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n.º 05
GENEBRA
Procuradoria-Geral da República
Gabinete de Documentação
e Direito Comparado
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
n.o 05
GENEBRA
NAÇÕES UNIDAS
not
a
*
Os conceitos utilizados e a apresentação do material constante da presente publi-
cação não implicam a manifestação de qualquer opinião, seja de que cariz for, da
parte do Secretariado das Nações Unidas relativamente ao estatuto jurídico de
qualquer país, território, cidade ou região, ou das suas autoridades, ou em relação
à delimitação das suas fronteiras ou limites territoriais.
*
* *
O material constante da presente publicação pode ser livremente citado ou
reproduzido, desde que indicada a fonte e que um exemplar da publicação con-
tendo o material reproduzido seja enviada para o Alto Comissariado/Centro para
os Direitos Humanos, Nações Unidas, 1211 Genebra 10, Suíça.
HR/P/PT/5
ISSN 1020-1688
A administração da justiça, incluindo os departamentos policiais […]
em total conformidade com as normas aplicáveis constantes de ins-
trumentos internacionais em matéria de Direitos Humanos, são
essenciais para a concretização plena e não discriminatória dos
Direitos Humanos e indispensáveis aos processos da democracia e do
desenvolvimento sustentável.
[…]
III
Nota para os utilizadores do manual O presente manual é parte integrante de um conjunto
de três materiais de formação em matéria de direi-
tos humanos destinados às forças policiais. Este kit
de formação para a polícia inclui também um dos-
sier para formação de formadores e uma compilação de bolso das normas
de direitos humanos aplicáveis à actuação das forças policiais. Os três
componentes deste kit são complementares e, no seu conjunto, contêm todos
os elementos necessários para a organização de programas de formação
em direitos humanos para os funcionários responsáveis pela aplicação da
lei, segundo a abordagem adoptada pelo Alto Comissariado das Nações Uni-
das para os Direitos Humanos/Centro para os Direitos Humanos.
N.T.
As notas do tradutor (N.T.) constantes da presente publicação são da responsabilidade do Gabinete de Documentação
e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República e não responsabilizam a Organização das Nações Unidas.
IV
Prefácio
Tenhamos em conta a lógica sim- a As referências das fontes humanos. Estes mitos sobrevivem, apesar de a his-
dos instrumentos interna-
ples da Declaração Universal dos cionais de direitos huma- tória nos ter demonstrado, uma vez e outra, que nada
nos citados no presente
Direitos do Homema (preâmbulo): manual estão indicadas pode estar mais longe da verdade.
na lista de instrumentos
constante das páginas
XIX a XXV, infra.
Considerando que é essencial a Para o utilizador deste manual, a tarefa que lhe pro-
protecção dos direitos do homem através de um pomos consiste em trabalhar para fazer desaparecer,
regime de direito, para que o homem não seja de uma vez por todas, estes mitos absurdos mas
compelido, em supremo recurso, à revolta con- persistentes; declarar que as violações dos direitos
tra a tirania e a opressão […] humanos por parte das forças policiais podem
apenas tornar mais difícil a já de si árdua missão
A mensagem é tão clara hoje como o era em 1948. de aplicar a lei e convencer disso os polícias seus
Sem a subsistência do Estado de Direito, ocorrem colegas; lembrar ao mundo que, quando um res-
violações de direitos humanos; e, quando ocor- ponsável pela aplicação da lei viola a lei, o resul-
rem violações, fomenta-se a rebelião. A conclusão tado é, não apenas um atentado à dignidade
é inevitável: a violação dos direitos humanos não humana e à própria lei, mas também um erguer
pode contribuir para a manutenção da ordem e de barreiras à eficaz actuação da polícia.
segurança públicas, pode apenas exacerbar a sua As violações da lei por parte das forças policiais têm
deterioração. Esta mensagem deveria já ser vista múltiplos efeitos práticos:
como um axioma. Pelo menos para as Nações Uni- • diminuem a confiança do público;
das, nada pode ser mais claro. • agravam a desobediência civil;
• ameaçam o efectivo exercício da acção penal
Então, porque continuam a subsistir velhos mitos pelos tribunais;
em alguns círculos responsáveis pela aplicação da • isolam a polícia da comunidade;
lei? Todos ouvimos já o argumento segundo o qual • resultam na libertação dos culpados e na puni-
o respeito pelos direitos humanos é, de alguma ção dos inocentes;
forma, incompatível com a efectiva aplicação da • deixam a vítima do crime sem que se lhe faça jus-
lei – a velha e estafada noção de que, para aplicar tiça pelo seu sofrimento;
a lei, capturar o delinquente e garantir a sua con- • comprometem a noção de "aplicação da lei", ao
denação, é necessário "ludibriar" um pouco a lei. retirar-lhe o elemento "lei";
Já todos assistimos à tendência para utilizar a força • obrigam os serviços de polícia a adoptar uma
de forma excessiva para controlar manifestações, ou atitude de reacção e não de prevenção;
pressão física para obter informação dos detidos, ou • provocam críticas por parte da comunidade inter-
ainda um excessivo uso da força para garantir uma nacional e dos meios de comunicação social e
captura. Para esta forma de pensar, a aplicação da colocam o respectivo Governo sob pressão.
lei é uma guerra contra o crime, constituindo os
direitos humanos meros obstáculos colocados no Pelo contrário, o respeito dos Direitos Humanos
caminho da polícia pelos advogados e organiza- por parte das autoridades responsáveis pela apli-
ções não governamentais de protecção dos direitos cação da lei reforça de facto a eficácia da actuação
V
dessas autoridades. Neste sentido, o respeito da polí- tos humanos, coloca-o na vanguarda do combate
cia pelos direitos humanos, além de ser um em prol destes direitos.
imperativo ético e legal, constitui também uma exi-
gência prática em termos de aplicação da lei. A importância de garantir que os direitos huma-
Quando se verifica que a polícia respeita, protege nos sejam protegidos no quadro de um Estado de
e defende os direitos humanos: Direito tem sido sublinhada pelas Nações Unidas
• reforça-se a confiança do público e estimula-se a desde a elaboração da Declaração Universal, tendo
cooperação da comunidade; vindo a orientar a Organização nas suas activida-
• contribui-se para a resolução pacífica de confli- des em prol da promoção e protecção dos direitos
tos e queixas; humanos desde essa altura. Esta tem sido uma
• consegue-se que a acção penal seja exercida com noção central no trabalho do Programa de Servi-
êxito pelos tribunais; ços Consultivos e de Assistência Técnica no Domí-
• consegue-se que a polícia seja vista como parte nio dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
integrante da comunidade, desempenhando uma Este programa foi iniciado em 1995 para apoiar os
função social válida; Estados, a seu próprio pedido, na criação e reforço
• presta-se um serviço à boa administração da jus- de estruturas nacionais com impacto directo na
tiça, pelo que se reforça a confiança no sistema; observância dos direitos humanos pelas pessoas em
• dá-se um exemplo aos outros membros da socie- geral e na manutenção do Estado de Direito.
dade em termos de respeito pela lei;
• consegue-se que a polícia fique mais próxima da À medida que o programa foi evoluindo, o mesmo
comunidade e, em consequência disso, em posi- sucedeu com as áreas de assistência em que se
ção de prevenir o crime e perseguir os seus auto- centra. Orientado por sucessivas resoluções da
res através de uma actividade policial de natureza Assembleia Geral e da Comissão dos Direitos do
preventiva; Homem, bem como pela natureza dos próprios
• ganha-se o apoio dos meios de comunicação pedidos dos Estados, o programa tem vindo a
social, da comunidade internacional e das autori- aperfeiçoar progressivamente a capacidade de
dades políticas. assistência em diferentes domínios, constituindo
hoje um enquadramento útil dos esforços
Os agentes policiais e serviços responsáveis pela empreendidos a nível nacional para o reforço dos
aplicação da lei que respeitam os direitos huma- direitos humanos e do Estado de Direito. Assim,
nos colhem, pois, benefícios que servem os pró- o Alto Comissariado/Centro para os Direitos
prios objectivos da aplicação da lei, ao mesmo Humanos aborda actualmente a questão do esta-
tempo que constroem uma estrutura de aplicação belecimento de instituições de defesa dos direitos
da lei que não se baseia no medo ou na força humanos de forma global, considerando funda-
bruta, mas antes na honra, no profissionalismo e mentais uma série de elementos constitutivos das
na dignidade. medidas empreendidas a nível nacional para asse-
gurar a protecção dos direitos humanos no quadro
Esta visão do agente policial está na base da abor- de um Estado de Direito e dispensando atenção
dagem adoptada pelo Alto Comissariado/Centro prioritária, nomeadamente, ao reforço da boa
para os Direitos Humanos das Nações Unidas administração da justiça e à adopção de políticas
relativamente à formação das forças policiais em e práticas humanas no domínio da aplicação da lei.
matéria de direitos humanos. Considera os agen-
tes policiais, não como inevitáveis violadores de Acreditamos que a publicação da obra Direitos
direitos humanos, mas antes como a primeira Humanos e Aplicação da Lei constitui um acon-
linha de defesa destes direitos. Na verdade, cada vez tecimento importante no contexto dos esforços
que um funcionário responsável pela aplicação da actualmente empreendidos pelas Nações Unidas
lei intervém em auxílio de uma vítima de crime, para promover e proteger os direitos humanos.
tudo o que faz para servir a comunidade e defen- Na verdade, a crucial interdependência entre a
der a lei, incluindo as normas relativas aos direi- protecção dos direitos fundamentais e a manu-
VI
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
tenção da lei e da ordem merecem particular aten- direitos humanos em cada sociedade. Não obs-
ção. Foi precisamente este nexo fundamental que tante, só em Janeiro de 1992, após uma cuidadosa
esteve no espírito dos autores da Declaração Uni- avaliação da metodologia e impacto desses cur-
versal quando redigiram o artigo 29.o, n.o 2, deste sos, foi adoptada pelo Alto Comissariado/Centro
histórico instrumento: para os Direitos Humanos uma abordagem nova
e inovadora à formação em matéria de aplicação da
No exercício destes direitos e no gozo destas liber- lei, que resultou na publicação do presente
dades ninguém está sujeito senão às limitações esta- manual.
belecidas pela lei com vista exclusivamente a
promover o reconhecimento e o respeito dos direi- Durante anos, o Programa de Serviços Consultivos
tos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as e de Assistência Técnica das Nações Unidas pro-
justas exigências da moral, da ordem pública e do moveu inúmeros cursos de formação para forças
bem-estar numa sociedade democrática. policiais em todas as regiões do mundo. Em mui-
tos casos, estes cursos permitiram que os partici-
Nesta conformidade, a missão da polícia nas socie- pantes tomassem contacto pela primeira vez com
dades modernas consiste em proteger os direitos as normas internacionais de direitos humanos
humanos, defender as liberdades fundamentais e que disciplinam a sua conduta profissional. Como
manter a ordem pública e o bem-estar geral numa tal, parece inquestionável que tais exercícios se
sociedade democrática, através de políticas e prá- justificaram. Mas quão eficazes foram efectiva-
ticas que sejam legais, humanas e deontologica- mente? Há três anos atrás, o Alto Comissa-
mente correctas. riado/Centro para os Direitos Humanos iniciou um
processo com o objectivo de responder a esta ques-
A profissão de polícia é, de facto, nobre e absolu- tão. Os resultados deste inquérito alteraram pro-
tamente vital para o bom funcionamento de uma fundamente a nossa forma de conceber as
sociedade democrática. A polícia dever-se-ia orgu- actividades desenvolvidas para ajudar os serviços
lhar de isto ter sido implicitamente reconhecido na de polícia a respeitarem os direitos humanos.
Declaração Universal há meio século atrás e expli-
citamente declarado em tantos instrumentos de As tradicionais abordagens aos cursos de forma-
direitos humanos adoptados no âmbito do sistema ção em matéria de direitos humanos apresentavam
das Nações Unidas desde então, nomeadamente o certamente algumas vantagens para os partici-
Código de Conduta para os Funcionários Respon- pantes. No mínimo, ajudavam a sensibilizar os
sáveis pela Aplicação da Lei, os Princípios Básicos funcionários responsáveis pela aplicação da lei a
sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo nível nacional para a existência de fontes, sistemas
pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da e normas internacionais de direitos humanos na
Lei e uma série doutras declarações e directrizes. área da administração da justiça. Mas o Alto
Trata-se de normas internacionais directamente Comissariado/Centro para os Direitos Humanos,
relevantes para o trabalho da polícia, desenvolvi- na avaliação que efectuou destas actividades, não
das, não para entravar a aplicação da lei, mas a fim ficou convencido de que tais cursos estivessem a
de fornecer orientações precisas para o desempe- contribuir para aperfeiçoar as aptidões e condutas
nho dessa função que é fundamental numa socie- necessárias para garantir que os participantes tra-
dade democrática. duzam esses princípios internacionais em com-
portamentos operacionais apropriados e eficazes.
De qualquer forma, para que possa proteger os
direitos humanos, a polícia deverá primeiro saber Os cursos iniciais compreendiam uma série de
em que consistem estes direitos. As Nações Uni- palestras essencialmente teóricas e destinadas aos
das têm vindo a contribuir desde há três décadas profissionais, ministradas por especialistas na
para a formação dos funcionários responsáveis área dos direitos humanos, sobre noções gerais des-
pela aplicação da lei, em reconhecimento da fun- tes direitos. Como os formadores não possuíam
damental influência deste grupo na situação dos qualquer experiência prática enquanto funcioná-
VIII
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
deverão deixar espaço para a utilização de técnicas Genebra, em Maio de 1993, um seminário para dis-
de formação interactivas (por exemplo, dramati- cutir a abordagem e o manual propostos pelo Cen-
zação, exercícios e casos práticos), a fim de asse- tro. Participaram neste seminário formadores e
gurar a participação activa dos formandos. Deverá membros das forças policiais de todas as regiões
ser seguida uma abordagem de "formação de for- do mundo, bem como importantes organizações
madores", por forma a multiplicar o impacto de não governamentais e peritos de direitos humanos
cada curso e reforçar as capacidades locais. Uma da área. Nos cursos experimentais realizados ao
cuidadosa exposição das normas deverá ser com- abrigo do programa, o Centro beneficiou dos pre-
plementada por sessões concebidas com o objec- ciosos conhecimentos especializados de dezenas de
tivo de sensibilizar os elementos das forças consultores policiais oriundos do mundo inteiro.
policiais para a importância dos direitos huma- O Alto Comissariado/Centro para os Direitos
nos e para o risco que correm de os violar, mesmo Humanos deixa aqui o seu agradecimento por
sem intenção. Finalmente, cada curso organizado todo este apoio fundamental.
segundo esta concepção deverá ser cuidadosa-
mente concebido por forma a ter em conta a par- Um especial reconhecimento é devido à Divisão
ticular realidade cultural, educativa, histórica e para a Prevenção do Crime e Justiça Penal do Cen-
política do país que os destinatários têm por mis- tro para o Desenvolvimento Social e Questões
são servir e proteger. Humanitárias das Nações Unidas, em Viena. Este
manual e o programa para forças policiais do Cen-
Estas lições fundamentais constituíram a base da tro para os Direitos Humanos são dois dos ele-
elaboração do programa do Centro destinado à mentos de um projecto desenvolvido em conjunto
formação das forças policiais. Cada uma delas foi com a Divisão para a Prevenção do Crime e Justiça
tida em conta na abordagem da formação policial Penal desde 1992, numa parceria plena e frutífera
formalmente introduzida em 1992, já aplicada a pela qual o Alto Comissariado/Centro para os
título experimental em numerosos países da Direitos Humanos está profundamente grato.
África, Ásia, América Latina e Europa. Formado-
res, comandantes e agentes das forças policiais Finalmente, e muito em especial, as Nações Uni-
nacionais, bem como agentes que prestam ser- das manifestam o seu reconhecimento e os seus
viço nos contingentes de polícia civil (CIVPOL) agradecimentos ao principal autor do primeiro
das operações de manutenção da paz das Nações projecto deste manual, Ralph Crawshaw, do Cen-
Unidas, têm vindo a beneficiar de cursos minis- tro de Direitos Humanos da Universidade de
trados ao abrigo deste programa. É importante Essex, no Reino Unido.
salientar que cada curso experimental foi seguido
da adequada avaliação e revisão do programa, num
esforço permanente e concertado para delinear
um programa de formação que culminou na
publicação do presente manual.
Página
Prefácio V
Abreviaturas XXIII
Instrumentos internacionais citados no presente manual XXIV
Declaração de objectivos XXX
Primeira Parte 1
FORMAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS
PELA APLICAÇÃO DA LEI
Teoria e Prática
Parágrafos
Cap. 01 Método do Alto Comissariado / Centro para
os Direitos Humanos nas Nações Unidas
para a Formação da Polícia 1-10 3
a. Método colegial 3
b. Formação de formadores 3 3
c. Técnicas pedagógicas 4 3
d. Especificidade dos destinatários 5 4
e. Orientação prática 6 4
f. Explicação pormenorizada das normas 7 4
g. Sensibilização 8 4
h. Flexibilidade de concepção e aplicação 9 5
i. Instrumentos de avaliação 10 5
XI
Parágrafos Página
Cap. 03 Técnicas de formação eficazes 21-44 11
a. Introdução 90-92 25
b. Observações sobre os temas dos capítulos 93-102 25
c. Estrutura dos cursos 103-114 27
1. CURSO COMPLETO 105-107 27
2. SEMINÁRIO PARA FUNCIONÁRIOS SUPERIORES DE POLÍCIA 108-111 27
3. CURSO BÁSICO PARA AGENTES SEM FUNÇÕES DE COMANDO 112-114 28
d. Observações finais 115 28
XII
Parágrafos Página
Segunda Parte 29
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
XIII
Parágrafos Página
Cap. 09 O papel da polícia numa sociedade democrática 193-224 55
XIV
Parágrafos Página
[V] Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra
a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos
ou Degradantes e Convenção contra a Tortura e Outras Penas
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes 261-262 70
(d) Discriminação racial 263-270 70
[I] Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial 264-267 70
[II] Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Racial 268-270 70
(e) Discriminação por motivos de religião 271-276 71
[I] Declaração Universal dos Direitos do Homem 272 71
[II] Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião
ou na Convicção 273-276 71
(f) Discriminação contra as mulheres 277-283 71
[I] Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres 278-280 71
[II] Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres 281-283 72
(g) Discriminação e crianças 284-296 72
[I] Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos 285 72
[II] Convenção sobre os Direitos da Criança 286-288 72
(h) Manifestações particulares de discriminação 289-296 73
3. OBSERVAÇÕES FINAIS 297-298 73
b. Normas internacionais sobre não discriminação
– Aplicação prática 74
1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS 74
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS 75
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO 75
Terceira Parte
DEVERES E FUNÇÕES DA POLÍCIA 77
de acusação 317-319 82
XV
Parágrafos Página
(d) De não ser obrigado a testemunhar contra
XVI
Parágrafos Página
(d) Medidas de derrogação 428-433 110
(e) Desaparecimentos forçados ou involuntários 434-435 110
3. OBSERVAÇÕES FINAIS 436-438 110
b. Normas internacionais sobre detenção – Aplicação prática 111
1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS 111
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS 113
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO 115
XVII
Parágrafos Página
(d) Conflito armado não internacional 503-519 135
[I] Artigo 3.o comum às Convenções 505-507 135
[II] Protocolo Adicional II 508-517 136
[III] Estatuto 518 137
[IV] Deveres e responsabilidades da polícia 519 137
(e) Distúrbios internos 520-536 138
[I] Definições e características dos distúrbios internos 522-523 138
[II] Normas internacionais 524-526 139
[III] Princípios e normas humanitárias 527-534 140
[IV] Deveres e responsabilidades da polícia 535-536 141
(f) Terrorismo 537-554 141
[I] Definições e tipos de terrorismo 538-544 141
[II] Actos de terror praticados durante conflitos armados 545-547 142
[III] Cooperação internacional na luta contra o terrorismo 548-553 142
[IV] Deveres e responsabilidades da polícia 554 143
(g) Estados de excepção e medidas de derrogação 555-566 143
[I] Disposições convencionais 556-565 143
[II] Responsabilidades da polícia 566 145
3. CONCLUSÕES 567-569 145
b. Normas internacionais sobre conflitos armados e distúrbios
internos – Aplicação prática 145
1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS 145
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS 149
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO 150
Quarta Parte
GRUPOS NECESSITADOS DE PROTECÇÃO
ESPECIAL OU TRATAMENTO DISTINTO 153
XVIII
Parágrafos Página
Cap. 17 Aplicação da Lei e os Direitos das Mulheres 676-757 175
XIX
Parágrafos Página
Cap. 19 Protecção e indemenização das vítimas 824-877 205
Quinta Parte
QUESTÕES DE COMANDO, DIRECÇÃO E CONTROLO 217
XX
Parágrafos Página
[III] Conflito armado e distúrbios internos 936-937 228
[IV] Protecção dos jovens 938 228
[V] Protecção das vítimas e sua indemnização 939-940 229
3. CONCLUSÕES 941-943 229
b. Normas internacionais sobre o comando, gestão
e organização policial – Aplicação prática 230
1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS 230
2. EXERCÍCIO PRÁTICO 231
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO 231
ANEXOS
XXI
XXII
Abreviaturas
XXIII
Instrumentos Internacionais
citados no presente manual
Relatório do Oitavo Congresso Eigth United Nations Congress on the Prevention of Crime
and Treatment of Offenders, Havana, 27 August - 7 September 1990, report prepared by the
Secretariat [em português: "Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do
Crime e o Tratamento dos Delinquentes, Havana, 27 de Agosto - 7 de Setembro de
1990: relatório preparado pelo Secretariado"] (Publicação das Nações Unidas, N.o de Venda
E.91.IV.2)
Instrumentos Universais
Declaração Universal dos Direitos do Homem • Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral, de
10 de Dezembro de 1948; Compilação, vol. I, p. 1.
Vide também infra, anexo I.1.
Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Cul- • Resolução 2200 A (XXI) da Assembleia Geral,
turais (entrada em vigor: 3 de Janeiro de 1976) de 16 de Dezembro de 1966, anexo; Compila-
ção, vol. I, p. 8.
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (entrada em • Resolução 2200 A (XXI) da Assembleia Geral,
vigor: 23 de Março de 1976) de 16 de Dezembro de 1966, anexo, Compila-
ção, vol. I, p. 20. Vide também infra, anexo I.2.
Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacional sobre os • Resolução 2200 A (XXI) da Assembleia Geral,
Direitos Civis e Políticos (entrada em vigor: 23 de Março de 1976) de 16 de Dezembro de 1966, anexo; Compila-
ção, vol. I, p. 41.
Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre os Direi- • Resolução 44/128 da Assembleia Geral, de 15 de
tos Civis e Políticos com vista à Abolição da Pena de Morte Dezembro de 1989, anexo; Compilação, vol. I,
(entrada em vigor: 11 de Julho de 1991) p. 46.
Convenção de Viena sobre Relações Consulares (Viena, 24 de Abril de • Nações Unidas, Treaty Series N.T.2
, vol. 596,
1963) (entrada em vigor: 19 de Março de 1967) p. 261.
Declaração dos Princípios de Direito Internacional relativos às • Resolução 2625 (XXV) da Assembleia Geral,
Relações Amigáveis e à Cooperação entre Estados em confor- de 24 de Outubro de 1970, anexo.
midade com a Carta das Nações Unidas
XXIV
Direitos Humanos na Administração da Justiça
Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas as Pessoas Sujei- • Resolução 43/173 da Assembleia Geral, de 9
tas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão de Dezembro de 1988, anexo; Compilação,
vol. I, p. 265. Vide também infra anexo I.5.
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medi- • Resolução 45/110 da Assembleia Geral, de 14
das não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) de Dezembro de 1990, anexo; Compilação,
vol. I, p. 336.
Pena de morte
Garantias para a Protecção dos Direitos das Pessoas Sujeitas a • Resolução 1984/50 do Conselho Económico e
Pena de Morte Social, de 25 de Maio de 1984, anexo; Compilação,
vol. I, p. 310.
Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre os Direi- • Vide supra, Carta Internacional dos Direitos
tos Civis e Políticos com vista à Abolição da Pena de Morte Humanos
Execuções extrajudiciais
Princípios sobre a Prevenção Eficaz e Investigação das Execuções • Resolução 1989/65 do Conselho Económico
Extrajudiciais, Arbitrárias ou Sumárias e Social, de 24 de Maio de 1989, anexo;
Compilação, vol. I, p. 409. Vide também infra
anexo I.8.
XXV
Princípios Orientadores para a Aplicação Efectiva do Código de • Resolução 1989/61 do Conselho Económico e
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação Social, de 24 de Maio de 1989, anexo.
da Lei
Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo • Relatório do Oitavo Congresso, capítulo I, sec-
pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei ção B.2; Compilação, vol. I, p. 318. Vide tam-
bém infra anexo I.4.
Justiça de Menores
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Jus- • Resolução 40/33 da Assembleia Geral, de
tiça de Menores (Regras de Beijing) 29 de Novembro de 1985, anexo; Compilação,
vol. I, p. 356. Vide também infra anexo I.9.
Convenção sobre os Direitos da Criança (entrada em vigor: 2 de Setembro • Resolução 44/25 da Assembleia Geral, de 20
de 1990) de Novembro de 1989, anexo; Compilação,
vol. I, p. 174.
Princípios Orientadores das Nações Unidas para a Prevenção da • Resolução 45/112 da Assembleia Geral, de 14
Delinquência Juvenil (Princípios Orientadores de Riade) de Dezembro de 1990, anexo; Compilação,
vol. I, p. 346.
Regras das Nações Unidas para a Protecção dos Menores Priva- • Resolução 45/113 da Assembleia Geral, de 14
dos de Liberdade de Dezembro de 1990, anexo; Compilação,
vol. I, p. 275.
Prevenção da Discriminação
Raça
Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as • Resolução 1094 (XVIII) da Assembleia Geral,
Formas de Discriminação Racial de 20 de Novembro de 1963; Compilação, vol. I,
p. 61.
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas • Resolução 2106 A (XX) da Assembleia Geral,
da Discriminação Racial (entrada em vigor: 4 de Janeiro de 1969) de 21 de Dezembro de 1965, anexo; Compilação,
vol. I, p. 66.
Sexo
Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra as • Resolução 2263 (XXII) da Assembleia Geral,
Mulheres de 7 de Novembro de 1967; Compilação, vol. I,
p. 145.
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discri- • Resolução 34/180 da Assembleia Geral, de 18
minação contra as Mulheres (entrada em vigor: 3 de Setembro de 1981) de Dezembro de 1979, anexo; Compilação,
vol. I, p. 150.
XXVI
Manifestações particulares de discriminação
Convenção Relativa à Escravatura (Genebra, 25 de Setembro de 1926) (entrada • Liga das Nações, Treaty Series, vol. LX, p. 253;
em vigor: 9 de Março de 1927) Compilação, vol. I, p. 201.
Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocí- • Resolução 260 A (III) da Assembleia Geral, de
dio (entrada em vigor: 12 de Janeiro de 1951) 9 de Dezembro de 1948, anexo; Compilação,
vol. I, p. 673.
Protocolo que altera a Convenção Relativa à Escravatura, assinado • Resolução 794 (VIII) da Assembleia Geral, de
em Genebra a 25 de Setembro de 1926 (entrada em vigor: 7 de Dezembro 23 de Outubro de 1953; Compilação, vol. I, p. 206.
de 1953)
Convenção Suplementar Relativa à Abolição da Escravatura, do • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 266, p. 3;
Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Compilação, vol. I, p. 209.
Escravatura (Genebra, 7 de Setembro de 1956) (entrada em vigor: 30 de Abril de 1957)
Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância • Resolução 36/55 da Assembleia Geral, de 25 de
e Discriminação Baseadas na Religião ou na Convicção Novembro de 1981; Compilação, vol. I, p. 122.
Trabalhadores migrantes
Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de • Resolução 45/158 da Assembleia Geral, de
Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das Suas Famílias 18 de Dezembro de 1990, anexo; Compilação,
vol. I, p. 554.
Terrorismo
Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns (entrada em • Resolução 34/146 da Assembleia Geral, de 17
vigor: 3 de Junho de 1983) de Dezembro de 1979, anexo.
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (Genebra, 28 de Julho • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 189, p. 137;
de 1951) (entrada em vigor: 22 de Abril de 1954) Compilação, vol. I, p. 638.
Convenção Relativa ao Estatuto das Pessoas Apátridas (Nova Iorque, • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 360, p. 117;
28 de Setembro de 1954) (entrada em vigor: 6 de Junho de 1960) Compilação, vol. I, p. 625.
Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados (Nova Iorque, 31 de • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 606,
Janeiro de 1967) (entrada em vigor: 4 de Outubro de 1967) p. 267; Compilação, vol. I, p. 655.
Declaração sobre os Direitos Humanos dos Indivíduos Que não • Resolução 40/144 da Assembleia Geral, de
são Nacionais do País onde Vivem 13 de Dezembro de 1985, anexo; Compilação,
vol. I, p. 668.
XXVII
Conflitos Armados Internacionais
Primeira Convenção de Genebra • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 75, p. 31;
Convenção I de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos Compilação, vol. I, p. 685.
e Doentes das Forças Armadas em Campanha (Genebra, 12 de Agosto
de 1949) (entrada em vigor: 21 de Outubro de 1950)
Segunda Convenção de Genebra • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 75, p. 85;
Convenção II de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos, Compilação, vol. I, p. 711.
Doentes e Náufragos das Forças Armadas no Mar (Genebra, 12 de Agosto
de 1949) (entrada em vigor: 21 de Outubro de 1950)
Terceira Convenção de Genebra • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 75, p. 135;
Convenção III de Genebra relativa ao Tratamento dos Prisioneiros Compilação, vol. I, p. 732.
de Guerra (Genebra, 12 de Agosto de 1949) (entrada em vigor: 21 de Outubro de 1950)
Quarta Convenção de Genebra • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 75, p. 287;
Convenção IV de Genebra relativa à Protecção das Pessoas Civis Compilação, vol. I, p. 803.
em Tempo de Guerra (Genebra, 12 de Agosto de 1949) (entrada em vigor: 21 de Outu-
bro de 1950)
N.T.3
Em português. “As Convenções e Declarações da Haia de 1899 e 1907”
N.T.4
Em português. “Suplemento ao Jornal Americano de Direito Internacional”
N.T.5
Em português. “Documentos Oficiais”
XXVIII
Instrumentos Regionais Fonte
Protocolo Adicional n.o 1 à Convenção Europeia dos Direitos do • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 213, p. 221;
Homem (Paris, 20 de Março de 1952) (entrada em vigor: 18 de Maio de 1954) Compilação, vol. II.
Protocolo Adicional n.o 4 à Convenção Europeia dos Direitos do • Conselho da Europa, European Treaty
Homem (Estrasburgo, 16 de Setembro de 1963) (entrada em vigor: 2 de Maio de 1968) SeriesN.T.6, n. 46; Compilação, vol. II.
o
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de São José • Nações Unidas, Treaty Series, vol. 1144, p. 123;
da Costa Rica”) (São José, 22 de Novembro de 1969) (entrada em vigor: 18 de Julho de 1978) Compilação, vol. II.
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Nairobi, 26 de • OUA, documento CAB/LEG/67/3/Rev.;
Junho de 1981) (entrada em vigor: 21 de Outubro de 1986) International Legal MaterialsN.T.7 (Washington,
D.C.), vol. XXI (1982), p. 58; Compilação, vol. II.
Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou • Conselho da Europa, European Treaty Series,
Tratamentos Desumanos e Degradantes (Estrasburgo, 26 de Novembro de n.o 126; Compilação, vol. II.
1987) (entrada em vigor: 1 de Fevereiro de 1989)
N.T6
Em português. “Série de Tratados Europeus”
N.T.7
Em português. “Materiais Jurídicos Internacionais”
XXIX
Declaração de objectivos
XXX
*
Pri
m eira
Par
t e
FORMAÇÃO
DOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS
PELA APLICAÇÃO DA LEI
TEORIA E PRÁTICA
cap
ítu
lo
01
Método do Alto Comissariado / Centro
para os Direitos Humanos nas Nações
Unidas para a Formação da Polícia
1. O Alto Comissariado para os Direitos Humanos/ Unidas, assim assegurando que o essencial das
/Centro para os Direitos Humanos (AC/CDH), normas das Nações Unidas se veja plena e sis-
através do seu programa de serviços consultivos tematicamente reflectido no conteúdo dos cur-
e de assistência técnica, participa desde há mui- sos. 1
tos anos na formação de profissionais de todas as
áreas da administração da justiça, nomeada- b. Formação de formadores
mente a aplicação da lei. O presente manual 3. Os participantes nacionais nos cursos do
baseia-se no método desenvolvido ao longo des- AC/CDH são seleccionados no pressuposto de
ses anos, cujos elementos fundamentais são os que as suas responsabilidades se manterão uma vez
seguintes: concluída a actividade de formação. São encarre-
gados da organização das suas próprias actividades
a. Método colegial
1
Quando não haja disponi-
bilidade por parte dos peri-
de formação e divulgação após regressarem aos res-
2. O AC/CDH recorre a uma tos de direitos humanos das
Nações Unidas, os organi-
pectivos postos. Desta forma, os cursos têm um
lista de peritos orientada para a zadores de cursos prepara-
dos com base no presente
efeito multiplicador, à medida que a informação é
manual poderão conside-
prática. Em lugar de reunir pai- rar a possibilidade de pedir
difundida no seio das instituições em causa.
a participação de peritos de
néis compostos apenas por pro- organizações não governa-
Desde 1992, os cursos do AC/CDH incluem com-
mentais de defesa e pro-
fessores e teóricos, o AC/CDH moção dos direitos
ponentes de formação de formadores, tais como
humanos.
escolhe profissionais da área lições e materiais concebidos para dar a conhecer
em questão, nomeadamente agentes e formadores aos participantes diversas técnicas pedagógicas,
das forças policiais. De acordo com a experiência assim os habilitando a ministrar eles próprios for-
do AC/CDH, obtêm-se melhores resultados mação, para além do conteúdo substancial das ses-
recorrendo ao método colegial através do qual os sões. Para melhores resultados, os organizadores
polícias discutem entre si do que seguindo um dos cursos deverão procurar seguir este mesmo
modelo baseado na relação professor-aluno. Esta modelo de formação.
abordagem permite ao AC/CDH aperceber-se
da cultura profissional própria das forças policiais. c. Técnicas pedagógicas
Ao mesmo tempo, formandos e formadores são 4. Todos os cursos desenvolvidos pelo AC/CDH
acompanhados e orientados por pessoal espe- incluem uma diversidade de técnicas eficazes para
cializado do AC/CDH e da Divisão para a Pre- a formação de adultos. Em particular, sugere-se a
venção do Crime e Justiça Penal das Nações utilização de métodos de ensino criativos e inte-
4
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
aplique a mulheres ou a homens, ou a distintos gru- truir as suas próprias notas e material de apresen-
pos culturais. tação, com base no conteúdo do manual e na reali-
dade específica no terreno.
h. Flexibilidade de concepção e aplicação
9. Para serem de utilidade universal, os cursos de i. Instrumentos de avaliação
formação devem ser concebidos de forma a facili- 10. Os cursos do AC/CDH incluem exercícios de
tar a flexibilidade da respectiva utilização, sem avaliação anteriores e posteriores ao próprio curso,
impor aos formadores enfoques ou métodos rígidos. tais como questionários de exame, com três objec-
Os cursos deverão ser passíveis de adaptação às tivos principais. Os questionários prévios, quando
necessidades específicas e às particulares circuns- correctamente utilizados, permitem aos formado-
tâncias culturais, educativas, regionais e vivenciais res adequar o curso às particulares necessidades dos
de uma ampla diversidade de potenciais destinatá- destinatários. Os questionários finais e as sessões
rios no seio de um determinado grupo-alvo. Por de avaliação permitem aos formandos avaliar os
conseguinte, o presente manual não se destina a ser conhecimentos adquiridos e contribuem para a
“lido” textualmente aos formandos, devendo antes modificação e para o aperfeiçoamento contínuo (e
o formador seleccionar o material relevante e cons- crucial) dos cursos sugeridos no presente manual.
02
Participantes
nos programas
de formação
8
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Existe a tendência para fazer grandes distinções da lei considerarem que o trabalho da polícia é
entre as actividades definidas como “o verdadeiro uma actividade essencialmente prática que
trabalho do polícia” (tarefas operacionais e práti- exige respostas pragmáticas e muitas vezes
cas) e outras funções necessárias nos organismos expeditas para situações a que dão uma solução
encarregados da aplicação da lei. imediata, embora por vezes meramente tem-
porária.
Existe frequentemente um sentimento de que os
imperativos da actividade policial prática são NOTA PARA O FORMADOR: As observações e
incompatíveis com os requisitos legais e admi- comentários constantes do presente capítulo ser-
nistrativos. viram de base a algumas das recomendações cons-
tantes dos capítulos seguintes. Deverão ser tidos
Um corolário destas tendências é o facto de em conta pelos organizadores e intervenientes nos
muitos funcionários responsáveis pela aplicação cursos.
03
Técnicas
de Formação
Eficazes
12
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
formador consiga dar resposta continuamente a essa adaptarem-se às necessidades dos destinatários
pergunta será um factor importante para o seu êxito. ao longo do curso.
Assim, deve fazer-se tudo quanto seja possível para
assegurar que todo o material apresentado é rele- d. Técnicas participativas
vante para o trabalho dos participantes e que essa rele- 27. Indicam-se em seguida algumas técnicas par-
vância é posta em destaque sempre que não for ticipativas.
imediatamente evidente. Esta tarefa pode ser mais
fácil na abordagem de temas operacionais, como a
captura ou utilização de armas de fogo. Pode, porém, 1. APRESENTAÇÃO E DEBATE
exigir um planeamento mais cuidadoso relativa-
mente às questões de carácter essencialmente teó- 28. Depois da exposição (conforme acima des-
rico, como a actividade da polícia numa sociedade crita, no parágrafo 26), é conveniente promover um
democrática ou a protecção de grupos vulneráveis. debate informal para esclarecer alguns pontos e faci-
litar o processo de tradução das ideias na prática.
Variado – Para conseguir e manter a participação Este debate é moderado pela pessoa que proce-
activa dos formandos, será conveniente variar as deu à exposição que deve tentar suscitar a inter-
técnicas pedagógicas utilizadas ao longo do curso. venção de todos os participantes. Convém que os
Os agentes não estão, na sua maioria, acostuma- formadores tenham preparada uma lista de ques-
dos a longas sessões de estudo e uma rotina abor- tões a fim de iniciar o debate.
recida e monótona fá-los-á tomar mais consciência
da própria aula do que das questões que nela se 29. No final da exposição e do debate, o formador
abordam. Dever-se-ão seleccionar técnicas diver- deverá fazer um resumo ou dar uma panorâmica
sificadas, alternando a discussão com a dramati- geral da discussão. Deverá também complemen-
zação e o estudo de casos práticos com sessões de tar a sessão com a utilização de suportes audiovi-
reflexão colectiva, consoante o tema em análise. suais previamente preparados ou material de
estudo distribuído antecipadamente a todos os
26. Assim, em linhas gerais, devem adoptar-se os participantes.
seguintes métodos e abordagens:
6. SIMULAÇÃO/DRAMATIZAÇÃO
4. ESTUDO DE CASOS PRÁTICOS
37. Nestes exercícios, os participantes são chama-
33. Além de debater os temas propostos para dis- dos a desempenhar uma ou mais tarefas numa situa-
cussão, os grupos de trabalho podem analisar ção plausível que simula a “vida real”. No contexto
casos práticos. Estes dever-se-ão basear em situa- dos direitos humanos e aplicação da lei, os exercí-
ções plausíveis e realistas que não sejam excessi- cios de simulação ou dramatização podem ser utili-
vamente complexas e girem em torno de duas ou zados para praticar os conhecimentos adquiridos ou
três questões principais. A solução dos casos prá- para que os participantes possam experimentar situa-
ticos deverá permitir aos participantes exercitar ções que até então lhes eram desconhecidas.
as suas aptidões profissionais e aplicar as normas
de direitos humanos e direito humanitário. Os 38. O resumo da situação deverá ser distribuído
funcionários superiores de polícia deverão exerci- por escrito a todos os participantes, atribuindo-se
tar as suas aptidões de comando e gestão. a cada um deles uma personagem (o agente da
polícia, a vítima, o juiz e outros). Durante o exer-
34. A situação que se propõe para análise pode ser cício não se deverá permitir que alguém abandone
apresentada aos participantes para que a examinem a sua personagem qualquer que seja o motivo. Esta
no seu conjunto ou sucessivamente desenvolvida técnica revela-se particularmente útil para sensi-
perante eles (“hipóteses evolutivas”) mediante a bilizar os participantes para o respeito dos senti-
sucessiva introdução de novos elementos a que mentos e da perspectiva de outros grupos, assim
têm de dar resposta. como para a importância de certas questões.
14
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
prestem especial atenção e anotem as suas obser- b) A sala utilizada deve ter capacidade suficiente
vações para posterior debate. para o número previsto de participantes.
41. Para a realização de mesas redondas, como de a) Deverá ser possível regular a temperatura e
conferências-debate, é necessário reunir um grupo ventilação da sala.
diversificado de especialistas em diversas áreas, com
diferentes perspectivas do tema a abordar. Para que b) O número de participantes nunca deverá
o debate seja animado, é necessário que estejam exceder a capacidade das salas.
presentes os seguintes elementos fundamentais: um
moderador firme e dinâmico, conhecedor quer do c) As casas de banho deverão ser de fácil acesso.
tema em debate quer do uso da técnica de “advogado
do diabo”, e a utilização de hipóteses. O moderador d) O programa diário deverá incluir um inter-
deve provocar intencionalmente os participantes, valo de 15 minutos durante a manhã, um intervalo
estimulando o debate entre os peritos e os forman- para almoço de pelo menos uma hora e outro
dos e controlando o desenrolar da discussão. intervalo de 15 minutos durante a tarde.
04
Educadores e Formadores
c) Em caso de exposições conjuntas, reúna-se com b) Estude o manual para aperfeiçoar o seu
o colega que consigo irá dirigir a sessão no dia anterior conhecimento de qualquer matéria na qual não se
a cada apresentação, a fim de a preparar em conjunto. sinta completamente confortável.
d) Faça exposições breves, respeitando os limi- c) Aperfeiçoe e reveja os seus materiais didácticos
tes de tempo estabelecidos no manual, relativa- pessoais antes de cada curso subsequente.
18
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
05
Utilização do Manual
50. Uma vez considerados quatro aspectos parti- sociedade democrática e a não discriminação.
culares da teoria e prática da formação nos capí- Aborda questões de princípio que são importantes
tulos anteriores, convém agora explicar a estrutura a nível da definição de políticas e estratégia poli-
e o conteúdo do restante manual. cial, logo relevantes para os funcionários que tra-
balham a esse nível. O seu conteúdo é igualmente
51. As partes segunda a quinta do manual contêm importante para educadores e formadores das for-
a informação e os materiais essenciais para a formação ças policiais, que devem conhecer devidamente
dos agentes policiais em matéria de direitos huma- os conceitos e princípios fundamentais no domí-
nos, abordando os seguintes aspectos: conceitos fun- nio da aplicação da lei e direitos humanos. Alguns
damentais (segunda parte); deveres e funções da dos tópicos abordados na segunda parte são tam-
polícia (terceira parte); grupos necessitados de pro- bém importantes para os funcionários que traba-
tecção especial ou tratamento distinto (quarta parte); lham “nas ruas”.
e questões de comando, direcção e controlo (quinta
parte). Como veremos, algum do material assume Capítulo VII – Fontes, sistemas e normas de direi-
uma relevância distinta para cada uma das diversas tos humanos relevantes no domínio da aplicação
categorias de funcionários e este aspecto será objecto da lei
de comentários à medida que o conteúdo específico
de cada capítulo seja exposto. Os anexos contêm tex- 54. Este capítulo dá-nos uma panorâmica geral do
tos dos principais instrumentos internacionais, bem sistema internacional de protecção dos direitos
como outra informação que complementa os capí- humanos na área da aplicação da lei. Nele se resu-
tulos substantivos abaixo apresentados. mem os diversos organismos, instrumentos e
mecanismos de controlo internacionais, ao
52. Na secção E do presente capítulo, onde se mesmo tempo que se destacam determinados
descrevem a forma e o conteúdo geral dos capítu- tipos de violação para os quais a polícia deverá
los, serão dadas mais indicações a respeito da uti- estar sensibilizada. Este capítulo constitui a base
lização e aplicação do material pedagógico. de uma sessão introdutória com a qual se deverão
iniciar todos os cursos preparados com base no pre-
a. Segunda parte (Conceitos fundamentais) sente manual. Fornece, essencialmente, os alicer-
53. A segunda parte trata dos conceitos amplos ces em que deverá assentar o remanescente do
que são a ética policial, o papel da polícia numa curso.
20
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Capítulo XIV • Utilização da força e de armas c. Quarta parte (Grupos necessitados de
de fogo protecção especial ou tratamento distinto)
63. A aplicação da lei e a manutenção da ordem 68. A quarta parte é importante devido à vulne-
implicam a possibilidade de recorrer à força para rabilidade das pessoas a que se refere cada um dos
alcançar estes objectivos; daí a importância que o capítulos e ao impacto da actividade da polícia
tema reveste para todos os agentes policiais. sobre a situação dessas pessoas. Embora o seu
conteúdo seja mais teórico do que prático, não é
64. Alguns funcionários são mais susceptíveis de menos importante do que outras secções.
ser chamados a recorrer à utilização da força do
que outros, sendo aliás especialmente treinados Capítulo XVI • Polícia e protecção dos jovens
para o fazer (por exemplo, aqueles que desem-
penham funções específicas no domínio da 69. Alguns agentes policiais têm especiais res-
manutenção da ordem pública). O capítulo XIV ponsabilidades relativamente aos jovens, sendo
assume particular relevância para os polícias este capítulo claramente importante para eles. Con-
dessa categoria. tudo, nele se identificam as normas internacionais
relativas à captura e detenção dos delinquentes
Capítulo XV • Distúrbios internos, estados de juvenis, pelo que reveste interesse para todos os fun-
excepção e conflitos armados cionários responsáveis pela aplicação da lei.
65. Neste capítulo, são apresentados os prin- Capítulo XVII • Aplicação da lei e direitos das
cípios e as normas de direito internacional mulheres
humanitário, por forma a sublinhar o impera-
tivo de uma conduta humana e da protecção 70. Neste capítulo, as mulheres são considera-
das vítimas no decorrer de um conflito. Para das não apenas como vítimas ou potenciais vítimas
além disso, são analisados outros períodos de de violações de direitos humanos e da criminali-
tensão aguda, tais como os distúrbios internos dade, mas também como agentes e participantes
e estados de excepção, explicando aos polícias as na administração da justiça. Por esta razão, todas
limitações jurídicas que acompanham as medi- as categorias de funcionários responsáveis pela
das de emergência. aplicação da lei necessitam de ser confrontados com
as questões que aborda.
66. Os funcionários responsáveis pela aplicação
da lei são, na sua maioria, chamados a intervir Capítulo XVIII • Refugiados e não nacionais
em situações de conflito e desordem ao longo da
sua carreira e a importância da matéria torna-a 71. Por razões históricas e geográficas, alguns
num elemento essencial de qualquer curso de for- países têm enormes e imediatas responsabilidades
mação em direitos humanos destinado à polícia. em relação aos refugiados. A maioria dos países tem
de dar resposta às necessidades dos estrangeiros
OBSERVAÇÕES GERAIS e apátridas seus residentes. Embora existam, por
SOBRE A TERCEIRA PARTE vezes, unidades especializadas da polícia encarre-
gadas de lidar com essas pessoas, qualquer polícia
67. Em todas as matérias abordadas nesta parte, pode, em determinado momento, ser confrontado
é importante concentrar-se nos aspectos estratégicos com elas.
e de definição política com os funcionários supe-
riores de polícia e nos aspectos práticos com os 72. A medida e a forma como este capítulo pode
agentes operacionais. A formação destes últimos ser utilizado como base para um curso dependem
dever-se-á centrar nas imposições legais e na con- da situação do país em causa e das categorias de
dução efectiva das actividades policiais. funcionários participantes. Em qualquer caso, a par-
75. Uma vez conhecidas as matérias abordadas nos 80. A secção A contém as informações necessá-
capítulos precedentes do presente manual, deverá ser rias à apresentação do tema, divididas em três
dada aos funcionários responsáveis pela aplicação da rubricas: Introdução, Aspectos gerais (do tema) e
lei com funções de comando e gestão a oportunidade Observações finais.
de considerarem as implicações das normas inter-
nacionais de direitos humanos e direito humanitá- Introdução – Situa o tema dentro do contexto da
rio nessas responsabilidades. O capítulo XX tem por actividade policial.
função facilitar e estimular este processo.
Aspectos gerais – Fornece informação organizada
Capítulo XXI • Investigação das violações cometi- em torno de diversas sub-rubricas:
das pela polícia
Princípios fundamentais – Exposição e explicação dos
76. A investigação das violações cometidas pela princípios fundamentais de direitos humanos e
polícia cabe evidentemente aos comandantes e direito internacional humanitário que servem de
dirigentes das forças policiais, mas o conteúdo do base às disposições concretas relativas ao tema;
capítulo XXI será também útil para outros fun-
cionários, nomeadamente para os que desempe- Disposições específicas – Exposição das normas per-
nham funções disciplinares a nível interno. Em tinentes relativas ao tema constantes dos diversos
certos casos, será também conveniente que os instrumentos.
22
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Qualquer informação adicional baseada em normas Secção B
internacionais com interesse para o tema em
causa é então exposta nas sub-rubricas seguintes. 84. A Secção B trata da aplicação prática das nor-
Por exemplo, no capítulo XIV, relativo à Utilização mas de direitos humanos e direito humanitário.
da Força e das Armas de Fogo, existem três sub- Contém uma lista de medidas práticas a adoptar
-rubricas sobre “Utilização da força e direito à pelos organismos e funcionários responsáveis pela
vida”, “Utilização da força e execuções extrajudiciais” aplicação da lei a fim de garantir o cumprimento
e “Utilização da força e desaparecimentos”, res- das normas, uma série de exercícios práticos e
pectivamente. uma lista de temas para discussão.
24
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
06
Estrutura
e Conteúdo
dos Cursos
a) a abordagem adoptada pelo Alto Comissa- b) tempo disponível para o curso ou cursos.
riado/Centro para os Direitos Humanos das
Nações Unidas, em especial a importância atri- 92. Formularemos em seguida algumas reco-
buída aos aspectos práticos da formação; mendações a respeito da importância a atribuir a
determinados temas abordados em diferentes
b) os participantes nos programas de formação, capítulos do presente manual, nos cursos destina-
tendo em conta as respectivas características e cate- dos a distintas categorias de funcionários respon-
gorias em que se integram; sáveis pela aplicação da lei. Estas recomendações
deverão ser tidas em conta ao considerar o tempo
c) as técnicas pedagógicas, que privilegiam a a destinar a cada um dos temas no programa de
participação dos destinatários; curso. Em seguida, serão propostos três modelos
possíveis para a estrutura dos cursos.
d) os formadores e instrutores, que devem ser
especialistas, credíveis e demonstrar flexibilidade; b. Observações sobre os temas dos capítulos
91. A estrutura e o conteúdo concretos de cada um 93. Cada um dos capítulos deverá ser abordado
dos cursos de formação em matéria de direitos em relativa profundidade com os formadores e ins-
26
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cursos destinados aos funcionários superiores, Organização de um dia de trabalho: Supõe-se que
bem como aos formadores e instrutores da polícia. um dia de curso tem início cerca das 09:00 horas
Sempre que possível, alguns elementos do capí- e termina ao redor das 18:00, com um intervalo para
tulo XXI (Investigação das violações cometidas almoço cerca do meio-dia e duas pausas mais cur-
pela polícia) deverão ser incluídos nos cursos des- tas, uma a meio da manhã e outra a meio da tarde,
tinados aos funcionários sem responsabilidades de a fim de assegurar que os participantes se mantêm
comando. bem dispostos e atentos. Os intervalos para almoço
deverão ser marcados em função dos costumes
c. Estrutura dos cursos locais. Deverá reservar-se algum tempo para que o
103. Propõem-se em seguida três modelos possí- grupo de formadores se reúna para uma breve ses-
veis para a estrutura dos cursos. Podem basear-se são preparatória antes das sessões e para fazer o
em variações do modelo proposto no anexo II ou ponto da situação no final de cada dia.
ser adaptadas às necessidades e circunstâncias
locais. Os modelos-tipo são os seguintes:
• Cursos completos – para todas as categorias de 1. CURSO COMPLETO
funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
sempre que possível (com um estudo menos deta- 105. O curso completo é composto por uma sessão
lhado da quinta parte do manual para os agentes sobre cada um dos temas de todos os capítulos das
sem funções de comando), formadores das forças partes segunda a quinta do manual, segundo a
policiais e elementos da CIVPOL. sequência neste estabelecida. A fim de permitir:
• Seminários – para funcionários superiores de • uma apresentação aprofundada de cada tema;
polícia. • um debate informal suficiente depois da apre-
• Cursos básicos – para funcionários sem funções sentação; e
de comando. • um tratamento completo de todos os exercícios prá-
104. Relativamente a estas propostas, convém ter ticos e tópicos para discussão, recomenda-se que cada
em conta as seguintes questões: sessão ocupe meio dia de curso, o que significa que
Sequência dos temas: Deverá seguir-se a sequên- cada um dos temas deverá ser abordado durante esse
cia das partes e capítulos do presente manual. Esta período de meio dia. Existem 15 temas a analisar deste
sequência obedece a uma determinada lógica. Por modo (partes segunda a quinta).
exemplo:
• é preferível abordar as questões tratadas na 106. Recomenda-se que seja dedicada uma sessão
segunda parte como temas introdutórios, uma vez adicional de meio dia à introdução e apresentação do
que derivam de conceitos fundamentais; curso e seus participantes e uma outra aos procedi-
• os temas da quinta parte serão mais proveitosa- mentos de encerramento e avaliação da formação.
mente abordados no final do curso, quando os
participantes adquiriram já conhecimento das 107. O curso completo deverá, pois, ser composto
normas internacionais; por 16 sessões de meio dia, ou seja, oito dias com-
• em termos de procedimento, a captura antecede a pletos de formação.
detenção, daí que as questões de direitos humanos
suscitadas por estas situações devam seguir a mesma
sequência (capítulos XII e XIII da terceira parte); 2. SEMINÁRIO PARA FUNCIONÁRIOS SUPERIORES
• qualquer análise das questões de direitos huma- DE POLÍCIA
nos no contexto de situações de conflito e desor-
dem (capítulo XV) deve pressupor o conhecimento 108. Caso os funcionários superiores não dispo-
das questões genéricas de direitos humanos e apli- nham de tempo para seguir um curso completo,
cação da lei abordadas nos anteriores capítulos da pode organizar-se um seminário de curta dura-
terceira parte (em especial no capítulo XIV, sobre ção. A sequência dos capítulos constante do
a utilização da força). manual deverá ser mantida. Para permitir um
111. A fim de conseguir contemplar os temas dos 114. O curso básico para funcionários responsáveis
capítulos nestas sessões e responder às necessidades pela aplicação da lei sem funções de comando seria,
dos funcionários superiores, recomenda-se que assim, composto por 10 sessões de meio dia, ou seja,
os princípios fundamentais de cada um dos temas 5 dias de formação.
sejam explicados numa apresentação e se façam
algumas referências às normas constantes de ins- d. Observações finais
trumentos internacionais. Podem ser dados exem- 115. As anteriores recomendações pretendem
plos de algumas destas normas. A primeira parte servir de base aos diversos tipos de cursos e
de cada sessão de meio dia ficaria então concluída seminários, sendo naturalmente possíveis algu-
com um debate informal, reservando-se a segunda mas alterações. Por exemplo, tanto o curso com-
parte para a realização de exercícios práticos. pleto como o curso básico podem sofrer
modificações a fim de responder às exigências dos
funcionários com funções especializadas, por
3. CURSO BÁSICO PARA AGENTES SEM FUNÇÕES forma a que os temas pertinentes para as res-
DE COMANDO pectivas áreas de especialização sejam alargados
e outros correspondentemente reduzidos. Em
112. Caso os agentes sem funções de comando regra, ao planear a estrutura dos cursos, os seus
não disponham de tempo para seguir um curso organizadores devem prestar atenção às neces-
completo, poderá organizar-se um curso básico. sidades dos destinatários.
28
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
*
Seg
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e
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
cap
ítu
lo
07
Fontes, Sistemas
e Normas de Direitos Humanos
no domínio da Aplicação da Lei
Objectivos do capítulo • Dar a conhecer aos formadores e, através deles, aos participantes no curso
o enquadramento geral do sistema estabelecido no âmbito das Nações Uni-
das para a protecção dos direitos humanos no domínio da aplicação da lei.
a. Importância das normas internacionais gressos periódicos das Nações Unidas para a
116. As normas internacionais de direitos huma- Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delin-
nos no domínio da aplicação da lei foram adop- quentes. A adopção destas normas pela Assem-
tadas por diversos organismos do sistema das bleia Geral e pelo Conselho Económico e Social,
Nações Unidas. Entre eles, assumiram particular dois dos principais órgãos das Nações Unidas,
relevância a Comissão dos Direitos do Homem, conferiu às mesmas um carácter de universali-
a sua Sub-Comissão para a Prevenção da Dis- dade, uma vez que significa que a comunidade
criminação e Protecção das Minorias e os Con- internacional no seu conjunto as aceita e consi-
Conceitos Fundamentais
* 31
dera como regras mínimas em matéria de apli- regras mínimas, examinadas neste manual a
cação da lei, independentemente do sistema jurí- par das pertinentes convenções, não deve ser
dico ou do direito interno do Estado Membro negligenciado com base em argumentos jurídi-
em causa. cos teóricos. A nossa posição justifica-se com
base em, pelo menos, três razões fundamentais:
117. Por outro lado, o conteúdo normativo de tais
regras e os detalhes da sua adequada aplicação a a) Tais instrumentos não convencionais consti-
nível nacional são definidos pela jurisprudência em tuem afirmações de valores partilhados pelas prin-
constante evolução do Comité dos Direitos do cipais culturas e sistemas jurídicos. Podem ser
Homem das Nações Unidas, órgão de controlo da encontrados no direito interno dos principais sis-
aplicação do Pacto Internacional sobre os Direitos temas jurídicos a nível mundial e foram elabora-
Civis e Políticos instituído em virtude deste ins- dos através de um processo internacional, com a
trumento. contribuição da generalidade dos Estados Membros
das Nações Unidas. Por conseguinte, têm uma
118. Antes de analisar as diversas fontes, siste- incontestável força moral.
mas e normas existentes a nível internacional,
há que fazer referência à força jurídica dessas b) Os tratados escritos não são a única fonte
normas. O conjunto das normas examinadas de normas imperativas. Devido à sua origem
no presente manual abrange disposições com for- internacional e ampla aceitação nas legislações
ças jurídicas muito diferentes, desde obriga- nacionais, as disposições das declarações, con-
ções imperativas estabelecidas em pactos e juntos de princípios e outros instrumentos são
convenções até orientações universais que se consideradas por muitos juristas como “princí-
impõem no plano ético e estão contidas em pios gerais de direito internacional”, que cons-
diversas declarações, regras mínimas e con- tituem uma das fontes de direito internacional
juntos de princípios. No seu conjunto, estes reconhecidas pelo Estatuto do Tribunal Inter-
instrumentos definem um enquadramento jurí- nacional de Justiça. Muitas destas disposições
dico internacional completo e pormenorizado, são consideradas cláusulas declarativas de
tendo em vista assegurar o respeito dos direitos princípios em vigor do chamado “direito inter-
humanos, da liberdade e da dignidade no con- nacional consuetodinário”, isto é, normas vin-
texto da justiça penal. culativas originadas com base na prática
reiterada dos Estados (uma vez que os Estados
119. Em termos estritamente jurídicos, pode têm a convicção de que se encontram obriga-
argumentar-se que apenas os tratados oficiais dos por tais princípios) e não em disposições
ratificados pelos Estados, ou a que estes hajam concretas de quaisquer tratados.
aderido, são juridicamente vinculativos. Entre
estes, contam-se, por exemplo, o Pacto Inter- c) As normas internacionais enunciadas nos
nacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o tratados formais não são, por vezes, suficiente-
Pacto Internacional sobre os Direitos Econó- mente detalhadas para permitir que os Estados
micos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre interpretem o seu valor normativo, ou determi-
os Direitos da Criança e a Convenção para a Pre- nem as suas repercussões ao nível da aplicação.
venção e Repressão do Crime de Genocídio. As disposições mais detalhadas das directrizes,
Deverá também ser referida a Carta das Nações princípios e regras mínimas, entre outros ins-
Unidas, ela própria um tratado juridicamente trumentos, representam, pois, um valioso com-
vinculativo no qual todos os Estados Membros plemento jurídico para os Estados que se
são necessariamente Partes. No entanto, o valor esforçam por aplicar as normas internacionais a
prático das diversas declarações, directrizes e nível interno.
32
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
b. Fontes fundamentais dotam de força jurídica vinculativa: o Pacto
Internacional sobre os Direitos Económicos,
1. CARTA DAS NAÇÕES UNIDASN.T.1 Sociais e Culturais e o Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos. O conjunto
120. A principal fonte que serve N.T.1 Portugal foi admitido destes instrumentos é designado por Carta
como membro das Nações
de base à adopção de normas de Unidas em sessão especial da Internacional dos Direitos Humanos.
Assembleia Geral realizada a
direitos humanos pelos orga- 14 de Dezembro de 1955, no
âmbito de um acordo entre
nismos das Nações Unidas é, os EUA e a então União
Soviética (resolução 995 (X)
sem dúvida, a própria Carta. No da Assembleia Geral). A
declaração de aceitação por
2. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
seu segundo parágrafo pream- Portugal das obrigações cons-
tantes da Carta foi deposi-
DO HOMEMN.T.2
bular, afirma-se que um dos tada junto do
Secretário-Geral a 21 de Feve-
principais objectivos da organi- n.o 3155),1956
reiro de (registo
estando publicada
123. A Declaração Universal N.T.2 Publicada no Diárioo da
República, I Série A, n. 57/
zação consiste em: na United Nations Treaty
Series, vol. 229, página 3, de
representa um importante pro- /78, de 9 de Março de 1978,
mediante aviso do Ministé-
[…] reafirmar a nossa fé nos 1958. O texto da Carta das
Nações Unidas foi publicado
gresso alcançado pela comuni- rio dos Negócios Estrangei-
ros.
direitos fundamentais do no Diário da República I
Série A, n.o 117/91, mediante dade internacional em 1948.
o aviso n.o 66/91, de 22 de
homem, na dignidade e no Maio de 1991. O seu valor de persuasão moral deriva do facto de
valor da pessoa humana, na ser reconhecida como uma declaração de normas
igualdade de direitos dos homens e das mulheres, internacionais de aceitação geral. Essa compila-
assim como das nações, grandes e pequenas […] ção de objectivos de direitos humanos foi elaborada
em termos amplos e genéricos, tendo constituído
O artigo 1.o, n.o 3, da Carta estabelece o princípio a fonte – e o enquadramento substantivo – dos dois
de que a cooperação internacional deverá ser rea- outros instrumentos que compõem a Carta Inter-
lizada: nacional dos Direitos Humanos. Por outro lado, na
[…] promovendo e estimulando o respeito pelos Declaração Universal foram enunciados e defini-
direitos do homem e pelas liberdades fundamen- dos os direitos fundamentais proclamados na
tais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua Carta das Nações Unidas. Os artigos 3.o, 5.o, 9.o, 10.o
ou religião […] e 11.o da Declaração Universal são particularmente
relevantes no domínio da administração da justiça.
121. Estas disposições não devem ser vistas como Estes artigos abordam, respectivamente, o direito
meras declarações de princípio, destituídas de sig- à vida, à liberdade e à segurança pessoal; a proibição
nificado; pelo contrário, como atrás ficou dito, a da tortura e das penas ou tratamentos cruéis,
Carta é um tratado juridicamente vinculativo do desumanos ou degradantes; a proibição da deten-
qual todos os Estados Membros são partes. Tais nor- ção arbitrária; o direito a um julgamento equitativo;
mas tiveram como efeito jurídico fazer cessar, de o direito à presunção de inocência até prova em con-
uma vez por todas, a polémica sobre se os direi- trário; e a proibição da retroactividade da lei penal.
tos humanos e o seu gozo pelos indivíduos cons- Embora estes sejam os artigos que mais directa-
tituem questões de direito internacional ou apenas mente se relacionam com a aplicação da lei, todo
dizem respeito à soberania dos Estados. Conse- o texto da Declaração Universal fornece orientações
quentemente, é agora incontestável que tais nor- para o trabalho da polícia.
mas obrigam a polícia.
Conceitos Fundamentais
* 33
a entrada em vigor, em Março de 1976, do c) Os dois conjuntos de direitos protegidos por
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e ambos os Pactos são universalmente reconheci-
Políticos. Este instrumento, nos seus artigos 6.o, dos como sendo interdependentes e tendo igual
7. o , 9. o , 11. o , 14. o e 15. o , define em maior deta- importância.
lhe o direito à vida, a proibição da tortura, a
proibição da prisão ou detenção arbitrárias, a 126. Nesta conformidade, tenha-se em atenção
proibição de aplicação de uma pena de prisão que o Pacto Internacional sobre os Direitos Eco-
por impossibilidade de cumprimento de uma nómicos, Sociais e Culturais protege uma ampla
obrigação contratual e a proi- N.T.3 Assinado por Portugal a variedade de direitos, nomeadamente o direito ao
bição da retroactividade da lei 7aprovado de Outubro de 1976 e
para ratificação trabalho, a condições de trabalho razoáveis, à
pela Lei n.o 29/78, de 12 de
penal. Com mais de 100 Esta- Junho, publicada no Diário constituição de associações sindicais, à segu-
da República, I Série A,
dos Partes N.T.3 , o Pacto é um n.o 133/78. O instrumento rança social e a mecanismos de seguro social, à
de ratificação foi depositado
instrumento juridicamente junto do Secretário-Geral protecção das famílias e das crianças, a um nível
das Nações Unidas a 15 de
vinculativo que deve ser res- Junho de 1978. de vida suficiente, à saúde, à educação e à parti-
peitado pelos Governos e cipação na vida cultural. A aplicação deste Pacto
suas instituições, nomeadamente a polícia. A é controlada pelo Comité dos Direitos Económi-
sua aplicação é controlada pelo Comité dos cos, Sociais e Culturais.
Direitos do Homem, órgão criado em confor-
midade com as disposições do próprio Pacto. Primeiro Protocolo Facultativo referente ao Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos,
Sociais e Culturais 127. O primeiro Protocolo N.T.5 Assinado por Portugal
a 1 de Agosto de 1978 e
Facultativo referente ao Pacto aprovado para adesão pela
Lei n.o 13/82, de 15 de
125. As publicações como o N.T.4 Assinado por Portugal Internacional sobre os Direitos Junho, publicada no Diário
a 7 de Outubro de 1976 e da República, I Série A,
presente manual, que se aprovado para ratificação Civis e PolíticosN.T.5 entrou em n.o 135/82. O instrumento
pela Lei n.o 45/78, de 11 de de adesão foi depositado
ocupam das normas aplicá- Julho, publicada no Diá- vigor em simultâneo com o junto do Secretário-Geral
rio da República, I Série A, das Nações Unidas
veis no domínio da aplicação n.o 157/78. O instrumento Pacto. Este instrumento adicio- a 3 de Maio de 1983.
de ratificação foi deposi-
da lei, fazem essencialmente tado junto do Secretário- nal atribui ao Comité dos Direi-
-Geral das Nações Unidas
referência aos instrumentos a 31 de Julho de 1978. tos do Homem competência para receber e
de carácter civil e político. Não obstante, seria considerar comunicações de indivíduos que ale-
um erro prosseguir sem mencionar o Pacto guem ser vítimas de violações de qualquer um dos
Internacional sobre os Direitos Económicos, direitos enunciados no Pacto. Ao examinar tais
Sociais e Culturais, que entrou em vigor em queixas, o Comité tem vindo a desenvolver um
Janeiro de 1976 N.T.4. Existem pelo menos três considerável corpo de jurisprudência, que propor-
bons motivos para isso: ciona preciosas orientações para interpretar as
repercussões do Pacto sobre o trabalho da polícia.
a) A lei não é administrada no vazio. A polícia
deve desempenhar as suas funções no contexto Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacio-
da realidade económica concreta enfrentada pela nal sobre os Direitos Civis e Políticos
população que se comprometeu a servir e proteger.
128. Embora o Pacto Internacional sobre os Direi-
b) Não é correcto supor que os direitos econó- tos Civis e Políticos não proíba a pena de morte,
micos e sociais, no seu conjunto, são irrelevan- impõe estritas limitações à sua aplicação. Perante
tes para o trabalho da polícia. Claros exemplos de uma opinião pública internacional cada vez mais
direitos económicos com relevância directa neste favorável à completa abolição da pena de morte, a
domínio são, entre outros, a não discriminação, Assembleia Geral adoptou, em 1989, o Segundo Pro-
a protecção contra as expulsões forçadas e as nor- tocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre os
mas fundamentais de direito laboral. Direitos Civis e Políticos com vista à Abolição da
34
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Pena de MorteN.T.6, que interdita
N.T.6
Assinado por Portugal nacional, tendo por objectivo N.T.7 Aprovada para ratifica-
a 13 de Fevereiro de 1990 e ção por Portugal pela Reso-
aos Estados Partes a utilização da aprovado para ratificação reforçar a cooperação interna- lução da Assembleia da
pela Resolução da Assem- República n.o 37/98, de 14
pena de morte. bleia da República cional com vista à erradicação de de Julho e ratificada pelo
n.o 25/90, de 27 de Setem- Decreto do Presidente da
bro, publicada no Diário da
República, I Série A,
tal atrocidade. Refere, em parti- deRepública n.o 33/ /98, de 14
Julho. Ambos os
Convenção contra n.o 224/90. Ratificado pelo
Decreto do Presidente da
cular, os actos cometidos com a documentos se encontram
publicados no Diário da
o Genocídio República n.o 54/90, de 27
de Setembro, publicado no
intenção de destruir, no todo ou República, I Série A,
n.o 160/98. O instrumento
Diário da República,
I Série A, n.o 224/90. O ins-
em parte, um grupo nacional, de ratificação foi depositado
junto do Secretário-Geral
129. A Convenção para a Pre- trumento de ratificação foi
depositado junto do Secre-
étnico, racial ou religioso através a 9 de
das Nações Unidas
Fevereiro de 1999.
venção e Repressão do Crime de tário-Geral das Nações Uni-
das a 17 de Outubro
do assassinato de membros
Genocídio entrou em vigor em de 1990. desse grupo, atentado grave à respectiva integri-
1951N.T.7. Resultou, tal como as próprias Nações Uni- dade física e mental, submissão deliberada do
das, do horror e da indignação universais sentidos grupo a condições de existência passíveis de acarretar
pela comunidade internacional face às graves vio- a sua destruição física, imposição de medidas des-
lações de direitos humanos que caracterizaram a tinadas a impedir os nascimentos no seu seio ou
Segunda Guerra Mundial. A Convenção confirma transferência forçada das crianças do grupo para
que o genocídio constitui um crime de direito inter- outro grupo.
Conceitos Fundamentais
* 35
Convenção contra a Tortura obrigados a adoptar medidas eficazes nos planos
legislativo, administrativo, judicial e outros para
130. A Convenção contra a Tor- N.T.8 Assinada por Portugal a impedir a ocorrência de actos de tortura; a respei-
4 de Fevereiro de 1985 e
tura e Outras Penas ou Trata- aprovada para ratificação tar a proibição de expulsar, entregar ou extraditar
pela Resolução da Assem-
mentos Cruéis, Desumanos ou de bleia da República n.o 11/88,
21 de Maio, publicada no
uma pessoa para outro Estado quando existam
Degradantes entrou em vigor Diário o
da República, I Série A,
n. 118/88. Ratificada pelo
motivos sérios para crer que o indivíduo possa ser
N.T.8
em Junho de 1987 . A Con- Decreto do Presidente submetido a tortura; a garantir às vítimas de tortura
da República n.o 57/88,
venção vai consideravelmente Diário daJulho,
de 20 de publicado no
República,
o direito de queixa perante as autoridades compe-
I Série A, n.o 166/88. O ins-
mais longe do que o Pacto Inter- trumento tentes, que deverão examinar o caso rápida e
de ratificação foi
nacional sobre os Direitos Civis depositado junto do Secretá-
rio-Geral das Nações Unidas
imparcialmente; a proteger os queixosos e teste-
e Políticos na protecção do indi- a 9 de Fevereiro de 1989. munhas; a excluir qualquer elemento de prova ou
víduo contra o crime internacional que é a tortura. testemunho obtido através do recurso à tortura; e
Nos termos da Convenção, os Estados partes estão a compensar as vítimas e pessoas a seu cargo.
Convenção sobre a Eliminação da Discriminação mento internacional que aborda o problema da dis-
Racial criminação contra as mulheres nas esferas polí-
tica, económica, social, cultural e civil. Exige que os
131. A Convenção Internacio- N.T.9 Aprovada para adesão Estados Partes adoptem medidas específicas em
pela Lei n.o 7/82, de 29 de
nal sobre a Eliminação de Abril, publicada no Diário cada uma destas áreas para pôr fim à discrimina-
da República I Série A,
Todas as Formas da Discrimi- n.o 99/82. O instrumento ção contra as mulheres e garantir-lhes o exercício
de adesão foi depositado
nação Racial entrou em vigor junto do Secretário-Geral e o gozo dos direitos humanos e liberdades fun-
das Nações Unidas a 24 de
em Janeiro de 1969N.T.9, proi- Agosto de 1982. damentais em condições de igualdade com os
bindo todas as formas de discriminação racial nas homens.
esferas política, económica, social e cultural.
Entre outras disposições, impõe a igualdade de tra- Convenção sobre os Direitos da Criança
tamento perante os tribunais, agências e orga-
nismos que participam na administração da 133. A Convenção sobre os N.T.11 Assinada por Portugal
a 26 de Janeiro de 1990 e
justiça, sem distinção quanto à raça, cor ou origem Direitos da Criança entrou em aprovada para ratificação
pela Resolução da Assem-
nacional ou étnica. vigor em Setembro de 1990, bleia da República n.o 20/90,
de 12 de Setembro. Ratifi-
contando agora com mais de cada pelo Decreto do Presi-
dente da República
Convenção sobre a Eliminação da Discriminação 100 Estados PartesN.T.11. Garante n.o 49/90, da mesma data.
Ambos os documentos se
contra as Mulheres alguns direitos especiais aos encontram publicados no
Diário da República,
delinquentes juvenis, em reco- IOSérie A, n.o 211/ /90.
instrumento de ratifica-
132. Após a sua entrada em N.T.10
Assinada por Portugal nhecimento da sua particular ção foi depositado junto do
a 24 de Abril de 1980 e Secretário-Geral das Nações
vigor, em Setembro de 1981, a aprovada para ratificação vulnerabilidade e do interesse Unidas a 21 de Setembro
pela Lei n.o 23/80, de 26 de de 1990.
Convenção sobre a Eliminação Julho, publicada no Diário da sociedade na sua reabilita-
da República I Série A,
de Todas as Formas de Discrimi- n.o 171/80. O instrumento ção. Em concreto, a Convenção estabelece a proi-
de ratificação foi depositado
nação contra as MulheresN.T.10 junto do Secretário-Geral bição de aplicar a prisão perpétua a menores, bem
das Nações Unidas a 30 de
tornou-se o principal instru- Julho de 1980. como a sua protecção contra a pena de morte e a
36
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
tortura. A privação da liberdade dos menores deve 136. Como fontes temos, N.T.14 Portugal assinou os
Protocolos Adicionais I e II
ser sempre uma medida de último recurso e, nomeadamente, os dois Proto- a 12 de Dezembro de 1977,
procedeu à respectiva ratifi-
quando imposta, deve sê-lo pelo período de tempo colos Adicionais (de 1977) às cação a 27 de Maio de 1992
e declarou aceitar a compe-
mais curto possível. Em qualquer circunstância, a Convenções de GenebraN.T.14. O tência da Comissão Interna-
cional para o Apuramento
Convenção exige que os menores em conflito com Protocolo I reafirma e desen- dos Factos, ao abrigo do
artigo 90.o do Protocolo I, a
a lei sejam tratados com a humanidade e o respeito volve as disposições das Con- 1 de Julho de 1994.
devidos à dignidade da pessoa humana e de venções de Genebra no que diz respeito aos
maneira que tenha em conta a idade da criança e conflitos armados internacionais, ao passo que o
as possibilidades de a reabilitar. Esta Convenção será Protocolo II faz o mesmo relativamente aos con-
analisada em maior detalhe no capítulo XVI, sobre flitos internos, sem carácter internacional.
Polícia e Protecção dos Jovens.
137. Em conformidade com estes instrumentos, o
Convenção sobre os Direitos dos Trabalhadores direito internacional humanitário deverá ser apli-
Migrantes cado a todas as situações de conflito armado, no
decorrer das quais os princípios de humanidade
134. A Convenção Internacio- N.T.12 Não ratificada por devem ser sempre respeitados, qualquer que seja
Portugal até 29 de Novem-
nal sobre a Protecção dos Direi- bro de 2000. o caso. Neles se dispõe ainda que os não comba-
tos de Todos os Trabalhadores Migrantes e tentes e pessoas colocadas fora de combate devido
Membros das Suas Famílias foi adoptada pela a ferimentos, doenças, captura ou outras causas
Assembleia Geral em Dezembro de 1990N.T.12. Foi devem ser respeitadas e protegidas, e que as pes-
elaborada pelas Nações Unidas em reconheci- soas que sofrem em consequência da guerra
mento do grande impacto dos fluxos de trabalha- devem ser auxiliadas e tratadas sem discriminação.
dores migrantes sobre os Estados e pessoas em O direito internacional humanitário proíbe os
causa e da necessidade de desenvolver normas seguintes actos, em todas as situações:
capazes de contribuir para a harmonização das • assassínio;
atitudes dos Estados mediante a aceitação de prin- • tortura;
cípios básicos de protecção dos trabalhadores • castigos corporais;
migrantes e suas famílias. A Convenção enumera • mutilações;
os direitos fundamentais deste grupo particular- • atentados à dignidade da pessoa;
mente vulnerável de pessoas e garante a protecção • tomada de reféns;
de tais direitos. • penas colectivas;
• execuções sem julgamento regular;
Direito internacional humanitário • tratamentos cruéis ou degradantes.
135. Para fins de formação das N.T.13 Portugal assinou as 138. Os mesmos instrumentos proíbem também
quatro Convenções de
forças policiais, o direito inter- Genebra a 11 de Fevereiro as represálias contra os feridos, doentes ou náu-
de 1950, tendo procedido à
nacional humanitário pode ser respectiva ratificação a 14
de Março de 1961. Portugal
fragos, pessoal e serviços médicos, prisioneiros
definido como o subconjunto ratificação, uma
apôs ainda, no momento da
reserva ao
de guerra, pessoas civis, bens civis e culturais,
das normas de direitos humanos referidas
artigo 10.o/10.o/10.o/11.o das
Convenções.
ambiente natural e instalações que contenham
aplicáveis em tempo de conflito forças perigosas. Eles estabelecem que ninguém
armado. Esta área será explicada em maior deta- pode renunciar, nem ser forçado a renunciar, à
lhe no capítulo XV. O conteúdo fundamental do protecção conferida pelo direito humanitário.
direito humanitário está definido, artigo por Finalmente, dispõem que as pessoas protegidas
artigo, nas quatro Convenções de Genebra de devem poder recorrer a todo o momento a uma
1949 que protegem, respectivamente, os feridos e potência protectora (Estado neutro que protege
doentes das forças armadas em campanha, os náu- os seus interesses), ao Comité Internacional da
fragos, os prisioneiros de guerra e as pessoas Cruz Vermelha ou a qualquer outra organiza-
civisN.T.13. ção humanitária imparcial.
Conceitos Fundamentais
* 37
4. PRINCÍPIOS, REGRAS MÍNIMAS E DECLARAÇÕES desempenho de funções legítimas no domínio da
aplicação da lei. Este instrumento resultou de um
Código de Conduta para os Funcionários cuidadoso equilíbrio entre o dever da polícia de
Responsáveis pela Aplicação da Lei garantir a ordem e a segurança pública e o seu dever
de proteger os direitos à vida, à liberdade e à segu-
139. Em Dezembro de 1979, a Assembleia Geral rança da pessoa. As suas disposições serão analisa-
adoptou o Código de Conduta para os Funcioná- das em maior profundidade no capítulo XIV, sobre
rios Responsáveis pela Aplicação da Lei. Este Utilização da Força e de Armas de Fogo.
Código é composto por oito artigos fundamentais,
que definem as responsabilidades específicas dos Conjunto de Princípios para a Protecção
funcionários responsáveis pela aplicação da lei no de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma
que diz respeito às seguintes questões: serviço da de Detenção ou Prisão
comunidade; protecção dos direitos humanos; uti-
lização da força; tratamento de informação confi- Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos
dencial; proibição da tortura e das penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; pro- Princípios Básicos Relativos ao Tratamento
tecção da saúde dos reclusos; corrupção; e res- de Reclusos
peito da lei e do próprio Código. Cada artigo é
seguido de um comentário detalhado, que clarifica 141. Estes três instrumentos estabelecem um
as implicações normativas do preceito. Este regime geral de protecção dos direitos das pes-
Código constitui, na sua essência, o critério fun- soas sujeitas a detenção ou prisão. O Conjunto
damental com base no qual a polícia – civil ou mili- de Princípios foi adoptado pela Assembleia
tar, uniformizada ou não – deverá ser julgada pela Geral em Dezembro de 1988. As Regras Mínimas
comunidade internacional. foram adoptadas pelo Primeiro Congresso das
Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tra-
Princípios Básicos sobre a Utilização da Força tamento dos Delinquentes, realizado em 1955
e de Armas de Fogo na cidade de Genebra, e mais tarde aprovadas pelo
Conselho Económico e Social. Os Princípios
140. Os Princípios Básicos sobre a Utilização da Básicos, adoptados pela Assembleia Geral em
Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Res- Dezembro de 1990, completam o regime, com
ponsáveis pela Aplicação da Lei foram adoptados em 11 parágrafos normativos.
1990 pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas
para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos 142. O conteúdo destes instrumentos será exami-
Delinquentes. Os Princípios têm em consideração nado em maior detalhe no capítulo XIII, sobre a
o carácter muitas vezes perigoso da actividade de Detenção. Em resumo, eles prevêem que todos os
fazer cumprir a lei, assinalando que uma ameaça à presos e detidos devem ser tratados com o res-
vida ou à segurança dos funcionários responsáveis peito devido à sua dignidade humana, no que con-
pela aplicação da lei constitui uma ameaça à esta- cerne às condições de detenção, tratamento e
bilidade da sociedade no seu todo. Ao mesmo disciplina, contacto com o mundo exterior, saúde,
tempo, estabelecem normas estritas para a utiliza- classificação e separação, queixas, registos, traba-
ção da força e de armas de fogo por parte da polí- lho e lazer e religião e cultura.
cia, nomeadamente quanto às circunstâncias em
que se pode recorrer a elas e formas de o fazer, pro- Declaração dos Princípios Básicos de Justiça
cedimentos a seguir após essa utilização e respon- Relativos às Vítimas da Criminalidade
sabilidade decorrente do seu uso indevido. Os e de Abuso de Poder
Princípios sublinham que apenas se pode recorrer
à força quando estritamente necessário e unica- 143. Nas suas actividades de construção normativa,
mente na medida em que tal seja necessário para o as Nações Unidas têm-se também ocupado da
38
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
importante questão dos direitos das vítimas. Para servem a causa da justiça, ao mesmo tempo que
este fim, a Assembleia Geral adoptou, em Novem- reduzem a aplicação das penas de prisão, as quais
bro de 1985, a Declaração dos Princípios Básicos devem, em qualquer caso, ser vistas como uma
de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade sanção extrema. As Regras estabelecem que tais
e de Abuso de Poder. Esta Declaração exige, medidas deverão ter em conta os direitos huma-
nomeadamente, que os Estados garantam às víti- nos e a reabilitação do delinquente, a protecção
mas o acesso à justiça, que as vítimas sejam tra- da sociedade e os interesses das vítimas. Este
tadas com compaixão pelo sistema jurídico, que lhes instrumento fornece orientações relativamente a
seja concedida reparação sempre que possível e atri- matérias como autorizações de saída, libertação
buída compensação caso a reparação se revele para fins de trabalho, liberdade condicional,
impossível e que tais pessoas recebam assistência remissão da pena, indulto, serviço cívico e san-
médica, material, psicológica e social. ções pecuniárias, entre outros aspectos.
Garantias para a Protecção dos Direitos Princípios Orientadores das Nações Unidas
das Pessoas Sujeitas a Pena de Morte para a Prevenção da Delinquência Juvenil
(Princípios Orientadores de Riade)
144. As Garantias para a Protecção dos Direitos das
Pessoas Sujeitas a Pena de Morte foram aprovadas Regras Mínimas das Nações Unidas
pelo Conselho Económico e Social em Maio de para a Administração da Justiça de Menores
1984. Elas estabelecem que a pena de morte só (Regras de Beijing)
poderá ser aplicada aos crimes mais graves e proí-
bem a execução de pessoas que eram menores de Regras das Nações Unidas para a Protecção
idade à data da prática do crime, bem como de dos Menores Privados de Liberdade
mulheres grávidas ou que tenham sido mães
recentemente e de dementes. Além disso, este 146. Estes três instrumentos, em conjunto com a
instrumento consagra determinadas garantias Convenção sobre os Direitos da Criança, consti-
processuais e exige que, caso a pena de morte seja tuem as normas essenciais no domínio da admi-
aplicada, a execução seja levada a cabo de forma a nistração da justiça de menores. Tal como a
causar o menor sofrimento possível. Convenção, estes textos (adoptados pela Assem-
bleia Geral em Dezembro de 1990, Novembro de
Regras Mínimas para a Elaboração de Medidas 1985 e Dezembro de 1990, respectivamente) exi-
não Privativas de Liberdade gem que os sistemas jurídicos nacionais tenham
em conta a situação e a vulnerabilidade particula-
145. Em Dezembro de 1990, a Assembleia Geral res dos menores que hajam entrado em conflito
adoptou as Regras Mínimas das Nações Unidas com a lei. Ocupam-se tanto da prevenção como do
para a Elaboração de Medidas não Privativas de tratamento, com base no princípio de que o inte-
Liberdade (Regras de Tóquio), com o objectivo resse superior da criança deve ser a consideração
de estimular a aplicação pelos Estados deste tipo primordial no domínio da justiça de menores. O seu
de medidas. Elas promovem a participação da conteúdo será analisado em maior profundidade no
comunidade na administração da justiça penal e capítulo XVI, sobre a Polícia e Protecção dos Jovens.
Conceitos Fundamentais
* 39
Declaração sobre os Desaparecimentos dos a prevenir os actos pelos quais se priva alguém
Forçados de liberdade sem deixar qualquer rasto do seu para-
deiro, assimilando-os a crimes contra a Humani-
147. Em Dezembro de 1992, a Assembleia Geral dade. Exige a adopção de medidas eficazes nos planos
adoptou a Declaração sobre a Protecção de Todas as legislativo, administrativo, judicial e outros para pre-
Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados. Esta venir e pôr fim a tais actos, indicando expressamente
Declaração exprime a preocupação da comunidade algumas dessas medidas, que dizem respeito,
internacional perante esta atrocidade de proporções nomeadamente, às garantias processuais, responsa-
mundiais. O texto compreende 21 artigos destina- bilização, aplicação de sanções e reparação das vítimas.
Princípios sobre as Execuções Extrajudiciais, damente através de uma cadeia de comando cla-
Arbitrárias ou Sumárias ramente definida, sobre os organismos responsá-
veis pela aplicação da lei, bem como de assegurar
148. Os Princípios sobre a Prevenção Eficaz e cuidadosos sistemas de registo, inspecção e noti-
Investigação das Execuções Extrajudiciais, Arbi- ficação das detenções às famílias e aos represen-
trárias ou Sumárias foram recomendados aos tantes legais. Exigem ainda a protecção das
Estados pelo Conselho Económico e Social em testemunhas e dos membros da família, bem
Maio de 1989. Os Princípios proporcionam orien- como a cuidadosa recolha e apreciação das provas
tação aos funcionários responsáveis pela aplicação pertinentes. Os Princípios desenvolvem em deta-
da lei e outras autoridades nacionais sobre a pre- lhe as disposições dos tratados de direitos huma-
venção e investigação desses crimes e procedi- nos que garantem o direito à vida. O seu conteúdo
mentos judiciais a seguir para levar os autores a será analisado em maior detalhe no capítulo XXI,
responder perante a justiça. Sublinham a impor- sobre Investigação das Violações Cometidas pela
tância de exercer um controlo rigoroso, nomea- Polícia.
MASSACRES
40
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
c. Mecanismos de direitos humanos das Nações em alternativa, determinados fenómenos relativos
Unidas aos direitos humanos, como a tortura, a detenção arbi-
149. As Nações Unidas instituíram um complexo trária e os desaparecimentos. Estes mecanismos
sistema de mecanismos para a elaboração de nor- não se baseiam em nenhum tratado de direitos
mas de direitos humanos, sua aplicação e respec- humanos em particular, mas antes na autoridade do
tivo controlo. Conselho Económico e Social e suas comissões fun-
cionais, em conformidade com a Carta das Nações
150. As normas de direitos humanos relevantes no Unidas. Alguns deles aparecem abaixo indicados.
domínio da aplicação da lei foram adoptadas por dife-
rentes organismos do sistema das Nações Unidas,
nomeadamente a Assembleia Geral, o Conselho Eco- 1. MECANISMOS CONVENCIONAIS
Conceitos Fundamentais
* 41
155. A actividade dos órgãos de controlo da aplicação interno e para auxiliar os organismos responsáveis
dos tratados – e em especial, para os fins do pre- pela aplicação da lei nos seus esforços de inter-
sente manual, do Comité dos Direitos do Homem – pretação e garantia dos direitos consagrados nos ins-
que elaboram uma abundante jurisprudência no trumentos internacionais.
decurso da análise das comunicações e dos relató-
rios estaduais que lhes são apresentados e através 156. Os seis principais tratados de direitos huma-
da formulação de comentários gerais e directrizes, nos e organismos criados para controlar a respec-
serve para informar os processos legislativos a nível tiva aplicação são os seguintes:
Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Cul- • Comité dos Direitos Económicos, Sociais e
turais Culturais
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos • Comité dos Direitos do Homem
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas • Comité para a Eliminação da Discriminação
de Discriminação Racial Racial
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discri- • Comité para a Eliminação da Discriminação
minação contra as Mulheres contra as Mulheres
42
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Esta pronuncia-se, então, sobre a questão de saber Relator Especial sobre a Tortura
se o caso deverá ser submetido à Comissão dos
Direitos do Homem, por revelar um padrão regu- 161. Em 1985, a Comissão dos Direitos do Homem
lar de violações de direitos humanos. Caberá designou um Relator Especial sobre a Tortura, para
depois à Comissão decidir sobre a realização de um acompanhar as questões relativas à tortura e outras
estudo aprofundado da situação que inclua um penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degra-
relatório e recomendações ao Conselho Econó- dantes através da comunicação com os Governos,
mico e Social. realização de visitas aos países para consultas sobre
a prevenção dos crimes em causa e recepção de pedi-
159. Todas as fases iniciais do processo são con- dos de acção urgente. O Relator Especial dá segui-
fidenciais, apesar de ser dada oportunidade aos mento a estas solicitações, contactando o Governo
Governos em causa de formular observações. O pro- em causa a fim de garantir a protecção dos indiví-
cedimento torna-se, porém, público quando a situa- duos em questão. Deverá ser sublinhado que o man-
ção é remetida ao Conselho Económico e Social. dato do Relator Especial não se sobrepõe ao do Comité
Desta forma, as violações sistemáticas ocorridas num contra a Tortura, criado ao abrigo da Convenção con-
determinado país para as quais não seja encontrada tra a Tortura, uma vez que a Convenção se aplica ape-
uma solução no decurso das fases iniciais do processo, nas aos Estados que nela são partes, ao passo que o
podem ser levadas ao conhecimento da comunidade mandato do Relator Especial é de âmbito universal.
internacional através do Conselho Económico e Social
– um dos principais órgãos das Nações Unidas. Grupo de Trabalho sobre os Desaparecimentos
Forçados ou Involuntários
(b) Alguns relatores especiais e grupos
de t rabalho Relator Especial sobre execuções 162. Em 1980, a Comissão dos Direitos do Homem
extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias instituiu o Grupo de Trabalho sobre os Desapareci-
mentos Forçados ou Involuntários para acompanhar
160. Este mecanismo foi criado em 1982 com o o fenómeno, que se verifica em diversos países, do
objectivo de permitir à Comissão dos Direitos do “desaparecimento” de pessoas, ou seja, situações em
Homem supervisionar a situação das execuções que estas são raptadas pela força por determinados
arbitrárias no mundo e reagir com eficácia à Governos ou grupos que não deixam rasto do destino
informação que lhe seja apresentada, em parti- que lhes é dado. O Grupo de Trabalho já examinou
cular quando esteja iminente uma execução cerca de 20 000 casos individuais registados em mais
deste tipo ou existam receios de que se possa veri- de 40 países, recorrendo a procedimentos de acção
ficar. O Relator Especial, com a assistência Alto urgente para impedir a ocorrência de desapareci-
Comissariado/Centro para os Direitos Huma- mentos, apurar o paradeiro das pessoas supostamente
nos, recebe e aprecia a informação pertinente “desaparecidas”, processar queixas e canalizar infor-
sobre tais casos, podendo comunicar com os mação entre os Governos e as famílias afectadas.
Governos em causa a fim de evitar execuções
iminentes ou solicitar uma investigação oficial Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária
e medidas penais apropriadas nos casos em que
tenha ocorrido uma execução arbitrária. 163. O último mecanismo a ser mencionado nesta
rubrica é o Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbi-
Conceitos Fundamentais
* 43
trária, instituído pela Comissão dos Direitos do 166. A Comissão é um órgão parajudicial que recebe
Homem em 1991 para investigar tais situações e apre- queixas (petições), procura encontrar uma solução
sentar as suas conclusões à Comissão. O Grupo de amigável para a questão e formula pareceres não
Trabalho recorre a procedimentos de acção urgente vinculativos sobre a ocorrência ou não de uma vio-
para intervir em casos em que se suspeita de que lação da Convenção.
alguém tenha sido detido arbitrariamente e que a sua
vida ou saúde esteja em perigo em resultado dessa 167. O Tribunal é um órgão judicial que emite
detenção. O Grupo de Trabalho formula recomen- pareceres consultivos e decide sobre os casos já
dações que apresenta directamente aos Governos em submetidos à Comissão, a pedido de um dos Esta-
causa e submete os casos confirmados à Comissão. dos em causa ou da própria Comissão, sendo estas
decisões vinculativas. Os indivíduos não podem
d. Fontes, sistemas e normas a nível regional recorrer directamente ao Tribunal.
164. O presente manual, que se destina a servir de
instrumento de formação utilizável em todo o 168. O Comité de Ministros é um órgão político
mundo, baseia-se nas normas de N.T.15 composto pelos Governos. Decide sobre os casos já
O sistema europeu
âmbito universal adoptadas pela sofreu recentemente profun- examinados pela Comissão mas não submetidos à
das alterações: já o Protocolo
Organização das Nações Unidas. n.o 9 à Convenção Europeia apreciação do Tribunal. O Comité vela pela execução
dos Direitos do Homem,
Não obstante, os formadores e entrado em vigor a 1 de das sentenças do Tribunal, adopta resoluções
Outubro de 1994, abriu aos
formandos devem conhecer requerentes individuais a pos- mediante as quais solicita aos Estados que tomem as
sibilidade de submeter o caso
também os instrumentos e meca- ao Tribunal, cumpridos que medidas necessárias a este respeito e pode suspen-
estivessem
nismos de âmbito regional exis- alguns requisitos. A entrada der ou expulsar um Estado do Conselho da Europa.
em vigor, a 1 de Novembro
tentes na Europa, nas Américas de 1998, do Protocolo n.o 11
à Convenção Europeia trans-
e em África (na Ásia não exis- formou o sistema por com-
pleto, extinguindo a
tem ainda mecanismos deste Comissão Europeia, abolindo
os poderes de decisão do
2. O SISTEMA INTERAMERICANO NO ÂMBITO
género). Comité de Ministros e admi- DA ORGANIZAÇÃO DE ESTADOS AMERICANOS
tindo expressamente a possi-
bilidade de recurso dos
particulares a um Tribunal
Europeu único e perma-
nente. O sistema de protec-
169. No continente americano, os direitos humanos
1. O SISTEMA EUROPEU ção dos direitos do Homem estão protegidos a nível regional pela Convenção
no âmbito do Conselho da
NO ÂMBITO DO CONSELHO Europa transformou-se,
assim, no primeiro sistema
Americana sobre Direitos Humanos, que entrou
DA EUROPAN.T.15 internacional de protecção em vigor em Julho de 1978. No sistema interame-
dos direitos humanos de
carácter puramente jurisdi-
cional.
ricano, a Comissão Interamericana de Direitos
N.T.16
165. O principal instrumento de Assinada por Portugal
a 22 de Setembro de 1976 e
Humanos recebe queixas por violação da Conven-
direitos humanos existente no aprovada para ratificação
pela Lei n.o 65/78, de 13 de
ção, investiga o caso e formula recomendações, de
espaço da Europa é a Convenção Outubro, publicada no Diá-
rio da República, I Série A,
carácter não vinculativo, destinadas ao Governo em
para a Protecção dos Direitos do n.o 236/78. O aviso de depó-
sito do instrumento de ratifi-
causa. As petições dirigidas contra um Estado Parte
Homem e das Liberdades Funda- cação (aviso 1/79, de 2 de
Janeiro) encontra-se publi-
na Convenção podem acabar por ser submetidas à
mentaisN.T.16 (geralmente desig- cado no Diário da
República, I Série A,
apreciação do Tribunal Interamericano de Direitos
nada por Convenção Europeia n.o 1/79. O instrumento de
ratificação foi depositado Humanos, que profere decisão vinculativa.
junto do Secretário-Geral do
dos Direitos do Homem), que Conselho da Europa a 9 de
Novembro de 1978. O Proto-
entrou em vigor em Setembro colo n.o 11 foi assinado a 11
de Maio de 1994, aprovado
de 1993. Os órgãos do sistema para ratificação pela Resolu- 3. O SISTEMA AFRICANO NO ÂMBITO
ção da Assembleia da Repú-
europeu relacionados com esta blica n.o 21/97, de 3 de Maio DA ORGANIZAÇÃO DE UNIDADE AFRICANA
e ratificado pelo Decreto do
Convenção são a Comissão Presidente da República
n.o 20/97, da mesma data.
Europeia dos Direitos do Ambos os documentos se 170. A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
encontram publicados no
Homem, o Tribunal Europeu Diário da República, I Série Povos foi adoptada pela Organização de Unidade
A, n.o 102/97. O instrumento
dos Direitos do Homem e o de ratificação foi depositado Africana em 1981, tendo entrado em vigor em
junto do Secretário-Geral
Comité de Ministros do Conselho do Conselho da Europa Outubro de 1986. Nos termos da Carta, foi criada
a 14 de Maio de 1997.
da Europa. a Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos
44
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Povos com a missão de promover e proteger os ponder às questões que se coloquem a respeito
direitos humanos em África. A Comissão inter- do mesmo sistema.
preta ainda as normas da Carta e tem competên-
cia para receber queixas de violações de direitos 172. A mensagem essencial a ser retirada do pre-
humanos apresentadas por Estados, indivíduos e sente capítulo é a seguinte: os direitos humanos
grupos. Com base em tais queixas, pode procurar não são uma questão sob a jurisdição exclusiva
uma solução amigável, empreender estudos e for- do Estado ou dos seus agentes. Pelo contrário,
mular recomendações. constituem uma preocupação legítima da comu-
nidade internacional, empenhada há mais de
e. Conclusões meio século na definição de normas, criação de
171. O presente capítulo destina-se apenas a dar mecanismos para a aplicação das mesmas e con-
uma panorâmica geral das fontes, sistemas e trolo da respectiva observância. Os funcionários
normas internacionais de direitos humanos e organismos responsáveis pela aplicação da lei
relevantes no domínio da aplicação da lei. que desempenham as suas importantes funções
Embora os formadores se devam familiarizar de forma a respeitar e proteger os direitos huma-
tanto quanto possível com as matérias abordadas, nos honram, não só a si próprios, mas também
não é aconselhável tentar transmitir toda a infor- o Governo que os emprega e a nação que servem.
mação contida neste capítulo numa só sessão. Ao Aqueles que cometem violações de direitos
invés, ele deverá ser utilizado como fonte da humanos acabarão por chamar a atenção da
informação necessária para transmitir aos par- comunidade internacional e ser por ela conde-
ticipantes, numa sessão introdutória, o conhe- nados. O desafio do verdadeiro profissional de
cimento básico do sistema internacional que polícia deverá, pois, consistir em aplicar e defen-
disciplina a respectiva actividade e, ao longo do der as normas de direitos humanos, em todas as
curso, como material de referência para res- ocasiões.
• Assembleia Geral
• Conselho Económico e Social
• Comissão dos Direitos do Homem
• Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e Protecção das Minorias
• Congressos periódicos das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e
o Tratamento dos Delinquentes
Segunda Revisão
Principais instrumentos de direito internacional relevantes no domínio da apli-
cação da lei
Terceira Revisão
Principais mecanismos internacionais de direitos humanos relevantes no
domínio da aplicação da lei
46
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*08
Conduta policial lícita
e conforme
aos princípios éticos
47
*
Segunda Parte
a. Normas internacionais sobre uma con- • o respeito da dignidade da pessoa humana;
duta policial lícita e conforme aos princípios éti- • o respeito e a protecção dos direitos humanos.
cos – Informação para as apresentações
São estes os princípios fundamentais que servem
de base a uma conduta policial ética e lícita e dos
1. INTRODUÇÃO quais derivam todas as obrigações e disposições
específicas neste domínio que passamos a enun-
173. As normas internacionais de direitos huma- ciar:
nos relevantes no domínio da aplicação da lei pro-
porcionam uma base sólida para uma actividade (b) Disposições específicas sobre
policial ética e lícita. Contudo, algumas normas uma conduta policial lícita e conforme aos
dizem particularmente respeito à ética policial, e princípios éticos
outras colocam questões de ordem ética aos orga-
nismos e funcionários responsáveis pela aplicação 178. Os princípios supra mencionados estão con-
da lei. O presente capítulo centra-se nessas normas sagrados nos artigos 2.o e 8.o do Código de Conduta
particularmente importantes. para os Funcionários Responsáveis pela Aplica-
ção da Lei. Ao adoptar este Código, na sua resolu-
174. Os direitos humanos baseiam-se na noção de ção 34/169 de 17 de Dezembro de 1979, a
respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. Assembleia Geral reconheceu as importantes tare-
Estes direitos são inalienáveis: ninguém pode ser fas que os funcionários responsáveis pela aplica-
deles privado. Além disso, os direitos humanos são ção da lei desempenham, com diligência e
protegidos pelo direito internacional e pela lei dignidade, em conformidade com os princípios
interna dos Estados. de direitos humanos, e instou a que o conteúdo e
o significado das normas do Código fossem incul-
175. A polícia, enquanto força responsável pela cados a todos os funcionários responsáveis pela apli-
aplicação da lei, tem claramente a obrigação de res- cação da lei, através da educação, da formação e do
peitar esta mesma lei, nomeadamente a legislação estabelecimento de mecanismos de controlo.
adoptada para promoção e protecção dos direitos
humanos. Ao fazê-lo, estará a respeitar o princípio 179. O Código de Conduta é composto por oito
fundamental que serve de base à própria lei – o prin- artigos, cada um dos quais seguido de um comen-
cípio do respeito pela dignidade humana. Estará tam- tário explicativo, que podem ser resumidos nos
bém a reconhecer a inalienabilidade dos direitos seguintes termos:
humanos de todas as pessoas.
O artigo 1. o exige que os funcionários responsá-
176. As bases de uma conduta policial ética e lícita veis pela aplicação da lei cumpram, a todo o
são, pois, o respeito da lei, o respeito da digni- momento, o dever que a lei lhes impõe. A
dade humana e, consequentemente, o respeito expressão “funcionários responsáveis pela apli-
dos direitos humanos. cação da lei” é definida no comentário,
incluindo todos os agentes da lei que exercem
poderes de polícia, especialmente poderes de
2. ASPECTOS GERAIS DE UMA CONDUTA POLICIAL captura ou detenção.
LÍCITA E CONFORME AOS PRINCÍPIOS ÉTICOS
O artigo 2.o exige que os funcionários responsáveis
(a) Princípios fundamentais pela aplicação da lei respeitem e protejam a dig-
nidade humana e que defendam e garantam os
177. A aplicação e a manutenção da ordem pública direitos humanos. O comentário enuncia os ins-
devem ser compatíveis com: trumentos internacionais de direitos humanos
• o respeito e o cumprimento da lei; relevantes no domínio da aplicação da lei.
48
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
O artigo 3.o restringe a utilização da força por parte tações para o cumprimento das obrigações jurídi-
dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei cas de promover e proteger os direitos humanos,
ao estritamente necessário e na medida exigida ao mesmo tempo que reafirma algumas destas
pelo cumprimento do seu dever. O comentário faz obrigações. O Código constitui a base ideal para a
referência ao princípio da proporcionalidade no uso elaboração de códigos deontológicos nacionais
da força e considera a utilização de armas de fogo destinados aos agentes policiais.
como uma medida extrema.
[i] Ética policial e utilização da força
O artigo 4.o estabelece que as informações de
natureza confidencial em poder dos funcionários 182. O presente manual compreende um capítulo
responsáveis pela aplicação da lei devem ser man- autónomo dedicado à utilização da força pela polí-
tidas em sigilo, a menos que o cumprimento do cia. Contudo, é importante referir nesta fase o
dever ou as necessidades da justiça exijam abso- princípio 1 dos Princípios Básicos sobre a Utiliza-
lutamente o contrário. ção da Força e de Armas de Fogo pelos Funcioná-
rios Responsáveis pela Aplicação da Lei, nos
O artigo 5.o consagra a proibição absoluta da tor- termos do qual “os Governos e os organismos de
tura e de outros tratamentos cruéis, desumanos ou aplicação da lei devem manter sob permanente
degradantes. Afirma ainda que nenhum funcionário avaliação as questões éticas ligadas à utilização da
responsável pela aplicação da lei poderá invocar força e de armas de fogo”.
ordens superiores ou circunstâncias excepcionais,
tais como a guerra ou a ameaça à segurança nacio- 183. A exigência de avaliação permanente das
nal, para justificar a prática da tortura. questões éticas implica a necessidade de instituir
sistemas para esse fim e tem implicações nos pro-
O artigo 6.o exige que os funcionários responsáveis gramas de formação que abordam os aspectos teó-
pela aplicação da lei assegurem a protecção da ricos e práticos da utilização da força.
saúde das pessoas à sua guarda.
[ii] Conduta policial lícita e conforme
O artigo 7.o proíbe que os funcionários responsá- aos princípios éticos – responsabilidade
veis pela aplicação da lei cometam qualquer acto de individual
corrupção.
184. A responsabilidade individual dos agentes
O artigo 8.o exige que os funcionários responsáveis policiais é abordada nos seguintes instrumentos:
pela aplicação da lei respeitem a lei e o Código de
Conduta e que evitem e se oponham vigorosa- Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou
mente a quaisquer violações dos mesmos. Impõe- Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes
-lhes ainda a obrigação de denunciar as violações – o artigo 2.o, n.o 3, estabelece que: “Nenhuma
do Código. ordem de um superior ou de uma autoridade
pública poderá ser invocada para justificar a tor-
180. As “ordens superiores” e “circunstâncias tura”. Esta norma aplica-se a qualquer funcioná-
excepcionais”, referidas no artigo 5.o do Código, bem rio público ou pessoa actuando a título oficial. De
como a obrigação de participar violações enun- qualquer forma, conforme já indicado, o Código de
ciada no artigo 8.o, são claramente importantes Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
no domínio da ética da actividade policial e serão Aplicação da Lei inclui uma norma semelhante.
analisadas em maior detalhe mais adiante, uma vez
que relevam também de outros instrumentos. Código de Conduta para os Funcionários Respon-
sáveis pela Aplicação da Lei – o artigo 5.o, que rei-
181. O Código de Conduta pode ser considerado tera a proibição da tortura, dispõe que nenhum
como um código deontológico que fornece orien- funcionário responsável pela aplicação da lei
Conceitos Fundamentais
* 49
poderá invocar ordens superiores para justificar a Princípio 19 – dispõe que, sem prejuízo do prin-
prática da tortura. cípio 3, uma ordem de um superior hierárquico ou
Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de de uma autoridade pública não poderá ser invocada
Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis como justificação para tais execuções; e estabe-
pela Aplicação da Lei – Incluem três princípios rela- lece que os superiores hierárquicos ou outros fun-
tivos à responsabilidade individual, a saber: cionários públicos poderão ser responsabilizados
pelos actos cometidos pelos agentes sob as suas
Princípio 24 – exige que os Governos e organismos ordens caso tivessem tido uma possibilidade
responsáveis pela aplicação da lei garantam que os razoável de impedir a ocorrência desses actos.
funcionários superiores são responsabilizados caso
tenham, ou devessem ter, conhecimento de que os [iii] Conduta policial lícita e conforme
funcionários sob as suas ordens utilizam ou aos princípios éticos – dever de denunciar
tenham utilizado ilicitamente a força ou armas de as violações
fogo, e não tomem as medidas ao seu alcance para
impedir, fazer cessar ou denunciar tal abuso. 185. O dever dos agentes policiais de denunciarem
as violações de direitos humanos que cheguem
Princípio 25 – exige que os Governos e organismos ao seu conhecimento está consagrado nos seguin-
responsáveis pela aplicação da lei assegurem que tes instrumentos:
não é imposta qualquer sanção penal ou discipli-
nar aos agentes policiais que, em conformidade com Código de Conduta para os Funcionários Respon-
o Código de Conduta para os Funcionários Res- sáveis pela Aplicação da Lei: conforme já ficou
ponsáveis pela Aplicação da Lei e com os Princí- dito, o artigo 8.o ocupa-se da denúncia das viola-
pios Básicos, se recusem a cumprir uma ordem para ções. Em termos concretos, isto significa que os
utilizar a força ou armas de fogo ou denunciem essa agentes policiais que tenham motivos para crer que
utilização por parte de outros funcionários. se produziu ou está prestes a produzir-se uma vio-
lação do Código de Conduta deverão dar conta
Princípio 26 – estabelece que a obediência a desse facto aos seus superiores e, se necessário, a
ordens superiores não pode ser invocada caso os outras autoridades ou instâncias de controlo ou de
agentes policiais soubessem que a ordem de uti- recurso competentes. O comentário a este artigo
lização da força ou de armas de fogo de que reconhece a necessidade de preservar a disciplina
resultaram a morte ou lesões graves era mani- interna do organismo em questão. Os funcionários
festamente ilegal e tivessem uma possibilidade responsáveis pela aplicação da lei só deverão, pois,
razoável de se recusar a cumpri-la. efectuar tais denúncias junto de outras entidades
Princípios sobre a Prevenção Eficaz e Investigação que não os seus superiores imediatos caso não
das Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias ou Sumá- exista, ou não seja eficaz, outra alternativa.
rias – Incluem dois princípios, cada um dos quais
compreende diversas disposições, que se relacio- Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de
nam com a responsabilidade individual, nos termos Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis
seguintes: pela Aplicação da Lei: a obrigação de denunciar as
violações dos Princípios não está explicitamente
Princípio 3 – impõe aos Governos a obrigação de consagrada mas, como já tivemos oportunidade de
proibir ordens de funcionários superiores ou auto- referir, o princípio 25 proíbe a imposição de san-
ridades públicas que autorizem ou incitem outras ções penais ou disciplinares aos funcionários que
pessoas a levar a cabo execuções extrajudiciais, procedam a essas denúncias.
arbitrárias ou sumárias; exige que todas as pessoas
tenham o direito e o dever de se recusar a cumprir Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas
tais ordens; e estabelece que a formação das for- as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção
ças policiais deverá destacar estas disposições. ou Prisão: Incluem um princípio, composto por
50
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
várias normas, que obriga à denúncia das violações. cação para a prática de execuções extrajudiciais,
O n.o 2 do Princípio 7 estabelece que os funcionários arbitrárias ou sumárias.
que tenham razões para acreditar que ocorreu ou
está iminente uma violação do Conjunto de Prin-
cípios, deverão comunicar esse facto aos seus 3. OBSERVAÇÕES FINAIS
superiores e, se necessário, a outras autoridades
competentes de controlo ou de recurso. 187. As demais partes relevantes dos instrumen-
tos de direitos humanos acima mencionados serão
[iv] Conduta policial lícita e conforme analisadas nos capítulos seguintes. É evidente que
aos princípios éticos – circunstâncias a observância por parte dos agentes das disposições
excepcionais e situações de emergência pública destes instrumentos garantirá uma conduta poli-
cial ética e lícita nas áreas pelos mesmos abrangidas.
186. Os seguintes instrumentos abordam as ques-
tões relativas às circunstâncias excepcionais e 188. Para além das normas do Código de Conduta
situações de emergência pública: para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei, que dizem respeito à ética policial em geral,
Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas as disposições dos outros instrumentos referidos no
contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos presente capítulo foram destacadas uma vez que
Cruéis, Desumanos ou Degradantes: o artigo 3.o tratam de questões específicas relativas à ética e
afirma que não se poderão invocar circunstâncias licitude do comportamento policial.
excepcionais tais como o estado de guerra ou
ameaça de guerra, a instabilidade política interna 189. Por exemplo, a questão da responsabilidade indi-
ou qualquer outra situação de emergência pública vidual – dos funcionários superiores que emitam
como justificação para a prática da tortura ou de ordens ilícitas e de outros funcionários que even-
outros maus tratos. tualmente recebam semelhantes ordens – é muito
importante numa instituição disciplinada e hierar-
Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou quicamente organizada. As disposições dos instru-
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes: mentos examinados no presente capítulo são bastante
o artigo 2.o, n.o 2, contém uma disposição seme- claras quanto a determinar quem incorre em res-
lhante à da Declaração. ponsabilidade individual: a pessoa que profere a ordem
ilícita e a pessoa que comete o acto ilícito, não obstante
Código de Conduta para os Funcionários Respon- este ter ou não sido ordenado por um superior.
sáveis pela Aplicação da Lei: conforme supra men-
cionado, o artigo 5.o proíbe expressamente aos 190. Quanto às disposições que exigem que a polí-
agentes policiais a invocação de circunstâncias cia denuncie as violações de direitos humanos, os
excepcionais ou situações de emergência pública instrumentos não se limitam a elevar esta obriga-
para justificar a prática da tortura ou outros maus ção de denunciar à categoria de norma interna-
tratos. cional, eles indicam também as situações em que
o agente pode e deve recorrer a instâncias exteriores
Princípios sobre a Prevenção Eficaz e Investiga- à instituição policial para o fazer.
ção das Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias ou
Sumárias: nos termos do Princípio 1, que exige 191. A terceira questão de relevância específica
que os Governos proíbam por lei quaisquer exe- que abordámos, isto é, a proibição de invocação
cuções desse tipo, as circunstâncias excepcio- de circunstâncias excepcionais ou situações de
nais, nomeadamente o estado de guerra ou a emergência para justificar uma conduta policial
ameaça de guerra, a instabilidade política interna ilícita ou anti-ética, reveste-se da maior impor-
ou qualquer outra situação de emergência tância. Sempre que se verifiquem circunstâncias
pública, não poderão ser invocadas como justifi- excepcionais, bem como durante situações de
Conceitos Fundamentais
* 51
emergência, a polícia pode ficar sujeita a consi- ciais individualmente considerados e as organi-
deráveis pressões no sentido de demonstrar efi- zações de polícia se devem esforçar por ser efica-
cácia e “conseguir resultados”. Esta pressão pode zes e, ao mesmo tempo, por respeitar a lei, a
ser imposta pelo poder político, pela opinião dignidade humana e os direitos humanos. Garan-
pública ou ter origem dentro do próprio orga- tir a eficácia da acção policial é, em parte, uma ques-
nismo responsável pela aplicação da lei. Tais tão de competência profissional e técnica; mas,
situações colocam dilemas tanto éticos como independentemente do nível de competência, esse
jurídicos a todos os agentes de polícia, consti- objectivo não poderá ser atingido sem o apoio
tuindo as normas internacionais, que são bas- activo e a cooperação efectiva do público em geral.
tante claras na matéria, um importante ponto de É mais fácil conseguir e manter tal apoio e coo-
referência tanto para estes últimos como para as peração caso a actividade policial seja desenvolvida
instituições policiais. de forma lícita e humana. Uma polícia arbitrária,
violenta e desrespeitadora da lei suscita o medo e
192. A exigência de uma conduta policial ética e o desprezo. Tal polícia não recebe, nem merece, o
lícita significa essencialmente que os agentes poli- apoio do público.
•
RECOMENDAÇÕES DESTINADAS Inscreva-se em programas de formação contínua para compreender
A TODOS OS AGENTES POLICIAIS melhor as competências que a lei lhes atribui e respectivas limitações.
52
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS tário explicativo, para distribuição por todos os
agentes policiais. O documento será também tor-
Exercício n.o 1 nado público. Redija um instrumento que preen-
cha os requisitos enunciados na presente hipótese.
Os instrutores e formadores das forças policiais,
sobretudo os que se ocupam dos novos agentes, Exercício n.o 3
deparam-se com o problema de as atitudes e os
conhecimentos adquiridos nos programas de for- O Princípio 1 dos Princípios Básicos sobre a Uti-
mação serem por vezes contrariados pelas atitudes lização da Força e de Armas de Fogo pelos Fun-
e comportamentos prevalecentes no seio da insti- cionários Responsáveis pela Aplicação da Lei exige
tuição policial. Por outras palavras, a cultura da orga- que os Governos e organismos responsáveis pela
nização pode ser hostil a algumas atitudes e aplicação da lei mantenham “sob permanente ava-
conhecimentos considerados desejáveis num liação as questões éticas ligadas à utilização da
agente de polícia. Isto é especialmente verdade no força e de armas de fogo”.
que diz respeito à formação policial em matéria de
direitos humanos. 1). Que práticas e procedimentos podem ser
adoptados a fim de manter as questões éticas liga-
O que pode ser feito para solucionar este problema das à utilização da força e de armas de fogo sob per-
por parte dos: manente avaliação?
a) Formadores e instrutores das forças policiais? 2). Analise e descreva formas de abordar as
questões éticas relacionadas com a utilização da
b) Comandantes e supervisores das forças policiais? força e de armas de fogo pela polícia no âmbito
da formação dos agentes policiais.
Elabore uma pequeno texto com os conselhos que
daria aos novos agentes colocados às suas ordens Exercício n.o 4
ou sob a sua supervisão, sobre a forma como
podem ser polícias eficazes e ao mesmo tempo res- O Princípio 7, n.o 2, do Conjunto de Princípios para
peitadores dos direitos humanos. a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer
Forma de Detenção ou Prisão estabelece:
Exercício n.o 2
Os funcionários com razões para crer que ocorreu
Imagine que foi nomeado para um comité encar- ou está iminente uma violação do presente Con-
regado de elaborar um código deontológico para a junto de Princípios devem comunicar esse facto aos
polícia do seu país. Você deverá ter em conta: seus superiores e, sendo necessário, a outras auto-
ridades ou instâncias competentes de controlo ou
a) O princípio do respeito pela dignidade inerente de recurso.
à pessoa humana;
1). Que dificuldades poderá um agente policial
b) O Código de Conduta para os Funcionários que faça uma denúncia desse tipo ter de enfren-
Responsáveis pela Aplicação da Lei, das Nações tar dentro da instituição a que pertence?
Unidas;
2). Como podem essas dificuldades ser ultra-
c) As circunstâncias do seu país, nomeadamente passadas?
quaisquer preocupações com a actual evolução da
criminalidade e com a actividade policial, e elabo- 3). Caso um agente policial tenha motivos para
rar um código deontológico composto por diversos acreditar que ocorreu uma violação do Conjunto de
artigos, cada um dos quais seguido de um comen- Princípios, terá ele o direito de, em todas as cir-
Conceitos Fundamentais
* 53
cunstâncias, levar a questão ao conhecimento de 6). O artigo 7.o do Código de Conduta para os Fun-
entidades estranhas à organização policial – por cionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
exemplo, à imprensa? proíbe que os agentes policiais cometam qualquer
acto de corrupção. Como definiria um acto de cor-
4). O que aconselharia aos novos agentes em rupção? Indique as três condições que considera
fase de formação sobre a maneira de responder mais importantes para prevenir a corrupção no
caso sejam testemunhas de maus tratos cometi- seio da polícia.
dos por colegas seus contra detidos?
7). A utilização da força por parte da polícia con-
tra uma pessoa levanta questões tanto éticas como
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO jurídicas. Que nível de força terá um agente de exer-
cer para que se coloquem tais questões? Por outras
1). Que vantagens tem a afirmação de que os direi- palavras, pode a mais pequena utilização de força
tos humanos são inalienáveis e inerentes a todas colocar questões no domínio da ética e da legali-
as pessoas e não direitos concedidos pelos Estados? dade, ou tal só acontecerá caso se verifiquem
lesões corporais?
2). Porque sentem alguns polícias existir uma
certa incompatibilidade entre a aplicação da lei e 8). Uma vez que a polícia tem a obrigação de
a protecção dos direitos humanos? cumprir as disposições da lei interna, que define
as competências das forças policiais e protege os
3). O que pode ser feito para fazer desaparecer a direitos humanos, qual a finalidade dos códigos
ideia presente em alguns polícias de que o respeito deontológicos adoptados nos diferentes países?
dos direitos humanos pode ser incompatível com
a aplicação da lei? 9). Na sua opinião, que qualidades deverá reunir
um candidato ao ingresso na polícia, tendo em
4). Que utilidade têm os códigos adoptados a conta que deverá ser capaz de agir com eficácia e
nível internacional, tais como o Código de Conduta em conformidade com os princípios éticos
para os Funcionários Responsáveis pela Aplica- enquanto agente policial?
ção da Lei, para cada agente policial e organismo
responsável pela aplicação da lei? 10). Existem algumas vantagens na elaboração de
códigos deontológicos distintos para as diferentes
5). Que procedimentos de gestão e supervisão categorias de agentes policiais, por exemplo, para os
podem ser adoptados para garantir que todos os fun- funcionários responsáveis pela investigação penal?
cionários de polícia respeitam a obrigação de confi- Em que medida seria esse código distinto das dis-
dencialidade imposta pelo artigo 4.o do Código de posições fundamentais do Código de Conduta para
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Apli- os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
cação da Lei? das Nações Unidas?
54
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*09
O papel da Polícia
numa Sociedade democrática
Princípios fundamentais •No exercício dos seus direitos e liberdades, cada pessoa está sujeita ape-
nas às limitações estabelecidas pela lei.
55
*
Segunda Parte
a. Normas internacionais sobre direitos nal contêm disposições análo- N.T.1
Assinado por Portugal a
22 de Setembro de 1976 e
humanos e actividade policial numa socie- gas: aprovado para ratificação
por Portugal pela Lei
dade democrática – Informação para as apre- n.o 65/78, de 13 de Outu-
bro, publicada no Diário da
sentações Carta Africana dos Direitos do República, I Série A,
n.o 236/ /78. O aviso de
depósito do instrumento de
Homem e dos Povos ratificação (aviso n.o 1/79,
– artigo 13.o: de 2 de Janeiro) encontra-se
publicado no Diário da
1. INTRODUÇÃO República, I Série A, n.o
1/79. O instrumento de rati-
ficação foi depositado junto
Convenção Americana sobre do Secretário-Geral do Con-
193. O termo “democracia” tem múltiplos sig- Direitos Humanos selho da Europa a 9 de
Novembro de 1978.
nificados e existem diversas formas de – artigo 23.o;
governo democrático. Como este manual se Protocolo n.o 1N.T.1 à Convenção
destina a ser utilizado no mundo inteiro, e diz Europeia dos Direitos do Homem
respeito aos direitos humanos e à aplicação da – artigo 3.o.
lei, há que interpretar esse termo em sentido
muito amplo e conforme consagrado em diver- Convém também fazer referência a estes textos,
sos instrumentos de direitos humanos. sempre que necessário.
194. Por exemplo, a maior parte dos Princípios 196. A democracia está relacionada com dois
Fundamentais acima enunciados figuram na outros ideais importantes no domínio da aplicação
Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo da lei:
artigo 21.o estabelece que toda a pessoa tem direito: • o princípio do Estado de Direito;
• de tomar parte na direcção dos negócios públi- • a promoção e protecção dos direitos humanos.
cos do seu país, quer directamente, quer por inter-
médio de representantes livremente escolhidos; De facto, estes três ideais são interdependentes, pois
• de acesso, em condições de igualdade, às funções a melhor forma de proteger os direitos humanos
públicas do seu país. consiste em garantir a existência de processos
democráticos eficazes e a manutenção do Estado
O artigo 21.o refere ainda que: de Direito; além disso, os textos de direitos huma-
• a vontade do povo é o fundamento da autoridade nos consagram direitos e liberdades que são
dos poderes públicos; essenciais tanto para os processos democráticos
• esta vontade deve exprimir-se através de eleições como para o Estado de Direito.
honestas a realizar periodicamente;
• as eleições serão realizadas por sufrágio univer- 197. Um aspecto significativo da actividade policial
sal e igual, com voto secreto ou segundo processo numa sociedade democrática que deverá ser refe-
equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. rido nestas observações iniciais é a questão do
“policiamento democrático”. Este conceito é
195. O Pacto Internacional sobre os Direitos importante, uma vez que a actividade policial é um
Civis e Políticos (artigo 25.o) consagra os mes- dos meios através dos quais se governa um
mos direitos: Estado. Como os processos e as formas de governo
• direito de tomar parte na direcção dos negócios democráticos constituem direitos humanos fun-
públicos, directa ou indirectamente; damentais, a noção de policiamento democrático
• direito de aceder, em condições gerais de igual- baseia-se nestes direitos. Um dos requisitos de
dade, às funções públicas do seu país; um policiamento democrático é a responsabili-
• direito de votar em eleições genuínas e perió- dade da polícia perante a população que serve.
dicas.
198. Os direitos essenciais numa democracia e o
NOTA PARA OS FORMADORES: Os seguintes ins- papel da polícia relativamente a esses direitos são
trumentos de direitos humanos de âmbito regio- questões de que nos ocuparemos mais adiante,
56
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
assim como o policiamento democrático e seus são claramente importantes para que as pessoas,
requisitos. individualmente ou em grupo, possam conceber
e desenvolver ideias e ideais. Isto constitui, por
outro lado, um elemento fundamental dos pro-
2. ASPECTOS GERAIS DA ACTIVIDADE POLICIAL cessos políticos democráticos.
NUMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA
[ii] Direito à liberdade de opinião
(a) Princípios fundamentais e de expressão
199. Os princípios democráticos fundamentais 203. Este direito é protegido pela Declaração Uni-
enunciados nos textos de direitos humanos são versal dos Direitos do Homem (artigo 19.o), Pacto
os seguintes: Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
• participação directa e por intermédio de represen- (artigo 19.o), Carta Africana dos Direitos do Homem
tantes na direcção dos negócios públicos (de onde e dos Povos (artigo 9.o), Convenção Americana
decorre o direito de todas as pessoas de participar, sobre Direitos Humanos (artigo 13.o) e Convenção
directa ou indirectamente, no governo do seu país); Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10.o).
• igualdade de acesso à função pública;
• sufrágio universal e igual com base em eleições 204. A liberdade de opinião é indispensável aos pro-
livres e periódicas; cessos políticos, da mesma forma que a liberdade
• respeito das liberdades fundamentais. de consciência. A possibilidade de comunicar pen-
samentos e opiniões é mais um dos elementos
As normas específicas dos instrumentos de direi- necessários ao exercício da democracia.
tos humanos foram concebidas para tornar efecti-
vos os princípios acima enunciados e serão [iii] Direitos à liberdade de reunião
analisadas em seguida. e de associação pacíficas
(b) Disposições específicas sobre 205. Estes direitos são protegidos pela Declaração
a actividade policial numa sociedade Universal dos Direitos do Homem (artigo 20.o),
democrática Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polí-
ticos (artigos 21.o e 22.o), Carta Africana dos Direi-
200. Os direitos essenciais aos processos políticos tos do Homem e dos Povos (artigos 10.o e 11.o),
democráticos e aos princípios acima enumerados Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(que se encontram, eles próprios, consagrados em ins- (artigos 15.o e 16.o) e Convenção Europeia dos
trumentos de direitos humanos) são os seguintes: Direitos do Homem (artigo 11.o).
[i] Direito à liberdade de pensamento, 206. As actividades políticas só podem ser desen-
consciência e religião volvidas em associação com outras pessoas e a par-
tir do momento em que existam instâncias para a
201. Este direito é protegido pela Declaração Uni- comunicação de ideias, propostas e estratégias. Por
versal dos Direitos do Homem (artigo 18.o), Pacto estes motivos, os direitos à liberdade de reunião e
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de associação pacíficas são tão importantes quanto
(artigo 18.o), Carta Africana dos Direitos do os direitos referidos nas rubricas precedentes.
Homem e dos Povos (artigo 8.o), Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos (artigo 12.o) e Con- NOTA PARA OS FORMADORES: 1. A liberdade de reu-
venção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 9.o). nião pacífica é referida no princípio 12 dos Prin-
cípios Básicos sobre a Utilização da Força e de
202. A liberdade de consciência, bem como a Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis
liberdade de ter e de manifestar as suas convicções pela Aplicação da Lei. Esse princípio, bem como
Conceitos Fundamentais
* 57
os dois que se lhe seguem, relativos à utilização da • manter a imparcialidade e não discriminar entre
força em caso de reuniões ilegais e em caso de reu- as pessoas e os grupos que pretendem exercer tais
niões violentas, respectivamente, aparecem repro- direitos.
duzidos no capítulo XV, secção A.2 (e), infra, que
se ocupa dos distúrbios internos. 209. De uma forma mais geral, a polícia deverá man-
ter a ordem social (paz e tranquilidade sociais) para
2. Na introdução ao presente capítulo, foram que os processos políticos possam ser conduzidos
identificados os três ideais interdependentes da em conformidade com a Constituição e com a lei e
democracia, Estado de Direito e protecção dos de forma a que os direitos políticos indispensáveis
direitos humanos. Após examinarmos os direitos a esses processos possam ser exercidos. De facto, o
essenciais à democracia, cabe agora referir os artigo 28.o da Declaração Universal proclama:
direitos essenciais ao Estado de Direito. Deles são
exemplos o direito à presunção da inocência e o Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano
direito a um julgamento equitativo em caso de social e no plano internacional, uma ordem capaz
dedução contra a pessoa de qualquer acusação em de tornar plenamente efectivos os direitos e as
matéria penal. Estes direitos são protegidos pela liberdades enunciados na presente Declaração.
Declaração Universal dos Direitos do Homem
(artigos 10.o e 11.o), Pacto Internacional sobre A manutenção da ordem social é uma das princi-
os Direitos Civis e Políticos (artigo 14.o), Carta pais funções da polícia.
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
(artigo 7.o), Convenção Americana sobre Direitos (d) Disposições específicas sobre actividade policial
Humanos (artigo 8.o) e Convenção Europeia dos e eleições democráticas
Direitos do Homem (artigo 6.o). Outros exemplos
podem ser encontrados e, na verdade, pode enten- 210. A polícia e as forças de segurança desempe-
der-se que todos os chamados “direitos civis” nham um duplo papel nos processos eleitorais.
reforçam o Estado de Direito. A eficaz administração da justiça em período
eleitoral exige um equilíbrio entre, por um lado,
(c) Os direitos políticos e o papel da polícia a necessidade de segurança e manutenção da
ordem durante o período eleitoral e, por outro, a
207. Os direitos políticos acima enunciados, con- necessidade de não atentar contra os direitos dos
sagrados em normas internacionais juridicamente cidadãos e de garantir um ambiente livre de inti-
vinculativas para os Estados Partes nos diversos tra- midação. O Código de Conduta para os Funcio-
tados, têm implicações na actividade e prática poli- nários Responsáveis pela Aplicação da Lei impõe
ciais. Para que possam ser exercidos, é necessário a todos os agentes da ordem a obrigação de servir
que a polícia adopte uma série de medidas, infra a comunidade. Esta noção exige necessariamente
indicadas na secção B.1: “Medidas práticas para a que as forças de segurança se esforcem por garan-
aplicação das normas internacionais”. Porém, é tir que todos os cidadãos participem em eleições
conveniente considerar nesta fase o importante que sejam regulares no plano administrativo e
papel desempenhado pela polícia no que diz res- tenham lugar ao abrigo de qualquer intervenção sus-
peito aos direitos políticos. ceptível de colocar entraves à livre expressão da von-
tade popular.
208. Em muitos aspectos, a polícia pode ser con-
siderada como uma promotora dos direitos polí- 211. O Código de Conduta estabelece também que
ticos, permitindo que estes sejam exercidos pelos “os funcionários responsáveis pela aplicação da
indivíduos. Isto significa: lei devem respeitar e proteger a dignidade
• assegurar um justo equilíbrio entre a ordem humana, manter e apoiar os direitos fundamentais
pública e o exercício de tais direitos pelas pessoas de todas as pessoas” (artigo 2.o), o que abrange, não
e grupos de pessoas; só o direito de participar em eleições, mas todos
58
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
os direitos humanos. As instituições policiais que para inspirar a confiança dos votantes na neu-
não respeitam os direitos humanos fundamentais tralidade, regularidade e segurança do processo.
arriscam-se a criar uma atmosfera de intimidação Os agentes da CIVPOL devem, como é evidente,
inibidora do eleitorado e, assim, subverter a vera- comportar-se de forma absolutamente objectiva
cidade da eleição. e, tal como os seus colegas da polícia nacional,
demonstrar o mais alto grau de disciplina e pro-
212. Para além disso, em conformidade com o fissionalismo.
Código de Conduta, os funcionários responsáveis
pela aplicação da lei devem “opor-se rigorosa- 215. Tanto os funcionários nacionais de polícia
mente e combater” qualquer acto de corrupção como os agentes da CIVPOL têm por missão con-
(artigo 7.o). Assim, eles estão claramente obrigados tribuir para uma verdadeira e manifesta atmosfera
a impedir quaisquer tentativas de fraude eleitoral, de ordem e segurança, comportando-se com objec-
falsificação de identidade, suborno, intimidação e tividade e defendendo os direitos das partes, dos
todos os outros actos que possam afectar a vera- candidatos, dos votantes e do público em geral,
cidade dos resultados eleitorais. O Código estabe- durante os períodos eleitorais.
lece ainda que os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei “não devem cometer qualquer acto (e) Disposições específicas sobre
de corrupção” (artigo 7.o). Esta obrigação reveste- uma actividade policial democrática
-se da maior importância, dada a tendência de
associar a polícia e as forças de segurança com uma 216. Na sua resolução 34/169, de 17 de Dezembro
ou outra das partes nos processos eleitorais em cer- de 1979, pela qual adoptou o Código de Conduta para
tos países. Por último, e com o objectivo de asse- os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da
gurar a imparcialidade das forças de segurança, o Lei, a Assembleia Geral declarou que como qualquer
papel da polícia na manutenção da ordem em órgão do sistema de justiça penal, todos os órgãos
período eleitoral subordina-se frequentemente ao de aplicação da lei devem ser representativos da
dos supervisores eleitorais. comunidade no seu conjunto, responder às suas
necessidades e ser responsáveis perante ela […]
213. No caso dos serviços nacionais de polícia, os
agentes presentes nos locais de recenseamento Uma polícia representativa, receptiva às necessi-
ou de voto devem agir de forma discreta, profis- dades da comunidade e responsável perante ela, por
sional e disciplinada. Em geral, isto exige que, em outras palavras, uma actividade policial democrá-
cada local, sejam colocados funcionários de polí- tica, é fundamental numa democracia.
cia e segurança no número mínimo necessário
para assegurar a segurança do espaço em causa. [i] Polícia representativa
Este “número mínimo necessário” é geralmente
determinado em conjunto com os supervisores 217. Isto significa que a polícia deve assegurar-se
eleitorais. Em caso algum a polícia deverá estar posi- de que os seus agentes são suficientemente repre-
cionada de forma a impedir o legítimo acesso ao sentativos da comunidade que servem. Os grupos
local de voto, intimidar os eleitores ou desencora- minoritários devem estar adequadamente repre-
jar a sua participação. sentados dentro das instituições policiais,
mediante políticas de recrutamento justas e não dis-
214. Em geral, solicita-se aos contingentes de criminatórias e de medidas destinadas a permitir
polícia civil (CIVPOL) das operações de manu- que os membros de tais grupos desenvolvam a
tenção da paz que adoptem uma postura um sua carreira no seio dos organismos em causa.
pouco diferente. O seu mandato compreende
alguns elementos de reforço da confiança e a 218. Além disso, a polícia deve ter em conta a
própria visibilidade desses funcionários nos composição do pessoal ao seu serviço em termos
locais de recenseamento e de voto pode contribuir qualitativos, bem como quantitativos. Isto significa
Conceitos Fundamentais
* 59
garantir, não só que os efectivos policiais existem [iii] Polícia responsável
em número suficiente e são devidamente repre-
sentativos da população, mas também que os 221. Este objectivo pode ser alcançado de três prin-
agentes têm a vontade e a capacidade de exercer a cipais formas:
sua missão no quadro de um sistema político • legalmente – tal como todos os indivíduos e ins-
democrático. tituições nos países onde vigora o princípio do
Estado de Direito, os polícias são responsáveis
[ii] Polícia receptiva às necessidades perante a lei;
da comunidade • politicamente – a polícia é responsável perante a
população que serve, através das instituições políticas
219. Para este fim, a polícia deve conhecer as democráticas do Estado. Desta forma, as suas políti-
necessidades e expectativas do público e saber cas e práticas no domínio da aplicação da lei e manu-
como lhes dar resposta. É evidente que a popula- tenção da ordem ficam sujeitas ao controlo público;
ção necessita e espera que a polícia: • economicamente – a polícia é responsável pela
• previna as infracções e, caso elas sejam cometi- forma como utiliza os recursos que lhe são atri-
das, descubra os seus autores; buídos. Este aspecto vai além do controlo das suas
• mantenha a ordem pública. principais funções no domínio da aplicação da lei,
constituindo uma forma suplementar de controlo
Estas são, porém, necessidades e expectativas democrático sobre todos os escalões de comando, ges-
muito genéricas. A polícia deverá também ter em tão e administração de uma instituição policial.
consideração:
• a forma como a população deseja que esses 222. É também possível encontrar métodos de
objectivos sejam alcançados (por exemplo, de controlo mais informais a nível local, por exemplo
maneira lícita e humana); mediante a criação de grupos de ligação entre a polí-
• as necessidades e expectativas específicas de cada cia e os cidadãos. Por outro lado, esta forma de con-
população num dado momento e em determinado trolo pode funcionar como um meio capaz de
lugar. permitir à polícia conhecer e dar resposta à neces-
sidades locais imediatas.
Compete aos comandantes das forças policiais
compreender as necessidades e expectativas da
comunidade que servem, fazer a sua própria ava- 3. OBSERVAÇÕES FINAIS
liação profissional e ter ambos os factores em
conta na definição das políticas e estratégias de 223. A análise da actividade policial numa sociedade
actuação policial. democrática destaca os aspectos políticos desta
actividade. Esta pode ser uma área sensível e difí-
220. Um outro aspecto da actividade policial cil, pelas seguintes razões:
receptiva às necessidades da comunidade – que se
relaciona com a noção de actividade policial res- a) algumas circunstâncias dos países em processo
ponsável – é a necessidade de que os actos dos agen- de transição para formas de governo democráticas
tes da polícia fiquem sujeitos ao escrutínio colocam dificuldades especiais à polícia. Nestas
público. No parágrafo d) do preâmbulo da resolu- situações, a polícia tem de estar particularmente
ção 34/169 da Assembleia Geral sugerem-se algu- consciente da necessidade de permanecer impar-
mas formas de garantir o exercício deste tipo de cial e de adoptar uma atitude não discriminatória;
controlo. Entre elas, incluem-se o controlo por
parte de uma comissão de avaliação, ministério, b) em países com uma longa tradição democrá-
órgão especializado, poder judicial, provedor, tica, existe a tendência para ignorar e minimizar
comité de cidadãos, ou qualquer combinação de os aspectos políticos da actividade policial, ten-
todos estes métodos. dência essa que resulta, em parte, da preocupação
60
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
da própria polícia de se manter independente e imparcial. Para que isto seja conseguido, todos os
imparcial. Isto pode levar a alguma ingenuidade agentes da polícia devem ter consciência de que
na abordagem de situações altamente politizadas. não estão ao serviço de qualquer Governo ou
regime em particular.
Contudo, em sentido bastante amplo, a activi-
dade policial é por vezes uma actividade vinca- 224. O fundamento de toda a actividade policial
damente política. Há que garantir que a acção das reside na Constituição e na lei. A polícia está ao ser-
forças policiais se mantém independente e viço do Estado de Direito e dos fins da justiça.
Conceitos Fundamentais
* 61
}
Objectivos do capítulo • Recomendações destinadas a todos os funcionários com responsabilida-
des de comando e supervisão
Uma das mais importantes obrigações da polícia Para fins de debate, imagine que é membro de um
numa sociedade democrática consiste em perma- grupo de trabalho encarregado da elaboração de um
necer politicamente imparcial e independente. conjunto de directrizes destinadas aos agentes
policiais sobre a forma de se manterem politica-
Tendo presente esta exigência, deverão os agentes mente imparciais. As directrizes serão utilizadas
policiais ser autorizados a: na formação dos novos agentes e para recordar
aos agentes em serviço as suas obrigações a tal res-
a) votar? peito. Estas directrizes deverão consistir numa
b) pertencer a partidos políticos? série de conselhos práticos destinados a orientar
c) pertencer a associações sindicais? a acção dos agentes no desempenho das suas fun-
62
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
ções, assim como no âmbito das suas vidas priva- 1). De que formas pode um organismo respon-
das. Qual deverá ser o conteúdo dessas directrizes? sável pela aplicação da lei responder às necessidades
da comunidade e ser responsável perante ela?
Exercício n.o 2
2). Responder às necessidades da comunidade sig-
Na resolução 34/169 da Assembleia Geral, pela qual nifica conhecer essas necessidades e encontrar
foi adoptado o Código de Conduta para os Funcioná- uma forma de as satisfazer. De que formas pode
rios Responsáveis pela Aplicação da Lei, declara-se: um organismo responsável pela aplicação da lei
tomar conhecimento das necessidades da comu-
[…] como qualquer órgão do sistema de justiça nidade?
penal, todos os órgãos de aplicação da lei devem
ser representativos da comunidade no seu con- 3). Os funcionários superiores de polícia são res-
junto, responder às suas necessidades e ser res- ponsáveis pelo comando e pela gestão das insti-
ponsáveis perante ela, tuições policiais. São também responsáveis pelo
comando estratégico das actividades operacionais.
1). De que formas pode um organismo respon- De que forma podem as exigências de responder
sável pela aplicação da lei ser representativo da às necessidades da comunidade e ser responsável
comunidade no seu conjunto? perante ela afectar tais responsabilidades?
2). Uma forma de assegurar que o organismo é
representativo da comunidade no seu conjunto Exercício n.o 4
consiste em recrutar para os seus quadros um
número proporcional e representativo dos mem- Tendo em conta as obrigações da polícia de:
bros dos grupos minoritários existentes no seio da
sociedade. Tendo presente esta consideração: • assegurar um policiamento eficaz;
• respeitar e proteger os direitos humanos;
a) identifique um grupo minoritário presente • permanecer representativa da comunidade no
na sua comunidade que não esteja devidamente seu conjunto, responder às suas necessidades e ser
representado dentro do seu organismo; responsável perante ela:
[…] como qualquer órgão do sistema de justiça 1). Considere as diferenças entre a actividade
penal, todos os órgãos de aplicação da lei devem policial no seio de uma sociedade democrática e a
ser representativos da comunidade no seu con- actividade policial no seio de uma sociedade não
junto, responder às suas necessidades e ser res- democrática. Indique as cinco diferenças que con-
ponsáveis perante ela, sidere mais significativas.
Conceitos Fundamentais
* 63
2). O artigo 21.o da Declaração Universal dos 7). Pense em formas de a polícia proteger o
Direitos do Homem consagra o direito de todas as direito à liberdade de reunião e de associação no
pessoas de participarem na direcção dos negócios seio de uma sociedade. Indique as cinco formas que
públicos do seu país, quer directamente quer atra- considere mais importantes.
vés de representantes livremente escolhidos. De que
formas pode este direito político reforçar a protecção 8). De que forma pode a polícia desempenhar o
de outros direitos civis e políticos? seu papel da melhor maneira durante os períodos
eleitorais, de maneira independente e imparcial e
3). O que entende pela expressão “Estado de por forma a manter a ordem, a segurança e a paz
Direito”? Por que razão é importante que todas as durante o escrutínio? Deverá a polícia apoiar
pessoas e instituições do Estado se subordinem ao publicamente as campanhas eleitorais dos candi-
princípio do Estado de Direito? datos que defendem políticas firmes em matéria
de lei e de ordem?
4). Quando o princípio do Estado de Direito pre-
valece num país, de que forma isso promove e 9). Pense no sistema em vigor no seu país para
protege os direitos humanos? responsabilizar a polícia perante a comunidade
que serve através de instituições políticas demo-
5). Pense em formas de a polícia proteger o cráticas. É satisfatório? Em caso negativo, que defi-
direito à liberdade de pensamento, consciência e ciências tem? Como poderá ser aperfeiçoado?
religião no seio de uma sociedade. Indique as
cinco formas que considere mais importantes. 10). Embora seja fundamental que a polícia res-
ponda perante a comunidade através de instituições
6). Pense em formas de a polícia proteger o políticas democráticas, é também essencial que os
direito à liberdade de opinião e de expressão no seio políticos não interfiram nas operações quotidianas
de uma sociedade. Indique as cinco formas que con- da polícia. Porque é indispensável que a polícia man-
sidere mais importantes. tenha esta forma de independência operacional?
64
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*10
Polícia
e não discriminação
Objectivos do capítulo • Familiarizar a polícia com as exigências legais de uma conduta não dis-
criminatória e sensibilizá-la para os efeitos nefastos das atitudes discrimi-
natórias.
}
}
Princípios fundamentais • Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direi-
tos.
• Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discrimina-
ção, à igual protecção da lei.
65
*
Segunda Parte
a. Normas internacionais sobre policiais compreendam e respeitem o princípio
não discriminação – Informação fundamental da não discriminação. É também
para as apresentações importante que os polícias compreendam as dis-
posições dos textos internacionais de direitos
humanos, bem como da legislação nacional, que
1. INTRODUÇÃO procuram tornar efectivo esse princípio.
225. Na Carta das Nações Unidas, os Estados Mem- 229. O presente capítulo analisa as normas inter-
bros reafirmam a sua fé nos direitos humanos fun- nacionais relativas à não discriminação, fazendo
damentais, na dignidade e no valor da pessoa particular referência às mais significativas no
humana e na igualdade de direitos entre homens e âmbito do processo de aplicação da lei e manu-
mulheres. Comprometeram-se também a promover tenção da ordem.
e estimular o respeito pelos direitos humanos e
pelas liberdades fundamentais para todos, sem dis-
tinção quanto à raça, sexo, língua ou religião. 2. ASPECTOS GERAIS DA NÃO DISCRIMINAÇÃO
66
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Encontra-se expresso em termos praticamente [iii] Direito a um julgamento equitativo
idênticos no Pacto Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos (artigo 16.o) e na Convenção Ame- 238. Este direito é protegido pelo artigo 10.o da
ricana sobre Direitos Humanos (artigo 3.o). Declaração Universal dos Direitos do Homem,
O artigo 5.o da Carta Africana dos Direitos do que estabelece:
Homem e dos Povos garante o direito ao reco-
nhecimento da personalidade jurídica. Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a
sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um
234. Este direito aplica-se a “todos os indivíduos”, tribunal independente e imparcial que decida dos seus
sendo o reconhecimento da personalidade jurí- direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusa-
dica fundamental num sistema que protege os ção em matéria penal que contra ela seja deduzida.
direitos humanos através da lei. A negação deste
direito pode conduzir à negação de outros direitos. 239. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis
Exige-se, pois, que a personalidade jurídica seja ple- e Políticos (artigo 14.o), a Carta Africana dos Direi-
namente reconhecida a todos os cidadãos de um tos do Homem e dos Povos (artigo 7.o), a Conven-
Estado, em condições de igualdade. ção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 8.o)
e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem
[ii] Direito à igualdade perante a lei (artigo 6.o) garantem o direito a um julgamento
equitativo. Acrescentam também alguns requisitos
235. Este direito é protegido pelo artigo 7.o da destinados a garantir essa finalidade. Muito impor-
Declaração Universal dos Direitos do Homem, tante, neste contexto, é o facto de estabelecerem
segundo o qual: que este direito se aplica a “todas as pessoas”, ou a
“toda a pessoa” ou a “qualquer pessoa” ou a “todos”.
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm
direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a pro- 240. Embora tais disposições imponham obrigações
tecção igual contra qualquer discriminação que viole a aos tribunais e sistemas jurídicos em geral, é
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal importante lembrar que uma conduta contrária à
discriminação. ética, ilegal ou discriminatória da parte da polícia
pode comprometer o direito a um julgamento
236. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis equitativo. Para que o processo seja justo, é neces-
e Políticos contém disposições similares e exige que sário que os tribunais possam analisar provas
a lei proíba a discriminação por motivos de, nomea- autênticas e imparciais, obtidas por meios lícitos
damente, raça, cor, sexo, língua e religião (artigo 26.o); e conformes aos princípios éticos. Esta é uma das
a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos condições necessárias para garantir o direito de
Povos estabelece que todas as pessoas beneficiam de todas as pessoas a um processo equitativo.
uma total igualdade perante a lei e têm direito a uma
igual protecção da lei (artigo 3.o); e a Convenção [iv] Direito de acesso à função pública em condições
Americana sobre Direitos Humanos dispõe no de igualdade
mesmo sentido, acrescentando no entanto que esse
direito deverá ser reconhecido a todas as pessoas 241. Este direito relaciona-se com o direito de toda
“sem discriminação” (artigo 24.o). a pessoa a tomar parte na direcção dos negócios
públicos do seu país e com o direito de voto em
237. Estes requisitos são muito significativos em eleições livres e genuínas. Está consagrado no
termos de policiamento, uma vez que determi- artigo 21.o, n.o 2, da Declaração Universal dos
nam que, na aplicação da lei, a polícia deve conceder Direitos do Homem, que dispõe:
uma protecção igual a todos. Não deverá assim
haver qualquer discriminação de natureza adversa Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de
aquando da aplicação da lei. igualdade, às funções públicas do seu país.
Conceitos Fundamentais
* 67
242. O artigo 25.o, alínea c), do Pacto Internacio- 247. Dada a gravidade dos actos que infringem essa
nal sobre os Direitos Civis e Políticos estabelece que legislação, as suas consequências negativas sobre os
todos os cidadãos têm direito de aceder “em con- direitos humanos e o risco de a incitação à discrimi-
dições gerais de igualdade” à função pública do seu nação, à hostilidade ou à violência poder conduzir a
país. Este direito é igualmente reconhecido na graves situações de distúrbio civil, a resposta da polí-
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos cia a essas infracções deverá ser rápida e eficaz.
Povos (artigo 13.o) e na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (artigo 23.o). Todos estes [vi] Derrogação das obrigações durante
artigos consagram o direito de participar nos os estados de emergência
negócios públicos ou no governo do país, bem
como o direito a eleições livres e honestas. Estes 248. O artigo 4.o do Pacto Internacional sobre os
direitos deverão ser garantidos sem discriminação Direitos Civis e Políticos permite aos Estados toma-
a “todos os cidadãos”. rem medidas que derroguem algumas das obriga-
ções assumidas em virtude do Pacto em situações
243. A actividade policial é uma função pública de emergência pública que ameacem a existência
importante. Todos os cidadãos devidamente qualifi- da nação. Estes estados de emergência devem ser
cados, e que o desejem fazer, deverão ter a oportu- oficialmente declarados e as medidas derrogató-
nidade de aceder a essa função e de nela participar. rias adoptadas dever-se-ão limitar às estritamente
O ingresso nas corporações de polícia de um país exigidas pela situação. Além do mais, tais medidas:
deverá depender exclusivamente das qualificações, • não deverão ser incompatíveis com outras obriga-
aptidões para o desempenho da função e compe- ções impostas ao Estado pelo direito internacional;
tência dos candidatos. Ninguém deverá ser excluído • não deverão envolver uma discriminação fun-
com base apenas na respectiva raça, cor ou sexo. dada unicamente na raça, na cor, no sexo, na lín-
gua, na religião ou na origem social.
[v] Incitamento à discriminação
Alguns artigos não podem ser objecto de derro-
244. O artigo 20.o, n.o 2, do Pacto Internacional gação, nomeadamente os que protegem o direito
sobre os Direitos Civis e Políticos estabelece: à vida e a proibição da tortura e dos maus tratos.
Todo o apelo ao ódio nacional, racial e religioso que cons- 249. Disposições semelhantes figuram no artigo 27.o
titua uma incitação à discriminação, à hostilidade ou à da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
violência deve ser interditado pela lei. (As normas derrogatórias constantes do artigo 15.o
da Convenção Europeia dos Direitos do Homem não
Esta obrigação dos Estados Partes no Pacto signi- fazem qualquer referência específica à questão da
fica que lhes incumbe adoptar e reforçar legislação discriminação).
que proíba o incitamento à discriminação nos ter-
mos enunciados nesse artigo. 250. A exigência de que as medidas de derrogação não
sejam discriminatórias reveste-se de considerável
245. Conforme acima indicado, o artigo 7.o da importância. As situações de emergência pública são
Declaração Universal dos Direitos Humanos con- muitas vezes declaradas em períodos de tensão e desor-
sagra o direito a igual protecção contra qualquer dem civil. Nessas circunstâncias, um Governo pode,
discriminação que viole a Declaração e contra por exemplo, considerar necessário reforçar os pode-
qualquer incitamento a tal discriminação. res da polícia em matéria de captura, assim derrogando
as normas dos tratados que protegem o direito à liber-
246. As normas da Declaração Universal têm claras dade e segurança da pessoa. Caso sejam adoptadas
implicações no domínio da aplicação da lei, pois quando medidas nesse sentido, é fundamental que os pode-
os Estados adoptam legislação em conformidade com res suplementares atribuídos à polícia sejam exerci-
essas normas, incumbe à polícia aplicá-las. dos rigorosamente dentro dos limites impostos por lei
68
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
e sem discriminação. O exercício ilegal ou discrimina- assistência e socorros médicos às pessoas feridas
tório das competências policiais em períodos de ten- ou afectadas, tão rapidamente quanto possível. Isto
são e desordem civil pode contribuir significativamente significa que existe uma obrigação geral de res-
para o exacerbar dessa mesma tensão e desordem. peitar a vida humana – toda a vida humana – e de
garantir a prestação de assistência médica.
251. A questão das medidas derrogatórias será
analisada em maior detalhe no capítulo XV sobre NOTA PARA OS FORMADORES: Este instrumento
Distúrbios Internos, Estados de Excepção e Con- será analisado em maior detalhe no capítulo XIV,
flitos Armados. sobre Utilização da Força e de Armas de Fogo.
[i] Código de Conduta para os Funcionários Res- 257. O Princípio 1 impõe que todas as pessoas
ponsáveis pela Aplicação da Lei sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão
sejam tratadas de forma humana e com respeito
252. Os artigos 1.o, 2.o e 8.o do Código relacionam- pela dignidade inerente à pessoa humana.
-se com a questão da discriminação.
258. O Princípio 5, n.o 1, exige que o Conjunto de
253. O artigo 1.o estabelece que os funcionários res- Princípios se aplique a todas as pessoas que se encon-
ponsáveis pela aplicação da lei devem servir a comu- trem no território de um determinado Estado, sem
nidade e proteger todas as pessoas contra actos ilegais. distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo,
O artigo 2.o exige-lhes que protejam a dignidade humana língua, religião ou convicção religiosa, opinião polí-
e que mantenham e defendam os direitos fundamentais tica ou outra, origem nacional, étnica ou social, for-
de todas as pessoas. O artigo 8.o estabelece que os fun- tuna, nascimento ou qualquer outra situação. Contudo,
cionários responsáveis pela aplicação da lei devem res- o n.o 2 acrescenta uma importante condição:
peitar a lei e o próprio Código de Conduta. As medidas aplicadas ao abrigo da lei e exclusiva-
mente destinadas a proteger os direitos e a condição
254. A referência a “todas as pessoas” constante dos especial das mulheres, especialmente das mulhe-
artigos 1.o e 2.o exclui claramente qualquer hipótese res grávidas e mães de crianças de tenra idade, das
de discriminação, enquanto que as normas do artigo crianças e dos adolescentes, dos idosos, dos doen-
8.o significam que quaisquer disposições legais que tes ou das pessoas deficientes não serão conside-
proíbam a discriminação, bem como as disposições radas medidas discriminatórias. A necessidade de
do próprio Código de Conduta, devem ser respeitadas. tais medidas, bem como a sua aplicação, serão
sempre ser objecto de reapreciação por parte de uma
[ii] Princípios Básicos sobre a Utilização autoridade judiciária ou outra autoridade.
da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei NOTA PARA OS FORMADORES: Este instrumento
será analisado em maior detalhe no capítulo XIII,
255. O princípio 5 deste instrumento refere-se a sobre Detenção.
situações em que é inevitável a utilização da força
e de armas de fogo por parte da polícia. [iv] Declaração dos Princípios Básicos
de Justiça Relativos às Vítimas
256. Nos termos do princípio 5 b), a polícia deverá da Criminalidade e de Abuso de Poder
esforçar-se por reduzir ao mínimo os danos e lesões
e respeitar e preservar a vida humana. O princípio 259. Conforme declarado pela Assembleia Geral na
5 c) exige que a polícia assegure a prestação de sua resolução 40/34, de 29 de Novembro de 1985
Conceitos Fundamentais
* 69
(terceiro parágrafo preambular), pela qual adoptou (d) Discriminação racial
esta Declaração:
263. Existem dois instrumentos que se ocupam
[…] as vítimas da criminalidade e as vítimas de abuso especificamente da discriminação racial.
de poder e, frequentemente, também as respectivas
famílias, testemunhas e outras pessoas que acorrem [i] Declaração das Nações Unidas sobre
em seu auxílio sofrem injustamente perdas, danos ou a Eliminação de Todas as Formas
prejuízos e […] podem, além disso, ser submetidas a pro- de Discriminação Racial
vações suplementares quando colaboram na persegui-
ção dos delinquentes. 264. O artigo 1.o proclama que a discriminação entre
seres humanos com base na raça, cor ou origem étnica
260. O parágrafo 3.o da Declaração exige que as constitui um atentado à dignidade humana e deverá
disposições do instrumento se apliquem a todas as ser condenada enquanto negação dos princípios da
pessoas, sem distinção de qualquer espécie. Acres- Carta das Nações Unidas, violação dos direitos humanos
centa aos fundamentos habituais (nomeadamente e liberdades fundamentais consagrados na Declaração
a raça, a cor e o sexo), as “crenças ou práticas cul- Universal dos Direitos do Homem, obstáculo às rela-
turais” e a “capacidade física”. ções amistosas e pacíficas entre as nações e facto sus-
ceptível de perturbar a paz e segurança entre os povos.
NOTA PARA OS FORMADORES: Este instrumento
será analisado em maior detalhe no capítulo XIX, 265. O artigo 2.o, n.o 2, exige que nenhum Estado
sobre Protecção e Indemnização das Vítimas. estimule, defenda ou apoie, mediante a actuação da
polícia ou de qualquer outra forma, qualquer dis-
[v] Declaração sobre a Protecção de Todas criminação baseada na raça, cor ou origem étnica pra-
as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas ticada por qualquer grupo, instituição ou indivíduo.
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes
e 266. O artigo 7.o determina que toda a pessoa tem
Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou direito à igualdade perante a lei e a igual justiça nos
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes termos da lei, direito à segurança pessoal e à pro-
tecção do Estado contra qualquer violência ou
261. Ambos os instrumentos contêm parágrafos atentado à sua integridade física e direito a um
introdutórios (no preâmbulo da resolução da Assem- recurso e protecção efectivos contra qualquer dis-
bleia Geral que adopta a Declaração e no texto da pró- criminação de que possa ser vítima com base na
pria Convenção) onde se declara que, em conformidade raça, cor ou origem étnica.
com os princípios enunciados na Carta das Nações
Unidas, o reconhecimento dos direitos iguais e ina- 267. Nos termos do artigo 9.o, n.o 2, todos os actos
lienáveis de todas as pessoas constitui o fundamento de violência contra qualquer raça ou grupo de pes-
da liberdade, da justiça e da paz no Mundo. soas de outra cor ou origem étnica, bem como
qualquer incitamento à prática de tais actos,
262. Além do mais, ambos os instrumentos com- devem ser punidos por lei.
preendem disposições (artigo 8.o da Declaração e
artigo 13.o da Convenção) que garantem a qual- [ii] Convenção Internacional sobre a Eliminação
quer indivíduo que alegue ter sido submetido a tor- de Todas as Formas de Discriminação Racial
tura o direito de apresentar queixa junto das
autoridades competentes do Estado em causa. 268. A discriminação racial é definida pelo artigo 1.o
nos seguintes termos:
NOTA PARA OS FORMADORES: Ambos os instru-
mentos serão analisados em maior detalhe no […] qualquer distinção, exclusão, restrição ou prefe-
capítulo XIII, sobre Detenção. rência fundada na raça, cor, ascendência na origem
70
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
nacional ou étnica que tenha como objectivo ou como Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
efeito destruir ou comprometer o reconhecimento, o gozo (artigo 8.o), pela Convenção Americana sobre Direi-
ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos tos Humanos (artigo 12.o) e pela Convenção Euro-
do homem e das liberdades fundamentais nos domínios peia dos Direitos do Homem (artigo 9.o).
político, económico, social e cultural ou em qualquer
outro domínio da vida pública. [ii] Declaração sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Intolerância e Discriminação
o
269. Nos termos do artigo 2. , os Estados Partes na Baseadas na Religião ou na Convicção
Convenção condenam a discriminação racial e com-
prometem-se a prosseguir uma política tendente a 273. O artigo 1.o deste instrumento protege o
eliminar tal discriminação em todas as suas formas. direito à liberdade de religião e convicção nos mes-
mos termos que o artigo 18.o da Declaração Uni-
270. Em conformidade com o artigo 5.o, os Estados versal dos Direitos do Homem.
Partes obrigam-se a garantir o direito de todos,
sem distinção quanto à raça, cor ou origem nacio- 274. O artigo 2.o proclama que ninguém será
nal ou étnica, à igualdade perante a lei, nomeada- objecto de discriminação por parte de qualquer
mente no gozo de uma série de direitos. Entre Estado, instituição, grupo de pessoas ou indiví-
estes, incluem-se: duo por motivos de religião ou outra convicção.
• o direito à igualdade de tratamento perante os tri-
bunais; 275. A discriminação com base na religião ou con-
• o direito à segurança da pessoa e à protecção do vicção é condenada pelo artigo 3.o como um atentado
Estado contra a violência ou os atentados à res- à dignidade humana e uma violação dos direitos e
pectiva integridade física, infligidos quer por fun- liberdades proclamados na Declaração Universal.
cionários públicos quer por qualquer indivíduo,
grupo ou instituição. 276. Nos termos do artigo 4.o, os Estados deverão
tomar medidas eficazes para prevenir e eliminar
(e) Discriminação por motivos de religião a discriminação por motivos de religião ou con-
vicção, devendo adoptar ou revogar legislação,
271. O direito à liberdade de pensamento, cons- segundo necessário, a fim de proibir qualquer dis-
ciência e religião é protegido por diversos ins- criminação deste tipo.
trumentos universais e regionais de direitos
humanos e a discriminação por motivos religiosos (f ) Discriminação contra as mulheres
é objecto de uma declaração específica.
277. Existem dois instrumentos que abordam
[i] Declaração Universal dos Direitos do Homem especificamente a questão da discriminação con-
tra as mulheres. Tal como acontece com os
272. A liberdade religiosa é protegida pelo artigo 18.o, instrumentos específicos sobre discriminação
nos seguintes termos: racial e discriminação por motivos religiosos, eles
complementam as disposições em matéria de dis-
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, criminação constantes dos instrumentos gerais de
de consciência e de religião; este direito implica a liber- direitos humanos de âmbito universal e regional.
dade de mudar de religião ou de convicção, assim como
a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozi- [i] Declaração sobre a Eliminação
nho ou em comum, tanto em público como em privado, da Discriminação contra as Mulheres
pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
278. O artigo 1.o condena a discriminação contra
É igualmente protegida pelo Pacto Internacional as mulheres, considerando-a fundamentalmente
sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 18.o), pela injusta e um atentado à dignidade humana.
Conceitos Fundamentais
* 71
279. O artigo 2.o exige que sejam abolidas as leis, (g) Discriminação e crianças
costumes, regulamentos e práticas em vigor que
constituam discriminação contra as mulheres. 284. O problema da discriminação contra a
criança é abordado em dois instrumentos.
280. O artigo 10. o exige que sejam adoptadas
medidas a fim de garantir a igualdade de direi- [i] Pacto Internacional sobre os Direitos
tos entre mulheres e homens nos domínios eco- Civis e Políticos
nómico e social. Impõe, em particular, que sejam
assegurados às mulheres o direito a receber for- 285. O artigo 24.o, n.o 1, estabelece:
mação profissional, o direito ao trabalho e o
direito à livre escolha da profissão e do emprego, Qualquer criança, sem nenhuma discriminação de
bem como o direito à progressão na carreira e pro- raça, cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou
fissão. social, propriedade ou nascimento, tem direito, da parte
da sua família, da sociedade e do Estado, às medidas de
[ii] Convenção sobre a Eliminação de Todas protecção que exija a sua condição de menor.
as Formas de Discriminação contra as Mulheres
[ii] Convenção sobre os Direitos da Criança
281. A discriminação contra as mulheres é definida
no artigo 1.o desta Convenção como: 286. Tal como a maioria dos instrumentos interna-
cionais de direitos humanos, os direitos iguais e
[…] qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no inalienáveis de todos os membros da família
sexo que tenha como efeito ou como objectivo com- humana são referidos nos parágrafos preambulares.
prometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou o exer-
cício pelas mulheres, seja qual for o seu estado civil, com 287. O artigo 1.o deste instrumento define a
base na igualdade dos homens e das mulheres, dos criança como todo o ser humano menor de 18
direitos do homem e das liberdades fundamentais nos anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for apli-
domínios político, económico, social, cultural e civil cável, atingir a maioridade mais cedo.
ou em qualquer outro domínio.
288. Em conformidade com o artigo 2.o, os Esta-
282. Nos termos do artigo 2.o, os Estados conde- dos Partes obrigam-se a:
nam a discriminação contra as mulheres e
comprometem-se, entre outros aspectos, a abste- […] respeitar e a garantir os direitos previstos na presente
rem-se de qualquer acto ou prática de discrimi- Convenção a todas as crianças que se encontrem sujei-
nação contra as mulheres e a assegurar que as tas à sua jurisdição, sem discriminação alguma, inde-
autoridades e instituições públicas se conformam pendentemente de qualquer consideração de raça, cor,
com esta obrigação. sexo, língua, religião, opinião política ou outra da
criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua
283. Em conformidade com o artigo 1, alí- 11.o, n.o origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapaci-
nea b), os Estados Partes deverão garantir o direito dade, nascimento ou de qualquer outra situação.
à igualdade de oportunidades no emprego entre
mulheres e homens, nomeadamente a aplicação dos e a:
mesmos critérios de selecção em matéria de
emprego. […] toma[r] todas as medidas adequadas para que a
criança seja efectivamente protegida contra todas as
NOTA PARA OS FORMADORES: Ambos os instru- formas de discriminação ou de sanção decorrentes da
mentos serão analisados em maior detalhe no situação jurídica, de actividades, opiniões expressas ou
capítulo XVII, sobre Aplicação da Lei e Direitos das convicções de seus pais, representantes legais ou outros
Mulheres. membros da sua família.
72
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
(h) Manifestações particulares 293. Existe uma Convenção N.T.1
Ratificada por Portugal
a 2 de Janeiro de 1929
de discriminação Relativa à EscravaturaN.T.1, que (aviso publicado no Diário
do Governo, I Série, n.o
contém detalhadas disposições 1/29).
N.T.2
Portugal não é parte
289. O genocídio, a escravatura e o apartheid cons- destinadas a prevenir e a erra- neste instrumento.
N.T.3
Assinada por Portugal
tituem formas particulares e graves de discrimi- dicar a escravatura, um Proto- a 7 de Setembro de 1956 e
aprovada para ratificação
nação que analisaremos brevemente. coloN.T.2 de emenda a esta pelo Decreto-Lei n.o 42/172,
de 2 de Março de 1959,
Convenção e uma Convenção publicado no Diário do
Governo, I Série, n.o 47.
290. Nos termos do artigo 2.o da Convenção para Suplementar Relativa à Aboli- O instrumento de ratifica-
ção foi depositado junto do
a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, ção da EscravaturaN.T.3. Secretário-Geral das Nações
Unidas a 10 de Agosto de
entende-se por genocídio: 1959. O aviso de depósito
do instrumento de ratifica-
ção encontra-se publicado
294. O apartheid é qualificado no Diário do Governo, I
[…] os actos abaixo indicados, cometidos com a Série, n.o 116, de 21 de Maio
como um crime contra a Hu- de 1959.
intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo manidade ao abrigo do artigo 1.o
nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: da Convenção Internacional para a Eliminação e
Repressão do Crime de Apartheid.
a) Assassinato de membros do grupo;
295. Esta Convenção contém disposições detalha-
b) Atentado grave à integridade física e mental de das destinadas a prevenir e abolir o apartheid. Em
membros do grupo; conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 2, os Esta-
dos Partes declaram criminosas as organizações,
c) Submissão deliberada do grupo a condições de instituições e indivíduos que cometam o crime de
existência que acarretarão a sua destruição física, total apartheid.
ou parcial;
296. O crime de apartheid é pormenorizadamente
d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no definido no artigo 2.o, compreendendo diversos
seio do grupo; actos específicos cometidos com o objectivo de
instituir e manter a dominação de um grupo racial
e) Transferência forçada das crianças do grupo para de seres humanos sobre qualquer outro grupo
outro grupo. racial de seres humanos e de o oprimir de forma
sistemática.
291. O artigo 4.o exige que as pessoas que tenham
cometido genocídio sejam punidas, quer sejam
governantes constitucionalmente responsáveis, 3. OBSERVAÇÕES FINAIS
funcionários públicos ou particulares.
297. Sendo a não discriminação um aspecto
292. A escravatura é proibida pelo artigo 4.o da extremamente importante da protecção e pro-
Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos moção dos direitos humanos, ela está relacio-
seguintes termos: nada com as questões abordadas em todos os
capítulos do presente manual. Afecta todos os
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; aspectos do trabalho dos funcionários responsá-
a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, veis pela aplicação da lei e constitui um elemento
são proibidos. essencial de uma actividade policial ética, lícita
e democrática.
É também proibida pela Carta Africana dos Direi-
tos do Homem e dos Povos (artigo 5.o), Convenção 298. O presente capítulo concentrou-se nos ele-
Americana sobre Direitos Humanos (artigo 6.o) e mentos da não discriminação que assumem par-
Convenção Europeia dos Direitos do Homem ticular relevância para a teoria e prática da
(artigo 4.o). actividade policial, bem como para o comando e ges-
Conceitos Fundamentais
* 73
tão das organizações policiais. Ao apresentar o espera-se dar-lhes a conhecer, ou recordar-lhes, a
tema desta forma intensiva e detalhada aos fun- exigência absoluta de desenvolverem a sua activi-
cionários responsáveis pela aplicação da lei, dade de forma imparcial e não discriminatória.
}
Recomendações destinadas • Procure conhecer bem a comunidade que serve. Encontre-se com líderes
a todos os agentes policiais e representantes dos diversos grupos étnicos e raciais.
Recomendações destinadas
a todos os funcionários • Organize programas de formação contínua para sensibilizar a polícia para
com responsabilidades a importância da existência de boas relações inter-étnicas e inter-raciais e
de comando e supervisão de uma aplicação da lei justa e não discriminatória.
• Elabore uma plano de acção para as relações inter-raciais, em consulta
com as diversas comunidades étnicas.
74
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
• Aplique sanções aos funcionários que demonstram um comportamento
profissional discriminatório, insensível ou inadequado.
}
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS 3). Elaborar um pequeno conjunto de directrizes
para os agentes sobre os dois novos crimes, a fim
Exercício n.o 1 de facilitar a aplicação da lei que os institui”.
Conceitos Fundamentais
* 75
obrigação de garantir os direitos humanos de todas 7). A Declaração Universal dos Direitos do
as pessoas sujeitas à sua jurisdição sem distinção Homem (artigo 6.o), tal como outros instrumen-
quanto à raça, à cor, ao sexo, à religião e à convicção. tos de direitos humanos, estabelece que todos os
indivíduos têm direito ao reconhecimento da sua
4). Pense no direito de todas as pessoas a bene- personalidade jurídica. Que perigos enfrenta um
ficiarem de igual protecção da lei e indique quais ser humano cuja personalidade jurídica não é
as repercussões deste direito sobre a actividade reconhecida?
policial.
8). Por que motivo é importante, para efeitos da
5). O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis promoção e protecção dos direitos humanos, que
e Políticos (artigo 20.o) impõe que todo o apelo ao estes direitos sejam considerados inalienáveis e uni-
ódio racial seja proibido por lei. Existe também o versais?
direito à liberdade de opinião e de expressão.
Como podem conciliar-se estes dois imperativos? 9). Embora a maioria das formas de discrimina-
Qual é o mais importante? ção contra pessoas constituam violações de direi-
tos humanos, a discriminação que favorece
6). A Convenção sobre a Eliminação de Todas as determinadas categorias de pessoas (tais como
Formas de Discriminação contra as Mulheres mulheres e crianças) é estimulada e por vezes
(artigo 11.o) exige que os Estados Partes garantam obrigatória. Em que domínios da aplicação da lei
às mulheres as mesmas oportunidades do é esta forma de discriminação “positiva” importante
emprego que aos homens, nomeadamente a apli- e necessária?
cação dos mesmos critérios de selecção em maté-
ria de emprego. Que dificuldades coloca esta 10). Redija um artigo para inclusão num código de
exigência no domínio do recrutamento dos agen- disciplina policial nos termos do qual a discrimi-
tes policiais? Como podem estas dificuldades ser nação passe a constituir uma infracção a esse
ultrapassadas? código.
76
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
*
Ter
c eira
Par
t e
DEVERES
E FUNÇÕES DA POLÍCIA
cap
ítu
lo
*11
Investigação policial
• A informação sensível deverá ser sempre tratada com cuidado e o seu carác-
ter confidencial respeitado em todas as ocasiões;
79
*
Deveres e funções da Polícia
a. Normas internacionais sobre investiga- os direitos humanos, e cumprir a lei. Numa socie-
ção policial – Informação para as apresenta- dade democrática, o investigador criminal deverá
ções mostrar-se receptivo e ser responsável perante a
comunidade. Além do mais, as investigações deve-
rão ser conduzidas tendo devidamente em conta
1. INTRODUÇÃO o princípio da não discriminação. As normas rela-
tivas à ética policial, actividade policial numa
299. A investigação do crime constitui a primeira sociedade democrática e não discriminação são
etapa fundamental na administração da justiça. analisadas atrás nos capítulos VIII, IX e X e deve-
Trata-se do meio pelo qual aqueles que são acusa- rão ser consultadas para mais informação.
dos de um crime poder ser levados a comparecer
perante a justiça a fim de determinar a sua culpa-
bilidade ou inocência. É também essencial para o 2. ASPECTOS GERAIS SOBRE DIREITOS
bem-estar da sociedade, pois o crime causa sofri- HUMANOS E INVESTIGAÇÃO POLICIAL
mento entre a população e compromete o desen-
volvimento económico e social. Por estas razões, (a) Princípios fundamentais
a condução das investigações criminais de forma
eficaz e em conformidade com a lei e com os prin- 303. A investigação criminal tem por objectivos a
cípios éticos é um aspecto extremamente impor- recolha de provas, identificação do presumível
tante da actividade policial. autor do crime e apresentação das provas em tri-
bunal para que a culpabilidade ou inocência do
300. O objectivo do presente capítulo consiste em arguido possa ser determinada. Os princípios fun-
analisar a investigação do crime enquanto actividade damentais que emanam das normas internacionais
policial autónoma. Assim, serão consideradas as nor- são, assim, os seguintes:
mas internacionais de direitos humanos parti- • presunção da inocência de todos os arguidos;
cularmente relevantes no domínio da investigação • direito de todas as pessoas a um julgamento justo;
criminal. Contudo, todas as restantes normas • respeito pela dignidade, honra e privacidade de
importantes para o exercício da actividade policial todas as pessoas.
em geral, referidas nos capítulos precedentes e
subsequentes, continuam a ser aplicáveis. (b) Normas específicas sobre a investigação
301. No decorrer de uma investigação, os agentes 304. Os princípios acima enunciados encontram-
podem efectuar capturas, mas apenas quando tal seja -se consagrados nas disposições dos instrumentos
necessário e caso disponham de autoridade legal de direitos humanos que garantem o direito à pre-
para o fazer. Os suspeitos da prática de um crime sunção de inocência até prova em contrário, o
sob investigação podem ser detidos, mas deverão direito a um processo equitativo e a interdição de
ser sempre tratados com humanidade. Poderá ser intromissões ilícitas e arbitrárias na vida privada.
necessário utilizar a força para capturar ou deter um
suspeito, mas apenas quando estritamente neces- [i] Presunção de inocência
sário e na medida exigida para alcançar o objectivo
lícito prosseguido. Dever-se-ão consultar os capítu- 305. Este direito está consagrado no artigo 11.o,
los XII, XIII e XIV, infra, para uma análise por- n.o 1, da Declaração Universal, onde se lê:
menorizada das normas internacionais relativas a
estes aspectos da actividade policial. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-
se inocente até que a sua culpabilidade fique legal-
302. Para que a investigação policial seja feita em mente provada no decurso de um processo público em
conformidade com os princípios éticos, os inves- que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam
tigadores deverão respeitar a dignidade humana e asseguradas.
80
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
É também garantido pelo Pacto Internacional julgada em razão de qualquer acusação em maté-
sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 14.o, ria penal contra si deduzida, toda a investigação do
n.o 2), Carta Africana dos Direitos do Homem e dos crime ou crimes que servem de base a tal acusa-
Povos (artigo 7.o, n.o 1, alínea b)), Convenção Ame- ção deverá ser conduzida dentro do respeito dos
ricana sobre Direitos Humanos (artigo 8.o, n.o 2) princípios éticos e em conformidade com as dis-
e Convenção Europeia dos Direitos do Homem posições jurídicas que disciplinam a investigação.
(artigo 6.o, n.o 2). O respeito das normas é particularmente impor-
tante no que diz respeito aos seguintes aspectos:
306. Duas importantes questões decorrem destas • obtenção de provas;
disposições: • interrogatório dos suspeitos (também analisado
infra, no capítulo XIII);
a) A culpabilidade ou a inocência só podem ser • imperativo de declarar a verdade perante o juiz
determinadas por um tribunal regularmente cons- ou tribunal.
tituído, na sequência de um processo regular no
âmbito do qual tenham sido concedidas ao 310. As disposições dos instrumentos de direitos
arguido todas as garantias necessárias para a sua humanos atrás mencionados incluem uma série de
defesa; garantias mínimas consideradas necessárias para
assegurar o direito a um processo equitativo. Ana-
b) O direito à presunção de inocência até prova lisaremos em seguida aquelas que têm particula-
em contrário é essencial para garantir um julga- res implicações na condução das investigações
mento justo. criminais.
307. A presunção de inocência tem uma importante [iii] Garantias mínimas para assegurar
consequência sobre o processo de investigação: um processo equitativo
todas as pessoas sob investigação deverão ser tra-
tadas como inocentes, quer tenham sido detidas ou a) A ser informado pronta e detalhadamente
presas preventivamente quer permaneçam em das acusações contra si formuladas
liberdade no decurso do inquérito.
311. Esta norma reitera e reforça uma das obriga-
[ii] Direito a um processo equitativo ções que os funcionários responsáveis pela aplicação
da lei deverão cumprir ao efectuar uma detenção.
308. Este direito está consagrado no artigo 10.o da Por exemplo, o artigo 9.o, n.o 2, do Pacto Interna-
Declaração Universal dos Direitos do Homem, cional sobre os Direitos Civis e Políticos dispõe:
que estabelece:
Todo o indivíduo preso será informado, no momento
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a da sua detenção, das razões dessa detenção e receberá
sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um notificação imediata de todas as acusações apresenta-
tribunal independente e imparcial que decida dos seus das contra ele.
direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusa-
ção em matéria penal que contra ela seja deduzida. Isto significa que, ao capturar uma pessoa, há que
seguir o seguinte procedimento:
Aparece também, em termos mais desenvolvidos,
no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polí- NO MOMENTO DA CAPTURA – a pessoa deverá ser
ticos (artigo 14.o), Carta Africana dos Direitos do imediatamente informada dos motivos da captura;
Homem e dos Povos (artigo 7.o), Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos (artigo 8.o) e Con- LOGO QUE POSSÍVEL APÓS A CAPTURA – a pessoa
venção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 6.o). deverá ser informada das acusações contra si for-
309. Para que uma pessoa seja equitativamente muladas.
313. É evidente que a natureza das investigações pode 318. No decorrer das investigações, a polícia pode
influenciar o período de tempo durante o qual a pes- encontrar testemunhas do crime cujo depoimento
soa deverá ser informada das acusações contra si for- não corrobore as acusações contra a pessoa que se
muladas. Em casos muito complexos, esse período encontra a ser investigada. É evidente que tal
de tempo poderá ser mais longo do que em casos depoimento pode ser suficiente para indicar que
menos complexos. Contudo, a regra é sempre a mesma: o suspeito do crime não foi, de facto, o seu autor.
a pessoa deverá ser informada logo que possível. Nesse caso, a pessoa em causa deve deixar de ser
objecto de investigação.
b) Julgamento num prazo razoável
319. Por outro lado, essa prova pode simples-
314. Esta garantia significa que a investigação mente enfraquecer as acusações formuladas con-
deverá ser efectuada e concluída tão rápida e efi- tra o suspeito, sem as fazer desaparecer
cazmente quanto possível. completamente. As restantes provas podem ser
suficientes para deduzir acusação contra o sus-
315. Tal como a primeira das garantias referidas, peito e levá-lo a julgamento. Porém, o facto é que
a complexidade do caso poderá afectar o período uma testemunha cujo depoimento enfraquece a
que efectivamente decorre até que a pessoa seja acusação é uma testemunha de defesa, pelo que
levada a julgamento. Outros factores, tais como a deverá ser citada para comparecer em julgamento.
disponibilidade das testemunhas e o comporta-
mento da pessoa no decorrer da investigação, d) De não ser obrigado a testemunhar contra si
podem também influir na duração das investiga- próprio ou a confessar-se culpado
ções. Não obstante, o julgamento deverá ter sem-
pre lugar num prazo razoável. 320. Sendo certo que esta garantia protege a pes-
soa acusada na fase de julgamento, ela afecta tam-
316. A maneira de conduzir a investigação policial bém as investigações aquando do interrogatório do
não deverá dar azo ao desrespeito desta garantia. suspeito pelas autoridades policiais.
NOTA PARA OS FORMADORES: Existe também uma 321. Os interrogatórios e exames das pessoas sus-
garantia mínima impondo que a pessoa acusada peitas da prática de um crime são objecto de nor-
disponha do tempo e dos meios suficientes para mas específicas, que analisaremos mais adiante no
preparar a sua defesa, o que deverá ser conjugado capítulo XIII. Algumas destas normas destinam-
com a exigência de que o julgamento tenha lugar -se exactamente a impedir que se exerça uma pres-
num prazo razoável. são excessiva sobre os suspeitos para que se
confessem culpados. É evidente que, se alguém tiver
c) A interrogar, ou fazer interrogar, as testemu- sido ilicitamente compelido a confessar-se cul-
nhas de acusação pado durante a fase de inquérito, esta garantia, que
se destina a proteger os arguidos durante o julga-
e a obter a comparência e o interrogatório das testemu- mento, terá sido violada.
nhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas
de acusação [iv] Intromissões arbitrárias na vida privada
317. A primeira parte desta garantia diz respeito à 322. A privacidade, a honra e a reputação dos indi-
forma de condução do julgamento, mas a segunda víduos são protegidas pelo artigo 12.o da Declara-
82
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
ção Universal dos Direitos do Homem, que diz o obtêm informações que podem ser potencial-
seguinte: mente prejudiciais à reputação de outras pessoas.
Sublinha que se deverá tomar a máxima cautela no
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida tratamento de tais informações e que qualquer
privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua divulgação das mesmas para outros fins que não
correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. o desempenho do dever ou os interesses da justiça
Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem é totalmente abusiva.
direito a protecção da lei.
326. A divulgação abusiva de informação confi-
323. Disposições semelhantes estão consagradas na dencial prejudicial à reputação de um indivíduo vio-
Convenção Americana sobre Direitos Humanos laria certamente as disposições da Declaração
(artigo 11.o) e na Convenção Europeia dos Direitos Universal e Convenções Americana e Europeia,
do Homem (artigo 8.o), embora este último ins- acima referidas.
trumento limite tal direito (artigo 8.o, n.o 2) nos
seguintes termos: (c) Aspectos técnicos da investigação
Não pode haver ingerência da autoridade pública no exer- 327. A eficácia das investigações, se levadas a cabo
cício deste direito senão quando esta ingerência estiver pre- com base no respeito pela dignidade humana e pelo
vista na lei e constituir uma providência que, numa princípio da legalidade, depende em larga medida
sociedade democrática, seja necessária para a segurança dos seguintes factores:
nacional, para a segurança pública, para o bem-estar eco- • disponibilidade de recursos científicos e técnicos
nómico do país, a defesa da ordem e a prevenção das e utilização inteligente dos mesmos;
infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou • aplicação intensiva de técnicas policiais elemen-
a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. tares;
• conhecimentos e preparação dos investigadores;
324. Estas normas têm repercussões óbvias sobre • observância das disposições legais que discipli-
as investigações criminais: nam as investigações, bem como das normas
Revistas e Buscas – em especial das pessoas e internacionais de direitos humanos.
suas casas, outros bens e veículos,
e 328. Os recursos científicos e técnicos compreen-
Intercepção – de correspondência, mensagens dem, por exemplo:
telefónicas e outras comunicações, deverão res- • meios para examinar o local do crime, elemen-
peitar escrupulosamente a lei e ser absolutamente tos descobertos nesse local e outro material com
necessárias para fins legítimos de aplicação da lei. eventual valor probatório;
• meios para registar e referenciar a informação
325. A protecção da intimidade é reforçada pelas recolhida durante as investigações. As investigação
disposições do artigo 4.o do Código de Conduta para em larga escala podem exigir o recurso a meios
os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, informáticos.
que estabelece:
329. As técnicas policiais elementares dizem res-
As informações de natureza confidencial em poder dos peito, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem • interrogatório de testemunhas e suspeitos (são téc-
ser mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento nicas diferentes que exigem abordagens diferen-
do dever ou as necessidades da justiça estritamente ciadas);
exijam outro comportamento. • buscas em diversos locais, tais como espaços
abertos, edifícios e veículos, bem como revistas pes-
O comentário ao artigo assinala que, devido à soais (mais uma vez, são técnicas diferentes que
natureza das suas funções, os agentes policiais exigem abordagens diferenciadas).
84
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
ponsável, no seio da instituição policial, pela procedimentos contabilísticos bem definidos e de
manutenção dos contactos e realização de todas as uma fiscalização rigorosa. O funcionário que
transacções. Isto permite responsabilizar um decide sobre a autorização de pagamento deverá
determinado agente por todos os contactos com o ignorar a identidade do informador, mas é indis-
informador em questão; pensável que conheça os pormenores do crime e
a natureza da informação fornecida.
b) Embora a identidade do informador deva em
geral permanecer confidencial, para protecção do 336. Ainda relativamente às relações entre a polí-
agente que com ele contacta e do próprio infor- cia e os informadores, devemos acrescentar que a
mador deverá ser mantido um registo oficial com probabilidade de corrupção de alguns agentes, em
indicação da identidade de cada informador e do determinadas fases, é tão alta, que se torna quase
agente responsável pela ligação com ele. Esse inevitável. Os funcionários superiores de polícia têm
registo deverá poder ser consultado apenas por assim a enorme responsabilidade de:
um superior hierárquico especificamente designado
para o efeito. a) definir uma política clara que sirva de base a
procedimentos reguladores e directrizes eficazes
c) As actividades dos informadores deverão ser e permita optimizar os benefícios a retirar da reco-
cuidadosamente vigiadas. Acontece frequente- lha de informação confidencial sobre o crime e os
mente que o informador, não só tem conheci- delinquentes;
mento do planeamento de um crime, como está
também envolvido nesse mesmo planeamento e b) estabelecer procedimentos reguladores estri-
pode ser considerado um potencial participante na tos e directrizes explícitas a fim de que os agentes
sua execução. Regra geral, isto não é aceitável, seus subordinados compreendam exactamente de
uma vez que significa, quase inevitavelmente, que que forma deverão conduzir as suas relações com
o informador irá cometer um delito. os informadores e até que ponto essas relações
são vigiadas.
d) Muito raramente, a actividade criminosa em
planeamento é de tal magnitude, e a não participa- 337. A criação de um sistema para a utilização efi-
ção do informador colocá-lo-á em tal perigo, que ele caz dos informadores policiais é fundamental na
poderá ter de participar na sua execução. Tolerar prevenção e detecção do crime. A corrupção desse
quaisquer crimes, incluindo os cometidos pelos sistema implica a corrupção dos próprios agentes,
informadores, coloca graves questões jurídicas e éti- a subversão do sistema de justiça penal e a viola-
cas. Qualquer decisão de o fazer deverá ser tomada ção dos direitos humanos.
ao mais alto nível no seio da instituição policial e ape-
nas depois das devidas consultas com as autoridades (e) Vítimas
judiciárias. Estas decisões e consultas deverão ser sem-
pre tomadas e efectuadas caso a caso. Não deve 338. A questão das vítimas do crime será abor-
jamais conceder-se qualquer imunidade geral. dada em detalhe no capítulo XIX, infra. Contudo,
uma vez que diversas questões relativas às víti-
e) As contrapartidas económicas oferecidas aos mas de crime se relacionam estreitamente com o
informadores nunca devem ser excessivas. Os processo de investigação, é importante fazer-lhes
pagamentos não devem constituir um grande ali- aqui referência.
ciante ao fornecimento de informações, caso con-
trário o informador poderá ser tentado a encorajar 339. Um dos três princípios fundamentais que
terceiros a perpetrar novos crimes. referimos no início do presente capítulo é aquele
que exige o respeito da dignidade, honra e priva-
f ) Os pagamentos efectuados aos informadores cidade de todas as pessoas. Este princípio aplica-
deverão ser estritamente controlados através de -se particularmente às vítimas. O parágrafo 4.o da
86
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
b. Normas internacionais sobre investigação policial – Aplicação prática
}
Recomendações destinadas • Institua procedimentos normalizados para o registo de informação no
a todos os agentes policiais decorrer das investigações.
}
}
Recomendações destinadas • Trate todos os suspeitos como pessoas inocentes, de forma educada, res-
a todos os agentes policiais peitosa e profissional.
• Mantenha um registo detalhado de todos os interrogatórios efectuados.
• Participe em acções de formação contínua a fim de aperfeiçoar os seus
conhecimentos no domínio da investigação.
• Antes de qualquer interrogatório, informe sempre as vítimas, testemu-
nhas e suspeitos dos respectivos direitos.
• Antes de empreender qualquer acção no âmbito de um inquérito, pergunte
a si próprio: É legal? Será admitida em tribunal? É necessária? É indevida-
mente intrusiva?
• Nunca procure nem se apoie numa confissão para fundamentar um
processo. Pelo contrário, o objectivo da investigação consiste em reunir ele-
mentos de prova independentes.
• Sempre que possível, solicite um mandado ou ordem judicial antes de
empreender quaisquer buscas. As buscas sem mandado devem ser excep-
cionais e efectuadas apenas na medida do razoável e com motivo justifi-
cado, na sequência de uma captura lícita, quando livremente consentidas
ou quando a obtenção de um mandado prévio seja impossível, dadas as
circunstâncias.
• Conheça a comunidade onde trabalha. Desenvolva estratégias activas de
prevenção do crime, nomeadamente tomando consciência dos riscos exis-
tentes no seio dessa comunidade.
}
}
1). Indique os argumentos que utilizaria nessa 2). Pense nos conselhos que daria acerca da apli-
ocasião para convencer um investigador da neces- cação desse código: deveriam as violações a esse
sidade de respeitar as normas jurídicas e os prin- documento constituir fundamento para a instau-
cípios éticos. ração de processo disciplinar por infracção do
código de disciplina policial, ou deveriam os códi-
2). Alguma vez se justifica a violação da lei com gos e procedimentos disciplinares permanecer dis-
o objectivo de aplicar a lei? sociados dos códigos deontológicos? Indique as
razões que justificam qualquer uma das conclusões.
3). Se forem dados argumentos para justificar a
violação da lei com o objectivo de aplicar a lei, Exercício n.o 3
como podem eles ser conciliados com a presunção
de inocência de todas as pessoas suspeitas ou Para fins de discussão, imagine que a sua instituição
acusadas de um crime? policial está a investigar uma organização envolvida
88
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
no tráfico de droga. Os membros desta organização 3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO
são implacáveis e extremamente eficientes. Os resul-
tados da investigação desenvolvida até ao momento 1). Por que razão é importante respeitar o direito
indicam que só poderão ser feitos progressos infil- à presunção de inocência?
trando agentes na organização a fim de obter provas 2). De que forma contribui a presunção de ino-
das actividades a que esta se dedica. Caso tal táctica cência para o respeito do direito a um julgamento
seja bem sucedida, a intenção será capturar imedia- equitativo?
tamente todos os implicados nas actividades crimi-
nosas da organização. O responsável do seu serviço 3). De que forma contribui o direito de uma pes-
autoriza a táctica da infiltração, mas pretende que soa a ser informada prontamente das acusações
sejam elaboradas algumas directrizes destinadas aos deduzidas contra si para o respeito do direito a um
agentes a infiltrar, a fim de assegurar que a sua actua- julgamento equitativo?
ção seja eficaz e conforme aos princípios éticos.
4). Por que razão é importante que uma pessoa
1). Elabore as directrizes solicitadas pelo res- acusada da prática de um crime não seja obrigada
ponsável do seu serviço. a testemunhar contra si própria?
2). Durante quanto tempo, na sua opinião, deverá 5). Quais são as qualidades essenciais de um
um agente policial trabalhar no seio de uma orga- agente da polícia especializado na investigação cri-
nização do tipo da descrita no presente exercício? minal?
3). Deverão os agentes infiltrados participar nas 6). Indique sucintamente os conselhos que daria
actividades criminosas da organização? Que con- a um novo agente sobre a forma de proceder a revis-
selhos lhes daria a este respeito? tas pessoais.
2). Elabore uma declaração de princípios desti- 10). Os criminosos não respeitam as normas. Por-
nada ao ministro, com base no exame imparcial de que deverá a polícia fazê-lo?
ambos os conjuntos de recomendações e conselhos.
*12
Captura
Princípios fundamentais
}
Objectivos do capítulo • Apresentar as normas internacionais aplicáveis a qualquer acto das autori-
dades que tenha por efeito privar uma pessoa de liberdade, nomeadamente por
ter alegadamente cometido um delito, e destacar alguns aspectos práticos da
aplicação dessas normas.
}
}
• Todo o indivíduo detido tem direito a ser julgado num prazo razoável ou liber-
tado.
91
*
Terceira Parte
dia e hora da transferência para um local de detenção; dia e hora da com-
parência perante uma autoridade judicial; identidade dos agentes envol-
vidos; informação precisa sobre o local de detenção; e pormenores relativos
ao interrogatório.
347. O termo “captura” não aparece definido nos 349. Os instrumentos internacionais de direitos
instrumentos de direitos humanos que proíbem a humanos compreendem diversas disposições des-
detenção arbitrária, mas sim no Conjunto de Prin- tinadas a proteger a liberdade individual. Aquelas
cípios para a Protecção de Todas as Pessoas Sujei- que dizem especificamente respeito à captura são
tas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, sob a proibição da detenção arbitrária; as normas que
a secção “Terminologia”, nos seguintes termos: definem procedimentos a seguir na sequência de
uma captura; as normas relativas à detenção de
[…] acto de deter um indivíduo por suspeita da prática menores; e as que exigem a compensação das víti-
de infracção ou por acto de uma autoridade. mas de detenção ilegal.
92
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
[i] Proibição da detenção arbitrária nados mentais, alcoólicos, toxicodependentes ou
vagabundos;
350. Esta proibição está consagrada no artigo 9.o f ) para impedir a entrada ou residência ilegais
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de uma pessoa no país.
que estabelece: Estes casos inscrevem-se em três amplas catego-
rias, apesar de haver alguma sobreposição entre
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou elas. As situações referidas nas alíneas a) e c)
exilado. dizem claramente respeito à lei e aos procedi-
mento penais; os casos mencionados nas alíneas b)
351. A mesma proibição está expressa no artigo 9.o, e e) relacionam-se sobretudo com a protecção ou
n.o 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos o controlo sociais; e a alínea f) tem a ver com a cha-
Civis e Políticos, nos seguintes termos: mada “detenção administrativa”.
Todo o indivíduo tem direito à liberdade e à segurança NOTA PARA OS FORMADORES: Apesar de estas
da sua pessoa. Ninguém pode ser objecto de prisão ou últimas disposições se aplicarem apenas aos
detenção arbitrária. Ninguém pode ser privado da sua Estados que são Partes na Convenção Europeia,
liberdade a não ser por motivo e em conformidade com é altamente provável que normas semelhantes
processos previstos na lei. estejam em vigor em muitos Estados espalhados
pelo mundo. Cada uma das diferentes categorias
352. A detenção arbitrária é também proibida pela de casos tem repercussões sobre a actividade da
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos polícia que variam de local para local, podendo ser
(artigo 6.o), Convenção Americana sobre Direitos analisadas durante sessões de debate formais e
Humanos (artigo 7.o, n.os 1 a 3) e Convenção Euro- informais. Algumas das questões levantadas
peia dos Direitos do Homem (artigo 5.o, n.o 1). Cada pelas normas acima indicadas são colocadas nos
um destes textos proclama o direito à liberdade e Tópicos para Discussão, no final do presente
segurança pessoal, a proibição da detenção arbitrária capítulo.
e a exigência de que os fundamentos de qualquer
detenção estejam definidos na lei. [ii] Procedimentos a seguir na sequência
da captura
353. Com efeito, o artigo 5.o da Convenção Euro-
peia dos Direitos do Homem afirma que ninguém 354. Os procedimentos a seguir na sequência da
será privado de liberdade excepto em casos espe- captura encontram-se descritos nos n.os 1 e 2 do
cificamente determinados e que, em resumo, con- artigo 9.o do Pacto Internacional sobre os Direitos
sistem na captura ou detenção: Civis e Políticos, que dispõe:
a) na sequência de condenação por um tribunal
competente; 2). Todo o indivíduo preso será informado, no
b) por desobediência a uma ordem legítima de momento da sua detenção, das razões dessa detenção
um tribunal ou para garantir o cumprimento de e receberá notificação imediata de todas as acusações
uma obrigação imposta por lei; apresentadas contra ele.
c) a fim de comparecer perante uma autoridade
judicial competente por suspeita razoável de ter 3). Todo o indivíduo preso ou detido sob acusação
cometido uma infracção; de uma infracção penal será prontamente conduzido
d) detenção de um menor em virtude de ordem perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada pela
proferida em conformidade com a lei, para fins de lei a exercer funções judiciárias e deverá ser julgado num
educação sob vigilância ou para o fazer comparecer prazo razoável ou libertado. A detenção prisional de
perante a autoridade competente nos termos da lei; pessoas aguardando julgamento não deve ser regra
e) detenção de pessoas a fim de impedir a pro- geral, mas a sua libertação pode ser subordinada a
pagação de doenças infecciosas, bem como de alie- garantir que assegurem a presença do interessado no
94
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
estatuto jurídico do menor e a evitar prejudicá-lo, liberdades individuais em nome do interesse
tendo em conta as circunstâncias do caso. público mais vasto e com o objectivo de assegurar
outros benefícios, designadamente a ordem
362. A Convenção sobre os Direitos da Criança pública e a segurança da população.
aborda também a questão da captura de jovens.
O artigo 37.o, alínea b), estabelece: 367. A necessidade de restringir o exercício de
direitos humanos para salvaguardar a existência
Nenhuma criança será privada de liberdade de forma ile- da nação é reconhecida e permitida pelo Pacto
gal ou arbitrária: a captura, detenção ou prisão de uma Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
criança devem ser conformes à lei, serão utilizadas uni- (artigo 4.o), pela Convenção Americana sobre
camente como medida de último recurso e terão a dura- Direitos Humanos (artigo 27.o) e pela Convenção
ção mais breve possível. Europeia dos Direitos do Homem (artigo 15.o).
NOTA PARA OS FORMADORES: Deverá também 368. Em termos gerais, é necessário que se esteja
fazer-se referência ao capítulo XVI, sobre Polícia perante uma situação de emergência pública que
e Protecção dos Jovens. ameace a existência da nação, só podendo as medi-
das de derrogação ser introduzidas na estrita
[v] Indemnização em caso de captura ilegal medida em que a situação o exigir. Continua a
haver algum controlo por parte da comunidade
363. O artigo 9.o, n.o 5, do Pacto Internacional sobre internacional sobre os Governos em causa sempre
os Direitos Civis e Políticos exige que as vítimas de que tais medidas são adoptadas.
prisão ou de detenção ilegal tenham direito a obter
compensação. O artigo 5.o, n.o 6, da Convenção Euro- 369. Alguns direitos não são passíveis de derro-
peia dos Direitos do Homem reitera esta exigência. gação, continuando protegidos em todas as cir-
cunstâncias. Variam ligeiramente consoante as
364. Não existe disposição semelhante quer na disposições do instrumento em causa, mas
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos incluem sempre:
Povos quer na Convenção Americana sobre Direi- • o direito à vida
tos Humanos. Contudo, o artigo 10.o deste último • a proibição da tortura;
instrumento estabelece que os indivíduos terão • a proibição da escravatura.
direito a indemnizações caso sejam condenados,
por sentença transitada em julgado, com base 370. A questão das medidas derrogatórias será
num erro judiciário. A captura ou detenção ilegais examinada em maior detalhe no capítulo XV,
podem ser elementos de um erro judiciário. sobre Distúrbios internos, estados de excepção e
conflitos armados. A breve referência feita no
365. O princípio 35 do Conjunto de Princípios para presente capítulo destina-se a assinalar que a
a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer derrogação pode ter algumas consequências. Por
Forma de Detenção ou Prisão determina que todos exemplo, podendo os mecanismos destinados a
os danos emergentes de actos ou omissões de um garantir o controlo das autoridades judiciárias
funcionário público contrários aos direitos previs- sobre a captura e detenção de indivíduos ser
tos no Conjunto de Princípios serão passíveis de suprimidos ou restringidos, corre-se o risco de
indeminização, nos termos das normas de direito abrir caminho à ocorrência de detenções arbi-
interno aplicáveis em matéria de responsabilidade. trárias, torturas e outras formas de maus tratos
dos detidos.
(c) Medidas de derrogação
371. Deverá insistir-se no facto de que, ao serem
366. Em certas circunstâncias, os Governos adoptadas medidas de derrogação, os agentes poli-
podem considerar necessário e correcto limitar as ciais deverão respeitar escrupulosamente as
372. Um exemplo de um desaparecimento forçado 376. Incumbe aos funcionários responsáveis pela
ou involuntário é apresentado na Ficha Informa- aplicação da lei:
tiva n.o 6 (Rev.1) do Centro para os Direitos Huma- a) prevenir e detectar todos os crimes relacio-
nos das Nações Unidas, que se ocupa do tema, nados com o fenómeno dos desaparecimentos for-
nos seguintes termos (página 2): çados ou involuntários;
b) velar para que os outros agentes da institui-
[…] uma pessoa é presa, detida ou raptada contra a sua ção policial onde trabalham não participem em
vontade ou de outra forma privada de liberdade por tais crimes.
agentes governamentais de qualquer ramo ou nível,
ou ainda por grupos organizados ou particulares que RELATOS DE DESAPARECIMENTOS
actuam em nome, ou com o apoio, directo ou indi-
recto, consentimento ou aquiescência do Governo, que 377. Através da sua resolução 20 (XXXVI), de 29
de seguida se recusam a revelar o destino ou paradeiro de Fevereiro de 1980, a Comissão dos Direitos do
da pessoa em causa ou se recusam a reconhecer a pri- Homem estabeleceu o Grupo de Trabalho sobre os
vação de liberdade, assim subtraindo essa pessoa à pro- Desaparecimentos Forçados ou Involuntários,
tecção da lei. composto por peritos nomeados a título indivi-
dual, para examinar as questões relativas ao desa-
373. Sempre que funcionários responsáveis parecimento de pessoas nas circunstâncias atrás
pela aplicação da lei participam em actos con- referidas.
ducentes a um desaparecimento forçado ou
involuntário, subvertem de forma muito grave 378. O Grupo de Trabalho recebe e examina
o papel da polícia, uma vez que a pessoa “desa- denúncias de desaparecimentos apresentadas por
parecida” é subtraída à protecção da lei e, em con- familiares das pessoas desaparecidas, ou por orga-
sequência, privada de todos os seus direitos nizações de direitos humanos que actuam em seu
humanos. nome. Depois de determinar se a comunicação
preenche determinados requisitos, o Grupo de
374. Os desaparecimentos forçados ou involuntá- Trabalho transmite os casos individuais aos Gover-
rios implicam a violação de diversos direitos nos em causa, solicitando-lhes que procedam a
humanos fundamentais, nomeadamente: investigações e o informem do resultado das mes-
• o direito à liberdade e à segurança pessoal; mas.
• o direito do detido um tratamento humano;
• o direito à vida.
3. OBSERVAÇÕES FINAIS
NOTA PARA OS FORMADORES: Breves referências
ao fenómeno dos desaparecimentos forçados ou 379. O poder de captura é uma das principais
involuntários serão feitas mais adiante, nos capí- prerrogativas das autoridades policiais. É essencial
tulos XIV e XXI. à aplicação da lei e à administração da justiça. O
direito à liberdade individual é um direito humano
375. É evidente que, se os funcionários respon- fundamental. É essencial ao gozo de outros direi-
sáveis pela aplicação da lei forem responsáveis pela tos e constitui uma condição prévia indispensável
prática de desaparecimentos forçados ou invo- de um governo democrático no seio de uma socie-
luntários, estarão a exercer ilegalmente poderes dade democrática.
96
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
380. As normas internacionais indicadas no pre- tes deverão também possuir as aptidões práticas e
sente capítulo demonstram como um poder essen- tácticas necessárias ao exercício desses poderes
cial da polícia pode ser conciliado com um direito dentro dos limites que lhes estão impostos. É no
humano fundamental. A polícia necessita de com- desempenho concreto e prático da actividade poli-
preender em pleno os poderes de que dispõe neste cial que tais poderes são correcta ou incorrecta-
âmbito, bem como os limites dos mesmos. Os agen- mente exercidos e os direitos respeitados ou violados.
(c) Eficácia de quaisquer instruções específicas Todo o indivíduo tem direito à liberdade e à segu-
emitidas pelos comandos policiais ou supervisores rança da sua pessoa. Ninguém pode ser objecto de
98
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
prisão ou detenção arbitrária. Ninguém pode ser 4). Que implicações tem a presença na casa de
privado da sua liberdade a não ser por motivo e em quatro pessoas, além da pessoa a capturar, sobre
conformidade com processos previstos na lei. os seus planos operacionais?
3). Que formação recebem os agentes policiais do 1). Considera que estes são motivos suficientes
seu país em matéria de poderes e técnicas de captura? para que se afaste a protecção contra a detenção arbi-
trária, a fim de que mais homens possam ser deti-
4). Diga de que forma considera que essa for- dos e interrogados sobre os crimes?
mação poderia ser aperfeiçoada, a fim de garantir
que todas as capturas efectuadas por agentes poli- 2). Exponha os argumentos a favor do aumento
ciais são lícitas e necessárias. dos poderes de captura da polícia nas circunstân-
cias enunciadas. Quais deveriam ser esses pode-
Exercício n.o 3 res?
Imagine que foi incumbido de proceder à captura 3). Exponha os argumentos a favor da manu-
de uma pessoa que se julga estar armada e ser peri- tenção em vigor, em tais circunstâncias, das dis-
gosa. Essa pessoa encontra-se escondida numa posições e procedimentos legais destinados a
casa na cidade que é ocupada por mais quatro pes- garantir a protecção das pessoas contra a detenção
soas. A pessoa a capturar não sabe que a polícia des- arbitrária.
cobriu o seu paradeiro e considera a casa um
esconderijo seguro. Sabe-se que a pessoa em causa 4). Para além do exercício de poderes acresci-
resistiu a anteriores capturas, tendo utilizado uma dos, que outras medidas poderiam ser adoptadas
arma de fogo contra a polícia. pela polícia para tranquilizar a população?
100
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*13
Detenção
101
*
Terceira Parte
}
Princípios fundamentais • As convicções religiosas e morais dos detidos deverão ser respeitadas.
(vide também Capítulo XII,
Captura) • Toda a pessoa detida tem o direito de comparecer perante uma autori-
dade judiciária que decidirá sobre a legalidade da sua detenção.
a. Normas internacionais sobre detenção para os Direitos Humanos ou através dos Cen-
– Informação para as apresentações tros de Informação das Nações Unidas existen-
tes na maioria dos Estados Membros (n. o de
Venda E.94.XIV.6).
1. INTRODUÇÃO
382. Todas as pessoas privadas de liberdade são vul-
381. As normas internacionais de direitos neráveis aos maus tratos. Algumas categorias,
humanos, bem como a maioria dos sistemas tais como as mulheres e as crianças, são parti-
jurídicos nacionais, distinguem entre “detidos” cularmente vulneráveis. Além do mais, conforme
e “presos”. Um detido é alguém que se encon- acima referido, os detidos à guarda da polícia não
tra privado de liberdade, mas não foi condenado foram em geral condenados pela prática de qual-
pela prática de qualquer delito. Um preso é uma quer crime. São pessoas inocentes relativamente
pessoa privada de liberdade em resultado de às quais se aplica a regra da presunção de ino-
uma condenação. Uma vez que a polícia, na cência.
maior parte dos sistemas jurídicos, lida princi-
palmente com detidos na fase prévia ao julga- 383. Por estas razões, a conduta da polícia rela-
mento, o presente capítulo centra-se nessa tivamente a um detido deverá ser humana e
categoria de pessoas. estritamente conforme à lei e aos regulamentos
que disciplinam o tratamento das pessoas priva-
N OTA PARA OS FORMADORES : Os utilizadores das de liberdade. Isto é particularmente impor-
do manual deverão estar alerta para o facto de o tante aquando do interrogatório ou exame de
tema do presente capítulo ser analisado em pro- pessoas acusadas ou suspeitas da prática de um
fundidade na obra Direitos Humanos e Prisão crime.
Preventiva: Um Manual de Normas Internacio-
nais relativas à Prisão Preventiva (n.o 3 da Série 384. As normas internacionais relativas ao trata-
de Formação Profissional), publicada pelo Cen- mento dos detidos consagram disposições deta-
tro para os Direitos Humanos das Nações Uni- lhadas e princípios fundamentais que, se
das e pela Divisão para a Prevenção do Crime e respeitados, irão garantir que as pessoas privadas
Justiça Penal das Nações Unidas. Este manual de liberdade à guarda da polícia beneficiam de
pode ser obtido directamente através do Centro condições de detenção humanas e lícitas.
102
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
2. ASPECTOS GERAIS DOS DIREITOS HUMANOS É também proibida praticamente nos mesmos ter-
DURANTE A DETENÇÃO mos pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis
e Políticos (artigo 7.o), Carta Africana dos Direitos do
(a) Princípios fundamentais Homem e dos Povos (artigo 5.o), Convenção Ameri-
cana sobre Direitos Humanos (artigo 5.o, n.o 2) e Con-
385. As pessoas passam a ficar à guarda da polícia venção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 3.o).
na sequência do exercício de poderes legais de
captura por parte das autoridades policiais ou por 389. No âmbito das Nações Unidas, foram adop-
decisão de um juiz ou outra autoridade com com- tadas uma Declaração e uma Convenção contra a
petência legal para o exercício do poder judicial. tortura, que estabelecem um conjunto de medidas
específicas para combater esta odiosa prática.
386. A detenção é objecto de um processo disci-
plinado por lei, beneficiando os detidos de formas Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas
específicas de protecção que se baseiam nos contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos
seguintes princípios: Cruéis, Desumanos ou Degradantes
• ninguém será sujeito à tortura ou a outros maus
tratos; 390. A Declaração define a tortura no seu artigo 1.o.
• todos os detidos têm direito a um tratamento Esta definição interessa aos agentes policiais, uma
humano e ao respeito pela dignidade inerente à pes- vez que nela se afirma que a tortura consiste em
soa humana; todo acto pelo qual penas ou sofrimentos graves,
• todas as pessoas se presumem inocentes até que físicos ou mentais são intencionalmente infligidos
a sua culpabilidade seja provada nos termos da a uma pessoa por um funcionário público, ou outrem
lei. por ele instigado […] com o fim de obter dela ou de ter-
ceiro uma informação ou uma confissão, de a punir por
(b) Normas específicas sobre a detenção um acto que tenha cometido ou se suspeite que come-
teu, ou de intimidar essa ou outras pessoas […]
387. Os instrumentos internacionais de direitos
humanos contêm disposições muito detalhadas 391. Diversas disposições da Declaração exigem:
sobre a detenção, que abrangem a proibição da
tortura, exigências genéricas de um tratamento a) a proibição da tortura pelos Estados;
humano e exigências específicas relativamente ao
tratamento dos menores e das mulheres. Todas elas b) a investigação dos alegados casos de tortura;
serão analisadas no presente capítulo, juntamente
com outras questões relevantes: interrogatório e c) que a formação dos agentes policiais e outros
exame dos suspeitos, detenção na sequência de funcionários públicos tenha plenamente em conta
medidas derrogatórias das disposições dos tratados a proibição da tortura;
tomadas pelos Governos e desaparecimentos for-
çados ou involuntários. d) a inclusão da proibição da tortura nas normas
ou instruções gerais relativas aos deveres e funções
[i] Proibição da tortura de todos aqueles que possam ser chamados a
intervir na guarda ou tratamento dos detidos;
388. A tortura foi absolutamente interditada pela
comunidade internacional. É proibida pelo artigo 5.o e) o controlo sistemático pelos Estados dos
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que métodos e práticas de interrogatório;
estabelece:
f ) o exame periódico das disposições relativas à
Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou custódia e ao tratamento das pessoas privadas de
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. liberdade.
104
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
público pode invocar qualquer argumento para para o tratamento humano das pessoas detidas ou pre-
justificar a prática da tortura. sas. O princípio 6 consagra a proibição da tortura.
[ii] Exigências gerais de um tratamento humano 401. As normas específicas constantes deste ins-
dos detidos trumento podem ser discutidas com os partici-
pantes do curso e as suas disposições comparadas
398. As exigências gerais de um tratamento com a legislação interna, com os regulamentos e ins-
humano das pessoas detidas estão definidas no truções a que obedecem no desempenho das res-
artigo 10.o do Pacto Internacional sobre os Direi- pectivas funções e com a verdadeira prática policial.
tos Civis e Políticos, que impõe: São particularmente importantes as disposições
que estabelecem:
a) que todas as pessoas privadas de liberdade
sejam tratadas com humanidade e com o devido a) o controlo judicial dos detidos (princípios 4,
respeito pela dignidade inerente à pessoa humana; 11 e 37);
b) que as pessoas acusadas sejam separadas das b) o direito dos detidos a comunicarem com o seu
pessoas condenadas e submetidas a um regime dife- advogado ou defensor (princípios 11, 15, 17 e 18);
renciado, adequado à sua condição de pessoas não
condenadas; c) o direito dos detidos a comunicarem e man-
terem contacto com as suas famílias (princípios 15,
c) que os menores acusados da prática de uma 16, 19 e 20);
infracção sejam separados dos adultos;
d) o acompanhamento médico adequado das
Disposições semelhantes podem ser encontradas pessoas detidas (princípios 24 e 26);
na Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
mas não na Carta Africana dos Direitos do e) a manutenção de registos das circunstâncias
Homem e dos Povos nem na Convenção Europeia da captura e detenção (princípio 12);
dos Direitos do Homem.
f ) o registo detalhado das circunstâncias de
399. A definição do conceito de “pessoa detida”, qualquer interrogatório (princípio 23).
constante do Conjunto de Princípios para a Protec-
ção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma 402. A questão da responsabilidade individual
de Detenção ou Prisão na secção entitulada “Ter- dos funcionários responsáveis pela aplicação da
minologia”, interessa directamente aos funcioná- lei é abordada no princípio 7, n. o 2. De acordo
rios responsáveis pela aplicação da lei: com esta disposição, os funcionários que tive-
rem razões para crer que ocorreu ou está imi-
pessoa privada da sua liberdade, excepto se o tiver sido em nente uma violação do Conjunto de Princípios
consequência de condenação pela prática de uma infracção. deverão comunicar esse facto aos seus superio-
res e, se necessário, a outras autoridades ou
assim como a definição de “pessoa presa”: instâncias competentes de controlo ou de
recurso.
pessoa privada da sua liberdade em consequência de con-
denação pela prática de uma infracção. 403. O Conjunto de Princípios contém disposi-
Em geral, é a primeira categoria de pessoas que se ções mais relevantes no que concerne aos indiví-
encontra sob custódia policial. duos sob custódia policial do que as Regras
Mínimas para o Tratamento dos Reclusos. Contudo,
400. O Conjunto de Princípios é composto por 39 os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
princípios. O princípio 1 define os requisitos básicos com responsabilidades importantes no que diz
106
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Convenção sobre os Direitos da Criança rada a adopção e aplicação das mesmas na admi-
nistração dos estabelecimentos penitenciários e cor-
410. A Convenção sobre os Direitos da Criança é reccionais, o princípio da separação consagrado na
composta por 54 artigos, estando dividida em três regra 8 é relevante para a situação das mulheres deti-
partes. Este instrumento reitera e reforça muitas das à guarda da polícia. Esta regra exige:
das proibições e garantias enunciadas no presente
capítulo. O artigo 37.o assume particular relevân- a) que as diferentes categorias de reclusos
cia, dispondo da seguinte forma: sejam mantidas em instituições separadas ou em
zonas distintas da mesma instituição, tendo em
a) A alínea a) proíbe a tortura e os maus tratos consideração, nomeadamente, o respectivo sexo,
da criança, bem como a imposição da pena de idade e antecedentes criminais;
morte e da prisão perpétua;
b) que mulheres e homens sejam mantidos,
b) A alínea b) proíbe a privação da liberdade de tanto quanto possível, em instituições separadas;
uma criança de forma ilegal ou arbitrária; nos estabelecimentos que recebam pessoas de
ambos os sexos, as instalações destinadas às
c) A alínea c) exige que a criança privada de mulheres devem ser completamente separadas.
liberdade seja tratada com a humanidade e o res-
peito devidos à dignidade da pessoa humana. 413. Embora, em geral, a existência de estabeleci-
Deverá também ser tratada de forma consentânea mentos e instalações separadas para as mulheres
com as necessidades das pessoas da sua idade, colocadas sob custódia policial não seja necessária
permanecer separada dos adultos e ter o direito de nem exequível, o princípio segundo o qual as mulhe-
manter contacto com a sua família. res devem permanecer alojadas em locais distintos
dos dos homens deve ser rigorosamente respeitado.
d) A alínea d) concede à criança privada de liber-
dade o direito de aceder rapidamente à assistência 414. A questão da DISCRIMINAÇÃO é tratada no
jurídica, bem como o direito de impugnar a lega- princípio 5 do Conjunto de Princípios para a Pro-
lidade da sua privação de liberdade perante um tri- tecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer
bunal ou outra autoridade competente. Forma de Detenção ou Prisão. Este preceito esta-
belece que:
NOTA PARA OS FORMADORES: Deverá também ser
feita referência ao capítulo XVI, sobre a Polícia e a) os Princípios se aplicam a todas as pessoas,
Protecção dos Jovens. sem discriminação alguma, nomeadamente de
raça, cor, sexo e língua;
[iv] Mulheres detidas
b) as medidas aplicadas nos termos da lei e
411. A especial condição das mulheres é reconhe- exclusivamente destinadas a proteger os direitos
cida e protegida por dois tipos de disposições: umas e a especial condição das mulheres, em especial das
que exigem que as mulheres detidas permaneçam mulheres grávidas e lactantes, não serão conside-
alojadas em locais separados dos dos homens e radas discriminatórias.
outras relativas à questão da discriminação.
415. As leis e regulamentos internos que exigem:
412. LOCAIS DE DETENÇÃO – esta questão é abordada
na regra 8 das Regras Mínimas para o Tratamento a) que a vigilância das mulheres detidas seja
dos Reclusos. Apesar de a resolução 663 C (XXIV) efectuada por mulheres polícias,
do Conselho Económico e Social, de 31 de Julho de
1957, pela qual o Conselho adoptou as Regras, ter b) que as revistas pessoais sejam efectuadas por
recomendado que fosse favoravelmente conside- funcionários do mesmo sexo que os detidos em
NOTA PARA OS FORMADORES: Deverá também ser b) exerçam uma vigilância sistemática sobre as nor-
feita referência ao capítulo XVII, sobre Aplicação mas, instruções, métodos e práticas de interrogatório,
da Lei e Direitos das Mulheres. a fim de evitar qualquer caso de tortura (artigo 11.o).
418. A Declaração sobre a Protecção de Todas as Pes- e) um detido suspeito ou acusado de um delito
soas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos criminal presume-se inocente até que a sua cul-
Cruéis, Desumanos ou Degradantes estabelece que os pabilidade tenha sido legalmente provada perante
Estados “examinarão periodicamente os métodos de um tribunal (princípio 36, n.o 1).
interrogatório” a fim de prevenir a tortura e os maus
tratos das pessoas privadas de liberdade (artigo 6.o). [ii] Objectivo das normas
419. A Convenção contra a Tortura e Outras Penas 421. O objectivo das normas relativas à audição e
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degra- ao interrogatório consiste em garantir o trata-
dantes exige que os Estados: mento humano dos detidos:
108
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
b) a fim de prevenir a ocorrência de erros judi- b) procurar apurar os factos ou recolher infor-
ciários – devido ao facto de os detidos poderem con- mação, isto é, não ter unicamente em vista obter
fessar crimes que não cometeram na sequência da a confissão da pessoa interrogada.
sujeição a torturas ou maus tratos.
425. A atitude do funcionário que interroga deverá
422. As falsas confissões de um crime são, nessas estar condicionada pelo respeito da dignidade ine-
circunstâncias, um perigo muito real, devido: rente à pessoa humana e pelos fins da audição ou
interrogatório, conforme acima indicados.
a) à vulnerabilidade dos detidos em geral;
426. Os conhecimentos e a preparação do funcio-
b) à particular vulnerabilidade de alguns detidos, nário que procede ao interrogatório deverão abran-
devido a factores pessoais e psicológicos passíveis ger:
de afectar a sua capacidade de decidir livremente
e de pensar de forma racional; a) as normas éticas e jurídicas aplicáveis ao pro-
cesso de audição ou interrogatório;
c) à compreensível tendência das pessoas sujei-
tas a maus tratos de tudo fazer para que esses b) toda a informação disponível sobre o crime ou
maus tratos cessem, nomeadamente confessando incidente sobre o qual irá incidir o interrogatório;
crimes que não cometeram.
c) os factores psicológicos que intervêm no pro-
[iii] Implicações das normas sobre os processos de cesso de interrogatório, particularmente aqueles que
audição ou interrogatório afectam a capacidade dos indivíduos de decidir
livremente e pensar de forma racional;
423. As normas acima referidas têm repercussões
tanto sobre as finalidades da audição ou interro- d) a personalidade e o carácter da pessoa a ser
gatório como sobre a atitude, os conhecimentos e ouvida.
a preparação dos funcionários que conduzem
esses actos, bem como as respectivas competências É fundamental que as duas últimas áreas de conhe-
técnicas. cimento e preparação tenham por base o trabalho
teórico actualmente desenvolvido nesta área.
424. A audição ou interrogatório de um detido não
poderá ter por finalidade: 427. As aptidões técnicas da pessoa que interroga
resultarão da formação e da experiência adquiridas
• obrigar a pessoa a confessar-se culpada, a incri- com base nos conhecimentos actualmente dispo-
minar-se a si própria ou a testemunhar contra ter- níveis sobre a teoria e a prática do interrogatório.
ceiro;
• sujeitar a pessoa a um tratamento susceptível de NOTA PARA OS FORMADORES: As observações for-
comprometer a sua capacidade de decisão ou dis- muladas centraram-se no interrogatório de pessoas
cernimento. suspeitas ou acusadas da prática de um crime. O
interrogatório das testemunhas do crime é também
A audição ou interrogatório dos detidos é parte inte- extremamente importante para uma investigação
grante do processo de investigação e visa a recolha criminal eficaz. Cada tipo de interrogatório exige
e a análise de informação. Ambas as finalidades uma diferente abordagem e a aplicação de diferentes
serão melhor servidas se o funcionário adoptar a conhecimentos e técnicas.
seguinte atitude:
a) demonstrar abertura de espírito, isto é, não ten- Profissionais na área da psicologia e agentes poli-
tar utilizar o interrogatório para reforçar ideias ciais têm vindo a acumular significativos conhe-
preconcebidas; cimentos especializados na teoria e prática dos
110
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
437. O tratamento humano dos detidos não exige é essencial que a formação se baseie em conheci-
um alto nível de conhecimentos técnicos especia- mentos teóricos sólidos e nas boas práticas actual-
lizados; exige apenas o respeito pela dignidade mente desenvolvidas.
inerente à pessoa humana e a observância de algu-
mas regras de conduta elementares. De todas as 438. A forma como uma instituição policial trata as
questões abordadas no presente capítulo, apenas pessoas colocadas à sua guarda revela-nos a medida
a audição ou o interrogatório dos detidos exigem do profissionalismo dos seus agentes; dos princí-
conhecimentos particulares. Um interrogatório pios éticos que é capaz de respeitar; e demonstra até
eficaz e, ao mesmo tempo, conforme aos princí- que ponto a instituição poderá ser considerada como
pios éticos exige um alto nível de competência prestadora de um serviço à comunidade e não como
técnica da parte dos agentes, que pode ser adqui- um instrumento de repressão. A longo prazo, estes
rida através da formação e da experiência. Contudo, factores irão determinar a eficácia do organismo.
}
}
Recomendações destinadas • Estabeleça, divulgue, aplique e reveja regularmente regulamentos inter-
a todos os funcionários nos relativos ao tratamento dos detidos.
com responsabilidades
de comando e supervisão • Proporcione formação especializada a todos os funcionários que traba-
lham nas instalações de detenção.
• Assegure-se de que existe uma área destinada às visitas normais, com uma
grelha, mesa ou divisória semelhante entre o visitante e o detido.
112
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
}
Recomendações destinadas • Providencie para que esteja sempre de serviço pelo menos um agente com for-
a todos os funcionários mação ao nível da psicoterapia e apoio psicológico, nomeadamente no domínio
com responsabilidades da prevenção do suicídio.
de comando e supervisão
• Examine todos os detidos, no momento da admissão, procurando detectar sinais
de doença, ferimentos, intoxicação por álcool ou drogas ou alienação mental.
• Dê instruções aos agentes que trabalham nas instalações de detenção para que
não transportem consigo armas de fogo, excepto quando devam conduzir os deti-
dos ao exterior.
• Exija que todos os funcionários das instalações de detenção usem placas de iden-
tificação claramente visíveis, a fim de facilitar a denúncia de qualquer infracção.
• Estabeleça sanções por eventuais violações, informando todo o pessoal a esse res-
peito. Tendo em conta a gravidade do acto, essas sanções poderão ir desde a sus-
pensão, multa e expulsão da instituição até à instauração de processo criminal em
caso de violações graves.
}
O artigo 6.o da Declaração sobre a Protecção de a) um exame periódico dos métodos e práticas
Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas de interrogatório;
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degra-
dantes afirma: b) um exame periódico das disposições relativas
à custódia e ao tratamento das pessoas privadas de
Todos os Estados examinarão periodicamente os liberdade.
métodos de interrogatório e as disposições relati-
vas à custódia e ao tratamento das pessoas priva- 2). Elabore uma lista sucinta de directrizes e ins-
das de liberdade no seu território, a fim de truções destinadas aos funcionários responsáveis
prevenir qualquer caso de tortura ou de outras pela aplicação da lei para garantir que aos detidos seja
penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou prestado um tratamento humano entre o momento
degradantes. da captura e a chegada ao local de detenção.
c) intentar um recurso perante um tribunal, a fim O princípio 21 do Conjunto de Princípios para a Pro-
tecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer
de que e≤ste decida sem demora sobre a legalidade
Forma de Detenção ou Prisão afirma:
da sua detenção.
a) à assistência de um advogado;
1). Estão normas semelhantes consagradas na
legislação do seu país, ou nas instruções e direc-
b) às suas famílias; trizes destinadas à polícia?
2). Imagine que é membro de um grupo de 3). Uma das consequências do princípio 21 é
trabalho constituído para considerar os direi- obrigar a polícia a utilizar técnicas de interroga-
tos dos detidos a serem levados prontamente tório que não se baseiem na coacção física ou
à presença de um juiz ou outra autoridade psicológica. Considera que os agentes policiais do
judicial, e a terem acesso à assistência de um seu organismo conhecem e sabem utilizar tais téc-
advogado. nicas?
114
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
4). Imagine que é membro de um grupo de tra- c) Nenhuma condenação pela prática de uma
balho encarregado de formular recomendações infracção penal se poderá basear exclusivamente
sobre: na confissão como elemento de prova. Quaisquer
confissões deverão ser sempre corroboradas por ele-
a) as medidas de controlo e mentos de prova adicionais que demonstrem a
culpabilidade da pessoa.
b) os programas de formação
d) Sempre que alguém confesse a prática de um
necessários para assegurar que os agentes poli- crime a um agente policial, essa pessoa será de ime-
ciais interrogam os suspeitos de forma eficaz e em diato conduzida a um tribunal para que um juiz
conformidade com os princípios éticos e com a lei. ou outra autoridade judicial possa verificar que a
confissão foi feita voluntariamente e sem qual-
Enumere os principais aspectos das suas reco- quer pressão abusiva.
mendações e indique resumidamente formas de as
aplicar. O Governo deixou claro que iria introduzir pelo
menos algumas destas recomendações.
Exercício n.o 4
Para fins de debate, imagine que é membro de um
Imagine que ocorreram recentemente no seu país grupo de trabalho da polícia encarregado de dar
diversos casos de pessoas condenadas a longas parecer, em nome das autoridades policiais, sobre
penas de prisão pela prática de crimes graves com estas quatro recomendações. Exponha os argu-
base em confissões que mais tarde se veio a mentos contra e a favor de cada uma delas e selec-
demonstrar que eram falsas. Esta situação levou a cione a recomendação ou recomendações que
uma grande perda de confiança no sistema judi- julga deverem ser adoptadas. Indique os motivos
cial e policial. A principal razão para estas falsas da sua escolha.
confissões foram os maus tratos por parte da polí-
cia, especialmente dos agentes responsáveis pela
condução dos interrogatórios. 3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO
As infracções cometidas pelos agentes estão a ser 1). Você capturou um homem que escondeu
objecto dos normais inquéritos judiciais, bem uma bomba algures no centro da cidade. O enge-
como de procedimentos disciplinares internos. nho deverá explodir dentro de uma hora e ele
recusa-se a dizer onde o colocou. Tem o direito de
A Comissão de Inquérito nomeada pelo Governo torturar esse homem para o obrigar a revelar o
a fim de estudar as reformas do sistema de justiça esconderijo da bomba?
penal e do procedimento de interrogatório dos
suspeitos pela polícia formulou diversas reco- 2). De que formas poderá a formação dos fun-
mendações, nomeadamente as seguintes: cionários responsáveis pela aplicação da lei
assegurar que seja plenamente tomada em consi-
a) O advogado ou representante legal do sus- deração a proibição da tortura, conforme disposto
peito deverá estar sempre presente durante os na Declaração sobre a Protecção de Todas as Pes-
interrogatórios a que este seja sujeito por parte da soas contra a Tortura e Outras Penas ou Trata-
polícia. mentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes
(artigo 5.o)?
b) Todas as audições dos suspeitos pela polícia
serão filmadas e as gravações serão utilizadas 3). Por que motivo é importante que as pessoas
como prova em quaisquer procedimentos legais acusadas sejam separadas das pessoas condenadas
subsequentes. e recebam um tratamento diferenciado?
Conceitos Fundamentais
* 115
4). Por que motivo é importante tratar o caso 8). Que qualidades pessoais deverá possuir um
dos delinquentes juvenis evitando o recurso ao agente policial para conduzir os interrogatórios
sistema de justiça penal, conforme exigido pelas com eficácia e em conformidade com os princípios
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Admi- éticos? Poderão estas qualidades ser adquiridas
nistração da Justiça de Menores (Regra 11)? através da formação, ou são talentos inatos?
5). Quais são as vantagens de dispor de unidades 9). Quais são as vantagens e as desvantagens da
policiais especializadas no tratamento das questões gravação em vídeo do interrogatório policial dos sus-
relativas aos menores e à delinquência juvenil? peitos? Indique todos os fins para os quais essas
gravações poderão ser utilizadas.
6). Que factores pessoais e psicológicos podem
afectar a capacidade do detido que está a ser inter- 10). Foi demonstrado que algumas pessoas que
rogado de decidir livremente e formular juízos confessam a prática de um crime sem que o
racionais? tenham cometido conseguem relatar a sua parti-
cipação de forma convincente porque os agentes
7). Quais serão as diferenças entre um interroga- policiais que conduzem os interrogatórios lhes
tório que visa o apuramento dos factos e a recolha fornecem involuntariamente suficiente informação
de informação e um outro que tem exclusivamente com base na qual são construídos os relatos. De que
por objectivo obter a confissão do suspeito? formas poderá esta situação ser evitada?
116
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
cap
ítu
lo
*14
Utilização da força
e de armas de fogo
Objectivos do capítulo • Dar indicações aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei sobre
a utilização da força e de armas de fogo, seu impacto sobre os direitos à
vida e à segurança pessoal e normas internacionais relativas à adequada
utilização da força e de armas de fogo para fins policiais legítimos.
}
• Todos os agentes policiais deverão receber formação sobre o uso dos dife-
rentes meios capazes de permitir a utilização da força em diferentes graus.
117
*
Terceira Parte
}
Princípios fundamentais Responsabilidade pela utilização da força e de armas de fogo
118
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
}
Princípios fundamentais Procedimentos relativos à utilização de armas de fogo
120
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
[ii] Recurso inicial a meios não violentos terceiros, ou claramente inútil ou inadequado,
dadas as circunstâncias.
449. Tanto quanto possível, os agentes policiais
deverão utilizar meios não violentos antes de 454. As normas e regulamentos sobre a utilização
recorrer à força ou a armas de fogo. de armas de fogo por parte de funcionários res-
ponsáveis pela aplicação da lei deverão fornecer
[iii] Moderação; medidas humanitárias orientações sobre as circunstâncias em que tais fun-
cionários estão autorizados a transportar armas
450. Caso a utilização legítima da força ou de armas de fogo, garantir que as armas de fogo sejam uti-
de fogo seja inevitável, os funcionários responsáveis lizadas apenas nas circunstâncias adequadas e de
pela aplicação da lei deverão recorrer a tais métodos maneira conforme a diminuir os riscos de lesões,
com moderação e reduzir ao máximo os danos e disciplinar o controlo, armazenagem e distribuição
lesões, bem como respeitar e preservar a vida de armas de fogo e prever um sistema de partici-
humana. Para estes fins, deverão garantir a presta- pação sempre que os agentes policiais façam uso
ção de assistência médica a qualquer pessoa ferida de uma arma de fogo no exercício das suas funções.
ou afectada no mais curto espaço de tempo e asse-
gurar-se de que os familiares ou amigos das pessoas [vi] Manutenção da ordem durante reuniões
feridas ou afectadas são avisados do incidente. públicas
[iv] Participação do uso da força 455. No dispersar de reuniões ilegais mas não vio-
lentas, os funcionários responsáveis pela aplicação
451. Os ferimentos ou mortes resultantes da uti- da lei deverão evitar o recurso à força ou, quando
lização da força ou de armas de fogo deverão ser tal não seja possível, restringi-lo ao mínimo neces-
participados aos funcionários superiores e toda a sário. No dispersar de reuniões violentas, os fun-
utilização arbitrária ou abusiva da força deverá ser cionários responsáveis pela aplicação da lei apenas
tratada como um crime. As circunstâncias excep- podem utilizar armas de fogo caso o recurso a
cionais ou situações de emergência pública não jus- meios menos perigosos seja impraticável. Em
tificam a violação dos Princípios. qualquer situação, conforme acima indicado, só é
permitida a utilização de armas de fogo em legí-
[v] Utilização de armas de fogo tima defesa do próprio ou de terceiros, para afas-
tar um perigo iminente de morte ou lesões físicas
452. Permite-se a utilização de armas de fogo em graves, ou a fim de proceder à captura de uma
legítima defesa do próprio ou de terceiros contra pessoa que apresente tal perigo. É proibida a uti-
um perigo iminente de morte ou lesões físicas lização intencional de armas de fogo com conse-
graves, ou a fim de proceder à captura de uma quências fatais, a menos que absolutamente
pessoa que apresente tal perigo, caso as medidas inevitável com o objectivo de salvar uma vida.
menos extremas se revelem insuficientes. É proi-
bida a utilização intencional de armas de fogo com [vii] Utilização da força sobre pessoas detidas
consequências fatais, a menos que absolutamente
inevitável a fim de salvar uma vida. 456. Os funcionários responsáveis pela aplicação
da lei não poderão utilizar a força sobre as pessoas
453. Antes de utilizar uma arma de fogo contra sujeitas a detenção a menos que tal se revele abso-
alguém, o polícia deverá identificar-se e advertir cla- lutamente indispensável à manutenção da segu-
ramente da sua intenção de utilizar a arma em ques- rança e da ordem dentro da instituição, ou em
tão. Deverá ser dado tempo suficiente para que o caso de ameaça à segurança pessoal. As armas de
delinquente se conforme com a advertência, a fogo não poderão ser utilizadas contra tais pessoas,
menos que tal se mostre susceptível de resultar na excepto em legítima defesa do próprio ou de ter-
morte ou em lesões físicas graves do agente ou de ceiros contra um perigo iminente de morte ou
122
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
(d) Utilização da força e execuções b) velar para que os outros agentes do orga-
ex trajudiciais nismo onde trabalham não participem em tais
crimes.
465. A expressão “execuções extrajudiciais”
designa as privações arbitrárias da vida acima des-
critas, quando perpetradas, por exemplo, pela polí- 3. OBSERVAÇÕES FINAIS
cia, pelo exército ou por outros agentes do Estado.
As execuções extrajudiciais constituem uma 470. Para além dos motivos éticos e jurídicos que
forma de terrorismo de Estado, sendo por vezes obrigam a que a polícia respeite as normas inter-
cometidas por unidades que se tornaram conhe- nacionais relativas à utilização da força e de armas
cidas como os “esquadrões da morte”. de fogo, existem também considerações de índole
prática e política. Os abusos e excessos na utiliza-
466. Os Princípios sobre a Prevenção Eficaz e ção da força por parte da polícia podem ter como
Investigação das Execuções Extrajudiciais, Arbi- efeito levar a que um trabalho, já de si difícil, se
trárias ou Sumárias enunciam medidas de combate torne impossível. Para além disso, tais abusos e
a estas flagrantes violações do direito à vida. Este excessos comprometem um dos principais objec-
instrumento é composto por 20 princípios desti- tivos da actividade policial – a manutenção da paz
nados a prevenir a ocorrência de execuções extra- e estabilidade social. Casos houve em que a utili-
judiciais e a garantir a cuidadosa investigação das zação excessiva da força por parte da polícia resul-
mesmas, caso se verifiquem. Os Princípios exigem tou numa instabilidade pública em tão larga escala
que se exerça um controlo rigoroso sobre os fun- e de tal forma violenta que as instituições res-
cionários que exercem poderes de captura e deten- ponsáveis pela aplicação da lei se tornaram tem-
ção, bem como sobre aqueles que se encontram porariamente incapazes de manter a ordem e
autorizados a utilizar a força e as armas de fogo. proteger a segurança pública. As consequências
generalizadas de tais incidentes, bem como as
(e) Utilização da força e desaparecimentos suas enormes repercussões mediáticas, compro-
metem seriamente o fundamental apoio da popu-
467. Deverá ser feita referência ao capítulo XII, lação à actividade policial.
sobre Captura, na medida em que contém obser-
vações gerais sobre os desaparecimentos forçados 471. Em resumo, as normas internacionais de
ou involuntários (parágrafos 372-376, supra). direitos humanos exigem que a utilização de
armas de fogo pela polícia seja uma medida excep-
468. O fenómeno dos desaparecimentos forçados ou cional; que a utilização da força por parte da polí-
involuntários é referido no presente capítulo uma vez cia seja necessária e proporcional ao objectivo
que uma pessoa desaparecida nessas circunstâncias pretendido; e que a utilização da força e de armas
terá muito provavelmente sido vítima de uma utili- de fogo pela polícia seja regulamentada, controlada
zação indevida da força. Além do mais, as vítimas e compatível com os direitos fundamentais à vida,
deste tipo de abuso são muitas vezes ilegalmente exe- à liberdade e à segurança da pessoa.
cutadas, assim se vendo privadas do seu direito à vida.
b. Normas internacionais sobre utilização da
469. Será conveniente recordar aos funcionários res- força – Aplicação prática
ponsáveis pela aplicação da lei as suas respon-
sabilidades relativamente ao fenómeno dos
desaparecimentos forçados ou involuntários, 1. MEDIDAS PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO
nomeadamente: DAS NORMAS INTERNACIONAIS
Parta do princípio de que todas as armas estão Defina directivas claras para a participação de
carregadas. todos os incidentes que envolvem a utilização da
força ou de armas de fogo.
Estude e utilize técnicas de persuasão, mediação
e negociação. Regule de forma rigorosa o controlo, acondicio-
Planeie antecipadamente a utilização gradual e namento e distribuição de armas de fogo, nomea-
progressiva da força, começando pelos meios não damente instituindo procedimentos destinados a
violentos. garantir que todos os funcionários se responsabi-
lizam pelas armas e munições que lhes são con-
Esteja atento ao estado físico e mental dos seus cole- fiadas.
gas e intervenha sempre que seja necessário para
assegurar que recebam atenção, orientação e acon- Proíba a utilização de armas e munições que pro-
selhamento adequados. voquem lesões, danos ou riscos injustificados.
Assegure-se periodicamente de que os agentes
Recomendações destinadas a todos os funcionários apenas transportam consigo as armas e munições
com responsabilidades de comando e supervisão. que lhes são oficialmente atribuídas. Preveja san-
ções adequadas para qualquer agente em cuja
Estabeleça e aplique regulamentos internos cla- posse sejam encontrados materiais não distribuí-
ros sobre a utilização da força e de armas de fogo. dos pela via oficial (especialmente dispositivos
como balas de fragmentação, projécteis de ponta
Organize regularmente cursos de formação nos oca ou “dumdum”).
seguintes domínios: primeiros socorros, defesa
pessoal, utilização de equipamento defensivo, uti- Defina estratégias para diminuir o risco de os agen-
lização de armas não mortíferas, utilização de tes se verem forçados a utilizar armas de fogo.
124
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
2. EXERCÍCIO PRÁTICO 2). De que forma a utilização excessiva e abusiva da
força pela polícia torna o trabalho desta mais difícil?
Para fins de debate, imagine que, na zona onde tra-
balha, ocorreram os seguintes incidentes: 3). Qual o significado da expressão “utilização pro-
porcional da força” no contexto da actividade policial?
a) Durante uma patrulha, um agente policial
deparou-se com um homem que roubava um tran- 4). Que alternativas existem à utilização da força?
seunte. O ladrão ameaçou a vítima com uma Que conhecimentos técnicos especializados exigem
arma, roubando-lhe a pasta e a carteira e pondo- essas alternativas e de que forma podem os agen-
-se, de seguida, em fuga. O agente ordenou-lhe que tes receber formação neste domínio?
se detivesse. Como tal não acontecesse, puxou da
arma e disparou sobre o assaltante, que resultou 5). Em que circunstâncias se justifica a utilização
mortalmente ferido. intencional da força com consequências mortais por
parte da polícia?
b) Durante uma patrulha, um agente policial
deparou-se com duas pessoas que partiam a mon- 6). Por que razão o direito internacional não
tra de uma joalharia e furtavam uma grande quan- aceita a invocação de ordens superiores como jus-
tidade de jóias em exposição. Nenhuma delas tificação para a prática de violações de direitos
parecia estar armada e, logo que viram o agente, humanos?
puseram-se em fuga. O polícia ordenou-lhes que
se detivessem. Um dos assaltantes obedeceu, mas 7). Como podem as organizações policiais tornar
o outro continuou a fugir. O agente puxou do mais fácil aos agentes policiais a recusa do cum-
revólver e, depois de lhe ordenar uma vez mais que primento de ordens superiores ilegais passíveis
parasse, disparou e matou-o. O cúmplice, que de conduzir a violações de direitos humanos?
havia parado, foi detido.
8). De que formas pode a polícia proteger o
Comente a justificação legal para a utilização de direito à vida?
uma arma mortífera, em cada um destes casos,
tendo em conta: 9). As normas internacionais sobre a utilização
da força pela polícia encorajam o recurso a armas
• a legislação e directrizes sobre a utilização da força incapacitantes não mortíferas. Que armas desta
pela polícia em vigor no seu país; natureza conhece? Quais estão à sua disposição e
• os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e que perigos apresenta a sua utilização? Como
de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis podem estes perigos ser ultrapassados?
pela Aplicação da Lei, em particular o princípio 9.
10). Sempre que recorram à força, os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei têm a obrigação
3. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO de participar o facto aos seus superiores. A que
níveis de utilização da força se deverá aplicar esta
1). Por que razão os Estados e a comunidade obrigação? Como se podem descrever os diferen-
internacional estabelecem restrições à utilização da tes níveis de utilização da força a fim de que os fun-
força pela polícia? cionários saibam que casos devem participar?
*15
Distúrbios Internos,
Estados de Excepção
e Conflitos Armados
Objectivos do capítulo • Apresentar aos utilizadores do manual e aos participantes, que fre-
quentem cursos de formação, as normas de direitos humanos e de direito
humanitário aplicáveis às actividades de manutenção da ordem em situa-
ções excepcionais e indicar-lhe os limites das medidas excepcionais que podem
ser adoptadas nestas circunstâncias.
}
}
• Os direitos só podem ser alvo de restrições que sejam previstas pela lei.
• Toda a acção ou restrição ao exercício dos direitos deve visar unica-
mente a garantia do respeito pelos direitos e liberdades de terceiros e res-
ponder às justas exigências da moral, ordem pública e paz social.
127
*
Terceira Parte
• Devem ser envidados todos os esforços para limitar danos e ferimentos.
• Deve estar disponível uma panóplia de meios que permitam uma utili-
zação diferenciada da força.
• Uma medida excepcional não deve, em caso algum, dar origem a dis-
criminação baseada na raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social.
• Ninguém poderá ser condenado por uma infracção penal que não cons-
tituía um delito no momento da sua prática.
128
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
•O direito humanitário aplica-se em todas as situações de conflito
armado.
130
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
dos consiste no facto de o direito dos beligeran- lação a protecção deste direito e a proibição da pri-
tes utilizarem meios para atingir o inimigo não vação arbitrária da vida. Este direito encontra-se
ser ilimitado. Os princípios de proporcionalidade igualmente protegido pelas regras que restringem
(em relação às acções do adversário ou aos resul- o recurso à força pela polícia.
tados militares esperados das suas próprias
acções) e de selectividade (na escolha dos méto- [ii] Direito dos conflitos armados
dos, armamentos e alvos) decorrem deste princípio
fundamental. 484. O direito dos conflitos armados é composto
por dois grandes grupos convencionais (desig-
482. A repressão dos distúrbios civis é regida nados por «direito convencional da Haia» e
pelos princípios da necessidade e da proporcio- «direito convencional de Genebra») e por um
nalidade no recurso à força. Ambos os princípios certo número de regras consuetudinárias basea-
requerem respectivamente que a polícia não uti- das nos princípios fundamentais acima referi-
lize a força, a menos que tal se revele estritamente dos.
necessário para a aplicação da lei e manutenção da
N.T.1
ordem e que a aplicação da força seja proporcional 485. O «direito convencional da 18 de Assinada por Portugal a
Outubro de 1907. O
–por outras palavras, a força só deverá ser utilizada Haia» é essencialmente com- instrumento de ratificação
foi depositado a 13 de Abril
na estrita medida em que permita a aplicação da posto por uma série de declarações ção encontra-se publicado
de 1911. O texto da Conven-
b) o conflito armado não internacional ou […] em caso de guerra declarada ou de qualquer outro
guerra civil. conflito armado que possa surgir entre duas ou mais das
Altas Partes contratantes, mesmo que o estado de
488. As situações de tensões e distúrbios inter- guerra não seja reconhecido por uma delas.
nos, como por exemplo os tumultos e os actos
esporádicos de violência, que não constituem con- […] em todos os casos de ocupação total ou parcial do
flitos armados, não cabem no campo de aplicação território de uma Alta Parte
do direito internacional humanitário. contratante, mesmo que esta ocupação não encontre
qualquer resistência militar. […]
489. No que diz respeito às categorias de pessoas, dis-
tinguem-se principalmente os combatentes e os não NOTA PARA O FORMADOR: como iremos verificar
combatentes. De forma esquematizada, têm direito na secção «Conflito armado não internacional»
ao estatuto de combatente os membros das forças infra., o artigo 3.o comum às quatro Convenções de
armadas de uma parte no conflito que use as suas Genebra é a única disposição destas Convenções
armas abertamente. Este estatuto só é concedido àque- que visa os conflitos armados não internacionais.
les que combatam em conflitos armados internacio-
nais. As pessoas com direito ao estatuto de combatente: 493. O n.o 4.o do artigo primeiro do Protocolo Adi-
cional I às Convenções de Genebra alarga a definição
• têm o direito de participar nas hostilidades; do conflito armado internacional para nele incluir:
• têm o direito a ser consideradas como prisionei-
ros de guerra se forem capturadas pelo inimigo; […] os conflitos armados em que os povos lutam con-
• devem respeitar as leis da guerra; tra a dominação colonial e a ocupação estrangeira e
132
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
contra os regimes racistas no exercício do direito dos Por outras palavras, para serem considerados
povos à autodeterminação […] como combatentes os polícias devem fazer parte
de um serviço responsável pela aplicação da lei
[i] Estatuto da polícia oficialmente incorporado nas forças armadas de
uma parte no conflito. Este acto de incorporação,
494. No parágrafo 489 supra foi invocado o «esta- bem como a obrigação de notificação das outras par-
tuto de combatente», avançada uma definição tes, além de modificar o estatuto dos membros do
geral desta noção e precisados alguns direitos e serviço em causa, confirma igualmente o estatuto
obrigações dos combatentes. Com efeito, a definição civil dos polícias que pertençam a serviços não
do termo evoluiu ao longo dos anos, por forma a contemplados no n.o 3 do artigo 43.o.
ter em conta os tipos de conflitos em curso e os
desejos da comunidade internacional. 499. Finalmente, e ainda no que concerne o esta-
tuto das pessoas, a quarta Convenção de Genebra
495. Foi por exemplo assim que a definição de relativa à Protecção das Pessoas Civis em Tempo
combatente contida nos artigos 43.o e 44.o do Pro- de Guerra (título III, secção III, artigo 54.o) dis-
tocolo Adicional I às Convenções de Genebra não põe que:
opera uma distinção entre as forças armadas
muito organizadas de um Estado e as tropas A Potência ocupante não poderá modificar o estatuto dos
menos estruturadas dos movimentos de libertação. funcionários ou dos magistrados do território ocupado
Esta definição permite assim atribuir um reco- ou tomar contra eles sanções ou quaisquer medidas
nhecimento jurídico a certos tipos de guerrilhas sur- coercivas ou de diferenciação no caso de deixarem de
gidas nos conflitos recentes. exercer as suas funções por razões de consciência.
498. O artigo 43.o do Protocolo Adicional I contém DIREITOS – durante as hostilidades beneficiar da
no seu n.o 3 uma disposição importante, com a protecção conferida pelas medidas que regula-
seguinte redacção: mentam os métodos e meios de guerra e serem tra-
tados como prisioneiros de guerra se forem
A parte num conflito que incorpore, nas suas forças capturados pelo inimigo.
armadas, uma organização paramilitar ou um serviço
armado encarregado de fazer respeitar a ordem, deve RESPONSABILIDADES – na sua qualidade de com-
notificar esse facto às outras Partes no conflito. batentes implicados na luta contra o inimigo, res-
Por exemplo, o artigo 14.o da terceira Convenção a) Protecção dos prisioneiros de guerra
de Genebra dispõe que os prisioneiros de guerra
têm direito ao respeito pela sua pessoa e honra em Em virtude do artigo 12.o da terceira Convenção de
todas as circunstâncias. Genebra, a Potência detentora é responsável pelo
tratamento de que são alvos os prisioneiros de
d) Protecção das pessoas e das populações civis guerra. Como existem nesta Convenção disposições
sobre a evasão e captura dos prisioneiros de
Por exemplo, o artigo 51.o, n.o 2, do Protocolo guerra, as infracções cometidas por ou contra os
Adicional I dispõe que nem a população civil prisioneiros de guerra e ainda relativas aos pro-
enquanto tal, nem as pessoas civis devem ser alvo cessos judicias, é muito provável que as forças de
de ataques. O mesmo parágrafo proíbe ainda os polícia da Potência detentora sejam chamadas a
actos ou ameaças de violência cujo fim principal intervir.
é de espalhar o terror entre a população civil.
b) Protecção das pessoas e populações civis
501. É de notar que, em relação à regra vigente em
tempo de paz, as actividades correntes de manu- O capítulo VI, título IV, secção I, do Protocolo
tenção da ordem são «desviadas» para tarefas Adicional I visa a protecção civil no sentido do
decorrentes da situação criada pelo conflito. Este artigo 61.o, nomeadamente a realização de um
ponto será examinado de forma mais detalhada certo número de tarefas humanitárias destinadas
aquando da análise consagrada aos deveres dos a proteger a população civil contra os perigos das
polícias que não tenham o estatuto de combatente. hostilidades e a ajudar a superar os seus efeitos ime-
diatos. Em tempo de guerra, a polícia pode ser
502. Os agentes da força pública que não tenham chamada a realizar algumas destas tarefas, nomea-
o estatuto de combatente – como é o caso dos fun- damente os alertas, evacuações, salvamentos, loca-
134
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
lizações e sinalizações das zonas de perigo e o res- b) consoante a incidência que o conflito ou a
tabelecimento e a manutenção da ordem nas ocupação do território sobre eles exerça, respeitar
zonas sinistradas. as regras do direito internacional aplicáveis à sua
situação.
c) Manutenção da ordem sob a autoridade de
uma potência ocupante (d) Conflito armado não internacional
Por exemplo o artigo 43.o das Regras anexadas à 503. As quatro Convenções de Genebra de 1949 são
Convenção da Haia de 1907 impõe à Potência ocu- compostas por mais de 400 artigos muito deta-
pante que restabeleça e mantenha a ordem pública lhados. Por si só, o artigo 3.o comum às quatro Con-
e a segurança no território que ocupa. Esta dispo- venções visa a protecção das vítimas de conflitos
sição inclui a obrigação de respeitar as leis em «que não apresentem um carácter internacional»
vigor no país ocupado – a menos que seja expres- e estabelece regras mínimas para a protecção das
samente impedido de o fazer. pessoas que não participam activamente nas hos-
tilidades, incluindo os membros das forças arma-
São definidas nos artigos 64.o a 78.o da quarta Con- das postos fora de combate.
venção de Genebra e nos artigos 75.o a 77.o do Pro-
tocolo Adicional I regras mais detalhadas relativas à 504. Em 1977 as disposições do artigo 3.o comum
legislação penal e ao processo judicial. Estas regras às quatro Convenções de Genebra foram comple-
baseiam-se no princípio de que a legislação penal do tadas por um protocolo adicional à Convenções, o
território ocupado deve permanecer em vigor, a Protocolo II. Este instrumento composto por 28 arti-
menos que constitua uma ameaça para a Potência ocu- gos precisa a protecção de que devem beneficiar as
pante, caso esse em que a referida Potência ocu- vítimas dos conflitos armados não internacionais.
pante poderá revogá-la ou suspendê-la. Tanto este
último princípio como as regras dele decorrentes, têm [i] Artigo 3.o comum às Convenções
por objectivo dar às instituições e aos funcionários
do território ocupado a possibilidade de continuarem 505. O artigo 3.o comum às quatro Convenções de
a desempenhar as suas funções como no passado – Genebra confere uma protecção humanitária ele-
na medida em que tal seja possível. mentar a certas categorias de pessoas, através da
extensão dos princípios basilares das Convenções
As tarefas de natureza corrente de manutenção da aos conflitos armados não internacionais que
ordem seriam afectadas não só pelas condições ocorram no território de uma das partes. Nesse caso
gerais do conflito, mas também pelas condições cada parte no conflito deve aplicar «pelo menos»
específicas da ocupação do território. Os funcioná- as disposições do preceito, sendo o artigo 3.o por
rios policiais continuariam a exercer as suas funções vezes qualificado como «convenção dentro das
como no passado, a menos que se abstenham de o Convenções».
fazer por considerações de consciência ou sejam
afastados das suas responsabilidades pela Potência 506. O princípio fundamental de tratamento
ocupante, sendo todos estes casos contemplados humano é enunciado no primeiro parágrafo, que
no artigo 54.o da quarta Convenção de Genebra. define igualmente as pessoas cobertas pelo preceito,
a saber:
RESPONSABILIDADES – na sua qualidade de fun-
cionário da polícia em exercício das funções gerais As pessoas que não tomem parte directamente nas hos-
de aplicação da lei: tilidades, incluídos os membros das forças armadas
que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham
a) respeitar as leis e procedimentos nacionais, sido postas fora de combate por doença, ferimento,
nomeadamente aqueles que consagram normas detenção ou por qualquer outra causa, serão, em todas
internacionais em matéria de direitos humanos; as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
d) os actos de terrorismo e os atentados contra 517. A única protecção prevista para as pessoas
a dignidade da pessoa. que participam directamente nas hostilidades
encontra-se inscrita no artigo 4.o, n.o 1, que proíbe
512. O artigo 4.o prevê igualmente a protecção das ordenar que não haja sobreviventes.
crianças, designadamente a proibição de recrutar
crianças menores de quinze anos para as forças [iii] Estatuto
armadas e a proibição de as deixar participar nas
hostilidades. 518. As pessoas que participam nas hostilidades no
âmbito de um conflito armado não internacional
513. O artigo 5.o enuncia as garantias das pessoas são:
privadas de liberdade – sem qualquer distinção
quanto aos motivos desta privação e sem criar a) os membros das forças armadas, das forças de
um estatuto de prisioneiro de guerra, com o polícia ou de outras forças de segurança do Estado
objectivo de garantir que os detidos sejam tra- que estejam sujeitas ao direito internacional dos
tados com humanidade e que a sua segurança direitos humanos, ao direito internacional huma-
seja assegurada. nitário e ao direito penal nacional,
ou
514. O artigo 6. o diz respeito ao exercício da b) os membros dos grupos armados dissidentes
acção penal e à repressão de infracções penais rela- organizados que, em virtude do direito penal
cionadas com o conflito armado, enunciando as nacional, devem responder por terem recorrido
regras susceptíveis de garantir o respeito pelas nor- ilicitamente à força, pelos seus actos de insurrei-
mas elementares mínimas em matéria de processo ção e outras infracções que possam ter cometido
judicial. e que se encontram igualmente obrigados a res-
peitar o direito internacional humanitário, por
515. O título III do Protocolo comporta seis arti- serem uma «parte no conflito».
gos relativos às pessoas afectadas por um conflito
armado devido à sua qualidade de feridos, doen- [iv] Deveres e responsabilidades da polícia
tes ou náufragos. Este título reafirma o princípio
de humanidade do tratamento, enuncia regras 519. Nos conflitos armados não internacionais os
destinadas a garantir protecção e cuidados a esta funcionários policiais têm os seguintes deveres e
categoria de vítimas e a proteger o pessoal médico, responsabilidades:
as missões e unidades médicas e os transportes
sanitários. DEVERES – enquanto responsáveis pela aplicação
da lei:
516. O título IV do Protocolo contém seis artigos
relativos à protecção da população civil, obri- a) defrontar os grupos armados de oposição, de
gando as partes no conflito a garantirem à popu- acordo com as funções e capacidades do serviço
lação civil e às pessoas civis uma protecção geral encarregue da aplicação da lei e de acordo com a
contra os perigos resultantes de operações mili- situação geral;
tares, com a reserva de que as pessoas civis
gozam desta protecção « salvo se participarem b) proceder a investigações sobre a actuação dos
directamente nas hostilidades e enquanto durar membros dos grupos armados da oposição;
tal participação» (artigo 13.o, n. os 1 e 3). O n. o 2
do artigo 13.o proíbe que a população civil e as pes- c) realizar tarefas correntes de manutenção da
soas civis sejam objecto de ataques. Proíbe ordem que – tal como é o caso num conflito
igualmente os actos ou ameaças de violência armado internacional – serão «desviadas» das acti-
cujo objectivo principal é de espalhar o terror vidades normais desenvolvidas em tempo de paz,
entre a população civil. devido à situação criada pelo conflito.
a) Conflitos armados internacionais, aos quais 522. Certos peritos internacionais propuseram
são aplicáveis as quatro Convenções de Genebra, diversos tipos de distúrbios e tensões internas não
bem como o Protocolo Adicional I às Convenções assimiláveis a conflitos armados. Por seu lado, o
de Genebra; Comité Internacional da Cruz Vermelha identificou
b) Conflitos armados não internacionais de alta um certo número de características comuns, as
intensidade, nos quais as forças rebeldes exercem quais se encontram presentes, total ou parcialmente,
um controlo sobre uma parte do território que lhes nas situações de distúrbios civis. Assim, os distúrbios
permite desenvolver operações militares contínuas internos foram descritos da seguinte forma:
e concertadas e aplicar o presente Protocolo. Estes
conflitos entram no campo de aplicação do Proto-
N.T.2
… situações nas quais não existe Vide International Review
of the Red Cross (Genebra),
colo II Adicional às Convenções de Genebra e do um conflito armado não interna- 28o ano, n.o 262 ( Janeiro-Feve-
reiro de 1988), p. 12.
artigo 3.o comum às quatro Convenções de Genebra; cional enquanto tal, mas em que
c) Situações de violência especificamente se verifica uma confrontação no seio do país, apresen-
excluídas do n.o 2 do artigo 1.o do Protocolo II, tando uma certa gravidade ou duração e envolvendo actos
a saber: as situações de tensão e de perturbação de violência. Estes últimos podem revestir diversas for-
internas, tais como motins, actos de violência iso- mas, indo desde a geração espontânea de actos de
lados e esporádicos e outros actos análogos, que não revolta até à luta entre grupos mais ou menos organi-
são considerados como conflitos armados. zados e as autoridades no poder. Nestas situações, que
não degeneram necessariamente em lutas abertas, as
Esta última categoria de conflitos será agora exa- autoridades no poder fazem apelo a vastas forças de polí-
minada sob a rubrica geral «Distúrbios internos». cia, podendo mesmo incluir as forças armadas, para res-
tabelecer a ordem interna. O elevado número de
NOTA PARA O FORMADOR: apesar de a distinção vítimas tornou necessária a aplicação de um mínimo de
entre conflitos armados e distúrbios ou tensões regras humanitáriasN.T.2.
internas não estar prevista no artigo 3.o comum às
quatro Convenções, este preceito refere-se clara- 523. O termo «tensões internas» refere-se a situa-
mente aos conflitos armados implicando hostili- ções de tensões graves (quer elas sejam políticas,
dades entre as forças armadas. religiosas, raciais, económicas ou outras) ou às
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
sequelas de um conflito armado ou de distúrbios pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação
internos. Os distúrbios e tensões internas podem da Lei:
incluir:
12). Dado que a todos é garantido o direito de par-
a) introdução de diversas formas de detenção – ticipação em reuniões lícitas e pacíficas, de acordo
maciças e prolongadas; com os princípios enunciados na Declaração Universal
dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional
b) torturas e sevícias contra os detidos; sobre os Direitos Civis e Políticos, os Governos e os
serviços e funcionários responsáveis pela aplicação
c) suspensão das garantias judiciárias funda- da lei devem reconhecer que a força e as armas de
mentais; fogo só podem ser utilizadas de acordo com os prin-
cípios 13 e 14.
d) desaparecimentos forçados e outros actos de
violências como a tomada de reféns; 13). Os funcionários responsáveis pela aplicação da
lei devem esforçar-se por dispersar as reuniões ilegais
e) medidas repressivas contra as famílias e mas não violentas sem recurso à força e, quando isso
conhecidos dos detidos; não for possível, limitar a utilização da força ao estri-
tamente necessário.
f ) campanhas de terror no N.T.3
Ibid., p. 13.
seio da população civilN.T.3. 14). Os funcionários responsáveis pela aplicação da
lei só podem utilizar armas de fogo para dispersarem
[ii] Normas internacionais reuniões violentas se não for possível recorrer a
meios menos perigosos, e somente nos limites do estri-
524. O direito internacional dos direitos humanos tamente necessário. Os funcionários responsáveis
aplica-se, tanto em tempo de paz como em tempo pela aplicação da lei não devem utilizar armas de
de guerra, ao conjunto das categorias de conflitos, fogo nesses casos, salvo nas condições estipuladas no
nomeadamente a: princípio 9.
140
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
devem ser procurados e recolhidos;
b) Os feridos e doentes devem ser protegidos e 537. Os actos de terrorismo são contrários aos fins
tratados; e princípios da Carta das Nações Unidas, e
c) Devem ser colocados à disposição dos orga- foram condenados pela Assembleia Geral em
nismos humanitários meios que lhes permitam diversas resoluções, nomeadamente em 1970
socorrer as vítimas. pela Declaração sobre os Princípios de Direito
Internacional relativos às Relações Amigáveis e
534. Os três textos, que traduzem os princípios e à Cooperação, em conformidade com a Carta
normas em vigor, podem ser ainda utilizados como: das Nações Unidas, a qual proíbe expressamente
o terrorismo.
a) afirmações das normas internacionais em
matéria de direitos humanos e direito humanitá- [i] Definições e tipos de terrorismo
rio pertinentes e aplicáveis em situações de dis-
túrbios e tensões internos; 538. O terrorismo é uma noção vaga e frequen-
b) instrumentos para a educação e formação dos temente muito politizada, de forma que é difí-
funcionários policiais sobre estas normas; cil chegar a um acordo sobre uma definição do
c) instrumento de investigação teórica, estraté- conceito para fins jurídicos. Nenhum dos ins-
gica e táctica para fazer face às situações de dis- trumentos internacionais relativos à matéria
túrbios civis. tratada neste capítulo definem o que é o terro-
rismo.
[iv] Deveres e responsabilidades da polícia
539. Os estudos teóricos neste domínio permitiram
535. Em períodos de distúrbios civis, os deveres e identificar um determinado número de definições
responsabilidades dos funcionários policiais são os e distinguir entre os diferentes tipos de terro-
seguintes: rismo. A principal distinção opõe:
DEVERES – na qualidade de responsáveis pela apli- a) O terrorismo de direito comum – que obedece
cação da lei, devem restabelecer a paz e desenvol- a um móbil estritamente criminoso,
ver tarefas gerais de manutenção da ordem. e
b) o terrorismo político – com motivações pura-
RESPONSABILIDADES – na qualidade de respon- mente políticas,
sáveis pela aplicação da lei, devem respeitar as
normas internacionais em matéria de direitos apesar de se admitir que as duas intenções se
humanos e direito humanitário, e respeitar a legis- encontrem por vezes misturadas.
lação nacional, especialmente as leis que consa-
gram normas internacionais em matéria de direitos 540. É feita igualmente a distinção entre:
humanos.
a) O terrorismo de Estado – os actos perpetra-
536. É do conhecimento geral que, em período de dos pelos representantes do Estado para fins
distúrbios civis, os serviços de polícia têm res- repressivos,
ponsabilidades imensas e contraditórias, e que os e
polícias são pessoalmente expostos a graves peri- b) o terrorismo contra o Estado – os actos sub-
gos. No entanto, os funcionários responsáveis pela versivos perpetrados por grupos ou pessoas pri-
aplicação da lei são obrigados a aplicar as regras vadas.
destinadas a proteger os direitos humanos e os prin-
cípios humanitários de forma absoluta.
(f ) Terrorismo
[ii] Actos de terror praticados durante conflitos [iii] Cooperação internacional na luta contra
armados o terrorismo
N.T7
545. Os actos de terror são expressamente proibi- 548. A violência causada pelo Assinada por Portugal a
16 de Junho de 1980 e apro-
dos tanto durante os conflitos armados interna- terrorismo é proibida por um vada para ratificação pela
Resolução da Assembleia
cionais como não internacionais, em virtude das certo número de instrumentos da República n.o 3/84,
de 8 de Fevereiro de 1984,
seguintes disposições: internacionais que definem os publicada no Diário
da República, I Série,
meios de luta contra os actos de n.o 33/84. O instrumento
de ratificação foi depositado
CONFLITOS ARMADOS INTERNACIONAIS – O artigo terror que visam certos alvos junto do Secretário-Geral
das Nações Unidas
51.o do Protocolo Adicional I às Convenções de específicos. Tal é, por exemplo, a 6 de Julho de 1984.
Genebra de 1949 proíbe os actos ou ameaças de o caso da Convenção Interna-
violência cujo objectivo principal é espalhar o ter- cional contra a Tomada de RefénsN.T.7, adoptada pela
ror entre a população civil (n.o 2). Assembleia Geral em 1979.
CONFLITOS ARMADOS NÃO INTERNACIONAIS – 549. Convém ainda chamar a atenção dos partici-
O artigo 13.o do Protocolo Adicional II às Con- pantes em cursos de formação para as Medidas de
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
Luta contra o Terrorismo Internacional, propostas nos instrumentos que proíbem a tortura e a escra-
em 1990 pelo Oitavo Congresso das Nações Uni- vatura.
das sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos
Delinquentes, as quais constituem um guia útil para 553. As disposições do parágrafo 28 são impor-
coordenar a luta contra o terrorismo internacional tantes, já que na luta contra o terrorismo os próprios
quer a nível nacional como internacional. Estados não devem recorrer a métodos terroristas.
550. O parágrafo 5.o das Medidas insta a um [iv] Deveres e responsabilidades da polícia
reforço da cooperação internacional para a pre-
venção da violência provocada pelo terrorismo, 554. Os deveres e responsabilidades dos funcio-
enumerando um certo número de acções que nários policiais em matéria de terrorismo são os
deveriam ser tomadas, nomeadamente: seguintes:
552. O parágrafo 28 trata especificamente das pes- 556. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis
soas acusadas ou condenadas pela prática de cri- e Políticos dispõe, no seu artigo 4.o, que os Esta-
mes terroristas. Estas pessoas devem ser tratadas dos podem adoptar medidas derrogatórias das
de forma não discriminatória e em conformidade obrigações previstas no Pacto se um perigo
com os princípios e normas em matéria de direi- público de natureza excepcional, proclamado por
tos humanos reconhecidos internacionalmente, um acto oficial, ameaçar a existência da nação.
tais como os que são enunciados na Declaração Uni- Estas medidas devem:
versal dos Direitos do Homem e no Pacto Inter- a) ser estritamente necessárias pelas exigências
nacional sobre os Direitos Civis e Políticos e ainda da situação;
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
-Geral do Conselho da Europa plenamente informado 3. CONCLUSÕES
sobre as medidas tomadas e motivos que as provo-
caram. Devem igualmente informar o Secretário- 567. Os instrumentos examinados no presente
-Geral do Conselho da Europa da data em que essas capítulo distinguem diversos níveis de distúrbios
disposições tiverem deixado de estar em vigor. internos e conflitos armados: distúrbios internos
que não constituem um conflito armado, conflitos
565. A Convenção Europeia não autoriza qualquer armados não internacionais de fraca ou forte
derrogação aos seguintes artigos: intensidade e conflitos armados internacionais.
Devemos, no entanto, relembrar que a maior parte
a) direito à vida (artigo 2.o), exceptuando os das reuniões pacíficas e legais permanecem legais
casos em que a morte resultar de um acto lícito de e pacíficas, não degenerando em tumultos. Da
guerra; mesma forma, a maior parte dos distúrbios civis
b) proibição da tortura e penas ou tratamentos violentos não terminam em conflitos armados e a
cruéis, desumanos ou degradantes (artigo 3.o); maior parte das guerras civis não se transforma em
c) proibição da escravatura e servidão (artigo 4.o, conflitos interestaduais.
n.o 1);
d) proibição das leis retroactivas (artigo 7.o). 568. É, no entanto, importante saber que existem por
vezes riscos de recrudescimento e que a polícia tem
[ii] Responsabilidades da polícia um papel crucial a desempenhar com vista à pre-
venção deste tipo de evolução. Nos casos em que as
566. É especialmente difícil defender e proteger os pessoas exercem o seu direito de reunião pacífica no
direitos humanos em período de conflito armado respeito pela lei, a polícia tem o dever de as ajudar a
ou de distúrbios civis. E é precisamente durante este exercer este direito, devendo tomar todas as medi-
género de situações que os Estados são mais fre- das preventivas necessárias para evitar qualquer inci-
quentemente levados a tomar medidas derrogató- dente violento. Contudo, se ocorreram estes tipos de
rias. Quando tal se verifica, os funcionários desordem, a intervenção policial poderá levar a uma
responsáveis pela aplicação da lei têm a obrigação diminuição, ou a um aumento dos distúrbios.
absoluta de:
569. A capacidade da polícia prevenir desacatos
a) respeitar e proteger o núcleo de direitos e restabelecer a ordem rapida e humanamente
humanos não derrogáveis a todo o momento e em depende da aplicação das estratégias e tácticas de
qualquer circunstância; manutenção da ordem mais apropriadas. Neste
b) respeitar as medias que ainda garantem pro- contexto, revestem-se de importância primordial as
tecção de todos os outros direitos humanos, após técnicas de manutenção da ordem e, por conse-
as derrogações decididas pelo Governo. guinte, a formação prática.
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
• Os prisioneiros de guerra estão unicamente obrigados a revelar a sua iden-
tidade, devendo ser tratados com humanidade. É proibido infligir-lhes tor-
turas físicas ou psicológicas.
}
}
Recomendações destinadas Distúrbios civis
aos funcionários
com responsabilidades
de comando e supervisão
• Elaborar instruções claras de respeito pelas reuniões e a agrupamentos
livres e pacíficos.
• Ordenar aos agentes da força pública que façam prova de tolerância relati-
vamente aos agrupamentos ilegais, mas pacíficos, que não constituam uma
ameaça, a fim de não provocar uma escalada inútil. Aquando da elaboração
das estratégias de disciplina das multidões, convém relembrar que o seu objec-
tivo é, antes de mais, de manutenção da ordem e da segurança e de proteger
os direitos humanos, e não a aplicação de tecnicismos jurídicos relativos à neces-
sidade de autorizações ou a comportamentos ilegais não ameaçadores.
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
2. EXERCÍCIOS PRÁTICOS c) Os autores de atentados contra a ordem
pública e de actos contrários à lei serão detidos, a
Exercício n.o 1 menos que a sua detenção imediata possa agravar
seriamente a situação.
Você é informado de que, na cidade onde exerce o d) Deve ser excluído o recurso à força, salvo em
seu poder de polícia, está prevista uma manifestação casos de ameaça imediata contra a vida ou a
contra a discriminação racial. No seguimento de con- segurança de terceiros, ou se for absolutamente
tactos entre a polícia e os organizadores da mani- necessário para proceder a detenções ou impedir
festação, você toma conhecimento de que são desacatos graves.
esperados mais de 10 000 manifestantes e que a e) O recurso às armas de fogo é proibido,
manifestação será pacífica e não violenta. excepto em caso de ameaça iminente de morte ou
de ferimento grave.
O itinerário combinado com os organizadores atra-
vessará a cidade e os manifestantes dirigir-se-ão à TAREFA: tendo em conta a situação inicial, os
Câmara Municipal, com vista a entregar uma peti- novos factos ocorridos e os princípios que devem
ção ao Presidente, que por sua vez fará uma decla- enquadrar as tarefas de manutenção da ordem:
ração pública. Os manifestantes são escoltados
através da cidade por polícias em trajes normais 1). Elabore um plano para manter a ordem
(isto é, sem escudos nem capacetes) e é igualmente durante a manifestação.
combinado com os organizadores que a polícia fará
prova de tolerância permanecendo a sua presença 2). Indique o número de agentes policiais que
discreta. deveria ser destacado.
Dois dias antes da data fixada para a manifes- 3). Concretize o tipo e quantidade de equipa-
tação você toma conhecimento, através dos mento especial que entregaria aos agentes policiais
seus informadores, que grupos extremistas ou que teria disponível em reserva.
hostis decidiram confrontar os manifestantes
perto da Câmara Municipal e perturbar o des- 4). Descreva a estrutura hierárquica no seio do ser-
file esperando, desta forma, provocar graves viço de polícia encarregue de dar ordens e de asse-
incidentes e desacreditar os objectivos da gurar que não existem incidentes.
mobilização. Os militantes extremistas recu-
sam qualquer diálogo com a polícia, sendo difí- 5). Indique as principais responsabilidades de
cil obter mais pormenores sobre os seus cada escalão hierárquico.
planos. As estimativas apontam para que estes
sejam cerca de 700. 6). Descreva a táctica que aplicaria para enqua-
drar a manifestação e indique a forma como ela per-
Por razões de princípio foi decidido que a mitiria alcançar os objectivos de manutenção da
manifestação seria mesmo assim autorizada e ordem.
que seria protegido o direito de reunião pacífica
dos manifestantes. Os grandes princípios que 7). Enumere os factos que comunicaria aos orga-
enquadram as tarefas de manutenção da ordem nizadores da manifestação no que diz respeito às
neste género de manifestações são os seguin- intenções dos contra-manifestantes extremistas e
tes: justifique a sua escolha.
a) Deve ser preservada a ordem pública dentro 8). Indique as instruções que daria aos agentes
do respeito pelos direitos humanos. policiais relativamente à utilização da força, de-
b) Não serão tolerados os atentados contra a tenções e respeito geral pelos direitos humanos e
ordem pública e os actos contrários à lei. pelos princípios humanitários. Concretize as ins-
150
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional N.º05 [ACNUDH]
no Protocolo Adicional II às Convenções de Gene- 8). Quais são as vantagens e inconvenientes dos
bra de 1949 confere uma protecção às pessoas seguintes meios para reprimir os distúrbios civis:
que participam nas hostilidades. Parece-lhe que gás lacrimogéneo, matracas, munições em plástico
seria interessante estender alguma forma de pro- ou borracha e mangueira de água?
tecção aos combatentes na conduta das hostilida-
des, tal como foi o caso nas regras relativas aos 9). Como é que o oficial que dirige a intervenção
conflitos armados internacionais? da polícia aquando de um tumulto grave e que
ordena que a multidão seja espancada com matra-
4). Em que medida é que um código de conduta cas, poderá preservar a sua autoridade e dominar
que definisse as regras de comportamento aplicá- a situação, isto é como poderá ele fazer com que
veis em período de distúrbios civis poderia ajudar os polícias obedeçam às suas ordens sem fazer
a polícia? uma utilização excessiva da força?
5). Quais são os direitos humanos fundamen- 10). Em que medida é que lhe parece interessante
tais não derrogáveis que correm um especial risco que as unidades de polícia sejam especialmente trei-
de ser violados em caso de conflito armado não nadas para intervirem em casos de distúrbios públi-
internacional ou de distúrbios civis graves? Porque cos? Esta fórmula apresenta igualmente inconvenientes.
é que ocorrem atentados aos direitos humanos Quais são eles e como poderão ser evitados?
nestes tipos de situações?
11). Poderá a utilização incorrecta de armas nor-
6). Porque é que devemos respeitar os direitos das malmente não letais (tais como o gás lacrimogé-
pessoas que perpetraram actos terroristas ou que neo e as munições em borracha) causar a morte e
são suspeitas da prática de tais actos? ferimentos graves? Como? Como podem estes aci-
dentes ser evitados?
7). De que forma é que a polícia pode ajudar os
indivíduos a exercerem o seu direito de reunião
pacífica?
GRUPOS NECESSITADOS
DE PROTECÇÃO ESPECIAL
OU TRATAMENTO DISTINTO
153
*
Quarta Parte
cap
ítu
lo
*16
Polícia e Protecção de Jovens
Objectivos do capítulo • Proporcionar aos utilizadores do manual uma compreensão básica das
normas internacionais de direitos humanos aplicáveis a jovens que tenham
contacto com o sistema de justiça penal, e sensibilizá-los para a importância
de proteger todas as crianças contra o abuso e tomar medidas para pre-
}
• As crianças devem ser tratadas de uma forma que promova o seu sen-
tido de dignidade e valor pessoal, que facilite a sua reintegração na socie-
dade, que reflita o interesse superior da criança e que tenha em conta as
necessidades de uma pessoa daquela idade.
155
*
Quarta Parte
• As medidas de coacção física e de utilização da força em crianças devem
ser excepcionais, ser unicamente utilizadas quando todas as outras medi-
das de controlo tenham sido exaustas e ser unicamente aplicadas pelo mínimo
período de tempo necessário.
• Os funcionários e agentes que lidam com jovens devem receber uma for-
mação adequada e ter qualidades pessoais que os tornem aptos a desem-
penhar essas funções.
• Devem ser efectuadas visitas periódicas e visitas não anunciadas por ins-
pectores aos estabelecimentos de jovens.
a. Normas internacionais sobre a polícia Em relação a este último ponto, é reconhecido que
e a protecção de jovens – Informação para o facto de um jovem ser qualificado como «delin-
apresentações quente» ou como «criminoso» contribui fre-
quentemente para o desenvolvimento de um
comportamento sistematicamente anti-social e
1. INTRODUÇÃO indesejável por parte desse jovem.
570. Os jovens devem gozar de todos os direitos e 572. Para que a lei e as medidas de prevenção do
liberdades discutidos nos capítulos precedentes crime sejam aplicadas de forma eficaz e humana é
deste manual, não devendo por exemplo ser sujei- necessária a consciencialização e respeito, por parte
tos a prisão arbitrária. Os jovens detidos devem ser da polícia, por boas práticas em matéria de protec-
tratados humanamente e não devem ser sujeitos ção de jovens e de prevenção da delinquência juve-
a tortura. Todas as limitações ao uso da força pela nil. A legislação e a prática a que é feita referência,
polícia ser-lhes-ão aplicáveis. tal como se encontra consagrada em instrumentos
de direito internacional, será considerada infra.
571. O jovens são ainda protegidos por instrumen-
tos que reflectem normas internacionais que têm em
conta o seu estatuto e as suas necessidades particu- 2. ASPECTOS GERAIS RELATIVOS AO PAPEL
lares. A comunidade internacional, por intermédio DA POLÍCIA E À PROTECÇÃO DOS JOVENS
das Nações Unidas, reconhece a importância de:
(a) Princípios fundamentais
a) proteger o bem-estar de todos os jovens que
estejam em conflito com a lei; 573. Assegurar o bem-estar dos jovens e o afastá-los
b) proteger os jovens contra o abuso, a negli- do sistema de justiça penal constituem princípios
gência e a exploração; fundamentais de direitos humanos e de protecção
c) adoptar medidas especiais para prevenir a de jovens. Estes princípios são também funda-
delinquência juvenil. mentais para a prevenção da delinquência juvenil.
156
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
Todas as disposições detalhadas que serão conside- ver o bem-estar do jovem e reduzir a necessi-
radas neste capítulo decorrem destes princípios. dade de intervenção da lei e tratar de forma efi-
caz, equitativa e humanitária o jovem em conflito
(b) Disposições específicas em matéria de com a lei;
direitos humanos, polícia e protecção de d) a justiça juvenil deve ser concebida como
jovens parte integrante do processo de desenvolvimento
nacional de cada país;
574. Serão consideradas as disposições de cinco e) a aplicação destas Regras deve ser feita den-
instrumentos que consagram normas interna- tro do contexto das condições económicas, sociais
cionais relativas a jovens. Contudo, deverá ser e culturais existentes em cada Estado membro;
feita igualmente referência aos capítulos XII e XIII f ) os serviços de justiça de jovens devem ser
supra, nos quais são consideradas as disposições sistematicamente desenvolvidos e coordenados
específicas relativas à prisão e detenção de tendo em vista aperfeiçoar e apoiar a capacidade
jovens, no contexto das normas gerais relativas dos funcionários que trabalham nestes serviços, em
à prisão e detenção. especial os seus métodos, modos de actuação e
atitudes.
[i] Regras Mínimas das Nações Unidas
para a Administração da Justiça de Menores 578. A regra n.o 2 define um jovem como
(Regras de Beijing)
qualquer criança ou pessoa jovem que, em rela-
575. As Regras de Beijing são consagradas num ins- ção ao sistema jurídico considerado, pode ser
trumento detalhado composto por 30 regras con- punido por um delito, de forma diferente da de um
tidas em seis partes, a saber: “Princípios Gerais”, adulto.
“Investigação e Procedimento”, “Julgamento e
Decisão”, “Tratamento em Meio Aberto”, “Trata- O comentário à regra n.o 2 salienta o facto de que
mento em Instituição” e “Investigação, Planifica- os limites de idade dependem expressamente de
ção, Formulação de Políticas e Avaliação”. cada sistema jurídico, respeitando assim total-
mente os sistemas económicos, sociais, políticos
576. A PRIMEIRA PARTE (PRINCÍPIOS GERAIS) con- e culturais dos Estados membros.
tém nove regras, podendo aquelas que têm uma rele-
vância directa para os agentes responsáveis pela 579. A regra n.o 3 requer que as disposições per-
aplicação da lei, ser resumidas da seguinte forma: tinentes das presentes Regras sejam aplicadas
não só aos delinquentes juvenis, mas também
577. A regra n.o 1 consagra as “orientações funda- aos jovens que possam ser processados por qual-
mentais” nos termos das quais: quer comportamento específico, que não seria
punido se fosse cometido por um adulto. Procu-
a) os Estados membros promovem o bem-estar rar-se-ão alargar os princípios contidos nas pre-
do jovem; sentes Regras a todos os jovens aos quais se
b) os Estados membros criam condições que apliquem medidas de protecção e de assistência
assegurem ao jovem uma vida útil na comuni- social.
dade, fomentando um processo de desenvolvi-
mento pessoal e de educação afastado, tanto 580. A regra n.o 4 relaciona-se com a idade da res-
quanto possível, de qualquer contacto com a cri- ponsabilidade penal, determinando que nos sis-
minalidade e a delinquência; temas jurídicos que reconhecem a noção de
c) medidas positivas que assegurem a mobili- responsabilidade penal em relação aos jovens, esta
zação completa de todos os recursos existentes, não deve ser fixada a um nível demasiado baixo,
incluindo a família, a comunidade, as instituições “tendo em conta os problemas de maturidade afec-
comunitárias e as escolas, com o fim de promo- tiva, psicológica e intelectual”.
[…] Em relação aos delinquentes juvenis deve ter-se em 586. A regra n.o 8 destina-se a proteger o direito
conta não só a gravidade da infracção, mas também as à vida privada. Nos termos desta disposição o
circunstâncias pessoais. As circunstâncias individuais direito do jovem à vida privada deve ser respei-
do delinquente (tais como a condição social, a situação tado em todas as fases, com vista a evitar que seja
familiar, o dano causado pela infracção ou outros fac- prejudicado por uma publicidade inútil ou pelo
tores em que intervenham circunstâncias pessoais) processo de estigmatização. Em princípio, não
devem influenciar a proporcionalidade da decisão (por deve ser publicada nenhuma informação que
exemplo, tendo em conta o esforço do delinquente para possa conduzir à identificação de um delin-
indemnizar a vítima ou o seu desejo de encetar uma vida quente juvenil.
sã e útil). […]
587. A SEGUNDA PARTE (INVESTIGAÇÃO E PRO-
583. A regra n.o
6 diz respeito à margem de dis- CEDIMENTO) contém quatro regras, que poderão ser
cricionariedade, e exige um poder discricionário resumidas da seguinte forma:
suficiente em todas as fases do processo e a dife-
rentes níveis da administração da justiça juvenil, 588. A regra n.o 10 diz respeito ao primeiro con-
designadamente nas fases de instrução, de acusa- tacto e determina que:
ção, de julgamento e de aplicação e seguimento das
medidas tomadas. As pessoas que exercem este a) sempre que um jovem é detido, os pais ou o
poder discricionário devem ser especialmente tutor devem ser imediatamente notificados ou, no
qualificadas ou formadas para o exercer judicio- caso de tal não ser possível, a notificação deverá ser
samente. feita com a maior brevidade após a detenção;
b) um juiz ou qualquer outro funcionário ou
584. O comentário à regra n.o 6 salienta a neces- organismo competente deverá examinar imedia-
sidade de: tamente a possibilidade de libertar o jovem;
c) os contactos entre os organismos encarrega-
a) se permitir o exercício do poder discricioná- dos de fazer cumprir a lei e o jovem delinquente
rio em todas as fases importantes do processo, deverão ser estabelecidos de forma a respeitar o esta-
para que as pessoas que tomam decisões possam tuto jurídico do jovem, favorecer o seu bem-estar
adoptar as medidas consideradas mais apropriadas e evitar prejudicá-lo, tendo em conta as circuns-
em cada caso; tâncias do caso.
b) prever medidas de controlo e equilíbrio que
limitem o abuso do poder discricionário; 589. O comentário à regra n.o 10 afirma que o
c) proteger os direitos do jovem delinquente. envolvimento em processos de justiça juvenil pode
em si mesmo ser «nocivo» para os jovens e requer
585. É feita uma referência específica aos direi- que o termo «evitar prejudicá-lo» seja interpre-
tos dos jovens delinquentes na regra n. o 7, que tado de forma lata. Salienta igualmente a impor-
exige garantias fundamentais, que deverão ser tância deste aspecto no primeiro contacto com as
158
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
agências responsáveis pelo cumprimento da lei, já 595. No que concerne as unidades especializadas
que ele poderá influenciar profundamente a atitude de polícia dentro das cidades, o comentário afirma
de um jovem face ao Estado e à sociedade. O que o aumento da delinquência juvenil é asso-
comentário salienta que a benevolência e a fir- ciado ao desenvolvimento das grandes cidades, e
meza são essenciais em tais situações. que tais unidades são indispensáveis, não só para
a aplicação das disposições das Regras, mas tam-
590. A regra n.o 11 exige que, sempre que possível, bém para melhorar a prevenção e o controlo da cri-
os casos dos delinquentes juvenis sejam tratados minalidade juvenil.
evitando o recurso a um processo judicial. A polí-
cia e as outras agências que se ocupam de casos 596. A regra n.o 13 requer que a prisão preventiva
envolvendo jovens poderão lidar com eles discri- constitua uma medida de último recurso e que a
cionariamente, evitando o recurso ao formalismo sua duração seja o mais curta possível. Os jovens
processual penal estabelecido. sob prisão preventiva devem estar separados dos
adultos e devem receber cuidados, protecção e
591. O comentário à regra n.o 11 salienta que o toda a assistência de que necessitem, tendo em
recurso a meios extrajudiciais, que permite evitar um conta a sua idade, sexo e personalidade.
processo penal e implica, muitas vezes, o encami-
nhamento para os serviços comunitários, é comum- 597. O comentário à regra n.o 13 realça o perigo da
mente aplicado em vários sistemas jurídicos, de «contaminação criminal» dos jovens presos pre-
forma oficial e oficiosa. Acrescenta que em muitas ventivamente e sublinha a necessidade de medidas
situações, a não intervenção é a melhor solução e que alternativas.
o recurso a meios extrajudiciais desde o começo, sem
encaminhamento para serviços (sociais) alternativos, 598. A TERCEIRA PARTE (JULGAMENTO E DECI-
pode constituir a melhor resposta. Tal sucede, SÃO) contém nove regras, a maioria das quais não
sobretudo, quando o delito não é de natureza grave tem uma relevância directa para os agentes da
e quando a família, ou outras instituições de controlo polícia.
social informal já reagiram, ou estão em vias de
reagir, de modo adequado e construtivo. 599. A regra n.o 14 determina que, no caso de um
jovem delinquente não ter sido alvo de um processo
592. É sublinhada ainda a importância de assegu- extrajudicial (previsto na regra n.o 11), este deve ser
rar o consentimento do delinquente juvenil (dos julgado pela autoridade competente em confor-
seus pais ou tutor) para as medidas extrajudiciais midade com os princípios de um processo justo e
recomendadas. equitativo. A regra n.o 15 dispõe que, durante todo
o processo, o jovem tem o direito a ser represen-
593. A regra n.o 12 exige que os polícias que se tado pelo seu advogado e a que os seus pais ou tutor
ocupam frequentemente, ou exclusivamente, de participem no processo.
menores ou que se dedicam essencialmente à pre-
venção da delinquência juvenil recebam uma 600. Nos termos do artigo 16.o, as autoridades
instrução e formação especiais. Com este fim, competentes devem dispor de relatórios de
deveriam ser criados nas grandes cidades serviços inquérito social relativos aos delinquentes juve-
especiais de polícia destinados a lidar com delin- nis antes de pronunciarem o julgamento. O
quentes juvenis e com a prevenção da criminali- artigo 17. o enuncia detalhadamente princípios
dade juvenil. orientadores para as autoridades envolvidas no jul-
gamento e na decisão. A regra n.o 18 estabelece
594. O comentário à regra n.o 12 sublinha que, diversas medidas para as disposições do julga-
sendo a polícia sempre o primeiro ponto de con- mento e o artigo 19.o estipula que o recurso à colo-
tacto com o sistema de justiça juvenil, é importante cação numa instituição deve ser o menor
que ela actue de maneira informada e adequada. possível.
160
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
de prevenção da delinquência. Estas medidas 611. A PARTE III (PREVENÇÃO GERAL) corres-
devem evitar criminalizar e penalizar um jovem ponde ao parágrafo 9, que contém nove subpará-
por um comportamento que não cause danos grafos. Em resumo este parágrafo exige a
sérios ao seu desenvolvimento, nem prejudi- instituição de planos de prevenção detalhados em
que terceiros. Tais políticas e medidas devem todos os níveis da administração pública que
envolver: incluam:
162
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
tida por um adulto, não seja penalizada quando Aplicação das Regras”, “Jovens sob Detenção ou que
cometida por um jovem; Aguardam Julgamento”, “A Administração dos
f ) o pessoal de administração da justiça de Estabelecimentos de Menores” e “Pessoal”.
ambos os sexos deve ser formado para responder
às necessidades especiais dos jovens e estar fami- 617. Este instrumento é aplicável a todos os tipos
liarizado e usar as possibilidades e programas e formas de estabelecimentos e instituições, nos
alternativos que permitam subtrair os jovens ao sis- quais existem jovens privados da sua liberdade. Con-
tema judiciário; tudo, o essencial das suas disposições diz respeito
g) deve ser adoptada e estritamente aplicada legis- às instituições onde os jovens são detidos por um
lação para proteger as crianças e os jovens contra o longo período de tempo, tendo em vista o seu tra-
consumo de drogas e o tráfico de estupefacientes; tamento e readaptação, e não a detenção nas
esquadras de polícia. A detenção dos jovens pela
615. A PARTE VII (INVESTIGAÇÃO, ELABORAÇÃO DE polícia tem normalmente uma curta duração e é
POLÍTICAS E COORDENAÇÃO) contém sete pará- realizada por razões ligadas com a protecção ime-
grafos. Aqueles que dizem respeito às pessoas e diata do jovem ou com a investigação criminal.
organismos responsáveis pela aplicação da lei
podem resumir-se da seguinte forma: 618. Os princípios e disposições que se revelam de
interesse para os funcionários responsáveis pela
a) Devem ser desenvolvidos esforços e estabe- aplicação da lei ou que se revestem de maior
lecidos mecanismos para promover a interacção e importância no tratamento de jovens detidos pela
coordenação entre entidades e serviços económi- polícia são considerados infra.
cos, sociais, educativos e de saúde, o sistema judi-
ciário, os organismos para a juventude, os 619. A SECÇÃO I (PERSPECTIVAS FUNDAMENTAIS)
organismos comunitários e de desenvolvimento e contém 10 regras, podendo ser resumidas da
outras instituições relevantes. seguinte forma aquelas que se revestem de impor-
b) A troca de informações, experiência e conhe- tância para os casos de detenção pela polícia:
cimentos técnicos, obtidos através de projectos,
programas e iniciativas relativas à criminalidade a) O sistema de Justiça de Menores deverá
juvenil, à prevenção da delinquência e à justiça de garantir os direitos e a segurança, e promover o
menores, deve ser intensificada, a nível nacional, bem-estar físico e mental dos jovens.
regional e internacional. b) A privação de liberdade de um jovem deve ser
c) A cooperação regional e internacional em maté- uma medida de último recurso e deve ser tomada
ria de criminalidade juvenil, prevenção da delin- pelo período mínimo necessário;
quência e justiça juvenil que envolva práticos, peritos c) As Regras devem ser aplicadas de forma
e pessoas responsáveis pela tomada de decisões na imparcial, sem discriminação de qualquer espécie
matéria, deve ser desenvolvida e fortalecida. quanto à raça, cor, sexo, língua ou religião. As
d) Deve ser encorajada a colaboração na realização crenças religiosas, as práticas culturais e os con-
de trabalhos de investigação sobre as modalidades ceitos morais dos jovens devem ser respeitados.
eficazes de prevenção do crime e da delinquência d) Os jovens que não sejam fluentes na língua falada
juvenis, devendo os resultados de tais investigações pelo pessoal do estabelecimento de detenção devem
ser amplamente difundidos e avaliados. ter direito aos serviços gratuitos de um intérprete.
[iii] Regras das Nações Unidas para a Protecção 620. A SECÇÃO II (ÂMBITO E APLICAÇÃO DAS
dos Menores Privados de Liberdade REGRAS) contém seis regras, a primeira das quais
compreende as seguintes definições:
616. Estas Regras são enunciadas num instru-
mento detalhado de 87 regras contidas em cinco a) Menor é qualquer pessoa que tenha menos de 18
secções: “Perspectivas Fundamentais”, “Âmbito e anos. A idade limite abaixo da qual não deve ser per-
164
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
instrumentos examinados no presente capítulo 630. Em virtude do artigo 2. o, os Estados Par-
– por exemplo aquelas que dizem respeito aos tes comprometem-se a garantir os direitos
jovens presos ou aguardando julgamento, expos- enunciados na Convenção a todas as crianças
tas no parágrafo 622. que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, sem
distinção alguma, independentemente de qual-
625. É, no entanto, importante colocar ênfase quer consideração de raça, cor, sexo, língua ou
numa disposição específica da secção IV destas religião.
Regras, a saber a regra 56, nos termos da qual a
família ou o tutor dos jovens deve ser avisado ime- 631. O artigo 3.o dispõe que, em todas as decisões
diatamente: relativas a crianças adoptadas por instituições
públicas ou privadas de protecção social, por tri-
a) em caso de morte do jovem detido; bunais, autoridades administrativas ou órgãos
b) em caso de doença que exija a transferên- legislativos, o interesse superior da criança será tido
cia do jovem para um estabelecimento médico primacialmente em conta.
exterior;
c) se o estado de saúde do jovem obrigar a cui- 632. As matérias tratadas na Convenção que
dados na enfermaria do estabelecimento, por um dizem respeito às pessoas e organismos respon-
período superior a 48 horas. sáveis pela aplicação da lei podem ser classificadas
sob as rubricas «Protecção dos direitos», «Protec-
626. A SECÇÃO V (PESSOAL) inclui sete artigos ção contra a exploração» e «Protecção das crianças
detalhados relativos às qualificações, à selecção, à em situações especiais». As disposições em causa
formação e ao comportamento do pessoal das ins- encontram-se resumidas infra.
tituições especializadas no tratamento e readapta-
ção de jovens. Protecção dos direitos
633. Nos termos do artigo 6.o da Convenção, os
[iv] Convenção sobre os Direitos Estados Partes reconhecem que toda a criança tem
da Criança um direito inerente à vida e asseguram, na medida
do possível, a sobrevivência e o desenvolvimento
627. Este importante instrumento é composto por da criança.
54 artigos que prevêem uma protecção completa
da criança. 634. O artigo 8.o enuncia o direito da criança a
preservar a sua identidade, incluindo a sua nacio-
628. O preâmbulo da Convenção: nalidade, nome e relações familiares, nos termos
da lei e sem ingerência ilegal.
a) recorda que a Declaração Universal dos Direi-
tos do Homem proclamou que a infância tem 635. O artigo 12.o obriga os Estados a garantirem
direito a uma ajuda e assistência especiais; à criança com capacidade de discernimento o
b) reconhece que em todos os países do mundo, direito de exprimir livremente a sua opinião sobre
há crianças que vivem em condições particular- as questões que lhe digam respeito. Para este fim,
mente difíceis e que importa assegurar uma aten- deve ser nomeadamente dada à criança a possibi-
ção especial a essas crianças. lidade de ser ouvida nos processos judiciais que lhe
interessem, seja directamente, seja através de um
629. Nos termos do artigo primeiro da Convenção representante.
deve ser considerado como criança
636. O artigo 13.o enuncia o direito à liberdade de
[…] todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos expressão, que inclui a liberdade de procurar, rece-
termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade ber e expandir informações e ideias de toda a espé-
mais cedo. cie, sem considerações de fronteiras, sob forma oral,
637. O artigo 14.o protege o direito da criança à liber- a) que seja capaz de favorecer o seu sentido de
dade de pensamento, de consciência e de religião. dignidade e valor;
Os pais ou o tutor têm o direito de orientar a b) que reforce o seu respeito pelos direitos huma-
criança no exercício deste direito. nos e as liberdades fundamentais de terceiros;
c) que tenha em conta a sua idade e a necessi-
638. O artigo 15.o enuncia o direito à liberdade de dade de facilitar a sua reintegração social e o assu-
associação e à liberdade de reunião pacífica. mir de um papel construtivo no seio da sociedade.
642. O artigo 40.o impõe aos Estados a obrigação 647. O artigo 34.o estipula que os Estados devem
de reconhecerem, a qualquer criança suspeita, proteger as crianças contra todas as formas de
166
* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
exploração e violência sexuais. Para atingir este beneficie de adequada protecção e assistência
fim serão adoptadas medidas para evitar: humanitária, de forma a permitir o gozo dos direi-
tos reconhecidos pela Convenção e por outros ins-
a) que as crianças sejam incitadas ou coagidas trumentos internacionais relativos aos direitos
a dedicarem-se a uma actividade sexual ilícita; humanos ou de carácter humanitário.
b) que as crianças sejam exploradas para fins
de prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; 652. O artigo 35.o diz respeito ao rapto, venda ou
c) que as crianças sejam exploradas para fins tráfico de crianças e solicita aos Estados que
de produção de espectáculos ou materiais de carác- tomem todas as medidas apropriadas nos planos
ter pornográfico. nacional, bilateral e multilateral para evitar tais
abusos.
648. O artigo 36.o requer aos Estados que protejam
as crianças contra todas as formas de exploração 653. O artigo 38.o prende-se com os conflitos
prejudiciais a qualquer aspecto do seu bem-estar. armados e impõe aos Estados que respeitem e
façam respeitar as regras do direito internacional
Protecção das crianças em situações humanitário aplicáveis às crianças. Os Estados
especiais devem, em particular:
649. O artigo 9.o diz respeito à separação das
crianças dos seus pais, e exige que os Estados asse- a) tomar todas as medidas pos-
N.T.1
Foi entretanto adoptado,
a 25 de Maio de 2000, pela
gurem que as crianças não sejam separadas dos síveis na prática para garantir que Assembleia Geral das
Nações Unidas, o Protocolo
seus pais contra a sua vontade, a menos que as auto- nenhuma criança com menos de Facultativo à Convenção
sobre os Direitos da
ridades competentes decidam que esta separação 15 anos participe directamente Criança, relativo ao Envolvi-
mento de Crianças em Con-
é necessária de acordo com o interesse superior da nas hostilidadesN.T.1; flitos Armados, que
aumenta a idade para
criança, sob reserva de revisão judiciária e em con- b) abster-se de incorporar nas a participação de crianças
em conflitos armados de 15
formidade com a legislação e procedimentos apli- forças armadas as pessoas que para 18 anos.o Noso termos
do artigo 10. , n. 1, o Pro-
cáveis. não tenham a idade de 15 tocolo entrará em vigor três
meses após o depósito do
anosN.T.2; décimo instrumento de rati-
ficação.
650. Nos casos em que a separação é resultado das c) nos termos das obrigações N.T.2
O mesmo Protocolo
medidas adoptadas por um Estado, tais como a contraídas à luz do direito inter- Facultativo à Convenção
sobre os Direitos da Criança
detenção, a prisão, o exílio, a expulsão ou a morte nacional humanitário para a fixa a idade mínima para
o recrutamento obrigatório
de um ou de ambos os pais ou da própria criança, protecção da população civil em em 18 anos (artigo 2.o)
e exige aos Estados Partes
o preceito obriga o Estado, se tal lhe for solicitado, caso de conflito armado, os que aumentem a idade
mínima para o recruta-
a dar aos pais, à criança ou a outro membro da famí- Estados Partes na presente Con- mento voluntário «em
anos» (artigo 3.o, n.o 1).
lia as informações essenciais sobre o paradeiro do venção devem tomar todas as
membro ou membros ausentes da família, a medidas possíveis na prática para assegurar pro-
menos que a divulgação destas informações seja tecção e assistência às crianças afectadas por um
prejudicial ao bem-estar da criança. conflito armado.
651. O artigo 22.o diz respeito aos refugiados e [v] Regras Mínimas das Nações Unidas
solicita aos Estados que adoptem medidas apro- para a Elaboração de Medidas não Privativas
priadas para que uma criança: de Liberdade (Regras de Tóquio)
a) que requeira o estatuto de refugiado, ou 654. As Regras de Tóquio são enunciadas num
b) que seja considerada refugiado, de harmonia instrumento detalhado composto por 23 artigos
com as normas e processos de direito internacio- repartidos por oito rubricas intituladas: «Princípios
nal ou nacional aplicáveis, quer se encontre só, gerais», «Antes do processo», «Processo e conde-
quer acompanhada de seus pais ou de qualquer nação», «Aplicação das penas», «Execução das
outra pessoa, medidas não privativas de liberdade», «Pessoal»,
657. As disposições enunciadas nas Regras relati- 664. O artigo 3.o enuncia as garantias jurídicas
vas à polícia e às suas funções na administração da destinadas a assegurar o respeito pela legalidade,
justiça juvenil são resumidas infra. a proteger os direitos do delinquente, a sua dig-
nidade, segurança e vida privada, quando são con-
658. Os artigos relativos aos «Princípios gerais» sideradas ou aplicadas medidas não privativas da
dizem respeito aos objectivos fundamentais, ao liberdade. Em particular:
campo de aplicação das medidas não privativas de
liberdade e às garantias jurídicas. a) A escolha da medida não privativa da liberdade
baseia-se na avaliação da natureza e da gravidade
659. O artigo primeiro enuncia os objectivos fun- do delito, da personalidade e dos antecedentes do
damentais do instrumento, a saber formular uma delinquente, do objecto da condenação e dos direi-
série de princípios de base que visam favorecer o tos das vítimas.
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* Direitos Humanos e Aplicação da Lei • Série de Formação Profissional n.º 05 [ACNUDH]
b) As medidas não privativas da liberdade que policiais estão envolvidos na supervisão de medi-
acarretem uma obrigação para o delinquente, e das não privativas da liberdade.
que sejam aplicáveis antes ou em vez do processo,
requerem o consentimento do delinquente. 670. Os artigos da rubrica «Pessoal» prendem-se
com o recrutamento e a formação e os artigos da
665. Os artigos relativos à «Fase anterior ao pro- rubrica «Voluntariado e outros recursos da colec-
cesso» dizem respeito às medidas que podem ser tividade» tratam da participação da colectividade,
adoptadas antes do processo e aos meios de evitar da compreensão e cooperação por parte do público
a detenção provisória. e finalmente dos voluntários.
666. O artigo 5.o exige que a polícia, o Ministério 671. Nos artigos da rubrica «Pesquisa, planificação,
Público ou os outros serviços com competências elaboração das políticas e avaliação» é sublinhada,
em matéria de justiça penal estejam habilitados a inter alia, a importância de que se revestem:
retirar as acusações contra o delinquente, desde que
tal seja apropriado e compatível com o sistema a) a pesquisa sobre os problemas que enfrentam
jurídico e se considerarem não ser necessário ter os indivíduos em causa, os práticos a comunidade
recurso a um processo judiciário para os fins de: e os responsáveis (artigo 20.o, n.o 2);
b) as avaliações regulares para que a aplicação das
a) protecção da sociedade: medidas não privativas de liberdade seja mais efi-
b) prevenção do crime; caz (artigo 21.o, n.o2);
c) promoção do respeito pela lei e pelos direitos c) a ligação entre os serviços responsáveis
das vítimas. pelas medidas não privativas da liberdade, os
outros sectores do sistema de justiça penal e os
Cada sistema jurídico fixará critérios para determinar organismos de desenvolvimento e de protecção
se é conveniente retirar as acusações contra o delin- social (artigo 22.o).
quente ou para decidir qual o processo a seguir.
}
Recomendações destinadas • Receber uma formação especializada sobre o tratamento e cuidados efi-
a todo