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WOLFGANG KÔHLER

Psicologia da Gestalt

Tradução de DAVID JARDIM

EDITORA ITATIAIA

BELO HORIZONTE - 1968

Título do original norte-americano publicado por

Liveright Publishing Corporation

Nova York

GESTALT PSYCHOLOGY

Copyright (c) 1947 - Liveright Publishing Co.

Para

MAX WERTHEIMER

1968

Direitos de propriedade literária da presente tradução adquiridos

pela EDITÔRA ITATIAIA LIMITADA, de Belo Horizonte

IMPRESSO NO BRASIL

PRINTED JN BRAZIL

SUMÁRIO

1. Exame do Bebaviorismo 9

2. Psicologia como Ciância Jovem 26

3. Crítica da Introspecção 44

4. A Dinâmica em Oposição à Teoria Mecanista 62

5. Organização Sensorial 81

6. Características das Entidades Organizadas . 102

7. Comportamento 121
8. Associação 144

9. Evocação 11

10. Discernimento (Insight) 183

Indice 205

Capítulo 1

Exame do Behaviorismo

Parece haver, para a Psicologia, exatamente como para tôdas as de mai


ciências, um único ponto de partida: o mundo tal como o descobri mos de
maneira simples e desprovida de crítica. A simplicidade tende a

- desaparecer à medida que avançamos. Surgem problemas a princípio

completamente ocultos a nossos olhos, para cuja solução pode tornar-se

necessário aventar idéias que pouca relação pareçam apresentar com a

experiência primária e direta. De qualquer maneira, porém, tudo tem

que começar com uma simples e candida imagem do mundo. Essa

origem é necessária, já que não existe outro alicerce em que a ciência

possa firmar-se. Em meu próprio caso, que pode ser considerado como

um exemplo de muitos outros, aquela imagem simples consiste, neste

momento, em um lago azul rodeado por florestas escuras; um grande

rochedo cinzento, duro e frio, onde resolvi sentar-me; um papel no

qual escrevo; o leve ruído da brisa, que mal agita as árvores, e um

cheiro forte e característico de barcos e de peixe. Há, porém, mais

alguma coisa neste mundo: algo que contemplo, embora sem que se

confunda com o lago azul do presente, outro lago de um azul mais

apagado, que contemplei alguns anos antes, de sua margem, no Illinois.

Estou perfeitamente acostumado a contemplar milhares de imagens


desta espécie, que surgem quando me encontro sàzinho. E ainda existem

outras coisas neste mundo: por exemplo, minha mão e meus dedos,

que se movem de leve sôbre o papel. Além disso, quando paro de

escrever e olho em tôrno, há, também, a sensação de saúde e vigor.

Logo em seguida, porém, sinto, no íntimo, algo como uma pressão

sombria que tende a transformar-se na impressão de que estou sendo

perseguido: prometi entregar êstes originais prontos dentro de poucos


meses.

A maior parte das pessoas vive, constantemente, em um mundo igual a


êsse, que é, para elas, o mundo, e dificilmente encontram problemas sérios
em suas propriedades fundamentais. Ruas apinhadas de gente podem
substituir o lago, o encôsto de um carro substituir meu rochedo, podem ser
relembradas em vez do Lago Michigan certos aspectos sérios de algum
negócio comercial, e a impressão desagradável pode provir não da
necessidade de escrever um livro, e sim de ter que pagar impostos. Tudo
isso constitui diferenças de importância secundária, enquanto encaramos o
mundo por seu aspecto aparente, que é o que todos nós fazemos, exceto
nas horas em que a ciência perturba nossa atitude natural. É claro que há
problemas, mesmo para os cidadãos menos dotados de espírito crítico dêste
mundo não usado. Em sua maior parte, porém, tais problemas não se
referem à natureza do mundo como tal; têm, antes, aspecto prático e
emocional, e significam apenas que, admitindo-se como certo êste mundo,
não sabemos como comportar-nos na parte do mundo que enfrentamos
como nossa situação presente.

1-lá séculos, várias ciências, em particular a Física e a Biologia, começaram


a solapar a confiança singela dos sêres humanos no sentido de considerar
êste mundo como a realidade. Embora centenas de milhões de pessoas
continuem despreocupadas a êsse respeito, o cientista agora verifica
encontrar-se tal mundo repleto das mais contraditórias propriedades.
Felizmente, conseguiu descobrir, por trás dêle, outro mundo, cujas
propriedades, bem diversas das do mundo das pessoas simples, não
parecem, de modo algum, contraditórias. Não é de admirar, portanto, que
agora, quando a Psicologia começa a transformar-se em ciência, alguns dos
seus mais decididos cultores queiram fazê-la seguir, sem demora, o
caminho das ciências naturais. De fato, se os cientistas verificaram ser o
mundo simples impermeável ao seu método, que melhor esperança de êxito
podemos acalentar, como psicólogos? E, uma vez que já foi executada pelos
físicos a extraordinária façanha de passar do mundo da experiência direta,
mas confusa, para um mundo de clara e rude realidade, pareceria
aconselhável para o psicólogo tirar partido dêsse grande acontecimento na
história da ciência e tratar de estudar a Psicologia, partindo da mesma base
mais sólida.

Algumas palavras acêrca da história da crítica científica nos ajudará a


definir melhor o material que a Psicologia terá de deixar de lado e indicar
como deverá ser feita a escolha de objetos mais adequados. Nossa
experiência simples consiste, antes de tudo, de objetos, suas propriedades e
transformações, que parecem existir e acontecer de maneira de todo
independente de nós. No que lhes diz respeito, nao parece ter importância o
fato de nós os vermos, apalpá-los e ouvi-los, ou não. Quando não estamos
presentes ou nos encontramos ocupados com outros objetos, êles,
aparentemente, continuam tais como eram,

quando lhes dávamos plena atenção. Em tais circunstâncias, constituiu


grande progresso o fato de o homem começar a fazer indagações sôbre a
natureza da vista, do tato e da audição. E ocorreu uma verdadeira revolução
quando descobrimos que as côres, os ruídos, os cheiros, etc. não passavam
de produtos de influências exercidas pelo ambiente sôbre o homem. Ainda
assim, êsse ambiente parecia subsistir com suas características primárias,
continuando a ser "o mundo real". Subtraídas aquelas qualidades
secundárias, como ingredientes puramente subjetivos, permaneciam as
qualidades primárias, aparentemente tomadas como características diretas
da realidade. Finalmente, porém, as qualidades primárias da rea1idade
singela mostraram-se tão subjetivas quanto as secundárias: a forma, o pêso
e o movimento das coisas tiveram de ser interpretados da mesma maneira
que as côres e os sons; também êles dependiam do organismo que os
experimentava e eram meros resultados finais de complicados processos no
seu âmago.

Que restou? A resposta foi que, daí para diante, nenhum aspecto da
experiência imediata poderia ser considerado como parte do mundo real.
Se, assim, tanto as características primárias quanto as secundárias do
mundo conhecido pela experiência derivavam de influências que o ambiente
exercia sôbre o organismo, êste ambiente já não poderia ser identificado
como o meio experimentado pelo homem, O meio experimentado pelo
homem constitui o efeito de tais influências, e não pode, pois, ao mesmo
tempo, ser considerado como as causas originadoras de tais influências.
Assim sendo, a ciência teve de construir um mundo objetivo e
independente, de coisas físicas, espaço físico, tempo físico e movimento
físico, e de afirmar que tal mundo não aparece, de modo algum, na
experiência direta.

Devemos observar, aqui, que o mesmo raciocínio se aplica ao organismo.


Por um lado, nosso corpo se apresenta a nós como uma coisa particular na
experiência sensorial. Por outro lado, essa experiência sensorial particular é
causada por acontecimentos físicos ocorridos no objeto físico que
chamamos de nossop organismo. Sàmente o corpo como parte da
experiência sensorial nos é diretamente accessível. Só temos conhecimento
do organismo, como de tôdas as outras coisas físicas, através de um
processo de inferência ou construção. Meu organismo reage ante a
influência de outros objetos físicos, mediante processos que mantêm o
mundo sensorial em tôrno de mim. Outros processos no organismo fazem
surgir a coisa sensorial que chamo de meu corpo. Também aqui, outros são
responsáveis pelo aspecto interior de minha experiência, por sensações
como as de fome e fadiga, por emoções como as de mêdo e esperança, etc.

Não precisamos considerar como o mundo da ciência, que não aparece na


experiência direta, pode, não obstante, ser investigado pelos físicos. Não
pode haver dúvida quanto ao notável êxito do processo. Ao passo que o
mundo do homem simples é algo de confuso e revela seu caráter subjetivo
em qualquer exame crítico de suas propriedades, no mundo

'o

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dos físicos não são toleradas quaisquer confusões ou contradições. Embora


possam surpreender-nos as rápidas transformações que as teorias físicas
sofrem em nossos dias, o fato é que, em sua maior parte, tais
transformações se fazem para melhor. Segundo tudo indica, é de se deduzir
que todos os fatos importantes do mundo físico acabarão sendo incluídos
em um sistema de conhecimento claro e unitário.

Voltemos agora à Psicologia. Durante algum tempo, concebeu-se essa


disciplina como a ciência da experiência direta, de seus aspectos externos e
internos, em contraste com os objetos e ocorrências físicas. Pela descrição
da experiência direta, o psicólogo esperava chegar não sàmente a um
levantamento metódico de tôdas as suas variedades, como também a boa
dose de informações acêrca das relações funcionais entre tais fatos. Visava,
mesmo, a formular as leis que regem o curso da experiência.

Esta concepção de Psicologia tem sido severamente criticada pela escola


psicológica do behaviorismo, que condena tanto o objeto quanto o objeto da
Psicologia no velho sentido. De acôrdo com o behaviorismo, não é possível
chegar-se a um levantamento convincente da experiência direta, nem se
chega a coisa alguma com a tentativa de descrever as relações entre suas
variedades, ou de formular as leis da chamada "vida mental".
Evidentemente, sustenta o behaviorismo, não existe uma ciência de
experiência direta, dispondo de métodos claros e resultados dignos de
confiança. Discussões infindáveis a respeito de questões de pequena
importâncía, e, com menos freqüência, a respeito de questões de maior
importância, não podem ser aceitas como sucedâneo, particularmente
tendo-se em conta que os fatos da experiência, que deveriam ser os
mesmos para todos, são descritos de maneira de todo diferente pelos
diferentes autores. Vejamos o exemplo das imagens. Um psicólogo afirma
tê-las em grande número, muitas delas quase tão vivas e concretas como
percepts. Outros nos dizem que, em sua experiência direta, não ocorre tal
coisa e que aquêle primeiro psicólogo deve ter-se deixado enganar pelas
palavras ou outros fenômenos motores, relacionados com objetos não
realmente presentes na experiência. Se em um simples caso como êste, a
introspecção não pode dar melhor resultado, que devemos esperar em
questões de maior importância, mas onde também se apresenta maior
dificuldade intrínseca? Na realidade, os próprios partidários da introspecção
não parecem confiar em seu processo. Aparentemente, mostram-se
inclinados a enfrentar os problemas importantes com a maior raridade
possível e a se ocuparem principalmente, no campo da sensação, com
pormenores que não interessam a ninguém, a não ser a êles próprios. Se o
próprio objetivo anunciado é o de nos apresentar uma ciência de
experiência direta, naturalmente seria de esperar que tal concepção fôsse
aplicada, de pronto, na abordagem direta dos aspectos centrais do objeto do
estudo. No entanto, apenas sua periferia é timidamente aflorada. Também
nos países europeus, de há muito passou a ser motivo de galhofa a
preocupação dos psicólogos em discutir futilidades. E engraçado ver como,
no caso, por

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exemplo, de uma simples comparação como acontecimento psicológico,


centenas de páginas foram gastas na descrição de experiências diminutas,
ao passo que jamais se dava uma explicação sôbre a ocorrência e a
exatidão da própria comparação. Mesmo em estado de perplexidade, uma
ciência pode ser altamente interessante. Essa versão da Psicologia, porém,
não se mostrou apenas inteiramente falha, como se tornou maçante para
todos aquêles que não fizeram dela sua profissão.

Os behavioristas costumam acrescentar que a insistência na introspecção


está estreitamente relacionada com uma prevenção filosófica. Estejamos ou
não conscientes do fato, em seu afastamento do mundo da física o conceito
da experiência direta está claramente relacionado com noções tais como
mente e alma. Sub-repticiamente, a expressão refere-se às atividades de
uma substância mental a que não se aplicam as leis da Física e da Biologia.
Em conseqüência, muitas e muitas superstições de origem religiosa ou
metafísica tiveram facilidade de se esconder dentro da significação do
conceito. Quando criança, o psicólogo ouviu falar muito a respeito da alma e
de seus milagrosos podêres, e tudo isso ainda sobrevive em suas
afirmações, acêrca da experiência direta, fazendo de sua introspecção uma
simples defesa do obscurantismo medieval.

Se fôsse êste o único argumento contra a introspecção, os psicólogos


filiados a tal escola poderiam retrucar que a crítica não se aplica às
características da experiência direta em si mesma, mas apenas a certo
perigo, do qual nem todos os psicólogos partidários da introspecção podem
estar suficientemente cientes, O remédio, em tal caso, seria maior
autocrítica, acompanhada da cuidadosa eliminação das influêncías
religiosas ou filosóficas que se fazem sentir sôbre os estudiosos de
psicologia. Tais providências representariam, ao mesmo tempo, gestos
apaziguadores para com o behaviorismo rigorista.
Os adeptos desta escola, contudo, têm outros motivos para não aceitar a
experiência direta como campo de pesquisa científica. Em primeiro lugar,
falta à introspecção, como processo, a principal virtude metodológica do
trabalho na física: achar-se o observador situado fora do sistema que
observa. A introspecção e seus objetos são fatos que se situam dentro do
mesmo sistema, sendo diminuta a possibilidade de que a primeira não afete
os segundos. Pode servir de exemplo, a êsse respeito, qualquer esfôrço para
se estudar a dor ou a alegria por meio da introspecção. Se é feito o esfôrço
adequado, tais experiências não permanecem as memas; ao contrário,
tendem a desaparecer, quando a própria pessoa prêsa da dor ou da alegria
tenta assumir uma atitude de introspecção.

Mesmo, porém, se tal dificuldade pudesse ser superada, de acôrdo com os


partidários do behaviorismo, continuaríamos a verificar a inutilidade do
método, em virtude de seu mesquinho e inevitável subjetivismo. Qual a
principal característica de uma afirmação objetiva que formula o resultado
de observações científicas? Quem quer que se

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interesse pela afirmação, poderá ser forçado a aceitá-la como tendo uma
significação precisa. Para êsse fim, apenas precisamos apresentar as
definições exatas dos têrmos que empregarmos. Assim, há definições
exatas para o pêso atômico e para o número atômico de um elemento, bem
como para a analogia e a homologia das estruturas morfológicas. Não há
físico ou biólogo que não conheça a significação exata dessas palavras.
Ouçamos, porém, os psicólogos que falam, por exemplo, acêrca da
indistinção característica da visão periférica. Que acepção exata pode ser
atribuída a essa palavra, enquanto não fôr ela exatamente definida? Tal def
inição, no entanto, afigura-se impossível, sempre que tenhamos de nos
haver com os dados finais da experiência direta. Se pedirmos ao psicólogo
uma definição de indistinção, êle procurará definir a expressão,
negativamente, como falta de clareza. Isso, porém, de pouco nos vale, uma
vez que temos de indagar ao psicólogo o que êle entende por clareza.
Talvez êle nos responda que a clareza é uma propriedade normal da parte
central de um campo visual adequado. Infelizmente, tal campo terá mais de
uma propriedade normal e na pseudodefinição do psicólogo não é
apresentada di/erentia specifica, e além disso o vocábulo "adequado" exige
uma definição, tanto como indistinção e clareza. Seja como fôr, o psicólogo
lançou mão, em tal caso, do único recurso cabível quando, como se dá no
campo da experiência direta, não se pode chegar a uma definição de
verdade: limitou-se a apontar para uma determinada direção. Quando não
podemos definir um têrmo, podemos dar uma indicação sôbre as condições
nas quais a coisa em questão pode ser experimentada. No caso de outros
compreenderem as palavras, mediante as quais são descritas tais
condições, êstes outros poderão ajustar o têrmo indefinido ao aspecto de
sua própria experiência, ao qual o têrmo em questão está realmente
destinado a referir-se. Quanto é, porém, grosseiro e vago tal processo, em
comparação com a elegância das definições da ciência exata!

E ainda assim, temos de presumir que, dadas as mesmas condições, uma


pessoa que não possa conhecer mais do que a sua própria experiência, nela
encontrará sempre as memas características, objetos e ocorrências que
outra pessoa encontra na sua. Dois físicos diferentes podem fazer
afirmações a respeito do mesmo fato. Podem, por exemplo, proceder a
leituras no mesmo aparelho ou escala. No caso da experiência direta,
porém, duas pessoas têm sempre dois fatos em duas experiências distintas.
Qual a prova de que dispomos para presumir que, em determinadas
condições, os dados finais da experiência são os mesmos para diversas
pessoas? Infelizmente, jamais poderemos saber se tal é, realmente, o caso.
De um lado, o daltonismo e outros fenômenos semelhantes mostram,
conclusivamente, que tal concordância não é a regra geral. Por outro lado,
não temos prova da concordância, mesmo no caso em que tôdas as
experiências imagináveis apresentam resultados idênticos, tais como
relatórios verbais exatamente iguais. Uma pessoa pode informar sempre
que se trata de "vermelho", onde

outra pessoa também afirma tratar-se de "vermelho", mas, ainda assim, só


sabemos que a primeira pessoa se refere a uma qualidade constante onde a
segunda pessoa se refere sempre ao vermelho. Não podemos saber se a
primeira pessoa distingue a mesma qualidade que é chamada de vermelho
pela segunda pessoa. E nem nos vale o fato de aquilo que uma pessoa
chama de vermelho apresentar o mesmo caráter excitante encontrado por
outra pessoa naquilo que chama de vermelho, pois é possível que as duas
não empreguem o vocábulo "excitante" no mesmo sentido e tenham,
realmente, experiências diferentes, embora suas expressões sejam as
mesmas.

Assim é o subjetivismo em sua forma extrema. Se cada um de nós tem a


sua própria experiência direta, e está irremediàvelmente excluído da
experiência de tôdas as demais pessoas, essa experiência é um assunto
particular de cada um de nós e não é possível, baseando-se nela, criar-se
uma ciência. Na verdade, se tão pouca coisa se pode tirar da experiência
direta de um homem, no que diz respeito às experiências semelhantes em
outros homens, é lícito irmos ainda mais longe e indagarmos se mesmo
nossos melhores amigos têm qualquer experiência direta. Realmente, tudo o
que vemos ou ouvimos, quando conversamos com êles, faz parte de nossa
própria experiência. O que, em nossa experiência, parece ser, por exemplo,
a voz dêsses amigos, é, antes de mais nada, o resultado de fenômenos
físicos nos músculos de suas bôcas e gargantas, que devem ser
compreendidos do ponto de vista da pura física e fisiologia. Se assim é,
como podemos saber que, em nossos amigos, tais fatos são acompanhados
pela experiência direta?

Os adeptos do behaviorismo podem acrescentar que não negam certas


contribuições que, antes do seu tempo, as velhas formas de Psicologia
prestaram ao progresso dessa ciência, mas também dirão que, quando
estudamos tais realizações, sob o ponto de vista atual, constatamos
fàcilmente um fato: que quase tôdas elas foram alcançadas, não graças à
introspecção e à descrição, mas sim à experimentação objetiva. A
significação desta palavra é tão evidente em psicologia quanto na ciência
natural. Em lugar de convidarmos um indivíduo a observar e descrever sua
experiência direta, nós o colocamos em uma situação bem definida, à qual
êle reagirá de um modo ou de outro. Podemos, então, observar e medir
essas reações, sem que êle nos ofereça qualquer descrição de suas
experiências. Foi dêsse modo que a Lei de Weber se descobriu; foi essa a
espécie de experiência graças à qual Fechner transformou a Psicologia em
uma ciência experimental; através de pesquisas dêsse tipo, com a ausência
quase completa de introspecção, foram investigadas a memória e a
formação dos hábitos, e, da mesma maneira, Binet e Simon mediram, pela
primeira vez, inteligências individuais. Atualmente, mesmo os adeptos da
introspecção sômente nos oferecem descrições de côres e tonalidades,
prazeres e volições, quando não encontram um método mediante o qual a
descrição seja substituída por medições objetivas. De fato, o adepto da
introspecção, individualmente, mostra-se

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disposto a aceitar as descrições apresentadas por um correligionário, até o


ponto exato em que êste outro tenha conseguido confirmar suas descrições
com dados mais objetivos. Que vantagem tem, então, a utilização da
experiência direta e da descrição?

Partindo dessa crítica, nem todos os partidários do behavorismo chegam às


mesmas conclusões concernentes à experiência direta como tal. É verdade
que nenhum, pode-se dizer, considera a experiência direta como de
interêsse para a ciência, uma vez que a mesma, como assunto particular de
indivíduos, não é accessível à observação objetiva, e portanto científica,
feita por outros. Apenas uns poucos membros da escola chegam ao ponto
de negar de todo a existência da experiência direta, odiando
evidentemente, a própria idéia. Essas pequenas divergências de opinião,
contudo, não têm importância particular. No que concerne ao método, todos
os adeptos do behavorismo sustentam as mesmas opiniões negativas e
positivas. A êsse respeito, seu programa é mera conseqüência dos
argumentos antes expostos. Com sua experimentação objetiva, o psicólogo
se colocou, de maneira tácita, no terreno estritamente científico. Sua única
debilidade consiste no fato de que êle ainda não se tornou plenamente
consciente da diferença, em princípio, que há entre as técnicas exatas e o
agrupamento meramente sub jetivo. Os físicos e os químicos mostram-se
interessados em saber de que maneira um sistema que está sendo
investigado reagirá, quando exposto a determinadas condições; também
indagam como a reação se transforma, quando as condições são
modificadas. Ambas as indagações são respondidas pela observação e
medição objetivas. Ora, esta é também precisamente a forma adequada de
pesquisa em Psicologia: um sujeito de certo tipo (criança, adulto, homem,
mulher ou animal) é escolhido como o sistema a ser investigado. São
asseguradas e controladas de maneira objetiva certas condições, as mais
importantes das quais são as que se referem ao estímulo externo. A reação
do sujeito, resultante da experiência, é registrada ou medida exatamente
como o são as reações de sistemas na Física ou na Química.

Assim, a única coisa que os psicólogos têm de reconhecer agora é que


sàmente tal processo poderá ser útil à consecução de qualquer objetivo útil
em seu campo. O comportamento, isto é, a reação dos sistemas vivos aos
fatôres ambientes, é o único assunto referente ao sujeito que pode ser
investigado na Psicologia científica; e o comportamento de modo algum
envolve a experiência direta. O trabalho experímental do futuro estudará
mesmo as formas mais elevadas de comportamento, de maneira puramente
objetiva. Isso deve acontecer, porque a experiência direta não ocorre
apenas em certo ponto de uma experiência real. Para alguns, esta verdade
é um tanto obscurecida pelo fato de que, em muitas experiências, as
reações da linguagem se mostram de alguma importância. Se o próprio
experimentador desfruta o que êle chama experiência direta, e se tal
experiência abrange grande número de coisas associadas com palavras, êle
se mostrará inclinado

a considerar as palavras de seu sujeito como sinais de experiências


semelhantes por parte daquela pessoa. Não obstante, tais palavras podem
ser consideradas como reações do sujeito, e, como tais, são fatos físicos
puramente objetivos, produzidos por certos processos na laringe e na bôca
do sujeito. Embora o experimentador saiba que outros processos objetivos,
como os da enervação, ocorrem antes que certos músculos produzam as
palavras, como seqüência de ondas sonoras, a razão o aconselha a não ir
mais além. De acôrdo com nossa análise, êle jamais saberá se alguma
experiência direta acompanha aquêles processos. Convém, talvez, que nos
disciplinemos de maneira a usar com menos freqüência as reações da
linguagem na experimentação psicológica, até que seja, afinal, afastado o
perigo de associar a linguagem com a experiência direta, e a introspecção
tenha desaparecido da psicologia como ciência.

Naturalmente, nem tôdas as reações de um sujeito podem ser observadas


objetivamente com a mesma facilidade. Algumas vêzes, mesmo fortes
estímulos não produzem um comportamento patente, que possa ser
registrado externamente, com os métodos atuais. Na maioria dêsses casos,
contudo, podem ser obtidas informações altamente valiosas dos fisiologistas
que estudaram as funções da parte autônoma do sistema nervoso e as
reações subseqüentes nos órgãos viscerais mais importantes, inclusive nas
glândulas endócrinas. Uma das principais tarefas da Psicologia será a de
criar e adotar técnicas exeqüíveis, até que tais reações viscerais possam ser
registradas com tôda a facilidade. Também temos motivo para presumir que
aquilo que os partidários da introspecção chamam de "pensamento"
consiste realmente de pequenas enervações a que são submetidos, no
momento, os músculos ligados às

reações verbais. -

Espero ter, até aqui, apresentado um resumo correto das opiniões


predominantes entre os adeptos do behavorismo. Deve ser exato, uma vez
que, sob vários aspectos, simpatizo com essas opiniões e não acalento
grande entusiasmo pela introspecção, que aqui foi criticada. Em grande
parte, a introspecção corrente mostra-se bastante estéril. Em estranho
contraste com suas pretensões, desvia a pesquisa de problemas mais
urgentes. Veremos, mais tarde, se se trata de uma propriedade intrínseca
da introspecção ou se isso é apenas uma conseqüência de erros
partícularmente freqüentes entre os partidários da introspecção.

Presentemente, temos diante de nós um problema mais simples. Nas


ciências naturais, observa o adepto do behavorismo, os métodos dizem
respeito à realidade objetiva, ao passo que a introspecção da experiência
direta se é que existe tal coisa - diz respeito a algo inteiramente subjetivo.
Será isto verdade? Será êste o verdadeiro motivo de terem as ciências
naturais conquistado a admiração do mundo, ao passo ue a Psicologia ainda
se encontra em estado embrionário? Não posso admitir. Parece-me que,
surgindo com um admirável entusiasmo pela

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exatidão, o behavorismo se enganonu inteiramente nesse ponto e, em


conseqüência, a energia despendida objetivando qualquer utilização da
experiência direta foi aplicada errôneamente. De fato, seja o que fôr que
possa ter acontecido durante o desenvolvimento individual de nossos
argutos partidários do behavorismo, no que diz respeito a mim mesmo,
tenho a narrar o que se segue e que nos traz de volta ao nosso ponto de
partida.

Em criança, conheci a experiência direta antes que pudesse mesmo


imaginar um mundo que se situasse inteiramente além dela, como o da
Física. Naquele tempo, naturalmente, não conhecia eu a expressão
"experiência direta", e ela não poderia ter, para mim, qualquer significação,
enquanto não tomei conhecimento do mundo físico, com o qual ela se
contrastou. Em meu mundo original, intímeras variedades de experiências
mostraram-se inteiramente objetivas, isto é, existindo ou ocorrendo externa
e independentemente. Outras experiências pertenciam-me, pessoal e
particularmente, e eram subjetivas: como, por exemplo, um mêdo terrível
em certas ocasiões e uma felicidade calorosa e dominadora, por ocasião do
Natal.

Nos próximos capítulos, trataremos principalmente da experiência objetiva.


Esta expressão, porém, pode fàcilmente ser mal entendida. Procurarei,
portanto, esclarecer sua significação de maneira mais precisa. Assim
fazendo, correrei, mesmo, o risco de repetir certos argumentos, porque êste
é o ponto em que surgem, em sua maior parte, as dificuldades que temos
de enfrentar.

A palavra "experiência" indica que, embora se mostrando como objetivas,


as coisas que me rodeam foram, na realidade sentidas, como se fôssem
dadas "em minha percepção". Nesse sentido, elas ainda continuariam a ser
subjetivas. Não se trata disso, porém. Aquelas coisas encontravam-se
simplesmente do lado de fora. Não tenlíó suspeita alguma de que elas
sejam apenas os efeitos de outra coisa sôbre mim. Devo ir adiante. Nem se
pode mesmo conceber que tais coisas dependam da minha presença, que
eu tenha de conservar os olhos abertos, etc. Tão absolutamente objetivas
são essas coisas que não foi deixado lugar para um mundo mais objetivo.
Agora mesmo, sua objetividade é tão forte e natural que me vejo
constantemente tentado a atribuir ao seu interior certas características que,
de acôrdo com os físicos, constituem fatos do mundo físico. Quando, nestas
páginas, eu empregar a expressão "experiência objetiva", será sempre
nesse sentido. Por exemplo: em uma experiência objetiva, uma cadeira será
sempre algo externo, sólido, estável e pesado. Em nenhuma circunstância
se tratará de algo meramente percebido ou de um fenômeno, de algum
modo subjetivo.

Entre alguns casos, é verdade, a discriminação entre os aspectos objetivo e


subjetivo da experiência direta pode tornar-se duvidosa, como é o caso da
pós-imagem ou da picada de uma agulha no dedo. Isto não torna a
discriminação menos importante. Façamos uma comparação com um
exemplo tirado das ciencias naturais: na Física, a distinção entre as
substâncias condutoras de

eletricidade e as isolantes tem grande valor, embora entre o extremos se


encontrem muitos casos intermediários. No caso que tratamos, o ponto
princi.. pai é o fato de que, com relação às coisas, seus movimentos etc.,
alcança..ge a mais elevada objetivida

Repetindo: quando comecei a estudar Física, não aprendi apenas noções


referentes ao mundo físico. Outra lição ligou-se, necessàrjamen te, àquele
estudo: travei conhecimento com unia maneira de pensar na qual a
expressão experiência direta adquiria seu significado o mundo físico podia
não ser idêntico ao mundo objetivo que eu tinha, constan. temente, em
tôrno de mim. Melhor ainda: aprendi que os objetos físicos influen-ciam um
sistema físico particu1aeflte interessante, meu organismo, e que minha
experiência objetiva surge quando, como conseqüência certos processos
complicados já ocorrer em tal sistema. Evidentemente, compreendi que não
poderia identificar os produtos finais, as coisas e fenômenos de minha
experiência com os objetos físicos dos quais procediam as influências. Se
um ferimento não é a arma de fogo que lançou o projétil, isto quer dizer que
as coisas que tenho diante de mim, que vejo e apalpo, não podem ser
idênticas aos objetos físicos correspondentes estes objetos apenas
provocam certas alterações dentro de meu organismo físico, e os produtos
finais dessas alterações são as coisas que contemplo no meu campo visual
ou que apalpo com os meus dedos.

Não deixa de ser verdade, porém, que as coisas, neste Último sentido,
foram os primeiros objetos que conheci. Além dísso, compreendo agora que
jamais poderia conhecer diretamente quaisquer outros objetos tais como os
do mundo físico. É claro que as características do mundo físico só poderiam
ser investigadas como uni processo de inferência ou interpretação, por mais
necessária que a interpretação pudesse ser. Era em contraste com êste
mundo, o interpretado, que o mundo diante de mim poderia agora ser
chamado de mundo de experiência direta.

Mas como posso dizer que uma cadeira, por exemplo, é uma experiência
objetiva, se tenho que admitir que ela depende de certos processos de meu
organis A cadeira não se torna subjetiva sob êste aspecto? Torna.se e não se
torna. Neste momento mesmo, mudamos a significação dos t&mos
"subjetivo" e "objetivo". No parágrafo anterior, "objetivo" denotava uma
característica que, em contraste com outras, algumas partes da minha
experiência possuem em si mesmas (exatamente como têm tamanho, côr,
solidez, etc.). Como, porém, tem sido usado até agora, o têrnio "subjetivo"
refere-se à dependência genética

1 Já vimos que a mesma obseaçào se aplica às relações entre o nOSSO


organismo como Sistema ffsio e noeso corpo como fato perceptivo Meu
corpo O resultado de certos proceesos em meu organj0 fisico, proceSSo Que
começa nos Olhos. rnúscj,5 epiderme, etc., exatsmente como a cadeira Que
temos diante dos OlhOs 4 o produto final de outros Processos no mesmo
organism0 fisic. Se a cadeira é Vta "diante de mim", o "mim" desta frase
refere-ss naturalmente ao meu Corpo Como experiência não ao meu
organismo Como objeto do mundo físico. Os Própsj PSICÓlOgO, nem sempre
parecem encarar êsse Ponto com Perfeita Clareza.

19

de tôda experiência para com meu organismo físico. Neste último sentido, o
subjetivismo não é, em si mesmo, um atributo experimentado, mas antes
uma relação que atribuímos a tdas as experiências e, portanto, também às
objetivas, já que aprendemos a considerá-las como resultados de processos
orgânicos. Com muita freqüência, são dois significados da expressão
confundidos da maneira mais lamentável, como se o que é genèticamente
subjetivo também tivesse de aparecer como subjetivo na experiência.
Alguns psicólogos adeptos da introspecção, por exemplo, mostram-se
inclinados a achar que, a rigor, a cadeira que tenho diante de mim deve ser
um fenômeno subjetivo, que só aparece diante de mim como conseqüência
da aprendizagem ou interpretação. Por outro lado, como não se pode
encontrar tal cadeira subjetiva, os partidários do behaviorismo zombam dos
adeptos da introspecção, por viverem em um mundo de fantasmas
imaginários. A simples verdade é que algumas das experiências, que
dependem de processos em meu organismo, têm o caráter objetivo, ao
passo que outras, que dependem de processos diferentes no mesmo
organismo, têm o caráter subjetivo, liste contraste nada tem a ver com o
subjetivismo genético de ambos os tipos de experiência, isto é, com o fato
de ambos dependerem de fenômenos que ocorrem dentro do organismo.
Espero que, depois disso, se tornem impossíveis mal-entendidos a respeito
da expressão "experiência objetiva". Quando falo a respeito de uma cadeira,
refiro-me à cadeira de minha vida quotidiana e não a um fenômeno
subjetivo.

Por outro lado, como já vimos, a cadeira da experiência objetiva não pode
ser identificada com a cadeira como parte do mundo do físico. Ora, como o
mundo da experiência direta foi o primeiro que conheci, e como tudo que
sei a respeito do mundo físico foi, posteriormente, inferido de certos
fenômenos do mundo experimentado, como poderia eu ignorar o mundo
experimentado? Afinal de contas, êle contínua a ser a única base de que
disponho para as minhas suposições a respeito dos fatos físicos. Se quiser,
poderei, sem dúvida, levantar a questão de saber se, em um certo sentido,
o mundo físico não será o mais importante. Mesmo, contudo, que eu deva
admitir tal fato, do ponto de vista do conhecimento ou da comunicação, o
mundo experimentado é anterior ao da física. Além disso, a única maneira
de que disponho para investigar as realidades físicas consiste em observar
experiências objetivas e delas tirar as conclusões adequadas. Na realidade,
com o progresso da Fisiologia poderemos descobrir os processos nervosos
que ligam nossas observações às nossas conclusões e apresentarmos,
assim, uma teoria física daqueles fenômenos. Ainda nesse caso, porém,
como o mundo da Fisiologia faz parte do mundo físico, jamais se tornará
diretamente accessível a nós. Qualquer progresso que possamos alcançar
na Fisiologia dependerá das observa. ções do que chamamos corpo através
de experiência perceptiva direta. Se ouvirmos os adeptos do behaviorismo,
teremos a impressão de que

os mundos físico e fisiológico, em si mesmos, são diretamente conhi dos e


que, no caso dêles, partidários do bebaviorismo o conhecimento nada tem a
ver com a experiência direta. A verdade é que não posso modificar esta
descrição do meu próprio caso, no qual não há acesso direto aos fatos
físicos e fisiológicos. Com êste defeito, é claro que considero
tremendamente difícil tornar-me adepto do behavjorismo

Que dizer, então, da afirmação daquela escola no sentido de que, na física,


a observação trata da realidade objetiva, ao passo que, no caso da
experiência direta, trata com algo desprovido de valor científico?

Descreverei minha própria maneira de proceder, quando investigo as


propriedades de um corpo físico ou químico. Há, nesta mistura de
substâncias químicas, uma quantidade considerável de H4C2O2p Estou
ciente da presença da mistura, graças a certas experiências objetivas que
tenho diante de mim e encontro a resposta afirmativa à pergunta cheirando,
isto é, por meio de mais uma experiência direta. Como se trata de um
processo bastante grosseiro, consideremos um caso de medição rigorosa.
Qual é a intensidade da corrente elétrica que, em determinadas condições,
passa por aquêle fio? A posição de um ponteiro na escala de um certo
aparelho m dá a resposta, do ponto de vista visual, pois o aparelho faz parte
de meu campo visual, exatamente como o fio e as determinadas condições
se apresentam como parte da experiência objetiva. O mesmo se dá no que
diz respeito a tôdas as afirmações e medições que alguma vez eu possa
fazer no campo físico. Minhas observações dos fatos físicos permanecem
sempre na mesma classe geral como as que se referem às pós-imagens, à
indistinção que encontro na visão periférica ou à sensação de me sentir
bem. Assim, a exatidão de minhas observações físicas não pode ser
atribuida à alegada abstenção de experiência direta nas pesquisas físicas.
Não me abstenho da experiência díreta quando faço observações na Física;
na verdade, não posso abster-me. No entanto, o processo dá bons
resultados Assim, pelo menos algumas observações que se referem à
experiência direta devem constituir uma base perfeitamente adequada para
a ciência.

Se tôdas as afirmações concretas que posso fazer a respeito das pesquisas


físicas baseiam-se primordialmente em observações dentro do campo da
experiência evidenciam..se algumas conseqüências inevitáveis. Como
definir minhas expressões quando atuo como físico? Como meu
conhecimento da Física Consiste inteiramente de idéias e observações
contjdas na experiência direta ou dela derivados, tôdas as expressões de
que eu me utilizar nessa ciência terão, afinal, que refletir à mesma fonte. Se
eu procurar definir tais expressões, minhas definições, naturalmente irão
referir-se a novas idéias e expressões. Em última análise, porém, o processo
consistirá sempre em apontar em direção a certas experiências às quais
estou-me referindo, e sugerir onde devem ser feitas certas observações
Mesmo as mais abstratas

21

concepções da Ffsica, tal como a da entropia, serão destituídas de sentido


sem uma referência, ainda que indireta, a certas experiências diretas. Eu
jamais poderia apresentar uma definição de têrmos, na Física, ou
compreender tal definição, quando apresentada por outros, se, a êsse
respeito, ela diferisse das definições que emprego em Psicologia. Também a
êsse respeito, contudo, o método da Física é eficiente. Jamais tive
dificuldade em compreender definições, quando converso com físicos a
respeito de sua ciência. Assim, algumas definições que, em última análise,
se referem à experiência direta, devem ser suficientemente rigorosas, uma
vez que são usadas em uma ciência exata. A exatidão das definições na
Física não pode resultar do suposto fato de que, nessa ciência, as definições
são independentes da experiência direta, uma vez que não existe tal
independência.

Os adeptos do behaviorisnio, porém, afirmam que a observação da


experiência direta é assunto particular de indivíduos, ao passo que dois
físicos podem fazer a mesma observação: em um galvanômetro, por
exemplo. Não concordo com esta afirmativa. Mesmo do ponto de vista do
behaviorismo, ela é incorreta. Quando alguém observa um galvanômetro,
observa algo diferente do galvanômetro como objeto físico, pois o objeto de
súa observação é o resultado de certos processos orgânicos, dos quais
apenas o comêço é determinado pelo próprio galvanômetro físico. Com a
segunda pessoa, o galvanômetro observado é, também, apenas o resultado
físico de tais processos, que, dessa vez, ocorrem no organismo daquela
segunda pessoa. De modo algum, portanto, as duas pessoas observam o
mesmo instrumento, embora, do ponto de vista físico, ou processos, em um
e outro caso, se iniciem com o mesmo objeto físico. No entanto, na maioria
dos casos, as ínformações das duas pessoas sôbre a observação coincidem
a tal ponto que elas jamais se preocupam em saber se pode ser tida como
certa uma suficiente semelhança de seus dois galvanômetros
experimentados e de ambos com o objeto físico. Ainda desta vez, o
processo é eficiente. O particularismo da experiência direta não preocupa
quem quer que seja - na Física. Quando trabalha com outros em tais casos,
cada físico está simplesmente convencido de que seus colegas "têm aquêle
galvanômetro diante dêles". Dêsse modo, admite, tàcitamente, que seus
colegas dispõem de experiências objetivas bem semelhantes às suas
próprias experiências, e não hesita em aceitar as informações daqueles
colegas como afirmações a respeito de tais experiências. De acôrdo com os
adeptos do bebaviorismo, isso, naturalmente, quer dizer que o físico
permite que os assuntos particulares se imiscuam na ciência exata. É
curioso observar que isso não se mostra, de modo algum, prejudicial ao
procedimento científico, do mesmo modo que não prejudica as
necessidades da vida quotidiana, onde ocorre a mesma atitude, geral e
naturalmente. Em alguns casos, portanto, a crença nas experiências
específicas de outrem não deve ser de modo algum prejudicial e não pode
ser considerada como obstáculo ao progresso da

ciência. Assim, não pode ser por causa de tal crença que a Psicologia não
está progredindo com maior rapidez.

Resta uma conseqüência do fato de que a observação, na Física, se situa


dentro do campo da experiência direta. Da mesma maneira que um físico
que observa seu aparelho, não receio que minha atividade como observador
tenha qualquer influência séria sôbre as características do que observo,
contanto que eu me mantenha, como um sistema físico a distância
suficiente do aparelho, que representa outro sistema físico. No entanto,
como experiências diretas, ambos os aparelhos a serem observados e
minha atividade de observação dependem de processos do mesmo sistema,
isto é, meu organismo. Também a êsse respeito o adepto do behaviorismo
deve estar equivocado, quando afirma que, devido à inclusão, em um só
sistema, do observador e dos fatos observados, a observação da
experiência direta não tem valor científico. De fato, no caso da observação
física, a situação é semelhante: o material a ser observado e o processo de
observação pertencem ao mesmo sistema. Vemos, assim, que o físico e o
psicólogo se encontram, mais uma vez, exatamente na mesma situação.
Não importa, de modo algum, que eu me considere físico ou psicólogo,
quando observo um galvanômetro. Em ambos os casos, minha observação
se dirige à mesma experiência objetiva. O processo é eficiente na física. Por
que não deveria ser usado na psicologia? Deve haver alguns casos em que
a observação de fatos no campo da experiência direta não prejudica
sèriamente tais fatos.

Sem dúvida, êste argumento implica considerável limitação da amplitude de


sua própria aplicação. Não quer dizer que sejam justificáveis tôdas as
formas da chamada introspecção, e significa ainda menos que os resultados
da introspecção sejam, em geral, inteiramente independentes da atividade
daquele que executa a introspecção. A êsse respeito, a posição crítica do
behaviorismo apenas exagerou a amplitude de um argumento correto,
aplicando-o inadequadamente a tôdas as afirmações referentes à
experiência direta. O ponto crítico, em si mesmo, é bem apreciado em
muitos casos.

Já mostrei como, mesmo na qualidade de físico, temos de atuar com a


experiência direta. Sem dúvida, um extremista tal como o adepto do
behaviorismo poderia tirar dessa afirmativa algumas dúvidas quanto ao
objetivismo dos métodos seguidos no estudo da física. Felizmente, tais
dúvidas não tinham ainda surgido quando, nos tempos de Galileu, Newton e
Huyghens, a Física deu os primeiros passos de real importância. Aquêles
grandes investigadores limitaram-se a trabalhar, pragmática e
cândidamente, e, por felicidade, não foram perturbados por algum físico
partidário do behaviorismo, que teria barrado todo o progresso por amor da
pureza epistemológica. O processo deu bons resultados, embora tivesse
sido, por vêzes, tarefa difícil justificar seus passos por motivos lógicos. As
ciências que pretendem levar a cabo suas pesquisas de maneira eficaz
geralmente mostram um saudável desdém por tais

22

escrúpulos. Seria preferível para a Psicologia, depois de ouvir tôda uma


vigorosa lição de crítica do behaviorismo, que também voltasse ao seu
trabalho com mais simplicidade e utilizasse técnicas susceptíveis de dar
bons resultados.

Como atitude científica, parece.me bem estranho o ruidoso ataque do


behaviorismo à experiência direta. Os adeptos daquela escola não
demonstram, em geral, demasiado interêsse por considerações de ordem
epistemológica. É apenas um ponto que, de súbito, chama sua atenção:

"Que posso saber sôbre a experiência direta de outrem? Jamais terei uma
prova definitiva da validade de tal conhecimento. Na Física, porém, a
questão é diferente. Ali, estamos a salvo". O adepto do behaviorismo
esquece-se de que provar a existência de um mundo físico independente é
quase tão difícil quanto nos certificarmos de que outras pessoas têm
experiências. Se eu fôsse um purista extremado, poderia pôr em dúvida o
primeiro ponto, exatamente como os adeptos do behaviorismo refutam a
presunção da experiência direta nos outros. Seja porque fôr, não lhes
ocorreu aplicar sua crítica à presunção do mundo físico. Não afirmaram:
"Não se deve atuar baseando-se em um mundo físico, que permanece
sempre como simples presunção". Ao contrário, presumem a realidade de
tal mundo com tôda a saudável candura que lhes falta em Psicologia. Talvez
isso se deva ao fato de as realizações das ciências físicas serem
impressionantes e terem-se tornado o ideal do behaviorismo. Mas, como
purista metodológico, o partidário do behaviorismo não deveria considerar
meras realizações como prova satisfatória em outras matérias. É claro que,
pessoalmente, estou, a êsse respeito, tão convencido quanto qualquer
adepto do behaviorismo. Também sei muito bem que as ciências muitas
vêzes acreditam e pressupõem, quando a epistemologia pode ter suas
dúvidas. Mas, partindo dêsse ponto de vista também posso acreditar,
naturalmente, que os outros têm experiência direta. O importante é saber
que isso serve para tornar meu trabalho mais simples e mais eficiente.
Repetindo: considero perfeitamente justificada essa atitude, uma vez que
verifico que meus trabalhos na Física também se baseam na experiência
direta; que, naquela ciência, a presunção da experiência direta nas outras
pessoas é tida como coisa natural, e que, portanto, a enorme superioridade
da física sôbre a psicologia não pode vir das diferenças a êsse respeito.

Vejo, neste momento, os adeptos do behaviorismo sorrindo irônica- mente.


Dirão êles, sem dúvida: "Com tôda a sua filosofia, o Sr. K5hler jamais
conseguirá qualquer progresso contra o behaviorismo, sàlidamente
científico". Eu lhes responderia que a base do behaviorismo é tão filosófica
quanto a minha crítica: o behaviorismo viceja no terreno epistemológico.
Sob êsse aspecto, a única divergência que me separa do partidário do
behaviorismo provém da amplitude de nossos campos visuais. Éle percebe
apenas um só teorema da epistemologia: uma pessoa não pode observar a
experiência de outra pessoa. Como extremista, êle

insiste exclusivamente nesse ponto e ignora o contexto de que êle deriva,


ao passo que eu o levo em consideração, como deixei bem claro no que
antes ficou dito. E, evidentemente, prefiro tirar minhas condu. sões,
partindo do ponto de vista mais amplo da situação.

BIBLIOGRAFIA

W. S. Hunter: Hu'man Behavior. 1928.

K. Koffka: The Growth of the Mmd. 1924. 2. edição 1928.

J. B. Watson in Pwycho.logies of 1925 (Ed. por C. Murchison).

A. P. Wejss: A Theoretical Basis of Huraan Behavior. 1925.

25
Capítulo 2

A Psicologia como Ciência Jovem

Corno vimos até agora, a experiência direta é a matéria-prima tanto da


Física quanto da Psicologia. Se, apesar dêsse fato, as ciências físicas se
acham tão à frente da Psicologia, que poderemos fazer a fim de conseguir
realizar conquistas semelhantes?

Uma vantagem com que conta a Física contemporânea vem de uma


cuidadosa seleção das experiências que desempenham um papel
importante nos momentos decisivos das pesquisas físicas. Como é muito
natural, o físico não leva em consideração tôda a experiência subjetiva,
descrita no primeiro capítulo, porque os sentimentos, emoções, etc.
parecem não ter analogia com os acontecimentos do mundo físico. Tôdas as
dificuldades do psicólogo que procura observar e descrever fenômenos
subjetivos são, assim, simplesmente evitadas na ciência física.

A seleção e exclusão, porém, não se detêm aí. Ao passo que, a princípio, as


experiências objetivas eram sempre consideradas corno provas de fatos
físicos correspondentes, um nôvo conceito mais crítico da situação provocou
também a eliminação de grande parte dêsse material. Hoje, o processo de
seleção passou a ser extremamente severo. Assim, por exemplo, o
progresso da ciência tornou possível transformar quase sempre a
observação qualitativa em medições quantitativas. Tôdas as medições
físicas, virtualmente, são feitas, agora, de maneira extremamente indireta.
Poucas vêzes o físico observa diretamente aquilo que deve ser considerado
como a versão experimental da variável física em questão; ao contrário, sua
observação se refere a uma experiência diferente, que tem a virtude de
prestar-se a uma determinação mais rigorosa. Nesta, naturalmente, pode-se
assegurar o conhecimento da relação entre a experiência posterior e a
variável física. De tôdas as

experiências objetivas, nenhuma parece satisfazer melhor às exig&icias do


físico que a localização de uma linha visual (um ponteiro) em uma escala de
outras linhas visuais, especialmente se tal localização acarreta a
coincidência da primeira linha com uma das outras. Na verdade, foram
reduzidas a um mínimo as variedades de experiências que ainda estão
sendo usadas para a medição. Chega-se quase a ter a impressão de que a
mesma escala e o mesmo ponteiro estão sendo usados universalmente.
Essa simples situação oferece ao físico uma centena de informações
totalmente diferentes acêrca do mundo físico. Pode apresentar provas
referentes a "atmosferas" ou "volts", "ampères" ou "temperaturas", etc.,
quase ad infinitum. Além de observar as coincidências e verificar a conexão
de seu aparelho com o sistema que está sendo investigado, o físico só
precisa ler certas palavras e algarismos na escala. Não consta do processo
qualquer outra experiência mais direta que esta. Em tais circunstâncias, não
pode haver muita oportunidade para inexatidões. Graças a essa vantagem,
mesmo um fato tão simples como o tamanho físico não é medido
diretamente, O físico não mede o comprimento de um objeto pela
comparação direta com o comprimento de um objeto padrão. Tal
comparação não seria bastante precisa; além disso, poderia ser prejudicada
por ilusões de ótica. Assim, o físico prefere o método de linhas ou pontos
coincidentes. Na realidade, êle define o comprimento físico por êsse método
e, em seguida, mede o comprimento de um objeto observando a
coincidência de seus limites com certos pontos de uma escala.

Indaguemos agora o que aconteceria se, na Psicologia, tivéssemos de imitar


o processo das ciências físicas. Duas respostas poderiam ser dadas à
pergunta, porque o processo tem dois aspectos. Em primeiro lugar, êle
implica a apresentação de afirmações sôbre sistemas físicos com base na
experiência objetiva. Ora, a conduta dos homens e dos animais também
pode ser observada por meio de experiências objetivas, observações em
que a experiência direta dos sujeitos não representa papel algum. Sem
dúvida alguma, tal estudo do comportamento é perfeitamente legítimo e
será, portanto, mais aperfeiçoado no futuro. Na verdade, já existia antes de
surgir o behavíorismo; esta escola, porém, tem razão, fundamentalmente,
em exaltar as vantagens do processo objetivo em antagonismo à
introspecção. Embora os seus adeptos tenham ido muito longe, deixando de
admitir que, mesmo nos métodos objetivos, a experiência direta do
observador constitui a matéria-prima, seu êrro não tem importância
particular enquanto fôr dada a resposta adequada à nossa segunda
pergunta. Infelizmente, a êsse respeito, o bebaviorismo adota urna posição
errônea.

Na Física atual, como vimos, os processos objetivos se caracterizam pelo


uso de um pequeno grupo de experiências objetivas selecionadas e,
conseqüentemente, pela exclusão de tôdas as outras, porque elas não
satisfazem às exigências da medição quantitativa. Deveremos fazer a

26

27

mesma coisa na Psicologia, tomada como ciência do comportamento?


Evidentemente, a resposta dependerá da natureza do comportamento
observado. É difícil julgar-se um método intrinsecamente. Um método é bom
se fôr bem adaptado à matéria investigada e mau se não se adapta a êsse
material ou se prejudica as pesquisas. Assim, um processo que se mostrou
excelente em uma determinada ciência, ou para alguns determinados
problemas, pode ser de todo inútil, ou mesmo nocivo, em outra ciência, ou
para outros problemas. A êsse respeito, convém lembrar que, como
fàcilmente se constata, o comportamento apresenta aspectos perfeitamente
diferentes, oferecendo ao psicólogo tarefas correspondentemente
diferentes. Onde quer que os métodos quantitativos indiretos, semelhantes
aos da Física, possam ser aplicados na conformidade de nossa tarefa,
naturalmente devem ser aplicados. Por exemplo:

C. P. Richter e seus colaboradores descobriram um método, graças ao qual


podem ser investigados os diferentes impulsos dos animais e suas variações
no decorrer do tempo. O método consiste em registrar numèricamente
atividades gerais ou especiais. Naturalmente, todos aquêles que se dedicam
ao estudo do comportamento mostram-se viva- mente interessados pelo
progresso futuro dessa técnica. Êsse é o processo correto nos casos em que
as quantidades totais de atividade em relação às condições externas e
internas fornecem informações valiosas.

Que diremos, porém, sôbre outros casos em que, ou os nossos problemas


não são do tipo quantitativo, ou em que não temos meio de substituir a
observação direta pela observação de outros fatos mais bem adaptados à
medição precisa? Evidentemente, os vários tipos qualitativos de
comportamento não são menos importantes que as diferenças quantitativas
dentro de determinado tipo. Desde que tenhamos conhecimento acêrca de
tais variedades qualitativas e também acêrca do tipo especial do qual
tratamos em determinado caso, torna-se extremamente importante a
questão da medição quantitativa. De qualquer maneira, porém, deve ser
feita em primeiro lugar a discriminação de tipos qualitativos. Assim, durante
a observação de um cachorrinho, devemos indagar se o comportamento do
animal representa uma atividade lúdica ou uma reação mais séria às
condições existentes. Tal questão não implica, necessàriamente, uma "vida
mental" no cachorrinho; refere-se, antes, a uma diferença característica da
que está sendo realmente observada. Essa diferença é de qualidade de
conduta. Também, quando observamos um homem em uma situação um
tanto crítica, pode ser essencial observar se êle nos fala com voz firme ou
trêmula. Esta é, hoje, uma discriminação essencialmente qualitativa. Para o
futuro talvez seja descoberto um método, graças ao qual possa ser medida
a firmeza da voz. Mesmo, contudo, se tal método fôr adequadamente
aplicado, ainda nos resta saber, por meio da observação direta, o que
consideramos por firmeza e falta de firmeza como característica

1 Cf. C. P. Richter "Animal Behaviour and Intornai Drives", Quarterly Re,.1.ew


o! Eiology, 2, 1927.

temporária da voz humana. De outro modo, correríamos o perigo de medir


outra coisa.

É igualmente restrita a aplicação dos métodos indiretos a muitas outras


formas de comportamento. Os adeptos do behaviorismo, como é sabido,
afirmam que podemos investigar o comportamento emocional dos sujeitos
sem nos preocupar com suas experiências subjetivas. De qualquer maneira,
nesse caso os psicólogos têm, muitas vêzes, procurado transferir a
observação para campos em que seja possível o registro e a medição
precisos. Muito esfôrço tem sido feito para se criarem e se aperfeiçoarem
métodos pneumográficos, pletismográficos, galvanográficos, etc. O
resultado, porém, não é muito animador, uma vez que, ainda nesse caso,
nossa interpretação das curvas registradas depende inteiramente da
observação direta e simultânea, quer das experiências do sujeito, quer de
seu comportamento em um sentido qualitativo mais geral. De modo algum
nos julgamos aptos a tirar conclusões apenas das curvas. Atualmente, tais
métodos apresentam-se mais como problemas em si mesmos do que como
instrumentos de ajuda para a solução dos problemas psicológicos. De um
modo geral, o processo mais fácil e mais seguro continua a ser o de
observar a cólera no comportamento de um sujeito como tal, do que, por
exemplo, medir a adrenalina em seu sangue.

Por que motivo tal dificuldade aflige a Psicologia e não parece existir na
Física? A resposta é bem simples: a Física é uma ciência antiga e a
Psicologia está na infância. Os físicos levaram séculos para, pouco a pouco,
substituir observações diretas e mais qualitativas por outras indiretas, mas
grandemente precisas. Seu êxito se deveu ao conhecimento do mundo físico
prèviamente adquirido. A maior parte das medições e métodos indiretos
pressupõe uma ampla base de informações. Os físicos tiveram de colhêr
essas informações, quando suas observações ainda eram mais qualitativas
e menos precisas. Sàmente dessa maneira puderam descobrir aquelas
importantes relações físicas, graças às quais a observação direta e
qualitativa é hoje tão amplamente substituída pela medição indireta e
precisa. Oersted teve de descobrir a deflexão de um ímã nas proximidades
de uma corrente elétrica, antes que se tornassem possíveis medições
exatas das intensidades das correntes. Sua observação foi qualitativa e
direta, mas o fruto foi um processo indireto e quantitativo. Mesmo em
nossos dias, Rõentgen não procedeu a medições imediatamente após ter
descoberto os raios X. Antes de mais nada, teve de analisar suas
propriedades em experimentação qualitativa. Mais tarde, sem dúvida, seus
raios puderam tornar-se um meio de medir as constantes dos cristais.
Esquecemo-nos com muita facilidade do fato de que, no comêço, mas
também quando surgem novos campos mais particularizados, as ciências
naturais dependem quase completamente da observação qualitativa. Não
resta a menor dúvida de que os métodos indiretos e quantitativos
constituem, presentemente,

28

29

a feição mais destacada das ciências exatas, principalmente para o leigo,


que admira de fora tais disciplinas. Devemos, porém, comprender que, na
maioria dos casos, tais métodos representam simples aperfeiçoamento de
métodos originais, mais diretos e qualitativos. Sõmente contando com essa
base pôde ser construída a super-estrutura aperfeiçoada. No Século XVIII,
Cavendish media as resistências de materiais diferentes, comparando os
choques produzidos em seu braço por pedaços geomètricamente
equivalentes daqueles materiais, quando tocava um pólo da bateria com
aquêles pedaços e o segundo pólo com a outra mão. Seria errado? Ao
contrário. O processo era perfeitamente válido para um campo então nôvo.
Graças a êle, Cavendish adquiriu conhecimento preliminar de fatos que
puderam, então, ser utilizados para a criação de métodos mais precisos.

Segue-se que, sempre que nos deparemos, na Psicologia, com um bom


problema quantitativo e com um método igualmente preciso para medi-lo,
devemos sem demora aplicar processos comparáveis aos usados na Física.
Os problemas que Galileu enfrentou no Século XVII puderam ser resolvidos
de pronto, quantitativamente, porque, naquele caso, a experiência
qualitativa da vida quotidiana oferecia a base necessária. O caso, no
entanto, não é o mesmo na maior parte dos problemas de Psicologia. Onde,
em Psicologia, temos conhecimento de importantes relações funcionais em
que se possam basear as medições indiretas e exatas? Não existe. Assim, se
a criação de métodos mais exatos pressupõe a existência de tal
conhecimento, nossa primeira tarefa deve consistir em sua aquisição. Em
sua maior parte, nosso avanço preliminar nessa direção tem de ser
grosseiro. As pessoas que protestam em nome da exatidão não
compreendem nossa situação na Psicologia. Não percebem nem a natureza,
nem os antecedentes históricos dos métodos indiretos e quantitativos. Se
quisermos imitar as ciências físicas, não poderemos imitá-la em sua forma
contemporânea, altamente desenvolvida, mas, sim, em sua juventude
histórica, quando seu estado de desenvolvimento era comparável ao da
própria Psicologia atualmente. De outro modo, estaríamos fazendo o papel
de meninos que tentassem copiar os modos compenetrados dos adultos,
sem compreender sua raison d'être e sem perceber, também, que não
podem ser postas de lado as fases intermediárias ao desenvolvimento. A
êsse respeito, é muito esclarecedor um exame da história da Física. Se
quisermos seguir os passos das ciências naturais, teremos de fazê-lo com
inteligência.

O comportamento tem enorme riqueza de matizes. Sàmente se


reconhecermos essa riqueza e a estudarmos diretamente, poderão ser
descobertos, aos poucos, processos quantitativos que cumpram nosso
objetivo. Presentemente, e em uma perspectiva histórica mais ampla, a
observação qualitativa pode, muitas vêzes, ser mais fecunda do que
medições prematuras.

30

Se os organismos fôssem mais semelhantes aos sistemas estudados pela


Física poderiam ser introduzidos em nossa ciência, sem grandes alterações,
muitos métodos utilizados peios físicos. Na realidade, porém, a semelhança
não é muito grande. Uma das vantagens, que torna tão mais fácil o trabalho
do físico, é a simplicidade muito maior de seus sistemas. Êstes sistemas são
simples porque, até certo ponto, o próprio experimentador determina suas
propriedades. Estou longe de acreditar que os processos orgânicos sejam de
qualidade sobrenatural. Ao contrário, a mais notável diferença entre o
organismo e um simples sistema físico é a enorme quantidade de processos
físicos e químicos que, em inter-relações complicadas, ocorrem em dado
momento no organismo. Somos de todo incapazes de criar mesmo os mais
simples sistemas orgânicos para o estudo elementar. Uma ameba é um
sistema mais complicado que todos os sistemas do mundo inanimado.
Sabemos também que, estudando, por exemplo, as propriedades de uma
preparação nervo-muscular, não estamos investigando "uma parte" do
comportamento natural. As características funcionais de tal preparação
diferem das características que os mesmos nervo e miísculo mostram,
quando atuando dentro do comportamento normal. Alguns adeptos do
behaviorismo têm razão, quando dizem que é todo o organismo que deve
ser estudado. Infelizmente, no organismo em seu conjunto, raramente
podemos acompanhar a mudança de uma variável particular, como se
apenas ela fôsse afetada por determinada alteração das condições
externas. A alteração de um fator habitualmente acarreta alterações
concomitantes de muitos outros, e estas últimas, por sua vez, afetam as
primeiras. Ora, o isolamento das relações funcionais e a redução de
variáveis que participam de um fenômeno constituem os grandes artifícios,
graças aos quais as pesquisas exatas são facilitadas na física. Uma vez que
essa técnica não é aplicável à Psicologia, uma vez que temos de tomar o
organismo mais ou menos como êle é, será aceitável, em nosso caso,
qualquer espécie de observação que se refira ao comportamento dos
sujeitos observados quando tomados como unidades ativas e complexas.

Na verdade, contudo, a jovem Psicologia não pôde resistir à tentação


provocada pelas brilhantes conquistas da ciência contemporânea. De vez
em quando, é varrida por uma onda de pouco clarividente imitação. O
próprio Fechner foi o primeiro a copiar a Física adulta, quando a Psicologia
mal havia nascido. Estava convencido, segundo parece, de que a medição
era suficiente, por si mesma, para fazer da Psicologia uma ciência. O
resultado é bem conhecido. A medição, de formidável eficiência quando é a
continuação aperfeiçoada da observação qualitativa anterior, transforma-se,
fàcilmente, em uma rotina inútil, quando desprovida de tal preparação. Hoje
em dia, já não é licito negar que milhares de experiências quantitativas
psicológicas foram feitas quase em vão. Ninguém sabia exatamente o que
estava medindo. Ninguém havia estudado os processos mentais em que se
baseava todo o processo. Parece que, no tempo de Fechner a Psicologia
tornou-se uma ciência, não devido à sua psicofísica, mas apenas
ocasionalmente e a despeito do programa quantitativo prematuro.

Parece que, nesse meio tempo, a lição foi esquecida. Quando se observa a
energia com que psicólogos capazes medem inteligências individuais, quase
se tem a impressão de estar no tempo de Fecbner. É verdade que, do ponto
de vista prático, êsse trabalho não deixa de ter valor. Parece que, a grosso
modo, uma capacidade geral para certas
31

tarefas é, de fato, medida por meio dêsses testes, pois, em conjunto, os


resultados dos testes apresentam uma correlação satisfatória com os
resultados obtidos, tanto na vida escolar como na vida prática posterior.
Ësse próprio sucesso, contudo, acarreta grave perigo. Os testes não
mostram que processos específicos realmente participam dêles. Os
resultados apresentados são simples números, suceptíveis de muita
interpretações diferentes. Falando-se figuradamente, dado resultado pode
significar: grau 3 de "inteligência", juntamente com grau 1 de "precisão",
grau 4 de "ambição" e grau 3 de "rapidez de fadiga", etc. Éste mesmo
resultado, porém, também pode significar "inteligência" 6, "precisão" 2,
"ambição" 1 e "rapidez de fadiga" 4, etc. Assim, as combinações de certos
componentes em proporções variáveis podem ser exatamente o mesmo Q.
1. É claro que isso tem importância, mesmo para finalidades práticas. Por
exemplo: uma criança deve ser tratada de acôrdo com a natureza e o vigor
dos fatôres específicos que cooperaram para o cálculo do Q. 1. total. Esta
crítica não constitui novidade, sem dúvida, mas nunca é demais repeti-la,
tendo-se em vista a influência que os testes adquiriram em nossas escolas.
Ainda estamos demasiado satisfeitos com os nossos testes porque, como
processos quantitativos, êles se mostram tão sedutoramente científicos.
Mais uma vez, devo insistir que se trata de uma impressão superficial. Se
compararmos a execução dos testes com a conduta de nosso ideal, o físico,
encontraremos uma flagrante diferença. Que perguntas formula o físico,
quando se vê diante de nôvo campo de pesquisas? São perguntas dêste
tipo: A luz é um processo oscilatório? Em caso afirmativo, oscila na direção
da propagação ou perpendicularmente àquela direção? O magnetismo é
produzido por campos magnéticos de correntes elementares em estruturas
moleculares? Por que a tensão superficial dá formas regulares aos liquidos e
camadas liquidas? Como pode o espectro de um elemento conter milhares
de linhas diferentes? É por perguntas dêste tipo que o físico se interessa.
Em tais perguntas formula êle seus problemas fundamentais. É verdade
que, quando procura encontrar as respostas, emprega, em estágios
definidos, técnicas quantitativas que facilitam grandemente o processo.
Também as emprega para formular leis exatas. Tudo isso, porém, é
governado por suas indagações acêrca da natureza dos fenômenos e das
coisas. Serão determinados fenômenos de uma espécie ou de outra? Tais
são os principais problemas da ciência experimental, na pesquisa dos quais
a medição pode-se tornar da maior importância.

Se indagarmos que problemas concernentes aos processos relacionados


com o comportamento inteligente estamos resolvendo por meio de nossos
testes, poucos de nós poderemos responder de pronto. Alguns psicólogos
irão até o ponto de sugerir que a inteligência deve ser definida como o X
que é medido no teste e que, na ciência, a medição é mais importante que
tôdas as indagações sôbre a natureza dos fenô menos
Isso deixa bem claro que, em vez de imitarmos o pac{ro essencial das
pesquisas na Física, somos levados simplesmente a copiar sua forma
quantitativa externa. Suponhamos que um físico esteja interessado por
vários tipos de motor. Não o teríamos em alta conta se êle se visse limitado,
em suas investigações sôbre os motores, às seguintes provas: medição do
volume dos motores, da temperatura em sua superfície, da ionização da
atmosfera em tôrno dêle, da freqüência máxima de rotação de cada um e
de seu pêso total. Sem dúvida, tal homem não mereceria a menor
consideração, se, contando com tais dados, passasse a calcular
"coeficientes de potência", definir "potência" por meio de seu curioso
método, deixar de lado tôdas as indagações acêrca dos processos que
permitem o funcionamento dos motores e ficar satisfeito com êsse método
durante anos. Estou exagerando, sem dúvida, com esta comparação. Assim
o fiz intencionalmente, a fim de chamar a atenção para o fato de que os
métodos quantitativos per se estão longe de estabelecer o valor de
determinadas atividades. Infelizmente, os interêsses humanos são tão
limitados em geral que a preocupação apenas com o aspecto quantitativo
das pesquisas provoca, sem demora, novas dificuldades. As pessoas que
sofrem dêsse mal não tardarão a deixar de reconhecer problemas que não
convidem de pronto à investigação quantitativa. No entanto, na ocasião,
tais problemas podem ser mais essenciais e, no sentido profundo da
palavra, mais científicos que muitas questões puramente quantitativas. A
observação qualitativa pode constituir o primeiro passo para a solução de
tais problemas, mas, uma vez que na Física contemporânea foram postos de
lado os métodos qualitativos, não temos coragem de executar tais tarefas,
por mais urgentes que possam ser, realmente. Corremos, assim, o perigo de
perder precisamente as oportunidades que seriam as melhores, nesta fase
em que nos encontramos da Psicologia como ciência ainda imatura.

Na Psicologia animal, a situação tem-se mostrado, algumas vêzes, um tanto


semelhante à que acabamos de discutir. Na experimentação com animais, o
único método quantitativo é, virtualmente, o estatístico. Em outras palavras:
não medimos, de acôrdo com a significação exata da palavra, mas nos
limitamos a contar quantas vêzes um animal ou um grupo de animais faz
isto ou aquilo, em determinadas circunstâncias. Naturalmente, para que
possamos dispor de casos comparáveis aos quais o processo possa ser
adequadamente aplicado, colocamos os animais em situações nas quais seu
comportamento fica restrito a umas poucas possibilidades. Fazemos a
contagem das atuações reais e o resultado de nossas provas é apresentado
em freqüências referentes às suas várias possibilidades. O método, em si
mesmo, não é mau. Devemos compreender, todavia, que, quando êle é
usado com exclusividade, restringirá, provàvelmente, nosso conhecimento
do comportamento. Tendo no espírito determinado problema, escolheremos,
necessàriamente, condições experimentais de tal ordem que excluam
possibilidades que, de outra forma, estaria ao alcance do animal. É bem
verdade que

32
33

alguns psicólogos pelo menos observam as formas restantes do


comportamento em si mesmas e visam, assim, à interpretação de seus
resultados quantitativos. Outros, porém, se negam a fazê-lo, porque, na sua
opinião, apenas são científicas as observações quantitativas. Isso faz com
que êles disponham de meros algarismos como material. Mesmo assim o
processo pode ser válido, se tais dados estiverem em poder daquelas felizes
pessoas que sempre resolvem intressantes problemas experimentais. Se
assim não fôr, contudo, a mesma atitude resultará, provàvelmente, em
conservadorismo. Apaixonados por algarismos e curvas, êsses
pesquisadores manter-se-ão afastados da verdadeira fonte de novas idéias e
de novos problemas em uma ciência jovem: urna visão ampla do assunto
estudado.

Difidilmente poderia ser exagerado o valor da informação qualitativa como


suplemento necessário aos trabalhos quantitativos. Na ausência de tal
informação, a psicologia do comportamento tornar-se-á tão estéril quanto é
supostamente exata. O interêsse excessivo pelos métodos quantitativos
aplicáveis não é um estado de espírito promissor em uma ocasião em que o
progresso da psicologia depende mais da descoberta de novas questões que
da monótona repetição de métodos padronizados. Se se disser que a
psicologia do comportamento não precisa dêste conselho, retrucarei que
Watson foi criticado porque suas conhecidas observações sôbre as crianças
não foram feitas sob a forma santificada de experiências controladas
quantitativamente. Não creio que aquelas observações representem uma
descrição exata das reações primárias e do primeiro aprendizado das
crianças, mas o fato é que elas revelam fatos interessantes, dos quais
jamais teríamos tomado conhecimento através das colunas de números
abstratos. Certa vez, um eminente psicólogo teve a gentileza de dizer
algumas palavras elogiosas a respeito de meu próprio trabalho sôbre o
comportamento inteligente dos macacos, mas, ao mesmo tempo, acusou-
me de ter deixado de lado o ponto mais importante, por não haver aplicado
o método estatístico. Ao meu ver, tal afirmativa denota certa incapacidade
de reconhecer os problemas que procurei abordar em caráter preliminar.
Êsses problemas dizem respeito às formas características de
comportamento inteligente em uma espécie particular, apresentadas em
várias situações. Tudo o que é valioso nessas observações desapareceria se
fôssem apresentados "resultados" de um modo estatístico abstrato. Em tais
circunstâncias, só caberia, a meu ver, uma advertência sôbre o perigo da
glorificação dos processos quantitativos. A pesquisa quantitativa, repito,
pressupõe análise qualitativa em que são descobertos problemas
proveitosos.

Na Física, as medições habitualmente resultam de questões específicas, que


são, de certo modo, hipóteses preliminares relativas a aspectos
desconhecidos da natureza. Fatos observados, mas enigmáticos, são, sem
dúvida, com muita freqüência, explicados na Física por presunções acêrca
de partes desconhecidas da natureza. O físico, porém, não faz

cais presunções a seu bel-prazer. Qualquer presunção particular que sirva


para explicar certas observações tem conseqüências muito diferentes
dêsses fatos. Naturalmente, todo o interêsse se concentra nessas
conseqüências e em seu exame. Vejamos um exemplo. Que se passa

na condução eletrolítica? Arhenius formula a ousada hipótese de que, nas


soluções condutoras, as moléculas se dissociam em iontes independentes e
as cargas dessas partículas explicam o fato de ser a solução boa condutora.
Se, porém, os iontes são partículas pràticamente independentes, sua
independência deve ter conseqüências quanto ao comportamento ótico do
eletrólito. Essas conseqüências são logo verificadas em novas experiências.
O exemplo mostra que uma boa hipótese é tão essencial ao progresso da
ciência como o são a observação e a medição. De fato, o progresso da Física
pode ser descrito como uma série de movimentos para diante e para trás,
do primeiro para o segundo e vice-versa.

Os sistemas orgânicos oferecem incontáveis fatos intrigantes em que o


mesmo processo pode ser proveitosamente aplicado. Sabemos alguma
coisa a respeito dos efeitos do estímulo sôbre os órgãos sensoriais de
nossos sujeitos e também observamos suas próprias reações. Entre êsses
dois têrmos, porém, existe mais terra incógnita do que havia no mapa da
África há setenta anos. Evidentemente, o comportamento depende da
dinâmica do organismo, assim como das condições externas. Até o ponto
em que o interior do sistema de vida ainda não é acessível à observação,
nossa tarefa consistirá em formular hipóteses acêrca dos fenômenos que ali
ocorrem, pois muita coisa deve acontecer entre o estímulo e a reação. Essa
reação não pode ser compreendida apenas em função do estímulo
periférico. Quem conhece a história da física, estará inclinado a acreditar
que essa tarefa de encontrar presunções fecundas sôbre os antecedentes
ocultos do comportamento é talvez a mais importante de tôdas. Todo o
futuro da Psicologia pode depender dela. Nesse ponto, tôda a fôrça criadora
do behaviorismo deveria ser concentrada em uma emulação de alta
qualidade com a física. A atitude crítica, que o behaviorismo mostra para
com a introspecção e a experiência direta, constitui uma feição meramente
negativa da escola. Onde estão suas idéias positivas específicas? Se me
sinto um tanto decepcionado com o trabalho do behaviorismo, o motivo é,
antes de mais nada, certa pobreza dos conceitos funcionais que a escola
aplica à explicação do comportamento. Não chega a constituir uma
realização satisfatória o fato. de tirar o behaviorismo da risiologia o.
conceito de ação reflexa (inçiusive os reflexos das secreções internas) e em
se-. guida apresentar o condicionamento cpo. a função que explica o apareci
mento de novas formas de comportamento. Os partidários do.
beliaviorismo,. cornq muitas outras pessoas atualmente, parecem ser
negativistas: convictos. "Não reconlecerás a experiência direta na Psi
cologia" .é seu primeiro mandamento, e "No conceberás de outras funçoes a
não ser reflexos e reflexos .c9ndicionados'.' é o segundo. NãP:

34

precisamos voltar à primeira tese. O segundo mandamento, a meu vet, é


incompatível mesmo com o modesto conhecimento de fenômenos orgânicos
de que dispomos. Tampouco compreendo por que o organismo deveria ser
concebido de maneira tão pobre. Não posso deixar de admitir que,
excluindo todos os tipos de função, menos êstes dois, o behaviorismo
apresenta uma lamentável estreiteza. Embora a escola se apresente como
revolucionária, é, na verdade, dogmàticamente conservadora. Agora
mesmo, quando já é uma ciência adulta, a Física admite pelo menos uma
nova idéia por ano a respeito do núcleo do átomo. Apesar da juventude da
Psicologia, parece que raras vêzes ocorreu aos adeptos do behaviorismo
que novas idéias funcionais pudessem tornar-se necessárias em nossa
ciência. Segundo parece, quando surgiu o behaviorismo, alguém formulou a
verdade final acêrca das possibilidades do organismo infante.

Por que afirmo que são pobres os conceitos funcionais do behaviorismo?


Devido a uma comparação com os vários processos que os físicos atribuem
ao mundo inamimado. E, repito, alguns simples sistemas físicos são muito
mais ricos na variedade de suas funções que o sistema nervoso do homem
aos olhos dos adeptos do behaviorismo. Não resta a menor dúvida, por
exemplo, que as bôlhas de sabão não foram condicionadas até hoje e, no
entanto, com as características funcionais que apresentam, elas me
parecem decididamente superiores ao organismo, tal como é visto pelos
adeptos do behaviorismo. O mesmo se pode dizer no que se relaciona com
inúmeros outros sistemas do mundo inanimado. Embora lhes faltem reflexos
e reflexos condicionados, seu comportamento freqüentemente faz lembrar,
de modo curioso, o comportamento animal. No behaviorismo, porém, seria
uma heresia seguir-se tal rumo. Quando começou a imitar as ciências
naturais, o behaviorismo não excluiu apenas a experiência direta de seu
programa. Por mais estranho que pareça, excluiu também a riqueza de
conceitos funcionais que seu ideal, a ciência física, oferecia à vontade. Até
mesmo alguns membros da escola estão começando a protestar contra essa
atitude.

O observador que examinar sem preconceitos o comportamento humano e


animal, diflcilmente verificará que reflexos e reflexos condicionados sejam
os conceitos mais naturais para serem usados em uma explicação dos fatos.
Uma vez, porém, que uma pessoa se convence plenamente de que tôda a
verdade sôbre o sistema nervoso pode ser explicada dessa maneira, deixará
de ter, naturalmente, um incentivo real para a livre observação do
comportamento. Uma vez que não ache necessidade de novos conceitos
funcionais, não iria perder tempo com uma espécie de informação da qual
não poderiam surgir tais conceitos. Por outro lado, a limitação da
observação à contagem de algumas poucas reações, que sômente são
possíveis em costumeiraS situações experimentais, contribui para proteger
o esquema conservador, dentro do qual trabalha o behaviorismo. Dêsse
modo, a estreiteza da observação protege a estreiteza da teoria.

Mesmo, porém, com um interêsse mais imparcial pelas várias formas de


comportamento, como iremos descobrir novos conceitos funcionais? Será
tão larga a brecha existente entre as condições observáveis do estímulo e
as reações abertamente observáveis, que tenham de ser prematuras as
hipóteses acêrca das funções de conexão? Não é preciso dizer que
deveremos utilizar-nos de tôdas as pistas fornecidas pela Fisiologia nervosa
e pela Endocrinologia. Mesmo, porém, as mais recentes descobertas nesses
campos não dizem precisamente o que necessitamos para os nossos
objetivos. Em tal situação, qualquer presunção, virtualmente, será mais útil
que a simples espera. As hipóteses da ciência empírica baseiam-se muitas
vêzes em provas bastante precárias. Como tais presunções terão de ser
verificadas e constantemente corrigidas, nada podem ter de prejudiciais. Se
se mostrarem total ou parcialmente verdadeiras, ninguém terá escrúpulos
sôbre a legitimidade de sua origem. Se se mostrarem errôneas ou estéreis,
poderão, a qualquer tempo, ser postas de lado e substituidas por idéias
melhores.

De fato, a Psicologia da Gestalt não tem nenhuma dificuldade particular em


formular suas principais hipóteses sôbre a dinâmica do sistema nervoso.
Nas observações do comportamento dos animais e do homem, não há a
experiência direta dos sujeitos. De qualquer maneira, se existe tal
experiência, o experimentador não presume que ela exerça influência sôbre
o curso dos fenômenos fisiológicos que se introduzem entre as condições
externas e o comportamento manifesto. As presunções acêrca dêsses
fenômenos devem ser susceptíveis de explicar o comportamento observado
sem referência a fatôres não fisiológicos. A experiência direta não é uma
fôrça que possa interferir na cadeia da causação fisiológica. (Os dualistas
formulam a hipótese oposta, mas não creio que sua maneira de raciocinar
contribua valiosamente para a análise funcional do comportamento).

Embora esta seja a maneira pela qual tenho de raciocinar acêrca de meus
sujeitos, não posso excluir minha própria experiência direta, quando observo
seu comportamento. Como poderia exclui-la, se mesmo quando emprego os
métodos mais indiretos na Física, tenho de confiar em fatos perceptivos?
Além disso, como vimos, no estudo do comportamento tenho de usar muitas
formas de experiência objetiva que já não são usadas nos processos
quantitativos da Física. Se, porém, minha experiência é aceitável como base
de minhas afirmações acêrca do comportamento de outros, por que motivo
deveria eu hesitar em utilizá-la, ao formular hipóteses acêrca das funções
do sistema nervoso?

Suponhamos que eu esteja sendo usado como sujeito. Nesse caso, o


experimentador mais uma vez desejará conhecer que processos ocultos em
meu sistema nervoso se interpõem entre as condições estimulantes
observadas e o comportamento observado. Mas eu posso ajudá-lo a
construir a ponte sôbre essa brecha. Muitos aspectos de meu
comportamento manifesto são acompanhados de experiência direta. Ora,
não duvidamos que essa experiência está estreitamente relacionada com

37

alguns dos processos acêrca dos quais o experimentador deseja ter pelo
menos uma hipótese verossímil. Em tais condições, parece natural usar
minha experiência direta como base de operações teóricas. É bem verdade
que nem todos os fenômenos de meu sistema nervoso que contribuem para
o meu comportamento, são acompanhados de experiência direta. Nesse
ponto, qualquer hipótese que formulemos dessa maneira será de âmbito
limitado. Deverá deixar-se aos cuidados da Fisiologia ultrapassar essas
limitações no futuro. Infelizmente, as concepções da Fisiologia acêrca das
funções do cérebro são, hoje, quase tão especulativas quanto nossas
próprias suposições. Será, assim, aconselhável tirar-se o máximo proveito
da oportunidade que a dedução partida da experiência direta oferece ao
psicólogo.

Não se propõe que, para tal fim, façamos a introspecção no sentido técnico
da palavra. Apenas serão usadas para a finalidade visada simples
informações a respeito da experiência, as informações que estão aptos a
fazer todos os observadores de pessoas, animais, instrumentos, etc.
Comecemos com a experiência objetiva. Em condições normais, a
experiência objetiva depende de fenômenos físicos que estimulam os
órgãos do sentido, mas também depende de fenômenos fisiológicos da
espécie que pretendemos agora examinar. O físico se interessa pelo
primeiro fato: a dependência da experiência objetiva com relação a eventos
físicos, ocorridos fora do organismo lhe permite deduzir, da experiência, em
que consistem aquêles fenômenos físicos. Nós nos interessamos pelo
segundo fato: como a experiência depende de fenômenos fisiológicos
ocorridos no cérebro, tal experiência deve conter sugestões sôbre a
natureza daqueles processos. Em outras palavras, argumentamos que, se a
experiência objetiva nos permite apresentar uma descrição do mundo físico,
também nos deve permitir apresentar uma descrição do mundo fisiológico
com o qual está estreitamente relacionada.

É evidente, contudo, que, se as características dos processos fisiológicos


concomitantes têm de ser deduzidas de determinadas características da
experiência, necessitamos de um princípio diretor que discipline a transição.
Há muitos anos, um princípio dessa espécie foi apresentado por E. Herring.
Êle se formula da seguinte maneira: as experiências podem ser classificadas
sistemàticamente, se seus vários tipos e matizes são ajuntados de acôrdo
com as suas semelhanças. O processo é comparável àquele mediante o qual
os animais são classificados na Zoologia e os vegetais na Botânica. Os
processos de que dependem as experiências não são diretamente
conhecidos, mas, se fôssem. conhecídos, também podçriam ser
classificados de acârdo com suas semelhanças. Entre ás duas classificações
sistemáticas, a da expëriência e a dos processos fisiológicos concomitantes,
podem ser presumidas várias relações comõ susceptíveis de ser alcançadas.
A relação entre os dois sistemas de classificação, porém, sàmente será
simples e clara, se supusermos que ambas têm os mesmos sistemas de
forma ou estrutura qa. Algumas vêzs, &te principio é formulado mais
explicitamente em

as

certo número de "axiomas psicoffsicos".1 A êsse respeito, ser-nos-á


suficiente apresentar alguns exemplos de sua aplicação.

O som de determinado tom pode ser produzido em muitos graus de alturas


experimentadas. Em têrmos geométricos, a ordem natural sistemática de
tôdas essas alturas é uma linha reta, porque, ao partirmos do mais brando
ao mais alto dos sons, temos a impressão de estar-nos movendo
constantemente na mesma direção. Pergunta-se, agora, qual a
característica dos fenômenos cerebtais simultâneos que correspondem à
altura experimentada. O princípio não dá uma resposta direta, mas supõe
que quaisquer que possam ser as características em questão, suas várias
tonalidades ou graus devem mostrar exatamente a mesma ordem que a
altura de som apresenta, isto é, a de uma linha reta. Além disso, se no
sistema de experiências um tom determinado está situado entre dois
outros, na ordem dos fenômenos cerebrais correspondentes o fator
fisiológico correspondente ao primeiro tom deve também estar situado
entre os processos correspondentes aos outros dois. Isso assegura a
igualdade da estrutura dos dois sistemas a que o princípio se refere.

Parece que a lei do tudo-ou-nada não nos permite escolher a "intensidade


da atividade nervosa" como a correlação fisiológica dos graus
experimentados do som, O princípio, porém, pode ser igualmente bem
aplicado, se a freqüência ou densidade dos impulsos nervosos fôr tomada
com a correlação do tom.

Outro exemplo: as côres podem ser estudadas em sua relação com os


processos cerebrais correspondentes. Esta relação foi estudada
cuidadosamente por G. E. Müller.2 Na verdade, suas presunções vão além
do princípio ora em exame, pois êle formula hipóteses acêrca de processos
retinianos. O princípio em si mesmo se aplica apenas aos processos
cerebrais que implicam diretamente a experiência visual. A teoria de Müller
é também mais específica, uma vez que inclui uma exposição acêrca da
natureza dos processos retinianos em si mesmos, presumindo-se que êles
sejam reações químicas. Essa transgressão do princípio é perfeitamente
válida, pelos motivos que se seguem. Se o sistema de experiências da côr e
dos processos fisiológicos relacionados deve ter a mesma estrutura, êsses
fenômenos fisiológicos devem variar justamente em tantas direções ou
"dimensões" quanto as côres. É perfeitamente possível que as reações
químicas constituam o único tipo de processo que satisfaz a essa condição.
Assim, o princípio da identidade da estrutura do sistema serve para
restringir o número de fatos que podem ser levados em consideração,
quando são desejadas hipóteses mais especificas.
1 Cf. O. E. M11]ler Zeitsclir. /. Pzyolwl. 14, pág. 180.

2 Laç. cit.

30

A Psicologia da Gestalt baseia-se em um princípio que é, ao mesmo tempo,


mais geral e mais aplicável concretarnente que o de Hering e Müller. Lstes
autores referem-se à ordem meramente lógica das experiências que, para
essa finalidade, são abstraídas de seu conteúdo e julgadas de acôrdo com
suas semelhanças. A tese é a de que, quando fenômenos fisiológicos
correlatos também são deduzidos de seu contexto e também comparados
quanto às suas semelhanças, a ordem lógica resultante deve ser a mesma
das experiências. Em ambos os casos, ver-se-á que a ordem em questão é a
ordem dos espécimes desaparecidos, que têm o seu lugar adequado em um
museu. A experiência em si mesma, porém, apresenta uma ordem que é ela
própria experimen tada. Assim, por exemplo, neste momento tenho diante
dos olhos três pontos brancos em uma superfície negra, um no meio do
campo e os outros em posições simétricas, de cada lado do primeiro. Trata-
se, também, de uma ordem, que, todavia, em vez de ser do tipo meramente
lógico, é concreta e pertence aos próprios fatos da expe riência.
Presumimos que também esta ordem depende de fenômenos fisiológicos
ocorridos no cérebro. E nosso princípio refere-se à relação entre a ordem
concreta experimentada e os processos psicológicos encobertos. Quando
aplicado ao presente exemplo, o princípio afirma, primeiro, que aquêles
processos são distribuídos em certa ordem e, em segundo lugar, que essa
distribuição é tão simétrica, no que diz respeito ao aspecto funcional, como
o grupo de pontos no que diz respeito ao aspecto visual. No mesmo
exemplo, um ponto é visto entre os dois outros, e essa relação constitui uma
parte da experiência, tanto quanto o branco dos pontos. Nosso princípio diz
que algo nos processos ocultos deve corresponder ao que chamamos
"posição intermediária" na visão. De maneira mais particular, sustenta-se
que a "posição intermediária" experimentada corresponde a uma "posição
intermediária" funcional nas inter-relações dinâmicas dos fenômenos
cerebrais que a acompanham. Quando aplicado a todos os casos da ordem
espacial experimentada, o princípio assim pode ser enunciado: A ordem
experimentada no espaço é sempre estruturalmente idêntíca a uma ordem
funcional na distribuiçao dos processos cerebrais ocultos.

Lste é o princípio do isomorfismo psíco físico, na forma particular que


assume no caso da ordem espaciaJ. Sua plena significação tornár-se-á mais
clara nos capítulos seguintes. Por enquanto, mencionarei outra aplicação do
mesmo princípio. Constitui experiência freqüente verificar-se que um
fenômeno se situa, no que se refere ao tempo, entre dois outros. Mas o
tempo experimentado deve ter um correspondente funcional nos eventos
cerebrais, da mesma maneira que o espaço experimentado. Nosso princípio
diz que a "posição intermediária" temporal na experiência corresponde a
uma "posição intermediária" funcional na seqüência de fenômenos
fisiológicos ocultos. Se, desta maneira, o princípio fôr de nôvo aplicado
geralmente, chegamos à asserção de que a ordem constatada pela
experiência no tempo é sempre estrutu ralment

idêntica a uma ordem funcional na seqüência dos processos cerebrais correi


atos.

O campo de aplicação do princípio não se limita às ordens temporal e


espacial. Constatamos, pela experiência, outras ordens além das de
relações meramente espaciais e temporais. Certas experiências pertencem
à mesma natureza de uma maneira específica ou são da mesma natureza
de maneira menos íntima. Tais fatos também constituem objeto de
experiência. No mesmo momento em que escrevo esta frase, uma voz
desagradável começa a cantar em' uma casa vizinha. Minha frase é algo
que, embora distendida no tempo, é experimentado como certa unidade à
qual não pertencem aquelas notas agudas. Isto é verdade, embora ambas
as experiências ocorram ao mesmo tempo. Neste caso, nosso princípio
passa a ser assim enunciado: as unidades da experiência cores pondem a
unidades funcionais nos processos fisiológicos ocultos. Também a êsse
respeito, a ordem constatada pela experiência é tida como a verdadeira
representação de uma ordem correspondente nos processos de que
depende a experiência. Esta última aplicação do princípio talvez tenha a
maior importância para a Psicologia da Gestalt. Como hipótese fisiológica
acêrca de experiências sensoriais, assim como acêrca de processos mais
sutis, ela abrange pràticamente todo o campo da Psicologia.

Limitei-me a tomar um exemplo fora da esfera da experiência objetiva, no


sentido estrito da expressão. Uma frase que estou redigindo não faz parte
da experiência objetiva, do mesmo modo que uma cadeira que se encontre
diante de mim. No entanto, minha asserção a respeito da frase não é menos
simples e evidente do que foram as outras, que se referiam à ordem no
espaço e no tempo experimentados. Nem sempre, contudo, isto se dá. A
observação de experiências subjetivas não pode ser recomendada sem
limitação. No caso presente, sàmente afirmativas muito simples neste
campo podem ser consideradas como suficientemente dignas de confiança.
Não há necessidade de ultrapassarmos, por enquanto, a esfera da
experiência objetiva. Já vimos que esta oferece uma base adequada de
operações para os nossos objetivos imediatos.

Nos parágrafos anteriores, minha própria experiência serviu como material


que sugere presunções sôbre a natureza de elementos constituintes do
comportamento que, de outro modo, não poderiam ser observados. Ora, a
única maneira de que disponho para transmitir minhas observações nesse
campo ao público científico é a linguagem falada ou escrita que, tal como
entendo, se refere a tal experiência. Chegamos à conclusão, porém, de que
a linguagem, como seqüência de fatos fisiológicos, é o resultado externo de
processos fisiológicos anteriores, entre outros daqueles de que a minha
experiência depende. De acôrdo com a nossa hipótese geral, a ordem
concreta daquela experiência retrata a ordem dinâmica de tais processos.
Assim, se, para mim, as minhas palavras representam uma descrição de
minhas expe 40

41

riências, elas são, ao mesmo tempo, representações objetivas de processos


que formam a base de tais experiências. Em conseqüência, não tem grande
importância saber se as minhas palavras devem ser consideradas
mensagens acêrca da experiência ou acêrca daqueles fatos fisiológicos,
uma vez que, no que diz respeito à ordem dos fenômenos, a mensagem é a
mesma em ambos os casos.

Se voltarmos, agora, à observação do comportamento, temos de lidar com a


linguagem como forma particular de comportamento dos sêres humanos.
Também aqui podemos, sem perigo, considerar a linguagem como uma
mensagem que se refere a fatos situados fora de seu próprio campo.
Sàmente a concepção mais superficial iria estudar as palavras meramente
como fenômenos fonéticos. Quando ouve uma argumentação científica, o
próprio adepto do behaviorismo há de verificar que reagirá não às
características fonéticas da fala, mas à sua significação simbólica. Assim,
por exemplo, êle considerará como equivalentes substantivos tais como
"experimentação" e "Versuch", "animal" e "Tier", embora tanto no primeiro
como no segundo caso as palavras equivalentes sejam fonèticamente muito
diferentes. Por que haveria tal atitude de ser modificada, quando acontece
que a pessoa que fala é também o sujeito e que nos apresenta uma
informação reveladora?

Repetindo: as afirmações de um sujeito podem ser consideradas tanto como


indicadoras de suas experiências como dos processos em que tais
experiências se baseiam. Se o sujeito diz: "Êste livro é maior do que aquêle
outro", suas palavras podem ser tomadas como se referindo a uma sua
"experiência-comparação", mas também como apresentando uma relação
funcional correspondente entre dois processos sensoriais. Como, de acôrdo
com o nosso ponto de vista, a mesma ordem prevalece em ambos os casos,
a alternativa é destituída de importância particular. De acôrdo com a
psicologia do comportamento, a interpretação fisiológica deve ser
apresentada, mas não há motivo que obrigue a ser excluída a outra
interpretação. O comportamento de um pinto pode revelar-me, sem
necessidade de palavras, que a ave é capaz de reagir a um grau de
claridade em comparação com outro. Por outro lado, se, no decorrer de uma
experiência, um sujeito humano me diz que um objeto lhe parece mais claro
que outro, a importância científica dessa afirmativa é precisamente a
mesma que a do comportamento do pinto. Por que motivo, portanto, deve o
experimentador deixar de lado a linguagem, que é uma das formas mais
instrutivas do comportamento? Certamente, aplicando-se ao homem a
mesma técnica que aplicamos ao pinto, poderemos evitar o uso da
linguagem na psicologia humana. Mas para quê? A repulsa dos adeptos do
behaviorismo à linguagem parece ter motivos de ordem meramente
histórica. Os partidários da introspecção utilizaram-se de "relatos verbais"
em suas tentativas de analisar a experiência. Estou pronto a admitir que
aquilo que êle chamavam de introspecção parecia ter valor limitado.
Infelizmente, em

42

conseqüência dêsses esforços errôneos, os adeptos do behavjorismo


ficaram condicionados negativamente, não sõmente no que se refere à
introspecção em si mesma, como também no que diz respeito a outras
coisas inteiramente inocentes que, via de regra, acompanham a
introspecção. Daí sua ogeriza pela linguagem.

BIBLIOGRAFIA

K. Koffka: Principe8 of Gestalt Psychology. 1935.

W. Kõhler: Dynamie in Psychlogi. 1940.

W. Kõhler: "Die Methoden der psyehologischen Forschung beini Affen"


Abderhaldens Hondbuch der biologischen Arbeitsmethoden, VI, D.

1921.

W. K5h1er: The Pktce o.f Value in a World of Factus (Cap. IV). 1938.

43

Capítulo 3

Crítica da Introspecção

Em tôrno dos fatos acreditados, aceitos e ordenados de tôda ciência,


sempre flutua uma espécie de nuvem de poeira das observações
excepcionais.

W. JAMES, The Will to Believe (A Vontade de Crer)

Villiam James descreveu muito bem como um súbito interêsse por certos
fenômenos "irregulares" assinala, muitas vêzes, o comêço de uma nova era
na ciência. Em tais ocasiões, o que fôra excepcional torna-se, muitas vêzes,
o centro de trabalhos científicos. Iremos, agora, travar conhecimento com a
introspecção, em sua qualidade de processo pelo qual um sistema artificial
de Psicologia é protegido contra seme- lhante revolução. A proteção é
alcançada por meio de uma técnica que serve para afastar observações
particularmente interessantes. Ao estudar a introspecção, não pretendo
considerar uma escola em particular. O que tenho a dizer se refere a todos
os psicólogos que tratam a experiência da maneira que será examinada nas
páginas seguintes.

Em sua maior parte, os adeptos da introspecção provàvelmente


concordaram com minha crítica do behaviorismo. De fato, alguns podem ter
reconhecido seus próprios argumentos nos capítulos anteriores. Qual é,
então, a diferença que separa a introspecção do ponto de vista da Psicologia
da Gestalt? Essa diferença tornar-se-á evidente logo que consideremos
como a experiência deve ser observada. Antes de mais nada, pretendo
examinar a maneira pela qual os adeptos da introspecção tratam da
experiência objetiva, campo no qual êles se têm mostrado particularmente
ativos. Por mais surpreendente que pareça, as premissas de seu trabalho
mostrar-se-ão muito semelhantes às dos behaviorismo.

No próprio momento em que procuramos observar a experiência de maneira


imparcial, temos de ouvir as objeções dos partidários da introspecção. Se eu
digo que estou vendo um livro, diante de mim, na minha escrivaninha,
surgirá logo a afirmação de que ninguém pode

ver um livro. Se eu levanto o livro, direi que sinto seu pêso como algo que
se encontra fora dos meus dedos e mais ou menos no lugar em que o livro
também é visto, O crítico observará que estas afirmações são típicas da
linguagem de um observador desprovido de conhecimento. Acrescentará
que, para os objetivos práticos da vida quotidiana, tais afirmações podem
ser inteiramente satisfatórias, mas que nem por isso divergem grandemente
das descrições que um psicólogo esclarecido apresentaria. Por exemplo: as
afirmações implicam que as expressões o "livro" e "escrivaninha" se referem
a objetos ou coisas. Em uru estudo correto de Psicologia, tais expressões
não são admissíveis, segundo os adeptos da introspecção, pois se a
observação se destina a nos fornecer os dados simples e primários
referentes à experiência, devemos aprender a fazer a importantíssima
distinção entre sensações e percepções, entre o mero material sensorial e o
conjunto de outros ingredientes com os quais êsse material se impregnou,
em conseqüência dos processos de aprendizagem. Não podemos ver um
livro - diz-nos o adepto da introspecção - porque esta expressão implica
conhecimento acêrca de certa classe de objetos, à qual pertence o
espécime presente, da utilização de tais objetos, etc. A simples visão nada
tem a ver com tal conhecimento. Como psicólogos, cabe-nos a tarefa de
separar tôdas essas significações adquiridas do material visto per se) o qual
consiste de simples sensações. Pode ser realmente difícil efetuar-se a
separação e concentrarmos nossa atenção nas sensações com as quais
devemos estar inicamente preocupados, mas a capacidade de se conseguir
tal coisa é precisamente o que distingue o psicólogo do leigo. Todo o mundo
deve admitir que, originainiente, o ato de pegar um livro não pode dar a
experiência de um pêso fora dos dedos que seguram o objeto. No comêço,
pode ter havido apenas sensações de contacto e talvez de esfôrço dos
dedos. Donde se conclui que o pêso externo deve ser o produto de um longo
processo, no qual as puras sensações de nossa mão se ligaram, pouco a
pouco, a outros fatôres. Um raciocínio semelhante mostra, sem demora,
que, entre os legítimos dados sensoriais não cabe a existência de objetos.
Os objetos só existem para nós quando a experiência sensorial se
impregnou completamente de significação. Quem pode negar que, na vida
adulta, a significação impregna tôdas as experiências? Isso leva, afinal, a
uma espécie de ilusão. Para um alemão, o substantivo 'Igel" não parece
caber a nenhum outro animal a não ser o ouriço-cacheiro. No entanto, a
palavra "eagle" que, em inglês, tem pronuncia idêntica à de "Igel" em
alemão, para um inglês ou norte-americano não pode representar outra
coisa senão um uAdler))l

Neste caso, teremos de admitir que devemos discriminar entre a


experiência auditiva em si mesma, que é a mesma em ambas os idiomas,

1 "Acfler" é 'águia" em a1em.o (N. do A,)

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45

e o sentido atribuído aos sons, que variam de um país para outro. Outro
exemplo: o sinal + dá bem a impressão de seu significado de operação de
adição, especialmente quando é visto entre dois números; no entanto, podia
muito bem ter sido escolhido como símbolo da divisão. Se, durante um
momento, hesitarmos em aceitar essa afirmação, assim faremos apenas
porque a conexão de uma significação particular com aquêle simples sinal
ficou em nós gravada desde que começamos a freqüentar a escola primária.
Logo, porém, que a enorme fôrça da conexão tenha sido compreendida na
presente situação, estaremos prontos a admitir que, provàvelmente, coisa
alguma da experiência pura de um adulto pode estar isenta de semelhantes
influências. Até mesmo as mais impressionantes características de
determinadas experiências podem derivar de tal fonte.

Ora, a significação, sob êsse aspecto, depende da biografia pessoal.


Representa uma feição um tanto acidental de nossa experiência. Em
Psicologia, deveremos, portanto, procurar deixá-la de lado e concentrar a
atenção apenas nas sensações reais. O processo graças ao qual se
consegue isso é chamado introspecçao.

Em meus tempos de estudante, todos os jovens psicólogos aprendiam


perfeitamente essa lição, embora, em alguns casos, a doutrina fôsse
transmitida antes implicitamente que através de uma formulação clara.
Infelizmente, se os partidários da introspecção estão certos a êsse respeito,
a experiência direta em si mesma tem apenas valor limitado. De tôda a
experiência objetiva apenas sobreviverão, com tôda a probabilidade,
algumas partes, quando se completar a grande limpeza.

Naturalmente, o problema principal consiste em saber de acôrdo com que


critérios algumas experiências devem ser escolhidas como legítimos fatos
sensoriais, ao passo que outras são postas de lado como meros produtos da
aprendizagem. Qualquer que seja a solução, consideremos agora alguns
exemplos que, em aspectos essenciais, diferem dos discutidos nos
parágrafos anteriores.

Suponhamos que, encontrando-nos em uma esquina, vemos um honem se


aproximar de nós. Ële se encontrava a dez metros de distância e, logo
depois, a cinco. Que diremos acêrca de seu tamanho a essas duas
distâncias? Estaremos inclinados a dizer que a ambas as distâncias seu
tamanho visual era aproximadamente o mesmo, mas somos advertidos de
que tal afirmação é de todo inaceitável. Uma simples consideração da ótica
geométrica mostra que, durante a aproximação do homem, sua altura visual
deve ter dobrado, e o mesmo se pode dizer de sua largura. Seu tamanho
total deverá, portanto, ter uma área quatro vêzes maior do que quando
estava a dez metros. Para que isso se torne perfeitamente claro, deveremos
repetir a observação no laboratório. Ali, substituiremos o homem por dois
retângulos de papelão, o primeiro de 5 x 7,5 cm e o segundo de 15 x 22 cm.
Se o primeiro fôr mantido diante dos nossos olhos a uma distância de um
metro e o segundo a uma distância de três metros, devem ter o mesmo

tamanho, do ponto de vista da ótica, uma vez que suas dimensões lineares
variam exatamente como suas distâncias. Na verdade, o retânguio colocado
a maior distância parece muito maior que o mais próximo. Mas isto é
precisamente o que os partidários da introspecção não aceitam como
afirmação verdadeira sôbre fatos sensoriais. Tal afirmação, sustentam êles,
não se pode referir à verdadeira experiência sensorial. E também nos
oferecerão uma prova de que sua opinião é certa. Convidar-nos-ão a olhar,
através de um orifício, uma tela que colocam, diante dos nossos olhos. Os
dois retângulos aparecerão, então, em um fundo hofnogêneo, porque a tela
esconde todos os outros objetos. Nestas condições, a diferença entre os
tamanhos dos retângulos provàvelmente será um tanto reduzida. Se não
desaparece inteiramente, o experimentador pode ir mais longe, ajudando-
nos a ver os tamanhos como êles realmente são, de acôrdo com sua
convicção. Poderá escurecer o aposento e acender a luz apenas por uma
fração de segundo, o que servirá para eliminar os niovimentos dos olhos e
da cabeça. E bem possível que, então os retângulos tenham o mesmo
tamanho. O adepto da introspecção poderá, também, convidar-nos a
adquirir certa prática, que não posso descrever aqui, e, depois de certa
aprendizagem, os retângulos poderão, na verdade, aparentar o mesmo
tamanho, mesmo que sejam deixados de lado a tela com o orifício e todos
os outros recursos. Uma vez conseguido isto, o psicólogo da introspecção
estará satisfeito. "Agora - dirá - você já sabe o que quer dizer introspecção".
Afinal de contas - acrescentará - os observadores submetidos à
aprendizagem têm de achar que os retângulos são iguais. De outro modo,
as pessoas poderiam chegar ao ponto de acreditar que a pós-imagem de um
objeto muda seu tamanho, de acôrdo com a distância da qual elas o vêem
em uma tela, porque, na observação do leigo, o tamanho da pós-imagem
não parece mudar, quando varia a distância do ponto de fixação do ôlho.
Naturalmente, de acôrdo com o adepto da introspecção a pós-imagem não
pode realmente mudar, uma vez que, naquelas circunstâncias, a área do
pós-efeito retiniano permanece rigorosamente constante.

O exemplo que apresentarei em seguida pode ser considerado como


conseqüência natural do primeiro. Quando jantamos em companhia de
amigos, de que formato vemos os pratos na mesa, à esquerda, à direita e
em frente de nós? Estaremos inclinados a dizer que vemos pratos redondos,
justamente como o nosso próprio prato. Ainda nesse caso, porém, é uma
afirmativa que o partidário da introspecção não aceitará. De acôrdo com êle,
os pratos devem ser eipticos. E acrescentará que quando tivermos
raciocinado sôbre à projeção dos pratos em nossa retina, teremos que
admitir que isso . é verdade. Dë fato, alguns dos ptatos podem ser elipses
bem chátas e o nosso próprio prato pôde-se transformar em uma elipse,
quando nossos olhos não baixarni sôbre êle verticalxnente. Também neste
casà• pode ser aplicado um processo semelhante ao usado no. exemplo.
anterior. Em uma tela que• é obqua

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47

à direção da vista é apresentado um círculo e em outra perpendicular à


direção da vista é apresentada urna elipse. O formato desta última figura é
escolhido de tal maneira que sua projeção sôbre a retina tenha a mesma
forma que a projeção do círculo partindo de seu plano obliquo. Um
observador destituído de aprendizagem afirmará que vê o círculo como
círculo e a elipse como elipse. O adepto da introspecção, porém, contestará
que, na verdadeira experiência sensorial, há duas elipses virtualmente
idênticas. E nos oferecerá uma tela com dois orifícios, através dos quais
poderemos ver ambas as formas, mas que as privam dos dados, graças aos
quais os ângulos dos planos podem ser reconhecidos a princípio. Ambas as
figuras parecem semelhantes; ambas parecem elipses. Assim, o partidário
da introspecção parece ter chegado aonde queria. Com algum treinamento,
- observará de nôvo - qualquer pessoa pode perceber aquêles fatos
sensoriais verdadeiros, mesmo sem a tela, desde que assuma a atitude
correta, a atitude de introspecção. Com maior elucidação, o observador
notará que se uma pós-imagem é projetada em planos de ângulos
diferentes com relação à vista, ver-se-á a imagem mudar de formato,
quando é projetada em um plano ou no outro. Como, durante essas
observações, os pós-efeitos retinianos não se modificam de modo algum,
apenas pessoas mal informadas poderão confiar no que êles parecem
nessas circunstâncias. Assim, parece estar convincentemente demonstrada
a importância de serem observadas determinadas experiências sensoriais
por meio da introspecção bem aprendida.

Outra experiência paradoxal tem sido amplamente discutida desde que


Helmhotz escreveu sua "Physiologische Optik". Um observador sem
aprendizado não vê apenas tamanhos e formatos de objetos de maneira
mais constante do que a que corresponde às variações dos tamanhos e
formatos retinianos; o mesmo se dá na maneira com que êle parece ver a
claridade em sua relação com as intensidades variáveis da projeção
retiniana. Suponhamos que uma tela vertical é colocada sôbre uma mesa,
perto de uma janela e paralelamente à mesma. Do lado da janela, um papel
prêto é colocado sôbre a mesa e, simètricamente, do outro lado da tela, um
papel branco. Os papéis são escolhidos de maneira especial: o escuro, que
fica exposto à iluminação direta vinda da janela, reflete a mesma
quantidade absoluta de luz que o papel branco, que recebe muito menos
luz. Apesar disso, o primeiro papel parece prêto e o outro branco. É mais
uma observação que os partidários da introspecção se negam a aceitar,
porque, nas circunstâncias dadas, as imagens projetadas sôbre a retina do
observador são ambas igualmente intensas. Êles presumem que as
sensações, isto é, brilho dos papéis deve ser o mesmo em ambos os casos.
E acreditam também que essa qualidade pode, de fato, ser demonstrada.
Mais uma vez, tomarão um pedaço de papelão com dois pequenos orifícios
e o colocarão de modo tal que, através de um orifício, se vê uma parte do
papel prêto e através do outro orifício urna parte do papel branco.

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Tôdas as coisas que rodeiam os papéis, a tela vertical, etc. são excluídas da
visão. E, nestas circunstâncias, vê-se, através dos orifícios, o mesmo matiz
de cinzento. É claro que estas são as verdadeiras sensações - afirmam os
adeptos da introspecção, que, provàvelmente, também explicarão que,
depois de alguma prática, qualquer pessoa poderá reconhecer a igualdade
dos dois brilhos, sem a ajuda de algum dispositivo especial. Quando isso se
der, tais pessoas estarão aptas a observar com a atitude de introspecção.
Quando os pintores ainda se mostravam interessados na observação dos
objetos, geralmente assumiam essa atitude, a fim de ver o verdadeiro brilho
das coisas.

Todos êsses fatos, as chamadas constâncias do tamanho, formato e brilho,


são, segundo êsse ponto de vista, meras ilusões, que têm de ser destruidas
para que apareçam os verdadeiros fenômenos sensoriais. Sob êstes e outros
aspectos, tais fatos são comparáveis a muitas outras "ilusões de ótica",
cujos diagramas enchem as páginas dos livros didáticos de psicologia. Há,
por exemplo, o famoso desenho de MüllerLyer, a figura com as pontas de
setas, entre as quais duas linhas iguais parecem ter comprimentos muito
diferentes. Quando êsse desenho é repetidamente examinado e se o sujeito
se esforça para isolar das coisas que cercam as linhas objetivamente iguais,
verificará que a ilusão se torna menos viva, até que acabe desaparecendo
inteiramente. Isso parece significar que a desigualdade das linhas à primeira
vista não foi um fato sensorial. Se acreditarmos no que dizem os partidários
da introspecção, a mesma coisa também pode ser demonstrada da seguinte
maneira: as duas figuras são desenhadas precisamente uma acima da
outra. Se, então, o observador concentrar a atenção nas duas extremidades
esquerdas das linhas iguais, verificará ser vertical uma ligação imaginária
entre essas duas extremidades. Se fizer a mesma coisa com as
extremidades da direita, obterá o mesmo resultado. Se tivermos algum
conhecimento de Geometria, seremos obrigados a admitir que as duas
linhas têm o mesmo comprimento. Do mesmo modo, pode ser demonstrado
que a maior parte das outras ilusões desaparece, se o observador tiver o
cuidado de assumir a atitude analitica correta. Como poderão, portanto, tais
ilusões ser consideradas como legítimos fatos sensoriais?

Vejamos mais um exemplo. Durante os últimos trinta anos, o movimento


estroboscópico tem sido amplamente estudado por jsicólogos alemães e
americanos. Em determinadas condições, a apresentação sucessiva de duas
luzes, em dois pontos não muito distantes um do outro, dá em resultado
uma experiência de movimento do primeiro para o segundo. Se, porém, o
observador adota a atitude de introspecção, nada mais encontra que um
"clarão cinzento". Conseqüéntemente, o adepto da introspecção adverte
que deve ser recebida com desconfiança qualquer informação a respeito de
movimentos, de fato, em tal situação. Não descreveram os pacientes de
Benussi, experiências semelhantes quando dois pontos de sua epiderme
eram tocados em rápida sucessão?

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De acôrdo com suas descrições, o movimento experimentado não ocorria,


pela maior parte, ao longo da superfície da pele, e, sim, formava um arco
sôbre o espaço vazio e só tocava a epiderme nos pontos do verdadeiro
estímulo. Na opinião dos adeptos da introspecção, tal experiência não pode
pertencer apenas à esfera do tacto. Tôdas as experiências tácteis ficam,
naturalmente, na epiderme.

Se tôdas as observações dessa espécie são ilusões que nos enganam, não
sàmente quanto à natureza de determinadas condições físicas, mas
também acêrca de nossos próprios dados sensoriais, deve haver, então,
algum fator poderoso que obscureça êsses dados, já que não são revelados
pela introspecção. Já sabemos qual é a natureza da influência deformante.
Pelo menos, os partidários da introspecção estão plenamente convencidos,
como nos exemplos anteriores, de que ela se identifica com o aprendizado.
Raciocinam êles da seguinte maneira: o homem que se aproxima de nós na
rua parece tornar-se maior, como deveria parecer de acôrdo com razões
meramente óticas. O círculo que se encontra em um plano obliquo não nos
aparece como uma elipse; parece continuar como círculo, embora sua
imagem retiniana possa ser uma perfeita elipse. O objeto branco sombreado
permanece branco, o papel prêto plenamente iluminado continua prêto,
embora o primeiro possa refletir muito menos luz que o outro.
Evidentemente, êstes três fenômenos têm alguma coisa em comum. O
objeto físico como tal permanece sempre o mesmo, ao passo que o estímulo
de nossos olhos varia, quando são mudadas a distância, a orientação ou a
iluminação daquele objeto constante. Ora, o que parece que
experimentamos concorda muito mais com a invariabilidade real do objeto
físico do que com os estímulos variantes. Daí, as condições de constância de
tamanho, constância de forma e constância de brilho. Sem dúvida alguma,
era justamente isto que teríamos de esperar, se tais constâncias derivassem
de nosso conhecimento da situação física, ou, em outras palavras, se
surgissem em conseqüência de alguma forma de aprendizagem. Dia após
dia, desde a mais tenra infância, verificamos que, quando nos aproximamos
de um objeto distante, mostra êle ser muito maior do que era, quando visto
a maior distância. Do mesmo modo, ficamos sabendo que os objetos
colocados em posição obliqua não mostram sua forma verdadeira, quando
os olhamos de frente. Também estamos perfeitamente famffiarizados com o
fato de que objetos vistos sob condições anormais de iluminação mostram
um brilho ou falta de brilho falsos que são substituídos pelo brilho ou falta
de brilho corretos, quando as condições se normalizam. Tais observações
foram repetidas tantas vêzes, e ficamos sabendo, tão: bem que existem em
cada caso os tamanhos reais, formatos. reais e o brilho real, que, pouco a•
pouco, nos tornamos

incapazes de distinguir entre nosso conhecimento adquirido, e os fatos


sensoriais verdadeiros. Em conseqüência, parecemos agora ver as
características reais constantes, ao passo que j4 não se tornam
reconhecíveis os fatos sensorjais em si mesmos, que naturalmente,
dependem da

distância, da orientação e da iluminação. Assim, a significação, o


conhecimento ou aprendizagem são tão eficientes nos presentes exemplos,
como eram quando parecíamos estar conscientes de "coisas", de "pesos' no
espaço exterior, etc.

Podemos aceitar a afirmativa dos adeptos da introspecção no sentido de


que poucas experiências ficam inteiramente livres da influência da
aprendizagem. Afinal de contas, essa presunção não constitui

novidade. Além disso, êles podem acrescentar que, se as pessoas


desprovidas do devido treinamento, parecem ver aquilo que, segundo seu
próprio ponto de vista, é apenas efeito da aprendizagem, trata-se apenas de
uma ilusão que também ocorre em outros casos: relembremos o símbolo +
que aparece como sinal de adição. Os adeptos da introspecção, porém,
apresentam outros argumentos que parecem sustentar sua interpretação.
Todos os efeitos da aprendizagem passada sàmente podem ser eficazes até
o ponto em que forem reconstituídos. Ora, a reconstituição pressupõe que
algumas partes da situação presente possam evocar o que foi aprendido no
passado. No caso das constâncias, tais partes são, entre outras, as
distâncias, as orientações oblíquas e as várias iluminações, como foram
vistas em cada caso. Evidentemente, pois, se essas distâncias, oríentações
oblíquas e iluminações variáveis já não são visíveis, os tamanhos, formatos
e claridade normais já não podem ser reativadas. Isso, porém, acontece
precisamente quando as

situações aqui discutidas são observadas através de orifícios de uma


tela. Em tais condições, são excluídos da visão os ambientes em que

se encontram as superfícies críticas e, com êles, as distâncias, orienta çõe e


iluminações. Em conseqüência, não pode haver lembrança do

que aprendemos acêrca daquelas situações; as constâncias devem desa


parece e as superfícies apresentar por uma vez suas verdadeiras carac
terística sensoriais. O mesmo resulta do fato de poderem as cons tância ser
destruídas pela introspecção. Evidentemente, nesse processo,

os tamanhos, formas e brilhos das superfícies são, em um certo grau,

separados de seus contextos. Mas, como acabamos de ver, isso significa

a separação dos fatôres que iriam, de outro modo, provocar a lem

brança do conhecimento prèviamente adquirido. Ë mais do que natural,

portanto, que, nessas condições, os fatos puramente sensoriais passem

para primeiro plano.

Se o tamanho e a forma das pós-imagens se mostram surpreendente ment


variáveis, quando a distância e a orientação do segundo plano

são mudadas, também isso parece conseqüência direta da explicação

apresentada pelo introspeccionismo. As pós-imagens são localizadas no

- segundo plano. Se a distância e a orientação dêsse segundo plano mais

uma vez atuam como fatôres de reconstituição, uma determinada pós-

imagem deve parecer assumir tamanhos e formas diferentes, quando

variam a distância e a orientação do segundo plano.

A mesma explicação nos ajuda a compreender porque as constâncias

não sobrevem, quando submetidas a condições extremas. A dez me-

51

50

tros de distância, um homem parece ligeiramente menor que a uma


distância de cinco metros; a cinqüenta metros, porém, parece ainda menor
e a um quilômetro de distância torna-se, na verdade, um objeto diminuto.
Naturalmente, passamos a maior parte do tempo interessado pelos objetos
que se encontram perto de nós. Aprendemos pouco, portanto, acêrca das
coisas que ficam mais longe e o resultado é que, à medida que aumenta a
distância, a expeflência sensorial é cada vez menos obscurecida pelo
conhecimento adquirido.
Deve-se admitir que existe, em todos êstes argumentos, grande fôrça
persuasiva. Muitos psicólogos de modo algum duvidam da verdade da
explicação, em função do conhecimento adquirido. A explicação parece
satisfazer uma tendência muito natural do raciocínio humano. Os físicos que
jamais estudaram Psicologia darão a mesma explicação, logo que se
familiarizarem com os fatos a que nos estamos referindo. Se apresentarmos
os fenômenos a um calouro, êle imediatamente apresentará interpretações
semelhantes.

A teoria aplica-se a inúmeros fatos. Não há pràticamente situação visual que


não apresente algumas das experiências em questão. Quando abrimos os
olhos, contemplamos tamanhos, formas e brilhos constantemente e dêles
poucos escaparão ao veredicto que lhes é imposto pelos partidários da
introspecção. Não são os fatos em si mesmos que são excepcionais, mas
apenas a demonstração de seu surpreendente desvio do que se poderia
esperar. Essa demonstração é um caso de requinte psicológico; os próprios
fatos são assunto de todos os momentos e de todo o mundo.

Mesmo assim, a extensão da experiência objetiva que não merece confiança


ainda não foi esgotada nestas páginas. A localização de objetos é
susceptível de crítica semelhante. Quando fixo um ponto diante de mim,
vejo os objetos em tôrno dêle em vários lugares, que correspondem às
diferentes posições de suas imagens em minha retina. Se eu agora fixar
outro ponto, os mesmos objetos aparecerão em outros lugares, uma vez que
suas imagens passam a ocupar novas posições na retina. Na realidade,
porém, os objetos não parecem ter-se movido. Quando os olhos se movem,
a localização daqueles objetos no espaço se mostram virtualmente
independente da posição retiniana. Podemos, também, escolher a
velocidade do movimento visto. O mesmo movimento físico pode ser visto
de muitas distâncias diferentes. Quando me acho a dez metros de um
objeto em movimento, a velocidade retiniana corresponderá a metade da
que seria a uma distância de cinco metros. No entanto, em minha
experiência, a velocidade parece ser mais ou menos a mesma, em ambos os
casos. Evidentemente, a explicação que foi apresentada para as constâncias
do tamanho, forma e brilho também se aplica à constância da velocidade
visual. Dêsse modo, das experiências objetivas em tôrno de nós pouco resta
que possa ser considerado como verdadeiro fato sensorial pelos partidários
da introspecção.

52

E de modo algum isso constitui a mais séria conseqüência dos pontos de


vista defendidos por aquela escola. Aparentemente, os aspectos da
experiência que são interpretados como produtos do conhecimento não
serão apenas excluídos do mundo sensorial, como também devem ser
excluídos das pesquisas em geral. Em sua maior parte, é verdade, os
adeptos da introspecção hesitariam em admitir tal coisa como princípio
explícito; em suas pesquisas, porém, realmente procedem como se o
adotassem. Basta uma experiência ter o infortúnio de ser assim
interpretada, para que êles passem a se interessar tão pouco por sua
existência quanto se interessariam por um assunto da Astronomia. Isso quer
dizer que as eicperiências mais objetivas não representam virtualmente
papel algum na psicologia da introspecção. De fato, sempre que a
observação entra em contato com algum fenômeno pouco habitual e,
portanto, particularmente interessante, o partidário da introspecção se
apressa em apresentar sua monótona explicação e se mostra, pois, muito
pouco propenso a dar mesmo uma ligeira atenção a tal fenômeno. Ora, isto
corresponde a uma situação bem séria. Seja certa ou errada a explica çao
empírica, como tem sido chamada a explicação baseada no conhecimento
anterior, o fato é que na vida quotidiana temos de nos haver quase
exclusivamente com a experiência objetiva direta, que é posta de lado pelos
partidários da introspecção. Todos os nossos interêsses se dirigem para essa
experiência comum. Milhões de pessoas jamais transformaram os objetos
do ambiente em que vivem em verdadeiras sensações; continuarão sempre
a reagir em face de tamanhos, formas, brilhos e velocidades, tais como os
encontram, a gostar ou não gostar das coisas tais como estas lhes
aparecem, sem o recurso à introspeção, e não terão contacto, portanto, com
fenômenos ou fatos sensoriais particulares, pelos quais a introspecção
mostra tanto carinho. Assim, se tiver de prevalecer sua atitude, tais
experiências, como forma modelar de tôda a nossa vida, jamais poderiam
ser sèriamente estudadas. A Psicologia deveria observar e discutir tais
experiências apenas como se mostram, para a maior parte de nós, ocultas
para sempre sob a capa de características meramente adquiridas. Ainda
mesmo o mais competente psicólogo adepto da introspecção carece de
consciência de seus verdadeiros fatos sensoriais, a não ser quando assume
sua atitude especial, que - felizmente para êle - põe de lado, quando sai do
laboratório de Psicologia. Tão afastado da experiência comum está seu
verdadeiro mundo sensorial que, se conseguíssemos algum dia aprender
suas leis, tôdas elas juntas não nos trariam de volta ao mundo em que
realmente vivemos. Assim sendo, os adeptos da introspecção não se podem
queixar de seu próprio destino. Sua psicologia é de todo incapaz de nos
satisfazer por muito tempo. Como aquêles psicólogos deixam de lado as
experiências da vida quotidiana e concentram sua atenção em fatos raros,
que sômente um processo artificial pode revelar, tanto o público
especializado quanto o leigo acaba, mais cedo ou mais tarde, perdendo a
paciência. E ainda acontece outra coisa. Haverá psicólogos

53

que levam a sério suas palavras, quando afirmam que o seu método é o
único correto para encarar as experiências. Se isso fôr verdade, dirão os
psicólogos, o estudo da experiência não nos pode interessar, sem dúvida
alguma. Faremos uma coisa mais realista: estudaremos o comportamento
natural. Atualmente, sabemos que aquilo que fôra considerado como
conseqüência das concepções da escola da introspecção já não é uma
possibilidade, mas um fato, O behaviorismo surgiu em grande parte como
reação contra aquela escola.
Mas voltemos ao nosso estudo do introspeccionismo. Não seria justo chamar
suas descobertas de "irreais". Quando aplico os métodos daquela escola,
freqüentemente deparo com as mesmas experiências com que deparam
seus adeptos. Estou, porém, longe de atribuir a tais fatos um grande valor,
como se êles fôssem mais "verdadeiros" do que os fatos da experiência
quotidiana. Se a experiência comum acarreta conhecimento adquirido, as
experiências reveladas pela introspecção dependem da atitude
introspectiva. Não se pode provar que existam também na ausência de tal
atitude. Além disso, se admitirmos, por um momento, que todos os
fenômenos sôbre os quais estamos falando, são, na realidade, produtos de
conhecimento prèviamente adquirido, teremos de deduzir que todos êsses
fenômenos não são fatos reais e, portanto, desprovidos de significação
psicológica? Não será certa quantidade de H20 que tenho diante de mim um
verdadeiro composto químico porque sei que êle é formado pela oxidação
do hidrogênio? Seria o hidrogênio um "verdadeiro" corpo químico e a água
não? Não deve a água ser estudada pelo químico? Não vejo por que motivo
uma experiência impregnada de conhecimento adquirido deva ser
considerada como menos importante que as experiências que não sofrem
tal influência. Tomemos o caso do símbolo +, cuja aparência é certamente
afetada pelo nosso conhecimento de uma operação matemática. Quando o
vemos entre números, êle nos aparece como "mais", isto é, a significação
adquirida parece localizada no campo visual. Trata-se, sem dúvida, de um
fato estranho que provoca de pronto fascinantes indagações. Por que não
investigaremos tais problemas? A situação corresponde exatamente a tôdas
as outras experiências, às quais, correta ou incorretamente, a explicação
empírica está sendo aplicada. Não há nenhuma razão para que ignoremos
os problemas que elas abrangem, quando lhes são prêsas etiquêtas tais
como aprendizado, significação e conhecimento prèviamente adquirido.

A verdade é que os problemas dessa espécie merecem especial atenção.


Entre os exemplos que consideramos aqui, há duas espécies de fenômenos.
Um dêles, ao qual pertence o símbolo +, é definido claramente pelo fato de
sabermos realmente como, durante a infância, certo conhecimento penetra
em uma determinada experiência. No segundo tipo, que é representado
pela maioria de nossos exemplos, não dispomos de tal elemento de
informação. De modo algum foi provado que a objetividade das coisas, a
localização de pesos fora de nossa mão,

54

as constâncias dos tamanhos, forma, velocidade, localização, brilho, etc.,


são realmente produtos do aprendizado. Para a maior parte de nós, pode
parecer extremamente plausível que se trate de coisa real; mas nenhuma
das observações e argumentos que mencionei a respeito pode ser
considerada como prova convincente da tese empírica. Trata-se, assim, de
mera hipótese a suposição de que os fatos da segunda classe não sejam
essencialmente diferentes dos da primeira e como hipótese deve ela ser,
portanto, expressamente reconhecida.
O que se costuma fazer com uma hipótese é submetê-la a provas. Os
adeptos da introspecção submetem a provas suas presunções empíricas?
Não vemos qualquer indício de que êles façam ou pretendam fazer tal coisa,
uma vez que, feita a suposição, os adeptos daquela escola já não mais se
interessam pelos fatos. Em conseqüência, se todos os psicólogos
pertencessem àquela corrente, tais presunções jamais seriam examinadas.
É um fato lamentável, tanto mais quanto muitos psicólogos se irritam
quando suas convicções empíricas são chamadas de hipóteses. Se tais
convicções não passam de presunções, que outras explicações poderia
oferecer a Psicologia da Gestalt? Com tôda a probabilidade, nossa crítica às
teses empíricas constitui apenas o comêço, e seguir-se-ão novas noções,
mais ou menos fantásticas, sôbre a função sensorial.

Quando uma discussão científica segue essa direção, é que encontrou


alguma pressuposição profundamente enraizada que não se quer que seja
considerada como questão aberta. Isso torna ainda mais evidente que a
atitude dos adeptos da introspecção constitui um perigo para o progresso
psicológico. Suponhamos, por um momento, que as constâncias de
tamanho, forma, velocidade, localização, brilho, etc., nao sejam, na
realidade, produtos do aprendizado. A conseqüência seria que todos êsses
fenômenos pertencem à experiência sensorial. Mas, então, a experiência
sensorial constituiria algo fundamentalmente diferente do conjunto de
sensações que constitui o mundo sensorial dos adeptos da introspecção.
Seguir-se-ia que deve ser posta de lado a sua concepção da função
sensorial. Naturalmente, depende inteiramente da validade da tese
empírica a necessidade ou não de chegarmos a essa conclusão. Mas
precisamente essa tese empírica é que parece não poder ser livremente
discutida e verificada. É uma situação raelmente estranha: tal como é
utilizada pelos adeptos da introspecção, a explicação empírica faz o papel
de um baluarte que protege seus pontos de vista particulares acêrca da
função sensorial. Parece que os adeptos da escola adotam a tese empírica,
não tanto porque ela seja atrativa, mas porque sua firme crença a respeito
de certa natureza dos fatos sensoriais não lhes permite admitir certas
experiências. Essas exeperiências "irregulares" são constantemente
contestadas pela presunção empírica e, portanto, essa presunção deve
estar certa. Ver-se-á que esta é a interpretação correta da atitude da escola
da introspecção, quando examinarmos com atençao seus argumentos a
favor da hipótese empírica. Tais argumentos

têm pouco a ver com a aprendizagem, mas muito a ver com as convicções
acêrca do mundo como pura experiência sensorial.

Vejamos, por exemplo, a constância do brilho. Um papel branco sôbre o qual


há uma sombra aparece como branco, um papel prêto vivamente iluminado
continua prêto, embora em tais condições o papel branco possa refletir
menos luz do que o prêto. Nesta experiência, o branco e o prêto per se
dizem aos psicólogos partidários da introspecção que são produtos de
aprendizado anterior? De modo algum. O argumento do psicólogo em
questão é, então, inteiramente indireto:

como a observação é incompatível com suas crenças acêrca da natureza


das verdadeiras sensações, ela não pode ser aceita. Que faz êle, então? Não
se embaraça, de modo algum. Interpretada como mero produto do
aprendizado, a constância do brilho torna-se, logo, de todo inofensiva.

Acompanhemos mais pormenorizadamente sua argumentação. Na presente


observação, pode-se mudar o brilho dos papéis, olhando-se para êles de um
modo especial. Assim sendo, diz o adepto da introspecção, o brilho, tal
como foi visto a princípio, pode não ter sido uma legítima experiência
sensorial. Essa afirmação, evidentemente, implica uma pressuposição sôbre
a natureza dos fatos sensoriais. Tais fatos, presume o psicólogo da
introspecção, devem ser independentes das mudanças de atitude do
observador. Neste ponto, porém, seu raciocínio não é inteiramente
consistente. Se, em uma atitude de introspecção, um banco aparente pode
ser transformado em um matiz escuro e um negro aparente adquirir uma
claridade relativa, a mudança oposta ocorre espontâneamente, tão logo é
posta de lado aquela atitude. Assim, os verdadeiros brilhos que se disse
terem sido revelados durante a introspecção eram exatamente tão mutáveis
quanto os brilhos que vimos antes e estamos agora vendo de nôvo. Do
ponto de vista puramente lógico, as experiências encontradas durante a
introspecção podem, portanto, também ser rejeitadas, uma vez que
desaparecem quando o observador volta à sua atitude quotidiana. O adepto
da introspecção, portanto, aplica dois pesos e duas medidas para tratar das
duas experiências. Sustenta que o que constata durante a introspecção é
uma experiência verdadeira e que ela persiste quando êle volta a uma
atitude mais simples, embora de nôvo obscurecida pelos efeitos do
conhecimento. Deve haver, portanto, outra crença que o faz preferir suas
próprias experiências sensoriais especiais.

Esta outra crença é fàcílmente identificada. Por que se mostra o adepto da


introspecção surpreendido com as constâncias do tamanho, formato,
localização, velocidade e brilho? Por que não encara êsses fatos em seu
valor aparente? Evidentemente porque, em vista das condições de estímulo,
esperava êle ter experiência de todo diferentes das que tem na realidade. O
tamanho visual, dirá êle, deve ser proporcíonal ao tamanho retiniano;
modificações no formato retiniano devem ser acompanhadas por
modificações na forma avistada; a localização no campo visual deve variar
com a posição retiniana, a velocidade visual

com a velocidade retiniana e o brilho visual com o brilho retiniano. Ora, ao


passo que a experiência quotidiana do leigo contradiz constantemente
essas expectativas, a atitude especial cultivada pelo psicólogo partidário da
introspecção consegue obter aquelas outras experiências que sempre
deveríamos conseguir. Êste é o fato que leva aquêle psicólogo a preferir
suas constatações particulares e que o leva também a acreditar em uma
existência permanente, embora oculta, de tais "sensações puras". Torna-se
aparente, assim, que o processo e os resultados da introspecção são
sancionados por sua concordância com certas premissas acêrca da relação
entre o estímulo e a experiência sensorial. As mesmas premissas,
naturalmente, nos levam à condenação de muitos fenômenos, tais como as
constâncias. Ninguém, que não perceba êste ponto decisivo, pode
compreender o sentido da introspecção. Quantas vêzes, quando estudante,
aprendi nos livros que a ilusão de Müller-Lyer não representa um verdadeiro
fato sensorial porque pode ser destruída pela observação analítica e prática
correspondente. Se isto fôr considerado como prova, é evidente que se
atribui maior valor a uma espécie de experiência que a outra. Por quê? A
resposta é que uma das experiências está de acôrdo com o que o estímulo
periférico nos leva a esperar, e a outra não. A experiência que não está de
acôrdo é posta de lado com a ajuda de presunções empíricas ou outros
recursos da mesma espécie. Esta é, portanto, uma segunda convicção
fundamental em que se apoiam as decisões científicas da escola da
introspecção: as características das verdadeiras experiências sensoriais
dependem das características correspondentes dos estímulos periféricos.

A crença dos adeptos da introspecção assume uma forma ainda mais


extremada. Como procedem êles para encontrar os verdadeiros fatos
sensoriais, no caso da constância do brilho, por exemplo? Procuram isolar
partes do papel branco e do prêto, de maneira que as mesmas já não
estejam relacionadas com seus ambientes específicos. Parece que também
o isolamento é o processo pelo qual a ilusão de Müller-Lyer pode ser
eliminada, e o mesmo se dá em todos os outros casos. Essa atitude analítica
terá efeitos semelhantes aos da tela com um orifício, que esconde os
ambientes específicos dos objetos, assegurando-lhes, em vez disso, nôvo
ambiente homogêneo. Se, então, os fatos perturbadores desaparecerem,
êsse efeito do isolamento é explicado pela exclusão de todos os fatôres que
deformam a verdadeira situação sensorial. Como operam êsses fatôres?
Segundo os partidários da introspecção, êles atuam como sugestões para os
processos de reestruturação que importem em conhecimento prèviamente
adquirido. Somos levados a observar que ainda a êsse respeito a
interpretação da escola introspectiva é unilateral. Sem sombras de dúvida, o
isolamento de fatos no campo sensorial afeta tais fatos, que, nestas
circunstâncias, se tornam mais estritamente relacionados com as condições
estimulantes locais. Para isso, porém, podem ser dadas duas explicações
inteiramente diferentes:

(1): "A verdadeira experiência sensorial depende sempre apenas do

57

estímulo local, e é sàmente a reestruturação do conhecimento prèviamente


adquirido que depende dos fatôres do ambiente." Esta é a opinião dos
introspeccionistas. Ou (2): "Nossa experiência sensorial em determinado
lugar depende não sàmente dos estímulos correspondentes a êsse lugar,
mas também das condições estimulantes no ambiente." Observarei logo
que êste é o ponto de vista sustentado pela Psicologia da Gestalt. Tanto com
a segunda, como com a primeira interpretação, o isolamento e a introdução
de um ambiente homogêneo concorrerão para fazer com que a experiência
local corresponda melhor ao estímulo local. Os adeptos da escola
introspectiva, porém, admitem apenas uma escolha. Preferem a tese que
lhes permite acreditar que os fatos senso- riais locais são estritamente
determinados pelos estímulos locais. Sua parcialidade a êsse respeito
também é evidente, quando não se trata de presunções empíricas, mas de
outras hipóteses pelas quais êles protegem sua imagem de um mundo
sensorial simples. Para citar um exemplo bem conhecido: quando os sujeitos
movem os olhos ao longo das linhas principais do desenho de Müller-Lyer,
que são objetivamente iguais, verifica-se que êsses movimentos têm
amplitudes diferentes nas duas partes do modêlo, e a diferença corresponde
à diferença de sua aparência, isto é, à ilusão. Disso se tem concluído que a
ilusão não é um fato visual, e, sim, causada por êsses movimentos
assimétricos dos olhos, ou, pelo menos, pelas tendências enervadoras
correspondentes. Essa afirmativa é tendenciosa, porque, no caso de as duas
linhas terem de fato comprimentos visuais diferentes, os movimentos dos
olhos ou tendências enervadoras seriam, como é natural, igualmente
assimétricos. Sàmente uma pessoa com o espírito preconcebido pode
chegar à conclusão de que tais observações provam a origem indireta do
efeito de Müller-Lyer. E qual é o preconceito de tal pessoa? Ela não admitirá,
em qualquer circunstância, que o comprimento de uma linha depende de
mais condições que o comprimento de sua imagem retiniana. A presunção
mais fundamental da escola introspectiva é, portanto, esta:

os fatos realmente sensoriais são fenômenos locais que dependem de


estimulo local, mas de modo algum das condições estimulantes de seu
ambiente. Sàmente se conhecermos esta regra, poderemos compreender
em que ocasiões os adeptos da introspecção a põem em prática. Rarissirnas
vêzes os vemos pondo em prática a introspecção, quando sao obtidas
simples relações entre estímulo local e fatos sensoriais, sem um esfôrço
particular. Onde, porém, tais relações não podem ser obtidas prima facie, os
adeptos da escola introspectiva recorrem tanto ao processo da introspecção
quanto às presunções que servem para proteger sua tese principal.

Nossas indagações nos levaram a notável resultado. A princípio, os dogmas


da introspecção apresentavam-se contrastando vivamente com

1 Esta é a famosa hipótese do mosaico. Alguns partidários da Introspecção


têm afirmado que a Psicologia da Gestalt também tem de reconhecer certas
relações entre as condições estimulantes e os fatos sensoriais. Sem dúvida
Não argumentamos contra as relações entre tais condições e os fatos
sensoriais em geral, mas apenas contra a rigida relação entre o estimulo
local e a experiência local.

58

os pontos de vista do behaviorismo. Se os partidários da escola


introspectiva não são os advogados da experiência direta, que outros
poderiam desempenhar êsse papel? Na verdade, contudo, êsse entusiasmo
pela experiência direta sofre evidente limitação. A escola da introspecção
segue as ordens de uma autoridade para a qual o testemunho da
experiência em si mesma pouco significa. Essa autoridade submete a
experiência direta a processos de joeiramento, julga defeituosa a maioria
dêles e condena-os a medidas corretivas. A autoridade é comumente
chamada de fisiologia dos órgãos sensoriais. Lsse ramo da Fisiologia tem
idéias muito definidas acêrca das funções sensoriais do sistema nervoso.
Quando o adepto da introspecção se refere à Fisiologia, parece referir-se a
um servo prestimoso. Quando examinamos os fatos, porém, verificamos que
o servo é o patrão do psicólogo da escola introspectiva.

Assim sendo, diferiria essa escola tanto do behaviorismo como nos


pareceria à primeira vista? Se compararmos as premissas fisiológicas da
escola introspectiva com as do behaviorismo, logo compreenderemos que,
ao contrário, as duas escolas, a tal respeito, têm muita coisa em comum.

Os principais conceitos do behaviorismo são os do reflexo e do reflexo


condicionado. A principal característica da ação reflexa consiste no fato de
os impulsos nervosos se moverem partindo de um receptor, ao longo de
caminhos determinados, para centros determinados e dêstes, ao longo de
outros caminhos determinados, para um órgão motor. Essa concepção
explica a ordem das reações orgânicas em sua dependência para com
determinados estímulos: a ordem é posta em vigor por uma disposição
particular dos condutores. É bem verdade que os behavioristas não supõem
que tais dispositivos anatômicos são inteiramente rígidos e constantes.
Embora, contudo, seja admitida certa difusão da excitação, o único valor
biológico dessa "tolerância" é visto no fato de que outras condições, que
podem tornar as conexões muito rígidas, têm assim certa amplitude de
possibilidades de se fazerem sentir. Dêste modo, a ordem da função é, até
certo ponto, determinada pelo arco reflexo, mas, no nível mais elevado do
sistema nervoso, podem ser estabelecidas (ou bloqueadas) conexões por
outro fator. Éste outro fator é o condicionamento.

Depois disso, podemos, agora, fazer a comparação com as idéias em que se


baseiam os critérios introspectivos, relativos à verdadeira experiência
sensorial. Em primeiro lugar, a sensação local depende do estímulo local.
Não depende de outros processos no sistema nervoso, nem mesmo
daqueles que procedem de partes adjacentes do mesmo órgão sensorial. A
única presunção capaz de explicar essa independência da sensação local é
a condução de processos, ao longo de caminhos isolados, de um ponto do
órgão sensorial a um ponto do cérebro, onde a atividade é acompanhada
pela experiência sensorial. Isto, porém, constitui apenas a primeira metade
do arco reflexo, de sorte que, a esse respeito, a escola da introspecção está
em inteiro acôrdo com O

behaviorismo. Ora, se muitas vêzes a experiência não parece obedecer a


êste princípio, o motivo disso reside em um segundo princípio. Em um nível
mais alto do sistema nervoso, ainda podem ser formadas, desenvolvendo-se
individualmente, conexões que não existiam originariamente. Em
conseqüência disso, certas experiências serão regularmente seguidas e
acompanhadas de outras, em particular sob a forma de reestruturação que
ajunta seu material aos daquelas experiências. Em sua essência, êste
princípio é o mesmo do condicionamento, uma vez que, em ambos os casos,
a formação de novas conexões é o ponto principal. Também aqui não
encontramos diferença real entre a introspecção e o behaviorismo.

Durante a viva discussão das duas escolas em tôrno da questão de saber se


o processo adequado em Psicologia é a introspecção ou a observação
objetiva, não ocorreu a nenhuma delas que pode haver uma outra questão
muito mais premente a saber: se são corretas suas presunções comuns
sôbre o sistema nervoso. Ambas as escolas parecem considerar tais
presunções como evidentes. E, uma vez que suas premissas essenciais são
tidas por ambas como certas, não nos podemos surpreender ao encontrar
na escola da introspecção o mesmo conservadorismo que já havíamos
notado no behaviorismo.

Em sua maior parte, os adeptos da escola da introspecção não dão mostras


de ter compreendido que a Psicologia é uma ciência muito nova e que,
portanto, seu futuro deve depender de descobertas de que não suspeitamos
até agora. Pelo menos na experiência sensorial, os fatos essenciais de tôdas
as observações possíveis lhes são finalmente fornecidos antes que êles
comecem a observar. Assim sendo, mostram êles uma atitude negativista,
sempre que as observações não coincidem com a verdade estabelecida, e
sua experimentação tende a tornar-se um mero processo defensivo. Se
outros apontam para novos fatos que não se ajustam aos seus pontos de
vista, os psicólogos se apressam em remover o elemento perturbador, por
meio da introspecção e outras presunções auxiliares. A crítica de
observações novas é um saudável procedimento na ciência, mas conheci
partídários da introspecção que passaram sua vida, como cientistas,
defendendo ferozmente seus dogmas.

Nestas circunstâncias, não vejo porque a escola da introspecção seja


preferível ao behaviorismo. Em suas idéias fundamentais, as duas escolas
são tão semelhantes que tôdas as suas disputas me fazem lembrar as
desnecessárias brigas em família. De qualquer maneira, os principais
problemas da Psicologia da Gestalt referem-se a uma questão que jamais é
mencionada naquelas discussões, porque para aquelas escolas ela ainda
não existe: é verdade que os processos que suportam a experiência e o
comportamento dependem das conexões de condutos nervosos e que as
alterações na condutividade dessas conexões constituem um
desenvolvimento do indivíduo?

BIBLIOGRAFIA

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D. Katz: The World of Calor. 1935.


K. Koffka: "Gestalt Pychology". Pychol. Bdl. 19, 1922.

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W. Kôhler: "tYber unbemerkte Empfindungen und Urteilstauschungen". Zei.


t8chr. f. Psyckol., 63, 1913.

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61

Capítulo 4

A Dinâmica em Oposição à Teoria Mecanicista

contece, às vêzes, que podemos ser conservadores e estar certos, ao


mesmo tempo. Parece, porém, muito pouco provável que nossa jovem
ciência esteja certa mantendo pontos de vista conservadores, quando êsses
pontos de vista são constantemente contrariados pela experiência real e
devem, a todo momento, ser protegidos por meio de artifícios tais comõ a
hipótese empírica.

Uma vez submetidos a exame rigoroso, os argumentos da escola da


introspecção se mostram muito pouco convincentes. Em um de nossos
exemplos, uma experiência de movimento ocorreu, quando a epiderme do
sujeito foi tocada em dois pontos sucessivamente. Essa experiência não foi
admitida como fato sensorial verdadeiro, porque o movimento tinha a forma
de uma curva através do espaço vazio, da qual apenas as extremidades
eram sentidas na epiderme (cf. pág. 49). Por que motivo, porém, devem as
experiências nascidas do estímulo de um órgão sensorial, invariàvelmente
estar localizadas no lugar em que êsse órgão sensorial está localizado como
objeto experimentado? Na visão, êste não é o caso; as formas e as côres
não são vistas onde sentimos estar nossos olhos. Também os sons, em sua
maior parte, não são ouvidos onde localizamos os nossos ouvidos. Por trás
do argumento dos partidários da introspecção parece haver alguma
confusão dos processos periféricos, causados pelo estímulo com as
experiências sensoriais que se seguem e, portanto, também, do local
fisiológico da primeira com a localização experimentada das segundas.
Êsse exemplo mostra que a aparente evidência de tais argumentos impede
que êles sejam examinados criticamente. No exemplo presente, qualquer
exame dessa natureza destrói de pronto aquela evidência.

Neste capítulo, procurarei mostrar que a mesma coisa se dá no que diz


respeito às principais presunções da introspecção e do behaviorismo. Essas
presunções não são, de modo algum, axiomáticas, embora estejam de
acôrdo com um preconceito muito generalizado e que existe talvez há mais
de mil anos.

Vimos que aquelas convicções só podem sobreviver enquanto são


defendidas por explicações empíricas de fatos opostos. Ora, muito trabalho
experimental sôbre as experiências discutidas no capítulo anterior se
baseiam nessas explicações. Assim, por exemplo, a fim de saber que,
algumas vêzes, o branco é prêto e vice-versa, um indivíduo necessitaria,
evidentemente, de tempo e de muitas lições, principalmente porque teria
de aprender isso tão completamente que, afinal, os produtos de seu
aprendizado apareceriam em seu campo visual como matizes específicos do
brilho que substituem os verdadeiros fatos sensoriais. Seria de esperar,
assim, que sujeitos muito jovens ou muito ignorantes não deveriam mostrar
a constância do brilho, em grau muito elevado. No entanto, fazendo a
experiência com pintos, verifiquei que êles possuem, aproximadamente,
uma constância do brilho quase tão boa quanto eu próprio. 1 Experiências
semelhantes sôbre a constância do tamanho, realizadas com crianças (de
dois anos para cima) e com jovens macacos, também deram resultados
positivos. 2 Embora seja difícil demonstrar que o aprendizado não tem
influência alguma sôbre os fenômenos em questão, parece agora muitíssimo
pouco provável que tais fenômenos sejam inteiramente efeito do
conhecimnto prèviamente adquirido. Repetindo: não nego que a experiência
objetiva esteja impregnada de outras características adquiridas. Quando,
porém, não se prova, realmente, que essa influência existe, nenhum
argumento indireto pode ser aceito em lugar de uma demonstração naquele
sentido.

Como, nesses casos, a explicação empírica perdeu muito de sua


plausibilidade, parece ser inevitável uma mudança radical dos princípios
fundamentais. Em outras palavras: os fenômenos que examinamos aqui,
tais como as constâncias de tamanho, formato, localização, velocidade e
brilho, o movimento estroboscópico, as bem conhecidas ilusões óticas, etc.,
merecem receber a mesma consideração, para compreendermos os
processos sensoriais, que recebem as sensações "normais" dos partidários
da introspecção. Admitimos sem relutância que, a uma dada distância e em
um fundo homogêneo, o tamanho visual depende principalmente do
tamanho retiniano, que (a não ser partindo do contraste e de outras
exceções semelhantes), com determinada iluminação, o brilho depende da
intensidade retiniana, e assim por diante. Nesses casos, o tamanho, o brilho,
etc., variam com as propriedades do estímulo local, porque as influências
exercidas pelos estímulos do ambiente não são de molde a interferir nessa
simples relação. Pelo mesmo motivo, quando é adotada

1 "Optische Untersuchungen am Schimpansen und am flaushuhn". Abh.andi.

4. Preuss. AJcad. 4. Wiss., 1915.

2 Op. clt. Frank, Psych.ol. Forsch., 7, 1926; 10, 1927. Beyrl, Zeitsch. 1.
Psychøl..

100, 1926.

63

a atitude de introspecção, podem ser encontradas experiências que


correspondem ao estímulo local, porque essa atitude analítica pode
suprimir, temporàriamente, a influência dos estímulos do ambiente.

De modo algum, todavia, admitimos que êsse isolamento de fatos locais


represente uma situação mais "normal". Ao contrário, se, na experiência
objetiva, as observações forem tomadas em seu valor aparente, nossas
presunções fundamentais a respeito dos processos que formam a base de
tais experiências devem-se opor às premissas das escolas da introspecção e
do behaviorismo. Nosso ponto de vista será que, em vez de reagir aos
estímulos locais por meio de fenômenos locais e mtuamente independentes,
o organismo reage ao padrão de estímulos aos quais está exposto, e que
essa reação é um processo unitário, um todo funcional, que oferece, na
experiência, uma cena sensorial e não um mosaico de sensações locais.
Sômente partindo dêsse ponto de vista podemos explicar o fato de, com um
estímulo local constante, verificarem-se variações nas experiências locais,
quando o estímulo do ambiente se transforma.

"Processos unitários" e "um todo funcional" são, contudo, expressões que


podem parecer um tanto vagas para a maior parte dos cientistas. Parece,
portanto, aconselhável apresentar a nossa tese mais pormenorizadamente.
Êsse estudo será muito facilitado se, antes de mais nada, indagarmos a nós
mesmos porque os pontos de vista ora dominantes pareceram tão
profundamente convincentes a uma geração após a outra.

O motivo principal parece provir do fato de a experiência sensorial


apresentar-se de maneira bem ordenada e o mesmo se dar no que diz
respeito ao comportamento que ela provoca. Ora, desde os primeiros dias
da ciência européia, o homem se convenceu de que, quando entregues ao
que se chama, muitas vêzes, de sua cega liberdade de ação, os processos
naturais jamais produzem resultados bem ordenados. Por acaso o
intercâmbio acidental de fôrças no mundo físico deixa de produzir por tôda a
parte o caos e a destruição? A ciência conseguiu formular algumas leis que
os processos isolados seguem sempre, mas, onde operam muitos fatôres ao
mesmo tempo, parece não haver razão para que as coisas se movam na
direção da ordem e não do caos.
Por outro lado, sabemos que o caos pode ser impedido e a ordem imposta,
se não aplicadas de fora para dentro contrôles adequados aos fatôres
atuantes. Tão logo o homem começa a restringir as possibilidades de uma
função, por meio de rígidas condições coercitivas, à sua escolha, pode
obrigar as fôrças da natureza a executar um trabalho bem ordenado. Mas,
geralmente, admite-se como certo que êste é o único meio pelo qual se
pode impor a ordem aos fenômenos físicos. Esta parece ter sido a
concepção que o homem teve da natureza durante milhares de anos, e, em
nossos dias, ainda impomos ordem à natureza da mesma maneira, ao
construir e pôr em operação as máquinas de nossas fábricas. Nessas
máquinas, permite-se que a natureza cause o movimento, mas a forma

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e a ordem dêsse movimento são prescritas pela anatomia das máquinas,


fornecidas pelo homem e não pela natureza.

Partindo dêsse ponto de vista, uma ciência jovem é levada a pressupor a


existência de recursos coercitivos especiais, sempre que a distribuição de
processos na antureza se mostra bem ordenada. A Astronomia aristotélica é
um bom exemplo. O movimento das estrêlas apresenta uma ordem notável,
tão diferente da que se espera ocorrer na natureza livre, que a presunção de
dispositivos de contrôle pareceu necessária aos teóricos gregos.
Evidentemente, pensavam êles, a possibilidade de uma estrêla se mover
desordenadamente ou de um planêta se extraviar é excluída por algo que
exerce uma ação coercitiva sôbre o seu curso. Na teoria aristotélica, as
estrêlas se encontram, portanto, fixadas em rígidas esferas de cristal, que
giram, levando-as consigo. Não é de admirar, portanto, que as estrêlas
tenham órbitas regulares. Até mesmo mecânicos aparecem no quadro:
Aristóteles fala de divindades estelares que asseguram o bom
funcionamento da maquinaria. Há trezentos anos, essa concepção ainda era
encarada por muitos com reverência. E, no entanto, a significação funcional
de suas esferas de cristal era a mesma, graças à qual é imposta a ordem ao
funcionamento das máquinas de uma fábrica. O homem tem uma tocante
inclinação pelo descanso e pela segurança. Durante muito tempo, essa
necessidade se satisfez com as hipóteses primitivas da Astronomia
aristotélica, por mais grosseiras e acanhadas que hoje ela nos possam
parecer. Que houve de tão chocante nas descobertas astronômicas de
Galileu? O fato de ter êle descoberto que acontecia tanta coisa no céu e
que, em conseqüência, a ordem astronômica era muito menos rígida do
que, felizmente, tinham os homens sido capazes de acreditar antes. Se o
céu começasse a mostrar essa falta de rigidez digna de confiança, se se
aproximasse da incerteza das condições terrestres, quem poderia sentir-se
tranqüilo em suas crenças mais importantes? Assim, o mêdo primitivo
inspirou os furiosos ataques que os aristotélicos da época lançaram contra
Galileu. Ë bem provável que a exaltação que produziu a descoberta da
circulação do sangue por William Harvey, contivesse semelhante elemento
de mêdo, porque a descoberta perturbou, de súbito, a concepção do homem
como uma estrutura rígida. Com tanta agitação em seu interior, não iria a
vida, em seu conjunto, tornar-se algo de muito precário?

O mesmo motivo expressou-se na tendência das antigas concepções


biológicas para explicar tôdas as notáveis características da vida orgânica,
e, acima de tudo, sua surpreendente ordem, por meio de recursos especiais
que poriam em vigor essa ordem. A interpretação "mecânica" das funções
orgânicas, apresentada por Descartes, pode ter parecido bastante ousada,
sob alguns aspectos, mas não passava êle de um conservador na presunção
de que - além da influência de um só maquinista, a alma - o jôgo bem
ordenado dos processos no organismo é pôsto em prática por meio de
recursos, conexões e canais. Figurada65

mente, podemos dizer que o organismo era, para êle, o que o céu tinha sido
para Aristóteles: cheio de esferas de cristal. É bem verdade que êle não
conhecia as leis da dinâmica. Mas, embora nós as conheçamos bastante, as
principais alterações da teoria biológica dos tempos de Descartes até hoje
parecem antes aperfeiçoamentos de sua maneira de pensar do que
descobertas de conceitos essencialmente novos, a respeito da ordem da
função na biologia. Qual é a nossa própria situação nesse campo? Sem
dúvida, a concepção mecanicista da vida é encarada hoje com certo
cepticismo. Por outro lado, os biólogos não parecem ter explicação muito
melhor da ordem orgânica.

As possibilidades de outra explicação serão mais fàcilmente reconhecidas,


se procurarmos obter um quadro mais preciso da teoria mecanicista, tal
como surgiu na Astronomia e na Biologia. Em um sistema físico, os
fenômenos são determinados por duas espécies de fatôres. À primeira
categoria, pertencem as fôrças e outros fatôres inerentes aos processos do
sistema. Chamaremos a êstes, determinantes dinâmicos de seu destino. Na
segunda categoria, temos as características do sistema que sujeitam seus
processos a condições restritivas. Chamaremos tais determinantes de
fatôres topográficos. Em uma rêde condutora, por exemplo, as fôrças
eletrostáticas da corrente representam o aspecto dinâmico. Por outro lado a
configuração geométrica e a constituição química da rêde são as condições
topográficas que restringem o jôgo daquelas fôrças. Veremos sem demora
que, ao passo que em todos os sistemas da natureza estão em ação fatôres
dinâmicos, a influência das condições topográficas especiais pode ser
mínima em um caso e predominante em outro. Em um condutor isolado, as
cargas elétricas podem distribuir-se livremente em qualquer direção que
respeite os limites dêle. Se, na realidade, as cargas assumirem uma
distribuição particular que represente um equilíbrio, isto acontece por
motivos de ordem dinâmica. Em uma máquina a vapor, por outro lado, o
pistão pode mover-se apenas de uma maneira que é determinada pelas
rígidas paredes do cilindro.

Somos levados, assim, a uma classificação de sistemas físicos que tem a


maior relevância para o nosso problema. Presumimos que, em todos os
sistemas que nos interessam, os processos são rigorosamente determinados
por fatôres de alguma espécie. Devemos, porém, sempre lembrar-nos de
que os sistemas variam grandemente, no que diz respeito à influência
relativa das condições topográficas limitadoras de um lado, e dos fatôres
dinâmicos, de outro. Quando as condições topográficas forem rigidamente
estabelecidas e não puderem ser mudadas por fatôres dinâmicos, sua
existência significa a exclusão de certas formas de função e a restrição dos
processos às possibilidades compatíveis com aquelas condições. O caso
mais extremo é o de um sistema, no qual as disposições topográficas pré-
estabelecidas excluem tôdas as possibilidades, exceto uma. Como exemplo
dêsse tipo, acabamos de mencionar o caso de um pistão, cujo movimento é
determinado pelas paredes

de um cilindro. Neste caso, o vapor do cilindro que tende a se expandir em


tôdas as direções, mas, devido às coerções topográficas, só pode atuar em
uma direção, aquela em que o pistão se pode mover. Em tal sistema,
sàmente o movimento em si mesmo é determinado dinâmicamente. A
direção do movimento é determinada pelo cilindro.

Esta relação extrema entre fatôres dinâmicos e condições topográficas


impostas é quase ou inteiramente realizada em máquinas típicas. É enorme
a variedade de diferentes funções de sentido único que pode ser aplicada
em um ou outro sistema. O princípio geral, porém, é o mesmo em qualquer
parte. Às vêzes, é verdade, goza a dinâmica de um pouco mais de liberdade
que a do mínimo absoluto. De qualquer maneira, não construímos máquinas
em que os fatôres dinâmicos sejam os determinantes principais da forma de
operação.

Sem dúvida alguma, foi uma máquina dêsse tipo que Aristóteles pensou,
quando considerou a ordem dos movimentos celestes. Suas esferas eram as
condições topográficas que êle supunha manterem aquela ordem. Desde
Descartes, os neurologistas trabalharam baseando-se em presunções
semelhantes, sempre que a função neural nos animais e no homem
apresentava uma ordem notável. Segundo afirmam, a dinâmica neural em si
mesma jamais executaria uma função coordenada. Assim, a presunção de
condições anatômicas especiais tornou-se uma questão, um fato
indiscutível, em qualquer caso em que o sistema nervoso apresentava um
comportamento bem ordenado.

Nestas circunstâncias, não é de admirar muito que tanto os adeptos da


introspecção, quanto os do behaviorismo baseiem seus estudos em
premissas nas quais o tipo mecanicista de função é tàcitamente aceito
como certo. Vejamos o caso da visão, por exemplo. Muitos estímulos afetam
a retina em uma ocasião determinada. No entanto, em geral não há
confusão no campo visual. Um objeto aparece aqui, outro ali,
aparentemente da mesma maneira pela qual estão dispostos no espaço
físico. Pontos que são vizinhos no espaço físico também são vizinhos no
campo visual. O centro de um círculo no espaço físico aparece como meio
de uma figura igualmente simétrica na visão, e assim por diante. Tôda esta
ordem é tão notável quanto necessária ao nosso comércio com o mundo.
Ora, a ordem em que as imagens dos objetos são apresentadas na retina é
fàdilmente explicada pela existência da pupila, do cristalino, etc. Que
acontece, porém, com os processos transmitidos da retina ao cérebro e que
ali determinam a experiência visual? Uma vez que essa experiência ainda
parece mostrar a mesma ordem, deve haver fatôres que impeçam a
confusão em tôda a parte. Apenas uma espécie de fatôres parece capaz de
conseguir tal coisa:

o sistema nervoso visual deve consistir de disposições topográficas em


enorme número e essas disposições devem manter, em tôda a parte, a
funçao nervosa no caminho certo. Se, de cada ponto da retina, impulsos
nervosos são conduzidos ao longo de rotas determinadas, em direçao a
pontos terminais no cérebro, também determinados, e, se

66

67

na totalidade dêsses pontos terminais, a geometria dos pontos retinha- nos


é repetida, os fatôres dinâmicos ficam completamente impedidos de
influenciar a distribuição do fluxo neural e, assim, o resultado será a ordem.
Essa ordem é uma questão de anatomia, e não de fatôres inerentes ao
fluxo.

No caso do tacto e da audição, considerações semelhantes conduzirão a


resultados semelhantes. Trataremos, agora, dos fatos da aprendizagem e da
formação de hábitos. Ao tentar explicar tais fatos, têm afirmado os
psicólogos que, em algumas partes do sistema nervoso - entre os setores
visuais e auditivos, por exemplo - os caminhos não são fixados de uma vez
por tôdas nos primeiros anos. De acôrdo com êsse ponto de vista, ou não
há, a princípio, caminho para a condução ou, então, de um ponto do tecido,
diversos caminhos levam os processos de maneira igualmente satisfatória a
diversas direções, de sorte que não é determinada qualquer ordem
particular. No adulto, contudo, são estabelecidas muitas associações entre
os dois setores, e a precisão da reestruturação mostra que novos
acontecimentos ocorrem de um modo dirigido e bem ordenado. A coisa que
temos diante de nós na mesa é chamada livro e suas partes, páginas. Trata-
se de sério sintoma patológico o fato de uma pessoa não conseguir se
lembrar dêstes nomes, quando os objetos se encontram diante dela como
fatos visuais. A ordem normal no jôgo das associações sugere esta
explicação: onde a princípio não havia vias de condução, ou havia várias
vias de igual condutividade, o aprendizado destacou uma via, tornando-a
melhor condutora do que tôdas as outras. Em conseqüência, os processos
passarão a seguir agora esta via. Se, por enquanto, deixarmos de lado a
questão de saber até que ponto essa espécie de coisa constitui um
aprendizado, a ordem da associação e da reestruturação é explicada pela
presunção. Evidentemente, a explicação é fornecida de acôrdo com as
condições topográficas. É verdade, no caso presente, que não se supõe que
essas condições existam na infância; é verdade, também, que as mudanças,
graças às quais as condições são estabelecidas, permanecem um tanto
obscuras; mas, uma vez admitindo-se que elas estão estabelecidas, quando
as associações se formam, a direção dos acontecimentos torna-se tão
rgidamente mantida e tão independente de fatôres dinâmicos quanto é, em
si mesma, a condução do fator visual. Da mesma maneira que um trem fica
nos trilhos porque êstes constituem o caminho de menos resistência, e, da
mesma maneira que a enorme potência da locomotiva não tem influência
sôbre a direção do trem, assim também a ordem na associação e na
reestruturação é uma questão de rotas, e a natureza dos processos que se
movimentam sôbre essas rotas não tem influência sôbre sua trajetória.

Passaremos, agora, a examinar as conseqüências dêste ponto de vista. Em


primeiro lugar, tôda ordem que é encontrada em fenômenos mentais passa
a ser explicada como disposições mecânicas herdadas ou como coerções
adquiridas secundàriamente. Assim, se uma determina-

da atuação não é um exemplo de aprendizado em si mesmo, deve basear-


se, ou nas condições topográficas originais, ou no aprendizado passado, isto
é, nas alterações adquiridas de tais condições.3 Veremos que essa
alternativa coincide com as explicações dos nativistas e empíricos. 4 As
discussões entre nativistas e empíricos não deixam dúvida de que uma
explicação nativista implica sempre uma explicação em função de fatos
anatômicos herdados. Se, em dado caso, tal explicação não parecer
aceitável, resta, então, apenas uma outra possibilidade, isto é, a do
aprendizado. Jamais ocorreu aos autores em questão a idéia de que a
função poderia ser bem ordenada, sem que disposições herdadas ou
adquiridas do sistema nervoso fôssem responsávis pelo fato.
Freqüentemente, a admissão de tal possibilidade é encarada com profunda
desconfinaça, como se estivesse iminente a introdução de idéias vitalistas.

O que acontece na extremidade de um beco sem saída depende do que se


passou em sua entrada um pouco antes. De acôrdo com o quadro presente
da função sensorial, a experiência objetiva deve ser composta de fatos
sensoriais puramente locais, cujas características são estritamente
determinadas pelos estímulos periféricos correspondentes. Por amor da
manutenção da ordem, processos de rotas individuais e de células
correspondentes do cérebro foram separados um do outro e do tecido
circundante. Disso resulta que nenhum processo em outra parte do sistema
nervoso pode alterar a experiência sensorial e, mais particularmente, que a
experiência sensorial não pode ser alterada por qualquer mudança da
atitude do indivíduo observado. Se enumerarmos as qualidades intensivas e
qualitativas que os elementos do campo apresentam em determinado
momento, o resultado deve ser uma completa descrição do campo. Assim, a
experiência sensorial é um simples mosaico, uma agregação de fatos
inteiramente aditiva, e êste mosaico é exatamente tão rígido quanto sua
base fisiológica. Temos todos os motivos para acrescentar que, nesse
quadro, a experiência sensorial é também incrivelmente "pobre". Torna-se
impossível qualquer função pela qual as diferentes partes do campo possam
intercalar-se. Os únicos fenômenos dinâmicos que podem suceder estão
localizados nos elementos, e sua distribuição, como um todo, não passa de
um modêlo geométrico.

Na teoria mecanicista do sistema nervoso, as conexãos entre as células


cerebrais e os órgãos motores (como os músculos, por exemplo) são do
mesmo tipo que as conexões entre pontos dos órgãos sensoriais e aquelas
células. Nestas condições, seria a seguinte uma fórmula perfeitamente
adequada às pesquisas na Psicologia: temos de descobrir

3 Na primeira categoria, poderemos incluir disposições anatômicas que não


estão completas por ocasião do nascimento, mas vão-se desenvolvendo,
pouco 5 Pouco, por amadurecimento até sua forma final.

4 A expressão "empírico" não tem, naturalmente, a mesma significação de


empirísta". Ao passo que a última se refere ao filósofo Que afirma aue todo
Conhecimento vem da experiência externa, a outra se refere ao psicólogo
que procura explicar máximo de fenômenos mentais pelo aprendizado
anterior.

68

69

que reações dos órgãos motores se combinam com determinados estímulos.


É a conhecida fórmula estímulo-reação, que durante longo tempo gozou de
considerável prestígio na Psicologia norte-americana. Ela concorda
inteiramente com o ponto de vista de que o sistema nervoso é destituído de
quaisquer processos característicos própríos.

O fato de, nesta teoria, o fator dinâmico ser reduzido a uma importância
diminuta ainda tem outra conseqüência. Na Física, as inter-relações
dinâmicas dependem dos processos e materiais inter-relacionados. Assim,
por exemplo, em uma solução que contém Na2 S04 e BaC12, será
precipitado BaSO4, devido a certas características de Ba, SO' e H20 que, por
suas mútuas relações, determinam o que acontecerá na mistura. Duas
correntes elétricas provocam atração recíproca de seus condutores, se
ambas têm a mesma direção, mas ocorre a repuisão se as correntes têm
direções opostas. A regra geral é que "características em relação", como
exemplificadas nestes casos, são decisivas para a interação. É evidente que,
uma vez que a teoria mecanícista exdui quaisquer inter-relações dinâmicas
entre as partes de um campo, tal campo pode ser disposto de qualquer
maneira arbitràriamente escolhida. Em um simples mosaico, cada elemento
é de todo indiferente à natureza de seus vizinhos. Nenhuma outra
conseqüência da teoria mostra mais claramente o que está envolvido na
exclusão das inter-relações dinâmicas. Com efeito, acabamos de
compreender que, se existem tais inter-relações, os fatos físicos não podem
ser, certamente, insensíveis às características de outros fatos ocorridos em
sua vizinhança. Êste ponto será ainda mencionado, quando examinarmos a
associação e a reestruturação em outro capítulo.
Quando apresentarmos aos psicólogos êste quadro de suas presunções
acêrca das funções fisiológicas, a maior parte dêles hesitará em concordar.
Afirmará que as suposições preliminares a respeito dos processos do
sistema nervoso não podem ser tomadas no sentido demasiadamente
literal. Quem não admitirá - observarão êsses psicólogos - que, em algumas
partes do tecido, há soluções de continuidade das conexões condutoras? A
isso, eu retrucaria que, se a primeira tentativa de descrever a função
nervosa usar analogias sômente de uma espécie, o tipo mecanicista quer
dizer que outras analogias provàvelmente jamais ocorreram aos teóricos.
Preliminar ou finalmente, é com uma imagem mecanicista que estamos aqui
tratando e jamais se menciona qualquer princípio essencialmente diferente.
Quanto à questão das soluções de continuidade, a contribuição dessa idéia
não é maior que certa falta de função precisa na máquina. Ainda pressupõe,
como no caso normal, que a ordem é mantida pela separação de fenômenos
locais, e ela está longe de apontar conseqüências positivas que a falta de
completa separação teria. Dêsse modo, nossas idéias acêrca dos pro f Q
flP1IJflÇ1Ç (IA L111P 11fl'i

afinal de contas, se em todos os condutores há uma pequena falha em certo


ponto? Os processos locais não se misturariam? Se não, qual a outra coisa
que os teóricos esperam que aconteça? Receio que êles tenham dificuldade
em responder a esta pergunta.

Comparemos, mais uma vez, a teoria com a observação. Ficou-nos


perfeitamente claro que a constância do brilho e a constância do tamanho
são, como fatos, incompatíveis com as presunções da teoria mecanicista,
pois, em ambos êsses casos, a experiência sensorial não é, com tôda a
certeza, determinada apenas pelos estímulos locais correspondentes.
Precisamente devido a essa dificuldade, lembramos, recorreu-se às
explicações empíricas. Como porém, neste meio tempo, a psicologia animal
oferecía sólidas provas contra essas explicações, deve-se presumir, agora,
que não podem ser corretas nem a presunção empírica nem a nativista.
Devemos, assim, tentar encontrar uma espécie de função que seja bem
ordenada e, ao mesmo tempo, não inteiramente submetida às disposições
herdadas ou adquiridas. Se existir tal alternativa, teremos de aplicá-la
também a outras observações, tais como as constâncias do formato,
velocidade, localização, etc., que são, em seu conjunto, tão semelhantes às
constâncias do brilho e tamanho, que uma explicação satisfatória para
estas, provàvelmente também será satisfatória para aquelas. Isso significa,
naturalmente, que pode ser geralmente mal interpretada a alternativa entre
as presunções nativista e empírica.

A tese dos adeptos da introspecção, no sentido de que mudanças de atitude


não têm influência sôbre a verdadeira experiência sensorial, também é
incompatível com fatos reais. A tese quase que corresponde a uma
definição arbitrária da verdadeira experiência sensorial. Graças à
observação pura, podemos, "por introspecção", transformar em dois
cinzentos semelhantes o branco que se encontra na sombra e o prêto que
se acha vivamente iluminado. Dificilmente poderia haver mais radical
influência de atitude sôbre a experiência sensorial do que essa
transformação. O mesmo é verdade no que diz respeito a todos os exemplos
em que a introspecção destrói a experiência natural e encontra, assim, suas
verdadeiras sensações. É amplamente reconhecido que isto é o que
acontece na introspecção, pelo menos com referência a uma observação.
Quando analisamos um som musical, podemos ouvir várias notas sucessivas
que emergem da unidade original. Muitos admitem que, nesse caso, uma
atitude especial transforma um dado sensorial em outro, e que o som
ouvido como um só é um fato sensorial tão significativo como os sons
harmônicos que aparecem durante a análise. Se isso fôr verdade, porém,
como poderemos objetar contra experiências semelhantes em outros casos?

Quanto à afirmação de que a experiência sensorial é um mosaico de fatos


puramente locais, no sentido de que cada ponto de um campo sensorial
depende exclusivanient " 1

tica acêrca do que deve ser a natureza das coisas, apesar das experiências
em contrário. Até onde alcança a observação, o estímulo retiniano local não
determina sàzinho quais devem ser o tamanho, a forma, a localização e o
brilho da experiência local, nem a velocidade retiniana sàzinha determina a
velocidade vista, como seria o caso, se apenas a geometria dos fatos
retinianos determinasse as experiências espaciais. No que diz respeito à
observação, podem ser citadas muitas das chamadas ilusões, para mostrar
que os processos locais dependem de conjuntos de estímulos. Até certo
ponto, esta controvérsia acabará sendo resolvida por princípios
pragmáticos: vencerá o lado cujos princípios se mostrarem mais fecundos
para o maior progresso da Psicologia.

Num caso de observação, quase todos os psicólogos estão de acôrdo que a


experiência sensorial local não é determinada apenas pelo mero estímulo
local. Ëste caso é o do contraste de côr, que, presentemente, a maior parte
dos psicólogos supõe ser um efeito da interação no sistema nervoso. Aqui, a
correlação ponto por ponto entre o estímulo retiniano e a experiência
sensorial já não é mais defendida, porque é por demais evidente a
determinação da experiência local por condições de uma área maior. Depois
dessa concessão, porém, como poderemos continuar como se nada de sério
houvesse acontecido? A ciência levou algum tempo para aceitar a evidência
indiscutível, mesmo neste caso. Helmholtz negou-se a fazê-lo. Para salvar
sua premissa fundamental, isto é, a determinação ponto por ponto dos fatos
sensoriais locais pelos estímulos locais, êle, naturalmente, lançou mão de
hipóteses empíricas. Em nossos dias, porém, depois de ter sido dado o
primeiro passo, devemos compreender não sàmente que uma teoria do
contraste cedeu lugar a outra, como também que já não pode ser
sustentado um princípio fundamental em todo o campo da experiência
sensorial. Quando, no futuro, verificar-se que uma experiência está em
desacôrdo com o estímulo local, teremos de considerar a possibilidade de
que, do mesmo modo que se dá com o contraste, tal experiência depende
de um conjunto de estímulos e não apenas do estímulo local. Da mesma
maneira, poderemos afinal compreender porque, em alguns casos, atitudes
particulares do sujeito afetam a experiência sensorial. Uma vez tendo sido
provado que a experiência sensorial em dado lugar é influenciada pelo
estímulo em uma área maior, não há, naturalmente, motivo para que tal
influência também não seja exercida por processos que acompanham uma
atitude particular.

Nos capítulos seguintes, estudaremos novos fatos que se voltam para a


mesma direção. Há, em primeiro lugar, o que é geralmente chamado de
organizaçao da experiência sensorial. A expressão refere-se ao fato de
campos sensoriais terem, de certo modo, sua própria psicologia social. Tais
campos não se apresentam nem como contínuos, uniformemente coerentes,
nem como modelos de elementos redprocamente indiferentes, O que
realmente percebemos consiste, antes de mais nada, em entidades
específicas, tais como coisas, figuras, etc., e também grupos

de que essas entidades fazem parte. Isto demonstra a operação de


processos em que o conteúdo de certas áreas é unificado e, ao mesmo
tempo, relativamente segregado de seu ambiente. A teoria mecanicista,
com seu mosaico de elementos separados, é, naturalmente, incapaz de
explicar uma organização nesse sentido.

Além disso, mostrou-se que muitas experiências sensoriais não podem ser
relacionadas com condições puramente locais de estímulo, porque tais
condições locais jamais dão origem a qualquer coisa semelhante àquelas
experiências. Os fatos a que estou aludindo são atributos apenas de certas
áreas do espaço e certas extensões na dimensão do tempo. Ora, processos
físicos ampliados, cujas partes são funcionalmente inter-relacionadas,
também podem ter características próprias, que não podem ser
relacionadas com condições meramente locais. A teoria mecanicista do
sistema nervoso, porém, exclui essa possibilidade, porque a presunção de
processos ampliados com partes funcionalmente inter-relacionadas é
incomparável com os principais dogmas de sua teoria.

Na teoria mecanicista, como vimos, qualquer fato sensorial local é


estritamente determinado pelo estímulo. Conseqüentemente, as
características dos estímulos, em suas relações uns com os outros, não
podem participar da determinação de experiência sensorial local, a não ser
que os processos cerebrais tenham liberdade de exercer ação recíproca. A
interação em Física, convém lembrar, depende inteiramente das
"características em relação" dos fenômenos que atuam uns sôbre os outros.
Ora, se passarmos em revista o conhecimento disponível no campo da
experiência sensorial, verificamos que, em incontáveis exemplos, os dados
da experiência sensorial local dependem da relação entre os estímulos
locais e os estímulos nas vizinhanças. Isto é verdade no caso do contraste e
da fusão tonal e também no das observações que foram discutidas no
capítulo anterior. A constância do brilho, por exemplo, depende da relação
da iluminação e do brilho no campo circundante com o brilho do objeto
observado. Tornar-se-á, sem demora, claro que a organização, tal como
definida há pouco, também depende das características locais, em suas
relações umas com as outras.

Em vista dêstes fatos, não estaremos, sem dúvida alguma, exagerando, se


dissermos que a teoria mecanicista do sistema nervoso é de todo incapaz
de justificar a natureza da experiência sensorial. Tudo nesse campo aponta
para uma teoria, cujo aspecto principal reside em fatôres dinâmicos, e não
em condições anatômicamente determinadas. Além disso, em muitas
observações a dinâmica do campo é quase diretamente revelada ao sujeito.
Tal é o caso, por exemplo, quando um estímulo súbito, ou uma alteração do
estímulo, é seguida por eventos e não estados sensoriais. Suponhamos que
uma figura brilhante surja de repente no escuro. Tal figura não apresenta
imediatamente nem seu tamanho completo, nem sua localização exata.
Aparece como um movimento energético de extensão, assim como de
aproximação. E,

73

quando desaparece de súbito, o faz com um movimento de contração e


retrocesso. De acôrdo com a teoria mecanicista, tais observações são de
todo incompreensíveis. Vejamos, ainda, o fato de que, no que se refere ao
tacto, assim como à visão e à audição, objetos e fenômenos mudam de
localização, quando são acrescentados outros objetos e fenômenos. O
fisiologista Von Frey mostrou que, quando dois pontos do mesmo braço são
tocados, ao mesmo tempo, à distância entre êles é muito menor do que a
que corresponde às suas localizações, quando apresentadas isoladamente.
Scholz e Kester mediram, ambos, a atração recíproca que apresentam duas
luzes ou dois sons, em certas condições. Sem o grande prestígio histórico
que a teoria mecanicista ainda goza, ninguém hesitaria em aceitar tais
observações como prova da interação dinâmica, O movimento
estroboscópico, que evidentemente pertence à mesma categoria, é hoje,
em geral, conhecido como o fato no qual Max Werteheimer baseou seu
primeiro protesto contra a teoria de mosaico da experiência sensorial.5 Se
dois estímulos são sucessivamente projetados sôbre pontos diferentes da
retina, o sujeito geralmente vê um movimento que começa do local do
primeiro e termina na região do segundo (c/. Cap. III). Em condições
favoráveis, os sujeitos não se referem a duas impressões, e, sim, a uma
coisa que se estaria movendo de um lugar para outro. Como poderá explicar
tais observações uma teoria que interpreta os campos sensoriais como
mosaicos de fenômenos locais independentes? O movimento estroboscópico
tem sido amplamente discutido e, como é natural, os argumentos empíricos
desempenharam grande papel nos debates. Já não há dúvida, contudo,
quanto ao ponto principal: se as condições objetivas e a atitude do
observador não são inteiramente inadequadas, o movimento estroboscópico
é um fenômeno notável. Afinal de contas, a arte cinematográfica se baseia
no efeito estroboscópico. Há, é certo, gente que não confia na observação
quando esta contradiz os postulados da teoria mecanicista. Talvez êstes
opositores se convençam diante do fato de que, quando repetidos em
determinada área, os movimentos estroboscópicos apresentam pós-imagens
negativas de sua ocorrência, do mesmo modo que os movimentos comuns.
Histàricamente, as pesquisas de Westheimer constituíram o comêço da
Psicologia da Gestalt. Neste estudo, estou seguindo outra linha apenas
porque duvido que o movimento estroboscópico represente o melhor
material para ser usado como primeira introdução.6

Há, naturalmente, vários argumentos que têm servido para defender a oria
mecanicista. Tem-se dito, algumas vêzes, que esta teoria apresenta uma
imagem particularmente clara e simples da função nervosa, imagem que
todo

5 Zeitschr. /. Psyc!Loi., 61, 1912.

6 Benussi contribuiu valiosamente para a pesquisa dêsses problemas. Sua


obra sôbre fatos semelhantes no campo do tacto foi mencionada acima.
Algumas características importantissimas do movimento estroboscópico
foram 4eacobertas Dor Wertheimer e Ternus (PsVelwl. Forsch., 1926).

o mundo pode compreender, uma vez que a ordem, na vida prática, é, por
tôda parte, imposta por disposições ad hoc. Devo confessar que tal política
de esfôrço menos científico me parece inaceitável. Quando uma questão se
refere à verdadeira natureza de certa matéria sob estudo, não devem ser
levados em conta, de modo algum, o bem-estar e os hábitos do cientista.
Além disso, sàmente os psicólogos, neurologistas e fisielogistas
economizam tempo e esfôrço com presunções que explicam a ordem por
disposições coercitivas do tecido. Seu problema é, apenas, empurrado para
outros, pois, sempre que um problema de função é interpretado como sendo
de disposições coercitivas, a ciência da evolução biológica da ontogenia e
da filogenia é implicitamente solicitada a explicar a origem das disposições
histológicas. Assim, o fato de evitarem-se dificuldades em algumas ciências
significa mais dificuldades em outras ciências. Além disso, mais cedo ou
mas tarde, problemas funcionais terão que ser encarados do ponto de vista
funcional. Talvez seja possível explicar a ontogenia de estruturas
anatômicas por disposições especiais que operam no ôvo e no germe, mas
ninguém tentará explicar a filogenia por disposições que a tenham forçado a
tomar determinado rumo.

Outro argumento que poderia ainda ser apresentado é o de que, como é


evidente na Anatomia, o organismo contém disposições especiais que
asseguram a função adequada. Certamente tais fatos não podem ser
negados. Um exemplo: o fato é provado pela simples existência de fibras
conectivas entre os órgãos sensoriais e as partes correspondentes do
cérebro. Não nos esqueçamos, contudo, que há outro sistema condutor do
organismo que mostra claramente as limitações da teoria mecanicista. Nos
vasos sanguíneos, muitíssimas substâncias são constantemente
transportadas de certos lugares para outros. Sem dúvida, os vasos
sanguíneos constituem um dispositivo "de transporte", mas, dentro dêsse
sistema, não existe dispositivo especial para transportar cada componente
do líquido ao lugar adequado. Neste caso, a seleção e a ordem dependem
apenas da relação entre as várias partes químicas do sangue e o estado dos
vários tecidos na ocasião. Portanto, a existência de grandes órgãos no
sentido anatômico da expressão não prova que todos os pormenores da
função sejam mantidos em ordem por dispositivos mecânicos.

Ouvimos dizer freqüentemente que as fibras dos nervos são na realidade


condutores separados, pelos quais se movimentam impulsos
essencialmente independentes. Duvido, porém, que ainda possamos admitir
que os impulsos em várias fibras de determinado nervo se movimentem de
maneira inteiramente independente uns dos outros. Além disso, pesquisas
fisiológicas já não deixam dúvida de, no tecido ganglionar, as funções de
células nervosas individuais são dinâmicamente inter-relacionadas.

Se os fenômenos da experiência sensorial não podem ser explicados por


disposições herdadas, nem por disposições adquiridas, qual é o fator
decisivo na função sensorial? Voltemos à nossa observação de que, nos
sistemas físicos, varia enormemente a influência relativa das condições
topográficas, por um lado, e dos fatôres puramente dinâmicos, por outro.
Nas máquinas típicas, o papel das condições topográficas prevalece a tal
ponto que os fatôres dinâmicos servem apenas para provocar
deslocamentos, ao longo de um caminho estabelecido por aquelas
condições. Tais máquinas, contudo, representam um tipo especialissimo de
sistema físico. Fora do estreito mundo das máquinas construídas pelo
homem, há inúmeros outros sistemas físicos, nos quais a direção do
processo de modo algum é completamente determinada pelas disposi' ções
topográficas.

74

Consideremos uma gôta em uma corrente de água que se move por um


tubo estreito. Por que se move a gôta? Se deixarmos de lado a inércia,
concluímos que ela se move porque a pressão sôbre a água é mais forte à
retaguarda da gôta que à sua frente. Enquanto as paredes do tubo
excluírem tôda outra possibffidade, essa diferença de pressão só pode ter
efeito em uma direção. Suponhamos, contudo, que não haja tubo e que a
gôta faça parte de um volume muito maior de água. Nesse nôvo ambiente,
a gôta também se moverá, provàvelmente, mais. Contudo, em tal situação,
estará exposta a muitos gradientes de pressão e seu movimento terá a
direção do gradiente resultante. Êsse movimento é, naturalmente,
determinado de maneira tão rigorosa quanto era o movimento no tubo, mas
não existem, agora, disposições coercitivas particulares em cada ponto que
determinem sua direção. Na nova situação, qualquer gôta dentro da
corrente segue sua trajetória particular, por motivos de ordem dinâmica;
segue a fôrça resultante, em cada momento e em todos os lugares. Como
são, porém, essas próprias fôrças determinadas em cada ponto? São
determinadas por todos os deslocamentos e correspondentes mudanças de
pressão, que ocorreram no momento anterior. De fato, até certo ponto
também são determinadas pela trajetória em que uma gôta determinada se
vem movendo. Tudo isso quer dizer, naturalmente, que é livre a interação
entre as partes da água de que seu fluxo depende em cada ponto. Sem
dúvida, em algum ponto de tal sistema os deslocamentos são,
habitualmente, submetidos a rigorosas condições de limitação, como, por
exemplo, por paredes que forçam a superfície do líquido a se mover ao
longo de sua própria superfície. Se, contudo, não existirem tais condições
coercitivas no interior do volume, caberá apenas à interação determinar o
que acontecerá em cada ponto. Naturalmente, nada pode acontecer em
determinado ponto que seja incompatível com a restrição imposta na
superfície. Esta é, porém, a única maneira pela qual as condições
limitadoras influenciam o fluxo. Sua influência se faz sentir pelo
comportamento forçado do fluxo em sua vizinhança imediata e pelas
conseqüências dinâmicas dêsse comportamento em tôdas as outras partes
do volume. Fenômenos dêsse tipo é que são quase completamente
impedidos nas máquinas, e as teorias neurológicas, ora dominantes,
presumem que são êles também impedidos no sistema nervoso. A
Psicologia da Gestalt não vê fundamentos convincentes para tal presunção.
Ao contrário, sustenta que tais processos são de importância capital na
Fisiologia e na Psicologia.

Em um tubo, uma gôta de água se move em uma direção que leva à


uniformização das diferentes pressões. Tal é a atuação de fôrças em todos
os pontos de todos os sistemas. Quando a gôta é cercada por um maior
volume de água, não sàmente seu próprio movimento, mas também o da
corrente em seu conjunto, comprova a mesma regra. Agora, porém, a
direção do fluxo em cada ponto também depende da

tendência dos fatôres dinâmicos de levar a cabo a uniformização das


pressões.

É possível construir tubos de tal maneira que, virtualmente, qualquer ordem


particular pode ser imposta ao fluxo corrente em todo o sistema. Em tal
caso, a ordem resultante é imposta pela exclusão do comportamento livre,
isto é, dinâmicamente determinado. Naturalmente, devemos indagar se
também pode resultar a ordem, quando a distribuição dos fenômenos
depende do jôgo da livre interação. Terão tido razão os aristotélicos e os
teóricos da função neural, ao presumirem que a livre interação conduz
invariàvelmente à desordem? A princípio, o que acontece na natureza em
tôrno de nós parece corroborar essa opinião:

quando fôrças e processos se encontram cegamente, o resultado é, na


maior parte, o caos e a destruição. Mas as situações em que isto se dá são,
habitualmente, mais ou menos dêste tipo: no comêço, vemos uma coisa em
repouso ou um processo que se desenrola de maneira uniforme. De súbito,
nôvo fator, vindo de fora, atua sôbre a coisa ou o processo; pouco depois,
outro elemento perturbador, independente do primeiro, se faz sentir, e
assim por diante. Em tais circunstâncias, é verdade, pode suceder quase
qualquer coisa, e o resultado final de tais acidentes acumulados será,
provàvelmente, a destruição. Esta é, na minha opinião, a imagem que a
maior parte dos homens tem em mente, quando se referem ao livre jôgo de
fôrças na natureza - como se o impacto acidental fôsse a única forma de
interação.

Em nosso presente estudo, contudo, outras situações são muito mais


interessantes. Por exemplo: se, em grande vaso, a água se move de uma
maneira ou outra, haverá, em determinado momento, certa quantidade de
pressão em cada ponto, e em tôda a parte as diferenças entre as pressões
locais tendem a mudar a distribuição de água e seu fluxo. Suponhamos
agora que o próprio vaso não se mude e que nenhum fator externo afete o
sistema acidentalmente. Que resultará da constante interação entre as
partes da água? Se tentássemos responder à pergunta, imaginando a água
dividida em pequenos volumes, cada um dos quais se move com o
grandiente resultante da pressão em seu lugar e, portanto, muda êste
grandiente; se deduzirmos que, dessa maneira, o tipo do fluxo não
permanecerá, geralmente, o mesmo, ainda que por diminuta fração de
segundo, sentir-nos-emos logo inclinados a deixar de lado a tarefa, por estar
além de nossa capacidade, e a concluir que não poderá resultar mais ordem
nessa situação do que no caso em que os fenómenos dependem de
acidentes acumulados. A êsse respeito, contudo, estaremos inteiramnte
equivocados. Estaremos apenas projetando a nossa própria confusão no
curso de acontecimentos objetivos, tornando-nos, assim, culpados de
antropomorfismo. Os físicos adotam, diante da situação, um ponto de vista
d todo diferente. Tanto a observação como o cálculo teórico os levam a
concluir que, em geral, a interação dinâmica dentro de um sistema tende a
estabelecer distribuições bem ordenadas.

76

77

Voltemos ao exemplo que foi mencionado no comêço dêste capítulo. A


notável ordem dos movimentos astronômicos parecia, aos teóricos
aristotélicos, inexplicável sem a presunção de rígidas coerções, mediante as
quais as estrêlas eram mantidas nas .justas trajetórias. Nos tempos
modernos, ninguém acredita nas esferas de cristal, imaginadas antes, para
servir a tais coerções. No entanto, os planêtas continuam a se mover em
suas órbitas regulares. Evidentemente, não aprenderam a se mover dessa
maneira bem ordenada. Segue-se que, muito à parte das coerções pré-
estabelecidas ou adquiridas, deve haver outros fatôres que servem para
estabelecer e manter essa notável ordem da função. Segundo a concepção
moderna do sistema solar foi, naturalmente, o jôgo livre dos vetores
gravitacionistas que causou, e ainda mantém, a ordem dos movimentos
planetários.
Se diversos fios retos são suspensos, irregularmente distribuídos, apontando
para diferentes direções, uma corrente elétrica, que por êles passe, lhes
dará, imediatamente, direções paralelas. É um resultado bem ordenado da
interação eletrodinâmica.

Suponhamos, ainda, que seja despejado óleo em um líquido, com o qual não
se mistura. Apesar da violenta interação das moléculas na superfície comum
dos líquidos, o limite permanece nftidamente definido. Evidentemente essa
distribuição ordenada não é imposta por quaisquer formas rígidas de
coerção; resulta, pelo contrário, precisamente dos fatôres dinâmicos que
atuam na região delimitadora. Se a densidade específica de ambos os
líquidos fôr a mesma, as fôrças superficiais mudarão a forma do óleo até
que se forme uma pequena esfera, que flutua no outro liquido. Poderiam ser
acrescentados fàcilmente inúmeros outros exemplos. Não há dúvida de que,
enquanto a dinâmica não fôr perturbada por impactos acidentais vindos do
exterior, sua tendência é no sentido de estabelecer distribuições bem
ordenadas.

Qual a explicação dessa tendência? Procurarei oferecer uma resposta em


poucas palavras. Em tais sistemas há, em determinada ocasião, certa fôrça
resultante em cada ponto. Tôdas essas fôrças resultantes constituem,
juntas, uma forma contínua de tensão. Para o sistema em seu conjunto, o
efeito imediato só pode ter uma direção: tôdas as mudanças locais devem
ser tais que, quando consideradas em sua totalidade, levam o sistema mais
perto do equilíbrio de fôrças. O fator da inércia, é verdade, pode causar
desvios temporários dessa simples regra, mas, em muitos sistemas, as
velocidades inertes são de pronto destruídas pelo atrito, de sorte que o
verdadeiro desenvolvimento apresenta a regra em sua forma pura e um
equilíbrio bem ordenado é logo atingido. (É importante saber que isso se
aplica ao sistema nervoso. Não há processos em tal sistema que sejam
influenciados por velocidades inertes), O fato de o resultado final constituir
sempre uma distribuição bem ordenada foi explicado com simplicidade por
Ernst Mach: nas distribuições bem ordenadas, a disposição de fôrças é tão
regular quanto é a distribuição do material. É claro, porém, que, nas
disposições regula-

78

res, as fôrças são mais bem equilibradas do que nas distribuições


irregulares. Assim, uma vez que a interação não perturbada atua na direção
do equili'brio, deve ela atuar no rumo da distribuição bem ordenada tanto
de fôrças como de materiais.

A autodistribuição dinâmica nesse sentido é o tipo de função que a


Psicologia da Gestalt acredita ser essencial na teoria neurológica e
psicológica. De modo mais particular, presume-se que a ordem de fatos em
um campo visual constitui, em grau elevado, o resultado de uma tal
autodistribuição de processos. De acôrdo com êsse ponto de vista, um
campo visual estacionário corresponde a uma distribuição bem ordenada de
processos ocultos. Quando as condições mudam, os desenvolvimentos
resultantes serão sempre na direção do equili'brio.

Como se relaciona êste ponto de vista com o fato de dependerem os


processos visuais do estímulo retiniano? As autodistribuições de processos,
devemos lembrar, não ocorrem geralmente sem coerções impostas. Em
nosso caso particular, as disposições dos estímulos retinianos estabelecem
disposições semelhantes de reações £otoquímicas no ôlho. Os neurologistas
afirmam que, entre a retina e o setor visual do cérebro, a condução é, mais
ou menos, uma questão de caminhos separados e que, como conseqüência,
as disposições dos processos retinianos são, até certo ponto, repetidas no
cérebro visual. Se isto é verdade, as autodistribuições dinâmicas aí
começam, e as condições a que estão sujeitas constituirão as disposições
que os impulsos procedentes da retina impõem ao córtex visual.

Não temos motivos para negar que a tarefa que esta teoria enfrenta é
enormemente mais difícil do que qualquer coisa que a teoria mecanicista
tem de tratar. Quando qualquer indagação sôbre a distribuição de processos
é respondida em função de disposições anatômicas, não serão necessários
muitos conhecimentos acêrca da natureza dos processos envolvidos. Por
outro lado, uma teoria em que a dinâmica desempenha um papel essencial
não pode ser formulada sem conhecimento dos princípios de auto-
distribuição em geral, ou sem hipóteses acêrca da natureza dos processos
participantes. Na ausência de provas fisiológicas suficientes, relativas a
êsses processos, as hipóteses sôbre sua natureza só podem derivar de fatos
da experiência sensorial. Na situação agora apresentada, tais hipóteses
também só podem ser verificadas por meio de novas observações nesse
campo. Será necessário ainda algum tempo antes de podermos pisar
terreno firme. Deve ser lembrado, contudo, que quaisquer perplexidades
que possamos encontrar em nosso caminho, de modo algum devem ser
relacionadas com o conceito fundamental da autodistribuição dinâmica. Elas
podem ser causadas por hipóteses errôneas a respeito de processos
particulares, aos quais êsse conceito deve ser aplicado, no caso do cérebro
humano.

A dinâmica desempenha um papel tão apagado na teoria contemporânea,


que as expressões usadas nos parágrafos anteriores podem parecer um
tanto misteriosas a muitos psicólogos. Em conseqüência, haverá

79

suspeitas quanto às intenções da Psicologia da Gestalt. Por êsse motivo,


parece conveniente fazer-se, neste ponto, o seguinte esclarecimento: os
conceitos aos quais nos referimos neste capítulo, de modo algum estão
relacionados com as noções vitalistas. Ao contrário, futuramente nossas
concepções dinâmicas poderão servir para enfrentar as objeções que o
vitalismo apresentou à interpretação científica da vida. Se isso acontecer, as
teorias mecanicistas da vida perderão terreno; afinal de contas, os
argumentos vitalistas contra essas teorias são, às vêzes, bastante
convincentes. O vitalismo, porém, não irá tirar proveito, pois, de suas
objeções contra as teorias mecanicistas concluiu êle errôneamente que os
principais problemas de biologia não podem ser resolvidos dentro da ciência
natural. Nossas concepções sugerem novos meios de estudar aquêles
problemas precisamente em tais condições.

BIBLIOGRAFIA

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M. Wertheimer: "Untersuchungen zur Lehre von der Gestalt, 1" Psychol.


Forsch., 1, 1921.

80

Capítulo 5

Organização Sensorial

s distribuições dinâmicas são conjuntos funcionais. Tomemos, por exemplo,


um simples circuito elétrico. As diferenças de potencial e as densidades da
corrente distribuem-se ao longo dos condutores, de tal maneira que é
estabelecido e mantido um estado estável ou estacionário. Nenhuma parte
dessa distribuição é auto-suficiente; as características do fluxo local
dependem inteiramente do fato de terem os processos em seu conjunto
assumido a distribuição estável.

Para que semelhante concepção possa ser aplicada aos processos que
sustentam a experiência sensorial, devemos evitar um êrro. Em seu protesto
contra o atomismo psicológico, Wilhiam James afirmou, certa vez, que, no
campo sensorial, as experiências locais são entrelaçadas com suas vizinhas,
de maneira tal que fica fora do alcance da teoria puramente intelectual.
Também achava êle que a experiência sensorial original é uniformemente
contínua e que todos os cortes e limites são introduzidos posteriormente no
campo, por motivos pragmáticos.

Do ponto de vista da Psicologia da Gestalt, tal afirmação não corresponde


aos fatos. Apesar da interdependência dinâmica geral em todo o campo, há
nêle limites em que os fatôres dinâmicos atuam para uma certa medida de
segregação e não de continuidade uniforme. Por isso há bons exemplos na
Física. Tudo favorece a presunção de que o mesmo acontece no sistema
nervoso.

O campo visual apresenta duas espécies de ordens. Uma é a ordem com a


qual se ocupa a teoria mecanicista, quando procura explicar como um
determinado processo mantém seu lugar correto entre os vizinhos e não se
extravia. Há, contudo, outra ordem no campo que costuma escapar à nossa
atenção, embora não seja menos importante

81

que a primeira. Na maior parte dos campos visuais, os conteúdos de áreas


particulares "são da mesma classe" como unidades circunscritas, das quais
são excluídos os meios ambientes. James não admitiu que essa organização
do campo seja um fato sensorial porque se encontrava sob a influência do
preconceito empírico. Em parte alguma êste preconceito é mais prejudicial
do que aqui. Sem deixá-lo de lado, não poucos leitores terão dificuldade de
reconhecer a importância dos parágrafos seguintes.

Na escrivaninha, diante de mim, vejo um número considerável de unidades


de coisas definidas: um pedaço de papel, um lápis, uma borracha, um
cigarro, etc. A existência dessas coisas visuais envolve dois fatôres. O que é
incluído em uma coisa torna-se uma unidade e esta unidade é isolada do
seu meio ambiente. A fim de me convencer de que isso é algo mais que um
assunto verbal, posso tratar de formar outras unidades nas quais sejam
acrescentadas partes de uma coisa visual e parte do ambiente que as cerca.
Em alguns casos, tal tentativa terminará falhando completamente. Em
outros, nos quais sou mais bem sucedido, o resultado é tão estranho que,
como resultado, a organização original aparece apenas mais convincente
como um fato visual.

Dirá o leitor: "Naturalmente o senhor está-se referindo a fatos psicológicos,


mas algo pode ser um fato psicológico sem, por êste motivo, pertencer à
experiência sensorial. Certamente, o senhor admitirá que um pedaço de
papel, um lápis e um cigarro são objetos conhecidos pelo uso. Durante
muitos anos o senhor tem-se ocupado de tais objetos, de modo que teve
mais oportunidade do que precisava para ficar sabendo que êles não
constituem unidades em um sentido prático. O senhor projetou no campo
visual êsse conhecimento prèviamente adquirido. Por que, então, dar tanta
importância à sua observação? Isto é muito sabido e, como se acabou de
mostrar, muito satisfatàriamente explicado. Provàvelmente, era sabido e
explicado dessa maneira, quando Aristóteles escreveu seu compêndio de
psicologia".

Minha resposta exigirá mais tempo do que esta argumentação. Enquanto


argumentos dessa espécie continuarem a ser aceitos, mesmo as teses mais
elementares da Psicologia da Gestalt ainda não estarão devidamente
compreendidas. Sem dúvida alguma, o pedaço de papel, o lápis, etc. são
objetos bem conhecidos. Admitirei, sem hesitação, que suas utilidades e
seus nomes são-me conhecidos graças a inúmeros contatos anteriores.
Grande parte da significação que êstes objetos têm agora procede
incontestàvelinente daquela fonte. Mas há uma grande distância entre êstes
fatos e a afirmação de que papéis, lápis, etc. não seriam unidades isoladas
sem aquêle conhecimento prèviamente adquirido. Como se prova que antes
que eu adquirisse êsse conhecimento, o campo visual não continha tais
unidades? Quando vejo uni objeto verde, posso imediatamente dizer o nome
da côr. Também sei que o verde é usado nos sinais luminosos e como
símbolo da esperança.

82

Disso, porém, não concluo que a côr verde, em si mesma, deriva de tais
conhecimentos. Ao contrário, sei que, como fato sensorial que existe
independentemente, o verde adquiriu significações secundárjas e estou
plenamente disposto a reconhecer as vantagens que têm, na vida prática,
essas significações adquiridas. Exatamente da mesma maneira, afirma a
Psicologia da Gestalt, as unidades sensoriais adquiriram nomes, tornaram-
se ricamente simbólicas e sabe-se agora que elas têm certos usos práticos,
embora existissem como unidades, antes que lhes fôssem ajuntados
quaisquer dêsses fatos posteriores. A Psicologia da Gestalt sustenta que é
precisamente o isolamento original dos conjuntos circunscritos que torna
possível para o mundo sensorial aparecer tão inteiramente impregnado de
sentido para o adulto, pois, em sua gradual penetração no mundo sensorial,
a significação segue as linhas traçadas pela organização natural;
habitualmente, penetra nos conjuntos isolados.

Se a explicação empírica fôsse correta, as entidades específicas seriam


isoladas no campo, apenas até o ponto em que representam objetos
conhecidos. Não é isso que se dá, de modo algum. Quando olho para um
canto escuro, ou quando caminho à noite através do nevoeiro,
freqüentemente encontro diante de mim algo desconhecido que se destaca
de seu ambiente como um objeto particular, embora ao mesmo tempo eu
me mostre inteiramente incapaz de dizer de que espécie de coisa se trata.
Sàmente depois, posso descobrir sua natureza nesse sentido. Na realidade,
tais coisas visuais permanecem às vêzes desconhecidas durante minutos.
Disso se conclui que meu conhecimento acêrca da significação prática das
coisas não pode ser responsável por sua existência como unidades visuais
destacadas. O mesmo argumento pode ser reformulado de forma mais
geral. Sempre que perguntamos a nós próprios ou aos outros o que será
uma coisa que vemos no sopé de um morro, à direita de uma árvore ou
entre duas casas, por exemplo, estamos indagando acêrca da significação
empírica ou do uso de um objeto avistado e demostramos, pela própria
pergunta, como um princípio que o isolamento das coisas visuais independe
do conhecimento e da significação.

No entanto, muita gente está tão arraigada às suas Convicções empíricas


que, em tal situação, sua explicação assumirá imediatamente outra forma.
"A entidade desconhecida que o senhor vê no nevoeiro

- dirá - parece algo distinto porque é mais escuro que o cinzento do nevoeiro
em tôrno. Em outras palavras: não há necessidade de ser presumido
qualquer conhecimento especial a respeito de grupos particulares de
sensações, sígnificando objetos específicos, O senhor parecerá subestimar
as extraordinárias realizações da aprendizagem, se restringir seus feitos a
casos específicos. Desde a mais tenra infância, conjuntos de sensações que
têm aproximadamente a mesma côr e diferem, sob êsse aspecto, do seu
ambiente, tendem a atuar como unidades, isto é, a se moverem e serem
movidos, aparecer e desaparcer ao mesmo tempo.

o que acontece com pedras, papéis, pratos, sapatos, com muitos

83

animais, com as fôlhas das plantas. Conjuntos de sensações


aproximadamente homogêneos mostram a tendência de corresponder a
objetos físicos, que atuam como unidades por motivos de ordem física.
Tratar- se-á apenas de um exemplo da conhecida capacidade de
generalização da memória se, como resultado de tais experiências,
considerarmos como unidades tôdas as áreas homogêneamente coloridas,
até que realmente parecemos vê-las como unidades. Não é de admirar,
portanto, que, no nevoeiro, por exemplo, uma área de tonalidade mais
escura seja encarada como algo individual, embora não possamos
reconhecer de que espécie de coisa em particular se trata".

Não considero satisfatória esta modificação da teoria. Em grandíssimo


número de casos, unidades são formadas e isoladas em circunstâncias a
que não se aplica a explicação. Tomemos, por exemplo, tôdas as unidades
visuais que consistem de partes separadas. Se, em uma noite clara,
olharmos para o céu, imediatamente distinguiremos algumas estrêlas como
se formassem grupos e como se fôssem unidades separadas de seu
ambiente. A constelação de Cassiopéía é um exemplo, a Ursa Maior é outro.
Há séculos, o homem tem considerado os mesmos grupos como unidades e,
presentemente, as crianças não precisam ser instruídas para perceber tais
unidades. Do mesmo modo, na Fig. 1, o leitor tem diante de si dois grupos
de manchas. Por que não simplesmente seis manchas? Ou dois outros
grupos? Ou três grupos de dois membros cada um? Ao olhar casualmente
para o desenho, qualquer pessoa vê dois grupos de três figuras cada um.
Que se dizer dos efeitos generalizados do aprendizado nestes exemplos?
Nenhum aprendizado anterior pode ter separado Cassiopéia das outras
estrêlas fixas em tôrno

0*

Fic. 1

dela. De acôrdo com a experiência quotidiana, tôdas as estrêlas fixas se


movem conjuntamente. De modo geral, ninguém pode afirmar que
aprendemos a considerar certo número de manchas semelhantes separadas
porque elas se movem juntas regularmente. Elas estão longe de fazer tal
coisa. Em cima de uma mesa, vejo cinco môscas que, da distância em que
me encontro, parecem cinco pontos prêtos. Imediatamente, êsses pontos
começam a se mover separadamente e em direções diferentes. O mesmo
acontece com três fôlhas amarelas que o vento levanta do chão, e o mesmo
se dá com três pedras semelhantes que minha mão impele uma após a
outra. Minha experiência geral é que, na maior parte das vêzes, os membros
semelhantes de um grupo são

móveis e se movem independentemente. Se, não obstante, em tais casos


grupos continuam a ser formados e isolados, isso acontece apesar de nosso
conhecimento anterior sôbre o verdadeiro comportamento de seus
membros.

Quando unidades distintas se reúnem em um grupo, a parte que a


igualdade (ou semelhança) representa na unificação não pode ser explicada
em função do aprendizado. O mesmo fator, porém, tem uma influência
unificaclora no caso de áreas contínuas, representem elas ou não objetos
conhecidos. Conseqüentemente, é inútil aplicar-se a explicação empírica a
essa formação de coisas homogêneas contínuas, pois a formação de grupos
prova que a igualdade favorece o agrupamento sem nenhuma influência do
conhecimento adquirido.

O agrupamento de entidades distintas representa um papel decisivo no


conhecido teste para o daltonismo. Colocam-se, em um campo retangular,
pontos a distâncias aproximadamente iguais uns dos Outros. Para a visão
normal, vários dêsses pontos formam um grupo e ficam, nesse grupo,
isolados do resto. Como o grupo tem a forma de um número, pode ser lido
sem dificuldade. Os pontos em questão têm aproximadamente o mesmo
matiz e diferem, a êsse respeito, dos outros. Ëste é o motivo de serem
reunidos em um grupo, cujo formato característico é imediatamente
reconhecido. No campo visual dos daltônicos, que não podem perceber
aquelas diferenças de matiz, não se pode formar, porém, grupo algum, de
modo que êles não podem ver e ler o número. Neste exemplo, a
familiarização com os números é a mesma, tanto para os sujeitos normais
como para os daltônicos. A flagrante diferença quanto ao agrupamento
deve, portanto, ser causada diretamente por determinadas diferenças
quanto ao conteúdo sensorial.
Os grupos que consistem de membros separados apresentam um interêsse
especial para a teoria, pois provam que uma determinada unidade pode ser
isolada e, ao mesmo tempo, pertencer a uma unidade maior. Em nosso
último exemplo, um ponto representa uma entidade destacada contínua. De
modo algum deixa de ser membro de um conjunto maior o número, que se
destaca de uma zona maior. Nada há de peculiar em tal subordinação de
unidade. Na Física, uma molécula constitui um conjunto funcional maior que
contém vários átomos como conjuntos subordinados. Funcionalmente, os
átomos pertencem à unidade-molécula, mas, nessa unidade, não perdem
inteiramente a sua individualidade.

Depois de observações ocasionais de outros, Wertheimer foi o primeiro a


reconhecer a importância fundamental do agrupamento espontâneo nos
campos sensoriais. Mostrou, também, através de muitos exemplos, os
princípios seguidos pelo agrupamento. A maior parte de suas ilustrações se
refere ao agrupamento de pontos e linhas separados, porque, quando são
usados tais modelos, em vez de objetos contínuos, as demonstrações estão
menos sujeitas a objeções em função do conheCimento prévio. Wertheimer,
porém, também salientou que os mesmos

85

84

princípios vigoram para a formação de outros conjuntos sensoriais. Não


conheço melhor explanação preliminar do assunto que a apresentada pelo
artigo de Wertheimer. 1 Alguns de seus princípios são fàcilmente
compreensíveis. Já foi examinado o que afirma que artigos iguais e
semelhantes têm a tendência de formar unidades e se separarem de artigos
menos semelhantes. Quando êsse princípio não se aplica, a proximidade
relativa é muitas vêzes decisiva. Em um de nossos exemplos (pág. 84)
foram formados dois grupos de três membros cada um, porque, entre as
seis manchas, algumas distâncias eram menores em comparação com as
outras. As manchas que eram separadas por distâncias relativamente
menores formavam unidades-grupos. Às vêzes, parece mais natural definir
um princípio de agrupamento não tanto em função de determinadas
condições, mas em função da direção que o agrupamento tende a tomar.
Como o físico está acostumado a dizer que a tensão superficial concorre
para reduzir a área das superfícies liquidas, dizemos que, no campo
sensorial, o agrupamento costuma estabelecer unidades de certos tipos, e
não de outros. Conjuntos simples e regulares, também áreas fechadas, são
formados mais rápida e geralmente que conjuntos irregulares e abertos. A
ordem dos campos sensoriais, nesse sentido, mostra acentuada predileção
por espécies particulares de organização, da mesma maneira que a
formação de moléculas e o expuxo das fôrças superficiais na Física atuam
em direções específicas.2

A natureza do agrupamento como um fato sensorial elementar foi


demonstrada de modo de todo convincente na experiência feita por Hertz
com certa espécie de ave (Garrulus glandarius). Certo número de pequenos
vasos de flôres foi colocado no chão, de cabeça para baixo. Permitiu-se que
a ave domesticada, pousada no galho de uma árvore, visse como o alimento
era colocado sob um dos vasos pelo experimentador. Pouco depois, ela
descia, levantava o vaso e pegava o alimento. Trata-se, naturalmente, de
simples forma de "reação retardada", estudada por Hunter há muito tempo.
Nas presentes experiências, contudo, a questão principal não foi tanto a
demora da reação como sua dependência de configurações particulares no
campo. A ave reagiu sem dificuldade, quando havia inicamente um vaso.
Quando, porém, havia mais de um, tudo dependia de se saber se o vaso
colocado sôbre o alimento era um membro da totalidade bem destacado e
especificamente caracterizado. Se era colocado em linha reta com os
outros, de maneira que, para a visão humana, ficasse absorvido como um
membro indiferente de tôda a série, a ave levantava um vaso após outro, ao
acaso. Isso acontecia, mesmo quando a distância entre os vasos era de
nada menos

1 Psychol. Forsch., 4, 1923.

2 Em uma forma da explicaçáo empírica, diz-se aue o aue aprendemos a


considerar corno um conjunto sempre se move como um todo. Wertheimer
salientou que, se algumas partes do campo começam a se mover ao mesmo
tempo e de maneira uniforme, tornam-se imediatamente uma unidade
móvel. Em outras palavras: se um "destino comum" determina de fato o
agrupamento sensorial, assim faz como fator da organizaçáo sensorial
primária e náo através de processos de aprendizagem.

3 ZeitsClrr. 1. vergi. Plrysial., 7, 1928.

de 25 centímetros. Quando, porém, como na visão humana, o vaso se


tornava algo de flagrantemente segregado do resto, o pássaro escolhia
imediatamente o objeto correto. Assim era, por exmplo, no caso da Fig. 2,
em que o vaso sôbre o alimento estava dez centímetros afastado da linha
reta formada pelos outros vasos. Aparentemente, na sua visão,

oooooccoco

Fic. 2

também essa linha reta constituía um todo compacto, do qual o vaso com o
alimento podia ser fàcilmente distinguido como uma coisa independente.
Mesmo na situação da Fig. 3, em que o objeto adequado

Fio.
00

ficava seis centímetros afastado do próximo, e êste, dois centímetros


distante do último vaso, o agrupamento se mostrava bastante claro para
permitir uma reação correta. No caso da Fig. 4, porém, em que

00

Fio. .

o objeto correto estava apenas a três centímetros do mais próximo, e êste, a


dois centímetros do último, a reação tornava-se uma questão de sorte. Em
via de regra, a ave se mostrava incapaz de identificar o vaso correto, a não
ser quando ajudada por um agrupamento bem

86

87

específico. Por outro lado, sempre que o agrupamento era inteiramente


claro à visão humana, a ave reagia pronta e corretamente, mesmo

quando o objeto correto estava em contato imediato com o vizinho mais


próximo. Na situação da Fig. 5, por exemplo, doze vasos foram dispostos em
forma de elipse e o vaso que escondia o alimento foi colocado junto de um
dos doze. No campo visual do experimentador, a situação aparecia como
um grupo compacto, ao qual um objeto isolado fôra acrescentado
externamente. Em tal situação, a ave escolhia imediatamente o objeto
correto. O exemplo é particularmente instrutivo por mostrar que as
distâncias individuais em si mesmas não constituem os fatôres decisivos. O
agrupamento de que resulta a disposição como um conjunto determina a
reação da ave. Pode-se ver no artigo de Hertz como conseguiu ela
demonstrar efeitos semelhantes pela aplicação de outros princípios, tais
como diferenças de tamanho ou de côr.

Se não estou enganado, estas experiências abrem um campo inteiramente


nôvo de pesquisas na psicologia animal. Em novas experimentações,
poderia tornar-se possível averiguar até que ponto as aves e outros animais
vêm entidades contínuas, quando tais coisas específicas aparecem no
campo visual do homem. Seria, naturalmente, difícil compreender o
comportamento da ave nas experiências de Hertz, se em seu campo visual
os vasos em si mesmos não fôssem unidades destacadas.

A natureza elementar dos conjuntos contínuos é demonstrada por


observações das primeiras reações dos adultos, cegos de nascença, que
passam a enxergar depois de uma operação. Os problemas que, em tais
casos, mais interessam aos oftalmologistas são os relativos à profundidade
visual e à semelhança original entre as formas na visão e as formas

no tacto. Os resultados têm sido estudados de várias maneiras, mas um


aspecto dos fatos observados não tem tido a atenção que merecia. Quando,
durante as primeiras experiências pós-operatórias, mostra-se ao paciente
um objeto que êle conhece pelo tacto em sua vida anterior, poucas vêzes dá
êle uma resposta satisfatória. Com pouquíssimas exceções, não reconhece
tais formas, quando as examina apenas com a visão. Ha ainda algo de muito
significativo em suas reações: quando interrogado a respeito "daquela
coisa" que tem diante dos olhos, compreende a pergunta. Evidentemente
tem diante de si uma entidade específica, à qual se refere a pergunta e que
êle procura identificar. Assim, se o objeto tem uma forma simples e
compacta, não precisa êle aprender que "agregados de sensações" deve
considerar como uma coisa. A organização visual elementar parece ser-lhe
conferida imediatamente.

No estudo de Wertheimer sôbre o agrupamento sensorial, o problema do


agrupamento também é examinado no caso de conjuntos de uma espécie
diferente. O tempo experimentado também tem certas características em
comum com o espaço experimentado, particularmente com a dimensão
espacial que é indicada pelas palavras "em frente" e "atrás". As palavras
que se referem às relações nessas dimensões são usadas como expressões
para relações temporais em tôdas as partes e em todos os idiomas.
Podemos ter algo "antes" ou "atrás" de nós, tanto na significação espacial
como na temporal; olhamos "para diante", tanto no espaço como no tempo;
e a morte se aproxima no tempo do mesmo modo que alguém se aproxima
no espaço. Do ponto de vista do isomorfismo, é admissível que haja um
parentesco correspondente entre o correlato fisiológico da dimensão
temporal e da dimensão espacial particular. Seja como fôr, "pontos"
temporais formam grupos temporais, do mesmo modo que pontos
apresentados simultâneamente formam grupos no espaço. Isso é válido
para o ouvido e o tacto, do mesmo modo que para a visão.

Pode-se mostrar fàcilmente que os fatôres de que depende o agrupamento


no tempo são quase os mesmos de que êle depende no espaço.
Suponhamos que eu dê três pancadas em minha mesa, com intervalos
curtos, e que, depois de esperar um segundo, torne a dar as três pancadas,
e assim por diante. As pessoas que ouvem essa seqüência de sons têm a
experiência de grupos no tempo. Do ponto de vista físico, todos êsses sons
são, naturalmente, fenômenos independentes. Têm quase tão pouca relação
entre si, como as estrêlas de Cassiopéia. Em outras palavras, não há
agrupamento na seqüência física. Também do ponto de vista puramente
lógico, outras formas de agrupamento são tão possíveis quanto a que é
realmente ouvida. Estas, porém, não ocorrem na experiência de um
observador que escuta em atitude passiva. Os grupos como realmente são
ouvidos constituem, assim, casos de organização psicológica e, de acôrdo
com a tese do isomorfismo, também de organização fisiológica. No exemplo
presente, o princípio atuante é

Fic. 5

88

89

o da proximidade do tempo, que é, naturalmente, bem análogo ao princípio


da proximidade no agrupamento espacial. Se os intervalos entre os sons se
tornassem iguais, poderiam ainda ser formados grupos logo que fôssem
introduzidas nas séries diferenças de intensidade ou qualidade,
especialmente se ocorressem através de repetição regular. Assim, a
igualdade representa na organização das seqüências temporais o mesmo
papel que representa em um campo visual estacionário.

No caso mais generalizado da organização sensorial, tanto o espaço como o


tempo participam de determinada experiência de agrupamento. Eis um
exemplo simples: em um aposento escuro, movemos uma pequena
lâmpada, que aparece como um ponto brilhante na escuridão em tôrno.
Suponhamos que êsse ponto se mova com uma velocidade constante, na
forma da Fig. 6. Em tais circunstâncias, um observador

imparcial descreverá o que vê como três figuras ou três movimentos


semelhantes (1, II, III). Talvez, depois, êle retifique o que disse e esclareça
que há sete movimentos (1, 1, 2, II, 3, III, 4). Não dirá, porém, que viu 53, 16
ou 29 movimentos. Ora, se considerarmos o número de estímulos que
entram em contacto sucessivamente com sua retina, como fenômenos
independentes, qualquer um dos números maiores é pelo menos tão correto
quanto sete ou três. Na sua experiência visual, porém, não há séries de
fatos mituamente independentes. O que o observador realmente vê
caracteriza-se pelos pequenos números três ou sete. Em outras palavras: o
movimento parece organizado de um modo específico. O mesmo se aplica a
experiências visuais como estas: "êle inclinou a cabeça duas vêzes" ou "êle
sacudiu a cabeça algumas vêzes". Além do fato dêsses movimentos terem
certas significações particulares, como fenômenos visuais, implicam uma
organização à qual se referem as expressões "duas vêzes" e "algumas
vêzes".

Parece-me conveniente, neste ponto, apresentar outra explicação indireta


de organização sugerida por alguns psicólogos, que se mostram inclinados a
acreditar que os movimentos patentes que fizemos ao reagir aos estímulos
são responsáveis pelos fatos em questão. Outros dirão que se trata de uma
experiência sensorial de tipo particular, isto é, a cinestesia, que ocorre
durante tais movimentos, dando-nos a impressão de inna organização
específica. Em vista de certas objeções

90
evidentes, acrescenta-se, às vêzes, que podem ser suficientes as simples
tendências de se mover, ou, como outra explicação, que a simples
reestruturação de experiências cinestésicas passadas pode dar a um campo
sua aparência organizada.

Em qualquer dos casos, quer sejam considerados decisivos ou movimentos


em si mesmos ou as experiências cinestésicas, é evidentemente importante
considerar como êsses fatôres devem estabelecer a organização em um
campo visual. Segundo minha opinião, ter-se-ia de presumir, no primeiro
caso, que nossos movimentos são organizados de acôrdo com a maneira
pela qual o campo visual parece estar organizado; e, no segundo caso, que
a mesma coisa se dá com nossas experiências cinestésicas. Qualquer que
possa ser o processo pelo qual se acredita que seja introduzida a
organização no campo visual, não pode êle ser introduzido sem existir com
antecedência na área em que se diz ter sua origem. Enquanto
considerarmos movimentos de seqüências de experiências cinestésicas
como séries de fenômenos momentâneos independentes, que meramente
seguem um ao outro, sua ocorrência jamais concorrerá para explicar o
isolamento de unidades e grupos visuais. Tomemos como exemplo o ponto
brilhante que se move no espaço escuro. Se dissermos que, neste caso, o
observador se refere a três ou sete movimentos, porque faz ou experimenta
três ou sete movimentos com os olhos, fica tàcitamente aceito como certo
que os movimentos dos olhos, ou as experiências de tais movimentos, são
organizados da mesma maneira em que o campo visual aparece organizado.
Se assim não fôsse, como poderiam tais movimentos introduzir no campo
visual três ou sete, em vez de 53 ou 29 unidades? Se não fôsse a
organização, êstes últimos números não seriam mais arbitrários que os
primeiros.

Tenho ouvido dizer que as observações da Psicologia da Gestalt não


constituem novidade e que já foram explicadas há muito tempo pelas
experiências cinestésicas que temos durante os movimentos dos olhos. Isso
dá a impressão de que uma simples alusão a experiências cinestésicas que
acompanham a visão pudesse ser aceita como uma explicação da
organização visual. Na realidade, em lugar de resolver o problema, a
referência aos movimentos dos olhos apenas o transfere de um lugar para
outro, uma vez que, daí por diante, o problema da unificação e do
isolamento deve ser resolvido no campo da experiência cinestésica.

Longe de mim a idéia de negar que existe o problema da organização no


campo do movimento e das experiências cinestésicas, do mesmo modo que
na visão. Ao contrário, estou convencido de que os fatos e fenômenos
nestes campos permanecerão de todo incomprensíveis, até ser aplicado o
presente ponto de vista. Por que motivo, porém, seriam os movimentos e a
cinestesia os únicos materiais capazes de ser organizados e que devem,
portanto, ser tratados em função da

91
1

ir

icr

FIG. 6

Psicologia da Gestalt? Se é possível a organização em um campo, por que


não o será em outros? No próximo capítulo voltaremos ao assunto.

Depois dessa discussão, o leitor não ficará surpreendido ao saber que lesões
graves no centro visual do cérebro produzem uma espécie de "cegueira" em
pessoas que, ao mesmo tempo, não estão, de modo algum, privadas da
visão. O exame cuidadoso de um caso dêsse gênero, feito por Gelb e
Goldstein revelou que o campo visual do paciente sofrera uma mudança
radical, tendo aquela organização desaparecido quase completamente. No
lugar em que fixava a atenção, o paciente era capaz de perceber uma
pequena fração de uma linha, por exemplo, mas não podia mais ver
conjuntos extensos com formatos nítidos. Uma observação particularmente
interessante é a de que êle, espontânea- mente, começara a confiar mais
na experiência motora do que na visão. Seguindo com movimentos de
cabeça as frações de contornos que lhe eram claras, conseguia êle criar
conjuntos motores e reconhecê-los. Se seu nome era escrito em um quadro
negro, seguia êle, dêsse modo, as primeiras letras e logo adivinhava o resto.
Era possível, porém, excluir êsse processo por um recurso muito simples.
Algumas linhas da mesma côr das letras eram traçadas sôbre o nome. Como
o paciente jamais vira o nome como um objeto apresentado
simultâneamente, não podia também vê-lo como uma coisa e as linhas que
atravessavam as letras como um desenho diferente. Em conseqüência,
seguia êle partes de uma letra e depois partes de uma linha, cortando a
letra indiscriminadamente. O resultado era que, nessas condições, não
podia ler o nome. A propósito: o exemplo mostra até que ponto a função
motora que acompanha a visão depende da organização visual. De um
modo geral, a organização é uma questão de amplas áreas do campo.
Quando apenas frações locais são organizadas até certo grau, torna-se
impossível o contrôle que a organização em uma área maior exerce
normalmente sôbre os movimentos dos olhos.

Mas por que as entidades que são formadas na organização visual


correspondem geralmente a objetos, no sentido prático da palavra? Haverá
uma misteriosa harmonia entre as leis da dinâmica sensorial e a maneira
pela qual as coisas físicas são formadas na natureza? Não há necessidade
de tal presunção, uma vez que existem tantas exceções à correspondência
de organização sensorial e fenômenos físicos. Vejamos todos os grupos de
membros separados, tais como as constelações do céu ou as manchas que
formam grupos-unidades (Fig. 1) ou, então, grupos ornamentais, cujas
partes são, naturalmente, em sua maioria, fisicamente independentes umas
das outras. Em inúmeros casos, a organização é um fato sensorial, quando
não há unidade física correspondente. Podem ocorrer não sàmente grupos,
mas também conjuntos sensoriais contínuos, na ausência de unidades
físicas correspondentes. Repetindo: algumas vêzes, vemos, à distância, um
objeto que, mais

4 Zeitsckr. f. Z. ges. Neurol. u. Psycliiatrie, 41, 1918.

tarde, quando dêle nos aproximamos, divide-se em uma coisa bem


conhecida e em partes de outros objetos. A princípio, essa coisa e partes de
seu meio ambiente ficaram unidas e isoladas, como uma entidade
desconhecida, O exemplo mostra, também, que, ocasionalmente, um objeto
físico de fato existente não tem correspondente no campo visual, porque
partes de sua superfície se combinaram com áreas situadas em tôrno dêle
que tinham as características adequadas à unificação. Os quebra-cabeças
que, há alguns anos, divertiam os leitores de revistas, constituíam exemplos
nesse sentido. Nas guerras modernas, tornou-se uma verdadeira arte fazer
desaparecer objetos tais como canhões, carros, barcos, etc., pintando sôbre
êles desenhos irregulares, cujas partes são susceptíveis de formar unidades
com partes de seu ambiente. Em tais casos, os próprios objetos deixam de
existir como entidades visuais e, em seu lugar, aparecem manchas sem
sentido, que não despertam a suspeita do inimigo, pois são produzidas
constantemente manchas pela acidental combinação de partes que se
confundem, por exemplo, devido à sua semelhança.

Não é difícil, por outro lado, explicar porque unidades visuais mostram pelo
menos a tendência de corresponder a objetos físicos. As coisas que existem
em tôrno de nós, ou foram feitas pelo homem, ou são produtos da natureza.
Os objetos do primeiro tipo são fabricados para as nossas necessidades
práticas. Naturalmente, nós lhes damos formas e superfícies que os tornam
susceptíveis de serem vistos e reconhecidos como unidades. Para que isso
aconteça, não se torna necessário que os princípios da organização
sensorial sejam explicitamente conhecidos pelos artifices. Sem tal
conhecimento, êles submetem o trabalho àqueles princípios. Como
conseqüência, os objetos que êles constróern aparecem, geralmente, como
unidades visuais isoladas. Além disso, não é de modo algum fácil produzir
um objeto um tanto compacto que, em um ambiente simples, não satisfaça
as condições gerais do isolamento. A camuflagem é urna arte difícil.

A situação não é muito diferente no que diz respeito aos objetos produzidos
pela natureza. Há uma condição que é satisfeita por muitas coisas naturais:
dentro da área de tal coisa as propriedades superficiais tâm a tendência de
ser mais ou menos da mesma espécie, ao passo que as propriedades
superficiais das áreas adjacentes são, em sua maior parte, de espécie
diferente. A diferença é devida ao fato de que a origem comum das partes
de um objeto tem probabilidade de dar-lhes características superficiais
comuns. Via de regra, estas características não são exatamente repetidas
nas superfícies adjacentes, que têm urna origem diferente, Dêsse modo, é
assegurada, no caso da maioria dos objetos, urna condição de isolamento
visual. Mesmo se urna pedra estiver meia enterrada na areia, que consiste
de porções diminutas da mesma espécie de pedra, a diferença de coesão e,
portanto, de pormenores visuais, entre os elementos superficiais da pedra e
os da areia será, na maioria dos casos, suficiente para tornar a pedra

92

93

uma unidade visual isolada. Ao longo do limite entre um objeto natural e


seu ambiente predomina, geralmente, uma certa discontinuidade de
propriedades. Essa discontinuidade separa o ambiente do interior do objeto
por um contôrno fechado. Como tal discontinuidade é suficiente para fazer
qualquer área aparecer como entidade isolada, também deve ter êsse efeito
quando o limite é o de um objeto físico. Sem tal discontinuidade, não há,
naturalmente, razão para que ocorra isolamento. Isto, porém, não constitui
objeção ao nosso raciocínio. Ë virtualmente impossível encontrar objetos
que deixem de satisfazer qualquer das condições da segregação sensorial e
sejam vistos, no entanto, como entidades específicas. A experiência mostra
que, sempre que as condições de organização atuam estritamente contra a
formação de certa unidade visual, esta unidade não será espontâneamente
vista, ainda se fôr bem conhecida por si mesma, e apenas camuflada por
circunstâncias especiais do momento. Em estudo mais minucioso dêste
problema, a profundidade visual e o isolamento das coisas em três
dimensões teriam de representar um papel importante. Por enquanto,
porém, basta-nos mencionar êste tópico, porque no campo da percepção
profunda, tanto a experimentação quanto a teoria ainda se encontram em
estado relativamente primitivo.

Nos parágrafos anteriores, insisti, de certo modo, sôbre o fato de que a


organização sensorial constitui uma realização característica do sistema
nervoso. Tornou-se necessário ressaltar tal coisa porque certos autores
parecem pensar que, de acôrdo com a Psicologia da Gestalt, as "Gestalten",
isto é, entidades isoladas, existem fora do organismo e limitam-se a
estender-se ou projetar-se no sistema nervoso. Êste ponto de vista, deve
ficar bem claro, é inteiramente errôneo.

Uma vez bem esclarecido êste ponto, contudo, podemos, naturalmente,


indagar até onde a organização sensorial tem valor objetivo embora seja
uma realização do sistema nervoso. Entre os objetos físicos que estão em
tôrno de nós e nossos olhos, as ondas luminosas constituem o único meio
de comunicação. Não há organização entre êstes estímulos; a formação de
unidades específicas ocorre na função neural. Apesar disso, sob alguns
aspectos os resultados da organização podem- nos revelar mais acêrca do
mundo que nos rodeia do que as ondas de luz podem fazê-lo. Nem sempre
aprendemos tanto mais a respeito de um objeto quanto mais próximo
estejamos dêle. Assim, por exemplo, quando se coloca uma lente entre um
objeto brilhante e uma tela, a imagem do objeto na tela não assume o
estado ótimo de seu brilho, quando a tela é colocada tão perto quanto
possível da lente (e, portanto, do objeto). A certa distância, a projeção nos
revela mais coisas

5 Um capitulo de Die phpsischen Gestalten in Rulie un4 Im stationaren


Zustand. tem o titulo: "Denn was innen, das lst aussen". Talvez estas
palavras de Goethe tenha produzido o mal-entendido, O título refere-se à
tese do isomorfismO psicológico, isto é. à semelhança entre a experiência
sensorial e os processos fisiológicos que a acompanham. Não pode ser
aplicado às relações entre tais processos e o ambiente físico.

acêrca do objeto do que mais perto. Do mesmo modo, a organização


sensorial pode apresentar-nos uma imagem mais correta do mundo do que
o fazem as ondas luminosas, embora estas ondas sejam as únicas
mensagens que nos vêm dos objetos, e embora a organização sensorial
sàmente ocorra após a chegada das ondas.

As ondas luminosas, repito, não contêm, em si mesmas, a menor indicação


do fato de serem algumas refletidas por partes de um objeto físico e outras
pelos objetos colocados em tôrno dêle. Cada elemento de uma superfície
física reflete a luz independentemente, e, a êsse respeito, dois elementos da
superfície de um objeto, tais como, por exemplo, um carneiro, não estão
mais relacionados um com o outro do que um dêles com um elemento
superficial das proximidades do animal. Assim, na luz refletida, não é
deixado traço das unidades que realmente existem no mundo físico. Na
realidade, as propriedades refrativas de nossos olhos fazem as ondas que
vêm de um determinado ponto do mundo externo convergir para um ponto
único da retina. Além disso, as relações geométricas entre os vários pontos
da superfície de um objeto são, em grande parte, repetidas na projeção
retiniana. Ao mesmo tempo, porém, cada estímulo local atua
independentemente. Em conseqüência, no que diz respeito ao estímulo
retiniano, não há organização, nem isolamento de unidades ou grupos
específicos. Isto é verdade, apesar do fato de, na retina, um objeto co,itínuo,
tal como o carneiro, ser representado por uma área igualmente contínua, a
imagem do carneiro, pois, em função do estímulo, os elementos desta zona
são funcionalmente tão independentes um do outro quanto é um elemento
situado fora da imagem. Em Psicologia, somos freqüentemente advertidos
contra o êrro do estímulo, isto é, contra o perigo de confundirmos nosso
conhecimento acêrca das condições físicas da experiência sensorial com
essa experiência em si mesma. Há, na minha opinião, outro êrro igualmente
funesto, para o qual sugiro o nome de êrro de experiência. Êste êrro ocorre
quando certas características da experiência sensorial são inadvertidamente
atribuídas ao mosaico dos estímulos. Naturalmente, o engano é mais
freqüente no caso de fatos sensoriais muito comuns, em função dos quais
nos mostramos inclinados a raciocinar sôbre quase tudo, e é mais
persistente enquanto qualquer problema abrangido por êstes fatos
permanecer de todo irreconhecível. Os fisiologistas e psicólogos costumam
referir-se ao processo retiniano que corresponde a um objeto, embora o
estímulo no interior da zona retiniana do objeto constitua uma unidade
isolada. No entanto, êsses cientistas não podem deixar de compreender que
os estímulos formam um mosaico de fenômenos locais inteiramente
independentes.

Logo que isto é plenamente reconhecido, torna-se aparente o enorme valor


biológico da organizaão sensorial. Vimos que essa organização tem a
tendência de apresentar resultados que estão de acôrdo com as entidades
do mundo físico, tais como se acham presentes na ocasião; em outras
palavras: aquela "identidade de classe" na experiência sen 94

95

sorial combina com a "existência da unidade" no sentido físico, e o


isolamento no campo sensorial com a separação do ponto de vista da Física.
Assim, em inúmeros exemplos, organização sensorial significa reconstrução
dos aspectos de situações físicas perdidos nas mensagens ondulatórias que
penetram na retina. É bem verdade que a organização freqüentemente
forma conjuntos contínuos e grupos de membros separados, quando não
existem unidades físicas correspondentes. Quando, porém, postos em
contraste com o grande número de casos em que a organização apresenta
um quadro de fatos objetivos, essa desvantagem será, com razão,
considerada como desprezível. Se o campo sensorial consistisse de
partículas sensoriais mútuamente independentes, seria uma tarefa difícil
para o homem orientar-se em tal ambiente. Partindo-se dêste ponto de
vista, não seria exagêro dizer-se que a organização sensorial é,
biolàgicamente, muito mais importante do que as qualidades sensoríaís
particulares que aparecem nos campos visuais. As pessoas daltônicas são
perfeitamente capazes, de um modo geral, de se haver com o ambiente,
embora sua experiência visual tenha menos matizes do que a de outras
pessoas. No que diz respeito a semelhanças e diferenças pràticamente
importantes entre os estímulos, seu defeito não constitui um empecilho
muito sério. As diferenças de matiz são, habitualmente, acompanhadas de
diferenças de brilho; em via de regra, as últimas são suficientes para
estabelecer a organização do campo de que depende principalmente nosso
comportamento.

A organização não é menos importante para a observação científica do que


o é para a vida prática. No capítulo 1, vimos que a experiência sensorial do
físico constitui uma única matéria-prima. Podemos, agora, acrescentar que
essa experiência lhe é importante principalmente no que diz respeito à
amplitude de sua organízação. O sistema investigado pelo físico, seus
aparelhos, sua escala, o ponteiro, etc. constituem, sem exceção, entidades
isoladas em seu campo visual. Se não lhes fôssem oferecidas, como tais,
coisas específicas, seriam de todo impossíveis as pesquisas na Física.
Quando os partidários do behaviorismo nos aconselham a partir das ciências
naturais, esquecem-se sempre de mencionar êsse aspecto do "método
objetivo". É injustificável. Mesmo se ignorarmos a experiência visual e
considerarmos a observação física como uma série de fenômenos
puramente fisiológicos do físico, temos de reconhecer que êsses fenômenos
são organizados e que as pesquisas sômente se tornam possíveis devido à
sua organização.

Agora será fácil, também, compreender porque a fórmula estímulo- reação,


que se mostra a princípio tão atraente, é, na realidade, de todo enganosa.
De fato, ela até agora sàmente pareceu aceitável porque o behavíorismo
emprega a palavra "estímulo" de maneira imprecisa. Nos capítulos 3 e 4,
vimos que, quando a expressão é tomada em seu sentido rigoroso, não é
geralmente "um estímulo" que provoca uma reação. Na visão, por exemplo,
a tendência do organismo é no sentido de reagir a milhões de estímulos
imediatamente, e a primeira fase dessa reação é

a organização dentro de um campo adequadamente amplo. Em muitos


casos, começam bem cedo as reações sôbre ds órgãos motores, porém
muitas vêzes mesmo a primeira dessas reações depende da organização do
campo, quando êste surge oportunamente. Vejamos, como exemplo, os
movimentos dos olhos. As leis dos movimentos oculares, visual- mente
determinados, referem-se aos limites das entidades isoladas, à localização
dessas entidades no campo, etc. Além dos movimentos oculares, as ações
de um homem são habitualmente relacionados com um campo bem
estruturado, na maior parte das vêzes a unidades-coisas particulares. A
forma psicológica correta é a seguinte, portanto: modêlo de estímulo -
organização - reação aos produtos da organização. Estas operações do
sistema nervoso de modo algum se restringem a processos primitivos
locais; não se trata de uma caixa em que sejam ajuntados de algum modo
condutores com funções separadas. Reagem à situação, primeiro por
fenômnos sensoriais dinâmicos que lhes são peculiares, como sistema, isto
é, pela organização, e depois pelo comportamento que depende dos
resultados da organização. Suponhamos que, em determinada parte de uma
fábrica, seja produzido, por meio de seus elementos, o HNO3 e que, em
outra parte da fábrica, o ácido seja empregado para dissolver prata; seria
lícito dizer que a prata reage ao nitrogênio, hidrogênio e oxigênio?
Certamente tal afirmação seria inteiramente errada, pois o que sucede com
a prata depende da organização química do ácido e não pode ser
considerada como reação àqueles elementos ou à sua soma. Do mesmo
modo, não devemos falar do comportamento como se fôsse uma reação a
"um estímulo" ou a "alguns estímulos". A última expressão é, também, pelo
menos ambígua, porque pode significar que o comportamento em questão
resulta de vários estímulos que atuam ao mesmo tempo e
independentemente

Certa vez, procurei convencer um adepto do behaviorismo de que, quando,


falando a respeito de uma ave macho, referia-se à fêmea como "um
estímulo", ignorava êle os problemas e fatos da organização. Todos os meus
esforços foram inúteis. Embora (ou porque) êle considerasse a experiência
sensorial como algo destituído de qualquer interêsse para a Psicologia,
cometia o êrro de experiência de maneira tão persistente que não podia
perceber porque a fêmea não devia ser chamada de "um estímulo". Quantas
vêzes "um rato", "uma porta", "o experimentador", etc, são chamados de
"estímulos"! A expressão pode ser inofensiva quando é usada como
abreviação por aquêles que se acham perfeitamente conscientes do
problema de organização. Quando, porém, autores que ainda não
aprenderam a evitar o êrro de experiência usam o mesmo têrmo, as
conseqüências poderão ser nefastas. Tais pessoas poderão ignorar para
sempre o que se entende por organização.

Salientei há pouco que, estabelecendo suas entidades específicas com seus


limites, a organização sensorial é levada a produzir resultados que estão de
acôrdo com a verdadeira disposiç0 da situação física

97

determinada. Como pode isso acontecer se as ondas luminosas colocadas


entre os objetos físicos e os olhos são fenômenos reciprocamente
independentes? Ë claro que, na transmissão da luz, deve ser preservada
alguma coisa que contribui, no conjunto, para a organização adequada.
Embora os estímulos locais sejam mituamente independentes, êles
apresentam relações formais tais como as de proximidade e semelhança. A
êsse respeito, os estímulos copiam relações formais correspondentes, entre
os elementos superficiais dos objetos físicos. Essas relações formais nos
objetos físicos são preservadas como relações correspondentes entre os
estímulos e, como a organização depende dos últimos, também deve
depender dos primeiros.

O fato de a organização depender de relações entre os estímulos locais


deixa bem claro que a organização sensorial não pode ser compreendida em
função dos processos locais em si mesmos. Fatos locais independentes são
inteiramente indiferentes a quaisquer relações formais que possam ser
obtidas entre êles. Por outro lado, não temos dificuldade em compreender o
papel que tais relações desempenham na organização, se presumimos que
a organização de campos sensoriais exibe a auto- distribuição de processos
em áreas correspondentes do cérebro. A auto- distribuição dinâmica
manifesta-se pela interação entre os fenômenos locais, mas já vimos que
em tôdas as partes da Física as interações dependem das "condições-em-
relação" tais como são dadas nas várias partes de um sistema (c/. cap. III).
Como o mesmo se dá com as organizações visuais, temos todo motivo para
acreditar que a organização resulta da autodistribuição de certos processos
no setor visual do cérebro. Na realidade, um estudo cuidadoso da
organização pode, mais cedo ou mais tarde, revelar-nos bem
especificamente que processos físicos se distribuem no córtex visual.

Alguns críticos afirmam que a Psicologia da Gestalt repete a palavra


"conjunto" (Whole) constantemente, que despreza a existência das partes
dos conjuntos e que não mostra respeito pelo mais útil dos processos
científicos, que é a análise. Nenhuma afirmação pode ser mais falsa.
Quando nos referimos à organização, verificamos ser necessário referir-nos
ao isolamento, como à unificação. Também na Física a inter-relação dentro
de um campo é perfeitamente compatível com o isolamento relativo.
Lembramos como o óleo colocado sôbre outro liquido mantém sua
existência como unidade, embora na superfície comum sejam intensas as
inter-relações dinâmicas. Em Psicologia, podemos chegar até o ponto de
afirmar que uma das principais tarefas da Psicologia da Gestalt consiste em
indicar as partes dos todos legítimas e não fictícias. Tôdas as coisas visuais
são partes legítimas dos campos em que ocorrem, e a maior parte das
coisas tem também partes subordinadas. Os próprios princípios de
organização dizem respeito ao isolamento de tais partes tanto quanto ao
seu caráter unitário. A análise em função de partes legítimas é um processo
perfeitamente lícito e necessário na Psicologia da Gestalt. Naturalmente,
também é mais

fecunda do que qualquer análise de sensações locais que, em si mesmas,


não são certamente partes legítimas de situações visuais.

Cabe aqui uma observação a respeito de outra espécie de análise. Posso


aceitar e descrever um campo sensorial precisamente como o encontro
diante de mim. Tal descrição abrange a análise no sentido que acabei de
definir. Posso, contudo, adotar uma atitude especial com referência ao
campo, de modo que uma parte de seu conteúdo seja salientada, ao passo
que outras sejam mais ou menos suprimidas. Às vêzes, tal atitude dá
origem a uma mudança de organização. De acôrdo com a Psicologia da
Gestalt, uma análise dessa natureza corresponde a uma verdadeira
transformação de determinados fatos sensoriais em outros (cf. Capítulo 4).
Uma atitude analítica não é a única pela qual pode produzir-se uma
mudança de organização. Enquanto pomos em evidência certos membros
de um campo, podemos intencionalmente mantê-los juntos e favorecer,
assim, uma espécie particular de unificação. Qualquer mudança de
organização que seja produzida dêsse modo, constitui também uma real
transformação de fatos sensoriajs.

De acôrdo com a Psicologia da Gestalt, tal atitude do sujeito está associada


a uma pressão a que estão sujeitos os processos do campo sensorial. Até
certo ponto, a organização do campo pode curvar-se a essa pressão. A Fig.
7, por exemplo, é vista normalmente como uma

forma simétrica. Pondo em evidência as linhas marcadas "a" e mantendo-as


juntas, podemos, contudo, durante momentos, ver a Fig. 7a, ficando mais ou
menos ignoradas as linhas assinaladas com "b". Pela mesma forma pode-se
dar preferência às linhas assinaladas com a letra

e assim isolar a Fig. 7b. Essas mudanças, que realmente influen Pia

98
ciam a situação sensorial, tornam-se particularmente aperentes se fôr
considerado o ponto que é o centro objetivo da Fig. 7. Quando as linhas "a"
são favorecidas, de maneira que resulte a Fig. 7a, o ponto é deslocado para
a direita, como também o é, naturalmente, quando as linhas assinaladas
com "b" não são desenhadas, O ponto desloca-se para a esquerda, quando
destacamos a Fig 7b.

FIG. 7h

Em alguns casos, a organização sensorial parece mudar espontânea. mente,


isto é, na ausência de qualquer influência externa, simplesmente porque os
processos que impregnam determinadas partes do sistema nervoso por
algum tempo, são susceptíveis de alterar a condição do tecido em questão.
Sabemos que o mesmo acontece em células eletrolíticas, nas quais a
corrente polariza os elétrodos e, em conseqüência, estabelece fôrças
opostas à sua própria continuação. A Fig. 8

a organização torna-se quase tão estável quanto era a princípio. Ëste fato
pode ser considerado como prova para se presumir que os processos
organizados realmente alteram as condições de seu próprio meio e que êste
fato é responsável pela inversão,6

8 Depois de escritas estas palavras ficou demonstrado que oa fatos aqui


cU8cuti. dos são muito mais importantes do que se julgava naquela ocasião.
O exame prolongado de qualquer objeto Visual especial leva é mudança de
sua organização Além disso, outros objetos que são depois mostrados na
mesma região do campo também são afetados, isto é, deslocados ou
deformados Cf. J. J. Gibson, J. of Exper. Psycjoj,, 16, 1933; W. Khler Dynamjcs
in Psycliology 1940; também w. Kiihler e H. Wallach, 'Tigural After.Effects An
Investigation of Visual Process". Proc. Ame,', Phi1o. Soe., 83, 1944,

BIBLIOGRAFIA

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W. Kõh1er "Komplextheorje und Gestalttheorie" Psychol, Forsch., 6, 1925.

W. Kõhler: Die phy8jschen Ge8talten in Ruhe und im 8tatjonüren Zus. tand,


1920.

W. Kôhler: iii Psijchologjes of 1925 (Ed. por C. Murchison).

M. Werthejmer: "Untersuchungen zur Lehre von der Gestalt, II". Py. chol.
Forshch. 4, 1923.

mostra um objeto formado por três estreitos setores. Depois, porém, de


olhar fixamente o centro da figura durante algum tempo, a maior parte das
pessoas verá outro desenho. Então, as linhas que, no primeiro objeto, são
comuns como limites de um estreito setor, são separadas e tornam-se os
limites de setores maiores. Sem dúvida alguma, a organização do modêlo
alterou-se, e tende a alterar-se de nôvo, quando o sujeito olhar primeiro os
setores estreitos, depois os largos, alterna. damente. Se o sujeito olhar
fixamente o centro durante bastante tempo, o ritmo das alterações
aumenta, pouco a pouco. Mas, se, então, o modêlo fôr girado no espaço, de
maneira que os setores ocupem novas posições,

100

FXG. 8

101

Capítulo 6

Características das Entidades Organizadas

uando surgiu o problema da Gestalt, ninguém poderia prever que, no


futuro, ficaria êle estreitamente relacionado com o conceito da
autodistribuição dinâmica, e os fenômenos da organização sensorial não
passaram a ocupar de pronto a posição central que ora ocupam. O
verdadeiro ponto de partida foi a observação de que os campos sensoriais
apresentam características que são genèricamente diferentes das
sensações da teoria tradicional. Foi Christian von Ehrenfels que, precedido
por uma observação de Ernst Mach, chamou a atenção dos psicólogos para
o fato de que talvez os mais importantes dados qualitativos dos campos
sensoriais tinham sido inteiramente desprezados pela análise costumeira.

Ao passo que se supõe que a sensação ocupe seu lugar no campo


independentemente, isto é, determinada apenas pelo estímulo local, o que
há de curioso nas qualidades que Ehrenfels introduziu na Psicologia
científica é sua relação com conjuntos de estímulos. Coisa alguma que lhes
seja semelhante jamais é ocasionada por estímulos estritamente locais per
se; ao contrário, a "conjunção" de vários estímulos é a condição dêsses
efeitos específicos em um campo sensorial.

Como exemplo, podemos apresentar um copo de água em que tenha sido


dissolvido sabão. A aparência de tal liquido em alemão é chamado "trübe"
que, em inglês, significa algo como "dim" (escuro) ou "turbid" (turvo). No
entanto, se isolarmos um pequeno ponto da situação visual, olhando
através de um pequeno orifício em um anteparo, o conjunto ficará repleto
de certo matiz de cinzento (que poderá ter uma coloração azulada ou
avermelhada); a qualidade de "escuro" ou "turvo" desaparecerá. Esta
característica ocorre apenas como propriedade de uma

área mais ampla; depende de algo mais que estímulo local. O mesmo
acontece com o tom escuro ou indistinção que aparece como uma qualidade
das coisas vistas em um canto escuro. Também aí nenhuma impressão local,
examinada separadamente, apresenta indistinção, mas algumas áreas
extensas apresentam. A "claridade" e a "nitidez" como atributos de um
campo têm o mesmo caráter transiocal. Também podemos mencionar a
característica tactil de uma superfície que é chamada "áspera" (em alemão
"rauh"). Não há o caráter de aspereza em uma experiência puramente local
do tacto.

As qualidades peculiares de Ehrenfels ocorrem em extensão temporal, da


mesma maneira que no espaço. A palavra alemã "rauh", por exemplo, é
usada tão prontamente com referência a certos fenômenos auditivos quanto
para "superfícies" ásperas no campo do tacto. Quando ouvimos pancadas
bastante rápidas ou o "R" da fala humana, experimentamos essa
característica auditiva. Naturalmente, como isto depende de pancadas,
deve desaparecer, e desaparece, quando o estímulo é encurtado abaixo de
certo limite. Expressões como "homogêneo" e "contínuo" também se
referem, naturalmente, tanto a atributos de áreas estendidos no espaço
como de períodos de tempo.

De um ponto de vista funcional, estas observações não são tão


surpreendentes quanto se mostraram por ocasião da descoberta de
Ehrenfels. Não precisaremos considerar suas qualidades para saber que a
análise em uma forma extrema tornará, mais cedo ou mais tarde,
impossível a compreensão de certos fatos: os processos que constituem a
base de nossa experiência de uma côr são, provàvelmente, reações
químicas em que são formadas certas moléculas e destruídas outras. Ora, o
químico pode analisar tais reações, mas existe um limite natural a êsse
processo, porque deve ser incluído pelo menos um espécime, o intacto de
cada átomo ou molécula que toma parte em uma determinada reação e
também o fenômeno dinâmico total que participa da interação. Além dêsse
limite, o conceito "esta reação específica" perde sua significação,
partjcularmente na teoria psicofísica, onde as côres estão relacionadas com
reações. Somos, portanto, compelidos a reconhecer a ocorrência de
realidades dinâmicas um tanto amplas, que seriam destruidas se a análise
fôsse muito longe. Se assim é na Química, não pode surpreender- nos o
mesmo fato, quando o enfrentamos em um campo sensorial.

As qualidades de Ehrenfels, que correspondem a fenômenos dinâmicos mais


amplos que a côr, originam-se na mesma ocasião em que a côr se origina.
Estamos presumindo que aquelas qualidades e os atributos sensoriais
comuns são, do ponto de vista fisiológico, aspectos do mesmo processo-em-
distribuição total. Teria constituído uma façanha sôbre-humana se Ehrenfels
tivesse chegado até o ponto de dar, dêsse modo, às suas novas
características a mesma posição que têm as qualidades sensoriais comuns.
Para êle, suas qualidades representavam experiências que eram
acrescentadas às "sensações", quando estas surgiram. Na escola de Graz
(von Meinong, Witasek, Benussi), discutiu-se

103

102

muito, na ocasião, o fuadierte Inhalte, concepção que implica não apenas


prioridade das sensações em comparação com as características de
Ehrenfels, como também uma produção destas últimas por meio de
processos intelectuais. Evidentemente, mesmo aquêles que se mostravam
particularmente interessados pelo assunto tiveram, de pronto, enorme
dificuldade em reconhecer desde logo suas consequências radicais para a
teoria psicológica.

Em sua maior parte, as qualidades de Ehrenfels são características de


entidades isoladas no sentido em que esta expressão foi usada no capítulo
anterior. "Simples", "complicado", "regular", "harmonioso" são palavras que
invariàvelmente se referem a produtos de organização. Quando chamamos
algo de "simétrico", êste algo é, certamente, um objeto isolado. Do mesmo
modo, "esguio", "redondo", "angular", "desajeitado", "gracioso" são
propriedades específicas de coisas ou fenômenos prolongados. Dêstes
exemplos há apenas um passo para qualidades de forma mais particulares,
como as que são dadas na aparência característica de um círculo, um
triângulo, uma pêra, um carvalho, etc. Também estas qualidades só ocorrem
como atributos de entidades específicas. Em alemão, a palavra "Gestalt" é
usada muitas vêzes como sinônimo de forma ou feitio. Ehrenfels, achando o
caso da forma a mais importante e evidente entre as suas qualidades,
empregou o nome "Gestaltqualitãten" para tôdas elas. Em conseqüência
disso, estão incluídas não apenas as formas específicas de objetos e figuras,
mas também qualidades tais como "regular". Além disso, repito, há também
qualidades de Ehrenfels temporais. A definição geral desta expressão,
aplica-se às propriedades específicas de melodia, por exemplo, a seu
caráter "maior" ou "menor", da mesma maneira que se aplica à
"angulosidade" de uma figura. Movimentos como fatos visuais têm
Gestaltqualitâten que são temporais e espaciais ao mesmo tempo. Podem
servir de exemplo formas de dança e movimentos característicos de
animais, tais como "pular" e "rastejar".

Neste ponto, cabe uma observação geral acêrca da terminologia. Para


Ehrenfels as novas características eram em si mesmas objetos de grande
interêsse. Éle não reconheceu a significação muito mais geral da
organização, ou o fato de que, pela maior parte, são os produtos de
organização que apresentam os melhores exemplos de Gestaltqulitdten
como seus atributos. Ora, na língua alemã - pelo menos desde o tempo de
Goethe - o substantivo "Gestalt" tem dois significados: além do sentido de
forma ou feitio como atributo das coisas, tem a significação de uma unidade
concreta per se, que tem, ou pode ter, uma forma como uma de suas
características. Do tempo de Ehrenfels para cá, a importância atribuída às
qualidades por Ehrenfels passou aos fatos de organização e, assim, ao
problema das entidades específicas nos campos sensoriais. Em
conseqüência, quando nos referimos à Psicologia da Gestalt, a significação
que atribuímos à palavra Gestalt é a que se refere a um objeto específico e
à organização, e o problema dos atri104

butos da Gestalt tornou-se um problema especial entre os muitos de que os


psicólogos da escola têm de tratar. A esperança dêsses psicólogos é que os
conceitos funcionais que êles aplicam à organização sensorial também
sejam úteis no tratamento teórico das qualidades de Ehrenfels. Tornou-se,
assim, evidente que a adoção de um tipo particular de processo constitui,
presentemente, a principal preocupação da Psicologia da Gestalt. Os
estudiosos que desejem familiarizar-se com essa forma de psicologia terão
de concentrar a atenção em fenômenos ampliados que se distribuem e se
regulam como conjuntos funcionais. É fácil deduzir que tais processos terão
certas características que sômente possuirão como estados ampliados e
que o mesmo prevalece para suas partes. Tais características, presume-se,
são correspondentes fisiológicos das qualidades de Ehrenfels.

Partindo-se dêste ponto de vista, mesmo o isolamento de entidades


específicas nos campos sensariais aparece como um exemplo único, embora
certamente de grande importância, entre as várias questões que constituem
o assunto objetivo da Psicologia da Gestalt. De fato, o conceito "Gestalt"
pode ser aplicado muito além da experiência sensorial.

De acôrdo com a definição funcional mais geral da expressão, os processos


de aprendizagem, de reestruturação, de esfôrço, de atitude emocional, de
raciocínio, atuação, etc. podem ter de ser incluídos. Isto torna ainda mais
claro que "Gestalt" no sentido de forma já não é o centro da atenção da
Psicologia da Qestalt. Realmente, para alguns dos fatos pelos quais os
psicólogos se mostram interessados, a expressão "Gestalt" com significação
de forma não se aplica de modo algum. Deixando-se de lado a Psicologia, os
progressos que ocorrem na ontogenia e em certas outras partes da Biologia
provàvelmente terão de ser tratados do mesmo modo. É importante
compreender-se que esta perspectiva ampla não implica imprecisão. Se os
conceitos da teoria mecanicista prevaleceram por tanto tempo sem um
escrutínio adequado, não se pode objetar contra uma discussão dos
princípios da distribuição e regulação dinâmicas em geral. De modo algum
se acrêdita, porém, que qualquer um daqueles problemas mais amplos
possa realmente ser resolvido pela mera aplicação de princípios gerais. Ao
contrário, sempre que os princípios parecem aplicáveis, está apenas
começando a tarefa concreta de pesquisa, pois é necessário conhecer
precisamente de que maneira os processos se distribuem e se regulam em
todos os exemplos especfficos7

Se mesmo no tratamento de campos sensoriais continua a ser tarefa para o


futuro uma solução real de nossos problemas, pelo menos os primeiros
passos podem ser dados sem demora. A êsse respeito, como aliás em
qualquer outro caso, devemos, antes de mais nada,

7 Kahler, "Gestaiprobleme und Anfãnge elner Gestalttheorle". Jaliresber. . d.


ges. Phy. herausg. von Rona, 1924.

105

saber exatamente quais são as questões essenciais. Ora, ninguém deixa de


perceber, por exemplo, que a profundidade visual, tal como é determinada
pelas condições das duas retinas, oferece um problema fascinante. Parece
muito mais difícil, porém, perceber o verdadeiro problema no caso da forma
como característica de entidades isoladas. A razão é a mesma que a do
caso dessas próprias entidades visuais (cf. pág. 95) Repetindo: quando
consideramos o estímulo retiniano, nosso raciocínio atua com o conceito de
imagens, com a implicação de que uma imagem é uma unidade particular
que tem uma forma, no sentido em que objetos percebidos têm formas.
Muitos diriam, assim, que a forma de um lápis ou de um círculo é projetada
sôbre a retina. Sem dúvida alguma, quando falamos sem cautela, essas
palavras contêm o êrro de experiência. No mosaico de todos os estímulos
retinianos, as áreas particulares que correspondem ao lápis ou ao círculo
não são de modo algum destacadas e unificadas. Em conseqüência, as
formas em questão também não são funcionalmente percebidas. Nossa
mente pode escolher e combinar quaisquer pontos retinianos quantos
quisermos; dêste modo, tôdas as formas possíveis, inclusive as do lápis e do
círculo, podem imaginativamente ser colocadas na retina. No que diz
respeito ao estímulo retiniano, porém, tais processos são inteiramente
arbitrários. Funcionalmente, as formas do lápis e do círculo ocorrem tão
pouco na projeção retiniana quanto as dos anjos e das esfinges.

Alguns exemplos servirão para esclarecer o conceito de forma como atributo


visual. Ocasionalmente, vemos um mapa destinado a representar um país
de forma bem conhecida. Já vimos muitas vêzes a forma de tal país em
outros mapas. No entanto, o mapa que temos agora diante de nós
apresenta regiões com formatos inteiramente desconhecidos. De súbito,
porém, uma radical transformação ocorre em nosso campo visual: as formas
desconhecidas desaparecem e a forma bem conhecida do país em questão
aparece com perfeita clareza. Bons exemplos para esta observação são
certas cartas de navegação, nos quais os mares assumem a aparência que
têm as terras nos mapas comuns. Ora, o contôrno da terra é o mesmo em
uma carta marítima que é em um mapa comum, isto é, a linha geométrica
que separa a terra da água é normalmente projetada sôbre a retina.8 Não
obstante, quando olhamos um mapa dêsse tipo, do Mediterrâneo, por
exemplo, podemos deixar inteiramente de ver a Itália. Em vez disso, vemos
uma figura estranha, representando a área do Adriático, etc., que é nova
para nós, mas que, nas circunstâncias, parece ter forma. Assim, "ter forma"
é uma particularidade que distingue certas zonas do campo visual de outras
que não têm forma nesse sentido. Em nosso exemplo, quando o
Mediterrâneo tem forma, a zona correspondente à Itália é destituída de
forma, e vice-versa. Esta afirmativa parecerá menos surpreendente se

8 Falando-Se a rigor, esta expressáO acarreta de nôvo o árro da experiência.


No mosaico dos estímulos retinianos não há, naturalmente, uma linha como
entidade especifica, unificada e isolada.

106

nos lembrarmos que os estímulos retinianos constituem um mero mosaico,


no qual nenhuma área particular está funcionalmente isolada e delineada.
Quando o sistema nervoso reage a êsse mosaico e quando surge a
organização, podem originar-se e delinear-se várias entidades

circunscritas, em nosso exemplo; entre outras a península da Itália e o


Mediterrâneo. A não ser que conheçamos os princípios da organização,
contudo, não podemos predizer que possibilidade se realizará efetivamente.
Os estímulos por si mesmos não nos dizem, e a instabilidade da organização
no presente caso torna perfeitamente claro que êles sôzinhos não são
responsáveis pela presença ou ausência de forma em uma determinada
área.

A Fig. 9, variação da Fig. 8, ou a Fig. 8 podem servir como nôvo exemplo.


Com um modêlo constante de estímulos, podemos ver na Fig. 9 duas formas
diferentes, ou a de uma cruz que consiste de quatro braços finos, ou de
outra cruz que consiste dos quatro setores grandes. Enquanto a primeira
forma estiver diante de nós, a da área da segunda é absorvida no segundo
plano, e seu formato visual se torna não existente. Quando a outra forma
emerge, a primeira desaparece. 9 Será observado que, em ambos os casos,
as linhas obliquas são os limites das formas vistas de cada vez. Elas
pertencem à cruz mais fina no primeiro caso e à cruz maior no segundo.

Observações minuciosas dêsse tipo foram feitas pela primeira vez por
Rubin, que expôs suas conclusões com grande número de exemplos.'° O
fato de que, em determinada ocasião, apenas áreas particulares de um
campo têm formas, foi demonstrado conclusivamente, quando sujeitos, que
tinham visto uma forma na primeira apresentação de tal modêlo, não
reconheceram êsse modêlo, se era vista uma segunda

9 Em certas condições pouco comuns, ambos os objetos podem ser vistos


ao mesmo tempo.

10 VisueU wahrgenommene Figuren. Copenhague, Berlim, Londres, 1921.

Fia. 9

107

apresentação da nova forma. A segunda forma não fôra um fato visual,


quando anteriormente a primeira fôra percebida. Em conseqüência, a forma
vista na segunda apresentação parecia inteiramente nova e estranha.
Também quando é vista uma das duas cruzes da Fig. 9, não podemos ver,
ao mesmo tempo, outras formas que, do ponto de vista do estímulo
retiniano, poderiam também ser notadas visualmente. Assim, por exemplo,
não vemos as formas correspondentes às Figuras 9a, 9h ou 9c.

Na Fig. 10 são vistos dois objetos desconhecidos, através dos quais é


traçada uma linha horizontal. Se eu disser ao leitor que tem diante

Fic. 10

de si o número 4, êle, sem dúvida, irá encontrá-lo. Se não estiver, porém,


influenciado por preconceitos teóricos, confessará que, a princípio, a forma
de 4 não existia como fato visual e que, quando surgiu mais tarde,
representou uma transformação de seu campo visual.

Neste exemplo será claramente reconhecido que a existência de uma forma


visual particular concilia-se com a existência de uma unidade visual
correspondente, que, quando isolada, tem a forma. Outras formas, que
corresponderiam a uma organização diferente na mesma área, são
inexistentes na ocasião, do ponto de vista visual. Assim, quando olhamos
pela primeira vez para a Fig. 10, ela é vista em uma organização particular,
que consiste de dois objetos desconhecidos e uma linha horizontal que os
atravessa. Isto significa que uma parte do

é absorvida pelo objeto do lado esquerdo, uma segunda fração pelo


conjunto angular do lado direito e o resto pela linha reta horizontal. Com a
destruição do 4 como uma coisa isolada, seu formato é também dissolvido.
Quando, mais cedo ou mais tarde, o sujeito realmente vê o 4, as linhas
correspondentes são mais ou menos destacadas de suas continuações.
Constitui uma regra geral o fato de existirem as formas visuais apenas
enquanto as linhas ou zonas em questão estiverem destacadas no campo.
Esta regra é confirmada por qualquer observação de quebra-cabeças, de
objetos camuflados, etc. Do mesmo modo, urna pessoa pode convencer
fàdilmente que a existência visual de formas parciais depende do
isolamento relativo de subconjuntos correspondentes em entidades
maiores.

As coisas que nos rodeiam são, em sua maior parte, entidades bem
estáveis. Em conseqüência, suas formas específicas são vistas regular-
mente, enquanto não houver a interferência de condições surgidas ao acaso
ou camuflagens intencionais. Ë por êsse motivo que o problema da forma
visual é tão fàcilmente deixado de lado e que muita gente

109

Fio. 9a

FIG. 9b

Fia. c
ainda pode acreditar que "as formas são apresentadas na projeção
retiniana". Não há, contudo, forma visual a que nosso estudo não se aplique.
Em qualquer parte do campo visual que tenha forma, os processos devem
ter características particulares responsáveis pelo fato. Essas características
não se apresentam em tôdas as partes do campo. Se, em um dia claro,
caminhamos por uma rua, entre casas altas, o céu fica cercado pelas
superfícies mais escuras das casas. Nestas circunstâncias, vemos como uma
forma a superfície iluminada do céu? Em via de regra, não. A área iluminada
não tem forma própria. Embora seja rodeada por superfícies diferentemente
coloridas, essa parte do céu permanece como "um fundo sem forma". Os
contornos continuam a ser a beira das casas; as casas têm formas, mas a
parte visível do céu não tem. Se quisermos ver como tendo forma uma área
circunscrita do céu, temos de olhá-la através de um orifício aberto em um
pano que colocamos sôbre a cabeça. Se o orifício tem a forma da letra H, a
zona correspondente do céu será vista como um H bem claro em um fundo
escuro.

Os estudiosos que se dedicam à Psicologia da Gestalt devem estar bem


familiarizados com estas observações e com as conseqüências que se
seguem. Do mesmo modo que uma parte do campo visual pode ter um
matiz ou ser acromático, assim também determinada área pode ter ou não
uma forma.

Durante algum tempo ainda será impossível investigar a dinâmica dos


processos visuais na observação fisiológica direta. Presentemente, nada
mais podemos fazer que tirar conclusões de uma comparação de modelos
retinianos com fatos visuais. Constatamos, então, que Ehrenfels tinha razão
ao dizer que a forma é uma característica extratranslocal de certas áreas.
Parece natural deduzir que os processos subjacentes devem ter uma
característica também extratranslocal. Ora, a forma é um atributo apenas
de entidades isoladas no campo visual. Verifica-se, portanto, que, quando os
processos são relativamente isolados de conjuntos funcionais maiores,
adquirem, ao mesmo tempo, a característica transiocal que é responsável
pela forma da coisa em questão.

Naturalmente, como a forma visual faz supor o isolamento de uma coisa


visual correspondente, a existência de uma forma específica depende dos
mesmos fatôres do estímulo, que detreminam a organização de coisas.
Pode-se mostrar fàcilmente que certas relações formais dentro de dado
modêlo de estímulos também são decisivas.11

11 Certa vez, K. Bühler tentou dar uma explicação de uma forma muito
característica, a da linha reta. Presumiu que todos os pontos da retina que
formam uma linha reta estão anatômicamente ligados de um modo especial
e que isso dá a uma linha reta sua aparência particular. Esta hipótese tem o
caráter de uma teoria mecanicista. Não creio que possamos ter esperança
de resolver o problema dêsse modo. Há grande número de formas
altamente características, além da linha reta. Deveremos presumir que haja
um dispositivo anatômico especial, ou melhor, grande número de
dispositivos, para cada forma, uma vez que cada uma pode ser projetada
sôbre muitas partes diferentes da retina?

110

Depois desta discussão, não será necessário gastar muito tempo com o
conceito da configuração experimentada ou forma prôpriamente dita na
dimensão do tempo. No caso de melodias, de ritmos, de movimentos vistos,
etc, teríamos simplesmente que repetir o que já foi dito no caso de formas
simultâneamente oferecidas. A forma de um motivo musical começa em
determinado ponto e termina em outro; então pode-se seguir outro motivo.
Em determinado caso, porém, não há uma forma experimentada que se
estenda, por exemplo, do segundo tom da primeira frase musical ao terceiro
tom da frase seguinte. Entre as duas frases, fica o chamado intervalo
"morto" que corresponde, como tempo, à mera extensão ou terreno fora de
uma forma visual. Ainda, quando, em uma câmara escura um ponto
luminoso em movimento descreve a trajetória da Fig. 6, vemos certas
formas de movimento, tais como 1, II e III. Não vemos, porém, outras
formas, como, por exemplo, uma forma que corresponde a uma fração de 1,
a extensão de horizonte seguinte e uma fração de II, conjuntamente. Mais
uma vez, a forma experimentada concilia-se com a organização de
conjuntos e subconjuntos correspondentes.

Como a forma é um atributo de entidades isoladas, tôdas as nossas


observações anteriores, contra a explicação pelo conhecimento adquirido no
passado, se aplicam aqui como no caso daquelas próprias entidades. Tão
arraigados, porém, estão os pontos de vista empíricos, que será
conveniente mencionar mais alguns fatos relacionados com êste assunto.

1. Qual o efeito prático de certas formas sôbre nossa experiência visual em


percepções subseqüentes? Desenhos como os da Fig. 11 e

Fic. xi

Fig. 12 contêm muitas combinações de linhas geométricas que, quando


apresentadas sàzinhas, nos fariam ver formas diferentes das que realmente
vemos. Assim, em ambas as figuras, o contôrno da Fig. 13 está
geomètricamente presente. Se, depois tivermos um grande número de tais
desenhos, ordinàriamente vistos de certa maneira, mas que, do ponto de
vista geométrico, contêm certas figuras menores, o aprendizado com
respeito ao último mudará a maneira pela qual vemos o primeiro?

111

Mais particularmente: êsse aprendizado perturbará as figuras maiores, de


maneira que as figuras praticadas surjam com suas formas específicas?
Gottschaldt fêz tais experiências.'2 Como se admite que a experiência
passada afeta automàticamente a organização, isto é, independentemente
de qualquer conhecimento acêrca da presença dos contornos
correspondentes, não foi recomendado aos sujeitos analisar ou procurar as
figuras praticadas. Os desenhos maiores foram apresentados simplesmente
para descrição. Em cêrca de 90% dos casos, três apresentações anteriores
das figuras menores não afetaram a percepção subseqüente dos modelos
maiores. Quando, com novos sujeitos, o número das apresentações
anteriores das figuras maiores foi aumentado para 520, o resultado
permaneceu o mesmo, tendo sido os desenhos vistos de maneira imutável
em 95% dos casos. Nem mesmo os poucos casos que apresentaram
resultado positivo podem ser explicados por aprendizado anterior em si
mesmo, porque os sujeitos que, ocasionalmente, viam as formas praticadas
nos desenhos maiores tinham alguma desconfiança da finalidade da
experiência e de fato perguntavam ao experimentador se êles olhariam
formas com que já haviam praticado. Embora não fôssem recomendados a
fazer tal coisa, naturalmente encaravam a prova com uma atitude de
perfeita expectativa específica. Por isso, seus resultados positivos não
provam que a experiência passada tenha um efeito automático sôbre
modelos vistos posteriormente.

Os desenhos maiores de Gottschaldt eram "difíceis", no sentido de ser a sua


organização muito estável. Em algumas dessas figuras, não podemos
realmente ver as figuras menores, embora saibamos não sômente que elas
estão presentes mas até onde estão localizadas. Nenhuma objeção, porém,
pode-se basear nessa dificuldade das figuras maiores, porque em tal
objeção estaria tàcitamente admitido que a organização

12 PSJChOI. Forsch., 8, 1926. As figuras 11-13 so reproduzidas do trabalho


de OOtt.chaldt.

112

visual muito estável é mais forte do que qualquer influência da prática.


Certamente, não se pode dizer que desenhos maiores tais como os da Fig.
12 devem sua organização estável a muita prática pre-experimental na vida
quotidiana. Os formatos que vemos neste modêlo não são, de modo algum,
mais conhecidos que os da Fig. 13. Quem afirmar que a experiência passada
exerce uma influência automática sôbre a percepção subseqüente terá que
apoiar a teoria com experiências próprias. Se existir tal influência, deve-se
restringir a situações particulares.

2. Admitiremos, naturalmente, que determinadas entidades específicas,


com formas, prontamente adquirem significação. Quando isso acontece,
porém, essas entidades se apresentam primeiro, e as significações se
prendem mais tarde a tais coisas dotadas de forma. Não tenho
conhecimento de quaisquer fatos que mostrem que, inversamente, o
aprendizado constrói coisas e formas. É bem verdade que situações mal
organizadas, em que mal chegam a ser indicadas unidades e formas
específicas, podem ser muito esclarecidas pelo fato de tais entidades serem
bem conhecidas. Nesse caso, contudo, a principal questão consiste em
saber que fatôres estabeleceram aquelas entidades na vida anterior.
Evidentemente, as condições eram, então, mais favoráveis e,
provàvelmente, o eram do ponto de vista da organização sensorial. De
qualquer maneira, tais observações estão longe de provar que o
aprendizado transforma as chamadas sensações em coisas específicas. O
que se observa realmente é apenas que a clara organização experimentada
no passado concorre para melhorar uma organização inferior que se
apresenta mais tarde. E, repetindo, a prática prévia anterior não tem tal
influência, se a situação presente está organizada, fortemente, de maneira
diversa. O número 4, por exemplo, tem uma forma bem conhecida; quando,
porém, a Fig. 10 é mostrada a pessoas que não desconfiam da presença do
número, é pouquíssimo provável que o vejam. Não lhes ocorrerá tal coisa na
descrição do desenho. Não se pode objetar que, no passado, jamais vimos o
algarismo 4 em um ambiente tão pouco comum. Se a prática tem influência
automática, essa influência deveria ser demonstrável precisamente em tais
situações. Além disso, não é de modo algum o caráter pouco comum do
ambiente que nos impede de ver 4 na Fig. 10. Na Fig. 14, o 4 é visto
imediatamente, embora o ambiente que rodeia o algarismo não seja mais
comum que o da Fig. 10. Por que motivo, então, êle é visto agora?
Evidentemente, na Fig. 14, as linhas ajuntadas não se confundem com as
várias partes do algarismo, de maneira que êste objeto seja dissolvido. Na
Fig. 10 as condições de organização são de molde a favorecer a formação
de outros objetos.13 Na Fig. 14, um ambiente igualmente estranho não
contém tais condições e, portanto, o algarismo permanece como uma coisa
visual isolada.

13 Cf. particularmente a condição mencionada no Capítulo V (pég. 85).

113

Fio. iz

Fio. 13

Darei mais alguns exemplos em que objetos bem conhecidos e suas formas
serão destruídos porque a organização forma entidades maiores. A Fig. 15
pode ser descrita de várias maneiras, mas ninguém, espon EE3

FIG. 15

tâneamente, mencionará letra E em tal descrição. Ao mesmo tempo, essa


letra está geomètricamente presente, e o objeto que é visto de fato é
menos conhecido do que a letra. A Fig. 16 pode ser vista durante meses
como ornamento, sem que seja jamais suspeitada a presença de dois HH.
Do mesmo modo, em condições normais, a letra K não existe, visualmente,
na Fig. 17. Naturalmente, neste ponto, o leitor já não está observando em
condições normais e, sim, procurando letras, na atitude analítica de que
tratamos no Capítulo V (pág. 99). Peço-lhe, portanto, para mostrar a Fig. 16
ou a Fig. 17 a amigos
mais desprevenidos e perguntar-lhes o que estão vendo. Não acredito que
sua enorme experiência com as letras influencie o resultado em grau
apreciável.

3. Não faltará, ainda, quem se mostre inclinado a admitir que a forma visual
vem de experiências tácteis ou motoras. Essa tese é tão inaceitável quanto
a interpretação correspondente no caso da organização em si mesma. A
forma é uma característica que as experiências têm ou deixam de ter. Ë
irredutível a outros atributos. Assim, se

entidades visuais parecem dotadas de forma sàmente, porque temos outras


experiências ao mesmo tempo, essas outras experiências devem

ter a forma em questão. Os fatos visuais podem ser capazes de absorver


características que não pertencem ao equipamento original dos campos
visuais. Neste caso, contudo, tais características emprestadas devem ser
produtos naturais dos campos de onde procedem. Em conseqüência, a
hipótese em discussão limita-se a transferir o problema da forma de um
campo sensorial para outro. Evidentemente, em algum lugar, deve ser
tratado como tal, sem mais transferência. Ësse raciocínio aplica-se também
às nossas sensações dos movimentos oculares, que, repetidamente, têm
sido mencionados a êsse respeito. Se a forma visual é uma questão de
movimentos oculares, as experiências cinestéticas em jôgo devem ser
formadas no sentido em que as entidades visuais o são. Uma vez
esclarecido êste ponto, terá que ser admitido que tal hipótese não
representa um progresso científico. Podemos admitir igualmente que a
forma é um atributo visual.

4. O melhor argumento contra qualquer teoria empírica neste campo é o


que se segue. Admitimos sem relutância que partes de um campo visual
podem causar a reestruturação de experiências que estiveram prèviamente
associadas a tais partes. Contudo, indagamos, então, quais os fatôres
visuais particulares responsáveis pela reestruturação em cada caso. A
resposta é que, em noventa e nove por cento dos casos, a reestruturação
ocorre porque surge no campo uma entidade particular isolada com forma
igualmente específica. Em outras palavras, é essa entidade dotada de forma
que está associada a outros fatos e pode, portanto, evocar tais fatos. Isto
significa que, se a organização estivesse ausente, de maneira que a
reestruturação só pudesse ser causada pela côr e brilho de "sensações", a
experiência visual, em via de regra, não ficaria suficientemente
caracterizada para fazer surgir uma recordação específica. Quando se refere
à influência automática da expe Fia

Fic. i7

Fia. iG

114
115

riência passada sôbre a visão presente, muita gente é tentada a presumir


que essa idéia também pode ser aplicada aos fenômenos que aqui têm sido
interpretados como efeitos da organização sensorial. Segundo êsse ponto
de vista, um campo visual pareceria conter coisas dotadas de forma, porque
certas experiências prévias foram reestruturadas. Aquêles que raciocinam
dêsse modo parecem esquecer-se de que, via de regra, a reestruturação é
causada exatamente por tais coisas dotadas de forma. Não percebem
perfeitamente que, se seu ponto de vista fôsse aplicado a rigor, o campo
visual teria de ser considerado como inteiramente destituído de tais coisas.
Seria fácil dizer: isto ou aquilo é assim porque certas coisas aconteceram na
vida anterior. Agora, porém, precisamos afirmações mais claras e mais
específicas. Ninguém negará que a reestruturação desempenha um papel
de grande importância na vida mental; isto, porém, só pode ocorrer porque
o mundo sensorial em si mesmo está suficientemente dotado de atributos
específicos que deve à organização. Um mero mosaico de "sensações" seria
incapaz de imprimir à reestruturação as direções específicas corretas. Esta
dificuldade com que se defronta a interpretação empírica ainda é agravada
pelo seguinte fato: de um modo geral, a forma permanece a mesma,
independentemente da côr, lugar e tamanho da área onde se encontra a
forma. Segundo o ponto de vista empírico, isso significa que, apesar das
variações a êsse respeito, as mesmas experiências prévias são sempre
reestruturadas. Como pode isto acontecer, quando, de fato, nada é deixado
que possa servir como causa constante para a mesma reestruturação?

O fato a que acabei de me referir é chamado "transposição". Como queria


mostrar que a forma jamais pode ser explicada em função das sensações,
Eherenfels atribuiu grande importância à invariabilidade da forma visual
quando são mudados o brilho, o matiz, o tamanho e a localização de um
objeto. Na verdade, quando o objeto é levado demasiadamente para longe,
em direção à periferia do campo, sua forma será afetada. Além dêsse caso
especial, contudo, é enorme a amplitude dentro da qual os objetos podem
trocar de situação.'4 A êsse respeito, as formas no tempo atuam de maneira
semelhante às configurações no espaço: uma melodia, por exemplo, pode
ser apresentada em diferentes tons e, no entanto, permanecer a mesma.
Ehrenfels tinha plena razão ao afirmar que, dessa maneira, a forma espacial
e a temporal se apresentavam claramente como fenômenos sui generis. Ële
também compreendeu, contudo, que devem ficar constantes certas
condições para que a transposição corresponda ao que a expressão implica.
As relações entre os estímulos envolvidos devem manter-se aproximada-

14 No caso dos adultos, deve ser satisfeita mais uma condição para que a
transposição não afete determinada forma visual. A maior parte dos objetos
muda de aparência quando toma nova orientação no espaço e
particUlarmente quando virados de cabeça para baixo. Êste fato, que revela
uma curiosa anisotropia do campo visual nos adultos, não parece existir nas
crianças de tenra idade.
mente as mesmas, quando os próprios estímulos são mudados. Assim,
vemos, mais uma vez, que as mesmas condições que determinam o
isolamento de entidades específicas no espaço e no tempo também são
decisivas para os atributos delas, segundo Ehrenf eis.'5

Houve uma ocasião em que o notável comportamento das Gestalten,


particularmente, a invariabilidade de suas formas sob as condições de
transposição, era, geralmente, considerado como prova da presença de
processos mentais superiores (cf. pág. 104). De acôrdo com a nossa
concepção atual, contudo, a organização sensorial aparece como um fato
primário, originado pela dinâmica elementar do sistema nervoso. Enquanto
a organização fôr considerada uma atividade intelectual, não podemos,
naturalmente, explicar o papel que a organização desempenha na Biologia,
particularmente na ontogenia. Também, convém lembrar que Hertz
demonstrou a influencia da organização sôbre o comporta. mento de
animais que não se especializam provávelmente em processos intelectuais.
Segundo parece, Lashley foi o primeiro a mostrar a "transposição" nos
animais. Tendo sido ensinados a escolher, por exemplo, o mais escuro de
dois objetos cinzentos, os animais mudam sua reação quando são
apresentados dois outros objetos da mesma categoria. Em outras palavras:
escolhem o objeto que representa a unidade mais escura do nôvo par,
embora a tonalidade particular de cinzento não tenha sido jamais
apresentada durante a aprendizagem original. Sem ter conhecimento do
trabalho de Lashley, repeti a mesma experiência com macacos e galinhas, e
tomei precauções especiais para excluir várias possibilidades de explicação
indireta. Atualmente, não há mais dúvida de que uma galinha, treinada para
dentre dois objetos cinzentos, 1 e II, escolher sempre o mais escuro, o
objeto II, não escolherá depois êsse objeto, na maioria das experiências,
quando lhe forem apresentados o mesmo objeto II e outro (mais escuro), o
objeto III, escolhendo o tom desconhecido do objeto III. As mesmas
experiências foram feitas com macacos, referindo-se a escolha ao tamanho
e ao matiz dos objetos. Vários investigadores puderam confirmar essas
experiências. É de deduzir que os animais reagem a tais pares de objetos
como grupos unitários, cada lado dos quais tem um caráter particular, que
depende de sua posição dentro do par. Assim, ii é o lado mais escuro do
primeiro par, mas, no nôvo par, III assume êste papel. E, como o animal
aprendeu a escolher o lado mais escuro do par e não um matiz de cinzento
mais ou menos definido, tende a evitar o cinzento que escolheu durante o
período de aprendizagem e a escolher o outro nôvo matiz do cinzento. Não
importa presumir se a galinha tem experiência visual. A diferença entre uma
escolha que depende de uma intensidade luminosa mais ou menos definida
e de uma reação baseada

15 Wertheimer afirma contudo, que nem tôdss as relações entre os


estímulos são igualmente importantes a tsse respeito. Algumas podem ser
modificadas de maneira considerâvel, sem afetar muito uma determinada
forma, ao passo que mesmo pequenas alterações de outras influenciam a
forma imediatamente.
116

117

em uma característica determinada em uma unidade-par é a mesma em


ambos os casos. Tem-se de admitir que, também, a fórmula estímulo-reação
se mostra muito ilusória, uma vez que deixa de lado o fato de que, entre o
estímulo e a reação, ocorre o processo de organização, em particular a
formação de unidades-grupo em que as partes adquirem novas
características.

A fim de provar que a concepção da auto-distribuição dinâmica explica a


transposição, trataremos de mostrar, agora, que a transposição ocorre em
sistemas físicos. Se tôdas as fôrças de uma determinada distribuição
dinâmica se equilibram entre si, seu equilíbrio evidentemente não será
perturbado se a intensidade de tôdas as fôrças diminui ou aumenta na
mesma proporção. Em conseqüência, êsses estados dinâmicos são, em
grande parte, independentes dos fatos absolutos que existem em suas
várias partes. Suponhamos, por exemplo, que a auto- distribuição é a de
uma corrente que passa por um condutor de certo formato, tal como um
eletrólito que enche uma vasilha dêste formato. A intensidade da corrente
não tem influência sôbre sua distribuição. Também, se, em lugar de iontes
como Na e C1, K e Br, ou outros quaisquer, transportarem as cargas
elétricas, a distribuição da corrente não se modifica. Suponhamos, ainda, o
fenômeno eletromotor que surge quando estão em contacto duas soluções
(1 e II) de concentrações iônicas diferentes. Tal fenômeno depende da
relação das concentrações de iontes, ao passo que as concentrações
absolutas não têm importância. Assim, por exemplo, se a II solução, com
uma concentração de 1/20 n, é o lado eletropositivo do par, ao passo que 1,
com uma concentração, por exemplo, de 1/4, em um nôvo par com a
concentração de 1/20 n (II) e 1/100 n (III), a nova solução, III, torna-se o lado
eletropositivo. Em outras palavras: ser o lado eletropositivo de tal sistema
físico é uma propriedade que uma parte do sistema deve à sua posição no
sistema em seu conjunto. A êsse respeito, não há diferença entre o exemplo
eletroquímico e o caso de duas tonalidades de cinzento, uma das quais é o
lado mais escuro do par.

A forma é, provàvelmente, o atributo mais importante das coisas isoladas,


mas outras características estão estreitamente relacionadas com a presença
ou a ausência da forma visual. Nas Figs. 8 e 9, observamos uma mudança
de forma. A princípio, via-se uma cruz ou estréia e depois a outra. Se tais
mudanças forem observadas cuidadosamente, será encontrada outra
mudança para acompanhar o aparecimento e desaparecimento das duas
formas. Quando é vista a cruz mais fina, a área dessa cruz tem um caráter
de solidez ou substancialidade; a cruz tem a densidade de uma coisa, ao
passo que o ambiente em tôrno dela parece relativamente vazio ou frouxo.
O contrário se dá quando aparece a outra cruz. Então, a cruz parece sólida e
substancial, ao passo que os ângulos estreitos, que passaram a fazer parte
do segundo plano, ficam frouxos ou vazios. Como, portanto, uma área torna-
se sólida quando tem forma e é, nesse sentido, uma figura, Rubin

118

deu à qualidade da solidez a denominação de "caráter de figura" e chama a


frouxidão do ambiente de "caráter do fundo". Esta expressão é bem
apropriada, porque a figura geralmente alonga-se um tanto no espaço. O
ambiente informe é localizado mais para trás e, na verdade, parece
estender-se atrás da figura como um plano homogêneo em que ela se
encontre, O céu acima das casas (c/. pág. 109) tem êsse caráter de um
fundo que se estende por trás das casas, que são as figuras.

Pode-se dizer que êsse caráter de solidez a que acabei de me referir ocorre
apenas como um atributo de coisas isoladas. Pertence, evidentemente, à
classe geral das qualidades de Ehrenfels. Alguns psicólogos poderão
inclinar-se a atribuir êsse caráter a experiências tácteis que adquirimos ao
manejar os objetos físicos, mas não há nenhum motivo particular que nos
impeça de considerá-lo um atributo das coisas visuais em si mesmas, Na
verdade, pode êle pertencer aos constituintes primários da significação que
as expressões "coisa" ou "substância" têm na vida comum. Seja como fôr, a
figura e o fundo mostram-se de maneira muito diferente no campo visual. A
constância da côr, por exemplo, mostra-se mais forte para a figura do que
para o futuro. Tem-se verificado que a intensidade de uma mancha colorida
é maior na área de uma figura que dentro de um fundo da mesma côr
objetiva. Por outro lado, as pós-imagens são mais vivas quando observadas
sôbre uma figura do que em um simples fundo.

Depois destas considerações, serão prontamente compreendidas algumas


outras afirmações que, sem êstes esclarecimentos, talvez fôssem
consideradas "mera filosofia". Nas experiências com animais, "quanto ao
lado escuro de um par", verificou-se ser característica de um objeto sua
inclusão em uma entidade mais ampla, a unidade-par visual. A mesma
referência a conjuntos maiores está implícita em muitas expressões que
usamos constantemente como expressões banais. Não compreendemos, em
geral, que o sentido de tais palavras ultrapassa os fatos locais, com os quais
estão relacionadas tais palavras. De uma grande lista, darei apenas os
seguintes exemplos: a palavra alemã "Rand" (em inglês "brink" ou "edge",
orla, fímbria) é uma delas; outra é "Anfang" ("comêço"), "Ende" e "Schluss"
("fim" e "fechado"), "Stück" e "Teu" ("pedaço" e "parte"), "Rest" ("repouso" e
"resto"); e também "Loch" ("buraco") e "Stôrung" ("perturbação"). Ver-se-á
de pronto que um lugar pode parecer como um "buraco", sàmente quando
constitui uma interrupção de uma entidade maior, cujas outras partes têm o
caráter de figura. Mutatis mutandis, o mesmo prevalece para o sentido de
"perturbação". Não há, de modo algum, necessidade de restringir a lista aos
casos em que as palavras se aplicam a fatos sensoriais. No caso dos
processos mentais, um acontecimento constitui uma "perturbação" apenas
com relação a um conjunto maior e unitário que êle interrompe. Sem essa
referência, a palavra não tem sentido. As pessoas familiarizadas com a
teoria musical lembrar-se-ão que um som só tem o caráter "tônico" dentro
de um processo musical

119

em que êle desempenha uma parte especial. O mesmo é verdade com


referência a "tom" que aponta para além de si mesmo não
independentemente, mas como parte de uma estrutura musical mais ampla.

Casos semelhantes podem ser fàcilmente encontrados entre os adjetivos e


verbos. "Hobi" ("&o") e "o//en" ("aberto"), "completo" e "incompleto"
pertencem a essa categoria, em que o sentido se refere a unidades
específicas experimentadas, sàmente às quais tais adjetivos são aplicáveis.
No campo das palavras que significam acontecimentos e atividades temos,
por exemplo: "partida" e "comêço", "têrmo", "término" e "fim", "partir" e
"começar", "proceder" e "continuar" e também "desviar", "dobrar",
"retardar", etc. Se considerarmos c sentido de tais palavras como "hesitar"
ou "desviar", verificaremos qu tal sentido pressupõe a ocorrência de
processos coerentes mais amplos cujas modificações são designadas por
êstes têrmos. Ësses processo podem ser melodias ou as atividades de
outras pessoas tais como a vemos, ou processos mentais que se
desenvolvem em uma pessoa De um modo essencial, as significações de
tais palavras permaneceu as mesmas em todos os setores da experiência,
pois os principai aspectos da organização não se restringem a qualquer
campo especia

BIBLIOGRAFIA

W. Kõhler: Die physischen Gestalten in Ruhe und im 8tationirem Zu tand.


1920.

W. Kõhler: Psycol. Forsch., 4, 1924.

E. Rubin: Visueli wahregenommene Figuren. 1921.

W. Sander: Ber. ü. d. 9. Kongress f. ecper. Psyehologie. 1927.

M. Wertheimer: "Gestalt Theory". Social Resectrch, II, 1944.

M. Wertheimer: Psijchol. Forsch. 4, 1924.

120

Capítulo 7

Comportamento
Será difícil compreender os capítulos seguintes sem que primeiro

resolvamos um problema que parece apresentar sérias dificuldades

para muitas pessoas.

Quando me referi à experiência objetiva, chamei, repetidas vêzes, a atenção


para o fato de que as coisas, seus movimentos e suas mudanças se
apresentam como fora ou diante de nós. Ao mesmo tempo, salientei que a
experiência objetiva depende de processos cerebrais. Como poderá, então,
essa experiência aparecer diante de nós? Não pode haver dúvida a respeito
dos fatos em si mesmos. É indiscutível que, em certas condições, um som
pode parecer localizado em nossa cabeça, mas a árvore, que se encontra
acolá, é vista, sem sombra de dúvida, como algo distante, e a janela
embora muito mais próxima, está, incontestàvelmente, fora de nós. Do
ponto de vista funcional, contudo, a existência dêsses objetos visuais é uma
questão de processos que ocorrem em nosso cérebro e, portanto, em nós.
As mais simples considerações fisiológicas provam tal coisa.

Parece aconselhável examinar-se logo o aspecto fisiológico do problema.


Para simplificar, procederemos, a princípio, como se o campo visual fôsse a
única experiência objetiva que temos. Uma coisa é, então, imediatamente
evidente. Embora, em geral, tenhamos muitos objetos diante de nós, sua
totalidade parece tão bem ordenada, em um espaço visual, que qualquer
coisa particular tem relações espaciais muito claras com tôdas as outras.
(Esta afirmativa é um tanto superficial, porque deixa de lado o agrupamento
específico dos objetos, mas é suficiente para nossos objetivos imediatos). O
lápis em cima de

121

minha escrivaninha está mais perto do livro que da lâmpada; a espátula


está entre o livro e a caneta-tinteiro, etc.

Do mesmo modo que tôdas as outras características do campo estão


associadas com fatos fisiológicos do cérebro, também a posição relativa dos
objetos, constatados pela experiência, depende de alguma espécie de
ordem nos processos que constituem sua base fisiológica. A simples
localização geométrica dêsses processos, contudo, não pode ser correlativo
da ordem espacial, constatada pela visão. Considero como indiscutível que
tudo quanto é experimentado tem uma base funcional, isto é, depende de
acontecimentos físicos reais. Se êsse postulado fôr aplicado aos fatos em
que se baseia o espaço experimentado, seremos, inevitàvelmente,
conduzidos aos conceitos da física de campo. Nesta parte da ciência, é tida
como natural a consideração do que podemos chamar de "processos-em-
extensão". A expressão que acabo de usar é apenas um sinônimo de
processos autodistribuídos a que me referi no Capítulo IV. Em tais processos,
convém lembrar, os fenômenos locais, quando ocorrem, sàmente ocorrem
dentro da distribuição como um todo. Assim, todo o estado de função,
grandemente ampliado, é uma unidade. Nas unidades dessa espécie, as
distâncias podem ser medidas em polegadas. De acôrdo com nosso
postulado, contudo, êste não é o meio pelo qual as distâncias devem ser
medidas, se quisermos encontrar o correlativo da extensão experimentada.
Em vez disso, escolhemos como correlativos as relações dinâmicas entre as
partes dos processos que mantêm as partes tais como elas são. Essas
relações se estendem, de maneira contínua, por todo o processo, e é sua
"geometria funcional" que supomos ser isomàrficamente relacionada com
as características espaciais dos campos perceptivos.' Naturalmente, as
relações dinâmicas em questão atuam nos tecidos, isto é, nas células, fibras
e líquidos dos tecidos, que ocupam certos volumes do espaço físico.
Presumimos, porém, que, no que diz respeito ao nosso problema, sàmente
importam as relações dinâmicas, ao passo que não têm significação direta
as distâncias e áreas geométricas através das quais se estende a ordem
dinâmica. É bem verdade que, de maneira considerável a ordem dinâmica
depende da geometria do meio em que ocorre. Assim, por exemplo, uma
grande distância em função da geometria do cérebro será, provàvelmente,
ao mesmo tempo, uma grande distância funcional, e assim por diante. Essa
dependência, porém, está longe de constituir uma identidade, pois, em
primeiro lugar, as relações dinâmicas dentro do processo são relações
funcionais, ao passo que nenhuma relação geométrica constitui função
nesse sentido, e, em segundo lugar, a extensão funcional, à qual me refiro,
depende não sàmente das dimensões geométricas do meio como também
das leis de Física que determinam a autodistribuição. Ns parágrafos

1 Bem recentemente, o conceito do espaço funcional foi mais amplamente


desenvolvido em: W. Kihler e H. Wallach "Figural After-Effets. An
Investigation of. Visual Processes". Proc. Amer. Pitiios. Soc. 88. N.° 4, 1944.

122

seguintes, a localização relativa de objetos no espaço visual será


considerada como correlativo das posições relativas de processos locais
correspondentes, dentro da área visual do cérebro. As observações
precedentes destinam-se a tornar claro que, quando é usada a expressão
"posição relativa de processos", deve ela ser compreendida sempre como
relações funcionais e não puramente geométricas.

Voltemos à questão surgida no comêço dêste capítulo. Seria aconselhável


examinar-se um exemplo concreto. Na experiência visual, o lápis que se
encontra sôbre a escrivaninha está fora do livro e a certa distância dêle.
Nestas condições, há no cérebro dois processos locais, um correspondendo
ao lápis e outro correspondendo ao livro. Além disso, os neurologistas nos
ensinam que tais processos ocorrem em lugares diferentes do cérebro
visual, e devemos acrescentar que as relações funcionais entre êles são
aquelas que significam certa distância funcional. Proponho-me, agora,
mostrar que a localização de objetos fora de nós mesmos parte diretamente
dessa consideração. Minha mão, por exemplo, aparece, ou pode aparecer,
no mesmo campo visual de outros objetos visuais. Evidentemente, do
mesmo modo que êste nôvo objeto visual está fora do lápis e do livro na
experiência visual, assim também os processos correspondentes no cérebro
devem estar fora dos processos correspondentes ao lápis e ao livro. tanto
geométrica como funcionalmente. A mão, como objeto visual, merece o
mesmo tratamento teórico que é dado ao lápis e ao livro, e a relação
espacial entre a mão e o lápis ou o livro deve ser considerada da mesma
maneira que a relação especial entre aquelas duas coisas. Via de regra, meu
campo visual contém, naturalmente, mais partes de mim mesmo que a
mão: o braço, por exemplo, os pés freqüentemente, o peito e, embora
apenas como visão extremamente periférica, a ponta do meu nariz. Tôdas
elas são entidades visuais, exatamente como o livro e o lápis. Assim, em
meu cérebro como sistema físico, deve haver processos que correspondem
a essas partes de mim mesmo, da mesma maneira que há processos que
correspondem a coisas tais como lápis, livros, etc. Além disso, os processos
cerebrais que revelam o livro visual, o lápis visual e todos os outros objetos
visuais em tôrno de mim devem estar separados dos processos q je revelam
o braço, os pés, o peito e o nariz visuais. A razão é a mesma que a do caso
do livro e do lápis como coisas separadas; o livro físico e o lápis físico são
projetados sôbre partes diferentes da retina e, portanto, dão origem a
processos em partes diferentes do cérebro visual. Isto também é verdade no
que se refere às partes visíveis do meu organismo em suas relações
espaciais com os objetos externos. Suas localizações retinianas diferem das
de tais objetos e, em conseqüência, os lugares correspondentes no cérebro
são diferentes dos lugares nos quais os objetos externos são
fisiolàgicamente representados.

No tocante ao princípio, esta é a solução do nosso problema. Meu corpo


como uma experiência - que na linguagem comum chamamos

123

de "eu" - é, até certo ponto, uma coisa visual, do mesmo modo que um lápis
ou um livro são coisas visuais. Ora, da mesma maneira que as coisas
aparecem fora umas das outras, o "eu" aparece visual- mente externo às
coisas e vice-versa. Se o aparecimento daquelas coisas em lugares
diferentes não causa assombro a quem quer que seja, porque essa
separação pode ser compreendida em função da localização de seus
correlativos fisiológicos no cérebro, não temos motivo para nos surpreender
com a posição relativa de tais objetos visuais, por um lado, e o "eu" visível,
por outro lado. Não se torna necessária, assim, qualquer hipótese especial
para explicar porque sou visualmente separado de tais objetos e êles de
mim. Se há qualquer paradoxo no aparecimento dêles externamente, isto é,
fora de mim, então exatamente o mesmo paradoxo deveria ser encontrado
na relação espacial, digamos, do lápis e do livro. As pessoas em geral não
conhecem tal coisa simplesmente porque deixam de distinguir o corpo,
como experiência perceptiva, do organismo, como sistema físico, que, como
tal, jamais ocorre em qualquer experiência. Naturalmente, tais pessoas
também ignoram o fato de que a parte visual do "eu" é fisiolàgicamente
causada pela projeção de partes do organismo sôbre sua própria retina e
pelos processos correspondentes no cérebro que têm uma localização
particular em que estão cercados pelos processos correspondentes a outros
objetos visuais. Não creio que a confusão termine jamais, a no ser que nos
acostumemos a dar um nome ao "eu" perceptivo e outro ao organismo
físico. Sugiro, como tenho feito nestas linhas, que o primeiro seja chamado
de "corpo", ficando o vocábulo "organismo" reservado ao sistema físico que
deve ser estudado pelos anatomistas e fisiologistas.

Quando comparada a esta explicação, torna-se, sem dúvida, indefensável a


idéia de que as coisas devem ser experimentadas como estando dentro de
nós. Não há maior razão para pensar assim do que para supor que o lápis
deveria ser visto dentro do livro, ou de uma nuvem, ou da lua. Se alguém
objetar, dizendo que, afinal de contas, todos os processos perceptivos
ocorrem no cérebro e, nesse sentido, no meu interior, qual deve ser a
resposta? Devemos responder que a experiência visual corresponde à
totalidade dos processos autodistribuídos no setor visual do cérebro e que
tôdas as relações no espaço visual, de que alguém pode tomar consciência,
repousam em relações funcionais dentro de sua totalidade. Em tais
condições, outros objetos visuais devem aparecer fora do "eu" visual. Por
outro lado, jamais experiência alguma corresponde à localização anatômica
ou geométrica de quaisquer processos visuais dentro do cérebro físico.
Dêsse modo, a l6calização não pode participar da determinação dos lugares
em que vemos as coisas. Se alguém espera que as coisas vistas sejam
experimentadas como ocorrendo no cérebro, não compreende que a
primeira parte de sua frase refere-se ao campo visual como experiência, ao
passo que a segunda parte, em que se encontra a expressão "cérebro",
refere-se a

um objeto físico em espaço físico. Isso quer dizer que tal pessoa espera que
partes de espaço visual sejam localizadas em relação a partes de espaço
físico, o que é uma coisa inteiramente impossível.

O fato de os objetos visuais serem tão claramente localizados fora do "eu"


visível espanta tôdas as pessoas que ouvem dizer que as coisas, côres, etc,
dependem de fenômenos que ocorrem "dentro de si mesmas".
Naturalmente, essa afirmação, sômente será correta se tomada no sentido
fisiológico, em que "dentro de si mesmas" se refere ao organismo, que não
participa da experiência. E uma noção que não parece correta e clara a
pessoas que não aprenderam a distinguir o organismo físico e o 'eu" como
uma coisa particular experimentada. Sem dúvida, em sua maior parte as
coisas distantes não parecem depender dessa experiência particular, o "eu".
E por que dependeriam? Na experiência visual, uma árvore depende tão
pouco de mim, tomada no sentido de experiência, como o processo mental
que corresponde à árvore depende dos processos que correspondem ao
"eu" experimentado. Ocasionalmente, como vimos antes, pode ocorrer e ser
experimentada uma certa influência; de um modo geral, porém, eu e a
árvore dependemos tão pouco um do outro como quaisquer outras unidades
isoladas dependem umas das outras, quando separadas por distancia
considerável.

Talvez tudo isso seja bem conhecido para ser mais uma vez discutido
demoradamente. Há alguns anos, contudo, um psiquiatra europeu afirmou
ser êste o mais difícil problema entre os que dizem respeito ao espfrito com
relação ao corpo: como podem as coisas aparecer fora de nós, quando na
realidade estão localizadas dentro de nós?

Até agora, temo-nos considerado, a nós próprios, e considerado as coisas


exclusivamente como experiências visuais. A situação, contudo,
permanecerá a mesma se considerarmos também outras experiências. As
coisas e suas propriedades podem ser experimentadas pelo tacto em lugar
da visão. Também podem ser sentidas pelo calor ou frio; têm cheiro, são
pesadas e emitem sons. Tôdas essas experiências estão localizadas em um
espaço perceptivo, seja com precisão, seja apenas de maneira vaga. Mais
particularmente, tôdas têm uma localização relativa aos fatos visuais.
Assim, uma voz pode ser ouvida do lado de fora ou do lado de dentro da
janela; um aposento, tomado como cena visual, pode estar com cheiro de
cigarro e a superfície fria do copo que tenho na mão é sentida onde o objeto
é visto.2 O fato de tôdas essas experiências sensoriais aparecerem em um
espaço comum pode ser explicado de várias maneiras. O motivo pode ser o
mesmo que se dá no caso da visão binocular, na qual, apesar do fato de
atuarem dois órgãos sensoriais, os dois olhos, tôda a experiência está
localizada em um só campo. Neste caso, sabemos que a cooperação dos
dois olhos, fome-

2 A ê5 respeito, n5o importa saber se a iocailzaçSo, por exemolo, de Sons.


Com re.laçao a objetos visuais, é invariàyelmente correta. Se não fôr
correta, o próprio rato a que posso atribuir o desvio constitui uma prova de
que ambos aparecem no mesmo espaço.

14

125

cendo-nos um só campo visual é, pelo menos em parte, fruto de fatôres


hereditários. É possível, embora não se tenha provado, que o mesmo seja
verdade para a cooperação da visão, tacto, etc., para nos oferecer um
espaço sensorial em geral. Também é possível que as várias modalidades
dos sentidos estejam localizadas em um espaço comum, porque
aprendemos desde a mais tenra infância que elas devem ser
correlacionadas espacialmente. Além dessas presunções, que representam,
naturalmente, as possibilidades nativistas e empíricas na teoria da
Psicologia, também deve ser considerada uma terceira explicação: na mais
tenra infância as experiências das várias modalidades dos sentidos podem
ter sido mais ou menos adequadamente unidas em um só espaço por
motivos de ordem dinâmica. Qualquer que seja a interpretação correta, a
verdade é que todos os fatos sensoriais aparecem em um espaço, o espaço
em que também os objetos visuais e o "eu" visual estão localizados. Como
conseqüência, algumas das experiências não visuais (como, por exemplo, a
maioria dos sons) são, como a maior parte dos fatos visuais, localizados no
exterior. Outros fatos não visuais, tais como os da cinestesia, parecem estar
dentro do "eu", mas, ainda assim, no mesmo espaço geral que contém as
experiências exteriores. No interior também encontramos, naturalmente,
estados subjetivos como a sensação de cansaço, de bem-estar, de
animação, de irritação, etc. De um modo geral, podemos dizer, os dados
não visuais são muito bem localizados com referência aos fenômenos
visuais. É de se deduzir que, se a localização externa dos objetos visuais
não oferece problema, o mesmo deve dar-se em todos os casos em que
fatos não visuais aparecem fora do "eu".

Depois desta explanação preliminar, podemos voltar, agora, a uma velha


questão. Por que atribuímos aos outros experiências mais ou menos
semelhantes às que temos nós próprios? É o que dizemos constantemente,
não apenas de um modo geral, mas também espedficamente, em casos
particulares. Evidentemente, portanto, a questão se refere a um fato
fundamental da psicologia social, mas, ao mesmo tempo, a um fato
intrigante, pois, algumas vêzes, as outras pessoas parecem reconhececer,
de fora, nossas próprias experiências com maior clareza do que podemos
observá-las de dentro. Assim, por exemplo, tenho dificuldade em descrever
a experiência íntima da hesitação ou falta de determinação. Não obstante,
outras pessoas dizem que tais estados se refletem claramente em meu
rosto, e eu me mostro disposto a concordar com elas, unia vez que conheço
muito bem aquela expressão fisionômica, por já tê-la observado em outros.
Creio que foi Nietzsche quem afirmou que, de certo modo, o "tu" antecipa o
"eu". Isto se aplica, antes de mais nada, ao nosso conhecimento do caráter
e personalidade. Nossas experiências subjetivas estão longe de nos
apresentar uma imagem adequada de nossa própria pessoa, ao passo que
outras pessoas, muitas vêzes, reconhecem em poucos minutos seus traços
principais.

126

Não creio que as coisas que as outras pessoas dizem constituam os


elementos mais dignos de confiança a êsse respeito, muito embora suas
afirmações possam ser consideradas descrições de suas experiências. A
maior parte das pessoas não fala a respeito de suas experiências em si
mesmas. Além disso, freqüentemente, atribuímos às outras pessoas
afetação ou modéstia, amistosidades ou frieza, sem que elas digam uma
única palavra a respeito de seus sentimentos. Em países estrangeiros,
reconhecemos muitas vêzes se os outros são indelicados ou amáveis,
embora sua lingua possa ser para nós de todo desconhecida. Mesmo
quando entendemos as palavras de outras pessoas, a maneira com que elas
falam pode-nos ser mais valiosa para interpretar seus sentimentos do que
as próprias palavras. Em algumas situações, uma espécie de silêncio pode-
nos dizer mais do que muitas afirmações que poderiam ser feitas de acôrdo
com as circunstâncias. O comportamento dos macacos mostra que êles
geralmente se entendem entre si muito bem, embora não tenham
linguagem no sentido humano da expressão. Por êsses motivos, a
linguagem, como meio de comunicação de significado por palavras e frases,
dificilmente desempenhará um papel nos comentários que se seguirão.
Estou convencido de que, de qualquer maneira, estaremos em condições de
examinar relevantes aspectos do problema que nos interessa.

A resposta que os filósofos têm dado à pergunta que acima formulamos é


bem conhecida: uma vez que não posso perceber diretamente o que outra
pessoa experimenta, a única prova de que disponho, no que diz respeito aos
seus processos mentais, vem de seu corpo. De maneira mais particular, são
os acontecimentos na superfície dêsse objeto que me fornecem a
informação. Mas os acontecimentos dessa espécie naturalmente nada têm
de comum com as verdadeiras experiêndas da outra pessoa. Assim, a única
conexão entre a minha prova e essas experiêncis (que permanecem
inobservadas) é indireta, e se baseia no fato de tenderem as experiências
científicas a ser acompanhadas por alterações "expressivas" igualmnte
específicas do corpo de uma pessoa. Tomei conhecimento pela primeira vez
com essa conexão em meu próprio caso; verifiquei que minhas várias
experiências têm correlação com certos movimentos e alterações em meu
corpo. Depois de freqüentes repetições, esta observação me leva a tirar
uma inferência por analogia, quando percebo os mesmos acontecimentos
corpóreos em outros. Começo a acreditar que, em seu caso, êsses
acontecimentos podem ser tomados como sintomas de processos mentais
correspondentes. Do fato de ser êste planêta habitado por organismos,
deduz-se, algumas vêzes, que também deve haver criaturas vivas em outro
planêta, como Marte, que é semelhante à Terra, sob alguns aspectos. Sem
dúvida, essa dedução é da mesma espécie que aquela de que estamos aqui
tratando. Infelizmente, o paralelo astronômico mostra que as deduções
dessa espécie não podem ser consideradas como muito seguras. Além
disso, a teoria tem pouco apoio na observa-

127

ção. Na vida quotidiana, as pessoas não procedem dêsse modo, conquanto


ao mesmo pareçam compreender muito bem seus semelhantes.

Por êsse motivo, os psicólogos propõem uma explicação diferente. Não


alteram, é verdade, o ponto de partida: êle continua a ser a afirmação de
que verificamos serem as nossas próprias experiências acompanhadas por
certos fenômenos corporais. Agora, porém, chegamos ao ponto em que a
explicação psicológica é diferente da teoria filosófica:

segundo os psicólogos, a repetição constante produz acentuadas


associações entre nossas experiências e os fenômenos corporais
correspondentes. Em conseqüência, sempre que tais acontecimentos
corporais ocorrem em outras pessoas, as experiências correspondentes são
imediatamente reestruturados. Além disso, não há necessidade de que a
recordação consista no aparecimento de imagens e idéias; pode assumir a
forma da chamada assimilação, em que o fato que evoca a reestruturação
aparece impregnado do fato reestruturado. Já houve referência à
assimilação em outros capítulos. Ela atua quando o símbolo + dá a idéia de
adição, quando um esquife aparece impregnado do horror da morte e
quando uma bandeira parece ter absorvido as virtudes particulares de um
país. Da mesma maneira, dizem-nos, as modificações corporais vistas nos
outros parecem agora impregnadas de experiências que tivemos
freqüentemente, quando tais mudanças ocorriam em nosso próprio caso.
Em resultado, a amistosidade pode parecer visível na fisionomia dos outros,
ou a raiva ser perfeitamente audível em um grito de animal.

Será desnecessário observar que se trata, mais uma vez, de uma teoria
empírica, que deve ser encarada com cautela. Se fôsse correta, seríamos
incapazes de compreender qualquer comportamento que não tivesse
freqüentemente ocorrido em nós mesmos. Os fatos não se mostram muitos
acordes com esta conclusão. Por acaso não compreendemos outras pessoas
que são extremamente diferentes de nós mesmos? A típica virilidade de
Douglas Fairbanks impressionava-me muito, embora, infelizmente, jamais
eu pudesse oferecer algo de comparável. Por outro lado, algumas vêzes vejo
estampado no rosto de outra pessoa uma repelente ganância, para a qual
não existe correspondente em minha própria experiência.

A interpretação filosófica da "compreensão social" não era menos empírica


do ue é a explicação psicológica. Por que ambas admitem que a
compreensão que temos dos outros deve ser um processo inteiramente
indireto? Evidentemente, tanto os filósofos como os psicólogos presumem
ser diferentes, sob todos os aspectos, as características dos processos
mentais, por um lado, e a conduta susceptível de de ser observada, por
outro lado. Partindo-se dessa premissa, a única relação possível entre os
fatos da primeira e da segunda espécie será uma concomitância externa,
embora regular, e seguem-se as conseqüências empíricas. Se, porém, a
premissa fôsse correta, deveria ser fácil separar na impressão que temos de
outras pessoas os ingredientes que

tiveram sua origem em nossas próprias experiências mentais do passado, e


os componentes que constituem meros fatos do comportamento. Fatos
incomparáveis não podem ser amalgamados em unidades insusceptíveis de
serem analisadas. Se, porém, em uma fisionomia aparentemente amistosa
tentarmos separar a amistosidade das características do rosto em si
mesmas, verificaremos tratar-se de uma tarefa assás difícil. Enquanto
considerarmos o rosto como um todo, e não como um mosaico de partes
coloridas, a amistosidade parece permanecer como característica intrínseca
do rosto.

Já formulamos a premissa que leva às interpretações empíricas do


entendimento social. Por que motivo, porém, foi essa premissa geralmente
aceita? Por que supõem os teóricos que os processos mentais e os fatos do
comportamento que os acompanham nada tem em comum? A resposta é
bem evidente. Segundo Descartes e muitos outros filósofos, os materiais e
fenômenos da natureza são diferentes toto genere dos conteúdos e
processos da esfera mental. Poucas doutrinas têm influenciado o
pensamento moderno tão fortemente quanto essa tese. Infelizmente, ela
também tem sido aplicada à situação de que estamos aqui tratando. O
comportamento de outras pessoas, argumenta-se, diz respeito aos seus
corpos. Em conseqüência, os fatos do comportamento são fatos físicos e,
assim sendo, nada têm em comum com os processos mentais.

Pelo que aprendemos nos capítulos anteriores, verifica-se, sem dificuldade,


que êste argumento é errôneo. Inadvertidamente, usa êle a expressão
"fatos do comportamento" em dois sentidos diferentes. Seja ou não correto
o argumento, quando aplicado ao comportamento dentro da esfera de fatos
físicos, o problema do entendimento social não se refere diretamente ao
comportamento nesse sentido. Refere-se, em primeiro lugar, a fatos
perceptivos que uma pessoa experimenta em contacto com outras pessoas,
pois tanto os corpos como o comportamento dessas outras pessoas se
apresentam à primeira pessoa apenas como percepts e mudanças de
percepis. Disso se conclui que as teses sôbre a natureza do mundo físico e
sua relação com os processos mentais não cabem em um primeiro estudo
do problema. Evidentemente, nosso primeiro problema consiste em saber
como comportamento, tal como é percebido, pode ajudar uma pessoa a
compreender as outras pessoas. Procurando solucionar êste problema, não
precisamos de pronto fazer qualquer presunção sôbre a natureza física dos
fatos.

Não nego, naturalmente, que o comportamento tal como é percebido está


relacionado com mudanças que ocorrem na superfície dos organismos em
questão, isto é, com o comportamento físico. Também admito que essas
modificações físicas não estão diretamente mais relacionadas com os
processos mentais das pessoas do que estão os fenômenos que
percebemos, quando observamos essas pessoas. De qualquer modo, uma
vez que o comportamento dos outros só nos é apresentado na percepção,
nosso conhecimento dos outros deve, antes de mais nada, referir-se

128

129

a essa fonte. Parece, assim, que o comportamento como esfera de fatos


perceptivos também deve ser nosso primeiro sujeito, quando tentarmos
solucionar o problema do entendimento social. Afinal de contas, devemo-
nos lembrar que, às vêzes, os percpets nos contam mais a respeito dos
fatos do que os acontecimentos, que se interpãem entre êsses fatos e êsses
percepts (c/ Cap. , pág. 94). Do mesmo modo, o comportamento observado
pode-nos revelar mais a respeito dos processos mentais dos outros do que
se poderia conseguir com um estudo de seu comportamento físico.
Nosso problema é particularmente interessante quando se refere às
experiências mais subjetivas de outras pessoas, tais como suas emoções e
seu raciocínio. De certo modo, tais fatos se revelam através do
comportamento das pessoas, tal como o percebemos. Será, então, verdade
mesmo que o comportamento, nesse sentido, não permite comparação com
aquêles fatos mentais? Ou os fatos mentais se expressam no sentido mais
específico em que o têrmo implica a semelhança da expressão com o que
está sendo expressado? Se esta última hipótese pudesse ser apoiada pelos
fatos, estaria, evidentemente afastada a principal razão de versões
rigorosamente indiretas do entendimento social.

Nestas circunstâncias, nossa principal tarefa será a de comparar


experiências subjetivas com comportamentos que, na ocasião, são
percebidos pelos outros. Procederemos vagarosamente, contudo. Em seus
esforços para classificar as experiências humanas, a Psicologia tem, em
geral, realçado diferenças onde um exame mais atento revela notáveis
semelhanças. Como questão de prática preliminar, consideraremos primeiro
tais semelhanças em casos em que não esteja envolvida a experiência
subjetiva.

Vejamos as qualidades dos diferentes sentidos. De há muito vem sendo


sustentado que essas qualidades nada têm em comum. Podemos, no
entanto, apontar vários exemplos que estão em desacôrdo com êste ponto
de vista. A claridade e a escuridão, por exemplo, são atributos tanto da
experiência auditiva quanto da visual. Também se um objeto que tocamos
se mostra frio, sua frialidade se parece, de algum modo, com o brilho visual;
o calor agradável é escuro, em comparação. Já observei que a palavra
alemã "rauh" (áspero) é usada para certas experiências auditivas e também
para experiências tácteis. Em inglês, não sàmente a superfície que tocamos,
mas também o som de uma voz ou o gôsto de um vinho podem ser
chamados "smooth".3 O poeta alemão Morgenstern disse, referindo-se às
gaivotas:

'Die Mowen seben alie aus, ais ob sie Emma hiessen."

(Tôdas as gaivotas dão a impressão de que seu nome é Emma). Acho que
Morgenstern tinha tôda a razão. O som de "Emma" como um

3 O adjetivo corresponde, nesse sentido, mais ou menos a "suave" em


português. (N. do T.)

130

nome e a aparência visual da ave me parece semelhantes. Outro exemplo é


meu próprio. Quando convidadas a identificar as palavras inexistentes
"takete" e "maluma" com os dois desenhos mostrados nas Figs. 18 e 19, a
maior parte das pessoas responde sem hesitação. Encontramos provas,
realmente, nas linguas primitivas, da tese segundo a qual os nomes das
coisas e dos fatos, que são perceptíveis, táctil ou visualmente, se
originaram, muitas vêzes, com base em tais semelrianças.5
Depois desta explicação preliminar, voltemos ao nosso problema principal e
comparemos as experiências subjetivas com os fatos perceptivos. A êsse
respeito, será interessante saber que palavras estão sendo usadas com
referência a experiências subjetivas. A maior parte das pessoas concordará
com a afirmação de que, se em comparação com a visão da fóvea, a visão
periférica pode ser chamada "indistinta", o mesmo têrmo se aplica a
experiências mais subjetivas; a êsse respeito, elas se parecem mais com
fatos da visão periférica que da visão da

fóvea. Se isso fôr admitido, porém, teremos dado um passo importante;


reconhecemos que as experiências subjetivas têm pelo menos algo em
comum com certos fatos perceptivos. Klages coligiu grande número de
palavras que são usadas na descrição de experiências subjetivas, assim

4 Cf. também Usnadze, PsyehoZ. Forsch., 5, 1924.

5 E. von Hornboatel, Festschi-if é Meinhof. 1927.

FIO. iS

Pio. !9

131

como de fenômenos perceptivos.° Darei apenas alguns exemplos. Algo


provoca em nós um sentimento "amargo". Outras vêzes, sentimos uma
"moleza". A "doçura" do amor ocorre, segundo parece, em todos os países,
assim como alegria "luminosa" ou dor "sombria". Na ira, há algo que muitos
chamam de "ardente".

Muitas vêzes, os têrmos em questão referem-se a características mais


dinâmicas. Assim, uma expectativa pode ser chamada "tensa", expressão
em que uma experiência subjetiva é comparada com o que sentimos
quando tocamos em uma corda distendida. Certa maneira de pensar
parece-nos "reta" e todo o mundo sabe imediatamente o que se quer dizer,
usando-se a palavra nesse sentido. Tanto "calma" como "agitação" ocorrem,
naturalmente, no campo visual, mas muitas vézes as mesmas palavras se
referem a fatos da experiência subjetiva. Também nos sentimos "atraídos"
por alguma coisa ou somos levados a "repelí-la". Algumas vêzes, temos o
espírito "elevado", outras "deprimido". O leitor não terá dificuldade em
continuar a lista.

Não faltará quem se recuse a tirar qualquer conclusão de tais fatos, sob a
alegação de que nada se pode deduzir de simples analogias. Não posso,
contudo, aceitar êsse argumento, pois o que entendemos por analogia é
precisamente uma espécie de semelhança. Além disso, quando experiências
subjetivas recebem nomes que também se aplicam a fatos perceptivos, isso
não acontece a êsmo. Se um dêsses nomes é aplicado apenas a fenômenos
subjetivos particulares, e outro a outros diferentes, igualmente particulares,
deve haver um princípio que regula as várias aplicações. Ëste princípio
também deve atuar quando, em uma vigorosa descrição de fatos íntimos,
alguém inventa uma dessas transferências de têrmos e, também quando os
outros compreendem o que êle quer dizer. O único princípio que posso
descobrir é que certas experiências dos mundos interno e perceptivo se
parecem umas com as outras.

A teoria da vida emocional de James-Lange afirma que as experiências emo-


cionais 8õ,O fatos sensoriais, isto é, impressões vagas que se originam em
nossos miscu1os, vísceras, etc. Pode haver certa verdade nesta teoria. Não
parece conveniente, porém, ligar nossos atuais argumentos com os de outra
qualquer teoria. É perfeitamente possível reconhecer que certos fatos
perceptivos e emocionais se parecem entre si e, no entanto, duvidar que se
possa afirmar a existência de uma identidade. Além disso, a explanação
seguinte tratará, naturalmente, das características perceptivas que o
comportamento das pessoas exibe. Em sua maior parte, essas
características são fenômenos visuais e auditivos, que não desempenham
qualquer papel na teoria de James-Lange. Não temos motivo, assim, para
sobrecarregar nossas pesquisas com argumentos acêrca dessa teoria das
emoções.

Até agora, ficamos sabendo que, como questão de princípios, os fatos da


vida interna e os fatos perceptivos podem ter certos traços em comum. A
principal pergunta a que temos de responder é, contudo,

6 L. Klages, Vom Wesen des Bewusstseins. 1921.

muito mais específica: pode o comportamento de uma pessoa, tal como é


percebido pelos outros, assemelhar-se aos processos mentais dessa pessoa?
Passarei a expor alguns exemplos em que a observação parece dar uma
resposta clara a essa pergunta.

Dois cientistas russos estão conversando, na minha presença, em seu


idioma, a respeito de uma questão em que êles de há muito discordam.
Posso observar seu comportamento como uma questão de fatos visuais e
auditivos, mas não posso entender suas palavras. Durante algum tempo, a
cena é calma. De súbito, contudo, a cabeça do homem que se encontra à
esquerda se move para trás, como se atingida por algo e, a partir dêsse
movimento, tanto o tom de sua voz como a expressão de seu rosto
adquirem certa dureza. Logo em seguida, também se altera o
comportamento do outro homem; tenho a tentação de aplicar-lhe a
expressão musical crescendo. O mesmo fenômeno começa a aparecer no
homem que se acha à esquerda. Também êle age e fala cada vez com mais
intensidade, de maneira que tôda a cena se aproxima de um estado de
grande agitação. De repente, porém, vejo o homem da direita olhando para
um quadro de avisos na parede e sorrindo. Diz algumas palavras ao colega,
que logo olha para a mesma direção. Depois de um momento de hesitção,
sua fisionomia se adoça um pouco, desanuvia-se gradativamente e, dentro
de alguns segundos, a cena era tão calma quanto fôra no comêço.
Ëstes cientistas sabem meu idioma e de boa vontade contam o que
aconteceu. O homem da esquerda me diz que, pouco depois do comêço da
discussão, algumas palavras inesperadas do interlocutor lhe deram a
impressão de uma ofensa pessoal e que, em conseqüência, êle quase
perdeu a cabeça. O homem da direita informa que, de repente, o outro
homem começou a se mostrar teimoso a ponto de não querer ouvir mais
argumento algum e que, tendo essa impressão, êle próprio não pôde conter
a raiva. O homem da esquerda confessa que, pouco a pouco, uma intensa
irritação o dominou também. Afinal, sou informado de que o letreiro da
parede era a tradução para o russo de "Conserve o seu sorriso". Como o
conselho foi útil, os dois cientistas não tardaram a recuperar um estado de
espírito mais calmo.

Não se pode negar que, neste caso, o comportamento percebido de duas


pessoas e suas experiências subjetivas têm certos traços em comum. Como
os vejo, os dois cientistas formam um grupo, cujos membros dirigem tôdas
as suas atividades, um para o outro. Subjetivamente, cada um dêles acha
que lança suas afirmações contra o outro ou que se defende contra os
argumentos do outro. O movimento para trás do homem da esquerda
mostra, com um fato visual, como êle foi afetado pela observação hostil do
outro, e o endurecimento de suas feições reflete a rígida atitude íntima que
êle assumira em conseqüência disso. O crescendo emocional em ambos que
se segue então é diretamente expresso no crescendo visual e auditivo de
seu comportamento, tal como o percebo. Posteriormente, eu os vi se
voltarem para o letreiro, como

132

133

êles realmente fizeram na ocasião. Afinal, eu vi e ouvi voltar a calma,


quando suas emoções se aplacaram.

A lição que se pode tirar dêste exemplo é aplicável muito além do presente
caso. Muitos acontecimentos dinâmicos na experiência subjetiva tendem a
expressar em formas de comportamento percebido que, de certo modo, se
assemelham àqueles acontecimentos. Geralmente, tanto os processos
emocionais como os intelectuais têm características que também são
conhecidas graças à música, isto é, pela experiência auditiva. Crescendo e
diminuendo, accelerando e ritardando são exemplos evidentes. Estas
expressões, porém, são aplicáveis não apenas a fatos auditivos como
também a fatos percebidos visualmente. Assim, quando tais feições
dinâmicas ocorrem na vida íntima de uma pessoa, podem ser
representadas, de maneira muito adequada, pelo comportamento dessa
pessoa, tal como é percebido, auditiva e visualmente, pelos outros. Na
verdade, é isto que acontece constantemente. Quando alguém se lembra de
uma injustiça de que foi vítima, provàvelmente, enquanto sua indignação
fôr aumentando, caminhará cada vez mais depressa. Assim o maior ritmo e
a menor intensidade de suas reflexões emocionais são bem refletidos no
accelerando e crescendo de seus movimentos, tais como são vistos pelos
outros. Naturalmente, a mesma agitação íntima pode expressar-se em um
accelerando e ri/orzando do comportamento vocal. Outra coisa: olhemos
uma pessoa em manhãs diferentes. Algumas vêzes, seus movimentos são
equilibrados e calmos, mas, outras vêzes, sua fisionomia e suas mãos
denotam instabilidade e desassossêgo. Tal pessoa não precisará dizer-nos,
no primeiro caso, que se encontra descansada e bem disposta, e no
segundo, que está inquieta; de certo modo, ambas as situações íntimas nos
são diretamente evidentes. Do mesmo modo, a hesitação e a incerteza são
acompanhadas por formas de comportamento que, como fatos perceptivos,
se parecem com aquêles estados interiores. O observador pode, por
exemplo, ver movimentos em várias direções, cada um dêles tornando-se
mais vagaroso mal é iniciado e com sua seqüência destituída de
organização unitária. Além disso, desde que os sêres humanos não sejam
particularmente inibidos, qualquer brusca descontinuidade em suas
experiências será, provàvelmente, seguida por súbitos fenômenos de seu
comportamento percebido. Em um momento de súbito temor, os sêres
humanos dão um pulo para trás, ou estremecem. Quando uma pessoa
experimenta aquêle relâmpago pelo qual alguma nova idéia nos chega de
sibito, pode parar no meio de uma frase e também dar um tapa na testa.
Assim, seus processos mentais e sua aparência aos olhos dos outros
apresentam a mesma descontinuidade. Muitas vêzes, o comportamento de
um homem se revela como organizado de uma maneira que está de acôrdo
com a organização de sua verdadeira planificação e ação. As ações que vêm
de uma fonte determinadora mostram-se como uma corrente coerente de
fatos visuais. Por outro lado, quando a ação, tal como é subjetivamente
experimentada, consiste de partes relativamente isoladas, a mesma

articulação provàvelmente caracterizará seu comportamefl percebido. Ao


discutir o problema, talvez os filósofos e psicólogos tenham concentrado
demasiadamente a atenção nos movimentos expressívos que acompanham
as emoções. De qualquer maneira, fatos igualmente relevantes têm sido
virtualmente ignorados: o comportamento, no sentido mais prático da
palavra, tende a ser encarado como organizado em formas que copiam a
organização dos fatos internos correspondentes O leitor encontrará mais
exemplos em um livro em que descrevi o comportamento dos macacos.7

Passo, agora a observações de uma classe ligeiramente diferente. Tanto na


experiência objetiva como na subjetiva, a direção pode acarretar tensao. Por
exemplo: se minha atenção é atraída por um objeto estranho como uma
cobra, essa direção de meu ser é acompanhada por um sentimento de
tensão. Naturalmente, uma pessoa que estiver próxima verá meu rosto e
meus olhos voltados para o lugar em que se encontra o objeto, mas, na
tensão de meu rosto, ela verá também uma imagem visual de minha tensão
interna, e essa tensão se referirá ao mesmo lugar. Pode-se objetar que entre
meu rosto e a cobra não existe estímulos nos quais se pudesse basear uma
percepção da relação de tensão. Êste argumento é errôneo, pois não leva
em consideração os fatos do agrupamento visual. Quando alguém percebe
que meus olhos tomam uma direção particular - e a êsse respeito os olhos
humanos são extraordinàrjamente expressivos - as partes do campo que se
acham naquela direção ficarão imediatamente relacionadas com meus
olhos, meu rosto e tôda a minha pessoa. Os agrupamentos dessa espécie
não são mais enigmáticos do que são os casos de formação de grupo de
que tratamos em capítulo anterior. O mesmo se dá nos casos em que a
pessoa em questão se afasta de um objeto. Também aí a relação pode ser
perfeitamente evidente para um observador num campo visual. Como
exemplo, cito as seguintes palavras, tiradas da descrição de uma famosa
experiência:

"ËIe estendeu o braço para tocar a cabeça do animal com o dedo indicador
da mão esquerda, mas afastou-a de súbito antes do contacto."

(Um pouco de lã em um papel de embrulho é apresentado a uma criança.)


"Ela começou a brincar com o papel, evitando o contacto com a própria lã."

Ambas as informações constam do trabalho do Dr. Watson sôbre


experiências com crianças de tenra idade.8 A primeira informação significa
que se viu o movimento do dedo dirigido para o animal; nenhuma outra
interpretação pode ser dada à expressão "estendeu". Os métodos objetivos
de observação, tal como Watson compreendia a expressão, naturalmente
não encontrarão qualquer conexão entre o

7 T)i Meiztality of Aoes. 1925.

8 Psychojogjes o/ 1925. 1926.

135

dedo físico e o animal físico. Não obstante, o autor - que abomina a própria
idéia da experiência - é aqui tão fortemente influenciado por um fato de
agrupamento visual que, por um momento, se esquece de seus axiomas de
behaviorismo e presta informações de maneira que só tem sentido partindo
do ponto de vista da experiência perceptiva. Na realidade, faz êle ainda
pior, pois, ao empregar a expressão "estendeu o braço para" adota o ponto
de vista da psicologia intencional. Na segunda informação, o mesmo se
aplica às palavras "evitando o contacto com". É claro que, se alguém "evita
contacto" com um objeto ou se "estende o braço" para alguma coisa, os
fatos psicológicos envolvidos estão excelentemente retratados no campo
perceptivo de um observador.

Nos últimos exemplos, é mais o aspecto espacial e não o temporal, do


comportamento percebido que se parece com as experiências internas de
uma pessoa. Como mais um exemplo nesse sentido, podemos observar que
as pessoas em estado de depressão patológica costumam assumir uma
postura curva, semelhante à de uma pessoa normal em um período de
extrema fadiga ou sofrimento. Justamente o contrário é observado nos
pacientes portadores de uma euforia ou entusiasmo acima do normal. Seus
corpos freqüentemente mostram um porte erecto, correspondente, e em um
caso descrito pelo Dr. Janet, o paciente se pôs a andar na ponta dos pés.
São outros notáveis fatos visuais que expressam diretamente situações
mentais.

Muitos leitores devem estar familiarizados com o exemplo seguinte, que tirei
da psicologia social. Um homem que ocupa posição elevada, para a qual
talvez tenha o coração demasiadamente bom, está acostumado a tratar
seus subordinados como amigos. Quando se vê obrigado a censurar
severamente um dêles e fazê-lo sentir que as relações amistosas
terminaram, tal homem pode-se tornar um objeto altamente sugestivo para
observação. Se não tiver adquirido experiência em ocasiões anteriores, terá
êle a maior dificuldade para dizer as palavras decisivas. Apesar da
seriedade de suas intenções, não dirá tais palavras e, sim, outras que não
vão diretamente ao centro da questão. Se o outro homem é bastante
sensível, adivinhará tôda a verdade pelo que ouve, mas o que é realmente
dito deixa uma espécie de véu em tôrno da questão principal. Visto de fora,
o comportamento do alto funcionário é a imagem de sua perturbação
interior. Êle sabe muito bem o que deveria fazer, mas fatôres sociais o
impedem de agir exatamente de acôrdo com êsse programa. Podemos vê-lo
caminhando de um lado para o outro, diante do culpado, fugindo
constantemente à ação direta. Quando pára, seus olhos são dignos de
observação. No jôgo sensível dos olhos, as resoluções internas, mas
também as dificuldades, de uma pessoa tornam-se mais reconhecíveis do
que em qualquer outra parte. Naturalmente, é bem fácil olhar diretamente
para os olhos de um homem, quando lhe dizemos amabilidades em que êle
não acredita de todo. Neste caso, as fôrças sociais não oferecem resistência,
mas, ao

136

contrário, atuam precisamente naquela direção. Experimentemos porém,


olhar para os olhos de um homem, quando lhe dizemos algo que deve
chocá-lo, em face das convenções sociais. Para algumas pessoas, isso é
uma tarefa extremamente difícil, em particular se antes as relações foram
muito amistosas. Em nosso exemplo, o homem pode muito bem ter tido
idéia de olhar para os olhos do outro, mas seus próprios olhos ou paravam,
na bôca ou no nariz, por exemplo, ou se realmente fitavam os olhos do
outro, logo se afastavam. Da mesma maneira com que asse homem, ao
censurar um subordinado, sendo suas intenções se desviarem, e suas
palavras evitam o passo socialmente decisivo, assim também seu
comportamento se mostra persistentemente afastado do objeto, muito
especialmente dos olhos do outro homem, onde parece estar localizado o
próprio centro de sua personalidade.

O motivo pelo qual essas semelhanças não são fatos com os quais o
psicólogo esteja famffiarizado, reside, provàvelmente, na tendência analítica
da nossa ciência. Enquanto raciocinarmos sôbre situações perceptivas, em
função de matizes locais de brilho, colorido, etc., não encontraremos apoio
para o ponto de vista de que o comportamento costuma parecer-se com os
fatos mentais. Se, porém, encararmos o comportamento de um modo mais
simples, e permitirmos que o agrupamento, direção, tensão, etc., nos
impressionem como naturalmente impressionam, então tal ponto de vista
não mais nos surpreenderá.

Convém dizer agora mais algumas palavras sôbre o aspecto genérico do


problema. Por que motivo o comportamento percebido de uma pessoa
muitas vêzes se parece com os processos mentais dessa pessoa? Em muitos
casos, a resposta é bem simples. Vejamos êste exemplo:

enquanto executa uma sonata, um pianista vive em uma corrente de


acontecimentos dinâmicos claramente organizados. Enquanto experimenta
a sua própria execução, termina êle agora uma frase musical e começa a
seguinte um momento depois; começa um crescendo como a qualidade de
Ehrenfels de um processo e um ritardando como uma outra. Ora, quaisquer
que possam ser as leis da inervação motora, os impulsos conduzidos aos
seus músculos certamente dependem da organização da música tal como
êle a tem no espírito. Fisicamente, o resultado consiste em ondas sonoras
no ar, que não são organizadas, mas meras seqüências de osdilações
reciprocamente independentes. Não obstante, algo permanece nessas
ondas que, em seu conjunto, é suficiente para a organização adequada do
que o público ouve. Quando o pianista tenciona executar um crescendo, sua
execução resulta em uma série de ondas de intensidade crescente. No
público, isso faz surgir um fato unitário auditivo que tem a qualidade de
"dilatação" de Ehrenfels. Quando o pianista termina uma frase e começa
uma outra, dá às ondas sonoras tais relações de proximidade temporal,
intensidade, etc., que elas se mostram capazes de estabelecer a mesma
articulação nos campos auditivos das pessoas que assistem ao concêrto. A
situação é mais ou menos a mesma no caso de objetos físicos que
aparecem

137

como coisas isoladas na experiência visual. Embora as ondas luminosas que


êsses objetos refletem, e, portanto, os estímulos que se imprimem na
retina, não sejam de modo algum organizados, as relações formais entre os
estímulos são bem preservadas na transmissão. Em resultado, a
organização costuma estabelecer as coisas "assertadas" na percepção. Em
nosso presente exemplo, contudo, a organização vai mais longe ao
restabelecer certos fatos do que no caso dos objetos, pois o que o público
ouve está de acôrdo não sàmente com os processos nervosos do pianista,
como também com as suas intenções e ações musicais como fatos
psicológicos. Para compreendermos êsse aspecto da situação, devemos
lembrar-nos das observações que fecham o Capítulo 2. Quando o pianista
executar uma frase como um processo unitário, deveremos presumir que os
processos cerebrais correspondentes constituem uma unidade funcional, ou
devemos presumir o contrário? Onde nessa experiência, a frase termina e,
então, uma nova frase se inicia, devemos supor que os processos
correspondentes no cérebro do homem são uniformemente coerentes, ou
devemos presumir que a organização temporal dêsses processos também
apresenta uma descontinuidade? A Psicologia da Gestalt sustenta que, em
ambos os casos, a organização fisiológica é a mesma que a organização
mental. Ëste ponto de vista é também sustentado com referência a todos os
outros aspectos da organização. Assim, a inervação projeta sôbre os
músculos do pianista uma organização que seus processos mentais e
correlativos cerebrais têm em comum. Dêste modo, são determinadas as
relações formais entre as ondas sonoras resultantes. A organização auditiva
das pessoas que ouvem a sonata, porém, depende de tais relações. Em
conseqüência, suas experiências são organizadas de uma maneira que se
ajunta à organização dos processos do pianista.

Mesmo se tudo isso é verdade, nossa compreensão das outras pessoas não
continua a ser um processo indireto? Na verdade, quando as vemos e
ouvimos, as outras pessoas podem, muitas vêzes, apresentar caracte
rísticas que se parecem com suas experiências interiores. Não obstante, tais
fatos perceptivos não são, por êsse motivo, idênticos às experiências
interiores daquelas pessoas. Neste ponto, portanto, a presente análise não
parece oferecer melhor solução de nosso problema que tem sido oferecida
por outros. Também nós parecemos necessitar de um passo final, uma
inferência, que conduza de certas experiências perceptívas aos processos
mentais dos outros. A semelhança pode facilitar essa inferência; mas a
inferência, ou algum outro processo indireto, parece ser necessária em
qualquer circunstância.

Procurarei, agora, explicar porque não posso aceitar êste raciocínio. Assim
fazendo, terei de defender certa forma de behaviorismo embora não o
behaviorismo que foi estudado no Capítulo 1.

Se, em uma noite, eu me lembro dos contactos com outras pessoas que tive
durante o dia, chego à conclusão de que, em sua maior parte, não me
pareceu particularmente difícil compreender tais pessoas. No entanto, tenho
certeza de que, durante êsses contactos, dificilmente eu me terei ocupado
das experiências internas daquelas pessoas per se. E agora que reflito sôbre
isso, posso naturalmente tentar deliberada- mente evocar imagens da
maneira pela qual o Sr. X e a Sra. Y provàvelmente ter-se-iam sentido nesta
ou naquela ocasião. Também posso fazer essas tentativas quando me
encontro, realmente, junto de tais pessoas. Durante o esfôrço, porém, em
breve percebo que se trata de um processo com o qual não estou, de modo
algum, familiarizado; evidentemente, raras vêzes, pratico algum ato desta
espécie na vida social normal. Além disso, o esfôrço costuma perturbar a
maneira pela qual naturalmente compreendo as pessoas e que muitas vêzes
parece atuar de maneira muito mais satisfatória. Quando os compreendo
dêsse modo, presto atenção principalmente à voz e à aparência das
pessoas; naturalmente, também, quando elas falam, ao conteúdo de suas
palavras. Mas também aqui poucas vêzes traduzo o conteúdo dessas
palavras em função da experiência subjetiva. Ao contrário, são palavras em
si mesmas que parecem trazer o sentido em questão. Aparentemente,
sempre me esqueço de dar o passo final, mediante o qual devemos
penetrar na vida íntima de outras pessoas.

Nossa análise refere-se ao entendimento tal como ocorre em circunstâncias


ordinárias. Presentemente, não estamos preocupados com as questões
epistemológicas que um filósofo sugeriria em tal conjuntura, nem
consideramos os meios pelos quais um psicólogo procuraria investigar os
processos mentais dos outros. Os fatos da vida social que estamos
considerando ocorrem na ausência de quaisquer conceitos teóricos. Para um
teórico, que distingue perfeitamente os dados perceptivos dos fatos da
experiência subjetiva em outros, a passagem dos primeiros para os últimos
pode parecer absolutamente necessária para que os homens se entendam
uns aos outros. Na vida comum, porém, não damos atenção às premissas
filosóficas que conduzem a essa convicção. Antes de mais nada, na vida
comum somos cândidos realistas. Não temos a idéia de considerar as coisas
que nos rodeiam como simples versões perceptivas das coisas físicas. Isso
se aplica também aos objetos particulares que chamamos de outras
pessoas. Em conseqüência, tôdas as características que as coisas e pessoas
devem à organização perceptiva são, comumente, consideradas como
características das coisas e pessoas em si mesmas. Mas também não
atentamos para uma segunda distinção:

não traçamos uma nítida linha divisória entre os fenômenos subjetivos, no


significado rigoroso da expressão, e os fatos perceptivos que constituem os
corpos humanos. Afinal de contas, por que o faríamos? Em nosso próprio
caso, muitas experiências subjetivas parecem vagamente estar localizadas
dentro do nosso corpo e muitas vêzes virtualmente confundidas com
algumas de suas características perceptivas. Em muitos

138

139

casos, é extremamente difícil decidir se determinado fato subjetivo é uma


inclinação de nosso corpo ou de nós mesmos, em um sentido mais restrito.
Por que deveria ser adotado um ponto de vista diferente com respeito aos
corpos dos outros? Ëstes corpos, também, oferecem muitas vêzes
características que são, sob muitos aspectos, exatamente iguais a
fenômenos subjetivos. Assim enquanto dúvidas epistemológicas não
desempenhem qualquer papel, consideramos como certo que direções,
tensões, esforços, excitações, etc., de outras pessoas apareçam em seus
próprios corpos, interna e externamente.

Esta é, parece, a razão pela qual nos contactos sociais da vida comum
poucas vêzes é dado o passo final entre os fatos perceptivos e os processos
mentais. Do ponto de vista da simples fenomenologia não precisa êle ser
dado. Se eu me refiro à calma de um homem que está diante de mim, refiro-
me a um fato que percebo. Essa "calma" parece ser da mesma espécie do
estado que algumas vêzes encontro e algumas vêzes deixo de encontrar em
mim mesmo. Em circunstâncias ordinárias, não me interessa qualquer outra
calma que possa ser atribuída ao homem. Do mesmo modo, se o homem
"fica excitado", o crescendo, que ocorre diante de meus olhos e ouvidos,
não é, naturalmente, um fato sensorial neutro; em vez disso, a dinâmica do
acontecimento perceptivo é, ou contém o que eu chamo a excitação do
homem. Não indago a mim mesmo se alguma coisa que pertence a um
mundo diferente acompanha a impressionante exibição. Tal questão
sàmente se apresenta quando assumo a atitude artificial com que os
filósofos e psicólogos encaram a situação. Naturalmente, na vida
quotidiana, jamais assumo tal atitude. Quando tomo consciência da
"hesitação", "inquietação", "determinação", "depressão", "esquivança",
"aproximação", etc., de outra pessoa, poucas vêzes sou tentado a ir além
dos fatos perceptivos em si mesmos, os quais, repito, estão longe de ser
fatos neutros. Quando emprego comumente tais expressões, elas se
referem a acontecimentos no espaço perceptivo.

Convidarei o leitor a fazer uma simples observação antes de criticar estas


afirmações. Não é difícil embaraçar outra pessoa. Convido o leitor a assim
fazer e, se fôr bem sucedido, a perguntar a si mesmo se o embaraço de
outra pessoa é um fato perpectivo, ou algo que acontece em outro mundo.
Naturalmente, durante a observação, o leitor teria de abster-se de qualquer
raciocínio filosófico.

A presente explicação precisa ser amplificada em um ponto. Quando digo


que o entendimento social comum se refere a certos acontecimentos
perceptivos, somos forçados a presumir que tais acontecimentos ocorrem
apenas na superfície do corpo de outra pessoa. No entanto, no que diz
respeito à descrição fenomenológica, isto nem sempre é inteiramente
verdadeiro, pois os acontecimentos em questão às vêzes parecem emergir
do interior do corpo. Contradiz esta observação à nossa análise? A resposta
vem de outra pergunta. Qual é "o interior" de que êsses acontecimentos
parecem vir? Evidente, é o interior do corpo, como

unidade perceptiva. Ora, se emergem acontecimentos de um volume que é


cercado por certa superfície, o volume e a superfície pertencem,
evidentemente, ao mesmo mundo, que, no presente caso, é o mundo dos
fatos perceptivos. Assim, ainda é o corpo, como um percept do interior do
qual os fatos emergem. Conseqüentemente, essa observação é
inteiramente compatível com nossa descrição do entendimento social.9

Nossa análise tem uma conseqüência que não foi mencionada até agora. Se
o organismo de um ser humano pode emitir estímulos que dão origem a
fatos perceptivos "com ingreclintes psicológicos", não há razão para que os
estímulos que vêm de outras fontes nunca sejam capazes de causar efeitos
semelhantes. Naturalmente, as imagens de pessoas, particularmente
daquelas que vemos se movendo em uma tela de projeção, satisfazem as
condições necessárias. Independentemente, contudo, de exemplos tão
banais, há outros acontecimentos e objetos que nos impressionam da
mesma maneira. Poucas pessoas podem ouvir o retumbante crescendo de
uma trovoada distante como um fato sensorial neutro; à maior parte delas
parece "ameaçador". No que diz respeito à percepção, várias condições
meteorológicas aparecem igualmente impregnadas de características
psicológicas.b0 Falamos, assim, de tempo "calmo" e "ameaçador", "feio" e
"bonito", etc. Tais expressões são empregadas também com relação a
paisagens, ao aspecto das ruas de uma cidade e assim por diante.
Repetindo: seria surpreendente e constituiria séria objeção à nossa
argumentação geral, se sàmente as criaturas vivas e suas imagens
apresentassem as características de Ehrenfeis dêsse tipo. Ao contrário,
porém, a freqüente ocorr'ência de fenômenos semelhantes em outras partes
do mundo perceptivo corrobora nossa tese de que não há necessidade de
apelar para interpretações dependentes de experiências subjetivas. O
homem moderno não atribui tais experiências a uma tempestade ou
paisagem, e, no entanto, ouve a ameaça na trovoada e a benevolência em
algumas paisagens.

De vez em quando, devo admitir, o problema do entendimento social parece


apresentar dificuldades que não podem ser removidas por meio de nossa
presente análise. Aparentemente, o comportamento nem sempre se parece
com a experiência interior que o acompanha. Será a risada, tal como é
ouvida pelos outros, uma expressão adequada dos fatos subjetivos que
ocorrem na pessoa que ri? Acho difícil responder

9 lícito indagar como um acontecimento pode emergir do interior do corpo,


quando este interior não é visível. Semelhantes fatos de "transcendência'
não são, de modo algum, raros na percepção. Como o problema diz respeito
mais à percepção em geral que às nossas presentes investigações, não
podemos discuti-lo aqui.

10 Neste caso, há uma complicação, As condições do tempo não nos afetam


apenas pelo estímulo dos Órgãos sensorials e subseqüente organização
perceptiva, mas t5mbém de um modo biológico mais direto.

140

141

a esta pergunta. Se a resposta correta fôsse negativa, as interpretações


indiretas do entendimento teriam de ser consideradas em primeiro lugar.
Em vista, porém, dos fatos que temos aqui discutido, tais interpretações
teriam de ser grandemente modificadas. Com efeito, se nossa interpretação
é correta, isto é, se o entendimento é, muitas vêzes, inteiramente direto,
então qualquer ampliação dêsse entendimento direto por meio de processos
indiretos encontrará seu curso mais ou menos prescrito. Mais
particularmente, o entendimento direto influenciará o entendimento indireto
tanto em um sentido negativo como em um sentido positivo. Os fatos do
entendimento direto resistirão a tôdas as amplificações indiretas que não se
acordem com aquêles fatos e facffitarão qualquer entendimento indireto
que estiver de acôrdo com a própria tendência dêsses fatos.

Independentemente dos casos em que o comportamento percebido não se


parece com as experiências de uma pessoa, o entendimento direto em si
mesmo tem suas limitações. Não podemos afirmar que a vida interior de
uma pessoa seja inteiramente revelada por seu comportamento. A maior
parte das pessoas esconde-se desde cedo, e isto é verdade,
particularmente, quanto à vida emocional e suas motivações. Os atôres,
pianistas, cantores e declamadores poucas vêzes revelam o nervosismo que
muitos dêles sentem diante do público. Na verdade, a calma que foi
adquirida apenas como uma capa social, às vêzes, pode deixar de
convencer, justamente porque exige um esfôrço, mas é uma verdade
incontestável que inúmeros fenômenos que se passam na vida íntima de
uma pessoa permanecem inteiramente ocultos, enquanto essa pessoa se
encontra na companhia de outras. Seria também espantoso se os estímulos
que nascem de um organismo humano dessem sempre origem a uma
representação perceptiva plenamente adequada daqules fenômenos. Muita
coisa se perderá e muita será deturpada. Afinal de contas, a conexão
funcional entre os processos interiores de uma pessoa e suas conseqüências
perceptivas em outras constitui uma cadeia causal enormemente
complicada.

Afirmando que o entendimento social é principalmente da espécie aqui


considerada, não decidimos se o entendimento nêsse sentido pode ser
empregado como prova no trabalho psicológico. Superficialmente, tem-se a
impressão de que a resposta a uma pergunta neste sentido deveria ser
rigorosamente negativa. Não verificamos que mesmo o trovão, o estado
atmosférico e as paisagens apresentam fatos do mesmo tipo? Em tais
casos, ninguém considerará tais fatos como provas de processos
psicológicos. Parece, assim, que ninguém confia realmente no
"entendimento direto". Embora êste argumento se mostre impressionante,
não o considero de todo convincente. Muitos fatos perceptivos,
concernentes à côr, ao formato, ao movimento, etc., são usados, de vez em
quando, nas ciências naturais, e, no entanto, é bem sabido que a côr, a
forma e o movimento de objetos perceptivos estão muitas vê2es sujeitos a
influências que, em tais condições, tornam tais fatos

142

inúteis para o cientista. Por êsse motivo, são êles sômente tidos como
certos de um modo preliminar e, com notáveis exceções, postos
inteiramente de lado nas medições de verdade. No nosso caso, parece
aconselhável seguir, mutatis mugandis, o exemplo, ísto é, confiar no
entendimento imediato, tal como aqui se descreveu, desde que, num
determinado caso, não haja motivo para desconfiança. Se fôssemos rejeitar
inteiramente seu testemunho, poderíamos, com facilidade, perder de vista
fatos que escapam a métodos mais ortodoxos de Psicologia. Nenhum
psicólogo, contudo, deve confiar no entendimento nesse sentido, sem estar
plenamente consciente de seu perigo.

Estas observações, naturalmente, não se referem ao entendimento direto


como uma fase notável de percepção. Poucos fatos perceptivos são tão
interessantes, particularmente para o psicólogo social, mas poucos, também
têm sido tão constantemente negligenciados.

BIBLIOGRAF

E. von Hornbostej: Fe8tschrift Meinhof. 1927.

L. Klages: Vom Wesen des Bewusstgejns. 1921.

W. Kõhler: Die Methoden der psychologischen Forschung an Af fen (Cf. Cap.


II).

W. Kõhler: The Place of Value in a World of Facts (Cap. IV). 1938.

Capítulo 8

Associação

SE nãO déssemos atenção à experiência direta, correríamos grande perigo


de construir um sistema de Psicologia artificialmente simplificado, como o
behaviorismo. Por outro lado, parece impossível estudar-se a Psicologia
apenas como a ciência da experiência direta. Para êsse fim, o campo da
experiência é demasiadamente restrito. É de todo evidente que os
acontecimentos neurais, acompanhados de experiência, constituem apenas
partes de estruturas funcionais maiores. Como tais, dependem de fatos aos
quais a experiência não tem acesso direto. Como poderíamos pretender
apresentar uma teoria adequada de fenômenos psicológicos meramente
com base na experiência, se os processos básicos dessa experiência
representam apenas parte de um conjunto funcional mais ampla? Ninguém
poderá compreender um jôgo de xadrez olhando apenas para o movimento
das pedras em um canto do tabuleiro.

Neste último caso, o observador dentro em pouco ficaria ciente de que,


constantemente, importantes fenômenos estavam acontecendo fora do
campo estreito de sua observação, pois os movimentos dentro dêsse campo
estão, evidentemente, relacionados com outros fatos que devem estar
além, particularmente porque certos movimentos vêm de lá e outros
desaparecem naquela região.
Exatamente a mesma coisa se dá com a experiência. Assim, por exemplo,
quando estamos lendo ou conversando sôbre coisas que, na ocasião, não
estão presentes, não podemos, habitualmente, criar imagens adequadas de
tais objetos. Algumas vêzes, êles podem parecer não ser representados por
qualquer experiência. Quando me perguntam qual é a minha profissão,
respondo que sou psicólogo, mas a verdadeira

experiência ligada a esta palavra pode restringir-se a um sentimento de


familiaridade e de conhecimento em certa direção, na qual deveria eu
mover-me, se se tornassem necessários dados mais minuciosos e concretos.
Essa presteza na mudança para a direção correta, quando o próprio objeto
não é apresentado de maneira explícita, foi magnificamente descrita por
William James. Trata-se, provàvelmente, de um dos fenômenos mais comuns
na experiência. Seu caráter mais notável consiste no fato de que, em tais
circunstâncias, partes da verdadeira experiência são sentidas como algo
que apontasse para além dessa experiência, em direção a algo específico
que temos certeza de que se encontra ali. Assim a experiência nos revela
nossas próprias limitações. Não devemos espantar-nos muito com esta
observação. É precisamente o que temos de esperar se, de um conjunto
funcional mais amplo, apenas uma parte restrita é representada na
experiência. A direção específica da qual temos, então, consciência,
corresponde ao fato de uma parte do campo conhecido pela experiência
estar funcionalmente relacionada com processos que não têm versões
experimentadas. Embora não sejam realmente experimentados, tais
processos devem ser altamente específicos, pois via de regra, seguimos na
direção correta quando lemos ou falamos, evidenciando-se, assim, que o ato
de ler ou de falar é adequadamente determinado por aquêles fatos ocultos.

Talvez o exemplo mais simples disto seja a comparação sucessiva em suas


diferentes formas. Depois de alguns anos de viagem, encontro-me com um
amigo e minha primeira idéia é: "Como está velho!" Isto não quer dizer que
o meu amigo esteja particularmente velho em uma escala absoluta.
Diàriamente vejo homens mais velhos. Também não quer dizer isto que a
imagem do meu amigo, tal como o conheci antes, seja agora reativada e
comparada com sua aparência atual. No entanto, a observação, de certo
modo, refere-se ao passado; representa uma forma extrema do que ocorre
na maioria dos casos de comparação sucessiva. Se, cinco segundo depois
de um primeiro som, ouço outro do mesmo tom, mas suficientemente mais
forte, posso fàcilmente reconhecer a relação entre os dois sons, embora, em
geral, não me lembre realmente do primeiro quando é apresentado o
segundo. (Na realidade, nas circunstâncias temos dificuldade em evocar
uma imagem mais ou menos correta do primeiro som, quando ouço o
segundo). Presentemente, todos os psicólogos parecem estar de acôrdo
neste ponto.

Como pode, porém, ser reconhecida a relação, se apenas um dos sons é


realmente experimentado? A resposta é que não experimentamos o
segundo som como um fato separado, e, sim, que êle nos aparece como
uma referência específica "a algo no passado".' Essa referência tem uma
direção ou tendência na dimensão do tempo que pode ser para cima ou
para baixo. Ainda mesmo se admitirmos tal fato, contudo, nosso problema
ainda não estará resolvido. Nossos julgamentos em

1 Podemos, também, dizer que o segundo som tem uma característica que
lhe pertence, como segundo membro de um par (Cf. Capítulo 6).

144

145

tais casos são, habitualmente, muito exatos. Assim, o que fica do passado,
isto é, do primeiro som, deve ser suficientemente representativo de sua
altura, para fazer com que o segundo surja na direção correta. Por outro
lado, êste traço do primeiro som não pode, sob todos os aspectos, pertencer
à mesma classe do processo que, cinco segundos antes, acompanhou a
experiência do primeiro som. Se êle fôsse precisamente da mesma espécie,
haveria também a experiência correspondente, o que, como vimos, não
precisa geralmente ser o caso. Assim, sàmente algum efeito daquele
primeiro processo pode restar, enquanto o próprio processo se atenua. É
êste efeito que deve representar o próprio processo. Na verdade, deve êle
representar êsse processo tão bem que o segundo som aparece com a
relerência correta ao nível do primeiro.

No que se refere aos pormenores, várias hipóteses podem ser aventadas.


Não será aceitável, porém, qualquer teoria que deixe de presumir a
existência de algum traço. Certa vez, apresentei uma explicação mais
minuciosa da comparação sucessiva, em que eram indicados o traço do
primeiro som e a elevação do segundo.2 Concluí que a experimentação na
comparação sucessiva pode-nos mostrar diretamente o que acontece ao
traço do primeiro processo, quando êste próprio processo cessou. Até agora,
tais experiências me levam a acreditar que traços dessa espécie são
conservados durante muito tempo e provàvelmente idênticos às bases
fisiológicas da memória.

Tôdas as teorias bem fundadas sôbre a memória, o hábito, etc., devem


conter hipóteses sôbre os traços da memória como fatos fisiológicos. Tais
teorias também devem presumir que as características dos traços são mais
ou menos afins às dos processos, graças aos quais elas foram criadas. De
outro modo, como poderia ser explicada a precisão da reestruturação, que é
notável em grande número de casos? A Psicologia da Gestalt acrescenta,
mais particularmente, que pode ser conservada nos traços qualquer
organização específica que apresentem os processos originais e as
experiências que os acompanham. Se tal organização é conservada, exerce
poderosa influência s8bre a reestruturação. Tomemos os exemplos
apresentados no Capítulo 4, onde estudamos o conceito da forma visual. Se
uma coisa com sua forma específica foi percebida muitas vêzes, juntamente
com outros fatos, a apresentação da mesma coisa pode mais tarde provocar
a reestruturação dos fatos. Se, porém, com os mesmos estímulos presentes,
outra coisa de forma diferente é vista por algum motivo, não haverá
reestruturação. Assim, quando o número 4 é mostrado em certo ambiente
(cf. Fig. 14) provocará fàcilmente a reestruturação do seu nome. Quando,
porém, é mostrada a Fig. 10 a uma pessoa desprevenida, tal nome não
ocorrerá de modo algum. Por outro lado, depois de ter a pessoa encontrado

2 PSYChO1. Forscb,., 4, 1923. Mais recentemente, minhas concepções


teóricas foram grandemente aperfeiçoadas por Lauensteifl (PS1JC7L01.
ForSClL., 17, 1933).

o 4 na Fig. 10, o que significa que o 4 passou a ser uma coisa isolada, tal
pessoa prontamente o verá de nôvo no futuro e em seguida reestruturará o
seu nome. Disso se deduz que os traços das experiências passadas não
constituem um contínuo indiferente nem um mosaico de fatos locais
independentes, e, sim, que devem ser organizados de maneira que se
pareçam com a organização dos processos originais. Com essa organização,
participam dos processos de reestruturação.

A mesma propriedade dos traços também pode ser deduzida dos fatos de
reconhecimento. Quando Rubin preparou seus sujeitos para que êles
apreendessem certos desenhos em uma distribuição particular de figura e
fundo, êsses sujeitos as reconheciam muito bem se, posteriormente, as
condições experimentais favorecessem a mesma organização. Se, porém,
uma área que, em primeiro lugar, fôra figura, se tornava o fundo na
segunda apresentação e vice-versa, os pacientes viam-se diante de novas
formas que, naturalmente, não reconheciam. Os estímulos, contudo, eram
exatamente os mesmos da primeira apresentação. Também aqui os traços
atuavam de acôrdo com a organização e não como meros agregados de
fatos locais independentes. Podemos ir mais longe: na maior parte dos
casos de reestruturação, o próprio material ativado é evidentemente
organizado. Foi demonstrado ser isto verdade não sômente com as imagens,
mas também com as "melodias"

motoras familiares, por Michotte e Vand der Veldt.3 Indivíduos que têm
imagens visuais muito vivas admitem que a imagem de determinada árvore
se destaca como figura de um ambiente ou fundo mais escuro. Na verdade,
na livre imaginação e no sonho podemos contemplar cenas que diferem
muito de qualquer experiência que tenhamos tido antes. Não obstante,
mesmo as mais estranhas criações dos sonhos continuam sendo figuras que
apresentam as características essenciais da organização.

Em inúmeros casos, a organização é tão decisiva que mudanças radi. ciais


dos estímulos não afetam o reconhecimento ou a reestruturação - contanto
que a organização continue a mesma. Assim, uma melodia é reconhecida
em um tom diferente, no qual pode não ter sido conservado um único som
do original. Também pode-se dar o caso de, alguns dias depois de têrmos
ouvido uma melodia pela primeira vez, podermos surpreender-nos a
cantarolar em um tom que, depois de examinado, mostra-se diferente do
modêlo. Aqui, todos os fatôres, exceto a organização, mostram-se
destituídos de importância no que diz respeito à reestruturação. Do mesmo
modo, uma figura desconhecida, que é vista hoje em côr vermelha, um
tanto à esquerda do ponto de fixação e de um certo tamanho, prontamente
será reconhecida amanhã, embora possa ser, agora, verde ou amarela,
inclinada para o lado direito e de tamanho diferente.4 Evidentemente o
reconhecimento e a reestrutura

L'Aprentissage du Mouvement et l'Automatisme, 1928.

4 E. Becher, Gehii-n und Seeie, Heidelberg. 1911.

148

147

ção dependem pelo menos tanto da organização dos acontecimentos


passados como dos efeitos locais de estímulo, que, de acôrdo com a teoria
do mosaico, seriam os elementos de experiências passadas. Voltaremos ao
assunto.

Partindo do presente ponto de vista, podem ser prontamente explicadas


algumas observações que causam perplexidade, enquanto não é
reconhecida a importância da organização. Em experiências de reação
retardada com animais tem-se verificado que, depois de uma demora de
muitos segundos, ou mesmo minutos, alguns animais ainda têm capacidade
de escolher o objeto correto, entre três outros, por exemplo, embora, no
momento da reação, o objeto correto já não possa ser distinguido pelo
indício particular com que contava antes do retardamento. Ora, se, durante
o retardamento, o animal simplesmente conserva sua orientação para o
objeto correto, sua escolha acertada deixa de parecer tão surpreendente.
Surge, porém, um problema real, se, durante êsse período, o animal se
mover livremente em sua gaiola e, não obstante, fizer depois a escolha
acertada. Tem-se dito que, em tal caso, a reação do animal depende de
algum indício interno. Isto é verdade até o ponto que, sem algum pós-efeito
da situação original (na qual, por exemplo, o objeto correto foi mostrado
contendo certo alimento), as reações corretas poderiam ser inteiramente
incompreensíveis. Tal pós-efeito é, naturalmente, um indício interno.
Quando, porém, depois do retardamento e de muitos movimentos feitos
pelo animal ao acaso, êsse indício interno se torna atuante, deve haver
alguma característica no objeto correto, à qual se refira indício. Se
examinarmos cada objeto em si mesmo, podemos não descobrir tal indício,
porque tal objeto tem em si próprio as mesmas características dos outros.
De qualquer maneira, porém, diferem sob um aspecto, isto é, o papel que
cada objeto desempenha no grupo de objetos. Um constitui a parte direita
do grupo, outro a parte esquerda, outro a parte central ou do meio. Se,
depois do retardamento, o animal reage corretamente, a única
característica do objeto em questão que lhe permite ligar seu indício a êsse
objeto é o lugar do objeto dentro do grupo dos três.5 Antes do
retardamento, um fato particular, como o de se mostrar a colocação do
alimento, serviu para individualizar um objeto. Ëste objeto, porém, também
era caracterizado pelo fato de ocupar uma posição específica dentro de um
grupo de objetos. Assim, se, na ocasião, aquêle acontecimento se associou
à posição do objeto correto dentro do grupo, o animal, depois do
retardamento, reagirá àquele objeto. Em outras palavras: a reação
retardada dêsse tipo depende da percepção e do reconhecimento de uma
característica Gestalt. Por êsse motivo, as reações retardadas, tantas vêzes
investigadas por psicólogos especializados na Psicologia animal, não podem
ser compreendidas em refe5 Naturalmente, o grupo pode ser maior. (CL O.
L. Tinklepaugl, The Jo'urnal

of Compar. Psycltol., 8, 1928).

téncía ao principio de organização. Isto se torna ainda mais evidente se


considerarmos o método de escolha múltipla, que Yerkes empregou com
tanto sucesso. Em tal caso, isto é ainda mais claramente o papel específico
de um objeto no grupo que se relaciona com uma reação. Nestas condições,
não deve causar demasiada surprêsa o fato de que a reação possa
permanecer correta, ainda que a posição do grupo como um todo, e,
portanto, a de todos os seus membros, varie livremente nos testes.

Antigamente, a Psicologia experimental não se interessava muito pelo


conceito dos traços da memória em si mesmos. Os pesquisadores eram
muito mais atraídos por outro conceito no campo da memória. Quando
dizemos que os traços dos processos organizados são êles próprios
entidades organizadas, não mencionamos o fato mais importante da
memória, o fato de que os traços costumam ligar-se ou associar-se. A
associação é comumente considerada como um elo entre duas experiências
que nos permite reestruturar a segunda experiência, quando apenas a
primeira nos é apresentada de nôvo. Tal elo, afirma-se, forma-se quando
ocorrem juntas duas experiências e, em particular, quando se repete sua
ocorrência contígua. A existência de traços é um fator fundamental da
memória, do hábito, etc. A associação pela contiguidade é outro fator
semelhante, e quase tôdas as pesquisas clássicas sôbre a memória têm
tratado dêsse aspecto do aprendizado e retenção. Os psicólogos sentem-se
orgulhosos de seus trabalhos sôbre a associação, porque, nesse setor, tanto
os métodos como as realizações parecem quase comparáveis aos das
ciências naturais.

Ëste orgulho é, em parte, justificado. Por outro lado, começamos a


compreender, pouco a pouco, que, com os excelentes métodos de que
dispomos, apenas um tipo de memória muito especial foi investigado até
agora, e que os resultados obtidos não devem ser aplicados com
precipitação à memória em geral. Além disso, há uma questão em que tais
pesquisas mal tocaram, porque, a princípio, ela não foi prontamente
reconhecida como um problema. Será realmente verdade que a mera
repetição de dois processos contíguos estabelece uma associação entre
êles? E, além disso, será a associação um simples elo, que liga as
experiências, da mesma maneira que uma corda prende dois objetos? O
conceito de associação a que essas questões se referem será examinado
nos parágrafos seguintes.

A lei de associação por contiguidade tem sido considerada particularmente


satisfatória porque dá ao aprendizado uma interpretação puramente
mecanicista. Que poderia estar mais de acôrdo com o espírito da ciência
natural? Devo confessar, no entanto, que, precisamente do ponto de vista
científico, a lei da associação por contiguidade me parece bem estranha.
Dois processos, A e B, ocorrem juntos e, quaisquer que possam ser as
naturezas de um e de outro, um laço se forma entre êles! Não conheço uma
única lei na Física ou na Qímica que pudesse, a êsse respeito, ser
comparada com a lei da contiguidade.

1 AO

149

Anteriormente, no Capítulo 4, já tratamos dêsse fato. Quando, na Física,


dois objetos ou fenômenos, A e B, se tornam funcionaimente inter-
relacionados, essa inter-relação e suas conseqüências invariàvelmente
dependem das características de A e B. Êste é o caso da Astronomia, em
que a aceleração de uma estrêla por outra é função da massa, O mesmo se
dá na eletrostática, onde a direção em que atua a interação depende dos
sinais das cargas elétricas. Na Química, os átomos reagem ou ficam
indiferentes uns aos outros, de acôrdo com suas características
determinadas. Inversamente, não há exemplos de interações em que a
natureza dos fatôres interagentes não desempenhe papel algum. No
entanto, na clássica lei de associação por contiguidade, a natureza das
coisas que se tornam associadas é tàcitamente ignorada.

Evidentemente, neste ponto temos de nôvo pela frente a teoria mecanicista


ou do mosaico. Se, na distribuição dos fenômenos dentro do sistema
nervoso sensorial, a interação chegar a ter participação, os resultados
devem depender das características dos processos de interação. A teoria do
mosaico do campo sensorial exclui essa possibilidade, presumindo que os
fenômenos sensorais locais ficam indiferentes uns aos outros, e que, em
conseqüência, sàmente o acaso do estímulo periférico determina o modêlo
resultante. Verificamos agora que, no conceito clássico de associação, o
mesmo ponto de vista é tido como certo. Todos os AA e BB são peças
indiferentes que fazem parte de um mosaico. Não têm ação recíproca entre
si. Qualquer laço pelo qual pareçam estar ligados deve ser análogo a um
cordão que amarra dois objetos. Em tal conexão as características dos
objetos não têm import ncia.

Agora podemos afirmar, convictamente, que esta interpretação das


associações já não é sustentável. Sua debilidade é aparente, ainda que
consideremos apenas o trabalho que foi feito com os métodos clássicos.
Em uma série de sílabas, A e B, isto é, duas sílabas contíguas, sem dúvida
não são indiferentes uma à outra, uma vez que A ou B não são indiferentes
mesmo a F, G e H, isto é, componentes mais afastados da série. Se
mandarmos uma pessoa escrever seis sílabas que lemos para ela
ràpidamente, via de regra será capaz de fazê-lo. Se, porém, em vez de seis,
lhe dermos uma série de doze sílabas, tal pessoa, habitualmente, só
acertará em menos de seis sílabas. Evidentemente, todos os membros da
série perturbam uns aos outros. Como podemos, então, dizer que êles são
mituamente neutros? Na conhecida técnica de "associados aos pares", as
associações de uma pessoa são submetidas à prova, fornecendo-se a essa
pessoa sílabas isoladas, às quais terá ela de acrescentar os itens que se
seguem na série. Sua eficiência em conjunto é medida pelo número de
casos em que suas respostas são corretas. Essencialmente, êste processo
pressupõe que as associações dentro de uma série são fatos
reciprocamente independentes, que, devido à sua independência, permitem
um tratamento estatístico. Esta presunção não pode ser inteiramente
correta, pois não leva em consi150

deração a interdependência dos membros de uma série, à qual acabei de


aludir. Ë bem verdade que não haverá grande mal se a interdependência é
estatisticamente a mesma em tôdas as séries e se os problemas
investigados são do tipo comum. Logo, porém, que a natureza das
associações se torna um problema, devemos, naturalmente, ter a maior
cautela.

Uma outra constatação que parece incompatível com o ponto de vista


tradicional é a que se refere a certas mudanças, que as sílabas estão
sujeitas a sofrer durante a aprendizagem. De fato, em sua maior parte, as
séries são lidas pelo sujeito de maneira especificamente rítmica, que
consiste de grupos maiores e de grupos subordinados. Ao mes.mo tempo, a
leitura assume certo caráter de melodia, na qual o timbre da voz sobe e
desce, enquanto os grupos começam e acabam.6 Aparentemente, isso quer
dizer que, durante a aprendizagem, e principalmente durante as primeiras
leituras da série, o material está sendo organizado de maneira específica.
Sabemos, porém, pelo que ficou dito anteriormente, que, se êste fôr o caso,
as sílabas individuais devem adquirir características particulares,
características estas que devem aos seus papéis na organização. Essa
conseqüência é perfeitamente verificada nos casos em que, depois da
primeira aprendizagem de uma série como um todo, são mostrados aos
sujeitos os mesmos componentes em outra seqüência. Na nova ordem,
êsses componentes parecem novos e estranhos. Objetivamente, essa
influência de organização é demonstrada de maneira altamente
convincente, se, depois de os sujeitos terem aprendido a recitar tôda uma
série sem hesitação, lhes forem mostradas sílabas isoladas, para que se
lembrem dos componentes seguintes. Nagel verificou que, nessas
condições, dificilmente uma têrça parte das sílabas era lembrada, ao passo
que a série em seu conjunto podia ser recitada com facilidade.7 Dentro do
fluxo de uma série organizada, determinadas sílabas não se mostram a
mesma coisa que eram quando sàzinhas.

Ebbinghaus e seus sucessores escolheram sílabas sem sentido como

o melhor material para as pesquisas de associações, porque queriam


experimentar em condições em que nenhuma associação mais antiga e
anterior à experiência pudesse afetar os novos laços, experimental- mente
estabelecidos. Receavam êles que, se fôsse empregado material com
sentido, antigas associações influenciassem os resultados de modo
descontrolado. Sílabas sem sentido, além disso, constituem um material
mais uniforme do que quaisquer outros componentes. Seria injusto negar-se
que a Psicologia recebeu formidável impulso com o trabalho executado de
acôrdo com êsse método. Parece, contudo, que os primeiros pesquisadores
empregaram a técnica de um modo um tanto unilateral. Seja como fôr, as
mais valiosas observações foram feitas

6 Cf. padrões apresentados po Fringa, Arch. f. d. ges. Psychol., 30, 1914.

7 Arch. j. ci. ges. P8VCfl.Qj., 23, 1912.

11

depois de ter sido, pouco a pouco, vencida certa estreiteza do ponto de


vista original.

Alguns psicólogos têm criticado o método de Ebbinghaus porque não


investiga de fato as associações que são automàticamente estabelecidas. É
um bom motivo para crítica, uma vez que os resultados do método são
habitualmente formulados como se as associações se formassem
espontâneamente. Na verdade, se se supõe que a simples contigüidade de
sílabas é a causa de suas associações, a maior parte das experiências em
que êste material é usado está longe de verificar as associações nesse
sentido, O paciente não é simplesmente exposto a uma sucessão de sílabas,
mas, sim, convidado a decorá-las. Se êle segue esta instrução, não é apenas
a contigüidade que estabelece as associações; e êste fato nem é ao menos
mencionado, quando os resultados são formulados em função de laços
automàticamente formados. Indubitávelmente, esta é uma falha do
processo. É um êrro grave, pois, pouco a pouco, verificou-se que, sem a
memorização intencional, o aprendizado de uma série de sílabas sem
sentido é de todo impossível.8

Que fazem, então, os sujeitos, quando procuram decorar intencionalmente


uma série? Ninguém está mais autorizado a dar uma resposta a esta
pergunta que G. E. Müller, que dedicou grande parte de sua carreira de
cientista investigando a associação e a retenção. Sua resposta é a seguinte:
"Uma série de figuras, consoantes, sílabas, etc,, é aprendida essencialmente
em uma atividade de síntese em que os membros da série são combinados
de maneira que se tornam grupos sólidos".9 Em capítulo anterior, vimos que
tal atitude é susceptível de estabelecer grupos em percepção e que seus
efeitos podem ser fatos perceptivos tão legítimos como é qualquer
organização espontânea. Podemos, portanto, concluir da afirmação de
Müller que a memorização intencional corresponde à organização
intencional.

Embora no caso de material sem sentido e, acima de tudo, de sílabas, tal


atividade pareça ser virtualmente necessária, isto não é, evidentemente,
necessário com certos outros materiais. De vez em quando, reestruturamos
fenômenos, quando os fatos que então levam à reestruturação não foram
intencionalmente combinados com aquêles fenômenos. Disso se conclui
que, embora o material sem sentido, usado nas investigações clássicas,
satisfaça certas condições de exatidão, não nos pode ensinar tôda a
verdade a respeito das associações. Quando, em vez do material clássico,
nós nos valemos das experiências mais naturais da vida quotidiana, as
associações não são, geralmente, formadas dêsse modo.

Será, porém, que tôdas as nossas experiências fora do laboratório se


associam espontâneamente? Também êste não é o caso. Podemos ouvir um
número de telefone dezenas de vêzes, juntamente com um nome, e

8 Kühn, Zeitschr. f. Psychol., 68, 1914. Também PoppelreUter, Zeitscr. 1. Ps(-.


chol., 61, 1912.

9 O. E. Mühler, Abriss der Psycli.ologie, 1924.

&ntinuarmos incapazes de lembrá-lo, quando nos ocorre o nome. Em tal


caso, as condições parecem semelhantes às que caracterizam a associação
de sílabas sem sentido. Não há relações específicas entre o nome e o
número, e êstes têrmos não tendem a formar um grupo espontâneamente.
Nasce, assim, a suspeita de que as associações surgem espontâneamente,
quando a organização é espontânea e que a associação pressupõe
combinação intencional, quando o material em si mesmo não se mostra
susceptível de formar grupos organizados.

Esta presunção é corroborada pelo fato de formarem os substantivos com


sentido associações muito mais prontamente do que o material destituído
de sentido. Neste caso, naturalmente, de há muito tempo os substantivos
estavam impregnados de sua significação. Assim, quando os sujeitos
aprendem uma série de substantivos, encontram essas significações
firmemente ligadas às palavras, e, como é claro, são essas significações que
agora se mostram tão fàcilmente associadas. Mas por que se mostram? A
maioria dos psicólogos responderá que as signif icações dos substantivos se
prenderá não sàmente às palavras, mas, em conseqüência de associações
anteriores, também umas às outras, isto é, que basta ao processo de
aprendizado fortalecer os laços que existiam há tanto tempo. Nesse ponto
deve ser salientada a diferença entre a Psicologia da Gestalt e o
associacionismo. Façamos alguém ler algumas vêzes os seguintes pares de
substantivos: lago - açúcar, sapato - prato, môça - canguru, lápis - gasolina,
palácio - bicicleta, ferrovia
- elefante, livro - dentifrício. O aprendizado desta série será
consideràvelmente mais fácil do que o de um mesmo número de sílabas
sem sentido. Poderá, porém, alguém afirmar que, realmente, existem entre
lago e açúcar, palácio e bicicleta, etc., fortes associações pré-experimentais
que precisam apenas de ser reavivadas de leve para tornar o aprendizado
uma tarefa fácil? Parece-me que não, pois milhares de vêzes as mesmas
palavras ocorreram em outras conexões muito mais regulares. Essas fortes
conexões devem exercer uma influência inibidora sôbre as associações mais
fracas, que, de acôrdo com a explicação, tornam tão fácil o aprendizado
neste caso. A explicação não é, assim, tão plausível quanto pode parecer a
princípio. A Psicologia da Gestalt oferece uma interpretação diferente.
Quando leio aquelas palavras, consigo imaginar, em uma série de quadros
estranhos, um torrão de açúcar dissolvendo-se em um lago, um sapato
colocado em cima de um prato, uma môça dando de comer a um canguru, e
assim por diante. Se isso acontece durante a leitura de uma série,
experimento na imaginação certo número de conjuntos bem organizados,
embora pouco comuns. Talvez o aprendizado seja aqui tão fácil porque um
material dessa espécie conduz le próprio à organização. A fim de excluir a
possibilidade de freqüentes conexões semelhantes no passado, tive,
naturalmente, de escolher estranhos pares de substantivos, cujos
significados podem ser organizados em quadros mais amplos, mas não
muito espontâneamente.

152

153

Se não estou enganado, as combinações e seqüências que são ainda mais


fàcilmente associadas na vida quotidiana constituem simples exemplos de
organização inteiramente espontânea.

Sob êsse aspecto, as sílabas sem sentido devem ser consideradas como o
pior material que poderia ser escolhido para se descobrir a natureza
essencial das associações. Como tais sílabas não se organizam
espontâneamente, em grupos bem caracterizados e específicos, a natureza
da associação espontânea não pode tornar-se aparente ao psicólogo que ie
utiliza apenas dêsse material. Além disso, como as séries de sílabas são
construídas ao acaso, pouca coisa nos ensinam a respeito da maneira de
que depende o aprendizado, no que pode ser chamado de estrutura de uma
série. Embora esta consista apenas de material sem sentido, que é
homogêneo até certo ponto, pode-se construir uma série de muitas
maneiras diferentes. As sílabas podem ser ajuntadas como vizinhos que se
ajustam uns aos outros fonèticamente, ou se pode fazer exatamente o
contrário. Alguns pares podem ser construídos de acôrdo com um princípio,
alguns de acôrdo com outro. A série inteira pode apresentar uma estrutura
específica, ou pode ser uma série indiferente tal como as comumente
usadas. Tôdas essas variações devem ser examinadas, se quisermos saber
se a organização é ou não um fato essencial que sustenta cada associação.
Pelo que atrás ficou dito, estamos inclinados a dizer que isto é, realmente, o
que se dá.

Como último argumento em favor de nossa tese, podemos mencionar o fato


de que, se foi aprendida uma série pela combinação de seus membros aos
pares, os sujeitos prontamente farão a reconstituição dos segundos
membros dos pares, quando forem dados os primeiros, ao passo que a
reconstituição será muito difícil, quando os segundos membros dos pares
são apresentados e os elementos seguintes da série, isto é, os primeiros
membros dos pares seguintes devem ser relembrados. Se supusermos que,
durante a aprendizagem, os membros das séries foram apresentados como
seqüência objetivamente uniforme, êste resultado é incompatível com o
conceito de associação, tal como foi uma vez compreendido.
Evidentemente, as condições de associação não são adequadamente
descritas, enquanto forem ignoradas as condições a respeito da organização
do material. Associações fortes só ocorrem entre componentes das séries
que se tornam partes de grupos bem definidos. Não negamos que a
contigüidade no espaço e no tempo é um fator de grande importância na
associação, mas êste fator não parece atuar diretamente. Vimos, em
capítulo anterior, que o fator de proximidade desempenha uma parte
importante na formação e isolamento de conjuntos sensoriais. Do que
acabamos de dizer, segue-se, pois, que a contigüidade no espaço e no
tempo sàmente favorece a associação porque, sob o nome de aproximação,
é um fator favorável na organização. Ora, esta condição é apenas uma entre
muitas outras, que têm, tôdas, uma influência favorável sôbre a organização
e, como se torna aparente que a organização é uma condição realmente
decisiva

daquilo que comumente se chama de associação, a regra da associação


talvez tenha que ser reformulada de acôrdo com isso.

Resumindo: quando a organização é naturalmente forte, a associação ocorre


espontâneamente. Na ausência de organização especifica, não é de esperar
qualquer associação, até que o sujeito estabeleça intencionalmente alguma
organização. Além disso, quando os membros de uma série estão bem
associados, apresentam características que dependem de sua posição nas
séries conjuntas, da mesma maneira que os sons adquirem certas
características, quando ouvidos dentro de uma melodia. Finalmente,
componentes de uma série que constitui pequenos grupos sólidos são, ao
mesmo tempo, componentes particularmente bem associados.

Depois destas observações preliminares, poderemos discutir a natureza do


laço que se diz originar-se entre os traços dos processos, quando êsses
processos se tornam associados. A opinião predominante é que a
associação significa um aumento de condutividade das vias neurais que
ligam os locais dos processos e os traços em questão. Em cada repetição
dêsses processos, presume-se que o fenômeno ocorra no tecido situado
entre êles, diminuindo sua resistência. Como resultado, uma excitação que
atinge o local do primeiro traço se espalhará, futuramente, em direção ao
lugar do segundo traço e não a outras partes do cérebro. Assim, o traço do
segundo processo tende a ser reativado, quando só é dado o primeiro
processo. Esta hipótese no é inteiramente satisfatória. Embora nos leve a
esperar que, depois de repetidas apresentações de um par de componentes,
a excitação se propagará ao longo de vias conectivas e, talvez, aumente
mais a condutividade, não nos revela porque deveria acontecer algo de
particular a essas vias na primeira ocasião. A dificuldade é séria,
especialmente nos casos em que a associação é bem estabelecida, depois
de uma única apresentação dos itens.

Não sabemos o que acontece na reestruturação. A única coisa que nos


vemos compelidos a presumir é que há algumas conexões entre os traços
dos dois processos, A e B, de maneira que a reativação de A leva à
reestruturação de B mais do que a quaisquer outros fatos com que A não
estivesse associado. A êsse respeito, são possíveis duas hipóteses. Se
acreditamos que, tornando-se associados, A e B continuam a ser dois fatos
reciprocamente neutros, que estão apenas juntos por acaso, então, algum
laço especial, como um grupo de fibras particularmente boas condutoras,
pode ser considerado como uma base adequada da associação. Em
oposição a êste ponto de vista, podemos, contudo, raciocinar da seguinte
maneira: quando A e B se tornam associados, são experimentados não
como duas coisas independentes, mas como membros de uma unidade-
grupo organizada. Isto pode agora ser considerado certo. Partindo-se desta
premissa, porém, a situação neural não pode consistir de duas partes
separadas, uma das quais corresponde a A e outra a B. Ao contrário, a
experiência unitária

154

155

indica que uma unidade funcional é formada no sistema nervoso, na qual os


processos A e B têm apenas uma independência relativa. Se êste fôr o caso,
não podemos esperar que sejam deixados dois traços separados, quando A
e B já não forem mais experimentados. Os traços, reafirmamos, mostram a
tendência de preservar a organização dos processos originais. Assim, será
estabelecido apenas um traço que representa a unidade funcional pela qual
êle é formado. E nesse traço, A e B existirão apenas como sub-unidades
relativamente segregadas. Conseqüentemente, em virtude de sua inclusão
dentro de um só traço, A e B estão (?) tão bem "ligados" como poderiam
ficar por meio de um laço especial. Supõe-se que tal laço espalha a
atividade nervosa na direção correta, de A a B, mas o fato é que a situação
de A e B dentro de um traço unitário (que é, naturalmente, isolado dos
outros traços) terá precisamente o mesmo efeito.

Será aconselhável dar à nossa suposição uma formulação mais radical em


que ela possa ser mais fàcilmente distinguida da antiga concepção. De
acôrdo com a nossa tese, a associação perde seu caráter de conceito
teórico especial e independente, e torna-se um nome para o fato de
processos organizados deixarem traços em que a organização dêsses
processos é mais ou menos adequadamente preservada. Não nego que
essas associações sejam fortalecidas pela repetição, mas isto não significa,
necessàriamente, que a repetição aumente o vigor de um laço especial.
Também admito que, algumas vêzes, como no caso do material sem
sentido, é necessária uma atitude particular do sujeito para que se
estabeleça a associação. Como salientamos antes, porém, tudo aponta para
a tese de que essa atitude é de organização ativa. Se o sujeito é bem
sucedido, terá, agora, experiências correspondentemente organizadas; os
fenômenos neurais acompanhantes devem ser semelhantemente
organizados; e serão formados traços que também têm a mesma
organização. O único problema nôvo que surge nesta situação é o da
influência de intenções sôbre a organização. Êste problema não se relaciona
apenas com questões de memória (c/. Cap. 5).

Não faltará quem diga que não importa, se aceitarmos uma ou outra teoria
de associação, uma vez que não estamos em condições de examinar o
cérebro e decidirmos qual é a verdadeira. Adotar tal ponto de vista, porém,
seria interpretar errôneamente qualquer hipótese. Se uma hipótese tem um
conteúdo específico, também deve ter implicações específicas, e estas
podem ser verificadas. No caso presente, tais implicações são bem
evidentes.

A velha regra sôbre associação por contigüidade, já lembramos, não se


refere a características de A e B que se tornaram associadas.

Isto é bem natural, uma vez que, nesta regra, se supõe tàcitamente que a
associação é uma conexão semelhante a uma corda, graças à qual coisas
igualmente indiferentes umas às outras e à associação são forçadas a uma
espécie de parceria. Por outro lado, a organização está longe de constituir
uma agregação que se impõe a materiais recipro156

camente indiferentes. Na experiência sensorial, já foi mostrado, a


organização depende claramente das características dos fatos em suas
relações uns com os outros. Assim, se a associação é uma conseqüência da
organização, deve também depender dessas características. De certo modo,
sua influência tem sido verificada por observações mencionadas neste
capítulo. Contudo, muito mais resta a ser feito. O que necessitamos é de
variações radicais no material apresentado para aprendizagem. Tais
variações são diretamente prescritas pelos princípios da Psicologia da
Gestalt. Será mesmo verdade que, permanecendo as mesmas as outras
circunstâncias, o vigor das associações varia com o vigor da organização em
que residem os componentes? Conhecemos, também, as condições
específicas das quais depende a organização sensorial. Poderá ser mostrado
que estas condições são essenciais no que diz respeito à associação, como
o são na experiência primária?'0 Na verdade, nem tôdas as regras que
governam o comportamento das associações podem ser deduzidas dêste
modo. As regras da experiência sensorial não nos oferecem informação
direta a respeito da natureza dos traços em si mesmos, nem nos informam a
respeito do destino dos traços no curso do tempo. Por outro lado, quando
estudamos a natureza dos traços, podemos, em qualquer ocasião, fazer
observações pelas quais certos problemas de percepção podem ser
esclarecidos. A organização perceptiva ocorre não sàmente na dimensão do
espaço, mas também na do tempo. Neste último caso, o comportamento
dos traços é susceptível de ser tão importante como o das experiências
presentes envolvidas. O papel dos traços a êsse respeito será mais
prontamente compreendido, se sua natureza em geral fôr melhor
conhecida.

Uma segunda conseqüência de nossa hipótese tem significação tanto


prática quanto teórica. Esta conseqüência refere-se à Psicologia animal. Já
vimos que as sílabas sem sentido não se associam fàcilmente por sua
própria conta, porque não são espontâneamente formadas, dentro das
séries de tais componentes, pares bem caracterizados e outros grupos
específicos, mas os sujeitos que têm grandes dificuldades com tais séries
podem ter boa memória na vida quotidiana. Podem lembrar-se de muitos
acontecimentos que jamais tiveram a intenção de confiar à memória. Isto
nos faz lembrar de um estranho contraste - que

10 Atualmente (1947). a resposta a esta pergunta é, em parte, conhecida.


As inter-relações funcionais dentro de uma série de componentes
dependem, grande- mente, conforme tem sido mostrado, da natureza do
material apresentado na série. Isto é verdade tanto no que diz respeito às
inter-relações que perturbam o aprendizado, como às que facilitam o
processo. Até agora, as investigações têm-se referido principalmente à
parte que a semelhança de itens desempenha no aprendizado. Os efeitos
perturbaclores da semelhança têm sido investigados por Von Restorff
(PsychOl. Forsch., 18, 1933), e por vários outros psicólogos na Alemanha e
na América. O resultado dêsses estudos é perfeitamente claro: séries de
sílabas sem sentido constituem um material difícil de ser aprendido, não
tanto porque os componentes são destituídos de sentido, como porque em
séries tão monótonas não se formam espontâneamente subgrupos
especificos. A influência positiva que a semelhança dos itens exerce sôbre
sua associação foi demonstrada pelo autor dêste livro (ProC. Amer. Philos.,
84, 1941).

157

todos os especialistas em Psicologia animal devem ter observado - entre a


aprendizagem do animal, quando esta ocorre durante a experimentação de
laboratório, e a formação de hábitos nos mesmos animais, quando vivem
em outro lugar. Não creio que a razão dessa diferença esteja corretamente
interpretada, quando nos referimos a circunstâncias "mais naturais" que se
encontram na última situação. Que quer dizer a palavra "natural" quando aí
empregada? Talvez signifique apenas: favorável no que diz respeito à
associação; em outras palavras, favorável do ponto de vista da organização.
Sob a influência da velha concepção de associação, muitas experiências
com animais, entre outras as de discriminação sensorial, foram feitas de
maneira que deixavam inteiramente de lado a idéia da organização. Assim,
por exemplo, nas paredes do fundo de dois corredores, são apresentados
dois objetos que o animal deverá pouco a pouco distinguir, sob a influência
da recompensa ou do castigo. No chão do corredor, sem ligação com os
objetos, são colocados fios que castigam o animal com um choque elétrico,
quando êle escolhe errôneamente. Evidentemente, um choque elétrico,
aplicado neste ponto, e o objeto, mostrado em outro lugar, não se tornarão
fàcilmente parte de uma unidade organizada. Por outro lado, depois de uma
escolha correta, o animal é alimentado em algum lugar fora da cena, isto é,
em uma situação tão separada do objeto correto como o choque está do
objeto errado. Certa vez, um jovem partidário do behaviorismo perguntou-
me se, além de vagos conceitos, a Psicologia da Gestalt tinha algo de
específico a oferecer que tivesse importância para um trabalho sério.
Parece-me que já seria bem suficiente se não oferecêssemos ao
behaviorismo mais do que a nossa crítica ao seu método e sugestões para
adotar um melhor. No homem, segundo tudo indica, o aprendizado depende
de organização. É altamente improvável que a mesma regra não se aplique
à formação de hábitos nos animais. Assim sendo, quando investigamos a
discriminação sensorial, deveríamos, em vez de separar os fatôres
decisisvos, fazer todos os esforços no sentido de facilitar sua organização
como unidade. Há alguns anos, sugeri o processo seguinte: o objeto errado
se move de súbito contra o animal, sempre que êste dêle se aproxime. Tal
técnica certamente se pareceria com o aprendizado do animal na vida
comum, muito mais do que o processo tradicional. Seria muito mais
provável que o objeto se impregnasse de "negatividade".11 Dêsse modo,
poupar-se-ia muito tempo. Pondo-se de lado as razões de ordem prática,
contudo, parece-me um sólido postulado da ciência experimental a
necessidade das condições serem variadas sob todos os aspectos. Se os
partidários do behaviorismo pudessem ser persuadidos a variar suas
situações experimentais, no que

11 W. Kdhler. The Pe4 Seminary, 32, 1925.

158

se refere às questões de organização, provàvelmente aprenderiam muitas


coisas novas a respeito da natureza do aprendizado animal.'2

Minhas observações aplicam-se à formação de reflexos condiciona. dos, da


mesma maneira que a outros métodos pelos quais a aprendizagem está
sendo estudada nos animais. Alguns autores preferem a expressão "reflexo
condicionado" à de "associação". Não vejo, porém, onde o primeiro conceito
seja mais claro ou mais fundamental que o segundo. De fato, o que é
chamado reflexo condicionado pode não passar de um caso especial de
associação. O estímulo condicionado, que se torna artificialmente ligado a
um reflexo, só pode, provàvelmente, evocar aquêle reflexo porque, antes de
mais nada, se ligou ao estímulo adequado que naturalmente provoca o
reflexo. Êste, sem dúvida, é uma associação de dois fatos sensoriais.
Aparentemente, tal associação pode-se tornar tão forte que, através do
mero traço do estímulo adequado, o estímulo condicionado provoque
sàzinho o reflexo. Ora, se esta associação é a coisa que deve ser aprendida
no condicionamento, e se a associação de dois processos é apenas o efeito
persistente de sua organização, devemos chegar, a respeito do
condicionamento, à mesma conclusão que chegamos a respeito da
associação ordinária e da aprendizagem de animais com discriminação.
Presentemente, não parece haver prova experimental quanto à questão de
saber se as modificações na apresentação dos estímulos condicionados, em
suas relações com o incondicionado, influencia o processo de
condicionamento. Na experiência habitual, uma campainha é tocada, por
exemplo, pouco antes de ser dado o alimento; nenhuma atenção se presta,
no entanto, às condições que impediriam ou facffitariam a organização dos
dois fatos. No entanto, neste ponto a Psicologia animal tem oportunidade de
verificar o valor de duas presunções ao mesmo tempo: primeiro, se é
verdade que o condicionamento abrange a associação de dois fatos
sensoriais, e, segundo, se o condicionamento depende de fatôres de
organização.

Partindo-se do ponto de vista a que agora chegamos, algumas das


discussões anteriores aparecem sob nova luz. Tornou-se provável que a
associação dependa da organização, porque uma associação é o efeito
persistente de um processo organizado. Ora, quando se lançou a idéia de
organização, éramos, a cada passo, dificultados por explicações empfricas,
nas quais os fatos contrários à teoria do mosaico eram prontamente
rejeitados como meros produtos da aprendizagem. Ficou bem mostrado,
espero, que, como questão de princípio, êstes fatos não permitem
explicação em função da aprendizagem e que, portanto, a organização deve
ser aceita como uma fase primária da experiência. Agora, podemos ir
adiante e afirmar que, ao contrário, quaisquer efeitos

12 Um passo decisivo nesta direção foi dado por K. 8. Lashley (Jøurn. Genet.
Psychol. 37, 1930). que introduziu no repertório da psicologia animal o
:IumYing stanci, cujo mérito principal Consiste no fato de forçar,
virtualmente, o animal a prestar atenção às partes essenciais da situação
experimental.

159

que a aprendizagem tenha sôbre a experíncía subseqiente serão prÓ


vàvelmente pós-efeitos de organização anterior. De fato, a aprendizagem,
no sentido em que a expressão tem sido usada neste capítulo, corresponde
à associação e, se temos razão, a associação é um pós-efeito da
organização. Por conseguinte, acarreta um círculo vicioso qualquer tentativa
no sentido de reduzir a organização de experiências à influência de
significações associadas e semelhantes. Não se pode reduzir a organização
a outros fatôres, se se quer que êstes fatôres sejam compreendidos apenas
em função de organização. Não hesito em repetir que as experiências são
muito comumente impregnadas de significação. Esta afirmativa, porém,
pode ser ilusória, se eu não acrescentar, primeiro, que, na maioria dos
casos, trata-se de experiências organizadas a que tais significações se
prendem e, em segundo lugar, que os fatos da aprendizagem aqui
abrangidos também derivam dos princípios de organização.

BIBLIOGRAFIA

M Bentley: The Field o! P8yehology. 1924.

G. Katona: Organizing and Meinorizing. 1940.

K. Koffka: The Growth of the Mmd. 1924.

R. M. Ogden: Psijchologij and Education. 1926.

O. Seiz: Die Gesetze des geordneten Denkverlaufs. 1913.

J. van der Veldt: L'Apprentissage du mouvement et l'automatis'me. 1928.

160

CAPÍTULO 9

Evocação

Ah. Psicologia investiga três assuntos principais no campo da memória: (1)


aprendizagem e formação dos traços que nos permitirão mais tarde evocar;
(2) o destino dêsses traços no período situado entre a aprendizagem e a
evocação, e (3) o processo da própria evocação. Na verdade, a evocação
desempenha um papel na investigação de todos êstes problemas, porque o
estudo das leis da aprendizagem e das da retenção abrange a evocação,
tanto quanto o estudo da própria evocação. Quando interessados, porém,
nos problemas da aprendizagem, podemos manter condições constantes a
respeito da retenção e da evocação, de maneira que apenas as condições
da aprendizagem sejam variadas. Se nosso problema se refere à retenção,
as condições da aprendizagem e da evocação serão mantidas constantes,
ao passo que as concernentes ao intervalo entre a aprendizagem e a
evocação, serão variadas. No estudo da evocação só haverá variação das
circunstâncias concernentes a êste fenômeno. Assim, as três classes de
problemas podem ser, realmente, separadas. Neste capítulo, trataremos
principalmente das questões da retenção e da evocação, embora também
examinemos certos fatos que dizem respeito à aprendizagem e à formação
de traços.
No Capítulo 6, mencionei certas experiências nas quais, depois de

aprender a escolher um membro de um par, por exemplo, o mais escuro

de dois cinzentos, os animais têm de reagir diante de um outro par, que

consistia no objeto "certo" do período de aprendizagem e de um nôvo


objeto. O nôvo objeto tinha com o objeto "certo" a mesma relação que êste
tivera com o objeto "errado" do par original, O resultado era que, na maioria
das experiências, os animais escolhiam o nôvo objeto,

161

evidentemente porque, no nôvo par, êste objeto desempenhava o mesmo


papel que o objeto "certo" desempenhava no período de aprendizagem.
Com a mudança da situação, o nôvo objeto passou a ser "o componente
mais escuro do par".

Ëste resultado, contudo, não é inteiramente generalizado. Depende do


tempo que passa entre as experiências com o antigo par e as primeiras
experiências com o segundo. Certa vez, quando se completou a
aprendizagem, apresentou-se a uma galinha o nôvo par em experiências
isoladas, entre as escolhas com o antigo par, e êste processo foi repetido,
até que as experiências com o nôvo par se mostraram estatisticamente
fidedignas. Verificou-se que, nestas circunstâncias, o animal escolhia o
objeto "certo" do período de aprendizagem tantas vêzes quanto o nôvo
objeto. Ëste fato pode ser explicado da seguinte maneira: quando a galinha
reage aos objetos, êstes aparecem como um par em que um cinzento é a
parte escura e o outro a parte clara do par.1 Ao mesmo tempo, porém, um
objeto será visto como um cinzento escuro, mais ou menos específico, e o
outro como um cinzento claro, mais ou menos particular. Enquanto o par
não é transferido, ambas as maneiras de ver os objetos são compatíveis
com a direção da aprenclizagem. Por um lado, se, durante o período de
aprendizagem, a galinha reage ao objeto "certo", em função de seu papel
no par, e também como um cinzento mais ou menos definido, o treinamento
terá dois efeitos, que devem entrar em conflito logo que surge o nôvo par.
De fato, então o primeiro produto da aprendizagem favorecerá a escolha de
um objeto e o segundo produto a escolha do outro. Supon}iamos, agora,
que os dois efeitos da aprendizagem não sejam igualmente persistentes. Se
isto acontece, um aumento do intervalo entre as experiências com o
primeiro par e as experiências com o segundo favorecerá as reações que
dependem do mais duradouro produto do treinamento. Deduz-se, assim, de
nossa experiência que o hábito que depende do par como um todo é mais
duradouro que o hábito que depende dos matizes do cinzento em si
mesmos. O par como um todo é relativamente menos decisivo apenas
quando o animal reage ao nôvo par, imediatamente depois das experiências
com o primeiro par, isto é, em uma ocasião em que os matizes individuais
do cinzento ainda estão vivos na memória. Parece ser regra geral que a
retenção que se refere à organização de fatos é mais persistente que a
retenção que se refere a fatos individuais em si mesmos. Vários psicólogos
têm observado que, muitas vêzes, continuamos capazes de lembrar a
estrutura geral das coisas, quando seu conteúdo mais particular já não é
retido. Esta tese merece cuidadoso exame, porque o trabalho nessa direção
nos pode ajudar a compreender a natureza psicológica dos conceitos. No

1 Aqui e sempre que falamos sôbre animais, uso expressões tais como
"aparecer" para simplificar as coisas. Tenha ou não tenha a galinha um
campo visual no sentido humano dos vocábulos, tais expressões têm um
sentido funcional claro, ue é o único em que estamos aqui interessados.

caso da galinha, foi fácil examinar nossa hipótese. Oferecemos ao animal


mais experiências com o nôvo par, quando se tinham passado vários
minutos depois das últimas experiências com o primeiro par. O resultado foi
a predominância clara das reações "relativas".

Muita coisa resta a ser feita neste campo. No comêço do Capítulo 8,


salientei que a comparação sucessiva oferece uma maneira pela qual o
destino dos traços pode ser investigado. Acabamos de aprender uma outra
maneira. Uma terceira, um tanto semelhante à segunda, também pode ser
derivada de experiências com animais. Irei discuti-la como exemplo dos
problemas específicos levantados pela Psicologia da Gestalt. Quando
Yabrough2 investigou a reação retardada em gatos, verif icou que, se os
animais tinham de escolher entre três objetos, suas reações já não eram
dignas de confiança após retardamentos de apenas quatro segundos. Com
dois objetos, o retardamento podia ser aumentado para mais de quatro
vêzes êste tempo. Por que é o resultado tão melhor no segundo caso? O
exame de sujeitos humanos mediante um trabalho semelhante, embora
mais difícil, dar-nos-á uma explicação. Se 2.5 objetos com propriedades
individualmente idênticas são distribuí- dos diante do sujeito em
semicírculo, nem todos êles representam o mesmo papel na situação visual.
Dois objetos, o primeiro ao lado direito e o primeiro ao lado esquerdo, têm
localização bem definidas e altamente específicas. De certo modo, o objeto
colocado no meio também pode ser considerado como especificamente
caracterizado, pelo menos no campo visual de um sujeito humano. Todos os
demais objetos, porém, não correspondem a muito mais que o recheio
indiferente do arco. Suponhamos, agora, que alguém aponte para um dos
objetos e que, depois de uma demora em que o sujeito não olhou fixamente
para o objeto, êste sujeito seja convidado a indicar qual era o objeto.
Enquanto um dêsses objetos particulares fôr usado na experiência, a reação
do sujeito será sempre correta. Se, porém, o objeto crítico está em uma
posição indiferente e se não é permitido ao sujeito usar processos indiretos,
como a contagem, é muito provável que ocorram reações errôneas. Assim, o
sujeito pode escolher o décimo sexto, em lugar do décimo sétimo objeto, ou
o oitavo em lugar do nono, e, se aumenta o retardamento, ou se o sujeito
não está suficientemente atento, podem tornar-se freqüentes erros ainda
maiores. Isto mostra, mais uma vez, a dependência da ação retardada com
relação à posição mais ou menos específica do item correto dentro de um
grupo, como foi demonstrado por Hertz experimentando com aves, (c/. pág.
86). O mesmo princípio pode ser agora aplicado aos gatos que, depois de
um retardamento, têm de escolher entre três objetos. Se o indício oferecido
na apresentação inicial se refere ao objeto da esquerda, a tarefa dos
animais diz respeito a um lugar altamente específico no grupo. A
especificidade desta localização é suceptível de sobreviver na

2 Jouru. of Animal Beliaviour, 7, 1917.

163

1c)

memória. O mesmo é verdade se o objeto do lado direito é o crítico. No caso


do objeto no meio, contudo, a localização dentro do grupo pode tornar-se
muito menos claramente caracterizada com relação aos gatos. Quando êste
objeto é destacado na primeira apresentação, seu papel dentro do grupo
pode ser suficientemente claro durante alguns momentos, mas logo seu
traço se torna susceptível de perder a individualidade e tornar-se parte do
interior do grupo, agora indiferenciado. A conseqüência é que o animal
reagirá menos vêzes corretamente, quando são usados na experiência três
objetos, em vez de dois. Apenas se o experimentador desse aos três objetos
outra distribuição no espaço, de maneira que todos tivessem localizações
bem caracterizadas, poderiam, talvez, os gatos, resolver outra vez seu
problema. Talvez sugira o leitor que, com três objetos, a probabilidade de
erros é, ipso facto, aumentada e que, portanto, o comportamento dos gatos
pode não ter relação com localizações mais ou menos específicas dentro de
determinado grupo. Essa objeção poderia fàcilmente ser examinada
introduzindo-se na situação, precisamente, as mudanças que acabei de
mencionar. Do ponto de vista da organização não se trata apenas de uma
questão de números, mas também de distribuição no espaço. Assim, se os
três objetos forem distribuídos de uma maneira em que cada um dêles
desempenhe uma parte específica, descobriremos prontamente se é
aceitável uma explicação baseada em simples números. Nas próprias
experiências de Yarbrough, há um resultado que contradiz esta explicação
puramente quantitativa. Se o simples número de objetos, em comparação
com a falta de especificidade suficiente no caso de um objeto, fôsse a
condição que acarreta a falha com os três objetos, as reações errôneas dos
animais deveriam distribuir-se uniformemente entre os três objetos. Na
realidade, não é êste o caso. Depois de uma longa demora (superior a 4
segundos), alguns gatos jamais escolhem o objeto do meio. Tôdas as suas
reações são dirigidas para o primeiro objeto à esquerda, ou o primeiro à
direita. Isto é justamente o que se poderia esperar, se nossa explicação
fôsse correta, ao passo que o fato não pode ser explicado sem referência à
organização. Podemos concluir que, com os gatos, os traços dos
acontecimentos passados sofrem uma transformação extraordinàriamente
rápida, em que as partes menos claramente especificadas dos grupos se
deterioram. Quando isto acontece, o comportamento subseqüente será,
evidentemente, determinado pela organização simplificada que é deixada
sàzinha.

Observação semelhante foi feita por Tinklepaugh e por mim, quando,


usando outro método, realizamos algumas experiências de reação retardada
com um macaco. Um espaço quadrado muito grande do chão foi coberto de
areia com algumas polegadas de altura. Diante dos olhos do animal foram
feitos certos sinais na areia, como por exemplo, um pequeno montículo do
mesmo material, ou, em outra experiência, uma linha reta, traçada com o
dedo na superfície. Depois dêstes preparativos, o alimento foi enterrado na
areia em um lugar que, para um

164

sujeito humano, era claramente caracterizado como tendo uma posição


específica perto do sinal. Pretendíamos verificar se o animal se utilizaria do
sinal para se lembrar do lugar do alimento, pois, sem qualquer sinal na
superfície homogênea, suas reações anteriores diante do alimento
enterrado não tinham sido muito claras. O macaco, que assistira aos nossos
preparativos, só foi libertado depois que se passara algum tempo. Quando
podia aproximar-se da areia, o macaco imediatamente dirigia-se ao próprio
sinal e procurava encontrar ali o alimento. Jamais procurava nas vizinhanças
do sinal. São altamente desejáveis novas observações, mas parece provável
uma explicação que não hesito em mencionar aqui. Justamente como no
caso da reação retardada, investigada com gatos, a reação do macaco
depende de um traço em que é representada a organização do campo
visual. Neste campo, o montículo ou a linha constituem aspectos
importantes. Por outro lado, a localização do ponto em que se acha o
alimento oculto é apresentada de maneira muito menos específica.
Podemos, portanto, presumir que ocorre uma simplificação, que é análoga à
observada nas experiências de Yarbrough. No macaco, o traço do campo
também será transformado durante o retardamento, e, nessa modificação,
tôdas as partes menos definidas estarão de nôvo colocadas
desvantajosamente. Como um traço, a situação ficará tão obscurecida que
só virtualmente é deixado o sinal destacado com uma vaga referência ao
alimento oculto. O método que usamos com o macaco pode, naturalmente,
ser aperfeiçoado. Pode tornar-se um instrumento eficiente para pesquisas
do destino dos traços nos animais.3

Assim, os traços não são, de modo algum, entidades rígidas, mas, ao


contrário, estão impregnados de tendências dinâmicas, e estas tendências
parecem ser mais fortes nos animais que no homem. Partindo-se dêste
ponto de vista, o estudo da reação retardada em animais é susceptível de
assumir grande significação para a Psicologia geral. É sempre aconselhável
investigar, antes de mais nada, as formas mais pronunciadas dos
fenômenos.

Em tais observações, o comportamento que depende dos traços da


memória é usado como indicador de mudanças sofridas por êstes traços.
Há, contudo, outras situações em que os traços são bem preservados, ao
passo que, nas circunstâncias em questão, a evocação é, não obstante,
difícil ou mesmo impossível. Alguns exemplos dêsse tipo foram
mencionados no capítulo anterior. Vamos, agora, tratar de outros que
também mostram que a evocação depende de condições muito especificas.

Se o têrmo associação expressa o fato de que o traço de uma experiência


unitária é êle próprio um fato unitário, deveríamos deduzir que, uma

3 Entrementes, Tiflklepaugh obteve considerével progresso nessa direção.


Seu "método de lubstituição" constitui uma excelente técnica para estudar
as características e o destino dos traços. (T!e Journ. o/ Camar. PychoL., 8,
1928). Cf. tafll bém W. Kb1er, Psyc?wZ. Forsch,., 1, 1921.)

165

vez formado tal fato unitário, qualquer grupo de estímulos que corresponda
a uma fração considerável da situação original causará a evocação de suas
outras partes. Na realidade, isto não se dá, porque, entre as características
de uma experiência organizada e os estímulos correspondentes, não há, de
modo algum, relações ponto por ponto. O processo organizado depende de
todo o conjunto dos estímulos e de suas "características em relação", de
uma maneira que não pode ser analisada nos efeitos independentes dos
estímulos locais. Por êste motivo, uma fração do conjunto original de
estímulos não estabelece um processo que tenha sido contido realmente no
acontecimento original. Pelo contrário, tal fração dá origem a um processo
que, em certos aspectos, difere da parte correspondente do fenômeno
original. Em conseqüência, o processo agora oferecido pode não ter versão
equivalente no traço unitário daquele fenômeno, e pode, por êste motivo,
ser incapaz de causar a evocação de suas outras partes. Assim, por
exemplo, a Fig. 20 não é susceptível de evocar as linhas que faltam na letra
H, embora, geomètricamente, tal figura represente a maior parte de um H.
Do mesmo modo, a Fig. 21 não provocará a evocação das linhas faltosas de
um R. Vendo um H ou um R, não vimos, naturalmente, as figuras 20 ou 21
como verdadeiras formas visuais. Assim, os traços do H e do R não contêm
partes que correspondam às linhas apresentadas em nossas figuras e não
ocorre a evocação.

Devemos concluir que a evocação se restringe a casos em que o processo


ora apresentado e uma parte do fato unitário original são suficientemente
semelhantes. Isso só se dará quando o presente processo corresponder a
uma parte natural, ou a um sub-conjunto, da organização original. Assim, as
letras U. S. são susceptíveis de causar a evocação de úm A.4 e as estrêlas
de lembrar as outras partes da bandeira norte- americana.

Em ambos os casos, a parte ora oferecida parece uma parte relativamente


independente da experiência original. Evidentemente, a semelhança
constitui a condição principal. Se traçarmos um perfil do nariz para baixo,
até o queixo, esta linha não corresponderá a um completo
4 Será quase desnecessário salientar que o autor se está referindo és
iniciais de Uniteci States of America (Estados Unidos da América). (N. do T.)

166

sub-conjunto do rosto. Apesar disso, como tal linha não parece muito
diferente da mesma linha como parte de todo o perfil, o processo
correspondente àquela linha se assemelha à parte do processo em que se
baseia o perfil como uma forma visual, e também os traços
correspondentes. Neste caso, é muito provável que ocorra a evocação.

Falando-se de um modo geral, contudo, a evocação não ocorre tão


fàcilmente quanto se presume nas atuais correntes empíricas. Parece estar
restrita a um canal bastante estreito, entre um Cila e um Caríbdes. A
associação é necessária à evocação e pressupõe um suficiente grau de
unificação no sentido de organização. A evocação, por outro lado, só pode
ocorrer se o processo, ora apresentado, se parecer com alguma região
dentro do traço organizado de tôda a experiência. Assim, se uma parte da
situação original está demasiadamente absorvida por uma organização mais
ampla, o estímulo que corresponde a esta parte será incapaz de causar a
evocação. Entre estas duas condições limitadoras, uma das quais é imposta
pela natureza da associação e a outra pela da evocação, existe apenas uma
estreita faixa em que a evocação pode realmente ocorrer.

A fim de demonstrar êste fato, fiz a seguinte experiência: foram mostrados


pares de figuras aos sujeitos. Depois de algum tempo, partes dêsses
desenhos foram apresentadas, com instruções para que fôssem evocadas
as partes faltosas. Em um caso como o da Fig. 22, por exempio, foi
apresentada a linha vertical da esquerda ou a Fig. 23. Geomètricamente, a
Fig. 23 representa uma parte muito maior do desenho original do que
aquela simples linha vertical. No entanto, quando a linha vertical era
apresentada, a evocação correta era muito mais freqüente do que quando
era mostrada a Fig. 23. Do ponto de vista da Psicologia da Gestait, isto nada
tem de surpreendente. A Fig. 23 apresenta uma experiência visual que não
ocorre como parte da Fig.

22. Na Fig. 23, mesmo a primeira linha vertical da esquerda perdeu sua
tendência de evocar a Fig. 22, porque na Fig. 22 a linha vertical é isolada
como algo à parte, ao passo que, na Fig. 23, constitui ela a extremidade
esquerda de uma série de paralelas.

liste último ponto introduz mais uma restrição a que estão sujeitas as
possibilidades de evocação. Um agregado de estímulos pode tornar-

167

[1

Fio. o
Fio. ar

'III

FIG. 33

FIG. 22

se incapaz de causar a evocação, não sàmente quando separado de outros


estímulos com que era originalmente combinado, mas também quando
oferecido juntamente com estímulos que não estavam presentes por
ocasião da apresentação original. Também esta condição pode levar a
experiências a que não corresponde qualquer parte do traço em questão.
Compreendemos imediatamente que, não sàmente tem importância a
organização apresentada por ocasião da associação, como também a
organização apresentada por ocasião da (esperada) evocação. Quando
apresentada de nôvo em certo ambiente, um tipo de estímulos pode
constituir excelente base para a evocação. O tipo, contudo, não se repetirá
muitas vézes, precisamente no ambiente em que ocorreu quando se formou
a associação. Ora, sem contar os obstáculos mais grosseiros que foram
considerados acima, mesmo uma ligeira alteração do campo ambiente pode
tornar determinado tipo incapaz de causar a evocação de itens associados,
simplesmente porque a alteração introduz nova organização em que as
experiências correspondentes àquele tipo já não se encontram presentes.
Pode-se deduzir que isto é verdade pela experiência de Nagel (cf. pág. 154).
Em uma série bem aprendida de sílabas sem sentido, cada item, embora
participando de tôda a série, parece ser uma coisa em si. Se, porém, tal
sílaba é apresentada sôzinha para relembrar a sílaba seguinte, esta
mudança de meio ambiente é muitas vêzes suficiente para tornar
impossível a evocação.

Esta mesma influência da organização sôbre a evocação foi demonstrada de


maneira surpreendente por Shepard e Fogelsonger.5 Ëstes psicólogos
fizeram seus sujeitos aprender pares de sílabas alguns dos quais tendo os
segundos membros idênticos. Entre a primeira ocorrência de tal sílaba e sua
repetição em outro par, havia um intervalo de 25 minutos. Por ocasião do
teste, era apresentada a primeira sílaba de um par e sua companheira tinha
de ser evocada, mas, quando duas sílabas tinham sido acompanhadas, em
ocasiões diferentes, pela mesma segunda sílaba, ambas eram apresentadas
juntas no teste. Enqunto se puser de lado a organização, é de esperar que,
no último caso, a companheira das duas síladas apresentadas seja mais
fàcilmente evocada do que a segunda que foi associada apenas com a
primeira sílaba, pois duas associações que atuam na mesma direção
reforçam uma à outra, segundo se supõe. Na realidade, contudo, o que se
observava era justamente o contrário, O fato de serem apresentadas duas
sílabas parecia inibir a evocação. A perturbação mostrara-se
particularmente notável, quando ambas as sílabas eram apresentadas
simultâneamente, mas também se observava quando tais sílabas eram
oferecidas em rápida sucessão. A explicação parece estar no fato de que,
durante a aprendizagem, tinha sido sempre apresentada aos sujeitos uma
única primeira sílaba, juntamente com sua companheira e quando, nos
casos críticos, duas sílabas apareciam diante dêles, êstes objetos a princípio
pareciam

pouco familiares no nôvo agrupamento e, como resultado, nenhuma delas


podia evocar imediatamente a companheira de ambas. Esta explicação foi
confirmada pela observação qualitativa. Os sujeitos informaram que a
evocação só se tornava possível por meio de uma atitude analítica ,na qual
uma das duas sílabas era suficientemente isolada. Deduz-se de nossa
explicação que, qualquer sílaba estranha, que jamais surgiu durante a
aprendizagem, mas que é apresentada com um primeiro membro de um par
aprendido, deve ter o mesmo efeito pertur.. bador. Os autores verificaram
ser êste realmente o caso. Dêste modo, a explicação parece plenamente
comprovada. Nossa conclusão é que, mesmo uma ligeira alteração de
circunstâncias, torna às vêzes difícil a evocação.

Resultado semelhante foi obtido por Frings6 em seu trabalho sôbre as


inibições, embora o problema, em seu caso, se referisse mais à
aprendizagem que à evocação. Nas experiências clássicas, ficou
demonstrado

que, se uma sílaba A se associou à sílaba B, não se pode associar tão


fàcilmente com uma terceira sílaba C, como poderia uma sílaba neutra.
Também, quando A estêve associado tanto com C como com B, é com
lentidão que provoca a evocação de B ou C. A competição das duas
associações tem efeito inibidor. Frings conseguiu mostrar que, em certas
circunstâncias, essas inibições desaparecem completamente. Seus sujeitos
foram convidados a aprender séries de sílabas, com a recomendação de que
as sílabas deveriam ser lidas e decoradas em grupos rítmicos anapésticos,
nos quais, depois de duas sílabas menos acentuadas, segue-se uma terceira
com o acento forte. Em tais grupos, as primeiras duas sílabas formam,
naturalmente, um sub-conjunto. No teste, eram apresentadas as duas
primeiras sílabas, para que fôsse evocada a sílaba tônica, a terceira. Ora, se
um grupo como (ac)d ocorre em uma primeira série e um grupo (bc ) e em
uma outra série, é de esperar uma inibição na associação entre c e e,
porque c foi primeiro associado a d e agora está a e. Do mesmo modo, uma
vez formadas as associações (ac )d e (bc )e, apesar desta inibição, os
sujeitos terão dificuldade em evocar d, quando são dados ac e e, quando
são dados bc. Do ponto de vista da organização, contudo, temos de
compreender que em (ac)d, a sílaba c, é um membro do sub-conjunto (ac),
ao passo que em (bc ) e é membro de um sub-conjunto diferente (bc), e
que, portanto, c não é exatamente a mesma coisa em ambos os casos.
Também podemos dizer que, no primeiro caso, não foi c, mas sim o sub-
conjunto (ac) que estêve associado com d, e ainda que, no segundo caso,
foi (bc) e não c que estêve associado com e. Neste terreno, nem a
aprendizagem nem a evocação sofrerão inibição. As experiências confirmam
êste ponto de vista. Quando uma sílaba c ocorre em dois sub-conjuntos
diferentes, não há inibição. É particularmente interessante, contudo,

6 Arch. 1. d. ges. Psychol., 30, 1914. Essas exper1nc1as foram planejaclas


por Bühler.

5 Psychol. Rev., 20, 1913.

169

assinalar-se que as inibições ocorriam imediatamnte quando o sujeito


estava fatigado por ocasião da aprendizagem e, portanto, incapaz de
apreender as sílabas nos complexos rítmicos prescritos.

Mostramos que, devido aos fatos da organização, as verificações


experimentais podem divergir consideràvelmente das que seriam de
esperar pelas leis clássicas de associação e evocação. E, no entanto, ainda
não vimos, até agora, a mais radical limitação àquelas regras. Esta nova
questão, contudo, não poderá ser exposta antes de se ter abordado um
tópico mais geral, e é para esta tarefa que agora nos voltamos.

Por váris vêzes, temos observado que todo o mundo experimenta seu "eu"
como uma entidade particular entre outros muitos objetos.
Conseqüentemente, deve haver no cérebro processos que correspondem
não apenas a experiências objetivas, como também outros correspondendo
ao "eu" experimentado. Os processos que representam o "eu" diferem, sob
muitos aspectos, dos que correspondem a objetos exteriores, mas deve
haver também características que ambos possuem em comum. Isso se
deduz do fato de, algumas vêzes, estar o "eu" em interação com
experiências externas, de maneira precisamente igual à ação recíproca das
experiências externas entre si. Dois exemplos serão suf icientes para
corroborar esta observação.

Quando um objeto físico se move, a coisa visual correspondente também,


em via de regra, é vista se movendo. Há casos, contudo, em que, embora
objetivamente um objeto se mova, e outro esteja em repouso, visualmente
o primeiro permanece quase ou inteiramente estacionário, ao passo que o
outro se move. Isto não acontece apenas como ilusão ocasional. O
movimento "induzido", como o fenômeno foi chamado por Duncker,7 ocorre
em condições bem específicas e é sempre observado, quando existem tais
condições. Assim, quando nuvens passam pela Lua em uma certa direção,
vê-se a Lua se mover na direção oposta. Quando o passageiro de um trem
olha para um ponto da janela, os objetos de fora começam a correr para
trás. Qualquer mudança de suas relações espaciais com outras coisas pode
produzir êste efeito sôbre um objeto que está fisicamente em repouso. Ora,
precisamente a mesma coisa costuma acontecer com o "eu", quando se
muda sua relação espacial com os objetos exteriors. Assim, por exemplo,
quando o ambiente gira em tôrno de nós, não tardamos a ter a impressão
de que estamos rodando em sentido oposto. Neste caso, o movimento
induzido do "eu" é transmitido por experiências visuais. Michote e Gatti
mostraram que o mesmo efeito se produz, quando uma pessoa segura dois
objetos em suas mãos, os quais, graças a algum dispositivo, são,
vagarosamente e no mesmo ritmo, movidos para um lado. Também

7 K. Duncker, Psychol. Forsc!. 12, 1929.

neste caso o sujeito sente que seu corpo gira na direção oposta. Dêste
modo, o "eu" apresenta o fenômeno do movimento induzido, exatamente
como o fazem os objetos exteriores.

Como segundo exemplo, escolherei o fato de que, do mesmo modo que


outro qualquer objeto, o "eu" pode tornar-se membro de grupos perceptivos.
Naturalmente, se ponho minhas mãos sôbre uma mesa, enquanto outra
pessoa faz o mesmo no lado oposto da mesa, vejo quatro mãos, formando
um grupo de dois pares. Mesmo o "eu" completo pode, de certo modo
participar de um grupo. Se alguém me acompanha ao longo de uma rua e,
se adiante de mim, caminha outro par, sinto (e vejo parcialmente) a mim
mesmo como membro de um dos dois grupos.

Nos capítulos precedentes, o conceito de organização foi aplicado a


experiências externas. Os exemplos que acabamos de citar, porém,
mostram que, na realidade, a organização abrange todo o campo, o que
significa que também o "eu" é incluído. Em outras palavras, sustento que
certos princípios gerais de função aplicam-se tanto ao "eu" quanto a objetos
em um sentido mais comum da expressão. A princípio, esta afirmação pode
parecer um tanto estranha, porque a mentalidade tradicional se inclina a
atribuir ao "eu" uma posição suê generis. Não preserva o "eu" sàzinho sua
identidade, ao passo que quase tudo mais no campo é livremente mutável?
Apesar dessa identidade, não são os estados do "eu" muito mais
intensamente variados que a experiência objetiva? Não vou negar que êstes
sejam fatos importantes, que devem exercer poderosa influência sôbre
qualquer organização de que participe o "eu". Disso não se segue, porém,
que, quando consideramos o papel do "eu" na experiência, deixe de ser
aplicável o conceito da organização em si mesmo. Às vêzes, tais fatos
conferem ao "eu" uma posição central dentro do campo total, mas mesmo
isto não é, de modo algum, o que ocorre sempre. Afinal de contas, em
muitas situações, a experiência inclui outras pessoas e há circunstâncias em
que tais pessoas ocupam no campo uma posição mais conspícua que o
próprio "eu".

Ao estudarmos o comportamento no sentido perceptivo da expressão,


familiarizamo-nos com uma espécie de agrupamento, no qual a referência
dinâmica desempenha um papel decisivo (Cap. 7). Deverá ser lembrado
como Watson, o partidário do behaviorismo, descreveu o comportamento de
uma criança. Viu a criança relacionada com um objeto, o que não abrange
apenas o fato de, em seu campo visual, a criança e o objeto em questão
serem um grupo-par. Êste grupo particular também se caracterizava por
uma relação dinâmica, que se estendia de um a outro de seus membros. Do
mesmo modo, quando um cão ladra, a ação do animal muitas vêzes será
percebida como se referindo, evidentemente, a um objeto particular, para o
qual está dirigido o latido.

171

170

Geralmente, não há formações-grupos mais convincentes do que as que


exibem fatôres din&micos neste sentido. Vimos também que a referência
pode ser de duas espécies: ou positiva, isto é, dirigida para o objeto, ou
negativa, como é, por exemplo, a atitude de se evitar uma coisa. Em ambos
os casos, usaremos a expressão organização bipolar, que visa a distinguir
tais casos dinâmicos dos grupos-pares originários.

A explanação em que nos familiarizamos com a organização bipolar,


contudo, evidenciou que, a êste respeito, não menos que nos outros, o
comportamento percebido costuma retratar as experiências da criatura
percebida. Em outras palavras, a organização bipolar não ocorre apenas
quando observamos o que os outros estão fazendo. Qualquer um pode-se
ver dirigido para objetos particulares, ou dêles afastados, de um modo que
representa a mesma espécie de formação-par dinâmica. De fato, além dos
estados de baixa vitalidade, dificilmente se encontra um campo total em
que esteja ausente a organização bipolar. O "eu" esta sempre, virtualmente,
dirigido para alguma coisa ou se afastando dela. Os exemplos mais notávis
são os das emoções e motivações intensas, mas a atenção em geral pode
também servir de exemplo. No caso da visão, sua direção costuma coincidir
com a da fixação, mas esta conexão não é, de modo algum, rígida. Na
realidade, a atenção, como referência a coisas particulares, é
experimentada em sua forma mais pura quando, embora fixando-nos em
determinado ponto, concentramos nossa atenção em um objeto depois do
outro na periferia do campo.

Evidentemente, a organização bipolar se parece com situações na Física em


que linhas de fôrça ou processos dirigidos estabelecem uma referência entre
uma parte de um campo e outra. Na Psicologia da Gestalt, as diversas
atitudes dirigidas do "eu" não são interpretadas como "instintos" que
residem no "eu" per se, e, sim consideradas como vetores, que dependem
tanto do "eu" como de determinados objetos, ou mais precisamente da
relação que perdura, na ocasião, entre as características dos primeiros e as
dos segundos. Isto está, natural. mente, bem de acôrdo com a maneira pela
qual vetores físicos entre objetos dependem das "características-em-
relação" dêsses objetos. Os vários estados do "eu" aqui abrangidos são, em
alto grau, determinados pelas condições fisiológicas dentro do organismo.
Estudos de apetites especiais, do comportamento sexual, etc., tornaram tal
fato perfeitamente claro. Mesmo quando o adulto tem formas de
comportamento bem estabelecidas com relação a um vetor particular, suas
atividades habituais a êsse respeito não costumam aparecer, a não ser que
as condições no interior do organismo sejam favoráveis. Por outro lado, sob
condições internas mais favoráveis, a ação pode ser forte, mesmo quando
não se encontram presentes objetos bem adeqüados. A despeito de tudo
isto, é igualmente verdade que a fôrça dos vetores psicológicos

1 '7

também é uma função dos objetos que são oferecidos. As melhores


investigações no campo não deixam dúvida a êsse respeito.8

Nossa comparação da organização psicológica bipolar com a ação do campo


na Física tem grande significação. De fato, mostramo-nos inclinados a
presumir que, quando o "eu" se sente de um modo ou de outro relacionado
com um objeto, há realmente um campo de fôrça no cérebro que se estende
dos processos correspondentes ao "eu" aos processos correspondentes ao
objeto. O princípio do isomorfismo determina que, em dado caso, a
organização da experiência e os fatos fisiológicos subjacentes têm a mesma
estrutura. Nossa hipótese satisfaz êsse postulado. No próximo capítulo,
mencionarei outros fatos que apontam para a mesma direção.

O conjunto de vetores psicológicos, as fontes que lhes dão origem, as


tenções que algumas partes do campo sofrem sob a sua influência, as
várias mudanças que assim são causadas e, finalmente, a cessação de
vetores e tensões, quando são alcançados certos resultados, tudo isto
constitui o principal estudo da Psicologia e o principal conteúdo da vida. Não
podemos tratar de tais problemas neste capítulo. Para nossos objetivos
imediatos, contudo, aprendemos uma lição importante nestes parágrafos:
quando usamos o conceito de organização, temos de aplicá-lo ao "eu", tanto
quanto às outras partes do campo.

Podemos, agora, voltar ao estudo da memória e da evocação. Tem o fato da


organização bipolar alguma conseqüência nesta parte da Psicologia? Uma
conseqüência evidente é a que se segue. Verificamos que a associação
significa a sobrevivência de traços unitários, quando ocorreram processos
organizados. Ora, se o "eu" forma unidades funcionais particularmente
fortes com objetos, com os quais se relaciona pelos vetores, então não
sàmente essas experiências externas, como também essa operação de
vetores, com correspondentes estados do "eu" e objetos correspondentes,
deverão, é de esperar, deixar tais traços no sistema nervoso. Na realidade,
nós, naturalmente, nos lembramos de nossas antigas atitudes, quando
certas situações se apresentam de nôvo, da mesma maneira que podemos
lembrar-nos dessas situações, quando as atitudes surgem mais uma vez.

Segue-se, porém, algo mais importante do fato de os vetores atuarem em


situações psicológicas e de suas atuações terem pós-efeitos. É muito
comum a seguinte experiência: tenho de executar uma tarefa de que
possivelmente não goste, mas que é urgente. No decorrer do dia, porém,
vejo-me ocupado com muitas outras coisas. Converso com amigos, leio
8 No caso de alguns vetores, não conhecemos condiçóes fisiológicas
particularc que determinem o lado interno da organização bipolar. Por
exemplo: depois de terem ficado sós durante longos periodos, a maior parte
das pessoas sente um forte "impulso" para o contacto social, mesmo com
estranhos. Sob alguns aspectos, êsse vetor atua de urna maneira muito
semelhante à necessidade de alimentaçáo, de bebida ou de um
companheiro. É de se indagar se a falta prolongada de contacto social e, em
conseqüência, de "objetos", suficientemente interessantes, pode criar uma
situação particular no sistema nervoso e se, de um modo geral, tal estado €
comparável à falta de alimento, água, etc.

173

um livro, etc. De vez em quando, contudo, algo semelhante a uma pressão


se faz sentir em meu íntimo e, examinando, verifico que essa pressão
procede da persistente tendência de ser relembrada a tarefa, e, assim,
entrar no campo de ação presente. Evidentemente, o fenômeno só pode
significar que o traço em questão ainda contém um vetor. Em relação com
tais observações é que importantes experiências realizadas por Lewin e
Zeigarnik podem ser melhor compreendidas.9

O sujeito recebe a incumbência de executar uma seqüência de tarefas


simples. Tem, por exemplo, de copiar algumas linhas de um livro; de
continuar a execução de um ornamento, cujo princípio é apresentado como
amostra; de resolver um problema simples de Matemática; de dar os nomes
de doze cidades que comecem com a letra L, etc. Em alguns casos, êle pode
terminar o trabalho, em outros o experimentador o interrompe, antes de ter
sido o trabalho completado. Depois de uma série de tais tarefas, apenas
metade das quais foi completada, indaga-se do sujeito, de maneira casual,
se se pode lembrar das tarefas. A informação prestada nestas
circunstâncias costuma ser extremamente interessante. As primeiras tarefas
de que o sujeito se lembra habitualmente estão entre as que foram
interrompidas e, geralmente, as tarefas dessa categoria são mais lembradas
que as das outras. Em uma dessas experiências, em que foram examinados
32 sujeitos, 26 se lembraram mais das tarefas interrompidas que das
completadas; em todos os sujeitos juntos, a superioridade das primeiras
tarefas elevou-se a 90%. Foram tomadas precauções para se eliminar a
influência de propriedades particulares das tarefas individuais: tarefas que
eram interrompidas com alguns sujeitos eram completadas no caso de
outros sujeitos, em número igual. De uma série de 22 tarefas, 17 foram
mais freqüentemente lembradas, depois da interrupção, do que depois de
completadas. A mesma experiência foi repetida com outros sujeitos e a
superioridade da evocação para as tarefas interrompidas foi em média 90%
de nôvo. Em uma terceira experiência, em que os sujeitos eram crianças, a
média foi de 110%.
A explicação apresentada pelos autores chama a atenção para o fato de
que, quando procura resolver um problema, o sujeito se encontra em um
estado de tensão que se refere ao seu trabalho, e êste estado de tensão
costuma persistir até que se chegue à solução. Se o trabalho é interrompido
antes de ser completado, o traço da situação conterá a tensão. E
justamente como, durante o trabalho, a tensão o mantém em andamento,
ela ainda atua na mesma direção, quando, depois da interrupção, a situação
se tornou um traço. Como a evocação seria o primeiro passo para se
completar a tarefa, o resultado da experiência é perfeitamente
compreensível.10 Se esta explicação é correta, deve ter

9 Cf. Psyehol. Forsch., 9, 1927.

10 De passagem, podemos observar que, neste ponto, deve ser reconhecida


certa relaçêo entre as averiguações da Psicologia experimental e os
conceitos freudlanoe.

conseqüências susceptíveis de ser verificadas. Mencionarei apenas uma.


Não podemos esperar que, em condições normais, as tensões nos traços
sejam conservadas para sempre. Parece muito mais provável que
desapareçam, pouco a pouco. Verificou-se que êste é, de fato, o caso.
Quando a evocação foi examinada, depois de um retardamento de 24 horas,
a superioridade das tarefas interrompidas decrescera consideràvelmente.

Êstes fatos referem-se à evocação como dependentes das características da


situação original. Outro problema diz respeito à questão de se saber até que
extensão a evocação é influenciada pelos vetores apresentados, quando ela
própria ocorre. Sob êste aspecto, muitas experiências acêrca da memória
são susceptíveis de severa crítica. No Capítulo 8, vimos que, quando os
sujeitos decoram ativamente material sem sentido, os resultados não
podem ser interpretados como se se referissem a associações
automàticamente formadas. Do mesmo modo, quando é apresentada aos
sujeitos uma sílaba com a tarefa explicita de evocar a seguinte, os
resultados podem diferir grandemente dos que seriam encontrados em uma
prova de evocação espontânea. Também neste caso, o processo
experimental comum está longe de satisfazer a lei clássica concernente à
associação e evocação por contigüidade. Se quisermos acompanhar o
sentido evidente desta lei, devemos apresentar ao sujeito uma sílaba sem
qualquer instrução e em uma situação em que coisa alguma o faça
suspeitar de que êle deve evocar um componente associado. O problema
consiste em saber se, em tais circunstâncias, aquêle componente é
espontâneamente evocado. Em sua maior parte, os experimentadores não
procedem dessa maneira, mas, ao contrário, pedem a evocação. Ora,
justamente como um sujeito pode ser dirigido a partes de seu campo
presente, também pode ser encaminhado a coisas que ficam para além
dêsse campo, por exemplo, coisas e acontecimentos do passado. Esta é
uma atitude que comumente assumimos, quando procuramos lembrar-nos
do nome de uma pessoa ou de um lugar. A atitude é susceptível de ter
influência sôbre a evocação. Embora na lei da associação êste fator jamais
seja mencionado, é êle porém, geralmente introduzido nas experiências que
se referem à lei. Poucas são as investigações em que tenha sido evitada
essa inconsistência,

Há alguns anos, muitos psicólogos teriam dito que a evocação automática é


um dos principais motores da vida mental e do comportamento. Neste
ponto, grande precaução se mostra aconselhável presentemente. As provas
experimentais opõem-se a êsse ponto de vista. Tem-se mostrado que a
evocação não ocorre, a não ser que tenham sido satisfeitas condições
particulares. O trabalho mais importante neste campo foi feito por Lewin.'1
Entre suas experiências, há uma em que êste problema foi examinado
diretamente. Lewin fêz com que os sujeitos

11 Psijchol. Forso1., 1 e 2, 1922. Experiências mais ou menos semelhantes


tinham sido feitas antes por Poppelreuter (Zetschr. 1. Psyc1ol., 61, 1912).
que foi também o primeiro a fazer as críticas mencionadas no texto.

175

174

aprendessem pares de sílabas, ou da maneira habitual, ou por um nôvo


processo, que não posso descrever aqui. Depois de grande número de
repetições, distribuídas por vários dias, foram apresentadas aos sujeitos
sílabas isoladas, com a recomendação de lê-las e esperar em seguida. De
vez em quando, era mostrado um primeiro membro de um dos pares
prèviamente apresentados. De acôrdo com o ponto de vista tradicional, era
de esperar que o segundo membro do par fôsse imediata e
automàticamente evocado. Em geral, porém, tal não era, de modo algum, o
caso. Mesmo quando a recomendação era mudada, passando a ser para que
o sujeito dissesse a primeira coisa que lhe ocorria depois de ler cada sílaba,
o resultado mostrava-se totalmente negativo. É interessante examinar as
exceções, em que efetivamente ocorria a evocação da sílaba associada.
Quando um sujeito recebe instruções para esperar passivamente, sua
atitude não é bem definida. Depois de algum tempo de espera, quase
sempre surge uma atitude ou outra. Assim, por exemplo, se uma sílaba
parece familiar, há a tendência de identif icá-la e de examinar os itens em
função do passado. Ora, logo que os sujeitos começavam assim a ser
dirigidos para o velho conteúdo, a evocação ocorria com muita freqüência.
Não era, de modo algum, uma evocação espontânea, uma vez que não teria
ocorrido sem aquela tendência particular do sujeito.

Como base para a evocação, não basta que o sujeito seja apenas dirigido,
de algum modo, para o objeto presente. Nas experiências de Lewin, era
necessário um vetor dirigido ao componente como se pertencesse a
acontecimentos do passado; de outro modo, a evocação não ocorria. Fatos
semelhantes podem ser observados fàcilmente na vida comum. Assim, por
exemplo, objetos muito conhecidos estão fortemente associados aos seus
nomes. Não obstante, quando caminhamos por uma rua e somos levados a
olhar muitas coisas, ficamos longe de relembrar os nomes da maior parte
dessas coisas. Se fôr levantada a objeção de que os objetos estão
associados a muitas outras coisas além de seus nomes e que tôdas essas
várias associações inibem umas às outras, êste próprio argumento admite
que inúmeras associações poderosas não levam normalmente à evocação
correspondente. É lamentável que êste fato seja constantemente ignorado
nas teorias empíricas. Quando, porém, as associações se tornam realmente
eficientes? Suponhamos que o leitor está andando comigo por uma rua e
que acaba de aceitar minha explicação, acêrca da falta de evocação no que
diz respeito aos nomes dos objetos comuns. É provável que, imediatamente
depois disso, o leitor dê seus nomes a todos os objetos conhecidos que
encontrar na rua. Isso prova claramente que a inibição mútua das várias
associações não pode ser o principal fator que impede a evocação em tal
situação. Realmente, onde estão agora essas inibições? O ponto decisivo é,
naturalmente, que nossa conversa provocou no leitor uma atitude, não
sàmente para com os nomes em si mesmos, mas também para com a
nomenclatura como uma forma especial de evocação. Como

178

conseqüência, as associações correspondentes começam a operar


imediatamente.

Estas observações são reveladoras. Para os fatos serem importantes, não é


estritamente necessário o ambiente de laboratório. Não deveríamos jamais
ter acreditado que é principalmente a evocação espontânea que mantém
em andamento a vida mental e o comportamento. Em qualquer ocasião,
encontramo-nos ocupados com algum trabalho, com algum problema ou
com o assunto de uma conversa, etc. Nestas condições, as relações
dinâmicas entre o "eu" e seus objetos são susceptíveis de se desenvolver de
uma maneira coerente e consistente, que dá suas significações evidentes às
expressões "trabalhar", "resolver nosso problema", "defender uma tese" e
outras semelhantes. De vez em quando, isto pode parecer uma descrição
um tanto otimista da vida. Assim, por exemplo, quando volto ao meu
manuscrito, meu trabalho pode não ser logo de todo coerente. A princípio,
mesmo um ruído ligeiro pode distrair-me e um pequeno transtôrno, atrás do
outro, pode ter o mesmo efeito, até que, finalmente, se estabelece de nôvo
um fluxo contínuo de atividades coerentes. Que acontece, porém, com a
evocação, quando ocorre êste feliz estado de coisas? Todos os conceitos e
palavras que ocorrem em meu trabalho estão associados com outras
palavras, idéias e situações, que, em sua maioria, nada têm a ver com a
presente tarefa. Tais associações pertencem a épocas e interêsses muito
diferentes da minha vida. Ora, se cada uma causasse automàticamente a
evocação correspondente, meu cenário mental logo se tornaria um caos de
partes incoerentes. Na verdade, o trabalho prossegue como uma cadeia
auto-suficiente de operações que é susceptível de alcançar a finalidade que
tenho no espírito de uma maneira bem ordenada. Ainda que, no princípio,
qualquer coisa pràticamente possa afastar-me do meu curso, dentro em
pouco estou tão bem dirigido que, depois de uma distração temporária,
vejo-me sem demora voltando ao caminho certo. A evocação espontânea de
uma coisa ou outra pode explicar algumas dessas perturbações, do mesmo
modo que os rumôres acidentais, mas não explica a consistência com que
se processa o próprio trabalho. Comparado com os vetores pelos quais, em
tais circunstâncias, o "eu" se liga à sua tarefa, a evocação espontânea
independente deve ser um fator de iinportância secundária.

Isto tem sido convincentemente demonstrado em algumas das experiências


de Lewin. Descreverei suas observações de maneira ligeiramente
simplificada. Para começar, os sujeitos tiyeram ainda uma vez de aprender
pares de sílabas sem sentido. Foram-lhes, depois, apresentadas algumas
outras sílabas, com a recomendação de que, em cada sílaba, a primeira
letra fôsse colocada no lugar da última e vice-versa. O resultado tinha de ser
anunciado, e o tempo necessário à operação devia ser medido. O leitor deve
ter notado que temos aí, em forma simples, precisamente, a situação que
acabei de descrever. O sujeito está traba177

lhando em uma tarefa específica. Ora, se entre as sílabas é apresentada a


primeira de um par prèviamente associado, a evocação correspondente
acarretaria uma reação errônea. Qualquer tendência nessa direção iria pelo
menos inibir a reação correta, de modo, que, em tal caso, o tempo da
operação seria aumentado. Por outro lado, se uma sílaba agora apresentada
é de nôvo o primeiro membro de um par prèviamente associado, mas se, ao
mesmo tempo, a sílaba que o sujeito deve formar é idêntica ao segundo
membro daquele par, qualquer tendência de evocar esta sílaba facilitaria a
reação correta, e o tempo da operação seria reduzido. Para surprêsa do
autor, nada disso foi observado. Não houve reações errôneas
correspondentes a evocações independentes e espontâneas. Além disso,
quando qualquer tendência dessa espécie inibia a reação do sujeito, o
tempo da operação não era, via de regra, superior ao médio. E, quando tal
tendência acelerava a reação, o tempo da operação era o mesmo no caso
das sílabas de contrôle.'2 Evidentemente, nas circunstâncias dessas
experiências, os vetores atuam de acôrdo com as recomendações aceitas,
por mais forte que possam ser as associações que ligam as partes da
situação determinada ao material estranho.

O Dr. Lewin entende que, de certo modo, êste fato pode ser explicado em
função de um princípio que foi discutido no comêço dêste capítulo.
Lembramos que se um A foi associado com um B, a apresentação de A não
acarretará a evocação de B, no caso de as características de A não serem já
as mesmas que eram quando a associação se formou. Também sabemos
que essas características serão alteradas se, apesar de serem dados, de
nôvo, os estímulos correspondentes a A, A é parte de uma organização
mudada na última ocasião. Ora, quando, durante a aprendizagem, uma
sílaba é lida de modo natural, é tomada como uma unidade simples. Se,
porém, o sujeito obedecer depois à recomendação, de acôrdo com a qual a
primeira e a última letra da sílaba têm de mudar de lugar, o sujeito
aprenderá a sílaba em função desta tarefa. Como conseqüência, a sílaba
aparecerá em uma organização modificada. Assim, por exemplo, suas duas
letras mais importantes já não se apresentarão nas partes mais destacadas.
Isto pode bastar para tornar a sílaba incapaz de evocar, espontâneamente,
sua companheira. A explicação parece corroborada pela observação de que
a maior parte dos sujeitos de Lewin não percebeu que sílabas conhecidas
eram apresentadas entre as novas. Seria aconselhável fazer experiências
semelhantes com outros materiais, cujas características fôssem mais
específicas do que sílabas sem sentido e que apresentassem menos
probabilidades de serem perceptivelmente mudadas em um nôvo campo.
Nem eu, nem o Dr. Lewin nos convencemos de que já se possa apresentar
uma teoria inteiramente adequada a respeito dêsses fatos. Em

12 Deduz-se, do reeultado dessas experiências, que não podemos, como N.


Ach propôs, medir a conação pelo vigor das associações opostas que
justamente equilibram a conação.

178

algumas das experiências de Lewin a atitude dos sujeitos em face das


sílabas era virtualmente idêntica no teste à que foi durante a aprendizagem.
Nem por isso deixou de haver evocação enquanto os sujeitos procuraram
seguir as instruções. De qualquer modo, se os objetos geralmente não
provocavam a evocação de seu nome (c/. pág. 176) nem sempre isto pode
ser explicado pela presunção de que os objetos em questão acham-se
suficientemente modificados pelo seu ambiente atual.

Em outras experiências, Lewin conseguiu provocar a evocação e também


inibições, por meio de associações prévias que atuavam contra determinada
tarefa. Conseguiu-se tal coisa apresentando-se uma situação total particular.
Suponhamos que, no caso de várias sílabas, a evocação leva a resultado
idêntico as do processo que a instrução realmente exija. Se em tais
circunstâncias o sujeito sucumbir à tentação de se fiar na evocação como o
caminho mais fácil, essa atitude pode, inadvertida e completamente, tornar-
se uma atitude de evocação. Uma vez estabelecida essa direção, a sílaba
seguinte irá evocar sua companheira, mesmo se neste caso, a evocação der
um resultado que está em disparidade com a tarefa. Dêsse modo,
manifestaram-se, afinal, de fato não sàmente erros pela evocação mas
também inibições da execução correta. Isto quase parece mostrar que as
associações prèviamente estabelecidas não podem influenciar determinado
campo a não ser que esteja atuando um vetor correspondente.

Hesito em aceitar tal coisa como tese geral. Para falar a verdade, a teoria
psicológica foi muito longe ao presumir que, quando associações poderosas
tenham sido formadas, a evocação ocorrerá espontâneamente, e em
qualquer situação. Por outro lado, deveremos supor que, durante tôda a
nossa vida, não ocorra qualquer evocação a não ser que seja apoiada por
um vetor naquela direção? Talvez seja aconselhável manter nossa decisão
em suspenso, até que investigações futuras esclareçam melhor o
assunto.13 Enquanto isto, a verdade é que, precisamente, se ficar provado
que os vetores desempenham importantíssima parte na evocação, o
aparecimento e desaparecimento de tais vetores tornar-se-ão problemas de
psicologia particularmente importantes. Os vetores surgem e persistem,
mas também se modificam e desaparecem, por muitas razões. Pode-se
presumir com segurança que, no estudo de tais fatos, mais uma vez nos
defrontaremos com os problemas da evocação. Não sabemos muita coisa a
respeito da evocação de vetores em si mesmos, mas merece tôda a nossa
atenção a possibilidade de vetores que se mostraram ativos por uma vez
serem de nôvo suscitados pela evocação.

Por esta e por outras razões, não devem ser tiradas conclusões exageradas
das explanações anteriores. É verdade que as atuais teorias sôbre

13 Depois de escritas estas palavras, o autor e Von Restorff realizaram um


estudo especial sôbre as condições das quais depende a evocação (cf.
Psydhol. Forsch., 21, 1935). Nossas experiências parecem não deixar dúvida
quanto à ocorrência real de evocação inteiramente espontânea, mas, ao
mesmo tempo, confirmam o ponto de vista de que a evocação tanto pode
ser facilitada como quase impedida por várias condições da organização.

179

o hábito, a associação e a evocação não esclarecem quantas condições


devem ser satisfeitas para que uma situação bem organizada seja
sèriamente afetada pela evocação que não se ajuste a essa situação. É
também verdade que mal estamos começando a reconhecer os problemas
mais essenciais neste campo.Além disso, é felizmente verdade que, em
milhões de casos, não ocorre a evocação embora isto devesse ocorrer, de
acôrdo com pontos de vista amplamente aceitos. Seja como fôr, porém, a
evocação, de um modo geral, continua sendo um dos fatos mais freqüentes
e mais importantes da vida mental. Se, ao escrever estas páginas, não
estou sendo constantemente distraído de minha tarefa por uma evocação
acidental, também é verdade que não posso escrever um única palavra, se
os efeitos da aprendizagem passada não estiverem atuando em todos os
momentos. Constantemente, palavras inglêsas surgem de algum lugar por
meio da evocação. Ao escrever, minha mão se move sôbre o papel,
executando formas que surgem fàdilmente, graças à habilidade acumulada.
Seria ridículo se fôssemos negar tais fatos e sua importância nas atividades
humanas. O problema consiste meramente em explicar porque, em seu
conjunto, a evocação fica restrita a casos em que tem sentido, no que diz
respeito a uma determinada situação em sua totalidade e em seu
desenvolvimento orgânico.

Êste capítulo trata da avaliação crítica e de problemas insolúveis. Assim,


poderá aqui ser levantada mais uma questão, que foi há muitos anos
discutida por Von Kries, mas que ainda continua em grande parte ignorada
pela Psicologia.
Suponhamos que dois itens, A e B, tenham sido associados. Como um
processo A - ou A' semelhante a A - produz uma evocação de B? Em alguns
compêndios, apresenta-se, a propósito, uma explicação fácil, em função da
teoria mecanicista: na ocasião em que inicialmente se formou a associação,
o processo A seguiu determinada trajetória no sistema nervoso e,
pràticamente, no mesmo momento, B seguiu outra trajetória, nas
proximidades. Presumia-se que, quando A e B chegavam ao cérebro, algo
acontecia às fibras que ligavam os lugares de chegada, de maneira que tais
fibras se tornavam, daí para diante, melhores condutoras. Partindo-se dêste
ponto de vista, deduzia-se que a evocação ocorreria no futuro quando um
nôvo processo A (ou A') seguisse a trajetória do A inicial até o mesmo ponto
final, uma vez que êste lugar estava agora especialmente bem ligado ao
terminal da trajetória de B. Seguindo a linha de menor resistência, a
excitação se espalharia partindo de B e reativaria a trajetória. Não há quem
não conheça ilustrações tais como a Fig. 24, que contém todo o esquema
funcional da explicação. Trata-se, evidentemente, de uma teoria tipicamente
mecanicista, em que a evocação não depende das características dos
processos que foram associados. Se a (ou A') provoca a reconstituição

180

de B, isto só acontece porque os processos do tipo A são conduzidos ao


longo de determinadas trajetórias a um lugar que está particular- mente
bem ligado a outro lugar, em que B é representado por um traço.

Por duas razões êste esquema não pode explicar a evocação: 1. Se o


processo X, que é de todo diferente de A, fôsse conduzido ao longo da
trajetória de A, também tomaria a linha de menor resistência, estender-se-ia
ao traço de B e o reativaria, embora X jamais ocorresse juntamente com B.
Não se poderia objetar que a explicação só deve ser aplicada a processos
que tenham ocorrido juntos antes. Na explicação pràpriamente dita não é
feita tal restrição, nem se pode dela deduzir porque a restrição deva ser
feita. Dêsse modo, o esquema não explica o que parece ser uma condição
essencial da evocação. 2. Se um nôvo processo A (ou A') inicia-se em outro
ponto do órgão sensorial e, portanto, segue outra trajetória, não irá ao lugar
que se achava prèviamente ligado ao lugar do traço de B. Em conseqüência,
não há motivo para que, em tais circunstâncias, os efeitos de A se estendam
ao lugar de B e não a qualquer outra parte do cérebro. Isto quer dizer que,
em tal caso, A não pode provocar a evocação de B, embora A e B sejam
associados. Na verdade, porém, se, na ocasião em que a associação foi
formada, A surgiu de uma região da retina, um processo semelhante A (ou
A') geralmente provocará a evocação de B, embora A proceda agora de
outra região da retina. Isto foi mostrado por E. Becher.'4 O natural, portanto,
é deduzir-se que a natureza de A, e não a sua localização no sistema
nervoso, é que é decisiva para a evocação.

Se fôr argumentado que entre a nova trajetória de A e o lugar do traço de B


também pode haver alguma trajetória altamente condutora, retrucarei que,
com êste argumento, a explicação original é sacrificada, pois, agora, já não
são trajetórias tornadas altamente condutoras pela associação que são
responsáveis pela evocação correta, e, sim, são feitas referências a fibras
excepcionalmente boas condutoras por motivos desconhecidos. E por que
deveria apenas A, que é na verdade associada com B, ter a sorte de
encontrar tal trajetória conveniente, de seu nôvo lugar até B? O mesmo
poderia também acontecer a quaisquer processos D. E. F., etc., que jamais
estiveram associados a B, mas que encontrassem,

14 Geijir-a un Seele. 1911. Lashley tem feito experiências semelhantes com


ratos. Posso confirmar suas averiguações. Por motivos de ordem anatômica,
as experienclas de Becher parecem-me mais conclusivas que observações
na psicologia animal.

Fic. 24.

181

por acaso, um bom caminho para chegar a B, de maneira que B pudesse ser
evocado.

A debilidade da presunção em seu conjunto reside no fato de que ela torna


a evocação dependente da localização do processo, como se um processo
de determinada espécie seguisse sempre a mesma trajetória. Ora, no setor
visual do sistema nervoso, por exemplo, um determinado processo pode ser
conduzido ao longo de certas fibras, uma vez, e ao longo de fibras
diferentes, outra vez. Nem determinadas côres, nem determinadas coisas
ou formas, têm de ocorrer, apenas, em determinados lugares. De fato, na
visão a correlação entre as várias espécies de processos e as localizações
particulares é aproximadamente zero. Isto exclui qualquer possibilidade de
se explicar a evocação correta em função de lugares e conexões anatômicas
especiais.

Nestas circunstâncias, parece natural resolver o problema em têrmos


dinâmicos e não mecanicistas. A semelhança entre um nôvo A (ou A') e o
antigo A desempenha uma parte no fato de A provocar a evocação de B,
partindo de qualquer lugar, virtualmente. Ora, sabemos que a semelhança é
um fator que favorece fortemente a formação de pares na percepção,
mesmo quando os membros do par não são imediatamente vizinhos. O
mesmo fator pode favorecer uma inter-relação específica entre um nôvo
processo A e o traço de um antigo A. Se isso acontecer, o lugar de A já não
desempenhará papel decisivo no processo e A será capaz de provocar a
evocação de B, onde quer que A fôr localizado 15

15 Os resultados da investigaçáo citados na nota 13 da pág. 179 est5o em


completo acôrdo com esta Interpretação da evocação.

BIBLIOGBAFIA

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W. Poppelreuter: Zeitschr. f. Psychol., 61, 1912.

182

Capítulo 10

Discernimento

(In sight)

Se a associação, o hábito e a evocação não são os fatos mediante os quais o


curso da vida mental é principalmente determinado, quais são os outros
fatôres mais importantes? Há, para esta pergunta, uma resposta que nem
sempre é claramente formulada, mas, não obstante, implicitamente aceita
pela maior parte das pessoas. Nós a chamaremos a convicção do leigo. O
leigo acredita que muitas vêzes sente diretamente porque quer fazer certas
coisas em uma primeira situação e certas outras coisas em uma segunda.
Se tem razão, as fôrças que determinam principalmente suas tendências
mentais e suas ações são, em sua maior parte, diretamente apresentadas
em sua experiência. Nem todos os psicólogos compartilham dêste ponto de
vista. Muitos ainda acreditam que as pessoas fazem isto ou aquilo porque
em uma primeira ocasião certos trajetos nervosos são particularmente bons
condutores e, em uma segunda ocasião, outros trajetos. Segundo êste
ponto de vista, as pessoas em quem os trajetos nervosos corretos são os
melhores condutores em determinada ocasião, deveriam mostrar-se muito
felizes com sua boa sorte, pois, por que deveriam as variações da
condutividade dos trajetos ser regularmente correlacionadas com as
características e, portanto, com as exigências de determinadas situações?

A crença do leigo parte da experiência quotidiana. Os defensores do outro


ponto de vista parecem acreditar ser êle o único compatível com o espírito
científico. A quem deveremos seguir? Confesso que prefiro a convicção do
leigo. No tratamento dos processos sensoriais, os dados fornecidos pela
descrição despida de preconceitos têm-se mostrado melhor guia do que os
postulados da teoria mecanicista. Confiando nos primeiros, o teórico da
função sensorial estabeleceu contacto com as

183

ciências naturais, de uma maneira jamais alcançada por aquêles que


consideravam o princípio mecanicista como o único cientificamente
aceitável. Depois desta lição, considero-me justificado ao adotar o ponto de
vista da experiência comum também com respeito ao campo total, em que
desempenham um papel tanto o "eu" como seus objetos. Isto quer dizer
que, também aqui, certas noções funcionais, supostamente impostas pela
ciência, são agora rejeitadas. Espera-se que, do mesmo modo que na esfera
da função sensorial, a confiança na observação direta acabará, afinal, sendo
recompensada com um contacto muito melhor com a ciência.

Depois de terem sido reconhecidas como partes do campo total as coisas


específicas, os grupos, os fatos, o "eu", etc., não poderíamos cometer maior
êrro do que voltar, neste nível, ao atomismo. Não podemos dar-nos por
satisfeitos estudando certas entidades isoladas em um capítulo, outras em
um segundo capítulo, o "eu" em um terceiro e as atitudes em um quarto. As
condições da vida real não coincidem com as dessa rígida enumeração e
classificação. Se colocarmos juntos os membros de uma classe, estaremos
provàvelmente, ao fazer isto, cortando os laços vitais das inter-relações
dinâmicas. Talvez as inter-relações dinâmicas mais interessantes ocorram
entre os membros de classes inteiramente diferentes. Em um museu
anatômico, pode ser interessante ver juntas centenas de corações; na
Fisiologia, porém, a função do coração está relacionada com a dos pulmões
e não com a de outro coração. Se as coisas experimentadas são
apresentadas como uma classe, o "eu" como uma segunda e as atitudes
como uma terceira, poderíamos ser tentados a acreditar que, partindo-se
das três classes, seria possível escolher espécimes individuais ad licitum e
depois agrupá-los para formar um campo total. Evidentemente, tal
pretensão seria de todo pueril; há certas regras acêrca das coisas,
personalidades e atitudes que podem fazer parte de um campo. Para se
perceber tal coisa, não precisamos ser um psicólogo da Gestalt. Mesmo,
porém, a observação que acaba de ser feita deixa de lado um ponto de
particular importância e é, a êsse respeito, enganosa. Será meramente
graças a regras empíricas que ficamos conhecendo os fatos que podem ser
incluídos em um campo total? O leigo está convencido de que há nisso mais
que uma simples regra. Afirma que sente quantas de suas atitudes
procedem de coisas e situações como reações adequadas. Voltamos, assim,
ao nosso ponto de partida. A espécie de experiência que o leigo afirma ter
difidilmente desempenha um papel explícito na Psicologia científica de
nosso tempo. Acho que devo colocar-me ao lado do leigo; que, por uma vez,
êle, e não nossa ciência, está cônscio de uma verdade fundamental.
Realmente, a convicção do leigo é susceptível de tornar-se uma questão
importante na Psicologia, Neurologia e Filosofia do futuro.

Em nossas explicações seguintes, terão de ser considerads observações


evidentes, quase corriqueiras. Não é por nossa culpa que, de maneira
deplorável, tais observações tenham desaparecido da Psicologia

científica e tenham, portanto, de ser novamente descobertas. Veremos,


mais tarde, que precisamente aspectos tão evidentes da experiência
humana podem expressar fatos fundamentais da dinâmica cerebral.1
De vez em quando, encontro-me em uma atitude de "admiração". A
admiração, porém, jamais ocorre com um fato por si mesmo. Refere-se
sempre a "alguma coisa". Não há, também, a menor dúvida quanto ao
objeto a que a atitude se refere. Assim, por exemplo, na noite passada, na
sala de concertos, foi a voz de um contralto que se mostrou
"admiràvelmente" séria, calma e confiante. Incontestàvelmente, êste fato
foi objeto de minha admiração não o nariz de meu vizinho, ou as costas do
maestro, nem qualquer outro dos milhares de objetos e acontecimentos que
eu tinha diante de mim. A admiração, como as outras atitudes, tem uma
direção. No meu exemplo, ela se dirigia à pessoa de quem procedia o canto.
Muito bem. Será que quero dizer com isto que a admiração simplesmente se
estende a tal pessoa e ali se detém, como se fôsse comparável a uma
comprida bengala, que se estendesse entre mim e aquêle lugar? Se tal
fôsse o caso, a admiração não seria mais que uma terceira coisa entre duas
outras, e uma relação causal entre a voz e a admiração só poderia ser
hipotèticamente presumida. Possivelmente esta relação também poderia ser
verificada por meio de investigações adequadas, mas, sem dúvida alguma,
não seria diretamente experimentada. Na realidade, nesta situação, eu tive
experiência direta, primeiro, que a minha admiração estava relacionada
com o canto, e não com qualquer outra coisa, e, segundo, que minha
admiração constituía a reação natural àquela maneira de cantar. Em
conseqüência, não precisei de critérios indiretos, de investigações
científicas, de coeficientes de correlação, para tomar conhecimento da
conexão existente entre o canto e a minha admiração. Na realidade, minha
experiência me disse mais do que a indução científica poderia dizer, pois a
indução não trata da natureza da relação funcional que explica, ao passo
que, no presente exemplo, um fato particular de causação foi diretamente
experimentado como uma relação compreensível.

Há algumas semanas, vi meu filho sorrindo pela primeira vez, e fiquei


encantado. Como soube que meu sentimento dizia respeito ao sorriso? Se
minhas experiências representassem um agregado de sentimentos,
fenômenos e coisas, alguns dos quais dirigidos e outros não, mas todos
distribuídos de certa maneira, meramente como conseqüência de
circunstâncias histológicas, em tal caso eu poderia apenas fazer suposições
acêrca das possíveis relações funcionais entre os vários componentes do
agregado. Potencialmente, uma mudança de qualquer componente poderia
ser seguida por qualquer espécie de mudança em qualquer outra parte, e o
único meio pelo qual a verdadeira conexão

1 Estas expltcaÇóeS estão, naturalmente, Teiacionadas muito de perto com


O conceito da organização bipolar, exposto no Capitulo 9.

184

185

funcional poderia ser descoberta seria a de variar as condições


sistemàticamente, até serem eliminadas certas possibilidades e outras
serem estatisticamente verificadas. No presente caso, por exemplo,
sàmente a concomitância de um sorriso de uma criancinha com a
experiência de se sentir encantado permitiria deduzir que havia
provàvelmente uma conexão entre os dois fatos. Mesmo assim, não poderia
eu ter certeza absoluta até que todos os outros fatôres tivessem variado
suficientemente, mostrando-se irrelevantes. A que extremos chegaríamos
em Psicologia se fôsse necessário discutir sèriamente tal tese! Em minha
experiência particular, um lado do rostinho da criança mostra-se um pouco
mais escuro, devido a uma sombra. Segundo o estranho ponto de vista que
estamos agora examinando, poderia eu ter atribuído meu sentimento a essa
sombra e não ao sorriso da criança. Uma hipótese tão errônea sômente
poderia ser impedida por um número suficiente de casos opostos.

Depois de uma longa caminhada, em um dia muito quente de verão, bebo


um copo de cerveja gelada. Ao fazer isto, sinto na bôca a frialdade e um
gôsto característico. Há, também, um grande prazer. Será necessário para
mim ficar sabendo, pouco a pouco, que tal prazer provém da frialdade e do
gôsto? Que êle nada tem a vem com a aranha que estou vendo na parede
ou com o tamanho da cadeira que se encontra diante de mim?
Evidentemente, não é necessária tal aprendizagem. Não estou mais
diretamente consciente de meu prazer em si mesmo e do tacto e do gôsto
em si mesmos que estou do fato de que o prazer se refere à frialdade e ao
gôsto. E sinto também que meu prazer é uma reação adequada àqueles
fatos. Entre o prazer e sua base sensorial experimento o que é chamado em
alemão seu "verstandlicher Zusammenhang", que corresponde
aproximadamente a "relação compreensível".

O mesmo se pode dizer de muitos casos em que a atitude do sujeito é


negativa. Durante duas semanas estive muito ocupado, preparando,
cuidadosamente, um jôgo de instrumentos para certas experiências. Esta
manhã, encontrei os instrumentos completamente desarranjados e fiquei
irritado. Se eu dissesse, então: "Aqui está a janela, ali a mesa, em um canto
os instrumentos, em um outro uma cadeira e perto da porta eu mesmo,
furioso" constituiria esta enumeração uma descrição adequada da situação?
Evidentemente, não. Tenho certeza de que a porta, por exemplo, não tem a
menor relação com a minha raiva. Descobrindo os instrumentos
desarranjados, sei imediatamente que êste fato é que me irrita. E, ainda aí,
não só esta referência particular é inerente à minha experiência, como
também a raiva é considerada natural nas circunstâncias.

Em uma bela noite, em Tenerife, quando me encontrava calmamente


trabalhando à minha mesa, assustei-me como jamais antes me havia
assustado. De repente, a casa foi violentamente abalada e sacudida - minha
primeira experiência de um terremoto. Poderia haver a menor

dúvida de que foi o súbito tremor que me assustou e não qualquer outra
coisa? Evidentemente não. Mais uma vez a emoção foi sentida como tendo
sido causada por uma experiência particular. Via de regra, não precisamos
aprender, pouco a pouco, que acontecimentos intensos inesperados são
seguidos pelo temor, como se a priori uma fisionomia amável ou o perfume
de uma rosa também, devessem ser acompanhados pelo temor. Quando o
temor nos domina de súbito, sempre o sentimos como procedendo de fatos
particulares.

Depois de sentado durante meia hora em um restaurante onde há muita


fumaça e muito falatório, sinto-me impaciente e desejoso de sair.
Evidentemente, essa impaciência refere-se a uma situação determinada.
Estou a par da referência, não devido a uma regra descoberta
anteriormente na vida, de acôrdo com a qual, em meu caso, tais condições
têm sido regularmente seguidas de um estado de impaciência; na verdade,
experimento diretamente, hic et nunc,, como aquêle ambiente me perturba
e me impacienta. Sinto que tais condições têm êste efeito necessário; a
conexão causal é parte de minha experiência.

Há dois dias, achava-me muito abatido, porque não conseguia uma


apresentação satisfatória do que considerava ser o ponto principal dêste
capítulo. Havia nestas circunstâncias, dois fatos separados, o estado de
depressão em si mesmo e, além disso, certa situação intelectual? E entre as
duas poderia ser presumida uma possível conexão sàmente com base na
prova estatística? Tais perguntas parecem de todo artificiais. Quando tentei
resolver meu problema, senti claramente que meu abatimento tinha origem
naquela dificuldade. Além disso, senti que tal abatimento era natural, em
vista da situação.

Em todos êstes exemplos, minhas reações internas são experimentadas


como derivadas da natureza de determinadas situações e, em certos outros
casos, os acontecimentos ocorridos no ambiente são sentidos como
derivados de minhas atitudes. Posso, por exemplo, olhar para a Fig. 1 de
maneira passiva. Nestas circunstâncias, vejo o desenho como dois grupos
de pontos. Se, porém, enquanto a olho, algo me faz pensar em linhas
oblíquas, a figura é susceptível de ser transformada em três pares de
pontos, cada um dos quais formando uma espécie de linha oblíqua de um
ponto mais baixo à direita até um ponto mais alto à esquerda. Se ocorre
realmente esta transformação, sinto que ela se origina de minha atitude
mental particular na ocasião. Suponhamos que eu coce a cabeça ou
cantarole uma melodia, enquanto se muda a organização da Fig. 1.
Certamente, não sentirei que tais atividades tenham qualquer relação com a
transformação.

Tomemos outro exemplo. Qual é o nome daquela cidade na Estrada de Ferro


Santa Fé? Eis a questão. Quando procuro um nome, esta operação não
ocorre como uma coisa à parte, nem o lugar em que o nome esquecido deve
estar escondido constitui uma coisa em si mesma. Ao contrário, sente-se
que a procura está dirigida para o lugar do nome oculto. Quando afinal o
nome surge, sente-se que o fato foi

186
187

conseguido graças ao esfôrço da procura. Ora, não aprendi, pouco a pouco,


que em tal situação a procura per se está relacionada com o aparecimento
de um nome. Também não aprendi que, em tais situações, um barulho do
lado de fora é um fato irrelevante.

Mantenho o braço horizontalmente durante alguns instantes. Dentro de


pouco tempo, o braço não se conservará em tal posição, a não ser que eu
faça um esfôrço especial. Na ocasião, percebo, pela experiência, além dêsse
esfôrço, um céu azul, o canto de uma cotovia, o braço como uma coisa
visual, o cheiro do chão molhado. Há, também, uma sensação particular no
braço levantado, uma sensação que se torna mais intensa, à medida que os
minutos se passam, algo como um pêso que puxa o braço para baixo.
Geométrica ou làgicamente, tôdas essas experiências permitem muitas
diferentes combinações em pares. Meu esfôrço poderia ser relacionado com
o canto da cotovia, o cheiro, a côr da mão levantada e com o azul do céu.
Na verdade, porém, meu esfôrço não é algo à parte que pudesse ser
igualmente bem relacionado com qualquer dessas experiências. Sinto, sim,
que êle mantém o braço na posição horizontal, contrariando aquêle empuxo
para baixo. Sinto que a natureza do empuxo exige precisamente tal esfôrço,
para que o braço permaneça em sua posição, e a natureza do esfôrço é
experimentada como compensando exatamente êsse empuxo. Se alguém
descrevesse a situação mais pormenorizadamente em função de dados
locais, com seus lugares, suas direções (se tiverem), suas localizações no
tempo e mesmo com suas relações quanto ao lugar, distância, sucessão ou
simultaneidade, semelhança, etc., ainda assim deixaria de mencionar a
principal característica da situação, que é a relação dinâmica entre algumas
de suas partes.

Discutindo um caso um tanto semelhante, David Hume defendia,


enfàticamente, o ponto de vista contrário. Não sei como meu braço é
levantado, quando quero levantá-lo - disse êle. Pode não haver nada mais
que uma mera sucessão no tempo, uma vez que não conheço a natureza do
mecanismo que realmente eleva o braço. É um argumento bem estranho,
inteiramente alheio à análise da pura experiência que Hume prometia
oferecer. A êsse respeito, quando falamos sôbre o braço, devemos,
naturalmente, tomá-lo como uma coisa experimentada, não como um
objeto físico que se move no espaço físico. Quaisquer que possam ser, neste
caso, as inervações e as contrações dos músculos, uma análise
fenomenológica teria de tratar aqui da intenção, por um lado, e do
movimento do braço experimentado, por outro. O problema consiste em
saber se a intenção é sentida como estranha ao movimento do braço, como
é a côr de uma nuvem ou a côr da pele do braço na mesma situação. Neste
ponto, o grande filósofo parece ter escorregado e, inadvertidamente,
lançado mão de um truque de lógica. Assim fazendo, obscureceu a questão
durante gerações.
A fim de esclarecer ainda mais a importância da presente explanação,
considerarei agora uma objeção que tiro de uma observação

própria. Pode-se dizer que, afinal de contas, experiências de "depender de",


"ser o resultado natural de", "basear-se em", em assim por diante, não
provam realmente que as çonexões em questão sejam necessárias. Por
exemplo: há muitos anos, eu me impressionava grandemente com a
ouverture de Tristão e Isolda e, naquela ocasião, teria descrito minha
satisfação como resultado direto e compreensivo de justamente aquela
espécie de música. Não posso dizer, contudo, que minha reação à ouverture
de Wagner ainda seja a mesma. Francamente, enfarei-me dela. Quase que
posso dizer que, agora, o desgôsto parece ser uma reação a essa música
perfeitamente natural. Ora, afetará realmente essa mudança a descrição
que eu apresentei de minhas reações anteriores? Podemos mostrar
fàcilmente que não há qualquer contradição. É verdade indiscutível que, em
situação física exatamente a mesma, exposta precisamente às mesmas
ondas sonoras, determinada pessoa pode sentir hoje que estar deleitada é a
única reação adequada e, no entanto, algum tempo mais tarde, sentir
desgôsto quando ouve a mesma composição. Um meio simples de
conseguir-se tal alteração consiste em oferecer à pessoa a mesma
seqüência de sons algumas centenas de vêzes por dia.2 Que acontece em
tais circunstâncias? Devemos distinguir entre melodias como fatos físicos e
melodias como experiências auditivas. Depois de algumas centenas de
repetições, a maior parte das melodias já não tem, como experiência, as
mesmas características que tinham no comêço. Passam a parecer vazias e
cediças. A repetição as afeta, da mesma maneira que afeta até as melhores
piadas e anedotas. Disso se deduz que as mudanças de reações, quando as
condições objetivas são constantes, estão inteiramente de acôrdo com a
nossa tese principal. Essa tese refere-se às relações compreensíveis entre
fatos experimentados e reações internas experimentadas. Logo que, com os
mesmos estímulos, o material experimentado muda, já não podemos
esperar que as mesmas reações pareçam naturais e adequadas. Ao
contrário, deveríamos desconfiar da tese se em quaisquer circunstâncias as
reações continuassem as mesmas.

Ainda há outro motivo para que a música de que eu gostava há muitos


anos, já não mais me agrade: neste meio tempo, eu mudei muito. Como
posso esperar que, em uma personalidade modificada, os efeitos de
determinada composição sejam os mesmos, como se a personalidade não
tivesse mudado? Os efeitos dependem, não apenas de determinadas
causas, mas também das características do sistema em que ocorrem os
efeitos. Isto é verdade para a causação experimentada, como é para a
causação em Física.

De modo muito geral, contudo, devo insistir de nôvo que a consciência de


relações causais no campo psicológico deve ser distinguida das afirmações
quanto à coexistência e concomitância, mais ou menos regulares, de fatos
psicológicos. Em determinada experiência do pri2 K. Lewln e A. Karsten,
Psychoi. Forsch., 10, 1927.

188

189

meiro tipo, sua importância, no que diz respeito à observação, nada tem a
ver com o que possa acontecer em outros casos. Da mesma maneira que
posso ter certeza absoluta de que agora estou vendo certa flor como
vermelha, embora, se posteriormente me tornasse daltônico, esta flor me
aparecesse como cinzenta - assim também determinada experiência de
dependência causal deve ser aceita por si mesma, ainda que outras
experiências em situações semelhantes não apresentem as mesmas
características.

Ë um velho princípio da ciência o de que nada torna mais aceitáveis


afirmações positivas do que um franco reconhecimento dos casos, aos quais
não se aplica tal afirmativa. Não pretendo negar que, em inúmeros casos,
estamos muito longe de constatar pela experiência como um fato é
ocasionado por outros. Deixe-se um sujeito observar um movimento que se
repete em determinada parte do campo visual. Quando, mais tarde, êsse
sujeito vê a pós-imagem negativa do movimento, ela o surpreenderá,
contanto que êste seja seu primeiro contacto com o fenômeno. Sua surprêsa
prova que a pós-imagem é ocasionada por condições das quais êle não tem
a menor consciência, ou que não são sentidas como sendo casualmente
responsáveis por êste efeito. Muitos sujeitos, também, ficarão grandemente
surpreendidos quando, depois de olhar prolongadamente o centro da Fig. 8,
(pág. 100) nova forma aparecer de súbito diante dêles. Não saberão o
motivo porque exatamente ocorre esta transformação. Certa vez, tive um
físico como sujeito em certa experiência dêsse tipo. Pedi-lhe para assinalar
tôdas as transformações, quaisquer que fôssem que ocorressem, enquanto
êle fitava fixamente a Fig. 8. Nessa experiência, o modêlo consistia de linhas
brilhantes em um aposento que, a não ser isso, estava completamente às
escuras. O resultado foi que, quando se completaram as observações, o
físico perguntou-me como conseguira eu mudar "os objetos" com tanta
rapidez e tantas vêzes, embora o lugar em que me encontrava estivesse à
distância de vários metros, e eu não parecesse ter-me movido. Êle nem ao
menos desconfiou de que fatos ocorridos em seu próprio organismo eram os
únicos responsáveis pelas transformações.

Todo o mundo sabe que a disposição de ânimo pode mudar, sem que
saibamos quais são as causas da mudança. Do mesmo modo que podemos
sentir de súbito que apanhamos um resfriado, sem saber onde nem quando,
algumas vêzes nos sentimos irritadiços, sem que tenhamos experimentado
uma causa para êsse estado de ânimo. Na verdade, a irritação não tarda a
encontrar algo em que se descarrega e, então, êsse algo em questão
provàvelmente parecerá um objeto adequado. Antes que isso aconteça,
porém, nada mais podemos fazer do que adivinhar qual será a causa oculta
do estado de ânimo, pois, a princípio, êsse estado não se referia a objeto
algum em particular. Na realidade, podem ser responsáveis alguma
condição meteorológica que afete o

nosso organismo ou uma perturbação da digestão. Não temos consciência


direta de tais influências.

Dêste exemplo, podemos tirar duas lições. Em primeiro lugar, êle confirma o
ponto de vista de que, conquanto relações dinâmicas possam ser
experimentadas, os efeitos também podem ser patentes, quando nenhuma
experiência aponta suas causas. A segunda lição é que ambas as espécies
de determinação podem ser unidas em um único fato. Realmente, quando
estamos irritados e descobrimos alguma coisa que esteja, mais ou menos,
de acôrdo com essa disposição interna, o objeto em questão imediatamente
aparecerá como uma causa de todo adequada a um acesso de raiva. E, no
entanto, nossa reação pode ser muito exagerada pelas causas ocultas que
nos tornaram irritadiços muito antes dessa ocasião.3

Não vejo motivo, contudo, para que o fato da determinação oculta em


alguns casos possa servir como argumento contra a causação
experimentada em outros. No caso da cólera e da peste, é sabido que os
causadores das enfermidades são certos germes. Na diabete, êste não é o
caso. Iria alguém usar êsse "exemplo negativo" como argumento contra a
Bacteriologia? Podemos, portanto, calmamente, aceitar um dualismo
semelhante na causação psicológica.

Apesar de todos os nossos exemplos, contudo, não será a causação


experimentada muitas vêzes simplesmente um produto da aprendizagem?
Se, em minha correspondência, aparece um envelope com certa letra, o fato
me faz ficar satisfeito, embora, se eu encontrar um envelope com outra
certa letra, ocorra o efeito contrário. Deixemos de lado os aspectos
grafológicos e estéticos da situação e suponhamos que seja principalmente
o conhecimento que tenho com os missi• vistas que me faz olhar com
agrado uma das letras e contrariado a outra. Em ambos os casos, percebo
que as minhas reações são provocadas pela vista de determinados objetos.
Não obstante, essas reações parecem ter sido aprendidas. As mesmas
palavras e letras não seriam tidas como causas adequadas de minhas
reações, se não tivesse ocorrido qualquer "condicionamento"
correspondente. Por um momento, esta observação pode-nos fazer
desconfiar de muitas afirmações feitas nos parágrafos anteriores. Na
realidade, porém, tais fatos não estão de modo

3 Neste ponto, parece caber bem uma observação a respeito da Psicanálise.


De acôrdo com os psicanalistas, as pessoas muitas vêzes não têm o menor
conhecimento do motivo de se comportarem de uma ou de outra maneira.
Sua verdadeira motivação pode ser muito diferente daquelas que,
acreditam, sejas as atuantes. Podemos admitir que tais casos ocorram na
vida normal e que existam muitos mais em condições patológicas. Duvido,
porém, que as observações dessa espécie justifiquem o pessimismo natural
para duvidar de inúmeras experiências em que o leigo está claramente
consciente de suas motivações. A isto, gostaria de acrescentar que
devemos distinguir entre duas coisas: em alguns casos, os adeptos de Freud
podem ter razão, ao passo que em outros as pessoas apenas deixam de
reconhecer seus estados interiores. Estou inclinado a acreditar que muitas
observações que O freudismo interpreta à sua moda são, na realidade,
casos em que o reconhecimento não ocorre. O reconhecimento, que atua
com perfeita facilidade na percepção, é surpreendentemente vagaroso no
caso dos processos internos. A propósito: isto é verdade quer os fatos
internos profundos mereçam ou não permanecer irreconhecíveis,

191

190

algum em choque com nosso principal argumento. No presente exempio,


certa caligrafia impregnou-se de experiências amistosas que tive com certa
pessoa e, em outra, impregnou-se de fatos desagradáveis pelos quais era
responsável outra pessoa. Estas próprias pessoas, se presentes,
provocariam reações correspondentes às que suas letras agora provocam,
uma vez que elas estão impregnadas de uma ou outra significação. É um
êrro acreditar que, em tais exemplos, as reações emocionais se tivessem
ligado, pouco a pouco, com a caligrafia. A conexão que realmente ocorreu
consiste no fato de que o aparecimento visual de certas palavras e letras,
escritas de uma maneira ou de outra, tornou-se saturado de experiências
positivas ou negativas do passado. Estando assim saturada, a caligrafia
constitui, agora, uma causa adequada da reação emocional que descrevi.
Não é de admirar que se perceba que ela é a causa.

Neste ponto, parece indispensável nova observação. Quando tenho sêde,


sinto-me inclinado a pensar em uma bebida refrigerante. Êste objeto de
meu pensamento é, naturalmente, trazido ao campo pela evocação. Ë claro,
espero, que êste fato não tenha relevância para nosso problema presente.
Não importa como a evocação possa ter sido provocada, uma vez que a
idéia da bebida se torne parte do campo, êste objeto é sentido como uma
causa muito adequada para o meu desejo, e o desejo como algo
diretamente compreensível em vista de tal objeto. O simples fato de que
algo penetrou no campo por um processo de evocação nada tem a ver com
a questão de saber em que espécie de relação êste objeto é experimentado
dentro do campo. Isto deve ser salientado, porque estamos tão
acostumados com explicações em função da aprendizagem, hábito,
evocação, etc., que, quando se mostra que a situação deve algo ao passado
e à evocação, nós nos mostramos inclinados a desistir de pensar nisso. No
entanto, mesmo se tôdas as partes de uma situação devessem sua
presença a processos de evocação, ainda deveríamos fazer a pergunta:
algumas destas experiências, agora percebidas, são casualmente
relacionadas?
Voltamos à convicção do leigo. A Psicologia e a Epistemologia da ciência se
inclinam, ou a ignorar êste ponto de vista, ou a atacá-lo, como se implicasse
um grande perigo. David Hume tem sido muitas vêzes mencionado como o
responsável por esta hostilidade. Parece-me, porém, que esta grande figura
da história do pensamento humano foi apenas o mais eminente
representante de uma tendência que também se fêz presente na Grécia, há
mais de dois mil anos, e que tem sua origem em profunda necessidade de
clareza.4

Há uma espécie particular de clareza que não se combina muito bem com a
convicção do leigo e com minhas afirmações neste capítulo. Éste ideal de
clareza seria alcançado se o mundo pudesse ser con4 Assim, por exemplo,
em algumas das discuss6es de Platêo, a respeito das caracteristicas do
mundo verdadeiramente real, a mesma tendência faz sentir sua presença
de maneira inequívoca.

cebido como um número enorme de peças iguais e desiguais, que têm


meramente relações formais quanto à posição no tempo e no espaço,
semelhança, etc. Na famosa análise da causação de Hume foi aceito
tàcitamente como certo que isto é um verdadeiro retrato da experiência, de
maneira que, afinal, êle nada mais provou do que aquilo que havia
implicitamente pressuposto no comêço. Hume não teve dificuldade em
coligir exemplos que pareciam corroborar sua tese de que a causação
jamais é experimentada, porque, em grande número de casos, não
percebemos, realmente, como uma coisa é determinada por outras. E, como
êle não discutiu outros casos, parece a muitos que a verdade do seu ponto
de vista fôra demonstrada além da menor dúvida. Acredita-se, em geral,
que Hume foi o maior empirista de todos os tempos. No entanto, reduzindo
o mundo da experiência a pedaços, entre os quais só prevalecem relações
formais, foi êle inteiramente dominado por certas premissas e ideais
intelectuais. Foi grande, mas não, em sentido rigoroso, um empirista. Os
empiristas não admitem, ou não devem admitir, tanta coisa como certa.

Em seu empirismo radical, William James atribuiu grande importância ao


fato de as "relações" entre as coisas, quer conjuntivas quer disjuntivas,
serem, do mesmo modo que muitas matérias da experiência direta
particular, nem mais nem menos, que as próprias coisas". Na minha opinião,
êste ponto de vista é antes um obstáculo que uma ajuda em nosso caminho.
E não concorre também para nos ajudar o fato de James, embora atacando
o atomismo no tratamento da experiência, deixar claramente de reconhecer
aquilo que chamamos de organização (Cap. 5). De certo modo, isto é, em
um sentido purmente. lógico, podem ser consideradas as relações entre
tôdas as partes e frações de determinado campo, se estivermos
interessados nesta possibilidade. Relações tão ubíquas, contudo, de modo
algum são suscetíveis de nos fazer compreender porque, em dado caso,
uma atitude é experimentada como surgindo "por causa de" um fenômeno
ou objeto igualmente particular no campo. Em determinada situação, isto é,
via de regra, uma relação sui generis. E conquanto essa relação dinâmica
seja realmente experimentada, a multidão das relações formais a que James
se refere não é, geralmente, de modo algum, experimentada. Além disso,
essas relações formais existem também, naturalmente, entre determinada
atitude e qualquer outro componente do campo. Nestas circunstâncias,
parece mais importante compreender a grande diferença entre as relações
nestas duas significações da palavra do que salientar que o título formal
pode ser afirmado em tôda a parte.

É justo salientar que, em alguns lugares, James aborda o nosso problema


partindo de outra direção, como, por exemplo, quando fala em "sustentar
um objetivo sentido contra obstáculos sentidos e vencer ou ser vencido";6 e
também quando de acôrdo com suas palavras "o

5 The Meaning o' Truth, Prefácio.

6 Some Problem of PMlosophy, pág. 213.

192

193

experimentador sente a tendência, o obstáculo, a vontade, a tensão, o


triunfo ou a desistência passiva, da mesma maneira que sente o tempo, o
espaço, a rapidez ou intensidade, o movimento, o pêso e a côr, a dor e o
prazer, a complexidade ou quaisquer outros demais caracteres que a
situação possa abranger".7 É uma coisa muito pouco verossímil uma rêde
de relações formais que se espalha indiferentemente através de todo o
campo. O ponto crítico não está colocado precisamente onde tentei colocá-
lo, mas não há dúvida de que, às vêzes, William James mostrava-se
interessadíssimo em dar à determinação sentida sua parte na descrição da
experiência.8

Quando estudamos a organização puramente sensorial, não tivemos uma


oportunidade particular de apresentar o conceito de determinação
experimentada, porque os efeitos mais simples da organização sensorial
não nos revelam, em sua maior parte, grande coisa a respeito da maneira
como surgem. Não afirmo que os campos sensoriais são destituídos de
conexões causais experimentadas. Por exemplo: as situações perceptivas
oferecidas em pinturas são susceptíveis de conter convincentes exemplos
de tais relações dinâmicas, e o mesmo se dá com muitas situações
perceptivas na vida comum (cf. Cap. 7). Isto, porém, não impede que as
mais intensas experiências dessa espécie ocorram no campo total e digam
respeito às relações dinâmicas entre o "eu" e certos objetos. Nestas
circunstâncias, parece aconselhável restringirmos as explicações seguintes
também às relações causais em que um dos têrmos é o "eu".

A consciência direta da determinação, tal como é descrita nos parágrafos


precedentes, também pode ser chamada de discernimento (inight). Quando
certa vez empreguei esta expressão, em uma descrição do comportamento
inteligente de macacos,9 não se evitou, parece, inteiramente, um
lamentável mal-entendido. Verificou-se, algumas vêzes, que os animais
eram capazes de realizações que não esperávamos que ocorressem abaixo
do nível humano. Afirmou-se, então, que tais realizações envolviam o
discernimento (insight). Segundo parece, alguns leitores interpretaram esta
formulação como se ela se referisse a um misterioso agente ou faculdade
mental que se tornara responsável pelo comportamento dos macacos. Na
verdade, de nada disso cogitei, quando escrevi meu trabalho. Espero que
não surjam mal-entendidos semelhantes do presente estudo.
Intencionalmente, o conceito de discernimento (insighi) foi agora
apresentado em uma base de fatos inteiramente comuns e simples. Não se
trata aqui, de modo algum, de invenções ou outras notáveis realizações
intelectuais e, longe de se referir a uma faculdade intelectual, o conceito é
usado de modo estritamente descritivo. Não irei negar que, de um ponto de
vista filosófico, é da

7 A Pluralistie Tinlverse, pág. 376.

8 Depois da época de James, pontos de vista semelhantes têm sido


defendidos por vérios autores, cujos nomes serêo encontrados na
Bibliografia no fim clêste capítulo.

9 The Mentality 0/ Apes, 1925.

194

maior importância saber se a determinação de certas experiências pode ou


não ser ela própria experimentada. Por enquanto, porém, parece-me mais
necessário que o conceito em si mesmo seja claramente entendido do que
se tais outras conseqüências fôssem logo plenamente compreendidas.
Procurei, também, deixar perfeitamente claro que, tomado em seu sentido
básico, o têrmo discernimento (insight) refere-se à dinâmica experimentada
nos campos emocional e de motivação no menos que à determinação
experimentada em situações intelectuais.

Por diversas vêzes, tenho observado que, na experiência comum, nada pode
ser mais evidente que o discernimento (insight), isto é, a consciência de
determinação tal como é descrita neste capítulo. Raramente falta de todo
esta característica a um campo singular total. No entanto, apenas uma
pequena minoria dos psicólogos mostra compreender plenamente que êste
é um dos mais importantes conceitos psicológicos. É verdade que muitos se
expressam em têrmos que mostram que o díscernimento (insight) ocorre
em seus sujeitos ou em suas próprias experiências. É possível, contudo, que
isto aconteça apenas porque a convicção do leigo se traduz em certas
formas de linguagem, que os autores empregam sem se mostrar claramente
cônscios de suas implicações. Em conseqüência, o discernimento (insight)
não ocorre entre os conceitos que êles empregam realmente em suas
teorias. De fato, usar a linguagem do leigo não é a mesma coisa que
verificar quanto contém essa linguagem de boa psicologia. Há, também,
aquêles para os quais a análise da experiência de Hume e as idéias do
século XIX representam uma estrutura que jamais será sàriamente afetada
pelas conquistas posteriores. Aos seus olhos, o conteúdo dêste capítulo
deve, de certo, parecer puro misticismo. Suponhamos que um representante
dêsse grupo esteja viajando em um ônibus, onde tenha de

ficar de pé, porque o veículo está superlotado. Em certo momento, um


indivíduo dono de um corpanzil escolhe o pé do nosso discípulo

de Hume para descansar o seu. Em princípio, o discípulo de Hume não teria


meio de decidir se a causa da raiva que se apossa dele é o comportamento
daquele homem pesadão ou o rosto bonito de uma môça que também viaja
no ônibus. Poderá verificar pela experimentação ou indução, ou poderá ter
aprendido, no passado, a relacionar tais coisas corretamente. Não poderia,
porém, afirmar que suas convicções teóricas estão certas sem tais provas
indiretas.

Os behavioristas pertencem a esta classe? Muito provàvelmente, êles se


negarão a alistar-se em qualquer classe, porque até agora nosso problema
se restringiu ao campo das experiências, das quais o bebaviorismo se nega
a tomar conhecimento. Na realidade, porém, isto não importa. O que o
behaviorismo chama de processo científico é, em tôdas as circunstâncias, a
técnica indutiva, a única admitida pelos rigorosos discípulos de Hume.

Nosso estudo, porém, pode ser transferido do campo da experiência para o


da fisiologia do cérebro. O leitor se lembrará de que, no

195

Capítulo 2, resolvemos usar a experiência como um indicador dos processos


que se interpõem entre as condições externas e o comportamento patente
do organismo. Ëste processo baseava-se no princípio do isomorfismo, isto é,
a tese de que nossas experiências e os processos que se encontram sob
essas experiências têm a mesma estrutura. Presumimos, assim, que,
quando o campo visual apresenta uma coisa como uma entidade destacada,
o processo cerebral correspondente é de modo relativo isolado dos
processos adjacentes. Em outro capítulo, chegamos à conclusão de que, por
amor à coerência, tínhamos de pressupor processos cerebrais particulares
em que se baseia nossa experiência do "eu" em seus vários estados. Ora,
justamente como, na experiência, o "eu" está rodeado de objetos, assim
também os processos que correspondem ao "eu" devem ocorrer no meio de
processos que estão correlacionados com êsses objetos. Temos, porém,
experiências não sàmente de objetos em tôrno de nós, e do "eu" com seus
vários estados, mas também da causação psicológica, na qual são sentidos
estados do "eu", como determinados por partes do ambiente ou,
ocasionalmente, fenômenos no ambiente por atividades do "eu". De acôrdo
com o nosso ponto de vista, só há uma maneira pela qual tais fatos de
determinação experimentada podem ser representados no cérebro: temos
de nos utilizar daquilo que os cientistas chamam de lísica de campo. Em
outras palavras, quando se sente que o "eu" é influenciado pelas
características de certo objeto, isto quer dizer que, no cérebro, os processos
que suportam o "eu" experimentado devem ser afetados pelos processos
que correspondem ao objeto. Mais particularmente, as características
específicas dos processos correspondentes ao objeto devem, de algum
modo, ser representados na área em que ocorrem os processos que
sustentam o próprio "eu" e, sob a influência dêsse "campo", os processos
correspondentes ao "eu" devem mudar de uma maneira ou de outra.
Inversamente, uma atitude particular do "eu" a respeito de um objeto deve
ter um correspondente fisiológico que se estende ao local onde êsse objeto
é fisiolôgicamente representado, de maneira que o processo correspondente
ao objeto pode mudar sob a influência do campo do "eu". No primeiro caso,
o estado modificado do "eu" não existiria independentemente, e, sim, teria
sido estabelecido e mantido pelo campo do objeto. No segundo caso, o
mesmo seria verdade quanto à mudança do objeto, que seria causada e
mantida pelo campo do "eu". Se tivermos qualquer confiança na suposição
de que os conceitos funcionais básicos da Física são aplicáveis à dinâmica
cerebral, êste ponto de vista da situação representa a maneira mais simples
pela qual tais esperanças possam concretizar-se.

Para deixar êste ponto perfeitamente esclarecido, voltarei a um de nossos


antigos exemplos. Quando, em uni dia quente, saboreio uma bebida gelada,
sinto que o meu prazer se refere ao gôsto da bebida e à minha sêde, mas
não, por exemplo, à aranha que está na parede, ao tamanho da cadeira que
se encontra diante de mim ou a mil outras

196

coisas em redor. No cérebro, mais particularmente na parte em que ocorrem


certos "auto-processos", há, em tais circunstâncias, um processo particular
B, em que se baseia minha experiência de sêde. Ora, quando começo a
beber, outro processo A, que corresponde à frialdade e ao gôsto da bebida,
desenvolve-se precisamente na parte em que antes teve lugar apenas o
processo correspondente à minha sêde. De acôrdo com a presente teoria, A
imediatamente começa a exercer influência sôbre B, influência que depende
das características de A com relação às de B. A mudança que assim se
estabelece é sentida como prazer. Esta mudança, presumo, é determinada
por A tão diretamente como a temperatura de uma superfície é
determinada pelos raios de luz que chegam até ela, ou como a intensidade
de um fogo amortecido é reavivada por nova provisão de oxigênio. Em
outras palavras: o gôsto da bebida e o meu prazer não são experimentados
como fatos separados, mas o ultimo é causado pelo primeiro, porque os
processos correspondentes no cérebro são causalmente relacionados dêsse
modo exato. O discernimento (insigbt), tal como aqui é definido, não é mais
que uma expressão dêste fato. Naturalmente, a mesma interpretação deve
ser dada a casos em que, inversamente, uma atitude particular do "eu" é
sentida como modificando um objeto.

Uma vez formulada, a presente teoria é tão simples que pode quase parecer
banal. Esta impressão, contudo, desaparece logo que nos lembrarmos de
como a mesma situação seria tratada de acôrdo com as idéias agora
aceitas. Mais uma vez a teoria mecanicista e a teoria dinâmica apresentam
vivo contraste. Nem nas reações reflexas, nem nas condicionadas, nem
mesmo nas associações (como são habitualmente concebidas), as
características qualitativas de um processo têm qualquer influência além do
local dêste processo. Os efeitos dos fenômenos, em uma parte do cérebro
sôbre a situação em outras partes, são sempre transmitidos por via
suficientemente boas condutoras. Há primeiro um processo A em si mesmo,
depois a transmissão de impulsos nervosos ao longo de certos trajetos
como um segundo fenômeno e, finalmente, um efeito em um lugar B, um
terceiro fato, que é produzido por aquêles impulsos e não pela natureza
particular de A. Tendo o mesmo A como ponto de partida, se outro trajeto é
melhor condutor, entra em ação um processo diferente C em vez de B. A
ocorrência de A afeta B apenas devido às condições histólógicas, tais como
são oferecidas quando A é ativo. Suponhamos que pudéssemos mudar um
pouco a disposição das fibras nervosas. Talvez, se isso fôsse feito com
perícia, uma bebida gelada tornasse um homem com sêde aborrecido e
furioso.

Pode ser que esta interpretação fisiológica jamais tenha sido expressamente
formulada. Mas deveria ter sido, porque nenhuma outra interpretação pode
ser deduzida dos conceitos ora largamente aceitos na Neurologia e
Psicologia. Por que jamais é levada em consideração a teoria da ação direta
do campo? Por que, se preferirmos tratar em

197

têrmos psicológicos, seja mencionado apenas por uns poucos o


discernimento (insight) como fato fundamental e comum da vida mental?

Por que não discutimos tantos problemas psicológicos quantos podemos,


como se os conceitos mecanicistas fôssem os únicos aceitáveis pela
ciência? Nada mais faço do que deduzir conseqüências desta situação.
Quanto mais vivamente pusermos em contraste as teorias mecanicista e do
campo, tanto mais esperanças podemos acelentar quanto ao futuro da
ciência.1°

Não creio que tenham sido completas as nossas descrições de certas


experiências no campo total. É bem verdade que as reações emocionais são
comumente atribuídas às suas causas justamente dêsse modo. Nossos
próprios exemplos, porém, nos mostram que há algo mais envol-vido do que
simples emoções. Vejamos, por exemplo, a inquietação que se apossa de
um homem que está sentado, há algum tempo, em um restaurante repleto
de gente e barulhento. Êle não sàmente sente profunda aversão pelo
ambiente, como se mostra ansioso para sair. Em outras palavras: quer-se
afastar do que sente ser a causa do mal-estar. Além disso, em sua
experiência, êsse impulso para certa ação origina-se da situação dada tão
diretamente como seu desgôsto. Assim, o homem tem discernimento
(insight) tanto da causação emocional como da causação oriunda da
motivação.

Nossa vida está repleta de casos triviais desta espécie, mas é igualmente
evidente que também podem surgir impulsos para ações mais importantes
de uma maneira que possamos compreender perfeitamente. O como e o
porque de tais ações, muitas vêzes, não estão mais ocultos do que está a
maneira pela qual nossos sentimentos são despertados. Examinarei aqui
sàmente exemplos pertencentes à variedade mais simples.

Em uma bela manhã, estou sentado muito satisfeito em plena luz do sol.
Depois de algum tempo, porém, acho que está fazendo muito calor e, ao
mesmo tempo, surge a tendência de me afastar do lugar em que me
encontro. Parece agradável um lugar à sombra de uma árvore, nas
proximidades, e, imediatamente, o impulso para me afastar do soi torna-se
uma tendência para a sombra. Da mesma maneira que

10 A interpretação do discernimento (insight) em função da ação do campo


não se opõe apenas às concepções neurológicas hoje predominantes. Ela
também dá a entender que não podem ser inteiramente corretas certas
teses amplamente sustentadas por filósofos da ciência. De acôrdo com
êsses autores, todos os conceitos na ciência que implicam causação são
meramente conceitos auxiliares e não devem ser utilizados em uma
descrição estritamente empírica do mundo fisico. As observações na Fisica,
dizem êles, não oferecem experiência que corresponda ao vinculo causal. Se
isto fôsse verdade, os conceitos "fôrça" e "campo" ocupariam lugar na
ciência apenas como instrumento matemático conveniente e, em
conseqüência, não correlacionaríamos nossa experiência de determinação
interna direta com a ação de campo no cérebro. Discutindo êste problema,
temos de concluir que os cientistas não desaprovam realmente o nexo
causal na Física: apenas afirmam que a observação, tal como é agora
utilizada pela ciência, não é jamais a observação do nexo causal em si
mesmo. Em outras palavras: no aue diz respeito à ciência, os conceitos de
causação, fôrça e campo permanecem indefinidos, do aue s deduz que
qualquer prova de uma espécie diferente pode servir para dar uma
significação a tais conceitos.

a princípio as características de um lugar me faziam inclinar a afastar-me


dêle, agora as propriedades de outro lugar despertam um impulso para que
eu dêle me aproxime. Em ambos os casos há discernimento (in sight):
sentimos como, no primeiro caso, certa tendência surge da natureza de
determinada situação e, em seguida, como outra parte do campo determina
mais ainda a direção do impulso. O leitor se lembrará de que, para o nosso
problema atual, é de todo irrelevante que as propriedades térmicas da
sombra sejam conhecidas por nós, graças à aprendizagem anterior ou de
maneira mais direta.1'

Uma descrição semelhante pode ser apresentada no caso do temor. Quando


sentimos que um súbito acontecimento causa temor, surge ao mesmo
tempo um impulso muito forte de nos afastarmos do fenômeno. E também
essa tendência de aumentar a distancia entre o fato atemorizador e o "eu" é
experimentada como sendo o resultado direto do fato, justamente como o
temor o é. Observamos antes como, na descrição do comportamento de
uma criança, por Watson, o ato manifesto de afastar-se de um objeto
misterioso é não sàmente um dado do campo visual do observador, mas
também um retrato do que acontece na própria experiência da criança.12
Acreditará alguém que a criança sente mêdo do objeto e o impulso de
afastar a mão como duas experiências, sem relação entre si? Ou que, em
seu mêdo, a criança pudesse igualmente sentir a tendência de abraçar ou
engolir o objeto que a assusta? Um discípulo de Hume teria de afirmar que
êste é o caso. Quanto ao fato de que neste caso o objeto só se tornou
perigoso, graças à aprendizagem anterior, observarei mais uma vez que a
maneira pela qual certa característica se torna parte do campo não tem
relação com o papel que êle desempenha neste campo (c/. pág. 192).

Do mesmo modo que o impulso do afastamento surge diretamente de


certas situações, também a tendência oposta é sentida como sendo
adequada a outras situações. Mencionei o caso de uma sombra atrair uma
pessoa que estêve exposta ao soi durante algum tempo. Casos semelhantes
são tão freqüentes que parece quase inútil citar exemplos especiais. A
criança que Watson viu estendendo a mão para a cabeça de um animal,
indubitàvelmente sentia-se "atraída" por aquêle objeto interessante.
Quando, na Espanha, o toureiro atuou de modo particularmente destro e
audacioso, a admiração dos espectadores os impele

li Não me esqueço de que partes subordinadas de nosso organismo


apresentam reações que são, de certo modo, semelhantes às aqui descritas
e que, no entanto. pertencem ao tipo de movimento reflexo. Estimulado por
uma picada, o pé se afastará, por um reflexo. De tais fatos, porém, não pode
surgir objeção contra a descrição que apresentamos de outros fatos. Em
algumas de suas atividades, sem dúvida, o organismo se parece com uma
máquina muito prática; ao mesmo tempo, em outros, quer dizer, naqueles
em que o "eu" está envolvido, a causação experimentada e a dinâmica de
campo correspondente podem desempenhar o papel mais decisivo. Não há
motivo para que ambas as espécies de função não possam ocorrer no
mesmo sistema.

12 A propósito, temos aciui um exemplo de fenômenos organizados em


percepçêo que nos dizem algo acêrca da relação causal entre certas partes
do campo (cf. pág. 184). Pelo menos a referência ao afastamento de um
objeto particular era evidente na observação de Watson.

198

199

tão fortemente em direção ao herói, que, incapazes de entrar êles próprios


na arena, debruçam-me e estendem os braços para se aproximar o mais
possível do toureiro. Às vêzes, a tensão torna-se tão grande que são
lançados na direção do impulso chapéus, lenços, etc. Teria sido essa gente
condicionada, pouco a pouco, a ligar a aproximação, em vez de outras
tendências, com a admiração, como se franzir a testa ou sacudir a perna
esquerda pudessem igualmente ter-se combinado com a admiração por um
condicionamento adequado? Acho, às vêzes, que, sejamos nós partidários
da introspecção, do behaviorismo ou de outra escola qualquer, a principal
linha que divide os psicólogos contemporâneos separaria aquêles que
reconhecem a determinação direta, tal como é explicada neste capítulo, dos
que admitem apenas "conexões" no sentido da teoria mecanicista.

Como último exemplo, escolheria uma simples situação prática. Por êste ou
aquêle motivo, quero partir uma tábua. Faço fôrça contra ela e, enquanto
sinto meu esfôrço contra a resistência da tábua, também sinto e vejo como
a tábua cede na direção da pressão. Devemos realmente acreditar em
Hume quando sustenta que, em minha experiência, o fato de a tábua ceder
está pouco relacionado com o meu esfôrço, como a côr da madeira ou,
digamos, o movimento de uma nuvem? Na verdade, sinto quando a tábua
cede diante de minha pressão, do mesmo modo que me sinto ceder quando
meço fôrças com um amigo, cada um de nós empurrando o outro com o
ombro, e perco a batalha. Além disso, logo que a tábua começa a ceder,
imediatamente sinto a tendência de aumentar a pressão e, também, essa
nova tendência é experimentada como resultante da mudança na
resistência da tábua.

Qual o conteúdo comum dêstes exemplos? Entre certos fatos ou fenômenos


em nosso ambiente e nossas reações, experimentamos não sàmente
relações formais, mas também relações causais específicas. Imaginemos
que o seguinte acontecesse como simples seqüência: primeiro, eu me sinto
incomodado perto de um radiador muito quente (mas não sei, até que tenha
aprendido, pouco a pouco, que meu mal-estar está relacionado com o
calor); em segundo lugar, como outra experiência, sem qualquer ligação
com a primeira, sinto o impulso de me mover em certa direção (mas não
sei, antes de aprender, que essa direção significa "afastar-se do calor"); em
terceiro lugar, ainda desta vez como um fato sem relação com outros, vejo-
me movendo-me em uma direção que realmente aumenta a distância que
me separa do radiador (embora eu não saiba, até que aprenda, que a
direção dêste movimento tem qualquer relação com o objeto ou com a
tendência que foi experimentada um momento antes). Acho quase
impossível enumerar essas experiências de uma maneira, da qual as
referências causais estejam tão inteiramente excluídas como deveriam estar
se a escola de Hume tivesse razão. A linguagem humana, com suas
implicações e referências, que constantemente apontam de uma palavra ou
uma frase para outra, deve ser um instrumento extremamente incômodo

para qualquer adepto de David Hume. Ao lermos as palavras das frases


anteriores, surge imediatamente o discernimento (insight), por mais que
procuremos impedir sua intrusão. O que quero expressar é, naturalmente,
que, de acôrdo com Hume, nenhuma experiência jamais exigirá que outra
aconteça, e, no entanto, isto parece ser exatamente o que certas
experiências sempre fazem.

Agora que o conceito do discernimento (insight) foi aplicado às tendências


motoras experimentadas e aos movimentos de verdade, voltarei, mais uma
vez, aos conceitos funcionais que prevalecem em nosso tempo e tornarei
mais clara, assim, a visão dinâmica ou do campo, pelo contraste.
Consideremos a teoria mecanicista em sua forma mais rígida. De acôrdo
com essa teoria, a seqüência: "sentir calor - sentir uma tendência para se
mover em certa direção - mover-se realmente nessa direção," é criada pela
maneira com que os centros cerebrais estão ligados por condutos. Sentir
calor tem um correlativo cortical algures no cérebro. Dêste ponto, fibras
particularmente boas condutoras fazem a ligação com outro lugar, cuja
excitação é acompanhada por uma tendência a se mover em certa direção.
Êste lugar, por sua vez, é ligado, por meio de excelentes condutos, a outro
lugar, onde começam as verdadeiras inervações de certos músculos. A
evolução executou uma tarefa admirável estabelecendo essas conexões
nervosas. Elas são de tal ordem que, na verdade, o segundo elo da cadeia é
a tendência de se afastar do lugar onde faz calor e não de sorrir
escarninhamente ou sacudir o braço para diante e para trás. Do mesmo
modo, as conexões com o centro adequado das inversões é devidamente
disposta, pois, ao passo que esta conexão nos faz de fato afastar-nos do
calor, com as outras conexões podemos, na mesma situação, começar a rir
ou a dar tapas na testa. Como resultado de nossa ação, sentimos satisfação.
Mas também isto é uma simples questão de conexão, que garante que entre
em ação o centro cerebral para sentir alivio e não o centro cerebral para o
desespêro, por exemplo. Seja como fôr, se esta interpretação das ações
humanas estiver certa, jamais poderemos compreender qualquer uma das
seqüências que ocorrem em nossas vidas. Assim, por exemplo, se, na
mesma situação, mas com conexões diferentes, a sensação de intenso calor
fôsse seguida por uma tendência de puxar o nariz de alguém e esta
tendência por um rápido movimento em direção à fonte do calor e isto de
nôvo por qualquer outra sensação, tal seqüência poderia ser tão
compreensível quanto a verdadeira, pois esta última também não passaria
de mera seqüência, a que jamais poderiam ser aplicadas expressões tais
como entendimento e discernimento (insight). Realmente, como poderiam
ser aplicadas, uma vez que o primeiro pré- requisito da compreensão do
entendimento está ausente dêste esquema? Ëste primeiro pré-requisito é a
participação direta da natureza dos primeiros fatos na determinação dos
fatos subseqüentes, ou, em outras palavras, a determinação dinâmica ou de
campo de seqüências e não a determinação pela geometria dos condutos
de conexão.

200

201
Depois desta discussão, não parece necessário voltarmos à tese que explica
tais seqüências pela formação de conexões secundárias, isto é, associações
e reações condicionadas. Segundo os associacionistas, as associações são
cegamente formadas, no sentido de que a natureza de determinados
fenômenos não tem influência sôbre sua associação. Além disso, uma vez
formada uma associação, supõe-se que a evocação correspondente seja de
nôvo uma questão de melhores condutores, justamente como uma
seqüência reflexa. Em resultado, tudo que se acabou de dizer acêrca de
uma seqüência reflexa serve também de explicação em função de
associações ou reações condicionadas. No comportamento, qualquer
seqüência poderia ser bem estabelecida como a verdadeira, se a seqüência
objetiva adequada fôsse repetidamente apresentada. O resultado do
processo dependeria, também neste caso, ainda apenas da condutividade
dos trajetos. Assim, as expressões entendimento e discernimento (insight)
seriam, mais uma vez, inaplicáveis.'3

Nossa tarefa seguinte consiste em apresentar nossa própria interpretação


de tais seqüências. Oferecemos uma interpretação fisiológica sôbre a
maneira pela qual os estados emocionais são sentidos como relacionados
com suas causas experimentadas. Esta interpretação será agora ampliada
para incluir nossas tendências motoras e subseqüentes movimentos de fato.

Como já dissemos, sentimos um estado emocional positivo ou negativo


surgir da natureza de um fato, visto que o correlativo fisiológico da emoção
é diretamente provocado pelo processo que representa êste fato. Assim, em
nosso exemplo, uma pessoa sente que seu mal-estar é causado pelo calor
excessivo, porque o correlativo cortical da experiência térmica muda o
estado de certas partes do cérebro de uma maneira que, na experiência,
significa mal-estar. Mas a tendência a se afastar do calor é tida como
proveniente do próprio calor, tão diretamente como o desconfôrto. Em
conseqüência, devemos de nôvo apresentar uma interpretação em função
da ação de campo fisiológica. Em outras palavras, o processo que sustenta
a sensação de mal-estar não é o único efeito direto do calor, tal como
representado no cérebro, e, sim, um vetor que se forma ao mesmo tempo e
não menos diretamente. Êsse vetor se estende dos processos que
representam o calor (e sua fonte) à parte do cérebro onde se forma o
correlativo do mal-estar, e sua faculdade de atuação é a tendência a
aumentar a distância entre

13 Mais ou menos na ocasião em que êste livro foi escrito, o Professor


Thorndike introduziu uma modificação no conceito de associação,
modificação que depois estendeu à Lei de Efeito. A Lei de Efeito afirma que
os efeitos vantajosamente biológicos de movimentos fortalecem as
conexões, cuja operação acarretou êsses movimentos e, portanto, os
efeitos. A princípio, foi tãcitamente pressuposto que quaisquer seqüências,
sem levar em conta sua natureza, eram fortalecidas dessa maneira, se
fôssem seguidas por um resultado biolôgicamente favorãvel. De acôrdo com
o nôvo ponto de vista defendido pelo Professor Thorndike, a "adequação" de
determinados fenômenos facilita sua conexão. a adequação um fato que
depende das características dos fenômenos em questão e pode assim
assegurar-nos discernimento (insiglLt)? Não é êste o caso. Se
acompanharmos Thorndike, "adequação" não precisa ser mais que a
experiência mediante à qual um primeiro fenômeno 'combina-se" com um
segundo.

os dois. Se, então, o sujeito se afasta realmente da fonte de calor, que


acontece no cérebro? Enquanto a distância objetiva aumenta, a distância
correspondente no cérebro também cresce, o que é precisamente a
mudança implícita no sentido de vetor tal como foi apresentado há um
momento. Ver-se-á que, com esta interpretação, estaremos mais uma vez
seguindo o princípio do isomorfismo, pois, na experiência, temos a sensação
de que o movimento real está de acôrdo com a tendência de se mover, que
acompanha o mal-estar, isto é, a pessoa em questão tem discernimento
(insight) a respeito da relação entre sua tendência de deslocar-se em certa
direção e o movimento real.

Admito, sem relutância, que estas observações estão longe de oferecer uma
descrição completa dos fatos em estudo. Mesmo se deixarmos de lado a
questão de saber precisamente que espécie de vetor está atuando em tais
circunstâncias, não explicamos porque a presença de tal vetor no cérebro
costuma ser seguida de movimentos que estão de acôrdo com a direção do
vetor. Parece que, durante os primeiros meses depois do nascimento, a
criança não é capaz de executar diretamente os movimentos que
correspondem a seus interêsses, com relação a determinados objetos.
Devemos, portanto, indagar que acôrdo entre as tendências
experimentadas (ou vetores físicos correspondentes no cérebro) e os
movimentos se forma pouco a pouco. Não faltará quem suponha que não há
entre os dois fatos qualquer relação natural, ou, em outras palavras, que,
originalmente, quaisquer tendências (e vetores correspondentes no cérebro)
possam ser seguidos por quaisquer movimentos imagináveis dos membros.
Se isso fôsse verdade, as seqüências corretas teriam de ser aprendidas
inteiramente e sem exceção. Outra presunção é a de que a direção dos
movimentos reais tem a tendência de confundir-se com a das tendências
motoras experimentadas (os vetores corticais correspondentes) e que, na
tenra infância, êste acôrdo ainda não se realizou, meramente porque a
maturação do sistema nervoso ainda não se completou. Certas observações
favorecem mais a segunda que a primeira hipótese. Mesmo assim,
presentemente, somos incapazes de dizer como a direção de um vetor
cortical acarretaria a direção correspondente a um movimento real, como
seria o caso, se a segunda presunção fôsse correta.

Evidentemente, encontrar a solução exata dêste problema constitui uma


das mais importantes tarefas da teoria do campo. Entrementes, deve-se
salientar que, mesmo se os movimentos corretos tivessem de ser
aprendidos, essa aprendizagem ocorreria sob a influência de determinados
vetores corticais. Entre todos os movimentos que podem ocorrer em uma
situação, os que têm certa direção deveriam ser destacados pelo fato de
que sua ocorrência está de acôrdo com a direção do vetor prevalecente. Por
essa razão, sàmente tais movimentos particulares poderiam reduzir a
tensão que, na ocasião, existisse no cérebro. Era de esperar que êste fato
tivesse considerável influência sôbre o processo de aprendizagem.
Repitamos, contudo, que ainda não estamos

202

203

convencidos de que é a mera aprendizagem que estabelece as relaçõe


entre as situações, vetores e movimentos. Neste ponto, como em muito
outros, parece ser o destino natural da Psicologia da Gestalt tornar-s a
Biologia da Gestalt.

BIBLIOGRAFIA

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W. Dilthey: Ideen über eine beschreigende und zergliedernde Psycho1ogi

1894.

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W. Kóhler: Arch. f. Entw. Mech. 1927.

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Capit. II).

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M. Wertheimer: Schlussprozesse im Produktiven Denketz 1920.

A. N. Whitehead: Science and the Modern World. 1925.

204
ÍNDICE ONOMÁSTICO E DE ASSUNTOS

accelerando - 134.

Ach (N.) - 134.

adequação - 202.

agregado de estímulos - 167.

alma - 13.

ambiente (influências) 11, 50.

análise 98, 99, fenomenológica - 188.

analogia - 70, 127, 132.

antropomorfismo - 77.

aprendizado - 50, 51, 55, 56, 81, 84, 85, 86, 111, 113.

aproximação - 140.

Arhenius - 35.

Aristóteles - 65, 66, 67, 80.

assimilação - 128.

associação - (Cap. 8, págs. 144 a 160), 168, 169, 170, 175, 176, 183,

202.

atenção - 172.

atitudes dirigidas - 172.

atitude introspectiva - 54.

atomismo - 184, 193.

autodistribuição - 118.

autoprocessos - 197.

avaliação crítica - 180.


axiomas psicofsicos - 39.

bacteriologia - 191.

Becher (E.) - 181, 182.

behaviorisnio (Cap. 1, págs. 9 a

25) - 29, 35, 36, 42, 43, 44, 54,

59, 60, 61, 63, 64, 67, 96, 97, 136,

138, 158, 171, 200.

Benary (W.) - 204.

Bentley (M.) - 61, 160.

Benussi - 49, 74, 103.

Binet - 15.

Botânica - 38.

campo visual - 81, 121.

campos sensoriais - 2, 102, 194.

caráter de figura - 118; de fundo - 118.

causação - 37, 189, 191, 193, 199.

Cavendish - 30.

cérebro (funções do) - 38.

cinestesia - 90, 91, 126.

comportamento (Cap. VII, págs. 121 a 143) 16, 28, 34, 37, 41, 42.

compreensão social - 128.

condicionamento - 58, 60.

conexão - 37, 40, 200, 201; casual

- 187.

configuração experimentativa -.

111.
conhecimento adquirido - 50.

conjunto - 98.

consciência direta - 194.

conservadorismo 60.

constância da côr - 118.

contigüidade - 149, 152, 154, 175.

crença apriorística - 71

Cre8CefldO - 133, 134, 137, 140, 141.

daltonismo - 14, 85, 96. David Hume - 188, 192, 193, 195, 199, 200, 201.

dedução - 38.

depressão - 140.

Descartes 65, 66, 67, 129.

descontinuidade - 134.

determinação - 140.

determinantes dinâmicos - 66.

Dilthey (W.) - 204.

diminuendo - 134.

dinâmica cerebral - 185.

discernimento (Cap. X, págs. 183 a 204).

discontinuidade de propriedade -

94.

discriminação sensorial - 158.

dualistas - 37.

Duncker (K.) - 170, 204.

Ebbinghaus - 151, 152. Ehrenfels (Christian von) - 102, 103, 104, 105, 110,
116, 117, 119,

137, 141.
205

emoções - 135.

empirismo - 69, 193; (crítica ao)

54.

entendimento 202; social - 141, 142.

entidades contínuas - 88.

espistemologia - 23, 24, 139, 140.

Erismann (T.) - 204.

êrro de experiência - 95; do estímulo - 95.

espaço experimentado - 89; perceptivo - 140.

esquivança - 140.

estado de função - 121.

estatística - 34.

estímulo - 35, 98; local 58, 63, 71, 72, 102, 103; externo - 16; periférico -
149; de reação - 70, 96, 117; retiniano - 78, 106.

"eu" - 170, 171, 172, 173, 177, 184, 194, 196, 198, 199; perceptivo

- 124.

evocação - (Cap. IX, págs. 161 e segs.), 173, 175, 176, 183, 192;
espontânea - 177.

experiência (leis que regem) 12,

17; direta 13, 14, 15, 17, 18,

19, 20, 21, 22, 23, 24, 37, 38, 58,

144; local - 58; perceptiva - 136; sensorial - 56, 57, 58, 71,

73, 74, 81, 157; visual - 111,

125; auditiva - 45, 132; emocional - 132; externa - 171; objetiva -171;
subjetiva -131, 135.

explicação empírica - 53, 55, 71.

Fairbanks (Douglas) - 128.

fatôres topográficos - 66.


fatos perceptivos - 140, 152.

Fechner - 15.

fenômeno eletromotor - 118.

fenomenologia - 140.

filogenia - 75.

Fisiologia - 20, 184.

fixação - 172.

Fogelsonger - 168.

forma visual - 110.

formato retiniano - 56, 63.

Frank - 63.

Freud - 191.

Frings - 151, 169.

função sensorial - 184.

206

Galileu - 23, 30, 65.

Gati - 170.

Gelb - 92.

generalização da memória - 84.

Geometria funcional - 122.

gestalten - 94, 117.

gestaltqualitaten - 103.

Goethe - 94, 104.

Goldstein - 92.

Gottschaldt - 112.

Graz - 103.

H
hábito - 146, 183.

Harvey (William) - 65.

Hening (E.) - 38, 40.

Helmhotz - 48, 72.

Hertz - 86, 88, 117, 163.

hesitação - 140.

hipótese (valor da) - 35; empírica - 72.

f{ornbostel (E. von) - 131, 143. Hunter (W. S.) - 25, 86.

ilusão -- 58; de ótica - 49.

imagem retiniana - 58.

indução científica - 185.

inervação - 138.

inibições - 164, 170, 176.

influência: religiosa - 13; filosófica - 13.

ingredientes psicológicos - 141.

inquietação - 140.

instintos - 172.

interação - 71, '73, 74, 76, 77, 78, 79, 98, 103, 149, 170.

inter-relação - 149, 157, 182, 184. introspecção - (Cap. III, págs. 44 a 61),
12, 13, 17, 20, 38, 42, 43, 58, 63, 64, 67, 71.

invariabilidade da forma visual - 116.

isomorfismo psicofísieo - 39.

James (William) - 44, 81, 82, 193, 194.

Janet - 136.

Jaspers (K.) - 204.

Karsten (A.) - 189.

Katz (D.) - 61.


Kester - 74.

Klegs (L.) - 131, 143.

Koffk (K.) - 25, 43, 61, 80, 160, 204.

Kries (J. von) - 180, 182. Kuhn - 152.

Lange (James) - 132.

Lashley (K. S.) - 117, 159, 181.

Lawenstein - 146.

leigo (opinião do) - 183, 195.

Lewin (K.) - 174, 175, 176, 177, 178, 179, 182, 189, 204.

liberdade de ação - 64.

linguagem - 42, 43.

localização retiniana - 123.

Maeh (Ernst) - 78, 102.

Meinong - 103.

memória - 146, 149, 156, 161, 164, 173.

mente - 13.

método objetivo - 96.

Michotte - 147, 170.

misticismo - 195.

modêlo de estímulo - 97.

Morgenstern - 130.

movimento induzido - 170, 171.

Muller (G. C.) - 39, 40, 49, 57,

58.

Nagel - 151, 168.


nativistas - 69.

negatividade - 158.

neurologia - 184.

Newton - 23.

Nietzsche - 126.

objetivismo - 17, 18, 19, 20.

observação - 71.

Oersted - 29.

ontogenia - 75, 105.

ordem dinâmica - 126.

organização - 159, 163, 164, 171, 193; bipolar - 172, 173, 185; fi siológic

- 89; perceptiva - 139; psicológica - 89; sensorial

- (Cap. IV, págs. 62 a 80) 113,

117.

padrão (de estímulos) - 64.

pensamento - 17.

percepção - 45, 143, 157, 182.

percepts - 129, 130.

perturbação - 119.

Platão - 192.

Poppebrenter (W.) - 175, 182.

pós-efeitos - i60, 173.

pós-imagens - 18, 21, 47, 48, 119, 190.

possibilidades empíricas - 126; nativistas - 126.

preconceito empírico - 82.

processos (posição relativa de) - 123; em extensão - 122; mentais - 140;


retinianos - 34; unitários - 64.
projeção retiniana - 95.

Psicologia (como ciência) - 10, 12; objetos adequados à - 10; objetivo da -


12.

purismo (metodológico) - 24.

raios X - 29.

reação - 35; retardada - 166; da linguagem - 17; reflexa - 197; condicionada


- 197.

realidade - 10.

recordação - 128.

reflexo - 58; condicionado - 35, 36, 58, 159.

relação causal - 189, 200; compreensível - 186; dinâmica - 122, 191, 193,
194; emocional - 192; formal - 200; geométrica

- 95.

retenção - 152.

Richeter (e. P.) - 28.

ritardando - 134, 137.

Sander (W.) - 120.

Scholz - 74.

Selz (O.) - 160.

semelhança - 166, 182.

sensações - 45, 103; natureza das

- 56; local - 58.

207

Simon - 15.

sistema nervoso - 60.

situação normal - 64.

subjetivismo - 15, 17, 18, 19, 20.

superstições - 13.
T

tamanho retiniano - 56.

técnica indutiva - 195.

tempo experimentado - 89.

tensão - 135, 174.

teoria dinâmica - 197.

teoria empírica - 128, 176.

teoria mecanicista - 66, 69, 73, 74, 180, 182, 183, 197, 198, 200,

201.

teoria psicofísica - 103.

Ternus - 74.

Thorndike - 202.

Tinklepaugh (O. L.) 148, 164.

todo funcional - 64.

transposição - 116; (nos animais) 117, 118.

T. T. Gibson - 101.

unidade-grupo - 155.

Usnadze - 131.

Vand der Veldt (J.) - 147, 160. vetores - 172, 173, 174, 176, 177, 178, 179,
202, 203.

visão (da criança) - 116; (do adulto) - 116.

visão periférica - 131.

vitalistas (idéias) - 69, 80.

Von Frey - 74.

Von Restorff - 157, 179.

Yerkes - 149.

Y
w

Wallach (H.) - 101, 122.

Watson - 5, 34, 135, 171, 199.

Weber (lei de) - 15.

Weiss (A. P.) - 25.

Werteheimer (Max) - 74, 80, 85, 86, 89, 101, 117, 120, 204.

Whited (A. N.) - 204. Witasek - 103.

Zeigarnik - 174.

Zoologia - 38.

Éste livro

foi composto em tipo 10 vx - Garamonci e impresso nas oficinas de

ARTES GRÁFICAS BISORDI 8. A.,

Rua Santa Clara, 54.

O papel, Boufjant de 1., 75 g, form. 87 x 114, foi fabricado especialmente


para esta edição

pela

IND1STRIA DE PAPEL SIMÃO 5. A,,

São Paulo,

persa

EDITÕRA ITATIAIA LIMITADA,

Belo Horizonte,

em 1968.

Edição n.° 328 - Impressão n.° 385

208

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