessoal,
Considerando que os funcionários responsáveis pela ao papel dos funcionários responsáveis pela apli-
aplicação da lei têm um papel essencial na protecção cação da lei na administração da justiça, na pro-
do direito à vida, à liberdade e à segurança da pes- tecção do direito à vida, à liberdade e à segurança
soa, tal como garantido pela Declaração Universal das pessoas, bem como à responsabilidade dos
dos Direitos do Homem e reafirmado no Pacto mesmos na manutenção da segurança pública e da
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, paz social e à importância das suas qualificações,
formação e conduta,
Considerando que as Regras Mínimas para o Tra-
tamento de Reclusos prevêem as circunstâncias em Os Governos devem ter em conta os Princípios Bási-
que os funcionários prisionais podem recorrer à cos a seguir enunciados, que foram formulados
força no exercício das suas funções, tendo em vista auxiliar os Estados membros a
garantirem e a promoverem o verdadeiro papel
Considerando que o artigo 3.o do Código de Con- dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
duta para os Funcionários Responsáveis pela Apli- a observá-los no quadro das respectivas legislação
cação da Lei dispõe que esses funcionários só e prática nacionais e a submetê-los à atenção dos
podem utilizar a força quando for estritamente funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
necessário e somente na medida exigida para o bem como de outras pessoas como os juízes, os
desempenho das suas funções, magistrados do Ministério Público, os advogados,
os representantes do poder executivo e do poder
Considerando que a reunião preparatória inter- legislativo e o público em geral.
regional do Sétimo Congresso das Nações Unidas
para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Disposições gerais
Delinquentes, que teve lugar em Varenna (Itália), 1. Os Governos e os organismos de aplicação da lei
acordou nos elementos que deveriam ser aprecia- devem adoptar e aplicar regras sobre a utilização
dos, no decurso dos trabalhos ulteriores, com rela- da força e de armas de fogo contra as pessoas, por
ção às restrições à utilização da força e de armas parte dos funcionários responsáveis pela aplicação
de fogo pelos funcionários responsáveis pela apli- da lei. Ao elaborarem essas regras, os Governos e
cação da lei, os organismos de aplicação da lei devem manter
sob permanente avaliação as questões éticas liga-
Considerando que o Sétimo Congresso, na sua das à utilização da força e de armas de fogo.
resolução 14, sublinha, nomeadamente, que a uti-
lização da força e de armas de fogo pelos funcio- 2. Os Governos e os organismos de aplicação da
nários responsáveis pela aplicação da lei deve ser lei devem desenvolver um leque de meios tão
conciliada com o respeito devido pelos Direitos amplo quanto possível e habilitar os funcionários
do Homem, responsáveis pela aplicação da lei com diversos
tipos de armas e de munições, que permitam uma
Considerando que o Conselho Económico e utilização diferenciada da força e das armas de
Social, na secção IX da sua Resolução 1986/10, de fogo. Para o efeito, deveriam ser desenvolvidas
21 de Maio de 1986, convidou os Estados membros armas neutralizadoras não letais, para uso nas
a concederem uma atenção particular, na aplicação situações apropriadas, tendo em vista limitar de
do Código, à utilização da força e de armas de fogo modo crescente o recurso a meios que possam
pelos funcionários responsáveis pela aplicação da causar a morte ou lesões corporais. Para o mesmo
lei e que a Assembleia Geral, na sua Resolução efeito, deveria também ser possível dotar os fun-
252
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cionários responsáveis pela aplicação da lei de 8. Nenhuma circunstância excepcional, tal como
equipamentos defensivos, tais como escudos, a instabilidade política interna ou o estado de
viseiras, coletes antibalas e veículos blindados, a emergência, pode ser invocada para justificar uma
fim de se reduzir a necessidade de utilização de derrogação dos presentes Princípios Básicos.
qualquer tipo de armas.
Disposições especiais
3. O desenvolvimento e utilização de armas neu- 9. Os funcionários responsáveis pela aplicação da
tralizadoras não letais deveria ser objecto de uma lei não devem fazer uso de armas de fogo contra
avaliação cuidadosa, a fim de reduzir ao mínimo pessoas, salvo em caso de legítima defesa, defesa
os riscos com relação a terceiros, e a utilização de terceiros contra perigo iminente de morte ou
dessas armas deveria ser submetida a um con- lesão grave, para prevenir um crime particular-
trolo estrito. mente grave que ameace vidas humanas, para pro-
ceder à detenção de pessoa que represente essa
4. Os funcionários responsáveis pela aplicação da ameaça e que resista à autoridade, ou impedir a sua
lei, no exercício das suas funções, devem, na fuga, e somente quando medidas menos extre-
medida do possível, recorrer a meios não violen- mas se mostrem insuficientes para alcançarem
tos antes de utilizarem a força ou armas de fogo. aqueles objectivos. Em qualquer caso, só devem
Só poderão recorrer à força ou a armas de fogo se recorrer intencionalmente à utilização letal de
outros meios se mostrarem ineficazes ou não per- armas de fogo quando isso seja estritamente indis-
mitirem alcançar o resultado desejado. pensável para proteger vidas humanas.
5. Sempre que o uso legítimo da força ou de armas 10. Nas circunstâncias referidas no princípio 9,
de fogo seja indispensável, os funcionários res- os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
ponsáveis pela aplicação da lei devem: devem identificar-se como tal e fazer uma adver-
tência clara da sua intenção de utilizarem armas
a) Utilizá-las com moderação e a sua acção deve de fogo, deixando um prazo suficiente para que
ser proporcional à gravidade da infracção e ao o aviso possa ser respeitado, excepto se esse
objectivo legítimo a alcançar; modo de proceder colocar indevidamente em
b) Esforçar-se por reduzirem ao mínimo os danos risco a segurança daqueles responsáveis, impli-
e lesões e respeitarem e preservarem a vida humana; car um perigo de morte ou lesão grave para
c) Assegurar a prestação de assistência e socorros outras pessoas ou se se mostrar manifestamente
médicos às pessoas feridas ou afectadas, tão rapi- inadequado ou inútil, tendo em conta as cir-
damente quanto possível; cunstâncias do caso.
d) Assegurar a comunicação da ocorrência à famí-
lia ou pessoas próximas da pessoa ferida ou afec- 11. As normas e regulamentações relativas à utili-
tada, tão rapidamente quanto possível. zação de armas de fogo pelos funcionários res-
ponsáveis pela aplicação da lei devem incluir
6. Sempre que da utilização da força ou de armas directrizes que:
de fogo pelos funcionários responsáveis pela apli-
cação da lei resultem lesões ou a morte, os res- a) Especifiquem as circunstâncias nas quais os fun-
ponsáveis farão um relatório da ocorrência aos cionários responsáveis pela aplicação da lei sejam
seus superiores, de acordo com o princípio 22. autorizados a transportar armas de fogo e pres-
crevam os tipos de armas de fogo e munições
7. Os Governos devem garantir que a utilização arbi- autorizados;
trária ou abusiva da força ou de armas de fogo b) Garantam que as armas de fogo sejam utili-
pelos funcionários responsáveis pela aplicação da zadas apenas nas circunstâncias adequadas e
lei seja punida como infracção penal, nos termos de modo a reduzir ao mínimo o risco de danos
da legislação nacional. inúteis;
Anexos
* 253
c) Proíbam a utilização de armas de fogo e de ordem nos estabelecimentos penitenciários, ou
munições que provoquem lesões desnecessárias ou quando a segurança das pessoas esteja ameaçada.
representem um risco injustificado;
d) Regulamentem o controlo, armazenamento e 16. Os funcionários responsáveis pela aplicação
distribuição de armas de fogo e prevejam nomea- da lei não devem utilizar armas de fogo na relação
damente procedimentos de acordo com os quais com pessoas detidas ou presas, excepto em caso de
os funcionários responsáveis pela aplicação da lei legítima defesa ou para defesa de terceiros contra
devam prestar contas de todas as armas e muni- perigo iminente de morte ou lesão grave, ou
ções que lhes sejam distribuídas; quando essa utilização for indispensável para
e) Prevejam as advertências a efectuar, sendo caso impedir a evasão de pessoa detida ou presa repre-
disso, se houver utilização de armas de fogo; sentando o risco referido no princípio 9.
f ) Prevejam um sistema de relatórios de ocor-
rência, sempre que os funcionários responsáveis 17. Os princípios precedentes entendem-se sem pre-
pela aplicação da lei utilizem armas de fogo no exer- juízo dos direitos, deveres e responsabilidades dos
cício das suas funções. funcionários dos estabelecimentos penitenciários,
tal como são enunciados nas Regras Mínimas para
Manutenção da ordem em caso de reuniões ilegais o Tratamento de Presos, em particular as regras 33,
12. Dado que a todos é garantido o direito de par- 34 e 54.
ticipação em reuniões lícitas e pacíficas, de acordo
com os princípios enunciados na Declaração Uni- Habilitações, formação e aconselhamento
versal dos Direitos do Homem e no Pacto Inter- 18. Os Governos e os organismos de aplicação da
nacional sobre os Direitos Civis e Políticos, os lei devem garantir que todos os funcionários res-
Governos e os serviços e funcionários responsáveis ponsáveis pela aplicação da lei sejam selecciona-
pela aplicação da lei devem reconhecer que a força dos de acordo com procedimentos adequados,
e as armas de fogo só podem ser utilizadas de possuam as qualidades morais e aptidões psico-
acordo com os princípios 13 e 14. lógicas e físicas exigidas para o bom desempenho
das suas funções e recebam uma formação pro-
13. Os funcionários responsáveis pela aplicação da fissional contínua e completa. Deve ser submetida
lei devem esforçar-se por dispersar as reuniões a reapreciação periódica a sua capacidade para
ilegais mas não violentas sem recurso à força e, continuarem a desempenhar essas funções.
quando isso não for possível, limitar a utilização
da força ao estritamente necessário. 19. Os Governos e os organismos de aplicação da
lei devem garantir que todos os funcionários res-
14. Os funcionários responsáveis pela aplicação ponsáveis pela aplicação da lei recebam formação
da lei só podem utilizar armas de fogo para dis- e sejam submetidos a testes de acordo com normas
persarem reuniões violentas se não for possível de avaliação adequadas sobre a utilização da força.
recorrer a meios menos perigosos, e somente nos Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
limites do estritamente necessário. Os funcioná- que devam transportar armas de fogo deveriam ser
rios responsáveis pela aplicação da lei não devem apenas autorizados a fazê-lo após recebimento de
utilizar armas de fogo nesses casos, salvo nas con- formação especial para a sua utilização.
dições estipuladas no princípio 9.
20. Na formação dos funcionários responsáveis
Manutenção da ordem entre pessoas detidas ou pela aplicação da lei, os Governos e os organismos
presas de aplicação da lei devem conceder uma atenção
15. Os funcionários responsáveis pela aplicação da particular às questões de ética policial e de direi-
lei não devem utilizar a força na relação com pes- tos do homem, em particular no âmbito da inves-
soas detidas ou presas, excepto se isso for indis- tigação, aos meios de evitar a utilização da força ou
pensável para a manutenção da segurança e da de armas de fogo, incluindo a resolução pacífica de
254
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
conflitos, ao conhecimento do comportamento de 25. Os Governos e organismos responsáveis pela
multidões e aos métodos de persuasão, de nego- aplicação da lei devem garantir que nenhuma san-
ciação e mediação, bem como aos meios técnicos, ção penal ou disciplinar seja tomada contra fun-
tendo em vista limitar a utilização da força ou de cionários responsáveis pela aplicação da lei que, de
armas de fogo. Os organismos de aplicação da lei acordo como o Código de Conduta para os Fun-
deveriam rever o seu programa de formação e pro- cionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e
cedimentos operacionais, em função de incidentes com os presentes Princípios Básicos, recusem
concretos. cumprir uma ordem de utilização da força ou
armas de fogo ou denunciem essa utilização por
21. Os Governos e os organismos de aplicação da outros funcionários.
lei devem garantir aconselhamento psicológico
aos funcionários responsáveis pela aplicação da 26. A obediência a ordens superiores não pode ser
lei envolvidos em situações em que sejam utiliza- invocada como meio de defesa se os responsáveis
das a força e armas de fogo. pela aplicação da lei sabiam que a ordem de uti-
lização da força ou de armas de fogo de que
Procedimentos de comunicação hierárquica e de resultaram a morte ou lesões graves era manifes-
inquérito tamente ilegal e se tinham uma possibilidade
22. Os Governos e os organismos de aplicação da razoável de recusar cumpri-la. Em qualquer caso,
lei devem estabelecer procedimentos adequados de também existe responsabilidade da parte do supe-
comunicação hierárquica e de inquérito para os inci- rior que proferiu a ordem ilegal.
dentes referidos nos princípios 6 e 11 f ). Para os
incidentes que sejam objecto de relatório por força
dos presentes Princípios, os Governos e os orga- 5. CONJUNTO DE PRINCÍPIOS 4
Adoptado pela Assembleia
Geral na sua resolução
nismos de aplicação da lei devem garantir a PARA A PROTECÇÃO DE TODAS 43/173, de 9 de Dezembro
de 1988.
possibilidade de um efectivo procedimento de AS PESSOAS SUJEITAS A QUAL-
controlo e que autoridades independentes (admi- QUER TIPO DE DETENÇÃO OU PRISÃO4
nistrativas ou do Ministério Público), possam
exercer a sua jurisdição nas condições adequadas. ÂMBITO DO CONJUNTO DE PRINCÍPIOS
Em caso de morte, lesão grave, ou outra conse-
quência grave, deve ser enviado de imediato um Os presentes Princípios aplicam-se para a protec-
relatório detalhado às autoridades competentes ção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma
encarregadas do inquérito administrativo ou do con- de detenção ou prisão.
trolo judiciário.
TERMINOLOGIA
23. As pessoas contra as quais sejam utilizadas a
força ou armas de fogo ou os seus representantes Para efeitos do Conjunto de Princípios:
autorizados devem ter acesso a um processo inde-
pendente, em particular um processo judicial. Em a) “captura” designa o acto de deter um indivíduo
caso de morte dessas pessoas, a presente disposi- por suspeita da prática de infracção ou por acto de
ção aplica-se às pessoas a seu cargo. uma autoridade;
b) “pessoa detida” designa a pessoa privada da sua
24. Os Governos e organismos de aplicação da lei liberdade, excepto se o tiver sido em consequên-
devem garantir que os funcionários superiores sejam cia de condenação pela prática de uma infracção;
responsabilizados se, sabendo ou devendo saber que c) “pessoa presa’’ designa a pessoa privada da sua
os funcionários sob as suas ordens utilizam ou uti- liberdade em consequência de condenação pela
lizaram ilicitamente a força ou armas de fogo, não prática de uma infracção,
tomaram as medidas ao seu alcance para impedi- d) “detenção” designa a condição das pessoas deti-
rem, fazerem cessar ou comunicarem este abuso. das nos termos acima referidos;
Anexos
* 255
e) “prisão” designa a condição das pessoas presas dição especial da mulher, especialmente da mulher
nos termos acima referidos; grávida e da mãe com crianças de tenra idade, das
f ) A expressão “autoridade judiciária ou outra auto- crianças, dos adolescentes e idosos, doentes ou
ridade” designa a autoridade judiciária ou outra deficientes, não são consideradas medidas discri-
autoridade estabelecida nos termos da lei cujo esta- minatórias. A necessidade de tais medidas bem
tuto e mandato ofereçam as mais sólidas garantias como a sua aplicação poderão sempre ser objecto
de competência, imparcialidade e independência. de reapreciação por parte de uma autoridade judi-
ciária ou outra autoridade.
Princípio 1
A pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou Princípio 6
prisão deve ser tratada com humanidade e com res- Nenhuma pessoa sujeita a qualquer forma de deten-
peito da dignidade inerente ao ser humano. ção ou prisão será submetida a tortura ou a penas
ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradan-
Princípio 2 tes. Nenhuma circunstância, seja ela qual for,
A captura, detenção ou prisão só devem ser apli- poderá ser invocada para justificar a tortura ou
cadas em estrita conformidade com as disposi- outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou
ções legais e pelas autoridades competentes ou degradantes.
pessoas autorizadas para esse efeito.
Princípio 7
Princípio 3 1. Os Estados devem proibir por lei os actos con-
No caso de sujeição de uma pessoa a qualquer trários aos direitos e deveres enunciados nos pre-
forma de detenção ou prisão, nenhuma restrição sentes Princípios, prever sanções adequadas para
ou derrogação pode ser admitida aos direitos do tais actos e investigar de forma imparcial as quei-
homem reconhecidos ou em vigor num Estado ao xas apresentadas.
abrigo de leis, convenções, regulamentos ou cos-
tumes, sob o pretexto de que o presente Conjunto 2. Os funcionários com razões para crer que ocor-
de Princípios não reconhece esses direitos ou os reu ou está iminente, uma violação do presente Con-
reconhece em menor grau. junto de Princípios, devem comunicar esse facto
aos seus superiores e, sendo necessário, a outras
Princípio 4 autoridades ou instâncias competentes de con-
As formas de detenção ou prisão e as medidas que trolo ou de recurso.
afectem os direitos do homem, da pessoa sujeita a
qualquer forma de detenção ou prisão devem ser deci- 3. Qualquer outra pessoa, com motivos para crer
didas por uma autoridade judiciária ou outra auto- que ocorreu ou está iminente uma violação do
ridade, ou estar sujeitas à sua efectiva fiscalização. presente Conjunto de Princípios, tem direito a
comunicar esse facto aos superiores dos funcionários
Princípio 5 envolvidos, bem como a outras autoridades ou
1. Os presentes princípios aplicam-se a todas as instâncias competentes de controlo ou de recurso.
pessoas que se encontrem no território de um
determinado Estado, sem discriminação alguma, Princípio 8
independentemente de qualquer consideração de A pessoa detida deve beneficiar de um tratamento
raça, cor, sexo, língua, religião ou convicções reli- adequado à sua condição de pessoa não conde-
giosas, opiniões políticas ou outras, origem nacio- nada. Desta forma, sempre que possível será sepa-
nal, étnica ou social, fortuna, nascimento ou de rada das pessoas presas.
qualquer outra situação.
Princípio 9
2. As medidas aplicadas ao abrigo da lei e exclusi- As autoridades que capturem uma pessoa, a man-
vamente destinadas a proteger os direitos e a con- tenham detida ou investiguem o caso devem exer-
256
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cer estritamente os poderes conferidos por lei, Princípio 14
sendo o exercício de tais poderes passível de A pessoa que não compreenda ou não fale sufi-
recurso perante uma autoridade judiciária ou cientemente bem a língua utilizada pelas autori-
outra autoridade. dades responsáveis pela sua captura, detenção ou
prisão tem o direito de receber sem demora, numa
Princípio 10 língua que entenda, a informação mencionada
A pessoa capturada deve ser informada, no nos princípios 10, 11, n.° 2, 12, n.° 1, e 13 e de
momento da captura, dos motivos desta e pronta- beneficiar da assistência, se necessário gratuita, de
mente notificada das acusações contra si formu- um intérprete no âmbito do processo judicial sub-
ladas. sequente à sua captura.
Princípio 11 Princípio 15
1. Ninguém será mantido em detenção sem ter a Sem prejuízo das excepções previstas no n.° 4 do
possibilidade efectiva de ser ouvido prontamente Princípio 16 e no n.° 3 do Princípio 18, a comuni-
por uma autoridade judiciária ou outra autoridade. cação da pessoa detida ou presa com o mundo
A pessoa detida tem o direito de se defender ou de exterior, nomeadamente com a sua família ou com
ser assistida por um advogado nos termos da lei. o seu advogado, não pode ser negada por mais do
que alguns dias.
2. A pessoa detida e o seu advogado, se o houver,
devem receber notificação pronta e completa da ordem Princípio 16
de detenção, bem como dos seus fundamentos. 1. Imediatamente após a captura e após cada trans-
ferência de um local de detenção ou de prisão para
3. A autoridade judiciária ou outra autoridade outro, a pessoa detida ou presa poderá avisar ou
devem ter poderes para apreciar, se tal se justifi- requerer à autoridade competente que avise os
car, a manutenção da detenção. membros da sua família ou outras pessoas por si
designadas, se for esse o caso, da sua captura,
Princípio 12 detenção ou prisão, ou da sua transferência e do
1. Serão devidamente registados: local em que se encontra detida.
a) As razões da captura;
b) O momento da captura, o momento em que a 2. No caso de um estrangeiro, este será igual-
pessoa capturada foi conduzida a um local de mente informado sem demora do seu direito
detenção e o da sua primeira comparência perante de comunicar, por meios adequados, com um
uma autoridade judiciária ou outra autoridade; posto consular ou a missão diplomática do
c) A identidade dos funcionários encarregados de Estado de que seja nacional ou que por outro
fazer cumprir a lei que hajam intervindo; motivo esteja habilitada a receber tal comuni-
d) Indicações precisas sobre o local de detenção; cação, à luz do direito internacional, ou com o
representante da organização internacional
2. Estas informações devem ser comunicadas à competente no caso de um refugiado ou de uma
pessoa detida ou ao seu advogado, se o houver, nos pessoa que, por qualquer outro motivo, se
termos prescritos pela lei. encontre sob a protecção de uma organização
intergovernamental.
Princípio 13
As autoridades responsáveis pela captura, deten- 3. No caso de um menor ou de pessoa incapaz de
ção ou prisão de uma pessoa devem, respectiva- compreender os seus direitos, a autoridade com-
mente no momento da captura e no início da petente deve, por sua própria iniciativa, proceder
detenção ou da prisão, ou pouco depois, prestar- à comunicação mencionada no presente princí-
-lhe informação e explicação sobre os seus direi- pio. Deve em especial procurar avisar os pais ou
tos e sobre o modo de os exercer. os representantes legais.
Anexos
* 257
4. As comunicações mencionadas no presente contra a pessoa detida ou presa salvo se respeita-
princípio devem ser feitas ou autorizadas sem rem a uma infracção contínua ou premeditada.
demora. A autoridade competente pode, no
entanto, atrasar a comunicação por um período Princípio 19
razoável, se assim o exigirem necessidades excep- A pessoa detida ou presa tem o direito de receber
cionais da investigação. visitas nomeadamente dos membros da sua famí-
lia, e de se corresponder, nomeadamente com
Princípio 17 eles, e deve dispor de oportunidades adequadas para
1. A pessoa detida pode beneficiar da assistência comunicar com o mundo exterior sem prejuízo das
de um advogado. A autoridade competente deve condições e restrições razoáveis, previstas por lei
informá-la desse direito prontamente após a sua ou por regulamentos adoptados nos termos da lei.
captura e proporcionar-lhe meios adequados para
o seu exercício. Princípio 20
Se a pessoa detida ou presa o solicitar, é, se pos-
2. A pessoa detida que não tenha advogado da sua sível, colocada num local de detenção ou de prisão
escolha, tem direito a que uma autoridade judiciária relativamente próximo do seu local de residência
ou outra autoridade lhe designem um defensor ofi- habitual.
cioso sempre que o interesse da justiça o exigir e
a título gratuito no caso de insuficiência de meios Princípio 21
para o remunerar. 1. É proibido abusar da situação da pessoa detida
ou presa para a coagir a confessar, a incriminar-se
Princípio 18 por qualquer outro modo ou a testemunhar con-
1. A pessoa detida ou presa tem direito a comuni- tra outra pessoa.
car com o seu advogado e a consultá-lo.
2. Nenhuma pessoa detida pode ser submetida,
2. A pessoa detida ou presa deve dispor do tempo durante o interrogatório, a violência, ameaças ou
e das facilidades necessárias para consultar o seu métodos de interrogatório susceptíveis de com-
advogado. prometer a sua capacidade de decisão ou de dis-
cernimento.
3. O direito de a pessoa detida ou presa ser visitada
pelo seu advogado, de o consultar e de comunicar Princípio 22
com ele, sem demora nem censura e em regime Nenhuma pessoa detida ou presa pode, ainda que
de absoluta confidencialidade, não pode ser com o seu consentimento, ser submetida a expe-
objecto de suspensão ou restrição, salvo em cir- riências médicas ou científicas susceptíveis de pre-
cunstâncias excepcionais especificadas por lei ou judicar a sua saúde.
por regulamentos adoptados nos termos da lei,
quando uma autoridade judiciária ou outra auto- Princípio 23
ridade o considerem indispensável para manter a 1. A duração de qualquer interrogatório a que seja
segurança e a boa ordem. sujeita a pessoa detida ou presa e dos intervalos
entre os interrogatórios, bem como a identidade dos
4. As entrevistas entre a pessoa detida ou presa e funcionários que os conduziram e de outros indi-
o seu advogado podem ocorrer à vista mas não em víduos presentes devem ser registadas e autenti-
condições de serem ouvidas pelo funcionário cadas nos termos prescritos pela lei.
encarregado de fazer cumprir a lei.
2. A pessoa detida ou presa, ou o seu advogado,
5. As comunicações entre uma pessoa detida ou quando a lei o previr, devem ter acesso às infor-
presa e o seu advogado, mencionadas no presente mações mencionadas no n.°1 do presente princí-
Princípio, não podem ser admitidas como prova pio.
258
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Princípio 24 local de detenção ou de prisão, e responsáveis
A pessoa detida ou presa deve beneficiar de um perante ela.
exame médico adequado, em prazo tão breve
quanto possível após o seu ingresso no local de 2. A pessoa detida ou presa tem o direito de comu-
detenção ou prisão; posteriormente, deve benefi- nicar livremente e em regime de absoluta confi-
ciar de cuidados e tratamentos médicos sempre que dencialidade com as pessoas que inspeccionam
tal se mostre necessário. Esses cuidados e trata- os lugares de detenção ou de prisão, nos termos do
mentos são gratuitos. n.° 1, sem prejuízo das condições razoavelmente
necessárias para assegurar a manutenção da segu-
Princípio 25 rança e da boa ordem nos referidos lugares.
A pessoa detida ou presa ou o seu advogado têm,
sem prejuízo das condições razoavelmente neces- Princípio 30
sárias para assegurar a manutenção da segurança 1. Os tipos de comportamento da pessoa detida ou
e da boa ordem no local de detenção ou de prisão, presa que constituam infracções disciplinares
o direito de solicitar à autoridade judiciária ou a durante a detenção ou prisão, o tipo e a duração das
outra autoridade um segundo exame médico ou sanções disciplinares aplicáveis e as autoridades
opinião médica. com competência para impor essas sanções devem
ser especificados por lei ou por regulamentos
Princípio 26 adoptados nos termos da lei e devidamente publi-
O facto de a pessoa detida ou presa ser submetida cados.
a um exame médico, o nome do médico e dos
resultados do referido exame devem ser devida- 2. A pessoa detida ou presa tem o direito de ser
mente registados. O acesso a esses registos deve ouvida antes de contra ela serem tomadas medi-
ser garantido, sendo-o nos termos das normas das disciplinares. Tem o direito de impugnar estas
pertinentes do direito interno. medidas perante autoridade superior.
Princípio 27 Princípio 31
A inobservância destes Princípios na obtenção de As autoridades competentes devem garantir,
provas deve ser tomada em consideração na deter- quando necessário, e à luz do direito interno,
minação da admissibilidade dessas provas contra assistência aos familiares a cargo da pessoa detida
a pessoa detida ou presa. ou presa, nomeadamente aos menores, e devem
assegurar, em especiais condições, a guarda dos
Princípio 28 menores deixados sem vigilância.
A pessoa detida ou presa tem direito a obter, den-
tro do limite dos recursos disponíveis, se provie- Princípio 32
rem de fundos públicos, uma quantidade razoável 1. A pessoa detida ou o seu advogado têm o direito
de material educativo, cultural e informativo, sem de, em qualquer momento interpor, recurso nos ter-
prejuízo das condições razoavelmente necessárias mos do direito interno, perante uma autoridade
para assegurar a manutenção da segurança e da boa judiciária ou outra autoridade para impugnar a
ordem no local de detenção ou de prisão. legalidade da sua detenção e obter sem demora a
sua libertação, no caso de aquela ser ilegal.
Princípio 29
1. A fim de assegurar a estrita observância das leis 2. O processo previsto no n.° 1 deve ser simples e
e regulamentos pertinentes, os lugares de deten- rápido e gratuito para o detido que não disponha
ção devem ser inspeccionados regularmente por de meios suficientes. A autoridade responsável
pessoas qualificadas e experientes, nomeadas por pela detenção deve apresentar, sem demora des-
uma autoridade competente diferente da autoridade razoável, a pessoa detida à autoridade perante a qual
directamente encarregada da administração do o recurso foi interposto.
Anexos
* 259
Princípio 33 Princípio 35
1. A pessoa detida ou presa, ou o seu advogado, têm 1. Os danos sofridos por actos ou omissões de um
o direito de apresentar um pedido ou queixa rela- funcionário público que se mostrem contrários
tivos ao seu tratamento, nomeadamente no caso de aos direitos previstos num dos presentes princípios
tortura ou de outros tratamentos cruéis, desuma- serão passíveis de indemnização, nos termos das
nos ou degradantes, perante as autoridades res- normas de direito interno aplicáveis em matéria de
ponsáveis pela administração do local de detenção responsabilidade.
e autoridades superiores e, se necessário, perante
autoridades competentes de controlo ou de 2. As informações registadas nos termos dos pre-
recurso. sentes princípios devem estar disponíveis, de har-
monia com o direito interno aplicável, para efeito
2. No caso de a pessoa detida ou presa ou o seu de pedidos de indemnização apresentados nos ter-
advogado não poderem exercer os direitos previs- mos do presente princípio.
tos no n.° 1 do presente princípio, estes poderão ser
exercidos por um membro da família da pessoa Princípio 36
detida ou presa, ou por qualquer outra pessoa que 1. A pessoa detida, suspeita ou acusada da pra-
tenha conhecimento do caso. tica de infracção penal presume-se inocente,
devendo ser tratada como tal até que a sua cul-
3. O carácter confidencial do pedido ou da queixa pabilidade tenha sido legalmente estabelecida no
é mantido se o requerente o solicitar. decurso de um processo público em que tenha
gozado de todas as garantias necessárias à sua
4. O pedido ou queixa devem ser examinados defesa.
prontamente e respondidos sem demora injusti-
ficada. No caso de indeferimento do pedido ou da 2. Só se deve proceder à captura ou detenção da
queixa, ou em caso de demora excessiva, o reque- pessoa assim suspeita ou acusada, aguardando a
rente tem o direito de apresentar o pedido ou abertura da instrução e julgamento quando o
queixa perante uma autoridade judiciária ou outra requeiram necessidades da administração da jus-
autoridade. A pessoa detida ou presa, ou o reque- tiça pelos motivos, nas condições e segundo o pro-
rente nos termos do n.° 1, não devem sofrer pre- cesso prescritos por lei. É proibido impor a essa
juízos pelo facto de terem apresentado um pedido pessoa restrições que não sejam estritamente
ou queixa. necessárias para os fins da detenção, para evitar que
dificulte a instrução ou a administração da jus-
Princípio 34 tiça, ou para manter a segurança e a boa ordem no
Se uma pessoa detida ou presa morrer ou desa- local de detenção.
parecer durante a detenção ou prisão, a autori-
dade judiciária ou outra autoridade determinará a Princípio 37
realização de uma investigação sobre as causas da A pessoa detida pela prática de uma infracção
morte ou do desaparecimento, oficiosamente ou a penal deve ser presente a uma autoridade judi-
pedido de um membro da família dessa pessoa ou ciária ou outra autoridade prevista por lei, pron-
de qualquer outra pessoa que tenha conhecimento tamente após a sua captura. Essa autoridade
do caso. Quando as circunstâncias o justificarem, decidirá sem demora da legalidade e necessidade
será instaurado um inquérito, seguindo idênticos da detenção. Ninguém pode ser mantido em
termos processuais, se a morte ou o desapareci- detenção aguardando a abertura da instrução ou jul-
mento ocorrerem pouco depois de terminada a gamento salvo por ordem escrita da referida auto-
detenção ou prisão. As conclusões ou o relatório ridade. A pessoa detida, quando presente a essa
da investigação serão postos à disposição de quem autoridade, tem o direito de fazer uma declaração
o solicitar, salvo se esse pedido comprometer uma sobre a forma como foi tratada enquanto em
instrução criminal em curso. detenção.
260
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Princípio 38 juízo ao intervirem para prestar assistência às víti-
A pessoa detida pela prática de infracção penal mas em situação de carência ou para impedir a viti-
tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou mização.
de aguardar julgamento em liberdade.
3. As disposições da presente secção aplicam-se a
Princípio 39 todos, sem distinção alguma, nomeadamente de
Salvo em circunstâncias especiais previstas por raça, cor, sexo, idade, língua, religião, nacionalidade,
lei, a pessoa detida pela prática de infracção penal opiniões políticas ou outras, crenças ou práticas cul-
tem direito, a menos que uma autoridade judiciá- turais, situação económica, nascimento ou situa-
ria ou outra autoridade decidam de outro modo no ção familiar, origem étnica ou social ou capacidade
interesse da administração da justiça, a aguardar física.
julgamento em liberdade sujeita às condições
impostas por lei. Essa autoridade manterá em Acesso à justiça e tratamento equitativo
apreciação a questão da necessidade da detenção. 4. As vítimas devem ser tratadas com compaixão
e respeito pela sua dignidade. Têm direito ao
Cláusula geral acesso às instâncias judiciárias e a uma rápida
Nenhuma disposição do presente Conjunto de reparação do prejuízo por si sofrido, de acordo
Princípios será interpretada no sentido de res- com o disposto na legislação nacional.
tringir ou derrogar algum dos direitos definidos pelo
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polí- 5. Há que criar e, se necessário, reforçar meca-
ticos. nismos judiciários e administrativos que permitam
às vítimas a obtenção de reparação através de pro-
cedimentos, oficiais ou oficiosos, que sejam rápi-
6. DECLARAÇÃO DOS PRIN- 5
Adoptada pela Assem- dos, equitativos, de baixo custo e acessíveis. As
bleia Geral na sua resolu-
CÍPIOS BÁSICOS DE JUSTIÇA ção 40/34, de 29 de vítimas devem ser informadas dos direitos que
Novembro de 1985.
RELATIVOS ÀS VÍTIMAS DA CRI- lhes são reconhecidos para procurar a obtenção de
MINALIDADE E DE ABUSO DE PODER5 reparação por estes meios.
Anexos
* 261
segurança, bem como a da sua família e a das Governo sucessor deve assegurar a restituição às
suas testemunhas, preservando-as de manobras vítimas.
de intimidação e de represálias;
e) Evitando demoras desnecessárias na resolução Indemnização
das causas e na execução das decisões ou senten- 12. Quando não seja possível obter do delinquente
ças que concedam indemnização às vítimas. ou de outras fontes uma indemnização completa,
os Estados devem procurar assegurar uma indem-
7. Os meios extrajudiciários de solução de dife- nização financeira:
rendos, incluindo a mediação, a arbitragem e as prá-
ticas de direito consuetudinário ou as práticas a) Às vítimas que tenham sofrido um dano corporal
autóctones de justiça, devem ser utilizados, ou um atentado importante à sua integridade física ou
quando se revelem adequados, para facilitar a con- mental, como consequência de actos criminosos graves;
ciliação e obter a reparação em favor das vítimas. b) À família, em particular às pessoas a cargo das
pessoas que tenham falecido ou que tenham sido
Obrigação de restituição e de reparação atingidas por incapacidade física ou mental como
8. Os autores de crimes ou os terceiros respon- consequência da vitimização.
sáveis pelo seu comportamento devem, se neces-
sário, reparar de forma equitativa o prejuízo 13. Será incentivado o estabelecimento, o reforço
causado às vítimas, às suas famílias ou às pes- e a expansão de fundos nacionais de indemniza-
soas a seu cargo. Tal reparação deve incluir a ção às vítimas. De acordo com as necessidades,
restituição dos bens, uma indemnização pelo poderão estabelecer-se outros fundos com tal
prejuízo ou pelas perdas sofridos, o reembolso objectivo, nomeadamente nos casos em que o
das despesas feitas como consequência da viti- Estado de nacionalidade da vítima não esteja em
mização, a prestação de serviços e o restabeleci- condições de indemnizá-la pelo dano sofrido.
mento dos direitos.
Serviços
9. Os Governos devem reexaminar as respectivas 14. As vítimas devem receber a assistência mate-
práticas, regulamentos e leis, de modo a fazer da rial, médica, psicológica e social de que necessitem,
restituição uma sentença possível nos casos através de organismos estatais, de voluntariado,
penais, para além das outras sanções penais. comunitários e autóctones.
10. Em todos os casos em que sejam causados 15. As vítimas devem ser informadas da existência
graves danos ao ambiente, a restituição deve de serviços de saúde, de serviços sociais e de
incluir, na medida do possível, a reabilitação do outras formas de assistência que lhes possam ser
ambiente, a reposição das infra-estruturas, a subs- úteis e devem ter fácil acesso aos mesmos.
tituição dos equipamentos colectivos e o reem-
bolso das despesas de reinstalação, quando tais 16. O pessoal dos serviços de polícia, de justiça e
danos impliquem o desmembramento de uma de saúde, tal como o dos serviços sociais e o de
comunidade. outros serviços interessados deve receber uma for-
mação que o sensibilize para as necessidades das
11. Quando funcionários ou outras pessoas, agindo vítimas, bem como instruções que garantam uma
a título oficial ou quase oficial, tenham cometido ajuda pronta e adequada às vítimas.
uma infracção penal, as vítimas devem receber a
restituição por parte do Estado cujos funcionários 17. Quando sejam prestados serviços e ajuda às víti-
ou agentes sejam responsáveis pelos prejuízos mas, deve ser dispensada atenção às que tenham
sofridos. No caso em que o Governo sob cuja auto- necessidades especiais em razão da natureza do pre-
ridade se verificou o acto ou a omissão na origem juízo sofrido ou de factores tais como os referidos
da vitimização já não exista, o Estado ou o no parágrafo 3, supra.
262
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
b. VÍTIMAS DE ABUSO DE PODER em outros instrumentos internacionais, o reco-
nhecimento da dignidade inerente e dos direitos
18. Entendem-se por “vítimas” as pessoas que, iguais e inalienáveis de todos os membros da
individual ou colectivamente, tenham sofrido pre- família humana constitui o fundamento da liber-
juízos, nomeadamente um atentado à sua inte- dade, da justiça e da paz no mundo,
gridade física ou mental, um sofrimento de ordem
moral, uma perda material, ou um grave atentado Tendo presente a obrigação dos Estados em virtude
aos seus direitos fundamentais, como conse- da Carta, em particular do seu artigo 55.o, de pro-
quência de actos ou de omissões que, não consti- mover o respeito universal e efectivo dos direitos
tuindo ainda uma violação da legislação penal humanos e das liberdades fundamentais,
nacional, representam violações das normas inter-
nacionalmente reconhecidas em matéria de direi- Profundamente preocupada por constatar que em
tos do homem. muitos países, frequentemente de forma persistente,
ocorrem desaparecimentos forçados, no sentido de
19. Os Estados deveriam encarar a possibilidade de que as pessoas são presas, detidas ou raptadas con-
inserção nas suas legislações nacionais de normas tra a sua vontade ou de outra forma privadas de liber-
que proíbam os abusos de poder e que prevejam dade por agentes governamentais de qualquer ramo
reparações às vítimas de tais abusos. Entre tais ou nível, que de seguida se recusam a revelar o des-
reparações deveriam figurar, nomeadamente, a tino ou paradeiro das pessoas em causa ou se recu-
restituição e a indemnização, bem como a assis- sam a reconhecer a privação de liberdade, assim
tência e o apoio de ordem material, médica, psi- subtraindo tais pessoas à protecção da lei,
cológica e social que sejam necessários.
Considerando que os desaparecimentos forçados
20. Os Estados deveriam encarar a possibilidade atentam contra os mais profundos valores de qual-
de negociar convenções internacionais multilate- quer sociedade empenhada em respeitar o Estado
rais relativas às vítimas, de acordo com a definição de Direito, os direitos humanos e as liberdades fun-
do parágrafo 18. damentais, e que a prática sistemática de tais actos
configura um crime contra a Humanidade,
21. Os Estados deveriam reexaminar periodica-
mente a legislação e as práticas em vigor, com Recordando a sua resolução 33/173, de 22 de
vista a adaptá-las à evolução das situações, deveriam Dezembro de 1978, na qual manifestou preocu-
adoptar e aplicar, se necessário, textos legislativos pação pelos relatos de desaparecimentos forçados
que proibissem qualquer acto que constituísse um ou involuntários oriundos de diversas partes do
grave abuso de poder político ou económico e que mundo, bem como pela angústia e pela dor pro-
incentivassem as políticas e os mecanismos de vocadas por esses desaparecimentos, e instou os
prevenção destes actos e deveriam estabelecer Governos a fazer incorrer as autoridades encarre-
direitos e recursos apropriados para as vítimas de gadas de aplicar a lei e as forças de segurança em
tais actos, garantindo o seu exercício. responsabilidade jurídica pelos excessos que pos-
sam conduzir a desaparecimentos forçados ou
involuntários de seres humanos,
7. DECLARAÇÃO SOBRE A PRO- 6
Adoptada pela Assem-
bleia Geral na sua resolu-
TECÇÃO DE TODAS AS PESSOAS ção 47/133, de 18 de Recordando também a protecção conferida às víti-
Dezembro de 1992.
CONTRA OS DESAPARECIMEN- mas de conflitos armados pelas Convenções de
TOS FORÇADOS6 Genebra de 12 de Agosto de 1949 e seus Protoco-
los Adicionais de 1977,
A Assembleia Geral,
Considerando que, em conformidade com os prin- Tendo em conta em particular os pertinentes arti-
cípios proclamados na Carta das Nações Unidas e gos da Declaração Universal dos Direitos do
Anexos
* 263
Homem e do Pacto Internacional sobre os Direi- 2. Insta a que sejam feitos todos os esforços para
tos Civis e Políticos, que protegem o direito à vida, que a Declaração se torne amplamente conhecida
o direito à liberdade e à segurança da pessoa, o e respeitada:
direito a não ser sujeito à tortura e o direito ao reco-
nhecimento da personalidade jurídica, Artigo 1.o
1. Qualquer acto de desaparecimento forçado cons-
Tendo em conta também a Convenção contra a Tor- titui um atentado à dignidade humana. É conde-
tura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desu- nado enquanto uma negação dos objectivos das
manos ou Degradantes, que estabelece que os Nações Unidas e uma grave e flagrante violação dos
Estados partes deverão tomar medidas eficazes direitos humanos e liberdades fundamentais pro-
para prevenir e punir os actos de tortura, clamados na Declaração Universal dos Direitos do
Homem e reafirmados e desenvolvidos noutros
Tendo presentes o Código de Conduta para os instrumentos internacionais nesta matéria.
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei,
os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força 2. Todo o acto de desaparecimento forçado subtrai
e de Armas de Fogo pelos Funcionários Respon- as pessoas que a ele são sujeitas à protecção da lei
sáveis pela Aplicação da Lei, a Declaração dos Prin- e provoca grandes sofrimentos a essas pessoas e
cípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da às suas famílias. Constitui uma violação das nor-
Criminalidade e de Abuso de Poder e as Regras mas de direito internacional que garantem,
Mínimas para o Tratamento de Reclusos, nomeadamente, o direito ao reconhecimento da
personalidade jurídica, o direito à liberdade e
Afirmando que, para prevenir os desaparecimen- segurança pessoal e o direito a não ser sujeito à tor-
tos forçados, é necessário garantir a estrita obser- tura ou a outras penas ou tratamentos cruéis,
vância do Conjunto de Princípios para a Protecção desumanos ou degradantes. Também viola ou
de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de constitui uma grave ameaça ao direito à vida.
Detenção ou Prisão contidos em anexo à sua reso-
lução 43/173, de 9 de Dezembro de 1988, e dos Prin- Artigo 2.o
cípios sobre a Prevenção Eficaz e Investigação das 1. Nenhum Estado deverá cometer, permitir ou
Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias ou Sumárias, tolerar os desaparecimentos forçados.
constantes do anexo à resolução 1989/65 do Con-
selho Económico e Social, de 24 de Maio de 1989 2. Os Estados deverão agir aos níveis nacional e
e aprovados pela Assembleia Geral na sua resolu- regional e em cooperação com as Nações Unidas
ção 44/162, de 15 de Dezembro de 1989, para contribuir por todos os meios para a pre-
venção e erradicação dos desaparecimentos for-
Tendo presente que, embora os actos que confi- çados.
guram um desaparecimento forçado constituam
uma violação das proibições constantes dos ins- Artigo 3.o
trumentos internacionais acima mencionados, Todos os Estados deverão adoptar medidas efica-
continua, no entanto, a ser importante elaborar um zes nos planos legislativo, administrativo, judicial
instrumento que caracterize todos os actos de ou outros para prevenir e erradicar os actos con-
desaparecimento forçado de pessoas como infrac- ducentes a desaparecimentos forçados em qualquer
ções muito graves e consagre normas concebidas território sujeito à sua jurisdição.
para punir e prevenir tais crimes,
Artigo 4.o
1. Proclama a presente Declaração sobre a Protec- 1. Todos os actos conducentes a desaparecimentos
ção de Todas as Pessoas contra os Desapareci- forçados serão considerados infracções nos ter-
mentos Forçados como um conjunto de princípios mos da lei penal e puníveis com penas adequadas
aplicáveis a todos os Estados; que tenham em conta a sua extrema gravidade.
264
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
2. A lei nacional poderá prever circunstâncias ate- estar em risco de ser vítima de um desapareci-
nuantes para as pessoas que, tendo participado mento forçado.
em desaparecimentos forçados, contribuam para
a reaparição da vítima com vida ou voluntaria- 2. A fim de determinar se esses motivos existem
mente forneçam informações que possam con- ou não, as autoridades competentes deverão ter em
tribuir para o esclarecimento dos casos de conta todas as considerações relevantes, nomea-
desaparecimento forçado. damente e se for o caso, a existência no Estado em
causa de um padrão constante de violações graves,
Artigo 5.o flagrantes e sistemáticas de direitos humanos.
Para além das sanções penais aplicáveis, os desa-
parecimentos forçados fazem incorrer os seus Artigo 9.o
autores e o Estado ou autoridades públicas que 1. É necessário garantir o direito a um recurso
organizem, consintam ou tolerem tais desapare- judicial rápido e eficaz, enquanto meio de deter-
cimentos, em responsabilidade civil, sem prejuízo minar o paradeiro ou estado de saúde das pessoas
da responsabilidade internacional do Estado em privadas de liberdade e/ou de identificar a autori-
causa em conformidade com os princípios de dade que ordenou ou levou a cabo a privação de
direito internacional. liberdade, a fim de prevenir a ocorrência de desa-
parecimentos forçados em todas as circunstân-
Artigo 6.o cias, nomeadamente as referidas no artigo 7.o,
1. Nenhuma ordem ou instrução emanada de qual- supra.
quer autoridade pública, civil, militar ou de outra
natureza poderá ser invocada para justificar um 2. No âmbito desses processos de recurso, as auto-
desaparecimento forçado. Qualquer pessoa que ridades nacionais competentes deverão ter acesso
receba tal ordem ou instrução terá o direito e o dever a todos os locais onde se encontrem pessoas privadas
de não lhe obedecer. de liberdade e a todas as áreas desses locais, bem
como a qualquer local onde existam razões para crer
2. Todos os Estados deverão garantir que as ordens que essas pessoas possam ser encontradas.
ou instruções que ordenem, autorizem ou enco-
rajem qualquer desaparecimento forçado sejam 3. Qualquer outra autoridade competente nos ter-
proibidas. mos da lei interna do Estado ou de qualquer ins-
trumento jurídico internacional do qual o Estado
3. Na formação dos funcionários responsáveis pela seja parte poderá também ter acesso a esses locais.
aplicação da lei dever-se-ão destacar as disposi-
ções do primeiro e segundo parágrafos do pre- Artigo 10.o
sente artigo. 1. Toda a pessoa privada de liberdade deverá ser
mantida num local de detenção oficialmente reco-
Artigo 7.o nhecido e, em conformidade com a lei nacional,
Nenhumas circunstâncias, sejam de que natureza comparecer perante uma autoridade judicial no
forem, quer se trate de ameaça de guerra, estado mais curto espaço de tempo após a detenção.
de guerra, instabilidade política interna ou qualquer
outra situação de emergência pública, poderão ser 2. Informação exacta sobre a detenção das pes-
invocadas para justificar um desaparecimento for- soas em causa e seu local ou locais de detenção,
çado. incluindo locais para onde sejam transferidas,
deverá ser prontamente fornecida aos membros da
Artigo 8.o sua família, ao seu advogado e a qualquer outra pes-
1. Nenhum Estado deverá expulsar, repatriar ou soa com um interesse legítimo em tal informação,
extraditar uma pessoa para outro Estado caso exis- a menos que as pessoas privadas de liberdade
tam motivos sérios para crer que aí a pessoa possa manifestem o desejo em contrário.
Anexos
* 265
3. Todos os locais de detenção deverão manter pronta, exaustiva e imparcialmente investigada
registos oficiais actualizados de todas as pessoas pela autoridade em causa. Sempre que existam
privadas de liberdade. Para além disso, cada motivos razoáveis para acreditar que ocorreu um
Estado deverá adoptar medidas a fim de manter desaparecimento forçado, o Estado deverá comu-
registos centralizados similares. A informação nicar os factos a essa autoridade para que seja ins-
constante dos registos deverá ser posta à disposi- taurado inquérito, mesmo na ausência de uma
ção das pessoas referidas no parágrafo anterior, de denúncia formal. Não deverá ser tomada qualquer
qualquer autoridade judicial ou outra autoridade medida a fim de limitar ou colocar obstáculos a esse
nacional competente e independente e de qual- inquérito.
quer outra autoridade competente nos termos da
lei do Estado ou de qualquer instrumento jurídico 2. Todos os Estados deverão garantir que a auto-
internacional do qual o Estado em causa seja ridade competente disponha das competências e
parte, que procure determinar o paradeiro da pes- recursos necessários para conduzir as investigações
soa detida. de forma eficaz, nomeadamente poderes para exi-
gir a comparência de testemunhas e a apresenta-
Artigo 11.o ção dos documentos pertinentes e para visitar
Todas as pessoas privadas de liberdade deverão imediatamente os locais em causa.
ser libertadas de forma a permitir verificar com cer-
teza que foram de facto postas em liberdade e, 3. Deverão ser adoptadas medidas para garantir que
além do mais, que foram libertadas em condições todas as pessoas envolvidas na investigação,
que garantam a sua integridade física e capaci- nomeadamente o denunciante, o advogado, as tes-
dade de exercer plenamente os seus direitos. temunhas e os agentes que conduzem o inquérito,
sejam protegidos contra quaisquer maus tratos,
Artigo 12.o actos de intimidação ou represálias.
1. Todos os Estados deverão adoptar normas inter-
nas a fim de designar os funcionários autorizados 4. Os resultados das investigações deverão ser
a ordenar a privação de liberdade, definir em que comunicados a todas as pessoas interessadas, a
condições essas ordens podem ser dadas e prever pedido destas, a menos que isso prejudique as
sanções para os funcionários que, sem justificação investigações em curso.
legal, se recusem a prestar informação sobre qual-
quer detenção. 5. Deverão ser adoptadas medidas para garantir que
qualquer forma de maus tratos, intimidação ou
2. Todos os Estados deverão, de forma semelhante, represálias ou qualquer outra forma de interfe-
garantir uma supervisão rigorosa, nomeadamente rência aquando da apresentação da denúncia ou no
através de uma cadeia hierárquica bem definida, decorrer do processo de investigação seja adequa-
de todos os funcionários responsáveis pela aplicação damente punida.
da lei cujas funções incluam a captura, detenção,
guarda, transferência e prisão de pessoas, bem 6. Uma investigação, em conformidade com os
como de todos os outros funcionários autoriza- procedimentos acima descritos, deverá manter-se
dos por lei a utilizar a força ou armas de fogo. em curso enquanto o destino da vítima do desa-
parecimento forçado não for esclarecido.
Artigo 13.o
1. Todos os Estados deverão garantir a todas as Artigo 14.o
pessoas que tenham conhecimento ou possam Todos os presumíveis autores de actos conducen-
invocar um interesse legítimo e aleguem que uma tes a um desaparecimento forçado perpetrados
pessoa foi vítima de um desaparecimento forçado, num determinado Estado deverão, uma vez que
o direito de denunciar os factos perante uma auto- os factos apurados mediante uma investigação ofi-
ridade do Estado e a que essa denúncia seja cial assim o justifiquem, comparecer perante as
266
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
autoridades civis desse Estado para fins de instau- rem a esconder o destino e o paradeiro das pessoas
ração de acção penal e julgamento, a menos que desaparecidas e estes factos não ficarem esclare-
tenham sido extraditados para outro Estado que cidos.
deseje exercer jurisdição em conformidade com os
pertinentes acordos internacionais em vigor. Todos 2. Quando os meios de recurso previstos no ar-
os Estados deverão adoptar todas as medidas líci- tigo 2.o do Pacto Internacional sobre os Direitos
tas e apropriadas ao seu dispor para levar a responder Civis e Políticos deixarem de ser eficazes, a conta-
perante a justiça todos os presumíveis autores de gem do prazo de prescrição aplicável aos actos
actos conducentes a desaparecimentos forçados conducentes a um desaparecimento forçado será
que se encontrem sob a sua jurisdição ou controlo. suspensa até que os meios de recurso sejam res-
tabelecidos.
Artigo 15.o
O facto de existirem motivos razoáveis para acre- 3. O prazo de prescrição aplicável aos actos con-
ditar que uma pessoa participou em actos de ducentes a um desaparecimento forçado, quando
extrema gravidade como os referidos no artigo 4.o, exista, deverá ser longo e proporcional à extrema
n.o 1, supra, independentemente dos motivos por- gravidade da infracção.
que o fez, deverá ser tomado em conta pelas auto-
ridades competentes do Estado ao decidirem sobre Artigo 18.o
um pedido de asilo. 1. Os autores ou presumíveis autores das infracções
referidas no artigo 4.o, n.o 1, supra, não deverão bene-
Artigo 16.o ficiar de qualquer lei especial de amnistia ou
1. Os presumíveis autores de qualquer dos actos medida semelhante que possa ter como efeito ilibá-
referidos no artigo 4.o, n.o 1, supra, deverão ser sus- los de qualquer procedimento ou sanção penal.
pensos do exercício de quaisquer funções oficiais
durante a investigação referida no artigo 13.o, supra. 2. No exercício do direito de solicitar o indulto,
dever-se-á ter em conta a extrema gravidade dos
2. Deverão ser julgados apenas pelos competentes actos conducentes a um desaparecimento forçado.
tribunais comuns do Estado e não por quaisquer tri-
bunais especiais, em particular tribunais militares. Artigo 19.o
As vítimas de desaparecimentos forçados e suas
3. Não serão reconhecidos quaisquer privilégios, famílias deverão obter reparação e terão direito a
imunidades ou dispensas especiais no âmbito de uma adequada compensação, nomeadamente a meios
tais processos, sem prejuízo das disposições enun- que permitam uma reabilitação tão completa quanto
ciadas na Convenção de Viena sobre Relações possível. Na eventualidade de morte da vítima em
Diplomáticas. resultado de um desaparecimento forçado, a sua
família deverá também ter direito a compensação.
4. Aos presumíveis autores de tais actos deverá ser
garantido, em todas as fases da investigação e Artigo 20.o
eventual processo penal e julgamento, um trata- 1. Os Estados deverão prevenir e erradicar o rapto
mento equitativo, em conformidade com as perti- de crianças filhas de pais vítimas de desapareci-
nentes disposições da Declaração Universal dos mentos forçados e de crianças nascidas durante o
Direitos do Homem e de outros pertinentes acor- período de desaparecimento forçado das suas
dos internacionais em vigor. mães e deverão empreender esforços no sentido de
procurar e identificar essas crianças e enviá-las de
Artigo 17.o volta ao seio das suas famílias de origem.
1. Os actos que consubstanciam um desapareci-
mento forçado deverão ser considerados um crime 2. Considerando a necessidade de proteger o inte-
continuado enquanto os seus autores continua- resse superior das crianças referidas no parágrafo
Anexos
* 267
anterior, deverá ser possível, nos Estados que reco- em nenhuma circunstância, nem sequer em situa-
nhecem o sistema de adopção, rever o processo de ções de conflito armado interno, de abuso ou de
adopção dessas crianças e, em particular, anular uso ilegal da força por parte de um funcionário
qualquer adopção que tenha tido origem num público ou de outra pessoa que actue com carác-
desaparecimento forçado. Tal adopção deverá, no ter oficial ou de outrem que actue por instigação,
entanto, continuar a produzir efeitos caso seja ou com o consentimento ou aquiescência daquela,
dado consentimento, no momento da revisão, nem mesmo em situações em que a morte se veri-
pelos familiares mais próximos da criança. fique durante a prisão preventiva. Esta proibição
prevalecerá sobre os decretos promulgados pela
3. O rapto de crianças filhas de pais vítimas de desa- autoridade executiva.
parecimentos forçados ou de crianças nascidas
durante o período de desaparecimento das suas 2. Com o objectivo de impedir as execuções extra-
mães, bem como o acto de alterar ou suprimir judiciais, arbitrárias ou sumárias, os Governos
documentos comprovativos da sua verdadeira garantirão um controlo rigoroso, nomeadamente
identidade, deverão ser consideradas infracções mediante o respeito pela ordem hierárquica, de
extremamente graves e punidas como tal. todos os funcionários responsáveis pela captura,
detenção, prisão, custódia e encarceramento,
4. Para estes fins, os Estados deverão, se apro- assim como de todos os funcionários autorizados
priado, celebrar acordos bilaterais e multilaterais. por lei a usar a força e armas de fogo.
268
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
7. Inspectores especialmente qualificados, 10. A autoridade de investigação terá poderes para
incluindo pessoal médico ou uma autoridade obter toda a informação necessária à investigação.
independente equivalente, efectuarão periodica- As pessoas que dirijam a investigação disporão de
mente inspecções aos lugares de reclusão e terão todos os recursos orçamentais e técnicos necessários
a faculdade de realizar inspecções sem aviso pré- para uma investigação eficaz e terão também
vio e por sua própria iniciativa, com todas as poderes para obrigar os funcionários suposta-
garantias de independência no exercício dessa mente implicados em tais execuções a comparecer
função. Os inspectores terão livre acesso a todas e a prestar depoimento. A mesma regra aplicar-se-
as pessoas que se encontrem nos ditos lugares de -á às testemunhas. Para tal fim, poderão notificar
reclusão, bem como a todas as peças do respec- as testemunhas - incluindo os funcionários supos-
tivo processo. tamente implicados e ordenar a apresentação de
provas.
8. Os Governos farão quanto esteja ao seu alcance
para evitar as execuções extrajudiciais, arbitrárias 11. Nos casos em que os procedimentos de inves-
ou sumárias, recorrendo, por exemplo, à inter- tigação estabelecidos se mostrem insuficientes
cessão diplomática, facilitando o acesso dos devido à falta de competência ou de imparcialidade,
demandantes aos órgãos intergovernamentais e à importância do assunto ou aos indícios de exis-
judiciais e fazendo denúncias públicas. Serão uti- tência de uma habitual conduta abusiva, bem
lizados os mecanismos intergovernamentais para como naqueles em que haja queixas da família
estudar as informações sobre cada uma destas exe- por tais insuficiências ou haja outros motivos
cuções e para adoptar medidas eficazes contra tais substanciais para isso, os Governos procederão a
práticas. Os Governos, incluídos os dos países em investigações através de uma comissão de inqué-
que se suspeite, fundadamente, da existência de rito independente ou de outro procedimento
execuções extrajudiciais, arbitrárias ou sumárias, análogo. Os membros dessa comissão serão esco-
cooperarão plenamente nas investigações inter- lhidos em razão da sua comprovada imparcialidade,
nacionais sobre o assunto. competência e independência pessoal. Em parti-
cular, deverão ser independentes de qualquer ins-
INVESTIGAÇÃO tituição ou pessoa que possa ser alvo da
investigação. A comissão terá a faculdade de obter
9. Proceder-se-á a uma investigação exaustiva, toda a informação necessária à investigação e levá-
imediata e imparcial de todos os casos em que la-á a cabo de acordo com o estabelecido nestes Prin-
haja suspeita de execuções extrajudiciais, arbi- cípios.
trárias ou sumárias, incluindo aqueles em que
as queixas de parentes ou outras informações cre- 12. Não poderá proceder-se à inumação, incinera-
díveis façam pensar que se verificou uma morte ção, etc., do corpo da pessoa falecida até que um
não devida a causas naturais, nas referidas cir- médico, se possível perito em medicina legal,
cunstâncias. Os Governos manterão órgãos e tenha realizado uma autópsia adequada. As pessoas
procedimentos de investigação para realizar tais que realizem a autópsia terão acesso a todos os
inquéritos. A investigação terá como objectivo dados da investigação, ao lugar onde foi desco-
determinar a causa, a forma e o momento da berto o corpo e àquele em que se suponha que ocor-
morte, a pessoa responsável e o procedimento ou reu a morte. Se depois de ter sido enterrado o
prática susceptível de a ter provocado. Durante corpo se mostre necessária uma investigação, será
a investigação será feita uma autópsia adequada, o mesmo exumado sem demora e de forma ade-
serão recolhidas e analisadas todas as provas quada à realização de uma autópsia. No caso de se
materiais e documentais e serão ouvidos os descobrirem restos ósseos, deverá proceder-se à res-
depoimentos das testemunhas. A investigação dis- pectiva exumação com as precauções necessárias
tinguirá entre a morte por causas naturais, a e ao seu estudo, de acordo com as técnicas siste-
morte por acidente, o suicídio e o homicídio. máticas da antropologia.
Anexos
* 269
13. O corpo da pessoa falecida deverá estar à dis- 17. Será feito em tempo razoável um relatório
posição de quem realize a autópsia durante um escrito sobre os métodos e conclusões das inves-
período suficiente para permitir uma investiga- tigações. O relatório será publicado imediata-
ção minuciosa. Na autópsia dever-se-á tentar mente e nele serão expostos o alcance da
determinar, pelo menos, a identidade da pessoa investigação, os procedimentos e métodos utili-
falecida e a causa e circunstâncias da morte. Na zados para avaliar as provas e as conclusões e reco-
medida do possível, deverão precisar-se também mendações baseadas nos resultados de facto e na
o momento e o lugar em que ela ocorreu. Deve- legislação aplicável. O relatório exporá também, por-
rão incluir-se no relatório da autópsia fotogra- menorizadamente, os factos concretos ocorridos,
fias pormenorizadas, a cores, da pessoa falecida, de acordo com os resultados das investigações,
com o objectivo de documentar e corroborar as bem como as provas em que tais conclusões este-
conclusões da investigação. O relatório da autóp- jam baseadas, e enumerará os nomes das teste-
sia deverá descrever todas e cada uma das lesões munhas que hajam prestado depoimento, à
apresentadas pela pessoa falecida e incluir qual- excepção daquelas cuja identidade se mantenha
quer indício de tortura. reservada por razões de protecção. O Governo res-
ponderá num prazo razoável ao relatório da inves-
14. Com o fim de garantir a objectividade dos tigação, ou indicará as medidas que, na sequência
resultados, é necessário que quem realize a autóp- do mesmo, serão adoptadas.
sia possa actuar de forma imparcial e com inde-
pendência em relação a quaisquer pessoas, PROCEDIMENTOS JUDICIAIS
organizações ou entidades potencialmente impli-
cadas. 18. Os Governos velarão para que as pessoas que
a investigação tenha identificado como partici-
15. Os litigantes, as testemunhas, quem realize a pantes em execuções extrajudiciais, arbitrárias ou
investigação e as suas famílias serão protegidos de sumárias sejam julgadas em qualquer território sob
actos ou ameaças de violência ou de qualquer sua jurisdição. Os Governos farão comparecer tais
outra forma de intimação. Quem esteja suposta- pessoas perante a justiça ou colaborarão na sua
mente implicado em execuções extrajudiciais, extradição para outros países que se proponham
arbitrárias ou sumárias será afastado de todas as julgá-las. Este princípio será aplicado indepen-
funções que impliquem um controlo ou poder, dentemente de quem quer que sejam os agentes
directo ou indirecto, sobre os litigantes, as teste- ou as vítimas, do lugar em que se encontrem, da
munhas e suas famílias, bem como sobre quem leve sua nacionalidade e do lugar em que se praticou
a cabo as investigações. o crime.
16. Os familiares da pessoa falecida e os seus 19. Sem prejuízo do estabelecido no princípio 3,
representantes legais serão informados das supra, não poderá ser invocada uma ordem de um
audiências que se realizem a que terão acesso, funcionário superior ou de uma autoridade
bem como a toda a informação pertinente à pública como justificação para execuções extra-
investigação e terão direito a apresentar outras judiciais, arbitrárias ou sumárias. Os funcioná-
provas. A família do falecido terá direito a insis- rios superiores, oficiais ou outros funcionários
tir em que um médico ou outro seu represen- públicos poderão ser considerados responsáveis
tante qualificado esteja presente na autópsia. pelos actos cometidos por funcionários subor-
Uma vez determinada a identidade do falecido, dinados à sua autoridade se tiveram uma possi-
anunciar-se-á publicamente o seu falecimento e bilidade, razoável, de evitar os ditos actos. Em
notificar-se-á imediatamente a família ou os circunstância alguma, nem sequer em estado de
parentes. O corpo da pessoa falecida será devol- guerra, de sítio ou noutra emergência pública,
vido aos seus familiares, depois de completada será concedida, previamente ao processo, imu-
a investigação. nidade geral às pessoas supostamente implica-
270
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
das em execuções extrajudiciais, arbitrárias ou justiça social para todos os jovens, contribuindo
sumárias. assim, ao mesmo tempo, para a protecção dos
jovens e a manutenção da paz e da ordem na socie-
20. As famílias e as pessoas que estejam a cargo dade.
das vítimas de execuções extrajudiciais, arbitrá-
rias ou sumárias terão direito a receber, num 1.5 A aplicação destas regras deve ser feita den-
prazo razoável, uma indemnização justa e sufi- tro do contexto das condições económicas, sociais
ciente. e culturais existentes em cada Estado membro.
Anexos
* 271
2. Campo de aplicação das regras e definições imparcialmente e sem qualquer espécie de dis-
utilizadas tinção.
2.1 As Regras Mínimas a seguir enunciadas A regra 2.1 sublinha a importância das regras
serão aplicadas imparcialmente aos jovens delin- serem aplicadas imparcialmente e sem qualquer
quentes, sem qualquer distinção, designada- espécie de distinção. Segue a formulação do prin-
mente de raça, cor, sexo, língua, religião, de cípio 2 da Declaração dos Direitos da Criança.
opiniões políticas ou outras, de origem nacional
ou social, de condição económica, nascimento ou A regra 2.2 define os termos «menor» e «delito»
outra condição. como componentes da noção de «delinquente
juvenil», que constitui o objecto principal das pre-
2.2 Para os fins das presentes Regras, as defini- sentes Regras Mínimas (contudo, ver também as
ções a seguir enunciadas serão aplicadas pelos regras 3 e 4).
Estados membros de modo compatível com os
seus respectivos sistemas e conceitos jurídicos: Note-se que os limites de idade dependem expres-
samente de cada sistema jurídico, respeitando
a) Menor é qualquer criança ou jovem que, em rela- assim totalmente os sistemas económicos, sociais,
ção ao sistema jurídico considerado, pode ser políticos e culturais dos Estados membros. Isto faz
punido por um delito, de forma diferente da de um com que a noção de menor se aplique a jovens de
adulto; idades muito diferentes, que vão dos 7 aos 18 anos
b) Delito é qualquer comportamento (acto ou ou mais. Esta disparidade é inevitável, dada a
omissão) punível por lei em virtude do sistema jurí- diversidade dos sistemas jurídicos nacionais e não
dico considerado; diminui em nada o impacto destas Regras Míni-
c) Delinquente juvenil é qualquer criança ou mas.
jovem acusado de ter cometido um delito ou con-
siderado culpado de ter cometido um delito. A regra 2.3 prevê a necessidade de legislação
nacional específica, destinada a assegurar a
2.3 Em cada país, procurar-se-á promulgar um melhor aplicação possível destas Regras Mínimas,
conjunto de leis, normas e disposições especial- tanto no plano jurídico como prático.
mente aplicáveis aos delinquentes juvenis e às
instituições e organismos encarregados da admi-
nistração da Justiça de menores e destinado: 3. Extensão das Regras
272
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Comentário: tido. Em geral, existe uma estreita ligação entre a
A regra 3 alarga a protecção concedida pelas noção de responsabilidade por um comporta-
Regras Mínimas para a Administração da Justiça mento delituoso ou criminal e outros direitos e res-
de Menores: ponsabilidades sociais (tais como o estado de
casado, a maioridade civil, etc.).
a) Aos chamados «delitos de status», previstos
em vários sistemas jurídicos nacionais onde a Será, pois, necessário encontrar um limite de
gama de comportamentos considerados como idade razoável, que seja internacionalmente apli-
delitos é maior para os jovens do que para os cável.
adultos (p. ex., absentismo escolar, indisciplina
escolar e familiar, embriaguez pública, etc.)
(regra 3.1); 5. Objectivos da Justiça de menores
b) Às medidas de protecção e auxílio social em favor
dos jovens (regra 3.2); 5.1. O sistema da Justiça de menores deve dar a
c) Ao tratamento dos jovens adultos delinquentes, maior importância ao bem-estar destes e assegu-
segundo o limite de idade fixado em cada caso rar que qualquer decisão em relação aos delin-
(regra 3.3). quentes juvenis seja sempre proporcional às
circunstâncias especiais tanto dos delinquentes
O alargamento das regras a estes três domínios como do delito.
parece justificar-se. A regra 3.1 prevê garantias
mínimas nestes domínios e a regra 3.2 é conside- Comentário:
rada como um passo desejável no sentido de uma A regra 5 diz respeito a dois dos objectivos mais
Justiça penal mais justa, mais equitativa e mais importantes da Justiça de menores. O primeiro é
humana para todos os menores que entram em con- a promoção do bem-estar do menor. Este é o prin-
flito com a lei. cipal objectivo dos sistemas jurídicos onde os
casos dos delinquentes juvenis são examinados
pelos tribunais de família ou pelas autoridades
4. Idade da responsabilidade penal administrativas, mas também os sistemas jurídi-
cos que seguem o modelo do tribunal penal
4.1 Nos sistemas jurídicos que reconhecem a deverão promover o bem-estar dos menores, con-
noção de responsabilidade penal em relação aos tribuindo assim para evitar sanções meramente
menores, esta não deve ser fixada a um nível punitivas (ver, igualmente, a regra 14.).
demasiado baixo, tendo em conta os problemas de
maturidade afectiva, psicológica e intelectual. O segundo objectivo é o «princípio da proporcio-
nalidade». Este princípio é bem conhecido como
Comentário: um instrumento que serve para moderar as san-
A idade mínima e os efeitos de responsabilidade ções punitivas, relacionando-as geralmente com a
penal variam muito segundo as épocas e as cul- gravidade do crime. Em relação aos delinquentes
turas. A atitude moderna consiste em perguntar juvenis deve ter-se em conta não só a gravidade da
se uma criança pode suportar as consequências infracção, mas também as circunstâncias pessoais.
morais e psicológicas da responsabilidade penal; As circunstâncias individuais do delinquente (tais
isto é, se uma criança, dada a sua capacidade de como a condição social, a situação familiar, o dano
discernimento e de compreensão, pode ser con- causado pela infracção ou outros factores em que
siderada responsável por um comportamento intervenham circunstâncias pessoais) devem
essencialmente anti-social. Se a idade da respon- influenciar a proporcionalidade da decisão (por
sabilidade penal for fixada a nível demasiado exemplo, tendo em conta o esforço do delinquente
baixo ou se não existir um limite mínimo, a noção para indemnizar a vítima ou o seu desejo de ence-
de responsabilidade deixará de ter qualquer sen- tar uma vida sã e útil).
Anexos
* 273
Do mesmo modo, as decisões que visam assegu- sões possam adoptar as medidas consideradas
rar a protecção do delinquente juvenil podem ir mais apropriadas em cada caso; e a necessidade
mais longe do que o necessário e infringir assim de prever medidas de controlo e equilíbrios que
os seus direitos fundamentais, como aconteceu limitem o abuso do poder discricionário e
em alguns sistemas de Justiça de menores. Tam- protejam os direitos do jovem delinquente. A
bém aqui é necessário salvaguardar a proporcio- responsabilidade e o profissionalismo são con-
nalidade da decisão em relação às circunstâncias siderados como as qualidades mais necessárias
específicas do delinquente, da infracção, assim para moderar um poder discricionário dema-
como da vítima. siado amplo. Assim, as qualificações profis-
sionais e a formação especializada são aqui
Essencialmente a regra 5 pede apenas uma deci- apresentadas como meios de assegurar o exercício
são justa em todos os casos de delinquência e de judicioso do poder discricionário nos assuntos
criminalidade juvenis. Os dois aspectos encara- relativos aos jovens delinquentes (ver também as
dos na regra podem permitir a realização de novos regras 1.6 e 2.2). A formulação de directrizes
progressos a dois níveis: é tão desejável aplicar específicas sobre o exercício do poder discricio-
medidas de um tipo novo e original como conse- nário e a criação de um sistema de revisão, de
guir evitar o aumento excessivo da rede de controlo recurso, etc. que permitam o exame das decisões
social sobre os menores. e que assegurem que aqueles que as tomam têm
o sentido da sua responsabilidade, são subli-
nhadas neste contexto. Tais mecanismos não são
6. Alcance do poder discricionário aqui especificados, uma vez que não se prestam
facilmente à inclusão num conjunto de Regras
6.1 Dadas as diferentes necessidades específicas Mínimas internacionais, que não pode, obvia-
dos menores e a diversidade de medidas possí- mente, abranger todas as diferenças que existem
veis, deve ser previsto um poder discricionário nos sistemas de Justiça.
suficiente em todas as fases do processo e a dife-
rentes níveis da administração da Justiça de meno-
res, designadamente nas fases de instrução, de 7. Direitos dos menores
acusação, de julgamento e de aplicação e segui-
mento das medidas tomadas. 7.1 As garantias fundamentais do processo, tais
como a presunção de inocência, o direito de ser
6.2 Contudo, devem ser feitos esforços no sentido notificado das acusações, o direito de não res-
de assegurar que este poder discricionário seja ponder, o direito à assistência judiciária, o direito
exercido de um modo responsável, em todas as fases à presença dos pais ou tutor, o direito de interrogar
do processo e a todos os níveis. e confrontar as testemunhas e o direito ao
recurso serão asseguradas em todas as fases do
6.3 As pessoas que o exercem devem ser espe- processo.
cialmente qualificadas ou formadas para o exercer
judiciosamente e de acordo com as suas funções Comentário:
e mandatos respectivos. A regra 7.1 sublinha alguns pontos importantes que
apresentam os elementos essenciais de um julga-
Comentário: mento equitativo e que são internacionalmente
As regras 6.1, 6.2 e 6.3 tratam de vários aspec- reconhecidos nos instrumentos existentes dos
tos importantes para a administração de uma direitos do homem (ver também a regra 14).
justiça de menores eficaz, justa e humana: a A presunção de inocência, por exemplo, figura
necessidade de se permitir o exercício do poder igualmente no artigo 11 da Declaração Universal dos
discricionário em todas as fases importantes do Direitos do Homem e no artigo 14.2 do Pacto
processo para que as pessoas que tomam deci- Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
274
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
As regras 14 e seguintes das presentes Regras Comentário:
Mínimas especificam os elementos importantes nos A regra 9 visa evitar qualquer confusão na inter-
processos que envolvam menores em particular, pretação e aplicação das presentes Regras em con-
enquanto a regra 7.1 afirma, de um modo geral, as formidade com outras normas e instrumentos
garantias processuais mais importantes. internacionais dos direitos do homem, existentes
ou em elaboração tais como a Declaração Univer-
sal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional
8. Protecção da vida privada sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais
e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
8.1 O direito do menor à protecção da sua vida Políticos e a Declaração dos Direitos da Criança1
privada deve ser respeitado em todas as fases a e o projecto de Convenção sobre os Direitos da
fim de se evitar que seja prejudicado por uma Criança. Entende-se que a aplicação das presentes
publicidade inútil ou pelo processo de estigma- Regras não prejudica nenhum outro instrumento
tização. internacional que contenha disposições de aplica-
ção mais lata 10 (veja-se igualmente a regra 27).
8.2 Em princípio, não deve ser publicada
nenhuma informação que possa conduzir à iden-
tificação de um delinquente juvenil. [ SEGUNDA PARTE ]
INVESTIGAÇÃO E PROCEDIMENTO
Comentário:
A regra 8 sublinha a importância da protecção do
direito do menor à vida privada. Os jovens são 10. Primeiro contacto
particularmente sensíveis à estigmatização. As
investigações criminológicas neste domínio mos- 10.1.Sempre que um menor é detido, os pais ou o
traram os efeitos perniciosos (de toda a espécie) tutor devem ser imediatamente notificados ou, se
resultantes do facto de os jovens serem qualifica- isso não for possível, deverão vê-lo no mais curto
dos, de uma vez por todas, como «delinquentes» prazo de tempo.
ou «criminosos».
10.2 O Juiz ou qualquer outro funcionário ou orga-
A regra 8 mostra que é necessário proteger os nismo competente deverá examinar imediata-
jovens dos efeitos nocivos da publicidade, nos mente a possibilidade de libertar o menor.
meios de comunicação, de informações sobre o seu
caso (por exemplo, o nome dos jovens delinquen- 10.3 Os contactos entre os organismos encarrega-
tes, acusados ou condenados). É preciso proteger dos de fazer cumprir a lei e o jovem delinquente
e respeitar, pelo menos em princípio, o interesse deverão ser estabelecidos de forma a respeitar o esta-
do indivíduo. (O conteúdo geral da regra 8 é espe- tuto jurídico do menor, a favorecer o seu bem-
cificado, à frente, na regra 21). -estar e a evitar prejudicá-lo, tendo em conta as
circunstâncias do caso.
Anexos
* 275
rios ou autoridades policiais com competência caso será sujeita a exame por uma autoridade
para libertarem as pessoas detidas (ver também o competente, se isso for solicitado.
parágrafo 3.o do artigo 9.o do Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos). 11.4 A fim de facilitar a abordagem discricionária
dos casos de delinquência juvenil, procurará orga-
A regra 10.3. trata de aspectos fundamentais relati- nizar-se programas comunitários, designada-
vos aos processos e ao comportamento dos polícias mente de vigilância e de orientação temporárias e
ou outros agentes dos organismos encarregados de assegurar a restituição dos bens e a indemnização
fazer cumprir a lei nos casos de delinquência juve- das vítimas.
nil. A expressão «evitar prejudicá-lo» é, sem
dúvida, vaga e cobre muitos aspectos possíveis de Comentário:
interacção (palavras, violência física, riscos devidos O recurso a meios extrajudiciais, que permite evi-
ao meio). Como o próprio envolvimento num pro- tar um processo penal e implica, muitas vezes, o
cesso de Justiça de menores pode em si ser encaminhamento para os serviços comunitários é
«nocivo» para os jovens, a expressão «evitar pre- comummente aplicado, de forma oficial e oficiosa,
judicá-lo» deve ser compreendida como signifi- em sistemas jurídicos. Esta prática permite evitar
cando, antes de mais, a redução ao mínimo do as consequências negativas de um processo nor-
dano infligido aos menores e o evitar qualquer mal na administração da Justiça de menores (por
prejuízo suplementar ou indevido. Isto é espe- exemplo, o estigma de uma condenação e de um
cialmente importante no primeiro contacto com os julgamento). Em muitos casos, a não intervenção
organismos encarregados de fazer cumprir a lei, seria a melhor solução. Assim, o recurso a meios
porque esse contacto pode influenciar profunda- extrajudiciais desde o começo, sem encaminha-
mente a atitude do menor em relação ao Estado e mento para serviços (sociais) alternativos, pode
à sociedade. Além disso, o sucesso de qualquer constituir a melhor resposta. É, assim, sobretudo
outra intervenção depende destes primeiros con- quando o delito não é de natureza grave e quando
tactos. A benevolência e a firmeza são essenciais a família, a escola ou outras instituições de controlo
em tais situações. social informal já reagiram, ou estão em vias de rea-
gir, de modo adequado e construtivo.
11. Recurso a meios extrajudiciais Tal como é apontado na regra 11.2., o recurso a
meios extrajudiciais pode dar-se em qualquer fase
11.1. Sempre que possível tentar-se-á tratar o caso da tomada de decisão - pela polícia, pelo Ministé-
dos delinquentes juvenis evitando o recurso a um rio Público ou outras instituições, tais como tri-
processo judicial perante a autoridade competente bunais, comissões ou conselhos. Pode ser exercido
referida na regra 14.1 infra. por uma ou várias destas instâncias ou por todas,
segundo as regras e políticas nos diferentes siste-
11.2 A polícia, o Ministério Público e os outros mas e de acordo com o espírito das presentes
organismos que se ocupem de casos de delin- regras. O recurso a meios extrajudiciais é um ins-
quência juvenil poderão lidar com eles discricio- trumento importante, que não deve ser necessa-
nariamente, evitando o recurso ao formalismo riamente limitado a casos de menor gravidade.
processual penal estabelecido, antes faseando-se em
critérios fixados para esse efeito nos seus sistemas A regra 11.3 sublinha a necessidade de se assegu-
jurídicos e nas presentes regras. rar o consentimento do delinquente juvenil (ou dos
11.3 Qualquer recurso a meios extrajudiciais que seus pais ou tutor) às medidas extrajudiciais reco-
implique o encaminhamento para serviços comu- mendadas. (O recurso a serviços comunitários
nitários ou outros serviços competentes exige o con- sem este consentimento violaria a Convenção
sentimento do interessado, dos seus pais ou do seu sobre a Abolição dos Trabalhos Forçados). Con-
tutor; contudo, a decisão relativa à remessa do tudo, esse consentimento não deve ser irreversível,
276
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
porque muitas vezes, pode ser dado pelo menor, Embora a relação entre a urbanização e a crimi-
em desespero de causa. A regra sublinha a neces- nalidade seja muito complexa, associa-se, muitas
sidade de se minimizarem as possibilidades vezes, o aumento de delinquência juvenil com o
de coacção e de intimidação a todos os níveis do desenvolvimento das grandes cidades, sobretudo
processo de recurso a meios extrajudiciais. Os quando este é rápido e anárquico. Seriam, pois,
menores não se devem sentir pressionados (por indispensáveis serviços de polícia especializados,
exemplo, para evitarem comparecer perante o tri- não só para aplicar os princípios enunciados nas
bunal) ou coagidos a dar o seu consentimento. presentes Regras (por exemplo, na regra 1.6) mas
Assim, recomenda-se a tomada de medidas que per- ainda, de modo mais geral, para melhorar a eficácia
mitam uma avaliação objectiva da conveniência da prevenção e da repressão da delinquência juve-
da intervenção, em relação aos jovens delinquen- nil e do tratamento dos jovens delinquentes.
tes, de uma «autoridade competente, se isso for soli-
citado». (A autoridade competente pode ser
diferente da referida na regra 14). 13. Prisão preventiva
A regra 11.4 recomenda que se prevejam alterna- 13.1 A prisão preventiva constitui uma medida de
tivas viáveis para substituir o processo normal da último recurso e a sua duração deve ser o mais curta
Justiça de menores, na forma de programas de possível.
tipo comunitário; recomenda-se, em especial, os que
prevêem a restituição de bens às vítimas ou que 13.2 Sempre que for possível, a prisão preventiva
permitem evitar que os menores entrem, de deve ser substituída por outras medidas, tais como
futuro, em conflito com a lei, graças a uma vigi- uma vigilância apertada, uma assistência muito
lância e orientação temporárias. São as circuns- atenta ou a colocação em família, em estabeleci-
tâncias especiais de cada caso que justificam o mentos ou em lar educativo.
recurso a meios extrajudiciais, mesmo quando
foram cometidas infracções mais graves (primeira 13.3 Os menores em prisão preventiva devem
infracção, acto cometido sob pressão de compa- beneficiar de todos os direitos e garantias previs-
nheiros do menor, etc.) tos nas Regras Mínimas das Nações Unidas para
o Tratamento de Reclusos.
12. Especialização nos serviços de polícia 13.4 Os menores em prisão preventiva devem estar
separados dos adultos e ser detidos em estabele-
12.1 Para melhor cumprir as suas funções, os polí- cimentos diferentes ou numa parte separada de um
cias que se ocupam frequentemente, ou exclusi- estabelecimento em que também se encontram
vamente, de menores ou que se dedicam detidos adultos.
essencialmente à prevenção da delinquência juve-
nil devem receber uma instrução e uma formação 13.5 Durante a sua prisão preventiva, os menores
especiais. Com este fim deveriam ser criados nas devem receber cuidados, protecção e toda a assis-
grandes cidades serviços especiais de polícia. tência individual - no plano social, educativo, pro-
fissional, psicológico, médico e físico - de que
Comentário: necessitem, tendo em conta a sua idade, sexo e per-
A regra 12 chama a atenção para a necessidade de sonalidade.
uma formação especializada para todos os funcio-
nários responsáveis pela aplicação da lei que parti- Comentário:
cipam na administração da Justiça de menores. O perigo de «contaminação criminal» para os
Como a polícia é sempre o primeiro ponto de con- jovens presos preventivamente não deve ser
tacto com o sistema de Justiça de menores, é impor- subestimado. É, pois, importante sublinhar a
tante que actue de maneira informada e adequada. necessidade de medidas alternativas. Ao fazê-lo, a
Anexos
* 277
regra 13.1 encoraja a elaboração de medidas novas [ TERCEIRA PARTE ]
e inovadoras destinadas a evitar a prisão preven- JULGAMENTO E DECISÃO
tiva no interesse do bem-estar do menor.
A regra 13.4 não impede os Estados de tomarem 14.2 O processo favorecerá os interesses do menor
outras medidas de protecção contra a influência e será conduzido numa atmosfera de compreen-
nefasta dos delinquentes adultos, que sejam pelo são, que permita ao jovem participar e expressar-
menos tão eficazes como as que aí são mencio- se livremente.
nadas.
Comentário:
Foram enumeradas diversas formas de assistência É difícil dar uma definição do organismo ou de pes-
que podem ser necessárias para chamar a atenção soa competente que descreva de modo univer-
para a larga gama de necessidades especiais dos salmente aceitável a autoridade jurisdicional. A
jovens detidos (por exemplo, consoante se trate de expressão «autoridade competente» deve com-
homens ou mulheres, de toxicómanos, de alcoó- preender as pessoas que presidem aos tribunais
licos, de jovens doentes mentais ou de jovens trau- (compostos por um ou vários membros), incluindo
matizados, designadamente após a sua detenção, magistrados profissionais e não profissionais, assim
etc.). como as comissões administrativas (sistema escocês
e escandinavo, por exemplo) ou outros organismos
As diversas características físicas e psicológicas comunitários de carácter mais informal, especializados
dos jovens detidos podem justificar medidas que na resolução de conflitos e de carácter jurisdicional.
permitam separá-los dos outros quando estão deti-
dos preventivamente, e que contribuam para evi- O processo seguido para julgar os jovens delin-
tar que se tornem vítimas de outros reclusos e quentes deve, de qualquer modo, conformar-se
que possam beneficiar da assistência mais apro- com as normas mínimas, asseguradas quase uni-
priada ao seu caso. versalmente a qualquer acusado, expressas pelo res-
peito das fórmulas legais. Nestas fórmulas, um
O Sexto Congresso das Nações Unidas para a Pre- processo «justo e equitativo» compreende garan-
venção do Crime e o Tratamento dos Delinquen- tias fundamentais, tais como a presunção de ino-
tes, na sua Resolução 4, sobre a elaboração de cência, a apresentação e exame de testemunhas,
Regras Mínimas para a Administração da Justiça meios comuns de defesa, o direito de não res-
de Menores especificou que as regras deveriam, ponder, o direito final de réplica, o direito de
entre outros aspectos, reflectir o princípio de base recurso, etc. (ver igualmente a regra 7.1).
segundo o qual a prisão preventiva só deve ser
utilizada em último recurso, que nenhum menor 15. Assistência judiciária e direitos dos pais e
deve ser detido num estabelecimento onde esteja tutores
sujeito a sofrer a influência negativa de adultos
delinquentes e que é necessário ter sempre em con-
sideração as necessidades próprias do seu estado 15.1 Ao longo de todo o processo, o menor tem o
de desenvolvimento. direito de ser representado pelo seu advogado ou
278
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
pedir a designação de um advogado oficioso, processos judiciais contra jovens delinquentes. A
quando existam no país disposições legais que autoridade competente deve ser informada sobre
prevejam essa assistência. factos importantes referentes ao menor, tais como
os seus antecedentes sociais e familiares, a sua esco-
15.2 Os pais ou o tutor podem participar no pro- laridade, as suas experiências em matéria de edu-
cesso e a autoridade competente pode, no inte- cação, etc. Certas jurisdições recorrem, com este
resse do menor, requerer que o façam. Esta pode, fim, a serviços sociais especializados ou a pessoal
contudo, recusar essa participação se existirem dependente dos tribunais ou das comissões. Exis-
razões para supor que essa exclusão é necessária tem outras pessoas, designadamente os agentes dos
no interesse do menor. serviços de prova, que podem desempenhar a
mesma função. A regra exige, pois, que serviços
Comentário: sociais adequados estejam encarregados de ela-
A regra 15.1. utiliza uma terminologia paralela à do borar relatórios de inquérito social apropriados.
regra 93 das Regras Mínimas para o Tratamento
de Reclusos 10. Enquanto a assistência de um
advogado ou assistência judiciária gratuita é 17. Princípios relativos ao julgamento e à decisão
necessária para assegurar a assistência judiciária
do menor, o direito à participação dos pais ou 17.1 A decisão de qualquer autoridade competente
tutor, tal como é enunciado na regra 15.2., deve ser deve basear-se nos seguintes princípios:
considerado como uma assistência geral ao menor
de carácter psicológico e afectivo, função que per- a) A decisão deve ser sempre proporcional não só
siste ao longo de todo o processo. às circunstâncias e gravidade da infracção, mas
também às circunstâncias e necessidades do
A procura de uma solução adequada pela autori- jovem delinquente, assim como às necessidades da
dade competente pode ser facilitada, designada- sociedade;
mente, pela cooperação dos representantes legais b) As restrições à liberdade pessoal do menor são
do menor (ou de outra pessoa, em quem o menor impostas somente depois de um estudo cuidadoso
possa ter ou tenha efectivamente confiança). Mas e limitadas ao mínimo possível;
já não é assim se a presença dos pais ou do tutor c) A privação da liberdade individual só é imposta
desempenha um papel negativo na audiência; por se o menor for considerado culpado de um facto
exemplo, se eles manifestam uma atitude hostil em grave que implique violência contra outra pessoa
relação ao menor; donde as disposições relativas ou de reincidência noutros crimes graves e se não
à possibilidade da sua exclusão. existir outra solução adequada;
d) O bem-estar do menor deve ser o elemento
condutor no exame do caso.
16. Relatórios de inquérito social
17.2 A pena de morte não é aplicável aos crimes
16.1 Para facilitar o julgamento do caso pela autori- cometidos por menores.
dade competente e a menos que se trate de infrac-
ções leves, antes da autoridade competente tomar a 17.3 Os menores não estão sujeitos a castigos cor-
decisão final, os antecedentes do menor, as condi- porais.
ções em que vive e as circunstâncias em que o delito
foi cometido são objecto de um inquérito profundo. 17.4 A autoridade competente pode suspender o
processo em todo e qualquer momento.
Comentário:
Os relatórios de inquérito social (relatórios sociais Comentário:
ou relatórios pré-sentenciais) são uma ajuda indis- A principal dificuldade na formulação de princípios
pensável na maior parte dos casos referentes a orientadores do julgamento de menores resulta
Anexos
* 279
do facto de existirem ainda conflitos não resolvi- pre presente a noção da segurança pública. O
dos, de natureza filosófica, tais como os seguintes: regime de prova deve ser aplicado sempre que
possível através da suspensão da sentença, de sen-
a) Reinserção social ou sanção merecida; tenças condicionais, decisões de comissões e outro
b) Assistência ou repressão e castigo; tipo de disposições.
c) Reacção adaptada às características de um caso
individual ou reacção inspirada na protecção da A alínea c) da regra 17.1 corresponde a um dos
sociedade em geral; princípios orientadores que figuram na resolução
d) Dissuasão geral ou protecção individual. 4 do Sexto Congresso, que visa evitar a prisão dos
jovens delinquentes, a menos que não exista
O conflito entre estas soluções é mais grave no caso outro meio adequado de garantir a segurança
dos menores do que no dos adultos. Perante a pública.
grande diversidade das causas e das reacções que
caracterizam os casos referentes a menores, todas A disposição contra a pena de morte, incluída na
estas alternativas se encontram estritamente liga- regra 17.2, está de acordo com o parágrafo 5.o do
das. A função das Regras Mínimas para a admi- artigo 6.o do Pacto Internacional sobre os Direitos
nistração da Justiça de menores não é prescrever Civis e Políticos.
a solução a seguir, mas definir a que esteja mais
de acordo com os princípios universalmente acei- A disposição contra os castigos corporais corres-
tes. É por isso que os princípios enunciados na regra ponde ao artigo 7.o do Pacto Internacional sobre os
17.1 e, em especial, nas alíneas a) e c), devem ser Direitos Civis e Políticos e à Declaração sobre a Pro-
considerados como linhas de orientação práticas, tecção de Todas as Pessoas contra a Tortura e outras
que permitam assegurar um ponto de partida Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou
comum; se as autoridades os tiverem em conta (ver Degradantes, assim como ao projecto de Conven-
igualmente a regra 5), estes princípios poderão ção sobre a Tortura e outras Penas ou Tratamentos
contribuir consideravelmente para assegurar a Cruéis, Desumanos ou Degradantes e ao projecto
protecção dos direitos fundamentais dos jovens, de Convenção sobre os Direitos da Criança.
designadamente em matéria de desenvolvimento
pessoal e de educação. O poder de suspender o processo a qualquer
momento (regra 17.4) é uma característica ine-
A alínea b) da regra 17.1 afirma que não são con- rente ao tratamento dado aos jovens delinquentes
venientes soluções puramente punitivas. Quando por oposição aos adultos. Em qualquer momento,
se trata de adultos e talvez também em casos de podem chegar ao conhecimento da autoridade
infracções graves cometidas por jovens, as noções competente circunstâncias que pareçam aconselhar
de pena merecida e de sanções adaptadas à gravi- a suspensão definitiva do processo.
dade da infracção podem ser relativamente justi-
ficadas, mas nos casos referentes a menores o
interesse e o futuro do menor deve sempre sobre- 18. Várias medidas aplicáveis
por-se a considerações deste género.
18.1 A autoridade competente pode assegurar a
De acordo com a resolução 8 do Sexto Congresso execução do julgamento sob formas muito diver-
das Nações Unidas 14, esta regra encoraja o sas, usando de uma grande maleabilidade a fim de
recurso, sempre que possível a alternativas à evitar, tanto quanto possível, o internamento
medida de colocação institucional, tendo em numa instituição. Tais medidas, algumas das
mente a preocupação de responder às necessida- quais podem ser aplicadas cumulativamente,
des específicas dos jovens. Assim, dever-se-á fazer incluem:
pleno uso de toda a gama de sanções alternativas
existentes e criar novos tipos de sanções, tendo sem- a) Medidas de protecção, orientação e vigilância;
280
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
b) Regime de prova; 19. Recurso mínimo à colocação em instituição
c) Medidas de prestação de serviços à comunidade;
d) Multas, indemnização e restituição; 19.1 A colocação de um menor em instituição, é
e) Tratamento intermédio e outras medidas de sempre uma medida de último recurso e a sua
tratamento; duração deve ser tão breve quanto possível.
f ) Participação em grupos de «counselling» e
outras actividades semelhantes; Comentário:
g) Colocação em família idónea, em centro comu- A criminologia mais avançada recomenda o trata-
nitário ou outro estabelecimento; mento em meio aberto de preferência à colocação
h) Outras medidas relevantes. em instituição. Em termos de sucesso, pouca ou
nenhuma diferença foi encontrada entre estes dois
18.2 Nenhum menor será subtraído à vigilância dos métodos. As numerosas influências negativas que
pais, quer parcial quer totalmente, a não ser que se exercem sobre o indivíduo e que parecem ine-
as circunstâncias do caso façam com que isso seja vitáveis em meio institucional não podem, evi-
necessário. dentemente, ser contrabalançadas por reforços no
domínio do tratamento. Isto aplica-se especial-
Comentário: mente aos jovens delinquentes, cuja vulnerabilidade
A regra 18.1 tenta enumerar algumas decisões e é maior. Para mais, as influências negativas resul-
sanções importantes que até aqui foram adoptadas tantes não só da falta de liberdade, mas também
com sucesso em diferentes sistemas jurídicos. da separação do meio social habitual, são certa-
Representam, no conjunto, opções interessantes mente mais graves nos menores, dada a sua falta
que merecem ser seguidas e aperfeiçoadas. A de maturidade.
regra não alude às necessidades de pessoal dada a
possível penúria de pessoal competente em certas A regra 19 visa restringir a colocação em institui-
regiões; nestas regiões poder-se-á tentar ou procurar ção em dois aspectos: frequência («medida de
medidas que exijam menos pessoal. último recurso») e duração («tão breve quanto pos-
sível»). Retoma um dos princípios fundamentais
Os exemplos citados na regra 18.1 têm sobretudo da Resolução 4 do Sexto Congresso das Nações
um elemento comum, o de que a comunidade Unidas: um jovem delinquente não deve ser preso
desempenha um papel importante na aplicação num estabelecimento penitenciário, a menos que
de medidas alternativas. A reeducação baseada na não exista outro meio apropriado. A regra apela,
acção comunitária é uma medida clássica que pois, para que, em caso de necessidade de deten-
reveste hoje muitos aspectos. Assim, as autorida- ção de um jovem delinquente, a privação de liber-
des competentes deveriam ser encorajadas a ofe- dade seja o mais limitada possível, que sejam
recer serviços deste tipo. previstas condições especiais na instituição para a
sua detenção e que se tenham em consideração os
A regra 18.2 sublinha a importância da família diversos tipos de delinquentes, de infracções e de
que, segundo o parágrafo 1 do artigo 10.o do Pacto instituições. De facto, seria necessário dar priori-
Internacional sobre os Direitos Económicos, dade às instituições «abertas» sobre as institui-
Sociais e Culturais é o «elemento natural e fun- ções «fechadas». Além disso, todos os
damental da sociedade». No interior da família, os estabelecimentos deveriam ser de tipo correctivo
pais têm não só o direito, mas também o dever de ou educativo em vez de tipo prisional.
sustentar e educar os filhos. A regra 18.2 exige, por-
tanto, que os filhos não sejam separados dos pais
senão em último recurso. Só se deve recorrer a esta 20. Prevenção de demoras desnecessárias
medida quando os factos justifiquem plenamente
esta grave decisão (por exemplo, em caso de maus 20.1 Qualquer caso deve ser tratado de forma
tratos infligidos aos filhos). expedita, desde o princípio, sem atrasos evitáveis.
Anexos
* 281
Comentário: 22.2 Os funcionários da Justiça de menores devem
A celeridade dos processos nos assuntos refe- reflectir a diversidade dos jovens que entram em
rentes aos jovens delinquentes é da maior contacto com o sistema de Justiça de menores.
importância, caso contrário ficará comprometida Tentar-se-á assegurar uma representação equitativa
qualquer solução satisfatória que o processo e o de mulheres e de minorias nos órgãos da Justiça
julgamento poderiam permitir. Quanto mais de menores.
tempo passar, mais difícil será ao menor, senão
mesmo impossível, fazer a ligação entre o processo Comentário:
e o julgamento por um lado, e por outro, a infrac- As autoridades competentes para tomar uma deci-
ção, tanto do ponto de vista intelectual como psi- são podem ter uma formação muito diferente
cológico. (magistrados no Reino Unido da Grã-Bretanha e
Irlanda do Norte e nas regiões que se inspiram no
sistema de common law, juízes com formação jurí-
21. Registos dica nos países de tradição romanística e nas
regiões que nela se inspiram; e, noutros sítios, juris-
21.1 Os registos referentes aos jovens delinquen- tas ou não juristas, eleitos ou nomeados, membros
tes devem ser considerados estritamente confi- de comissões comunitárias, etc.). Todas estas auto-
denciais e incomunicáveis a terceiros. O acesso a ridades precisam de ter um conhecimento mínimo
estes registos deve ser limitado às pessoas direc- do direito, da sociologia, da psicologia, da crimino-
tamente envolvidas no julgamento do processo logia e das ciências do comportamento, conside-
em causa ou a outras pessoas devidamente auto- rado tão importante como a especialização ou a
rizadas. independência da autoridade competente.
21.2 Os registos de jovens delinquentes não serão Para os trabalhadores sociais e os agentes dos ser-
utilizados em processos subsequentes de adultos viços de prova, pode não ser possível insistir sobre
em que esteja implicado o mesmo delinquente. a especialização profissional como condição pré-
via para o desempenho de funções junto dos
Comentário: jovens delinquentes. Assim, a habilitação mínima
A regra visa estabelecer um compromisso entre indispensável poderia obter-se com uma formação
interesses contraditórios em matéria de registos profissional permanente.
ou processos: por um lado, os da polícia, do
Ministério Público e de outras autoridades inte- As habilitações profissionais constituem um ele-
ressadas em melhorar o controlo e, por outro, os mento essencial para assegurar uma administra-
interesses do delinquente (ver também a regra 8). ção imparcial e eficaz da Justiça de menores. Por
A expressão «outras pessoas devidamente autori- conseguinte, é preciso melhorar o recrutamento,
zadas» pode aplicar-se, por exemplo, aos investi- as perspectivas de promoção e a formação do pes-
gadores. soal e dar-lhe meios para desempenhar correcta-
mente as suas funções.
282
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
tamento justo e equitativo às mulheres, enquanto de alojamento, de educação, de formação profis-
parte do pessoal encarregado de administrar a Jus- sional, de emprego ou outra forma de assistência
tiça penal e recomendou que tomassem medidas prática e útil, com vista a facilitar a sua reinserção.
especiais para recrutar, formar e facilitar a pro-
moção profissional do pessoal feminino na admi- Comentário:
nistração da Justiça de menores. A promoção do bem-estar do menor é um ele-
mento extremamente importante. Assim, a regra 24
sublinha a necessidade de se preverem as instala-
[ QUARTA PARTE ] ções, os serviços e todas as outras formas de assis-
TRATAMENTO EM MEIO ABERTO tência necessárias para melhor servir os interesses
do menor durante todo o processo de reinserção.
24.1 Procurar-se-á assegurar aos menores, em 26.1 A formação e o tratamento dos menores colo-
todas as fases do processo, assistência em matéria cados em instituição têm por objectivo assegurar-lhes
Anexos
* 283
assistência, protecção, educação e formação profis- A preocupação de evitar as influências negativas dos
sional, a fim de os ajudar a desempenhar um papel delinquentes adultos, e de garantir o bem-estar dos
construtivo e produtivo na sociedade. menores colocados em instituição, enunciada na
regra 26.3, está em conformidade com um dos prin-
26.2 Os jovens colocados em instituição receberão cípios básicos das regras fixadas pelo Sexto Con-
a ajuda, protecção e assistência – no plano social, gresso na sua resolução 414. A regra não impede os
educativo, profissional, psicológico, médico e Estados de adoptarem outras medidas contra a
físico – de que possam necessitar, em função da influência negativa dos delinquentes adultos, que
sua idade, sexo e personalidade e no interesse do sejam pelo menos tão eficazes como as medidas
seu desenvolvimento harmonioso. mencionadas nesta regra (ver também a regra 13.4).
26.3 Os menores colocados em instituição devem A regra 26.4 diz respeito ao facto de as delinquen-
estar separados dos adultos e detidos em estabele- tes não beneficiarem geralmente da mesma atenção
cimento distinto ou numa parte separada de um esta- que os delinquentes, como foi observado pelo Sexto
belecimento em que também se encontrem adultos. Congresso. Em especial, a resolução 9 do Sexto
Congresso 14 pede que seja assegurado às delin-
26.4 As jovens delinquentes colocadas em insti- quentes um tratamento justo em todas as fases do
tuição devem beneficiar de uma atenção especial processo penal e que se dê uma atenção especial aos
no que diz respeito às suas necessidades e pro- seus problemas e às suas necessidades, enquanto se
blemas próprios. A ajuda, protecção, assistência, encontram detidas. Além disso, é preciso ver esta
tratamento e formação de que beneficiam, não regra à luz da Declaração de Caracas do Sexto Con-
deve, em nenhum caso, ser inferior àquelas de gresso na qual se pede, entre outras coisas, a igual-
que beneficiam os jovens delinquentes. Deve ser- dade de tratamento na administração da justiça
lhes assegurado um tratamento justo. penal e no contexto da Declaração sobre a Elimina-
ção da Discriminação contra as Mulheres e da Con-
26.5 No interesse e para o bem-estar do menor colo- venção sobre a Eliminação de todas as Formas de
cado em instituição, os pais ou o tutor gozarão de Discriminação contra as Mulheres.
direito de visita.
O direito de visita (regra 26.5) decorre das disposi-
26.6 Favorecer-se-á a cooperação interministerial ções das regras 7.1, 10.1, 15.2 e 18.2. A cooperação
e interdepartamental, com o fim de assegurar aos interministerial e interdepartamental (regra 26.6.)
menores internados uma formação escolar apro- tem uma importância especial para melhorar, em
priada ou, se se justificar, uma formação profis- geral, a qualidade do tratamento e da formação nas
sional adequada, para que, ao deixar a instituição, instituições.
não se encontrem prejudicados nos seus estudos.
284
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Mínimas para o Tratamento de Reclusos, com o fim 28.2 Os menores colocados em liberdade condi-
de responder às diversas necessidades dos meno- cional serão assistidos e supervisionados por uma
res, próprias da sua idade, sexo e personalidade. autoridade apropriada e receberão todo o apoio da
comunidade.
Comentário:
As Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos Comentário:
e Recomendações conexas encontram-se entre as O poder de decretar a liberdade condicional pode
primeiras disposições promulgadas pelas Nações ser conferido à autoridade competente, como
Unidas. Reconhece-se que estes textos tiveram está previsto na regra 14.1, ou a uma outra auto-
repercussão à escala mundial. Embora existam ridade. Por isso que convém empregar o termo
ainda países onde a sua aplicação constituiu mais autoridade «apropriada» e não autoridade «com-
uma aspiração do que uma realidade, o certo é que petente».
as Regras Mínimas continuam a exercer uma
influência importante sobre a administração huma- Na medida em que as circunstâncias o permitam,
nitária e justa dos estabelecimentos penitenciários. dar-se-á preferência à liberdade condicional, em
lugar de deixar o jovem delinquente cumprir a
Alguns dos princípios básicos relativos aos jovens totalidade da pena. Quando existam provas de um
delinquentes colocados em instituição estão conti- processo satisfatório de reabilitação, mesmo os
dos nas Regras Mínimas para o Tratamento de delinquentes que parecem perigosos no momento
Reclusos (locais de detenção, arquitectura, roupa de da sua colocação em instituição podem ser condi-
cama, vestuário, queixas e pedidos dos detidos, cionalmente libertados. Tal como o regime de
contacto com o mundo exterior, alimentação, ser- prova, a liberdade condicional pode ser concedida
viços médicos, serviços religiosos, separação sob reserva do cumprimento satisfatório de con-
segundo as idades, pessoal, trabalho, etc.), assim dições especificadas pelas autoridades pertinentes
como disposições referentes aos castigos, à disci- durante um período de prova previsto na decisão:
plina e a meios de coacção aplicáveis a delinquen- por exemplo, o «bom comportamento» do delin-
tes perigosos. Não seria oportuno modificar essas quente, a sua participação em programas comu-
Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos nitários, a sua residência em estabelecimentos de
em função das características específicas que os transição, etc.
estabelecimentos para jovens delinquentes devem
ter dentro do quadro das presentes Regras Mínimas Quando os delinquentes colocados em instituição
para Administração da Justiça de Menores. são libertados condicionalmente, deverá ser desig-
nado um agente dos serviços de prova ou um
A regra 27 diz respeito às condições exigidas para outro funcionário (designadamente nas situações
os jovens colocados em instituição (regra 27.1), em que o regime de prova ainda não tenha sido
bem como às diversas necessidades próprias da sua adoptado) para supervisionar o seu comporta-
idade, sexo e personalidade (27.2). Assim, os mento e prestar-lhes assistência e encorajar a
objectivos e o conteúdo desta regra estão em rela- comunidade a apoiá-los.
ção directa com as disposições pertinentes das
Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos.
29. Regimes de semidetenção
28. Aplicação frequente e rápida do regime 29.1 Procurar-se-á estabelecer sistemas de semi-
de liberdade condicional detenção tais como estabelecimentos de transição,
lares educativos, centros diurnos de formação
28.1 A autoridade apropriada recorrerá à liberdade profissional e outros estabelecimentos apropria-
condicional tantas vezes quanto possível e tão cedo dos, destinados a favorecer a reinserção social
quanto possível. dos menores.
Anexos
* 285
Comentário: reconhecida como um mecanismo importante
A importância do enquadramento à saída de uma para garantir que a prática siga os progressos
instituição é evidente. Esta regra faz ressaltar a ocorridos no domínio dos conhecimentos e para
necessidade da criação de diversas modalidades de favorecer o aperfeiçoamento constante do sis-
regimes de semidetenção. tema da Justiça de menores. A simbiose entre a
investigação e as políticas reveste uma impor-
Esta regra sublinha igualmente a necessidade de tância especial em matéria de Justiça de menores.
organização de toda uma gama de meios e servi- Dadas as modificações rápidas e por vezes radi-
ços destinados a satisfazer as necessidades dos cais dos estilos de vida dos jovens e das formas
jovens delinquentes que reingressam na comuni- e dimensões da criminalidade juvenil, as reacções
dade e a fornecer-lhes orientação e instituições de da sociedade e da Justiça à criminalidade e à
apoio que contribuam para o sucesso da sua rein- delinquência juvenis estão, muitas vezes, ultra-
serção social. passadas e inadequadas.
30.1 Procurar-se-á organizar e fomentar a investi- Uma avaliação constante das necessidades do
gação necessária à formulação de planos e de polí- menor, assim como das tendências e problemas
ticas eficazes. da delinquência, é condição indispensável para
melhorar a formulação de políticas apropriadas
30.2 Procurar-se-á rever e avaliar periodicamente e conceber intervenções satisfatórias, tanto de
as tendências, os problemas e as causas da delin- carácter formal como informal. Neste contexto, os
quência e da criminalidade juvenis, assim como as organismos responsáveis devem facilitar a inves-
necessidades específicas dos menores detidos. tigação levada a cabo por pessoas e organismos
independentes. Poderá ser útil solicitar e ter em
30.3 Procurar-se-á estabelecer com carácter regu- conta a opinião dos próprios jovens e não apenas
lar um dispositivo permanente de investigação e daqueles que entrem em contacto com o sistema.
de avaliação, integrado no sistema de administra-
ção da Justiça de menores, bem como compilar e O processo de planificação deve, em particular,
analisar os dados e informações pertinentes neces- colocar um acento tónico num mais efectivo e
sários a uma avaliação apropriada e a um aperfei- justo sistema de fornecimento dos serviços neces-
çoamento ulterior do referido sistema. sários. Para este efeito deve efectuar-se uma ava-
liação detalhada e regular da vasta gama de
30.4 Na administração da Justiça de menores, a necessidades e problemas particulares do menor
prestação de serviços deve ser sistematicamente pla- e uma identificação clara das prioridades. Neste
nificada e implementada e fazer parte integrante contexto, deverá também coordenar-se a utiliza-
do esforço de desenvolvimento nacional. ção dos recursos existentes, nomeadamente das
medidas alternativas e de apoio da comunidade,
Comentário: de forma a permitir a elaboração de mecanismos
A utilização da investigação como base de uma de aplicação e de controlo dos programas adop-
política bem informada da Justiça de menores é tados.
286
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Anexo II
PROGRAMA DE TRABALHO
Anexos
* 287
TERCEIRO DIA QUARTO DIA
[ MANHÃ ] [ MANHÃ ]
8h30 • 11h Direitos humanos, 8h30 • 11h A utilização da força
captura e detenção e de armas de fogo
Apresentação: 40 minutos Apresentação: 40 minutos
Perguntas e respostas: 20 minutos Perguntas e respostas: 20 minutos
Grupos de Trabalho: 40 minutos Grupos de t rabalho: 40 minutos
Relatórios dos grupos de t rabalho Relatórios dos Grupos de Trabalho
na sessão plenária: 50 minutos na sessão plenária: 45 minutos
11h • 11h15 Pausa para café 11h • 11h15 Pausa para café
11h15 • 13h A missão da polícia na comunidade 11h15 • 13h Investigações sobre violações
Apresentação: 30 minutos
Sessão de reflexão: 75 minutos
cometidas pela polícia
Apresentação: 20 minutos
[ TARDE ] Grupos de t rabalho: 40 minutos
Relatórios dos grupos de t rabalho
13h • 14h Almoço na sessão plenária: 45 minutos
14h • 15h30 Os direitos da mulher [ TARDE ]
na administração da justiça 13h • 14h Almoço
Apresentação: 30 minutos
Debate sobre a protecção 14h • 15h30 Protecção e indemnização das vítimas
dos direitos da mulher: 60 minutos Apresentação: 30 minutos
Debate sobre a justiça
para as vítimas: 60 minutos
288
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
QUINTO DIA SÉTIMO DIA
[ MANHÃ ] [ MANHÃ ]
8h30 • 11h Distúrbios internos 9h • 10h Avaliação do estágio
Apresentação: 5 minutos
e conflitos armados Respostas ao questionário
Apresentação: 40 minutos
de avaliação: 30 minutos
Perguntas e respostas: 20 minutos
Debate: 25 minutos
Grupos de t rabalho: 40 minutos
Relatórios dos Grupos de Trabalho 10h • 10h15 Pausa para café
na sessão plenária: 50 minutos
10h15 • 11h15 >Cerimónia de encerramento
11h • 11h15 Pausa para café >Entrega dos certificados
11h15 • 13h Incorporação dos direitos humanos >Intervenção de encerramento
nos programas de formação do representante do governo
para a polícia >Intervenção de encerramento
Apresentação: 30 minutos
Grupos de t rabalho: 45 minutos do representante do Alto Comissário
Relatórios dos Grupos de Trabalho na sessão
plenária: 30 minutos para os Direitos Humanos/Centro
[ TARDE ] dos Direitos Humanos ou do grupo
13h • 14h Almoço de formação
14h • 16h Elaboração de programas de cursos
sobre direitos humanos
Instruções: 15 minutos
Grupos de redacção orientados: 90 minutos
Balanço em reunião plenária: 45 minutos
SEXTO DIA
[ MANHÃ ]
8h30 • 11h Cursos sobre direitos humanos
Instruções: 15 minutos
Apresentação de cursos
pelos estagiários: 135 minutos
11h • 11h15 Pausa para café
11h15 • 13h Cursos (continuação): 95 minutos
[ TARDE ]
13h • 14h Almoço
14h • 15h Exame final
15h • 15h15 Pausa para café
15h15 • 16h Controlo dos exames
Anexos
* 289
Anexo III
1. Quais as suas habilitações académicas (matérias 9. Existem circunstâncias nas quais é aceitável a
estudadas, diplomas obtidos)? utilização de tortura?
2. Quais as funções que exerce? 10. Em que situações é que um agente de polícia
está autorizado a utilizar uma arma de fogo?
3. Já frequentou alguma formação em matéria de
direitos humanos? Em caso de resposta afirmativa, 11. Um responsável pela aplicação da lei toma
por favor dê pormenores sobre essa formação. conhecimento de que um dos seus colegas come-
teu uma violação grave dos direitos humanos. Que
4. Qual é o problema mais importante com o qual medidas é que ele deverá tomar?
se depara enquanto funcionário da polícia?
12. Acha que os delinquentes juvenis devem ser
5. Na sua opinião, quais as questões em matéria tratados de uma forma diferente dos delinquentes
de direitos humanos que um estágio como este adultos? Explique porquê.
deverá abordar?
13. Acha que a polícia deve intervir em caso de vio-
6. Conhece normas internacionais que se apli- lência no seio da família?
cam expressamente ao trabalho dos polícias?
14. Existem outras questões que gostaria de tra-
7. Em caso de resposta afirmativa, pode citar os zer ao conhecimento da equipa de formação ou que
instrumentos/ convenções que contêm tais normas? gostaria que fossem discutidas no âmbito do está-
gio?
8. Quais são os direitos das pessoas capturadas?
Anexos
* 291
Anexo IV
Anexos
* 293
6. No âmbito de um inquérito às actividades B. o direito a ser informado prontamente sobre as
terroristas, um agente de polícia recebe uma acusações existentes contra si;
ordem do seu superior hierárquico no sentido de C. o direito a ser informado sobre os seus direitos
penetrar sem mandato no local onde se encon- e meios de os exercer;
tra um suspeito. A atitude correcta do agente D. o direito a ser informado sobre a identidade de
de polícia consiste em: todas as testemunhas, incluindo dos informadores
confidenciais.
A. executar a ordem do seu superior e não tomar
qualquer outra medida; 10. As pessoas detidas podem ser submetidas a
B. executar a ordem do seu superior e apresentar formas ligeiras de tortura:
posteriormente uma queixa;
C. recusar-se a executar a ordem e comunicar o caso; A. em caso algum;
D. recusar-se a executar a ordem e não tomar qual- B. em circunstâncias excepcionais, como por
quer medida posterior. exemplo em caso de grande instabilidade política
interna;
7. Em conformidade com o artigo 7.º da Decla- C. nos casos em que a ordem foi dada por um
ração Universal dos Direitos do Homem, todos superior hierárquico;
têm direito a uma protecção igual da lei sem D. com o objectivo de obter informações indis-
qualquer discriminação. É admitida uma excep- pensáveis para evitar a ocorrência de um acto ter-
ção a esta regra: rorista iminente contra civis.
A. no caso de uma pessoa não adoptar as normas 11. Em qual das seguintes situações é expressa-
sociais, culturais e religiosas dominantes; mente au torizada a u tilização de armas de
B. se uma pessoa pertencer a um grupo que fogo cont ra pessoas, em virtude do princípio
ameace a segurança nacional; 9.o dos Princípios Básicos sobre a Utilização da
C. se uma pessoa pertencer a um grupo étnico Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários
tido como responsável pela existência de elevados Responsáveis pela Aplicação da Lei?
níveis de certos crimes;
D. em situação alguma. A. em caso de legítima defesa ou para a defesa de
terceiros contra uma ameaça iminente de morte ou
8. Toda a pessoa acusada de ter cometido uma ferimento grave.
infracção penal beneficia de uma presunção de B. para proteger a segurança nacional.
inocência até que: C. para impedir a fuga de uma pessoa que se
encontre a praticar um crime.
A. uma testemunha credível apresente à polícia pro- D. aquando da captura de uma pessoa que oferece
vas suficientes contra a pessoa em questão; resistência.
B. a pessoa confesse a prática da infracção
aquando de um interrogatório de polícia; 12. Em conformidade com as normas interna-
C. a sua culpa tenha sido legalmente provada no cionais em matéria de administração da justiça
decurso de um processo judicial público; juvenil, o objectivo do sistema de justiça penal
D. a polícia esteja convencida da sua culpa. quando está em causa o t ratamento dos jovens
delinquentes, consiste em:
9. Qual dos seguintes direitos não figura nas
disposições internacionais relativas a proces- A. satisfazer a necessidade de castigo existente na
sos de captura? sociedade;
B. dissuadir outros jovens de cometerem delitos;
A. o direito a ser informado sobre os motivos da C. facilitar a recuperação do jovem e uma reinserção
captura, no momento em que esta ocorra; bem sucedida na sociedade;
294
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
D. tentar incitar todos os pais a supervisionar os C. comunicar esta violação no seio da hierarquia
seus filhos correctamente. ou, no caso de tal não surtir qualquer efeito, a
uma autoridade externa competente;
13. Os agentes policiais devem considerar os D. recusar-se a colaborar nas investigações e
casos de violência no seio da família como: inquéritos relativos a esta violação.
A. distúrbios menores da tranquilidade da vizi- 17. Qual das seguintes afirmações relativas à
nhança; detenção de mulheres está correcta?
B. equivalentes a outros tipos de vias de facto de
natureza criminosa; A. as medidas exclusivamente destinadas a proteger
C. um assunto privado que deve ser resolvido no os direitos e a situação especial das mulheres devem
seio da família; ser consideradas como uma discriminação inaceitável.
D. um assunto que não diz respeito à polícia e B. as directivas nos termos das quais as mulheres
que deve ser remetido aos serviços sociais. detidas devem ser vigiadas por funcionários do
sexo feminino não têm de ser respeitadas no caso
14. Qual das seguintes afirmações está correcta? de o número de funcionários não ser suficiente.
C. as revistas efectuadas a detidos devem ser sem-
A. todos têm o direito a viver num país da sua escolha; pre realizadas por pessoas do mesmo sexo.
B. todos têm o direito a procurar e beneficiar de asilo D. em circunstâncias excepcionais os homens e
noutros países, para fugirem a uma perseguição; mulheres podem ser detidos conjuntamente.
C. todos têm o direito a procurar e beneficiar de asilo
noutros países para escaparem a dificuldades eco- 18. De acordo com o Conjunto de Princípios
nómicas; para a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a
D. todos têm o direito a procurar e beneficiar de Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, qual dos
asilo noutros países para escaparem a tensões seguintes direitos não é reconhecido como um
políticas. direito dos detidos e prisioneiros?
Anexos
* 295
Anexo V
Anexos
* 297
Editor
Comissão Nacional para as Comemorações do 50.o Aniversário da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e Década das Nações Unidas
para a Educação em matéria de Direitos Humanos
Tradução
Catarina de Albuquerque e Raquel Tavares
Gabinete de Documentação e Direito Comparado
Procuradoria-Geral da República
Revisão
Carlos Lacerda
Gabinete de Documentação e Direito Comparado
Procuradoria-Geral da República
Título Original
Human Rights and Law Enforcement. A Manual on Human Rights Training
for the Police. Professional Training Series n.o 5 – United Nations
Design Gráfico
José Brandão | Paulo Falardo
[Atelier B2]
Impressão
Textype
Tiragem
1500 exemplares
isbn
972-97831-9-5
Depósito Legal
169 001/01
Primeira Edição
Setembro de 2001