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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

KATE SCARPI

O PROJETO DE FIGURINO EM PERSONAGENS DE ANIMAÇÃO 3D:


UM ESTUDO SOBRE “OS INCRÍVEIS”

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU

São Paulo
Fevereiro / 2018
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

KATE SCARPI

O PROJETO DE FIGURINO EM PERSONAGENS DE ANIMAÇÃO 3D:


UM ESTUDO SOBRE “OS INCRÍVEIS”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado,
da Universidade Anhembi Morumbi, Área de
Concentração “Design, Arte e Tecnologia,
Linha de Pesquisa ”Design: Meios Interativos
e Emergentes”, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Design.

Prof. Dr. Sérgio Nesteriuk


Orientador

Profa. Dra. Cristiane Mesquita


Coorientadora

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU

São Paulo
Fevereiro / 2018
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

KATE SCARPI

O PROJETO DE FIGURINO EM PERSONAGENS DE ANIMAÇÃO 3D:


UM ESTUDO SOBRE “OS INCRÍVEIS”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado,
da Universidade Anhembi Morumbi, Área de
Concentração “Design, Arte e Tecnologia,
Linha de Pesquisa ”Design: Meios Interativos
e Emergentes”, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Design. Banca
Examinadora:

Prof. Dr. Sérgio Nesteriuk Gallo


Orientador

Profa. Dra. Cristiane Ferreira Mesquita


Coorientadora

Profa. Dra. Agda Regina de Carvalho


(Avaliadora Interna – PPGDesign UAM)

Prof. Dr. Geraldo Lima Coelho Junior


(Avaliador Interno – UAM)

Prof. João Paulo Amaral Schlittler Silva


(Avaliador Externo – ECA-USP)

São Paulo
Fevereiro / 2018
São Paulo, Fevereiro / 2018

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho


sem autorização da Universidade, do autor e dos orientadores.

KATE SCARPI
Graduada em Design Digital pela Universidade Anhembi Morumbi (2009). Candidata
ao título de Mestre pelo PPGDesign da Universidade Anhembi Morumbi (2018), com
pesquisa sobre o desenvolvimento de figurinos para personagens digitais. Atua na
área de criação de personagens, ilustração e animação. Especialista em Animação 2D
tradicional, 2D digital e 3D pela Escola Arte Academia (2010-2012). Cursou Marionette
(Animação de Personagens) na Faculdade Melies de Tecnologia (2014).

Revisão de: Nathasha Moraes Ferreira


Agradecimentos

Agradeço,

Aos meus orientadores Sérgio Nesteriuk e Cristiane Mesquita por serem as bússolas que me guiaram até este ponto.

Aos meus professores e colegas pelo conhecimento compartilhado.

À Universidade Anhembi Morumbi pela oportunidade de efetuar esta pesquisa e à bolsa concedida.

À Antônia por ser o anjo da guarda para todos os alunos e professores.

À minha família, Nádia, Jorge e Karen por superarmos os momentos difíceis juntos, pelo apoio e dedicação.

Ao meu companheiro Fabiano e à sua família, pela paciência e suporte a todo o momento.

Aos meus amigos por todo carinho e apoio.


Em memória de

Carlos Henrique Teixeira Lourenço (1975-2017), eterno irmão...

Léa Buldo Gabriel (1927-2017), avó querida...


“I never look back, darling. It distracts from the now.”
- Edna Mode
Resumo

Este trabalho estuda o processo de criação do design de figurino para personagens de animação
tridimensional (3D), por meio de métodos comparativos entre áreas como artes cênicas, design
de moda, histórias em quadrinhos e animação. O objetivo é o de averiguar a possibilidade do uso
do figurino como elemento narrativo na animação. Para tal propósito, são realizadas revisões
bibliográficas, análises de uma compilação iconográfica e o estudo de caso da animação Os
Incríveis (The Incredibles, Pixar, 2004). São apresentados elementos projetuais referentes
ao design e à comunicação visual como cores, formas e texturas como modo de transmitir
ao observador as emoções da personagem em relação à narrativa. Em seguida, é efetuada a
comparação do processo de criação do figurino nos meios digital, audiovisual e físico por meio
dos três paradigmas da imagem abordados por Santaella (2005), da simulação na esfera digital
(Couchot, 1993) e cultura imaterial, conceito apresentado por Flusser (2007). Em sequência, são
apontadas as semelhanças e divergências entre os desenhos de moda com as concept arts da
animação seguindo tópicos apresentados por Gragnato (2008), Hopkins (2011) e Morris (2009).

Palavras-chave: design, animação 3D, design de personagem, design de figurino, Os Incríveis.


Abstract

This essay studies the development of costume design in 3D animation. The process chosen to
do so was the comparison of the methodology of costume creation between scenic arts, fashion
design, comics and animation itself. The objective of this essay is to inquire the possibility of
applying costumes as a narrative element in animation. To this end, it was done a bibliographic
research, an analysis of an iconographic compilation and a study of the costume changes on the
animated movie The Incredibles (Pixar, 2004). It will be exposed elements referred to design and
visual communication, such as colors, shapes and textures as a way to convey the character’s
emotions associated to the story and scenes. Following that, comparison of the costume creation
process on digital, audiovisual and physical sphere. Based on the three images paradigm,
the concept presented by Santaella (2005), the simulation on the digital sphere, the concept
approached by Couchot (1993) and, lastly,on the concept of immaterial culture presented by
Flusser (2007). Those points will be succeeded by indicating the similarities and divergences
between fashion drawing and animation concept art drawings, based on topics presented by
Gragnato (2008), Hopkins (2011) and Morris (2009)

Key-words: design, 3d animation, character design, costume design, The Incredibles.


Sumário
Introdução o17

1 DIREÇÃO DE ARTE EM ANIMAÇÃO 023


1.1 Character Design 039
1.2 Os 12 princípios da animação aplicados ao character design 060
1.3 Considerações 070

2 DESIGN DE FIGURINO 073


2.1 Diferentes projetos para diferentes corpos 077
2.2 Elementos identificadores do figurino 080
2.2.1 Forma e Silhueta 083
2.2.2 Cores 087
2.2.3 Texturas e Materiais 102
2.3 Figurino como ícone identificador nos quadrinhos e na animação 105
2.3.1 Uniformes e heróis 108
2.4 Considerações 119

3 OS INCRÍVEIS 123
3.1 Mr. Incredible: um estudo de caso 137
3.2 Figurinos: do material ao imaterial 153
3.3 Edna Mode e o design 159

4 Considerações Finais 179

Bibliografia 185

Anexos 195
Lista de Figuras

Figura 1 – Diagrama representativo da interdisciplinaridade do character design. 018

Figura 2 – Luxo Jr., Pixar, 1986. 025

Figura 3 – Color Script de Os Incríveis por Lou Romano. 029

Figura 4 – Malha de Buzz Lightyear, personagem de Toy Story (Pixar, 1995). 031

Figura 5 – Níveis de detalhamento nos estilos gráficos de animação 3D e suas respectivas concepções e aplicações de figurino. 041

Figura 6 – Personagens da animação Shrek (Dreamworks, 2001). 044

Figura 7 – Fix it Felix Jr., versão 8-bit, (Wreck-It Ralph, Pixar, 2012). 045

Figura 8 – Personagens da animação Wreck-It Ralph (Pixar, 2012). 045

Figura 9 – Personagens de O Incrível Mundo de Gumball (Cartoon Network, 2011). 046

Figura 10 – Formas representativas das personagens de Up - Altas Aventuras (Pixar, 2009). 051

Figura 11 – Indicações de como a expressão corporal pode mudar o sentido de uma frase. 056

Figura 12 – Squash and Stretch aplicado a movimentação da personagem. 061

Figura 13 – Movimento de antecipação de um pulo. 061

Figura 14 – Stagin em Cena 062


Figura 15 – Planejamento de movimentação para animação Pose to Pose. 063

Figura 16 – Movimentação secundária aplicada ao cabelo. 063

Figura 17 – Representação gráfica de movimento Slow In e Slow Out. 064

Figura 18 – Arcos de movimento do braço. 065

Figura 19 – Braço como ação secundária. 065

Figura 20 – Representação de timing da animação. 066

Figura 21 – Conduzindo a personagem ao exagero. 067

Figura 22 – Poses definidas e silhuetas sólidas. 067

Figura 23 – Diferentes aspectos para designar appeal a uma personagem. 068

Figura 24 – Princípios da animação aplicados ao estudo de caso. 069

Figura 25 – Diferentes conceitos para personagem Julieta. 081

Figura 26 – Silhuetas do Figurino do século VII ao século IX. 084

Figura 27 – Uso de próteses e enchimentos para enfatizar características peculiares das personagens. 085

Figura 28 – Julieta (Claire Bloom) em Romeu e Juliete, dirigido por Hugh Hunt em 1952. 086

Figura 29 – Ilustrações sobre teoria das cores. 092

Figura 30 – Cores pertencentes ao mesmo matiz, com algumas variações de saturação ou valor fazendo variadas combinações. 093
Figura 31 – Percepção relativa de uma mesma cor aplicada a fundos diferentes. 094

Figura 32 – Ilusão ótica das cores. 095

Figura 33 – Modelos cromáticos CMYK e RGB. 097

Figura 34 – Uso das cores na iluminação e composição de cena em “Os Incríveis” (2004) 101

Figura 35 – Ilustração de figurino com amostras de tecido. 103

Figura 36 – Estampa com textura de folhas de Helen Parr 104

Figura 37 – Ilustrações de Eisner exemplificando o uso do estereótipo nas histórias em quadrinhos. 106

Figura 38 – Detective Comics #27. 111

Figura 39 – Alterações de estilos gráficos e sua repercussão no figurino. 113

Figura 40 – Figurino da série de televisão de 1966. 115

Figura 41 – Batman animado 1970. 115

Figura 42 – Model Sheet de Batman Animated Series (Warner Bros., 1992) por Bruce Timm. 116

Figura 43 – Batman nos quadrinhos em 2011. 117

Figura 44 – Batman e seus antagonistas. 118

Figura 45 – Woody e Buzz de Toy Story (Pixar, 1995). 124

Figura 46 – Geri’s Game (Pixar, 1997). 126


Figura 47 – Geri em Toy Story 2 (Pixar, 1999). 127

Figura 48 – Diferentes estilos gráficos representando a personagem Helen Parr. 128

Figura 49 – Esculturas por Kent Melton. 129

Figura 50 – The Incredibles (Pixar, 2004). 133

Figura 51 – Ambientação. 135

Figura 52 – Waggoner demonstrando a modelagem de figurino em Os Incríveis. 138

Figura 53 – Mr. Incredible. 139

Figura 54 – Traje social como referencia à James Bond. 140

Figura 55 – A roupa apertada e o espaço confinado passa a sensação de sufocamento da personagem. 142

Figura 56 – O momento em família com o distanciamento de Robert. 143

Figura 57 – Máscara referenciando as cores de seu traje de herói. 144

Figura 58 – Momento de conflito entre Robert e Helen. 145

Figura 59 – Uniforme reforçando sua silhueta arredondada. 146

Figura 60 – Traje social para encontrar com o contratante. 147

Figura 61 – Figurino como elemento narrativo. 148

Figura 62 – Figurino realça a silhueta esbelta da personagem. 149


Figura 63 – Uniforme indicando unidade familiar. 150

Figura 64 – Momento de relaxamento com a família. 151

Figura 65 – Referência aos quadrinhos de Superman. 152

Figura 66 – Simulação de resistência do material. 161

Figura 67 – Edith Head, inspiração para Edna Mode. 163

Figura 68 – Simulação de materiais. 165

Figura 69 – Laboratório têxtil de Edna. 167

Figura 70 – Concept Arts para Robert. 170

Figura 71 – Silhuetas de Robert. 172

Figura 72 – Concepts para ElastiGirl. 173

Figura 73 – Estudos de concept art para Edna. 174

Figura 74 – Estudos de concept art para Buddy. 176

Figura 75 – Ilustrações para character design. 177

Figura 76 – Família Parr, concept art de Phillip Light. 195

Figura 77 – Croquis da coleção de Edna Mode. 196

Figura 78 – Logotipo para “mode COLLECTION”. 197

Figura 77– Display da personagem Edna Mode para o evento D23#, 2017. 197
Lista de Tabelas
Tabela 1 – Comparativo dos meios de produção do figurino. 180
17

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é um estudo sobre e apontar eventuais relações entre o


o processo de produção do figurino figurino e as transformações vividas
para uma personagem de animação pela personagem no enredo. Busca-se,
tridimensional. Pretende-se demonstrar portanto, demonstrar como a construção
como a vestimenta pode ser considerada do figurino pode ser entendida como
um dos principais artifícios visuais representação simbólica da própria
para a definição da personalidade e personagem; verificável por parâmetros
contextualização da personagem na comparativos entre os processos do
narrativa, levando em consideração que costume design (design de figurino) no
o figurino pode conter códigos referentes campo físico, audiovisual e digital.
a uma linguagem imagética, ou seja,
O tema desse estudo está integrado
pertencente à comunicação visual.
com a área de concentração ‘Design,
O objetivo é o de estudar o processo Arte e Tecnologia’ e sua linha de
de produção do figurino aplicado pesquisa ‘Design: Meios Interativos e
em personagens de animação 3D, Emergentes’, ao realizar um estudo
demonstrando, por meio do estudo sobre a área emergente da animação
deste processo, como este figurino tridimensional digital, tratando dos
pode ser caracterizado enquanto processos envolvidos na criação de
projeto de design. Desta forma, figurinos de personagens para esse meio.
busca-se estudar como o figurino se Articula-se também pela observação de
estabelece como elemento narrativo como são utilizados os elementos de
18

Figura 1 – Diagrama representativo da


interdisciplinaridade do character design.
Fonte: elaborado pela autora.

projeto referentes ao design (cor, forma personagens. Entende-se o design,


e textura) em suas interfaces com as assim como o character design (design
tecnologias digitais, as artes aplicadas e de personagens), uma atividade
a comunicação visual. Dialoga ainda com interdisciplinar por estabelecer um
o campo da arte, por meio de métodos diálogo entre diferentes áreas do
comparativos estabelecidos com outras conhecimento. Deste modo, fez-
linguagens como o teatro, o cinema e a se necessário abordar conceitos
história em quadrinhos (HQ). relacionados aos campos do design de
moda, das histórias em quadrinhos, do
A criação de figurinos é considerada audiovisual, além dos próprios campos
como uma das etapas da criação de do figurino e do character design.
19

O design de figurino é uma área protagonista Robert Parr (Mr. Incredible).


com aplicações em mídias e linguagens A escolha se deu, principalmente, por dois
diversas como o cinema, teatro e aspectos relacionados a essa produção:
televisão. Porém, a partir de um de ser o primeiro longa-metragem dos
levantamento bibliográfico preliminar, estúdios Pixar a possuir humanos como
notou-se a escassez de estudos sobre protagonistas, e pela metalinguagem
o figurino na área de animação, sendo presente na manifestação da
essa contemporânea ao cinema. Foi personagem Edna Mode, uma designer
verificado, adicionalmente, que a de moda que apresenta e critica
animação vive grande crescimento no aspectos da própria criação dos figurinos
mercado nacional (SEBRAE, 2014). de personagem no âmbito digital. Ainda
Sendo assim, a pesquisa visa auxiliar que apareça apenas em alguns poucos
pesquisadores, alunos, professores e momentos pontuais do filme, Edna
profissionais da área no estudo, análise e Mode pode ser considerada protagonista
criação de figurinos para personagens de desta dissertação. Enquanto designer de
animação 3D. uniforme de super-heróis, é responsável
por estabelecer a ponte entre o
Um dos principais elementos
universo ficcional da animação ao da
presentes no estudo e na produção da
materialidade, do corpo com o tecido e
animação é o design de personagens
com o design de moda, tornando assim o
(character design), que formula a
excepcional possível.
concepção da personagem como um
todo, inclusive a elaboração de seu Ao investigar o desenvolvimento de
figurino. Com o intuito de elaborar um uma personagem animada, pretende-
estudo de caso, foi escolhida a animação se avaliar as seguintes hipóteses: se o
Os Incríveis (Pixar, 2004), com foco no figurino de personagens de animação
20

digital poder ser caracterizado como Ao longo do primeiro capítulo, a fim


um projeto de design; se é possível de compreender o contexto do objeto de
encontrar relações do figurino com a estudo e, consecutivamente, o processo
narrativa e, em caso positivo, quais de produção do character design 3D,
seriam; se eventuais transformações será abordado as etapas de produção
da personagem (sejam estas físicas ou em uma animação 3D, e o papel dos
psicológicas) também se manifestam profissionais envolvidos. Inicialmente,
no figurino, ou seja, se a construção do expondo um contexto histórico da
figurino pode ser entendida como uma produção da animação no âmbito
forma de representação simbólica da tridimensional abordado por Chong
própria personagem. (2011) e Rosebush (1992). Em sequência,
com levantamentos apresentados por
Para averiguar estas hipóteses,
Bancroft (2014) e Hahn (2008), serão
foi realizada revisão bibliográfica,
indicados os processos envolvidos na
compilação iconográfica sobre o processo
produção de uma animação 3D. Logo
de produção do costume design para
depois, serão apontados conceitos
personagens em animação e métodos
abordados por Senna (2013) e Takahashi
comparativos com as artes cênicas,
(et.al., 2011) para esclarecer as
audiovisual, histórias em quadrinhos e
divergências entre os termos Conceptual
design de moda, assimilando conceitos
Art e Concept art, utilizados muitas vezes
pertinentes a cada uma dessas áreas.
erroneamente na produção de animação.
A partir da compreensão do processo
Para abranger a construção de uma
criativo do costume design, bem como
personagem no âmbito tridimensional,
de seus elementos envolvidos, será
serão utilizados levantamentos de
elaborado o estudo de caso.
Barbosa Jr. (2005) e Hahn (2008) sobre
21

os conceitos técnicos envolvidos nos visual e, adicionalmente, no design


softwares 3D. Em seguida, para elucidar por Farina (1986), Guimarães (2002) e
as etapas que consistem na criação de Lupton (2008). Uma das áreas que está
personagens animadas, serão vistos diretamente relacionada à animação
estudos de Goldberg (2008) e Bancroft é a das histórias em quadrinhos; logo,
(2013). Adicionalmente, para tratar a será abordada como é construída a
questão das formas geométricas como personagem em uma narrativa ilustrada
representação das características das por Eisner (1997) e Farrington (2007).
personagens seguem os apontamentos Considerando que o objeto de estudo
indicados por Dondis (2003) e Gottsfritz envolve super-heróis, serão apontados
(2013). Já os processos envolvidos no conceitos atinentes aos uniformes
acting na animação serão apresentados destas personagens, por meio de
por Hooks (2011) e Mazza (2009). Para apontamentos de Coorgan (2006), Craik
concluir, técnicas de animação são (2003) e Troula (2009).
vistas a partir de apontamentos de
O terceiro capítulo compete ao
Mazza (2009), Hooks (2011), Chong
estudo de caso, relacionando-o com
(2011), Goldberg (2011) referentes aos
as ideias e conceitos trabalhados nos
12 princípios da animação - e como estes
capítulos anteriores. Inicialmente é
podem influenciar no character design.
abordado um levantamento sobre os
No segundo capítulo serão estúdios Pixar, responsável pela produção
abordados temas relacionados ao de Os Incríveis (2004). Desta forma se
figurino nas artes cênicas por Ingham pode melhor compreender o contexto no
e Covey (1992), Motley (1992), Muniz qual o filme foi desenvolvido, suas etapas
(2004) e Viana e Bassi (2014), seguido e desafios. Em sequência são apontados
pelo uso das cores na comunicação os conflitos narrativos da obra, para
22

poder estudar as transformações pelas das ilustrações concept art na animação


quais a personagem Robert Parr passa e o desenvolvimento de desenhos de
ao longo do enredo, e como estas são moda, com indicações deste processo
refletidas em seu figurino. de criação apresentados por Gragnato
(2008), Hopkins (2011) e Morris (2009).
Em seguida, no mesmo capítulo,
após a análise narrativa, serão abordados Por fim, as considerações finais
conceitos como os três paradigmas na trazem uma síntese dos principais
imagem apresentados por Santaella conceitos e elementos trabalhados
(2005), simulação na esfera digital no texto, os resultados obtidos em
por Couchot (1993) e cultura imaterial relação aos objetivos estabelecidos e a
abordado por Flusser (2007), quanto verificação das hipóteses levantadas a
ao papel do design na produção de partir da problematização. Aventa ainda
imagens computacionais, com a sobre possibilidades de desdobramentos
finalidade de apresentar as semelhanças a partir de questionamentos e reflexões
e divergências entre a concepção do adjacentes ao escopo deste trabalho,
figurino no âmbito físico, audiovisual e sinalizando outros caminhos para o
digital. Para este estudo, será abordada desenvolvimento de novas pesquisas
a relevância da personagem Edna Mode neste campo.
como metalinguagem no papel de uma
designer de moda e, por meio dela,
serão apresentadas as possibilidades de
simulação do material no meio digital.
Seguindo com a personagem Edna Mode
como instrumento, serão elaborados
estudos comparativos entre os processos
1
23

DIREÇÃO DE ARTE
EM ANIMAÇÃO
Com o objetivo de estudar o processo é quem irá selecionar a linguagem visual a
de criação do figurino para personagens qual as personagens serão desenvolvidas e,
de animação 3D, viu-se a necessidade de consequentemente, o seu figurino.
abordar o contexto no qual este objeto de
A partir desta ideia, verificou-se em
estudo está inserido. Pode-se considerar que
um levantamento histórico elaborado por
o figurino é um dos principais elementos do
Rosebush (1992) e Chong (2011), que o percurso
character design, porém, pouco explorado na
da animação pode ser considerado mais
literatura acadêmica referente à animação.
antigo que o do cinema, visto que a técnica
Foi selecionada a obra animada Os Incríveis
de reprodução de fotogramas, que consiste a
(2004) como estudo de caso para exemplificar
animação deu origem à captura de imagens
este processo, apontando as influências
em sequência que consequentemente, utiliza-
narrativas que podem ser obtidas por meio
se na de produção de filmes. Entretanto, os
da composição do figurino. Entretanto, para
estudos no meio acadêmico sobre este tema
melhor compreensão do tema desta pesquisa,
ainda são recentes.
será abordado neste capítulo o percurso das
técnicas e procedimentos envolvidos na Considerando isso, para melhor
produção de uma animação tridimensional compreensão desta pesquisa foi necessário
cinematográfica, especificando os papeis abordar alguns tópicos referentes ao
dos respectivos profissionais responsáveis contexto da animação. Evitaremos apontar
por estas etapas. Com isso, pode-se aqui o percurso histórico, entretanto,
compreender como é exercida a função de serão focados os processos de produção
um diretor de arte, visto que este profissional da animação digital tridimensional, que
24

teve seu prelúdio no século XX, juntamente período, Luxo Jr. (Figura 2), produzido por
com técnicas e conceitos que têm, de John Lasseter3 em 1986. A personagem
alguma forma, influência na construção da apresentava em sua movimentação técnicas
personagem animada e em seu figurino. dos princípios da animação – como squash
e stretch, apresentados poteriormente na
O início da integração do computador seção 1.2 deste capítulo – que, até então eram
ao processo de produção de animações apenas utilizadas nas produções animadas 2D
consistia, inicialmente, em fazer a edição tradicionais e não eram vistas nas incipientes
final destes fotogramas, ou então, adicionar produções computacionais 3D. Atualmente,
efeitos visuais em filmes live-action1. Chong a personagem Luxo Jr. representa as vinhetas
(2011) cita John Whitney Sr.2 como um dos dos estúdios Pixar, que também é responsável
principais nomes a produzir animações pela produção do objeto de estudo desta
computacionais, com efeitos visuais para pesquisa, Os Incríveis. Futuramente, Lasseter,
abertura e créditos de filmes, sendo um de ainda pelos estúdios Pixar, dirigiu Toy Story
seus principais trabalhos a do filme Vertigo (Pixar, 1995), o primeiro longa-metragem
produzido em totalidade com o uso de
(Um corpo que cai, 1958).
softwares 3D.
A criação de personagens animadas
em totalidade no âmbito digital teve início O percurso tecnológico e o investi-
em 1980, com auxílio dos desenvolvedores mento dos estúdios em desenvolvimento
de softwares que tornaram possível uma computacional tornaram a linguagem da
simulação de tridimensionalidade sobre animação tridimensional possível por meio
a tela do computador. Cabe apontar aqui de softwares especializados. Sendo assim,
um curta-metragem que se destacou neste
3 John Alan Lasseter Jr. é animador, diretor e produtor do
1 Produções audiovisuais com atores em cena. estúdio Pixar, Walt Disney Animation Studios e DisneyToon
2 (1917 – 1995) Animador americano, compositor e inventor. Studios. Nascido em Los Angeles, em 1957. Um dos produtores
Considerado um dos um dos pioneiros a produzir animações do objeto de estudo desta pesquisa, Os Incríveis.
computacionais.
25

Figura 2 – Luxo Jr.


(Pixar, 1986).
Fonte: pixar.com

compete, a seguir, identificar os processos Bancroft (2014) aponta que, assim


que envolvem sua elaboração. Hahn (2008) como as produções de filmes live-action,
e Bancroft (2014) fazem uma compilação o regente principal de uma animação é o
demonstrando as etapas envolvidas em diretor, com a diferença de que o trabalho
grandes produções de animação 3D, assim do diretor na animação é feito frame a
como as elaboradas pelos estúdios Pixar. frame. Nas produções audiovisuais existem
Para esta pesquisa, é válido apontar alguns diferentes profissionais que dirigem diversos
destes processos indicados pelos autores setores como o diretor de cena, o diretor de
e os respectivos profissionais envolvidos, fotografia e o diretor de arte. Este último é o
compreendendo, a partir destas informações, o foco deste capítulo, sendo o líder criativo para
contexto em que se encontra o character design contar a narrativa animada, guiando todos os
na animação 3D e as influências que podem profissionais envolvidos para unificar a visão
obter dos demais elementos narrativos. de como contar a história.
26

O autor compara as etapas de uma As etapas abordadas nesta pesquisa


animação com a linha de produção de um são referentes à pré-produção, produção
veículo. Há diversos profissionais envolvidos e pós-produção. Iniciando pelo script, os
para atingir um objetivo final, a construção roteiristas são um dos primeiros profissionais
de um carro e, ao longo deste processo, a dar vida a estas personagens animadas,
podem envolver trabalhos de engenheiros, pois é o roteiro que servirá de mapa guia
designers, mecânicos, químicos, entre para quase todos os tipos de produção no
outros, sendo que cada um contribui campo audiovisual. Muitas vezes é o próprio
com sua especialidade para maximizar a diretor que atua como roteirista, ou que faz
potencialidade do produto final. Em um filme os primeiros textos para compor a narrativa.
animado, é papel do diretor de arte conduzir O roteirista irá indicar a personalidade e
para que todos estes profissionais distintos comportamento das personagens dentro
atinjam esse objetivo. Bancroft (2014) separa desta narrativa animada.
estas etapas da animação da seguinte forma:
Um artista, denominado story artist,
1) Conceito: a) O que é?; b) Porque nos importa? irá transcrever a narrativa do roteiro em
2) Negócios: a) Determinar o orçamento; b) uma linguagem imagética de ilustrações,
Criar um cronograma coerente com orçamento ou seja, seu papel como artista é traduzir a
e projeto; c) Unindo o time certo. linguagem escrita para o campo visual. Para
3) Pré-produção: a) O script; b) Character design; isso deve possuir “um talento único que pode
c) Cenografia; d) Dublagem; e) Estabelecendo tanto desenhar como contar uma história
estilo gráfico; f) Storyboards and animatic. (...) explorar situações que desenvolvem
4) Produção: a) Edição (ao longo do filme); a personalidade da personagem, atuação,
b) Modelagem / rigging (CGI); c) Layout; d) comédia, ou emoções profundas.” (HAHN,
Animação; e) Efeitos Visuais; f) Texturização / 2008, p.19, tradução nossa4). A sua função
Iluminação (CGI); g) Render e composição (CGI).
4 “Story Artist is a unique talent who can both draw and
5) Pós-produção: a) Correção de cor; b) Efeitos tell a story. (...) explore situations that develop character
personality, staging, comedy, or deep emotion. (...) Ideas
Sonoros; c) Trilha sonora; d) Mixagem final.
eventually take shapes as drawings are pinned onto a
(ibid., l. 811-833, tradução nossa) storyboard, arranged so they can be read like a comic book.”
(tradução nossa)
27

é similar ao de um ilustrador de histórias no tempo similar ao desejado no filme final,


em quadrinhos, sugerindo composição de criando como resultado o animatic. Esta etapa
cena, humor e movimentação de câmera é uma edição rústica, porém completa com
para efetuar a animação. Essas ilustrações
todas as cenas que a animação irá conter. Hahn
são dispostas, então, em um storyboard para
(2008) indica que, a partir desta etapa, todos os
serem lidas como uma narrativa sequencial
visual, verificando, desta forma, se serão integrantes da produção assistem ao animatic
necessárias alterações na linha narrativa, já e o avaliam criticamente. O autor descreve as
que algumas vezes pode haver divergências etapas deste de forma bem humorada: assistir;
ao converter a linguagem escrita em discutir; ter a sensação de que você não sabe
imagens. É comum nos estúdios dispor o que está fazendo; chorar abertamente;
todos os quadros colados em uma parede destruir tudo; corrigir; assistir novamente; e
para analisar se há coerência e fluidez na
repetir se necessário. Este processo somente
sequência.
se encerra quando a equipe entra em acordo
Em paralelo, ou depois de efetuado de que a sequência da animação estabelecida
o storyboard, os compositores criam as está coerente, lembrando que a narrativa
trilhas que irão reger o ritmo da animação. ainda pode ter alterações ao longo de todo
Na maioria das vezes será a trilha sonora processo, quando necessário.
que irá definir o tempo, a dinâmica, a
Assim que a narrativa estiver completa,
movimentação das personagens em cena,
ou em paralelo à produção do story board,
os diálogos e o humor, sendo assim, um dos
entram em ação os designers, ilustradores e
elementos mais importantes para guiar todo
animadores para aprimorar a linguagem e
o desenvolvimento de filme animado.
estilo da animação. Nesta etapa se encontra
Em seguida é o papel de um editor a criação de concept arts, por artistas
unir as imagens do storyboard e áudios em envolvidos na produção que desenvolvem
um software de composição, colocando-os
28

ilustrações com conceitos e ideias ao longo comparação do Concept Art de animação com
da pré-produção. Sobre esta questão, viu-se o design de produtos ao apontar que estas
a necessidade de abordar um esclarecimento ilustrações de conceito também visam um
sobre o uso equivocado do termo quando produto final, sendo um filme, jogo, animação
traduzido para o português. Verificou-se e, consequentemente, produtos publicitários
pelas obras de Senna (2013) e Takahashi (et. que acompanham estas mídias. Takahashi (et.
al., 2011) que é frequente o termo “concept al.,2011) adiciona que nesta etapa de criação
art” ser equivocadamente traduzido como do Concept Art os artistas desenvolvem
“arte conceitual”. diferentes elementos como personagens,
acessórios, cenários, ambientação, ou seja,
A princípio, cabe apontar as origens de nesta etapa a personagem ganha forma e
cada termo para elucidar tais divergências. todo seu universo começa a ser desenvolvido
Senna (2013) indica que o Conceptual Art visualmente. É neste momento que se
(Arte Conceitual) se refere a um estilo de encontram os primeiros esboços do character
arte derivado do Modernismo na década de design – que será abordado com mais detalhes
1960, enquanto o Concept Art teve seu início na seção ‘1.1 Character Design’.
na década de 1930 na animação, dentro dos
Ainda no âmbito da concept art, há
estúdios Disney.
o designer de produção, responsável pela
Ambos os termos divergem também aparência que o filme irá tomar. Hahn
em questões projetuais e finalidade, Senna (2008) aponta que não é necessário que seja
(2013) esclarece que para a Conceptual capturado exatamente como o visual final
Art as questões estéticas buscavam ser do filme irá ficar, mas sim indicar o espírito
minimizadas, enquanto que, no Concept Art, da animação com elementos projetuais
o design e consequentemente a estética são do design como as cores predominantes e
essenciais. Takahashi (et.al., 2011) utiliza uma indicações das formas. Em compensação,
29

os artistas de desenvolvimento visual (visual


development artists) criam ilustrações que
auxiliam a visualizar como será o universo do
filme. Algumas vezes com simples esboços
e outras com pinturas mais elaboradas que
irão servir de sugestão para um frame final da
animação, sugerindo a iluminação, texturas
e composição geral de uma determinada
cena. Na linguagem audiovisual, o uso das
cores pode complementar a intenção da
dinâmica e ambientação da cena. O mesmo
ocorre na animação: a ilustração de conceito
que abrange a gama de cores que será
utilizada na cena é denominada de Color Key,
enquanto o conjunto destas ilustrações que
guiam a composição de cores denomina-se
Color Script (Figura 3).

O concept artist faz uso do signo


interpretando-o e manipulando-o para
criar o código visual que estará a serviço da
narrativa. Mais ainda, ele deve conhecer
e fazer uso das técnicas de construção
narrativa para criar imagens que serão ao
mesmo tempo representações estéticas e
indicações técnicas para o desenvolvimento
Figura 3 – Color Script de Os Incríveis por Lou Romano. do filme. (SENNA, 2013, p.47)
Fonte: RROMANO in: VAZ, 2004, p.96
30

Sendo assim, pode-se entender que o Estas etapas citadas consistem na pré-
artista que cria as ilustrações de conceito para produção, e servirão de base para os próximos
filmes de animação não necessariamente cria profissionais transportarem a linguagem
suas artes com a forma visual final do filme, bidimensional para a tridimensional. A
mas sim, sugere, aos envolvidos na etapa animação 3D, em sua concepção, é construída
da produção, como deverá ser a dinâmica como uma espécie de palco de teatro, ao
de uma cena ou personagem, a indicação ponto que algumas nomenclaturas utilizadas
de atmosfera e composição de cores, com a em softwares 3D derivam das artes cênicas,
finalidade de traduzir a narrativa escrita do como será visto no Capítulo 2 desta pesquisa.
roteiro para a linguagem visual da animação. O stage (palco) é o espaço onde será montada
Senna (2013) complementa que concept a cenografia da animação.
art faz parte do processo criativo, mas não (...) imagine colocar em cena um teatro que
é uma caixa preta onde não há sets, luzes,
é o resultado final em si. Estas ilustrações cenografia ou atores. É assim que um filme
servirão como guia para toda a equipe ao animado no computador começa. Tudo em uma
caixa preta – neste caso, em um mundo virtual
desenvolver a animação. dentro de um computador – que precisa ser
projetado e construído para tornar o espetáculo
Em todos estes momentos há a possível. (HAHN, 2008, p.46, tradução nossa5).

participação do diretor de arte. O seu


Os modeladores são os responsáveis
papel cabe em ter a responsabilidade de se
por esculpir digitalmente todos os elementos
certificar que a linguagem visual proposta
presentes em cena, com base nas ilustrações
pelos designers e artistas estará presente em
feitas pelos artistas na pré-produção. Tanto
todos os frames da animação. Ele avaliará
a iluminação, cor e formas de modo que os 5 (...) imagine putting on a play in this black box theater
where there are no sets, lights, props, or actors. This is how a
elementos projetuais pertinentes à animação computer-generated (CG) animated film starts. Everything in
the black box - in this case, the virtual world inside a computer
estejam coerentes com a intenção do diretor. - needs to be designed and built to be able to put on a show.
(tradução nossa)
31

Figura 4 – Malha de Buzz


Lightyear, personagem de
Toy Story (Pixar, 1995).
Fonte: FX Guide

a cenografia como as personagens precisam (Figura 4). Quanto maior a subdivisão de


ser construídas dentro do programa de polígonos, maior a quantidade de vértices,
computador para preencher esta caixa vazia assim se torna possível obter uma maior
que é o palco da animação. Estas esculturas resolução da imagem, criando superfícies
tridimensionais tem como base uma malha mais detalhadas.
oca, sua superfície é formada por polígonos
Barbosa Jr. (2005) faz um estudo
– normalmente quadriláteros ou triângulos –
técnico sobre os elementos envolvidos na
e os vértices destes polígonos são os pontos
animação tridimensional. O autor aponta
calculados pelo programa do computador
32

que a ideia inicial para a simulação da das normais, que simulam a reflexão da luz
malha 3D foi baseada na Lei do cosseno sobre sua superfície dando a sensação de
de Lambert, ou Algoritmo de Lambert que profundidade tridimensional.
determina a quantidade de luz que uma
Os primeiros personagens 3D
superfície reflete. O autor explica que:
computacionais eram compostos de
Para isso, uma linha (a normal) perpendicular à
uma união de polígonos prontos, já que
superfície do objeto é estabelecida, calculando-
se, em seguida o ângulo entre a normal e a anteriormente, a modelagem era feita
fonte de luz. A intensidade é uma função do
pela manipulação destes vértices, arestas
cosseno desse ângulo. Quanto menor o ângulo,
maior a intensidade da luz refletida. Se o ângulo e polígonos para dar a forma desejada
aumentar e chegar aos 90º, a luz desaparece,
ao objeto. Quase trinta anos depois das
formando sombra. (ibid., p.256)
primeiras artes gráficas tridimensionais,
A malha do software 3D é formada foram desenvolvidos softwares que
pelo cálculo destas normais. É válido lembrar simulavam a escultura digital assim como os
que o seu interior é oco, assim, as normais artistas fazem em argila, tornando possível
aparecem apenas em um lado desta malha, uma manipulação da malha de forma mais
pois, teoricamente, a malha não contém orgânica, para obter personagens com gráficos
espessura e isso deixa este cálculo ainda mais cada vez mais detalhados. Adicionalmente, o
leve para o processamento do computador. aumento da capacidade dos processadores
Caso seja o desejo do modelador haver o dos computadores também é um dos fatores
cálculo da normal em ambos os lados da que permitiu que as malhas destes objetos
malha, isso deve ser indicado dentro do tridimensionais passassem a conter milhares
software. Em outras palavras, a malha é de vértices.
como uma casca de ovo, gerada pelo cálculo
Posteriormente ao trabalho do
de vários vértices que formam polígonos,
modelador há o artista que efetua as texturas
a face desses polígonos é fruto do cálculo
33

das superfícies. Quando qualquer objeto é development artists cujo trabalho é configurar
modelado em um software 3D, ele apresenta os aspectos de simulação dos diferentes
uma superfície neutra fornecida pelo próprio materiais que podem conter uma superfície,
programa, sem configuração de textura ou sendo possível reconhecer quando o objeto
reflexão de luz. Estas texturas são aplicadas é feito de metal, plástico ou, ainda, a pele de
após obter a malha do modelo pronto. uma personagem.

Alguns softwares possibilitam que O resultado final do trabalho


essas texturas sejam ilustradas sobre o deste artista é chamado de render, que
modelo, assim como ocorre em esculturas normalmente é efetuado ao final de todo o
de gesso, ou ainda, aplicadas com o auxilio processo de animação. O responsável pelo
de softwares 2D. Em outros casos, a textura render irá determinar a iluminação das cenas
obtida pela simulação da reflexão da luz pode e como o material das malhas irá reagir com
ser selecionada sobre as faces dos polígonos a aplicação desta luz simulada.
ou objetos da cena. Há diferentes camadas
Ainda sobre superfícies, voltando
que compõem a superfície do modelo
à questão das normais e o Algoritmo de
tridimensional para simular a textura: uma
Lambert, houve uma adição de outro cálculo
delas é referente às cores, outra simula por
para que o objeto curvo não aparentasse
meio de um mapa a profundidade (bump
ser formado de polígonos facetados.
mapping6), e ainda há outra que determina
Barbosa Jr. (2005) justifica que um algoritmo
como o material reagirá sobre o efeito da
desenvolvido por Henri Gouraud mistura
luz simulada. Os responsáveis que criam
o valor das normais aos vértices para
esta camada reflexiva são denominados look
estabelecer a intensidade da iluminação
6 Bump Mapping cria a ilusão de uma textura palpável. Com através dos polígonos, resultando em uma
uma variação entre preto e branco gera uma espécie de mapa
topográfico que utiliza de cores para indicar profundidade. graduação suave da luz sobre a superfície,
34

podendo, desta forma, obter uma melhor algoritmos para a deformação do objeto
distribuição da luz sobre a malha e tornando 3D, podendo ser curvado, torcido, afilado,
possível criar curvaturas suaves. comprimido e expandido. Esse trabalho
possibilitou que técnicas que eram utilizadas
Em sequência, após a malha pronta,
na animação 2D pudessem ser aplicadas nas
há o rigger, que é o profissional que adiciona
animações tridimensionais, assim como a
todos os pontos de controle para tornar os
personagem Luxo Jr., citado anteriormente,
objetos e personagens animáveis. O rigging
que possuía em seu curta animado os
funciona como uma simulação do esqueleto,
princípios de squash e stretch.
articulação e musculatura da personagem; é
por meio destes controladores da malha que Com todos os objetos de cena e
a personagem irá se movimentar e simular personagens já modelados, há o artista
articulações do corpo. responsável pelo layout, ou seja, a disposição
dos elementos que irão compor o cenário
Hahn (2008) exemplifica que as
onde as personagens irão atuar. Hahn (2008)
ferramentas que movimentam o objeto
aponta que, assim como um set de filmagem,
tridimensional (denominadas controladores)
o cenário da animação “(...) irá revelar
funcionam de modo similar a uma marionete
elementos das personagens, história, mas
manipulada por cordas. Na animação, o
também criar visuais interessantes e a ilusão
rigger também pode configurar o objeto ou
de profundidade sobre uma tela branca e
personagem animada para ser maleável,
plana do cinema” (ibid., p. 52). Neste ponto
e ignorar as leis da física, assim como os
entra o papel do cinematógrafo que irá
desenhos animados 2D. Barbosa Jr. (2005)
transpor toda essa composição tridimen-
demonstra como essa propriedade da malha
sional para a tela plana e retangular dos filmes,
maleável se tornou possível pelo trabalho
utilizando-se de recursos cinematográficos
de Alan Barrem em 1984, que desenvolveu
como a composição de cena, cor, iluminação
35

e movimentação de câmeras. “Um filme é muito tempo grandes diretores de animação


um simples retângulo branco. Este retângulo permaneciam no anonimato, porém, este
é a janela da audiência para dentro do contexto começa a mudar no momento em
filme.” (ibid., p.52). Por esta razão, toda a que filmes animados competem lado a lado
cenografia criada pelos artistas anteriores com produções live-action ao obter recordes
ao cinematógrafo deverá ser transposta para de bilheteria.
esta janela ao olho do espectador.
Bancroft (2014), como diretor de arte
Conhecendo as principais etapas que de animação, descreve que o que mais o
envolvem a produção de uma animação fascina em seu trabalho é testemunhar
digital 3D, pode-se compreender como inúmeras mentes criativas unidas em uma
é importante o papel do diretor de arte única visão com o objetivo de criar arte
como condutor desta equipe que muitas “Afinal de contas, em sua essência, isso que
vezes envolvem centenas de diferentes
é animação – arte compartilhada.” (ibid.,
profissionais com conhecimentos distintos,
l.219, tradução nossa8). O autor explica
com o intuito de produzir o objeto final: a
ainda, a importância dos títulos hierárquicos
animação. Minkoff (Minkoff in: Bancroft,
dentro das produtoras de animação. Como
2014, l.89) descreve a função do diretor
exemplo, discorre sobre sua participação
de arte da seguinte maneira: “É o trabalho
no filme Stuart Little 2 (Sony Pictures, 2002)
dele/dela liderar uma legião de artistas para
criar um filme um frame a frame, em que oportunidade em que foi prometido a ele
cada partícula de poeira, cada raio de luz é o cargo de Animation Director (diretor de
criado para a tela.”7. O autor ressalta que por animação), mas isso não foi possível, pois a
DGA (Director’s Guild of America) negociou
7 It’s his/her job to lead an army of artists to create a film one
frame at a time every speck of dust every beam of light is 8 After all, at its core, that’s what animation is - shared art.
created for the screen. (tradução nossa) (tradução nossa)
36

que só poderia haver apenas um cargo de processo de cleanup9 na animação 2D. Depois
“diretor”. Adicionalmente a isto, o filme foi de algum tempo, quando foi promovido,
considerado um “live-action com efeitos obteve o título de Animating Assistant
visuais de pós-produção”, sendo assim e nesse cargo auxiliava diretamente um
o trabalho de criar a personagem Stuart animador senior. O autor identifica que
não foi reconhecido como animação, mas os termos podem ser similares e muito
sim “efeito visual”. Logo, seu cargo ficou confusos, e algumas vezes cargos intitulados
creditado como “Animation Supervisor”. diferentemente podem executar tarefas
O autor complementa que a Sony Pictures idênticas dependendo de cada produtora.
Imageworks já possuía alguém no cargo Assim, apresenta alguns exemplos de
de Animation Supervisor, sendo assim, nos cargos com nomes semelhantes da seguinte
créditos foi necessário adicionar ao título maneira:
deste outro profissional como “Animation
Supervising Animator (animador
Supervisor - Sony Pictures Imageworks” para
supervisor): um animador senior ou lead
distingui-los.
que é experiente o suficiente para liderar
O autor acredita que muitas vezes uma equipe de animadores sob sua
os cargos são mais importantes para os supervisão. Bancroft (2014) exemplifica
contratos, promoções e salários do que o seu trabalho em O Rei Leão (Walt Disney
Studios, 1994) como supervisor da equipe
papel do profissional na produção animada.
responsável pelo personagem Pumba, em
Quando iniciou sua carreira foi contratado
como Assistant Animator, contudo satiriza
9 Cleanup: termo referente ao processo de arte final do traço
afirmando que não era diretamente auxiliar na animação 2D. Normalmente é efetuado por animadores
secundários dentro de grandes produções. Enquanto o
de nenhum animador, e sim executava o animador principal (lead animator) efetua traços esboçados
rústicos com foco na movimentação da personagem em cena.
37

que supervisionava quatro animadores Director of an animated Film (Diretor


para ter certeza de que a personagem de filme animado): basicamente o mesmo
estaria consistente em relação à aparência que um diretor live-action. É o responsável
e desempenho ao longo de todo o filme.
por todo o filme animado. Visto isso, Bancroft
Animation Supervisor (supervisor de (2004) elucida que em produções animadas
animação): normalmente é um animador pode haver dois responsáveis pela direção da
senior que é responsável por todos os animação, um para personagens e outro para
aspectos da animação, não apenas uma animações de efeito.
personagem ou sequência. Casualmente é o
cargo que um profissional pode ter em um Bancroft (2014) também aponta que
projeto live-action híbrido com animação ou muitos diretores possuem um estilo próprio
efeitos visuais. em suas produções (denomina-se Auteur
Animation Director (diretor de Style – derivada da palavra francesa “autor”),
animação): o autor indica que este termo e são contratados exatamente por possuírem
é mais utilizado em animações japonesas. esta linguagem visual diferenciada. Um
Como citado anteriormente, nos Estados exemplo que se destaca na área da animação
Unidos, o sindicato responsável pelos é o diretor Tim Burton, que possui um estilo
diretores de produções audiovisuais (DGA) distinto em comparação a outros diretores.
possui uma norma de que pode haver
Burton se destacou com sua animação em
apenas um diretor em filmes. Nas animações
stop motion , O Estranho Mundo de Jack
japonesas este termo se refere ao animador
(Nightmare Before Christmas, 1993). A sua
senior responsável por toda uma sequência de
um filme, podendo haver múltiplos diretores linguagem, assim como de outras produções
de animação na produção e um diretor geral do diretor, possui um visual sombrio e humor
supervisionando-os. com toques macabros.
38

O autor indica que, em contrapartida, todo o processo com a finalidade de auxiliar


há o estilo de linguagem característico da sua equipe, assim como conhecer o básico
produtora (Corporate Style). Se analisadas sobre a produção respondendo algumas
as animações dos estúdios Pixar (Toy Story, questões referentes à narrativa e ainda outras
1995; Monstros S.A., 2001; Os Incríveis, específicas referentes a cada departamento.
2004), verifica-se que possuem linguagens
Com estes passos esclarecidos,
e dinâmicas diferentes daquelas produzidas
compreendendo os processos de criação
pela DreamWorks Studios (Shrek, 2001;
de um filme de animação tridimensional
Madagascar, 2005; ComoTreinar o seu Dragão,
e a função dos principais profissionais
2010), mesmo levando em consideração que
envolvidos, assim como a importância do
são contemporâneas e ambas produzem
diretor de arte ao obter o conhecimento da
animações 3D cinematográficas. Muitas
produção, podem ser apresentadas as etapas
vezes o diretor de arte contratado tem que
que compõem o processo da construção da
compreender e respeitar o estilo característico
personagem dentro do âmbito digital e como
de cada estúdio.
ela irá interagir com este universo simulado
Ao obter todo este conhecimento sobre dentro do computador.
cada setor da animação, o diretor de arte
guiará a equipe de artistas para resolver todas
as etapas necessárias da produção. Bancroft
(2014) ressalta mais uma vez sobre o papel do
diretor como condutor da equipe ao dizer que
artistas precisam de respostas, afirmando que
é necessário ter o conhecimento básico de
39

1.1 Character Design sendo: complexidade, natureza gráfica


da personagem, silhuetas sólidas, peso
Como visto anteriormente, o character e equilíbrio. A princípio, em relação à
design é uma etapa inclusa no processo de complexidade, faz-se necessário identificar
concept art envolvido na pré-produção de algumas características referentes ao
uma animação. Elaborar uma personagem contexto da narrativa que serão indicativos
animada vai além de apenas criar a ilusão para desenvolver a personagem. Para os fins
de movimento. Para tanto são necessários desta pesquisa, serão exemplificadas aqui as
variados procedimentos a fim de que esta produções no âmbito tridimensional.
personagem se torne convincente e cativante
ao seu público. Primeiramente, é preciso considerar
se a animação compete a uma produção
Nesta seção serão apresentados alguns para televisão, longa-metragem, curta-
estudos e conceitos pertinentes às narrativas metragem, cinematográfico ou ainda para
de linguagem imagética ilustrada – como web. Identificar a finalidade da animação
animação e histórias em quadrinhos – que será um indicativo da quantidade de detalhes
possibilitarão o entendimento do character presentes na construção da personagem,
design e consecutivamente do design de visto que, além de demandar mais tempo
figurino para personagens nos capítulos do animador para criar a movimentação de
posteriores. Por ora, cabe compreender as cada elemento (acessórios, ou até mesmo
estruturas que sustentam o character design. fios de cabelo), também resultará em maior
número de polígonos que constituem o
Existem diversas normas que
modelo 3D, ou seja, exigirá um maior tempo
regem a construção de uma personagem
para a renderização das cenas finais. Além
animada. Roberts (2007) identifica alguns
disso, também é preciso considerar o tipo
dos principais passos para esta produção,
e tamanho de tela na qual a animação será
40

assistida: telas menores, como as de um Analisando os estilos gráficos de


smartphone, possuem construções gráficas representação e o nível de detalhamento de
de personagens que nem sempre funcionam uma produção de animação tridimensional,
para telas maiores, como as de uma sala de pode-se considerar que o estudo de caso desta
pesquisa, Os Incríveis (2004), está localizado
cinema, e vice-versa.
no centro equidistante de estilos de figurinos
Com isso, entende-se que este quesito em personagens de animação (Figura 5).
está diretamente relacionado tanto com o Na extremidade de estilo simplificado de
orçamento disponível para a produção da representação há a série animada Pocoyo
animação quanto com o tempo previsto, (2005), em que as personagens são construídas
a partir de formas geométricas e estilizadas,
dado que, ou irá exigir um maior número de
com figurinos igualmente simplificados e
profissionais para trabalhar em cada aspecto
representados pela aplicação de cores puras.
que constitui a construção da personagem10,
Na extremidade oposta, pode-se citar o longa-
mais horas de trabalho, e consequentemente,
metragem Resident Evil: Vendetta (2017), que
exigirá maior verba. Em animações para possui nível maior de detalhamento tanto na
televisão, por exemplo, é contraproducente concepção das personagens e suas proporções,
elaborar uma personagem complexa e como nas texturas aplicadas em seu figurino
com muitos detalhes, já que, muitas vezes, para assemelhar-se ao mundo físico com dose
são produzidas com o prazo curto e com de fotorrealismo. Desta maneira, é possível
orçamento consideravelmente menor que observar a diversidade de estilos possíveis de
um longa-metragem cinematográfico. representação no universo técnico e criativo
da animação 3D e as respectivas concepções
e aplicações de figurino digital. Tal observação
10 Em grandes produções existem diversos animadores
especializados para diferentes fragmentos da personagem. reforça o fato de que a opção por determinados
Por exemplo, pode haver um animador responsável pela estilos do figurino animado também está
expressão corporal, outro para animar o cabelo, outro para a
expressão facial, e, ainda outro para as roupas e acessórios. relacionado ao tamanho da equipe, tempo de
produção, orçamento e público alvo da obra.
41

Tal observação reforça o fato de que a Como visto, há diversas variáveis que
opção por determinados estilos do figurino regerão a escolha para o estilo gráfico da
animado também está relacionado ao animação, como o processo de produção,
a linguagem visual do estúdio, o artista
tamanho da equipe, tempo de produção
responsável por criar os concepts, a direção
e orçamento da obra. Em seguida, para
de arte da animação, a ambientação, e
identificar como será a natureza gráfica da
ainda outras. Goldberg (2008) aponta outro
animação, pode-se identificar a temática
fator que influencia na construção das
da narrativa (drama, comédia, ação, etc) e,
características do traço das personagens
adicionalmente o público. Estes indicativos
como a época de produção. Por exemplo, se
também irão sugerir como explorar o estilo a animação é ambientada em determinada
gráfico, assim como o nível de detalhamento década, podem possuir características
do visual das personagens e de seus próprias que estão relacionadas ao sistema
respectivos figurinos.

Figura 5 – Níveis de detalhamento nos estilos gráficos de animação 3D e suas respectivas concepções e aplicações de figurino.
Fonte: Youtube.com; Incríveis (2004); Resident Evil: Vendetta (2017).
42

de produção e linguagem referente àquela Outro fator que pode influenciar


época. Boa parte das animações ocidentais no estilo gráfico ao elaborar a ilustração
dos anos 1930 possuem personagens com de conceito para uma personagem, é sua
construção baseadas em formas geométricas, finalidade e função dentro da narrativa.
os corpos, assim como os braços e mãos, eram Cabe, portanto, compreender como ocorre
arredondados e quase não eram ilustradas a classificação de tipos de personagens com
as articulações como cotovelos e joelhos base em sua personalidade e, desta forma,
(exemplos disto: Mickey Mouse, Betty Boop pode-se explorar desde traços partindo de
e Felix the Cat); enquanto as dos anos 1940 uma ilustração mais realística até a mais
e 1950 possuem o tórax arredondado e, em estilizada. Bancroft (2013) identifica alguns
grande parte, em forma de pera, os membros destes tipos como: 1) Icônico (Iconic): os olhos
apresentavam “quebra” nas juntas (breaking normalmente são constituídos por globos
joints) que passavam fluidez no movimento oculares pretos e sem muitas linhas de
(como Tom & Jerry e Looney Tunes); as expressão facial e detalhes; alguns exemplos
animações 2D dos anos 1990 e 2000, com que condizem com este estilo são Mickey
a introdução do computador na produção, Mouse, Oswald the Lucky Rabbit, Felix the
tinham em grande maioria um estilo angular Cat, Hello Kitty, Pocoyo, Pikachu. 2) Simples
que favorecia a relação de tempo de produção (Simple): estilizados, porém mais expressivos
ao criar os episódios para séries de televisão que os icônicos, muito comuns em séries de
(como Jonny Bravo, Dexter’s Lab e South TV; alguns personagens condizentes com
Park). Sendo assim, o estilo gráfico irá definir esse estilo são Fred Flintston (The Flintstones),
a linguagem das personagens da animação, Bart Simpson (The Simpsons), Dexter (Dexter’s
se serão mais arredondadas ou angulares, Lab). 3) Genérico (Broad): mais expressivo do
com formas geométricas ou estilizações, com que os dois anteriores, normalmente com
mais detalhes ou simplificadas. olhos e bocas grandes para passar humor e
43

exagero; alguns personagens que condizem traços caricaturados; uma personagens de


com este estilo são Roger Rabbit (Who Framed animação que condiz com este estilo é a
Roger Rabbit), Bugs Bunny (Looney Tunes), Princesa Fiona (Figura 6) na forma humana
Tom (Tom & Jerry). 4) Alívio Cômico (Comedy (Shrek), porém personagens produzidos
Relief): ao contrário da personagem genérica, com efeitos visuais para filmes live-action
passa seu humor pelo diálogo e atuação; também se encaixariam neste estilo.
possui expressões faciais menos exageradas
É possível notar que há diversos estilos
e normalmente são sutis com falas cômicas;
e níveis para serem explorados ao criar uma
normalmente, personagens sidekicks
personagem de animação, e, adicionalmente,
(ajudantes) dos estúdios Disney possuem
em muitas ocasiões, podem ser encontrados
este estilo, assim como Phil (Hércules), Kronk
na mesma produção mais de uma categoria.
(The Emperor’s New Groove), Mushu (Mulan),
Bancroft (2013) complementa com uma
Tigger (Winnie the Pooh). 5) Personagem
análise sobre estes tipos aplicados à animação
Principal (Lead Character): com proporções
Shrek (DreamWorks, 2001):
anatômicas, expressões faciais e atuação
próximas do real imediato; normalmente (...) o Burro seria o Alivio Cômico, Shrek está
próximo ao nível de Personagem Principal e a
são personagens com as quais o público
Princesa é totalmente Personagem Principal.
precisa se identificar; algumas personagens Enquanto o personagem Gingerbread Man está
ao nível de personagem icônico. Em um filme
que condizem com este estilo são Aurora
em que a maioria dos personagens é ilustrada
(Sleeping Beauty), Cinderella, Moises de forma mais realista, o Gingerbread Man
introduz uma variação e se destaca por ser
(Prince of Egypt). 6) Realístico (Realistic):
achatado e de design simples. (ibid., l325-332,
personagens com o nível de detalhamento tradução nossa)11
muito próximas do real, normalmente
11 (…) Donkey is on the Comedy Relief level, Shrek is in
utilizadas em animações tridimensionais the Lead Character level, and the Princess is fully on the
Lead Character level. Meanwhile, the Gingerbread Man
e quadrinhos; mesmo buscando a character is on the Iconic level. In a film dominated by more
proximidade de uma anatomia realista, realistically drawn characters, Gingerbread Man introduces
some variety and sticks out because of his flat, simple
normalmente, em animação, possuem design. (tradução nossa)
44

Em diversas animações é possível


observar essa diferenciação entre a
proporção e anatomia de personagens em
uma mesma produção. Cabe citar como
exemplo a animação Detona Ralph (Wreck-
It Ralph, Disney, 2012). Neste caso há uma
justificativa incorporada à narrativa para
esta diferenciação entre as personagens:
de que elas pertencem a diversos jogos de
videogames com gráficos distintos, tanto
de alta definição como os de 8-bit (Figura 7).
Nesta animação, quando a loja de fliperama
fecha, as personagens dos jogos podem sair
de seu sistema e encontrar-se em um hall
comum para todos os jogos, denominado
de Game Central Station, e neste momento
o estilo gráfico de todas as personagens se
iguala para o estilo da animação, em 3D.

Ralph (protagonista deste longa-


metragem) é o vilão do jogo que pertence,
Fix-it Felix Jr. – consiste em um jogo de Figura 6 – Personagens de Shrek (DreamWorks, 2001).
Fonte: pngmart.com
sistema 8-bit – e, como antagonista de
seu próprio sistema, ele destrói um prédio,
enquanto, Felix, o herói, é o encarregado
de arrumar os estragos. O objetivo do
45

Figura 7 – Fix it Felix Jr., versão 8-bit, (Wreck-It Ralph, Pixar, 2012). Figura 8 – Personagens da animação Wreck-It Ralph (Pixar, 2012).
Fonte: pinterest.com Fonte: pinterest.com

jogador é consertar o prédio antes que seja do mundo dos games, como os das franquias
totalmente destruído por Ralph. Contudo, Sonic the Hedgehog, Super Mario Bros., Pac
Ralph se cansa de ser visto sempre como o Man e Street Fighter. É evidente que por uma
vilão e foge de seu universo, adentrando em questão de época de produção, jogabilidade,
outros jogos totalmente distintos do qual ele resolução e console, estes jogos possuem
pertence, buscando se tornar um herói. Além estilos gráficos distintos. Todavia, quando as
das personagens de jogos fictícios criados personagens entram no universo dos outros
especificamente para a animação, em meio jogos, o estilo é alterado para a linguagem
à narrativa aparecem personagens famosos visual daquele universo. Uma passagem que
46

Figura 9 – Personagens de O
Incrível Mundo de Gumball
(Cartoon Network, 2011).
Fonte: CartoonNetwork

faz referência a estas alterações de estilo é O Incrível Mundo de Gumball (The Amazing
quando Felix (de um universo 8-bit) encontra World of Gumball, Cartoon Network
a Sargento Calhoun (de Hero’s Duty, um jogo Development Studio Europe, 2011) aborda
de alta resolução) e fica encantado com a a questão da relação entre os diversos
definição dos gráficos de seu rosto. Neste estilos gráficos de animação se utilizando
caso, pode-se observar como personagens uma maneira totalmente distinta (Figura 9).
com proporções distintas podem compor um Gumball Watterson, o protagonista, e sua
mesmo universo animado quando há uma família, são animados em um estilo 2D digital
coerência em seu estilo gráfico (Figura 6). com uso da técnica de cut-out12, enquanto cada
um dos seus colegas de classe são de estilos
Em contrapartida, a série de televisão 12 Cut-out: técnica de animação a qual os membros da
personagem são animados separadamente com poses chaves
pré-determinadas.
47

gráficos e linguagens de animação diversas. produtor da série, Ben Bocquelet, conta que
A sua professora, Senhorita Lucy Símio, é a ideia de produzir uma animação sem uma
uma personagem animada em 3D com uma unidade gráfica definida surgiu ao observar
linguagem estilizada, enquanto outra colega personagens rejeitados que ele havia criado
de sala, Tina Rex (uma tiranossauro) também anteriormente para comerciais e uni-los em
é animada em 3D, porém com um estilo mais um sitcom animado.
realístico, incluindo texturas detalhadas de
Observando estes exemplos, torna-
escamas. Há, ainda, Ocho, um personagem
se evidente a variedade de possibilidades
de videogame 8-bit, que faz menção ao jogo
ao criar personagens para animação, e
Space Invaders. Outro personagem diferente
que todas as escolhas do character design
é Banana Joe, que faz referência às animações
dependem diretamente do contexto da
em stop motion com objetos, e também há
produção, incluindo o roteiro, ambientação
Clayton, um boneco de massinha, igualmente
e público alvo, assim como a verba e
animado em stop motion, que pode se
finalidade da animação, se será para
transformar em outros objetos. Os vizinhos
televisão, web ou cinema.
de Gumball, Senhor e Senhora Robinson, são
marionetes que fazem referência aos Muppets Seguindo para o próximo tópico
e Vila Sésamo, assim como Rocky, o filho apontando por Roberts (2007), que se refere
deles que trabalha como zelador da escola. à silhueta sólida, existem dois aspectos que
Provavelmente essa diversidade de estilos podem estar relacionados a este elemento. O
em uma mesma produção se faz possível pela primeiro é relativo à forma da personagem,
temática e clima da animação. e outro ao acting. Para esta seção, será
abordado o primeiro aspecto, já que o
Gumball é direcionada para o público
foco desse é a construção da personagem,
infanto-juvenil com foco na comédia. Em
enquanto o segundo será esclarecido com
uma entrevista para o site ToonZone, o
maior profundidade posteriormente.
48

Sendo assim, cabe aqui compreender um elemento referente à linguagem


como ocorre o estudo das personagens imagética ilustrada (no âmbito físico ou
se baseando em sua silhueta, e como digital); e assim como toda linguagem, esta
estas formas podem estar relacionadas possui códigos e símbolos que transmitem
à sua personalidade. Foi demonstrado informações ao seu observador.
anteriormente como a função narrativa e
Stanchfield (2009) aponta que
estilo gráfico refletem na estrutura física da
ao escrever uma carta são escolhidas
personagem; agora, dando continuidade
cuidadosamente as palavras para expressar o
a este questão, será abordado por uma
que o indivíduo quer dizer, no desenho ocorre
visão projetual que relaciona o character
o mesmo procedimento. Para “escrever”
design aos elementos que constituem
as informações sobre uma personagem
os princípios regentes de um projeto de
imagética ilustrada são selecionadas as linhas,
design, a forma e a função.
cores, formas geométricas, ângulos, curvas,
Segundo Cardoso (1998, p.8) “(...) perspectiva, achatamento, alongamentos,
o design ainda exerce uma influência entre outros elementos que definirão o
considerável sobre a paisagem semiótica seu contorno e volume, e com isso, pode
moderna, principalmente no que diz respeito transmitir a informação que deseja por meio
à transmissão de informação por meios do desenho.
outros que os discursos falado, cinemático Dondis (2003, p.19) afirma que o
e/ou musical (...)”, ou seja, uma das funções alfabetismo visual pode ser comparado a
do design é o planejamento da comunicação linguagem, uma vez que: “As linguagens
e informação atribuída em linguagens. são sistemas inventados pelo homem
Seguindo este pensamento, podemos para codificar, armazenar e decodificar
considerar uma personagem de animação informações. Sua estrutura, portanto, tem
49

uma lógica que o alfabetismo visual é incapaz estes códigos de comunicação visual.
de alcançar”. Porém, mesmo adotando outra O character designer deve se perguntar
nomenclatura para tratar deste assunto, o qual o elemento de composição que mais
autor concorda ao dizer que a comunicação reflete as características psicológicas da
visual é formada por elementos básicos personagem para que o espectador possa
sendo: o ponto, a linha, a forma (tanto como tanto reconhecê-lo fisicamente como suas
as básicas, o círculo, o quadrado, o triângulo, intenções ao primeiro contato visual. Logo,
deve-se estabelecer se estas características
e todas as suas infinitas variações), a direção,
psicológicas (internas) irão refletir em maior
o tom, a cor, a textura, a escala, a dimensão
parte em sua estrutura física (forma), em seu
e o movimento. Entretanto, serão adotados
figurino ou em suas cores. Lupton (2008)
estes elementos como os de composição da
indica a relevância de manter uma hierarquia
sintaxe visual que definirá toda a construção
da informação bem definida visto que:
e leitura da personagem ilustrada.
(...) ela também se exprime visualmente,
Quando o roteirista elabora a descrição através das variações em escala, tonalidade
de cor, espacejamento ou posicionamento,
da personagem, ele possui certa idealização além de outros sinais. Expressar uma ordem
sobre sua personalidade e intenções dentro é tarefa primordial do designer. A hierarquia
visual controla a transmissão e o impacto da
da narrativa. Hahn (2008) atribui ao character mensagem. Sem hierarquia, a comunicação
designer a função de colocar uma face para essa gráfica fica confusa e dificulta a navegação.
(ibid., 2008, p.115)
personalidade, sendo que é preciso conhecer
profundamente a personagem – como suas Roberts (2007) sugere que o character
esperanças, seus sonhos e fraquezas – a fim de designer faça as seguintes perguntas, que
transportar suas características para o papel.
além de dar maior profundidade ao seu
Logo, para transmitir estas características
personagem, pode auxiliar a buscar detalhes
para uma linguagem imagética, é necessário,
e referências que irão ser transmitidas por
primeiro, estabelecer uma hierarquia sobre
meio da linguagem imagética ilustrada:
50

1) Quem sou eu? Apresentar os dados corre atrás deste objetivo ou se ela precisará,
pessoais da personagem como nome, idade de alguma forma, interferir com a vida das
e temperamento; outras personagens, unir-se a um grupo ou
2) Onde eu estou? Onde ocorre a narrativa e em ser um vilão que deseja um objetivo obscuro;
que lugar a personagem se encontra naquele 7) O que está me impedindo de conseguir isso?
momento, aponta-se aqui que a personagem Quais os obstáculos e conflitos que a estão
deve estar em harmonia com o seu ambiente, impedindo de atingir este objetivo.
isso ocorre tanto por suas características
Algumas destas perguntas podem estar
físicas, como a escolha da paleta de cores e
respondidas no roteiro, mas podem ocorrer
figurino;
casos, como curtas-metragens, ou animações
3) Quando eu estou? Em que época a narrativa para comerciais, em que não há muitos
se situa, tais como: dias atuais, passado, detalhes sobre a motivação da personagem,
futuro e se, por acaso, é uma linha temporal e, caso seja necessário, o chatacter designer
fictícia ou um universo fantástico; pode sugerir estas questões ao elaborar o
4) O que eu quero? Apontar as aspirações e conceito ilustrado da personagem.
desejos, como dinheiro, poder, amor ou uma
vida simples, isso refletirá não somente em Segundo Dondis (2003), algumas
sua aparência, mas em sua atuação; formas podem ser associadas a sentimentos,
e estes podem auxiliar o público na
5) Por que eu desejo isso? Se existe uma
identificação das intenções das personagens.
motivação ou um trauma do passado que
A autora identifica três como sendo as
justifique esta aspiração;
formas geométricas básicas: o quadrado, o
6) Como irei conseguir isso? Como a
triângulo e o círculo, sendo as outras formas
personagem irá se desenvolver ao longo da
apenas variações destas. É apontado que as
narrativa e sua interação com as outras, se ela
relações que podem ser feitas a estas formas
51

Figura 10 – Formas
representativas das
personagens de Up - Altas
Aventuras (Pixar, 2009).
Fonte: pinterest.com

são: 1) quadrado: enfado, honestidade, Fredricksen. Os primeiros minutos da


retidão, e esmero; 2) triangulo: ação, conflito animação é uma pantomima envolvendo
e tensão; 3) círculo: infinidade, calidez e a história da juventude de Carl, podendo
proteção. Com base nisso, pode-se observar ser analisado como um curta-metragem
um exemplo aplicado do uso das formas paralelo à animação, que procura justificar
como construção da personagem ocorre na os motivos da amargura desta personagem.
animação Up (Pixar, 2009, em português: Up, Gottsfritz (2013) faz uma análise da narrativa
altas aventuras), o conceito das principais deste trecho da animação e seus elementos.
personagens foram elaborados com base em Ao estudar as personagens e as formas que
formas geométricas básicas (Figura 10) que os compõem o autor aponta que:
refletem de alguma forma sua personalidade. A maior parte dos personagens que estão em
A narrativa é elaborada em torno de um contato com Carl tem em suas características
curvas suntuosas, manifestando o dinamismo
vendedor de balões idoso e ranzinza, Carl
52

e a necessidade de mudança. Há um obvio porquê a personagem se comportar daquela


contraste com Carl; sua personalidade exibe
uma forte resistência a novidades e ao maneira, instruções de seu design como
cotidiano, que vai se diluindo ao longo da construção das linhas e sombreamentos. As
animação. (ibid., 2013, p. 36)
expression sheets são focadas nas expressões
Após o conceito inicial das personagens faciais, mostrando em diversos ângulos
já definidos, vem a parte técnica, a criação as principais expressões e como funciona
e desenvolvimento dos model sheets. Estes a musculatura de sua face ao apresentar
são como manuais de instrução do character felicidade, raiva, dor, choque, nojo,
designer ao animador e aos demais membros curiosidade e os demais estímulos faciais
da equipe de produção. Hodges (2011) aponta abordados no roteiro. Por fim, há a color
os tipos de model sheets necessários para model sheet, que faz indicações da paleta de
uma produção animada. Primeiramente se cores que deve ser utilizada nas personagens:
deve mostrar a personagem em ângulos de essa paleta pode estar aplicada nas outras
rotação para ter uma melhor visualização de sheets, porém nesta as recomendações são
sua forma e proporções (de frente, de costas, mais detalhadas como seu cabelo, pele,
de lado e, se possível, 3/4). Para personagens olhos, roupas, acessórios e sapatos, podendo
que serão modelados em 3D, sugere-se indicar também as modificações nestas cores
que faça o desenho de lado sem os braços, quando a personagem está em ambientes
para que o modelador possa visualizar os diferentes como interno, externo, dia, noite e
detalhes de seu concept. Depois há a action luzes artificiais. E, por fim, há um model sheet
sheet, que demonstra as poses principais da onde se posiciona as principais personagens
personagem, indicando sua personalidade, da animação, para poder visualizar se estão
dinâmica de seu corpo e comportamentos, coerentes entre si e ao universo da narrativa.
focando em sua linguagem corporal – nessas
As personagens estando definidas
folhas podem conter anotações sobre o
em questão da forma, deve-se conceber,
53

baseando-se em suas características físicas Primeiramente, cabe ao animador


e psicológicas, sua movimentação em cena. pensar como o corpo da personagem irá reagir
Levando em consideração que a personagem no ambiente em que se passa a cena; se uma
animada não é interpretada diretamente por personagem for demasiadamente grande,
um ator, mas sua movimentação é criada como esse corpo reage ao se locomover,
por um animador e, algumas vezes, usando o impacto ao caminhar, considerando
de referência expressões do dublador (voice também a idade da personagem e sua
actor), pode-se considerar que a sutileza
facilidade de locomoção. Após analisar o
da atuação depende diretamente destes
comportamento físico com base na massa
animadores e das indicações encontradas no
corporal da personagem, o animador deve
roteiro e no character design.
levar em consideração o estado psicológico
Adicionalmente a este princípio, há e a intenção da personagem em cena, se
o acting, que pode ser um dos passos mais esta é tímida ou extrovertida, se é heroica
difíceis para os animadores, já que pode ou vilã, se é pateta ou sedutora. Para isso, as
ser desafiador simular movimento em uma silhuetas das poses chaves deverão ser claras
personagem (ilustração, CGI ou marionete) ao espectador, se esta for bem definida pode
de forma que pareça viva e crível para o apresentar rapidamente esta intenção da
espectador.
personagem a quem a observa. Muitas vezes,
Os humanos lidam com os movimentos de o animador se utiliza do espaço negativo para
outros humanos a maior parte do tempo, desde
o nascimento à morte. Portanto, o acting é melhor definição destas silhuetas. Senna
composto por movimentos construídos pelos
(2013), ao analisar os processos do character
seres humanos. Ou seja, movimentos que não
somente são resultantes das vontades dos design para animação, indica que a maneira
seres humanos, mas projetados de forma que
componham a narrativa e a estética da cena. como a personagem se movimenta é uma das
(MAZZA, 2009, p.81) partes constitutivas de sua personalidade.
54

Vale lembrar que na maioria das cabe ao animador compreender os princípios


animações os movimentos não são realistas, básicos da atuação. O autor indica que para
mas sim uma caricatura da movimentação. uma personagem efetuar uma ação existem
Hooks (2011) e Mazza (2009) fazem um estudo quatro passos que a antecedem: conflito,
abrangente focado no Acting (atuação) da objetivo, antecipação e ação; apontando,
animação – diretamente integrada ao staging ainda, que existem três tipos diferentes de
– abordando como as técnicas usadas nas artes conflitos: o conflito interno, conflito com uma
cênicas podem ter uma transposição para situação e conflito com outra personagem.
animação e também os aspectos divergentes, Hooks (2011) indica que a personagem precisa
visto que, como citado anteriormente, não ser impulsionada por pelo menos um destes
há um ator interpretando a personagem conflitos para tomar uma ação teatral.
animada. A obra de Hooks (2011) é resultado
Com base nesses quatro passos, Hooks
de curso de atuação que ministra em estúdios
(2011) apresenta sete princípios básicos para a
de animação e jogos como Walt Disney
atuação em animação: 1) Pensamentos levam
Animation Studios, DreamWorks, Valve
a conclusões, emoções levam a ações; 2)
Software, EA e Ubisoft. Nesta obra, o autor
Humanos sentem empatia por emoções; 3) A
cita que muitas vezes é apontado em livros e
realidade teatral não é a mesma realidade do
cursos que o animador é um ator com lápis na
mundo ordinário. Para contar uma narrativa
mão, porém o mesmo indica que o acting para
teatral são apresentadas apenas partes de
animação não é simples assim. Por exemplo,
um tempo e espaço para o espectador; 4)
um animador não precisa necessariamente
Atuação é ação; atuação também é reação; 5)
participar de aulas tradicionais de atuação
A personagem deve interpretar uma ação até
para entender teorias e técnicas, como
que algo aconteça para fazer com que mude
também não precisa de exercícios de
de ação; 6) Uma cena inicia-se pelo meio e não
relaxamento e concentração antes de animar,
no começo; 7) Uma cena é uma negociação.
e muito menos de aulas de dicção, todavia,
55

Seguindo estes tópicos, ao pensar no O autor menciona que algumas técnicas


character design pode-se focar na segunda de atuação que leciona já foram trabalhados
questão referente ao trabalho do animador: por Aristóteles, mas os utiliza adaptando-as
criar na audiência um senso de empatia com para animadores que precisam criar ações
a personagem. Sobre isso, o autor elucida a para suas personagens. Outra questão em
diferença entre “empatia” e “simpatia”. A relação à ação é o fato de que as maiorias das
empatia se estabelece ao momento em que produções recebem o áudio dos dubladores
a audiência se identifica com a personagem, previamente à animação, e cabe ao
é o ato de se colocar no lugar do outro. animador criar as ações baseando-se nestas
Já a simpatia se dá pela afinidade que um falas, apontando que a atuação vai além dos
indivíduo sente pelo outro. O animador deve diálogos, e que o mais importante é ressaltar
buscar pela empatia, fazendo com que o os pensamentos, emoções e intenções das
público se identifique com a personagem, personagens. Hooks (2011) comenta que
e não sinta pena ou apenas simpatize com muitos animadores principiantes tentam
ela. O autor menciona que a empatia é gesticular todos os diálogos, mas que a
um atributo essencial aos humanos por movimentação da atuação não se dá sem
serem naturalmente criaturas sociais, conflito e objetivo. É indicado pelo autor que
apontando que um dos elementos pelo o sentido de visão do ser humano é muito
qual normalmente se define um sociopata mais forte do que a audição, e por isso o que
é a falta de empatia por outros indivíduos. é visto na personagem é mais importante
Hooks (2011) complementa ao afirmar que do que é ouvido. Outro fator relacionado
a emoção per se não tem valor teatral, para a este sentido é que, muitas vezes, a
uma emoção ser relevante deve haver a ação personagem pode dizer algo enquanto se
da personagem com um objetivo de superar sente de outra forma, e, desta maneira,
algum conflito ou obstáculo. suas ações e expressão corporal passam
56

suas reais intenções por um comportamento Figura 11 – Indicações de como


inconsciente. Mazza (2009) aborda esta a expressão corporal pode
mudar o sentido de uma frase.
questão com um exemplo simples sobre a Fonte: WEBSTER, 2005, p. 108

atuação de uma personagem ao dizer a frase


“Eu te amo.” (Figura 11). É possível notar que
a expressão corporal da personagem pode
modificar o contexto de uma mesma frase,
mudando de uma afirmação, um suplicar, um
constrangimento ou uma irritação.

Outra questão do acting que pode


influenciar no character design é um artifício
usado pelos atores denominado power
center (centro de força), sendo um ponto
focal do corpo ou acessório da personagem
de onde parte a sua personalidade ou seu
diferencial. Este foco define a dinâmica e
ritmo da personagem, esclarecendo que a
ansiedade se manifesta em um ponto mais filme Perdidos na Noite (Midnight Cowboy,
alto enquanto a confiança é mais baixa, ou 1969). Hoffman se baseou realmente em um
seja, quanto mais alto o centro de força da rato para encontrar o centro de força de seu
personagem mais rápido é seu ritmo. Um personagem, fazendo com que este fosse
exemplo apontado na obra de Hooks (2011) concentrado no nariz. Esta questão pode ser
é o do ator Dustin Hoffman que interpretou refletida na forma da personagem. Como
um personagem chamado Ratso Ritzo no mencionado anteriormente, a forma pode
57

refletir diretamente questões psicológicas da Outra diferença entre um ator e


personagem, e, com isso, guiar como ela irá uma personagem animada esclarecida
se comportar em cena. por Hooks (2011) é a maneira que ocorre a
construção das personagens. Enquanto um
Hooks (2011) aponta que a atmosfera
ator trabalha a personagem de dentro para
da cena pode interferir na atuação da
fora procurando projetar suas experiências
personagem, pensando que cada ambiente
e emoções na personagem, o animador
reflete uma atmosfera diferente. Esta
trabalha de fora para dentro, devendo
afirmação pode se tornar mais simples de
buscar justificativas para o comportamento
se compreender ao pensar que a atmosfera
da personagem, gestos e expressões
emanada em seu quarto é diferente de
faciais. Isso ocorre por diversos fatores
quando se caminha na rua ou quando se
que diferenciam como cada personagem é
chega a uma festa. Estes ambientes refletem
como uma personagem irá reagir a estes projetada. O ator de espetáculo não se torna
estímulos de ambientação. O autor adiciona a personagem, ele projeta experiências
que esta atmosfera não está condensada em um processo de atuação simulando
somente em ambiente, mas também em emoções da personagem como sendo suas.
outras personagens, pois uma personagem O animador não trabalha da mesma forma
com uma energia positiva e alegre gera por sua distância física com a personagem a
estímulos diferentes nas outras do que qual está criando, ele não atua no presente
uma personagem brava e negativa. Logo, e não se coloca frente aos espectadores, e
cabe ao animador pensar nas interações da sim transpõe estas emoções por meio de
personagem, não somente com o cenário ferramentas – ou softwares, quando se trata
e ambiente no qual ela está inserido, mas de animação 3D – manipulando o corpo
também como é sua reação e estímulos na da personagem quadro a quadro. É nesta
presença de outras personagens. etapa que o animador utiliza de referências
58

visuais para captar o movimento sutil de movimentações e expressões em vídeo como


corpos e transpor estes aspectos em uma referências visuais para seu trabalho, ou
mídia digital. Adicionalmente, pode-se buscam estas referências em filmes sabendo
citar um apontamento de Mazza (2009) ao que algum ator já passou para as câmeras
comentar que: aquilo que ele está procurando expressar em
sua personagem.
Atores de teatro, na maioria das vezes,
não precisam se preocupar com sutilezas
no desenvolvimento do acting, como por
É válido apontar aqui que a busca por
exemplo, o que acontece com as sobrancelhas estas referências visuais é um dos aspectos
ou com as pálpebras, isto é inerente às reações
corporais de acordo com a emoção que o ator que deram origem à animação. Os estudos
representa. Por outro lado, os animadores de referência produzidos por Eadweard
precisam identificar todos os mínimos detalhes
que compõem a emoção sugerida pelo acting. Muybridge,(nascido em 1930 em Kingston,
(ibid., 2009, p.87)
Inglaterra) foram relevantes tanto para a
Para melhor estudar e identificar estas história do cinema como para a animação.
sutilezas, os animadores, além de recorrer ao Ficou conhecido depois de criar um sistema
seu conhecimento do cotidiano, buscam pelo de fotografia em sequência quando foi
uso de referências, assim como ocorre no contratado para capturar movimento de
campo das artes. Na animação, todavia, estas um cavalo campeão na Califórnia, Estados
referências se tornam uma meta-produção,
Unidos (CHONG, 2011, p.18). Muybridge criou
ao momento em que o animador, muitas
diversas sequências de captura de movimento
vezes, precisa captar em vídeo as emoções
com fotografias tanto de animais como seres
e movimentos que ele deseja transmitir para
o programa, ou seja, o animador cria suas humanos com a finalidade de entender o
próprias referências para serem utilizadas movimento e a biomecânica. “Até nos dias
posteriormente na animação. Muitos de hoje, para animadores e bibliotecas para
animadores capturam as suas próprias suporte em ferramentas digitais de animação,
59

os experimentos de Muybridge são referências era possível fazer a reprodução de áudio


indispensáveis.” (MAZZA, 2009, p.37). juntamente ao vídeo. Segundo Hooks (2011)
Diversos destes estudos foram compilados a pantomima é o estilo de atuação capaz
em uma publicação denominada The Human de contar narrativas sem fala, utilizando da
and Animal Locomotion Photographs, e gesticulação e da mímica, ou seja, o ato de se
são usados como referência tanto para expressar fisicamente sem o uso das palavras.
animadores como outros profissionais que Um ator que ficou eternizado por este estilo
de atuação foi Charlie Chaplin (1889 - 1977).
tem interesse na movimentação de seres
Já na animação estes gestos caricaturados
vivos e anatomia. Mazza (2009) complementa
ficaram marcados em personagens como
que a importância destes estudos para a
Felix, The Cat. Personagens animados que
animação, além de compreender a mecânica
retratavam este estilo de atuação possuíam,
do movimento, é de procurar as poses mais
em sua grande maioria, gestos e expressões
expressivas para simular o movimento.
exageradas para retratar suas emoções e
Com este estudo, os animadores tiveram intenções na narrativa. Este uso da expressão
condições de analisar de forma precisa como o
movimento acontece e quais as poses-chaves corporal na animação é tão importante ao
mais expressivas. Dentro da sequência de um ponto de existirem personagens animadas
determinado movimento, algumas poses e
gestos específicos caracterizam e reforçam o que não possuem um rosto, mas que
sentido da ação. A melhor forma de entender conseguem demonstrar suas emoções de
como o movimento se faz é desconstruindo o
movimento real. (MAZZA, 2009, p.37) maneira clara. Um exemplo é o Tapete da
animação Aladdin (Disney, 1992), um objeto
Em relação ao movimento, cabe de decoração que ganha vida e consegue
apontar aqui uma das técnicas de atuação que emitir suas intenções ao espectador apenas
foi muito utilizada no início das animações, já com curvas e linhas que simulam expressões
que nas primeiras produções animadas não corporais humanas.
60

Depois de todas as etapas do character animadores dos estúdios Disney, que


design concluídas, há o processo de animação formalizaram estes termos e técnicas como
em si. Nesta próxima seção será demonstrado os 12 princípios da animação. Serão citados
como os princípios que regem a animação aqui estes princípios mas, para o propósito
influenciam na construção da personagem desta pesquisa, foi optado por aprofundar-
e como estas influências podem guiar seu se naqueles que têm influência direta no
desenvolvimento narrativo. character design, indicando também o uso
destas técnicas aplicadas nos personagens
do objeto de estudo, Os Incríveis (2004).

1.2 Os 12 princípios da Frank Thomas e Ollie Johnson (1985)


animação aplicados ao – animadores dos estúdios Disney de
character design 1934 a 1978 – elaboraram estes princípios
com objetivo de criar estes padrões para
Ao surgimento dos primeiros que “(...) estas questões dos fenômenos
estúdios de animação, algumas técnicas físicos combinados com os objetivos das
utilizadas nas produções animadas foram se personagens ficassem mais didáticas para os
transformando em uma linguagem visual. A animadores” (MAZZA, 2009, p.50) dentro dos
popularização das animações permitiu com estúdios Disney.
que em 1937 os estúdios Disney produzissem
A Branca de Neve e os Sete Anões (Snow 1) Squash and Stretch (achatar e
White and the Seven Dwarfs) com um esticar): provavelmente uma das principais
orçamento aproximado de US$1,5 milhão técnicas de animação, pois é por meio
(Mazza, 2009). Com a experiência dos três desta que passa a ilusão de maleabilidade e
anos de produção deste longa-metragem movimento na animação. “Se jogarmos uma
animado, foi reuninda uma equipe de bexiga de borracha cheia de água do décimo
61

Figura 12 – Squash and Stretch aplicado à movimentação da personagem.


Fonte: GOLDBERG, 2008, p. 119

andar de um prédio, ao atingir o chão ela se


deformará e esticará para os lados antes de
estourar. Ou seja, ela irá achatar” (Mazza,
2009, p. 53). Estas duas técnicas combinadas
fazem a personagem ou objeto animado
simularem ao espectador de que são como
bolas de borracha, alongando-se quando
estão em movimento – dando a sensação
de velocidade – ou comprimindo-se quando
há parada brusca ou impacto. Estas técnicas
não são aplicadas somente no corpo da
Figura 13 – Movimento de antecipação de um pulo.
personagem, mas também em expressões Fonte: WEBSTER, 2005, p.122

faciais, por exemplo: alongando-se quando


há uma surpresa, ou comprimindo-se quando
há medo. Mazza (2009) indica que por meio
62

desta técnica é possível sugerir uma ilusão de personagem irá se comportar ou efetuar a
peso e deformação do objeto animado e no ação determinada pelo roteiro. White (2009)
caso de personagens, intensifica emoções. elucida que este é um processo fílmico para
organizar a cena, de maneira que cause o
2) Anticipation (antecipação): Antes de impacto comunicativo máximo da ação.
tomar uma ação a personagem normalmente Além do enquadramento em cena, esta
faz uma ação de antecipação inversa à etapa é influenciada pelo posicionamento
força aplicada. Por exemplo: quando a das personagens, e consecutivamente pelo
personagem vai pegar um objeto pesado, a character design, uma vez que a atuação da
antecipação antes de um espirro ou um salto personagem em cena está relacionada com
de longa distância. Esta técnica cria a ilusão sua personalidade e intenção na narrativa.
de consciência da personagem animada de Este princípio está diretamente relacionado
que ela pode conceber um “antes” de tomar ao acting, apresentado na seção anterior.
uma ação.
4) Straingh Ahead Action and Pose to
3) Staging (encenação): Esta técnica Pose (Sempre em Frente e Pose a Pose):
fundamentada nas artes cênicas se Este princípio se relaciona à técnica utilizada
refere à clareza da encenação e como a para o planejamento da animação. Na

Figura 14 – Staging em cena .


Fonte: GOLDBERG, 2008, p. 91
63

maioria das produções é utilizada a técnica


pose to pose, em que o animador ilustra as
poses-chaves (key frames) da ação que a
personagem irá efetuar e em seguida ilustra
as poses intermediárias (inbetweens). Esta
técnica é conhecida também como blocagem
na animação tridimensional, (ou blocking,
fazendo uma referência à técnica utilizada
por escultores) a qual o animador posiciona
a personagem como uma marionete nas
poses-chaves e depois refina as ações
intermediárias entre estas poses - enquanto a
técnica straight ahead condiz com os quadros
individuais, sem planejar as poses-chaves
previamente. Normalmente é utilizada em
animações experimentais ou de feitos como
fogo ou fumaça em que o animador tem mais
Figura 15 – Planejamento de movimentação para animação Pose to Pose.
liberdade para criar as ações da cena. Fonte: GOLDBERG, 2008, p. 83

Figura 16 – Movimentação secundária


aplicada ao cabelo.
Fonte: GOLDBERG, 2008, p. 125
64

5) Follow Through and Overlapping Esta movimentação com continuidade


Action (Siga através e Sobreposição): Estes indica a inércia relativa ao movimento
princípios indicam o funcionamento da principal. Estes princípios são influenciados
mecânica de movimento quando há uma pelo character design ao momento em que
massa dominante e outras que a seguem é elaborada sua estrutura física e o figurino
por inércia. Follow trhough é utilizado na que compõem a personagem.
animação que, por exemplo, há o torso (ou
6) Slow in and Slow Out (Lento na
a região da bacia) que normalmente lidera
entrada e Lento na saída): A movimentação
a ação principal de movimento, enquanto
acelerando-se ou desacelerand0-se faz
os demais membros e adereços seguem o
com que a movimentação da personagem
percurso. Já o overlapping indica que pode
haver uma ação secundária ou um delay pareça orgânica, visto que, se a personagem
de algum membro da personagem que mantivesse uma mesma velocidade de
está se acomodando após a ação principal. movimento ao caminhar iria se comportar
Pensando em uma personagem que possua como uma máquina ou robô.
rabo, orelhas ou cabelo, há o movimento
7) Arcs (Arcos): Talvez seja um dos
principal do corpo ou da cabeça, e os demais
principais tópicos para a animação orgânica,
elementos movimentam-se em seguida.

Figura 17 – Representação gráfica de


movimento Slow In e Slow Out.
Fonte: GOLDBERG, 2008, p.103
65

uma vez que toda movimentação parte de


articulações e, consecutivamente, ao seguir
a linhas formadas por estes movimentos há a
formação de arcos, assim como um pêndulo.
Em animação, tende-se a exagerar estes
arcos para que a movimentação e a intenção
da personagem em cena fiquem claras. Assim
como explicado anteriormente em relação ao
acting, é necessária que a silhueta da ação da
Figura 18 – Arcos de
personagem esteja evidente ao espectador.
movimento do braço.
Fonte: WILLIAMS, 2009, p.91 8) Secondary action (ação secundária):
A ação secundária ao contrário do Follow
Though e Overlapping não dependem do
movimento principal para acontecer. Um
exemplo apontado por Goldberg (2011) é
de que uma personagem está sentada em
uma cadeira impaciente, para aumentar a
intensidade da cena, o animador faz com que
a personagem movimente o pé batendo ao
chão, e esta seria a ação secundária, algo que
está acontecendo ao mesmo tempo em que
a ação principal.

9) Timing (Regulação do tempo):


Figura 19 – Braço como ação
secundária. O regente da animação é o tempo, ele é
Fonte: WEBSTER, 2005, p.39
66

quem guiará todos os outros princípios


para que as ações aconteçam. Levando em
consideração que a animação nada mais é do
que imagens sequenciais, a quantidade de
frames entre determinada ação e outra é que
definirá a dinâmica da cena. Por exemplo,
no princípio slow in e slow out ao desacelerar
um objeto haverá maior quantidade de
frames por segundo para que ele pareça
estar mais tempo em uma determinada
posição, enquanto na aceleração haverá Figura 20 – Representação de timing da animação.
Fonte: WILLIAMS, 2009, p. 47
menos ilustrações entre um key frame e
outro para que simule estar mais rápido.
Toda ação e acting da personagem está que a caminhada pareça mais pesada. Em
diretamente relacionada a este princípio, a contrapartida se há mais frames no apoiar da
resposta a estímulos de outras ações e outras perna ao chão, irá simular uma caminhada
personagens, assim como o tempo que simula cuidadosa, como se a personagem estivesse
o pensamento para transmitir a sensação de espreitando. A regulagem de tempo também
que a personagem é um ser vivo. O caminhar está presente na antecipação de uma ação:
de uma personagem também pode ser a preparação para um soco a personagem
alterado à regulagem do tempo, se uma puxará o punho para trás mais tempo do que
personagem demora mais, ou seja, contiver a ação (soco) irá ocorrer. É como pensar em
maior número de frames, para levantar o um estilingue, demora-se mais tempo para
pé do que coloca-lo no chão irá fazer com puxar a borracha do que lançá-la.
67

Figura 21 – Conduzindo a personagem ao exagero. Figura 22 – Silhuetas sólidas.


Fonte: GOLDBERG, 2008, p. 21 Fonte: GOLBERG, 2005, p.4

nas animações que buscam uma aparência


10) Exageration (Exagero): Este quesito
mais próxima ao realístico.
está sempre presente na animação, tanto no
character design como no acting e nos arcos. 11) Solid Drawing (Desenho sólido):
Como mencionado nos capítulos anteriores, os arcos, movimentação, a estrutura da
animação é uma caricatura do movimento e, personagem, sua forma e sua atitude em cena
assim como a caricatura ilustrada, tende-se deverão parecer claras e com silhuetas sólidas
a exagerar e evidenciar os pontos principais que possam ser facilmente identificáveis
do indivíduo que é retratado. As emoções são pelo espectador. Adicionalmente, o desenho
passadas com intensidade para que fiquem sólido não se refere apenas a essas questões,
claras ao espectador, assim como as ações. É o animador precisa ter um conhecimento
muito comum quando uma personagem leva de composição, perspectiva e ilustração
um susto os olhos saltarem para fora, exceto para que a personagem pareça ter volume,
68

Figura 23 – Diferentes aspectos para


designar appeal a uma personagem.
Fonte: GOLDBERG, 2008, p.51

massa e peso, não se movimentando em espectador, passando em sua personagem


apenas dois planos (a não ser que essa seja a uma forma de conectar-se ao público. Esse
intenção). Apesar de as personagens serem tópico pode ser entendido como carisma,
fictícias, para o espectador elas precisam em outras palavras, a personagem precisa
parecer vivas e convincentes. cativar o público, sendo protagonista ou
antagonista, tanto suas ações, expressões
12) Appeal (Apelo): O appeal é corporais e faciais têm de aparentar
precisamente o impacto que a personagem sinceras no contexto da narrativa. “Se
deve causar ao espectador, sendo este pela pensarmos em dois atores representando
sua forma ou atuação, ou seja, depende tanto a mesma cena, inevitavelmente um deles
do character designer quanto do animador. irá chamar mais atenção do que o outro.
Como mencionado por Hahn (2011), as Então podemos dizer que o que chamou
pessoas se identificam com emoções, o mais atenção, desenvolveu maior Apelo.”
animador deve causar empatia em seu (MAZZA, 2009, p.73).
69

Figura 24 – Princípios da animação aplicados ao estudo de caso: squash and stretch, antecipação, staging, follow through e appeal.
Fonte: Os Incríveis (2004)
70

Em Os Incríveis (2004) estes princípios 1.3 Considerações


estão em todo momento regendo a
movimentação das personagens em cena Considerando o estudo de caso desta
(Figura 24). O squash and stretch, por pesquisa, Os Incríveis (2004), uma animação
exemplo, é diretamente relacionado com o com linguagem cinematográfica de estilo
poder da personagem ElastiGirl, sendo seu cartoon no âmbito tridimensional, neste
corpo elástico com a capacidade de esticar- capítulo foi abordado como é construída
se ou comprimir-se. A personagem Mr. uma animação 3D e os profissionais
Incredible ao segurar um trem descarrilhado
envolvidos neste processo, para, desta
faz uma movimentação de antecipação em
forma, compreender o contexto no qual as
relação ao impacto que o espera. Em uma
personagens estão inseridas ao desenvolver
cena em que o chefe de Robert Parr está o
seu figurino. O processo de pré-produção de
confrontando, há uma demonstração por
meio do staging da hierarquia dos cargos uma animação assemelha-se, em boa parte,
destas personagens dentro da empresa. ao do cinema, de maneira que a narrativa
O cabelo da personagem Violet e a capa é iniciada pelo roteiro (script), com base
dos heróis se movimentam com o conceito neste são discutidas as cenas e formuladas
de follow through, seguindo por inércia a ilustrações (storyboard) para transcrever
movimentação do corpo das personagens. a linguagem escrita para a linguagem
Enquanto a personagem Edna Mode seria imagética, avaliando as devidas alterações,
um exemplo de appeal, que é relacionado se necessárias. Utilizando essas ilustrações
ao carisma que a personagem proporciona é montada uma edição rústica (animatic)
ao espectador, não necessariamente
com todas as cenas que irão compor o filme
relacionado à sua aparência física.
final, incluindo indicações de áudio como
dublagem, efeitos sonoros e trilha musical.
71

Em paralelo, há o trabalho dos designers fim, há o papel dos animadores, aqueles que
e concept artists que desenvolverão a darão “vida” a essas personagens. Diferente
linguagem visual de todos os elementos em de um filme live-action, não há um ator que
cena. interpretará as emoções da personagem em
cena, este é papel do animador em traduzir
Até este momento, as etapas de
quadro a quadro todas as emoções das
produção podem se equiparar aos de filmes
personagens dentro do enredo. Desta forma,
live-action, a divergência inicia no momento
fez-se um estudo sobre o acting dentro da
da produção, das quais se faz necessário
linguagem da animação.
criar estes seres animados com o uso de
softwares 3D. Após pronto o concept art das O foco mais específico desta pesquisa
personagens, é papel dos modeladores darem está sobre o character designer, profissional
a forma tridimensional a elas, seguido por que atua na equipe responsável pelo concept
artistas que criam as texturas que essa malha art, sendo aqueles que projetam como
modelada irá receber para simular todos os a personagem se mostrará visualmente
materiais existentes em cena. Visto que a dentro do filme (animado, ou live-action).
malha inicial não possui cor nem material Em uma personagem animada, é comum o
definido, essas texturas também emulam fato de sua forma definir suas características
a refração da luz simulada sobre todos os psicológicas e sua personalidade, visto que
elementos presentes em cena. Com o modelo a linguagem da animação derivou-se de
pronto há a aplicação do rigging, que são os chargistas, ilustradores e quadrinistas, logo
controladores de articulações aplicados a houve transposições de conceitos relativos à
essa malha para que a personagem possa ser essas linguagens para o filme animado.
movimentada como uma marionete. E, por
72

Dentro das características que


compõem visualmente a personagem
animada está seu figurino, e por ele pode-
se obter informações pessoais, psicológicas
e sobre o contexto que a envolve. Para
melhor compreender como se caracteriza
a construção de um figurino, segue-se para
o próximo capítulo discutindo técnicas e
conceitos referentes ao desenvolvimento
de figurino de personagens dentro das artes
cênicas, cinema e histórias em quadrinhos.
2
73

DESIGN DE FIGURINO

Este capítulo compete ao estudo da contexto, algumas particularidades podem


concepção do figurino para personagens de ser observadas também na animação digital,
animação fazendo uma relação com técnicas que serão discutidas ao longo desta pesquisa.
utilizadas em áreas correlatas, como as artes
Cabe apontar que díspar à animação,
cênicas, cinema e historias em quadrinhos. Foi
em que o character design comporta tanto
apontado no capítulo anterior que a atividade
a concepção, caracterização e figurino
de criação de figurino deve ser representativa
da personagem, o teatro apresenta estes
em relação não só às personagens, como
aspectos separadamente. Ao consultar Leloir
também em relação aos referenciais culturais
(et al., 1992), verificou-se que o entendimento
e históricos que transcendem a ficção.
do tema figurino é estabelecido como o
Com a finalidade de estudar a construção
conjunto de peças de vestimenta peculiares
de figurinos no meio digital, a seguir, será
a uma época, um país, uma região,
apresentada uma pesquisa abordando
uma profissão, um tipo teatral e estado
como base, as concepções de figurinistas
eclesiástico14. Adicionalmente, em relação
que retratam alguns dos principais tópicos
ao figurino, Ramos (2013) indica que esse
relacionados à construção de um figurino
consiste em uma informação preexistente,
em espetáculo teatral – Muniz (2004), Viana
enquanto o design de aparência de atores
e Bassi (2014), Ingham e Covey (1992) e
resulta de um projeto que “(...) exige do
Motley (1992). Alguns princípios do figurino
designer outras competências além da
teatral expostos neste capítulo podem ser
transportados para outros meios do âmbito 14 “Costume (s.m.). ensemble des pièces de vêtements
particulier à une époque, un pays, une région, une
físico, como a televisão e o cinema, e, nesse profession, un type théâtral,ou un état ecclésiastique, etc.’’
(tradução nossa)
74

técnica do desenho, do manejo de tecidos e bolso para demonstrar o nervosismo. Essas


de conhecimento de história da indumentária. pequenas insinuações darão o impulso inicial
Isso porque o que se cria não é apenas uma ao figurinista para o desenvolvimento dos
roupa, mas uma nova informação figurada primeiros esboços.
sobre o corpo, o intuito de gerar aparências
Ingham e Covey (1992), por sua
inusitadas.” (ibid, 2013, p.32). Abordaremos,
vez, recomendam que haja pelo menos
portanto, para os fins desta pesquisa, apenas
de duas a três leituras do roteiro para a
os aspectos referentes à concepção do
elaboração do figurino. A primeira leitura
figurino de personagens.
serve para compreender aspectos gerais da
Os autores tratados nesta pesquisa peça: o tempo ou época em que se passa;
concordam ao indicar que todo o processo ou ainda, se há influências da realidade
de criação de um figurino de palco começa imediata ou se transcorre, por exemplo, em
na leitura do roteiro, assim como ocorre um universo fantástico. Na segunda leitura
na animação, seguido da compreensão convém identificar e discriminar traços
da narrativa com a finalidade de obter as da individualidade de cada personagem,
informações que serão fundamentais para fazendo anotações em uma tabela de
o trabalho do figurinista. Motley (1992) personagem, juntamente com o tempo de
sugere que, ao ler o roteiro diversas vezes, troca de figurino entre uma cena e outra a
cabe ao figurinista identificar gestos do fim de unir todas as informações possíveis
comportamento da personagem que terão para o desenvolvimento da indumentária15.
de alguma forma, o contato e interação Há a sugestão de uma terceira leitura, se
direta com suas vestimentas. Em uma peça necessário, para certificar-se daquilo que foi
de época, por exemplo, pode haver uma identificado e anotado anteriormente.
passagem em que a personagem tire o chapéu
15 Indumentária: traje; vestimenta; Arte do vestuário.
ao entrar em cena ou, olhe em seu relógio de
75

Em seguida, ainda nessa fase de cena; o tipo de governo estabelecido na


pesquisa inicial e esboço de criação, da mesma peça (por indicações do contexto histórico)
forma que ocorre na concepção do character e se há menção de religiosidade por
design em animação, Ingham e Covey (1992) alguma personagem. Por fim, identificar a
indicam que o figurinista deve ser guiado pelas conduta ética, a sexualidade, como ocorre o
seguintes questões adicionalmente: relacionamento com as demais personagens
e se há indicação de casamentos ou grupos
1) Onde elas estão? Além de identificar
familiares dos quais fazem parte.
o posicionamento da peça em relação à
geografia (planeta, país, cidade, cômodo...), é 4) O que aconteceu antes da peça começar?
importante considerar também as marcações Às vezes, é necessário criar um background
espaciais de trânsito das personagens em para justificar alguns comportamentos
cena. Para isso, é sugerido observar se são apresentados pela personagem em cena –
mencionadas explicitamente, ao longo do também conhecido como história pregressa.
roteiro, indicações da ambientação da cena. Se for este o caso, o figurinista pode trabalhar
para criar os traços desses eventos prévios no
2) Quando elas estão? É importante
figurino da personagem.
determinar em que época se passa a história.
Cabe ao figurinista avaliar não somente o 5) O que as personagens pensam sobre o
momento histórico, mas se é citado o horário, mundo delas? Definir a maneira que as
dia, mês, ano e a estação do ano em que as personagens se encontram diante do mundo
personagens estão localizadas. em que elas vivem. Se faz parte daquele
mundo ou sentem-se deslocadas de alguma
3) Quem elas são? Nesta etapa, o figurinista
forma; se são otimistas ou pessimistas diante
deve identificar no roteiro indicações que
dos acontecimentos que as permeiam. Esses
irão definir as relações entre personagens;
dados são de grande importância para a
a posição socioeconômica de cada uma em
76

escolha da cartela de cores e da modelagem final - se é necessário adicionar amarras


das peças que irão compor suas vestimentas. mais fáceis de serem desfeitas no lugar de
botões, por exemplo. A autora sugere que
6) Qual a função de cada personagem? Cabe
o figurinista faça uma tabela de aparições
ao figurinista compreender a função de cada
para cada personagem e identifique quando
personagem em relação à narrativa e qual é
houver trocas.
o papel determinante de cada uma em cena:
quem é o protagonista e o antagonista? Qual 9) Qual é a temática da peça? A temática
deles conduz a narrativa e qual age como influenciará em todos os aspectos da
suporte para o desenvolvimento da trama? construção do figurino. Tanto em sua paleta
Há personagens estereotipados? Quem são de cores, como na escolha dos materiais
os figurantes? utilizados e, ainda, se haverá a necessidade
de atribuir efeitos de envelhecimento às
7) Qual o estilo de diálogo? A estrutura
roupas. Quando é identificado que a peça se
textual do roteiro pode trazer indicações
trata de uma história de romance dramático,
para a ambientação e para o figurino. Se o
evidentemente terá o figurino desenvolvido
diálogo é feito em versos ou em prosa, com
diferentemente de uma peça que tem como
linguagem coloquial ou formal, todos esses
temática a comédia. Desta forma, também
detalhes apontam informações que devem ser
é possível criar uma unidade ou identidade
consideradas pelo figurinista para a definição
entre os diferentes figurinos que serão
da linguagem da composição do figurino.
desenvolvidos, respeitando as especificidades
8) Como se dão os atos da peça? A importância e demandas de cada personagem ou
de identificar cada ato é, sobretudo, avaliar momento dramático.
se há troca de roupa das personagens e
Após a identificação destas questões
identificar o tempo de troca para que isso seja
norteadoras, tanto Ingham e Covey
adequado na hora de estruturar o figurino
77

(1992) quanto Motley (1992) enfatizam Com base nisto, é necessário uma abordagem
a importância e necessidade da pesquisa mais próxima ao elenco da peça. Os autores
referencial em relação à época, local e cultura pesquisados concordam que a conversa
pertinentes à peça a qual serão desenvolvidos com o diretor e com os atores é essencial no
os figurinos. Os autores recomendam o uso processo de desenvolvimento do figurino
de fontes primárias como livros, bibliotecas e e na composição da personagem. Algumas
museus para a busca de repertório. Também vezes, o diretor pode apresentar ideias para
indicam utilizar referências concretas para a individualidade da peça, como a paleta de
compor o conjunto de figurinos que será cores, materiais, atmosfera e o tipo de humor
desenvolvido, e para concretizar os primeiros que ele pretende transmitir em cada cena,
esboços. Fontes secundárias, como criações apontando, ainda, o estilo de figurino que
ou releituras feitas para outras peças, filmes irá reger esse humor. Uma peça dramática
e quadros, por exemplo, não devem ser que ocorre durante a Era Vitoriana será
consideradas nesta etapa. dissonante de uma peça da mesma época
que tenha tom de comédia e traços caricatos.

A conversa com os atores, por sua vez,


2.1 Diferentes projetos para tem por objetivo captar as peculiaridades dos
diferentes corpos próprios intérpretes em relação à sua atuação
e suas preferências, para que os tecidos ou
Em oposição à animação, em que
modelagem não tornem o figurino incômodo,
não há corpos reais com massa física
por exemplo. Muniz (2004) comenta que um
para serem cobertos, no âmbito das artes
dos atores entrevistados por ela não tolerava
cênicas é comum observar que atores que
o uso de golas apertadas em suas roupas,
interpretarão as personagens, possuem
outro, ainda, confessa não gostar de roupas
corpos de proporções e massas diferentes.
que o prendam ou incomodem. O figurinista
78

precisa considerar, portanto, esses diferentes das discussões do texto e dos ensaios, pode
indivíduos que irá vestir, e as peculiaridades e construir a indumentária que irá compor sua
preferências de cada ator, para que o figurino personagem. Quando há um profissional
não interfira no desempenho destes durante com a atribuição da função de figurinista –
a atuação. Muniz (2004) cita, de outra parte, profissão que não era oficializada no Brasil
uma das atrizes entrevistadas comenta que “o até a publicação do livro de Muniz (2004)
bom figurinista sabe conduzir e ouvir bastante – ele deve acompanhar todo o processo de
o ator. Ele é precioso para o intérprete, pois desenvolvimento da peça teatral juntamente
dá toques do conteúdo da personagem” ao diretor e os atores. Isso ressalta que o
(ibid., p.51). Adicionalmente, em outra figurinista está a serviço de algo e deve ter
entrevista apresentada pela autora, é citado sempre consciência disso. Haverá momentos,
que o figurinista ao mostrar seu desenho, ou por exemplo, em que o ator poderá interferir
mesmo durante a execução da vestimenta nas propostas do figurinista, talvez por sentir-
teatral, colabora com a descoberta de se mais próximo da personagem. Alguns
outras facetas que as personagens irão viver. atores afirmam já terem visto trabalhos
Entendendo que os atores possuem corpos incoerentes de figurinistas que apresentaram
diferentes, a indumentária produzida pelo cores sérias e neutras em um contexto
figurinista serve desta forma, para cobrir, ou que, por se tratar de uma peça de humor,
não, estes corpos. O “não” em questão, como esperavam-se vestimentas mais alegres.
citado pela própria autora, é a opção pelo
A próxima etapa para o desenvolvimento
nu, que também pode ser considerado uma
do figurino é o estudo da concept art e dos
possibilidade de figurino, ou da ausência dele.
materiais que irão compor esta vestimenta.
Mas, dependendo da estrutura da Com o uso das informações coletadas até
equipe teatral, a função do figurinista pode então, o processo de criação é facilitado na
ser atribuída ao próprio ator, que ao longo hora de conceber as amarras para o tempo
79

de troca (quando houver) de cada ator. Um (1992) indica que os materiais selecionados
exemplo comentado por Muniz (2004) foi para compor uma vestimenta ou o cenário
o da peça O mistério de Irma Vap, na qual as têm influência direta com a iluminação
muitas trocas de roupas deveriam ser feitas das cenas, vez que, dependendo do tipo de
rapidamente, de forma que as vestimentas tecido e o brilho da superfície, podem ocorrer
eram praticamente arrancadas e jogadas comportamentos diferentes do material ao
ao chão. Logo, foi função do figurinista, refletir a iluminação de palco, sendo este
juntamente com o diretor e os atores, tópico abordado nos capítulos posteriores.
projetar amarras que facilitassem a troca e
Nota-se, com base nestas questões
que, principalmente, não fossem perceptíveis
apontadas, que o envolvimento do figurinista
aos olhos dos observadores. Esta etapa, por
com todo o elenco e produtores de uma peça
exemplo, não ocorre na animação ou no
teatral é de extrema importância. O figurino
cinema, já que as cenas podem ser concebidas
se torna relevante na composição em relação
em momentos distintos, enquanto no teatro
às artes cênicas uma vez que a construção
não há pausas para os tempos das cenas.
da indumentária pode influenciar na leitura
Em relação aos materiais, também cabe da peça pelo espectador. Pode também
apontar que a conversa entre o figurinista e o interferir na atuação e movimentação
cenógrafo devem estar sempre em harmonia, dos atores, assim como pode reger a
principalmente em questão de paleta de linguagem e ambientação desejadas pelo
cores. Assim, além de não destoarem um do diretor – devendo estar em harmonia com
outro, o que pode causar a perda de empatia os demais elementos cênicos. O figurino
do espectador com a peça, é importante que constitui, assim, outra faceta das muitas que
um determinado material não chame mais compõem a construção de uma personagem
atenção que o outro – a não ser que essa de uma peça teatral e é elemento para o
seja a intenção do diretor de cena. Motley entendimento e ambientação de uma peça.
80

2.2 Elementos identificadores podem indicar baixa motivação, enquanto


cores vivas e intensas podem abordar
do figurino
ocorrências otimistas. Viana e Bassi (2014)
Como componente de identificação comparam também a construção destes
das personagens em palco, a composição elementos de composição do figurino a um
do figurino, em sua concepção, é regida por projeto de arquitetura, indicando que seus
alguns elementos projetuais referentes ao atributos de corte, modelagem, formas
design e a comunicação visual. Assim sendo, arredondadas ou esvoaçantes são predicados
ao longo deste capítulo serão abordados os que podem acrescentar informações visuais
principais conceitos da criação do figurino. ao seu espectador em relação às diversas
facetas da personagem.
É indicado por Viana e Bassi (2014)
que os elementos de composição do Ao elaborar os primeiros esboços de
figurino como modelagem, cor, materiais cada personagem, há algumas informações
e acessórios podem sugerir características que acompanham e facilitam a sua
psicológicas e emocionais das personagens, identificação para o espectador. Assim como
além de sua função narrativa, posicionando, na animação, o roteirista, por exemplo,
adicionalmente, tanto sua situação social, tem como responsabilidade transmitir
econômica e política, como também seu primeiramente o que se espera do enredo
humor e vivência. Estas informações contidas como um todo, apontando a ligação entre
no figurino podem transmitir inclusive reflexos as personagens diante daquele universo
das transformações da personagem ao longo fictício e seu papel na narrativa. Porém, ao
da narrativa. Um exemplo apresentado pelos analisarmos duas ou mais versões de uma
autores é o uso das cores como representação peça desenvolvidas a partir de um mesmo
de humor da personagem em cena: quando roteiro, é possível que certas variações sejam
utilizados tons escuros ou menos saturados levadas ao palco. Para exemplificar este fato,
81

A B C
Figura 25 – Diferentes concepções para personagem Julieta
Fonte: A: hrc.utexas.edu; B: davidmurindesign.com; C: shanatargosz.com

pode ser observar, as três versões da peça Percy Macquoid16, em que é possível notar
(Figura23) Romeu e Julieta – roteiro original a intenção de retratar nas vestimentas da
de William Shakespeare, 1597 – porém, com personagem Julieta a época na qual ocorre
leituras de diferentes diretores e figurinistas. 16 Designer de produção teatral, figurinista, e pintor. Nascido
A primeira (Figura 25A) é datada de 1911 por no Reino Unido em 1852. Adicionalmente às artes cênicas
também estudava design de móveis Ingleses, sendo uma de
suas publicações A History of English Furniture (1919).
82

a peça, assim como os tecidos utilizados como na sobreposição das peças e acessórios)
sendo leves e com cores menos saturadas. aplicadas às silhuetas do estilo renascentista
A segunda versão (Figura 25B), realizada inglês (TARGOSZ, 2014).
pelo figurinista David Murin17, em cartaz Além da visão do diretor, há também a
em 2003, seguiu a mesma intenção de peculiaridade de representação vinda de cada
retratar a época, mas com algumas adições ator. Seguindo esta ordem, o figurinista auxilia
de uma leitura contemporânea em relação no processo de transmissão das intenções e
à tonalidade dos materiais e os contrastes relevância das personagens em cena. O seu
estabelecidos na aplicação de detalhes em papel não é somente vestir a personagem,
dourado sobre os tecidos. Em seguida, a mas torná-la de fácil reconhecimento pelo
terceira (Figura 25C), apresenta uma leitura público espectador, optando por diversos
diferenciada pela figurinista Shana Targosz18, fatores que compõem a concepção de uma
que afirma que foi intenção da diretora personagem teatral.
Jessica Murray estabelecer o conflito entre
gerações utilizando os figurinos. Assim, Outro indício que o figurino pode
os dos personagens adultos possuíam transmitir ao espectador é o de passagem
uma característica tradicional elisabetana, de tempo. Segundo Viana e Bassi (2014)
enquanto as personagens adolescentes esta passagem pode estar contida na troca
apresentavam em seus figurinos traços de de roupa da personagem, sendo indicado
roupas contemporâneas (tanto nos tecidos em horas, dias ou até em estações ou anos.
Outro fator que pode ser determinado pelo
17 Designer e figurinista, Murin atua tanto em teatro como figurino é indicação de passagem de tempo,
cinema e televisão, efetuando trabalhos para a Broadway e
HBO, adicionalmente como professor de design na Mason com a adição de sujeira e rasgos após a
Gross School of the Art, em Nova Jersey.
18 Figurinista americana, com trabalhos efetuados tanto em personagem passar por conflitos físicos. Ou
teatro como cinema e séries de televisão para Disney.
trocas sucessivas de vestimentas.
83

A partir das obras de Lupton (2008), da indumentária devem ser pensados não
Farina (1986) e Guimarães (2002), notou-se somente para vestir o ator e situar sua
que alguns dos principais fundamentos do posição na peça, mas também para ressaltar
design e da comunicação visual podem ser a sua função em relação à narrativa.
usados como elementos identificadores na Mesmo se o figurino for uma toalha e mais
representação de uma personagem. A seguir nada, é fundamental que uma pessoa pensa
nas possibilidades que isso pode trazer
serão mencionados como estes elementos para o trabalho não somente do ator, como
são aplicados na concepção de um figurino, também do diretor. Mesmo que o figurino
seja extremamente simples, deve existir na
bem como podem enfatizar e sugerir fonte da imaginação do espetáculo. (MUNIZ,
linguagens e leituras presentes em cena. 2004, p.54)

Os primeiros esboços que o figurinista


elabora ao início de concepção de uma
2.2.1 Forma e Silhueta indumentária já definem sugestões da
silhueta da personagem. Por esses traços
“O esboço não é uma ilustração de design, ele é um
design”. (INGHAM e COVEY, 1992, p.69) iniciais serão apontadas informações
presentes no character design como a
Assim como abordado no character cor e a forma. A forma não será somente
design em animação, o estudo da forma que definida pela vestimenta que cobre o corpo
a personagem apresenta é um dos primeiros do ator, mas também podem ser aplicadas
meios de melhor reconhecê-la e identificar o modificações feitas por enchimento e
contexto a qual ela pertence. Uma vestimenta maquiagem capazes de transformar estes
do século XV é diferente de uma do século XX, corpos (Figura 26). Motley (1992) sinaliza que
tomando por base a modificação na silhueta estas modificações sobre os corpos também
como indicativo de sua linha temporal (Figura podem ser identificadores de padrões
24). Logo, o figurino teatral e a construção de beleza referentes a uma determinada
84

Figura 26 - Silhuetas do Figurino


do século VII ao século IX.
Fonte: MOTLEY, 1992, p.1.

época. Algumas destas alterações podem, o uso da maquiagem, incluindo, além das
muitas vezes, enfatizar características próteses que modificam a sua silhueta citadas
físicas da personagem presentes no roteiro, anteriormente, aquelas que acrescentam
ou sugeridas pelo diretor de cena, como o informações visuais da realidade vivida por
aumento dos quadris ou do acréscimo de uma cada personagem (VIANA e BASSI, 2014). Esta
barriga para simular uma camada de gordura. transforma o ator com efeitos plásticos para
Outro fator de composição da dramaturgia trazer informações narrativas sobre o contexto
que auxilia na caracterização dos atores é daquela personagem, assim como serve para:
85

(...) acentuar o eliminar marcas de expressão;


falsear idades e proporcionar efeitos de
embelezamento; alterar formatos faciais
ou corporais; forjar marcas de cicatrizes ou
ferimentos; realizar implantes falsos; alongar,
pintar, e formar cabelos, barbas e bigodes, além
de encardir a pele, unhas e dentes de acordo
com a vida do personagem. (VIANA e BASSI,
2014, p.26)

A forma da personagem, juntamente


com sua silhueta, pode auxiliar o espectador
identificá-la em cena, assim como os seus
movimentos sobre o palco. O figurino deve
transmitir essa leitura da personagem e a
interpretação de cada ator. Para os primeiros
esboços com a finalidade de definir uma boa
forma, Ingham e Covey (1992) sugerem que
o designer que irá elaborar o figurino esteja
sempre em contato com a prática do desenho.
Estudos de corpo e de observação são
importantes para esboçar a concepção de uma
vestimenta (Figura 26). A autora indica três
pontos principais que devem ser observados Figura 27 – Uso de próteses e enchimentos para
enfatizar características peculiares das personagens.
em um esboço preliminar de um figurino: Fonte: MOTLEY, 1992, p.79

1) Linhas: Um bom esboço deve


expressar um contorno bem definido, ao
86

ponto em que pode ser identificado a forma


do corpo e as delimitações de cortes e tecidos
sobrepostos. Todas as informações devem
estar bem definidas ao diretor de cena; nada
pode ser subtendido. Estas informações
devem ser claras, diretas e objetivas.

2) Proporção: Este tópico não faz


referência apenas à proporção corporal, mas
também ao caimento de tecidos e peças que
farão parte da indumentária. Um exemplo
comentado pela autora é o comprimento de
saias referentes a uma época.

3) Detalhes: Nesta etapa a autora


sugere que não é o momento de fazer estudo
de texturas sobre tecidos, já que estes são
os esboços preliminares, mas é momento de
sugerir detalhes referentes a sobreposição
dos tecidos, tipos de cortes e sugestão de
aviamentos e acessórios, como a definição
do formato de um chapéu.

Estes elementos que compõem a


ilustração do character design indicam uma
Figura 28 – Uso dos elementos linhas, proporção e detalhes em Julieta
leitura da personagem ao espectador. Como (Claire Bloom) de Romeu e Juliete, dirigido por Hugh Hunt em 1952.
Fonte: MOTLEY, 1992, p.22.
abordado no primeiro capítulo, Stanchfield
87

(2009) elabora que conceber uma perso- atraentes (por uma questão de preferência
nagem por meio do desenho, pode ser de conforto ou aparência) ao seu consumidor
equiparado ao redigir de uma carta, visto final. E por meio destes significados é atribuído
que são selecionados elementos de uma o valor final projeto. Ao construir o figurino
linguagem para “escrever” as informações deve-se, portanto, levar em consideração um
desejadas a outro indivíduo. Enquanto na composto de códigos, como o universo onde
linguagem escrita se escolhem substantivos, a personagem vive – localização e época, o
adjetivos ou pronomes, na linguagem material que é utilizado para a vestimenta,
imagética há elementos de composição as cores que compõe sua indumentária, o
as linhas, cores, formas geométricas, papel da personagem dentro da sociedade
ângulos, curvas, perspectiva, achatamento e e as influências internas e externas. Logo,
alongamentos que transmitem a informação estes códigos irão compor a sintaxe visual
que se deseja por meio do desenho. da personagem de palco, assim como a de
animação.
Dondis (2003) aponta a linguagem
visual como sendo um sistema para codificar
e armazenar informações. Neste sentido,
Flusser (2007), ao elaborar uma análise da 2.2.2 Cores
palavra “design” indica que há o significado A cor é uma informação visual, causada por um estímulo
de “propósito”, “plano”, “intenção”, “meta”, físico, percebida pelos olhos e decodificada pelo cérebro.
“esquema maligno”, “conspiração”, “forma”, (GUIMARÃES, 2002, p.12)
“estrutura básica”, e aponta que todos esses
outros significados estão relacionados à Um dos artifícios utilizado na construção
“astúcia” e “fraude”. Entende-se então que dos figurinos é a aplicação da teoria das cores
o designer se utiliza de alguns artifícios ao selecionar a paleta individualmente para
intencionalmente a fim de atribuir significados cada personagem. Esta paleta deve reter
88

aspectos da cultura em que a personagem tríplice: a de impressionar, a de expressar e a


está inserida, suas intenções e personalidade. de construir. A cor é construtiva, pois tendo
“Somos envolvidos por cores dotadas de um significado próprio, tem valor de símbolo e
significados; somos programados por cores, capacidade (...)” (Farina, 1986, p. 27), portanto,
que são um aspecto do mundo codificado em pode-se assumir a cor como elemento de
que vivemos.” (FLUSSER, 2007, p. 128), ou seja, comunicação na linguagem visual.
somos diariamente comandados por cores,
Nas artes cênicas, a seleção das
como no caso do farol de trânsito que possui
cores deve ser coerente não somente com
apenas três cores para direcionar os veículos
a harmonização do palco como um todo,
de uma via, sendo a cor um componente que
mas também para trazer informações
transmite informação. Para exemplificar o uso
relevantes ao espectador. Ingham e Covey
das cores como elemento de comunicação no
(1992) afirmam que a seleção de cores para
figurino, pode-se fazer uma leitura do homem
uma peça pode depender de muitos fatores
de terno. Quando vemos um homem vestindo
indicados pelo roteiro, pelo diretor ou pelo
um terno preto, por exemplo, com base em
produtor. Muitas vezes é escolhida uma
um repertório social, imagina-se que aquele
paleta de cores que servirá como parâmetro
homem trata de negócios, pois esta vestimenta
ao longo de toda a peça e os figurinos,
(o terno) está diretamente relacionada ao
consequentemente, seguirão o mesmo
conceito de trabalho, segundo certos padrões
padrão. Em outros casos, as personagens
sociais. Se este estivesse vestindo um terno
principais recebem uma paleta primordial,
vermelho, por exemplo, a percepção desse
enquanto as demais personagens recebem
mesmo indivíduo seria alterada, apenas com
uma paleta secundária ou complementar.
base em uma leitura feita por meio da cor de
Os autores deixam claro que, apesar das
sua vestimenta. “Sobre o indivíduo que recebe
diversas técnicas apresentadas em seu livro,
a comunicação visual, a cor exerce uma ação
o figurinista não deve ficar preso às regras e
89

sim dar seu toque pessoal à peça. Ingham e O estudo da percepção das cores pela
Covey (1992) discorrem ainda sobre algumas comunicação visual é um elemento relevante
teorias da percepção apontadas na psicologia no character design e seu figurino. Farina
e na física como base da sua escolha na paleta (1986) indica que, em relação à composição
de cores. Adicionalmente, apontam que há visual, pode-se obter uma sensação de
indícios de alterações fisiológicas ao estímulo expansão ou retração apenas com o uso das
visual de determinadas cores. cores aplicadas, visto que “Uma superfície
branca parece sempre maior, pois a luz
(...) Muitas partes do corpo são afetadas.
Mudanças ocorrem momentaneamente, porém que reflete lhe confere amplidão. As cores
mensuráveis, na frequência cardíaca, respiração escuras, ao contrário, diminuem o espaço.”
e na temperatura epitelial (...) contribuindo (ibid., p.29). Adicionalmente, deve-se levar
significativamente ao simples prazer da em consideração o material utilizado no
experimentação pela mente consciente ao ver
figurino. Ogawa (1990) discorre sobre o uso
uma bela flor amarela. (ibid., p.77, tradução
nossa19) de materiais de mesma tonalidade ou ton sur
ton, mas com variações de trama ou textura
Nota-se que há um paralelo entre de superfície, indicando que uma composição
as personagens e a percepção de suas com diferentes tipos de tecido pode causar
características visuais que, por meio de uma diferentes sensações. A abordagem relativa
análise do estímulo que determinadas cores às texturas e materiais será discorrida na
podem exercer no espectador, favorecem seção ‘2.2.3 Texturas e Materiais’.
uma melhor compreensão de seu papel e de
seu lugar no contexto em que está inserido. Há fatores culturais que também
podem influenciar a compreensão do
19 “(…) Many parts of the body are affected. Minute but espectador sobre determinada cor. Ingham
measurable changes occur in heart rate, respiration, and
skin temperature (…) contribute significantly to the simple e Covey (1992) mencionam que o estímulo
pleasure experienced by the conscious mind when it sees a
pretty yellow flower.” (tradução nossa) visual por determinadas cores pode vir por
90

meio de regras e costumes de uma sociedade. Esta abordagem da divergência do


Aprende-se que o semáforo vermelho entendimento da leitura de determinada
significa “pare” enquanto o semáforo cor também é apontada por Guimarães
verde tem o significado de “prosseguir”. A (2002) ao complementar que “(...) a ideia
vestimenta que simboliza o luto, por exemplo, da cor depende da definição dada pela área
na cultura ocidental é representada pela cor de sua aplicação (...)” (ibid., p.8). Ou seja,
preta, enquanto na cultura oriental utiliza-se cores podem ser utilizadas de maneiras
de roupas brancas. Deve-se, portanto, levar diferentes se aplicadas na publicidade
em consideração os fatores socioculturais ou para cromoterapia, por exemplo. É
envolvidos na narrativa ao adotar uma indicada, adicionalmente por Guimarães
cor representativa da personagem. (2002), a existência de diversos vieses
Ocasionalmente, pode ocorrer divergência a partir dos quais pode ser estudada a
no uso das cores pela localização geográfica aplicação das cores, como, por exemplo, o
dentro de um mesmo país, assim como ocorre “(...) da filosofia à psicologia da percepção,
no Brasil, que por ter uma geografia extensa, passando pela fisiologia, física, estética”
a exposição aos raios solares tem variações (ibid., p.3). Entretanto, dentro do escopo
para cada região, influenciando na referência desta dissertação, serão apontados aqueles
visual de seus artistas. referentes à comunicação visual e à
percepção, focando no estudo do estímulo
O artista do norte, vivendo dentro de um
cromatismo intenso causado pelo causticante de sensações que podem ser atribuídas à
Sol da zona equatorial, reflete na sua arte os exposição de cores em diferentes contextos
tons luminosos e vibrantes de sua paisagem.
dramatúrgicos.
Ao inclinar-se para o uso exagerado da cor
nos seus tons, contrasta frontalmente com o
Será abordado posteriormente como
sulista, voltando às cores frias, que exprimem
muito mais suas reações através da captação ocorrem mudanças na aplicação referente à
da forma. (Farina, 1986, p.33) cor-pigmento e a cor-luz, visto que a variação
91

tonal está sujeita a alterações quando vistas 4) as cores complementares, que são aquelas
a olho nu, captadas por câmeras ou criadas que se encontram em lados opostos do disco
diretamente no computador (como é o cromático;
caso da animação digital). Para a finalidade
5) as cores análogas, ou seja, aquelas que se
desta pesquisa serão abordadas as leituras
encontram próximas no círculo cromático
referentes às interpretações ocidentais no
com mudanças mínimas de matiz.
meio da comunicação visual e suas aplicações
nas mídias audiovisuais, visando o objeto de Outras variações possíveis de se
estudo. obter de um mesmo matiz são alterações
em sua intensidade (enfraquecida ou
Lupton (2008) aponta o uso do círculo
esmaecida), valor (variação em claro e
cromático (Figura 29) como uma ferramenta
escuro), escurecimento (adição do preto),
muito utilizada no campo das artes e do
clareamento (adição do branco) e saturação
design. Este consiste em um mapa guia para
(variação conforme a adição do tom cinza)
uma seleção de cores; normalmente em uma
(LUPTON, 2000).
extremidade apresenta cores quentes e na
parte contrária as cores frias. Neste mapa Ainda, Guimarães (2002), ao fazer um
podem ser identificadas: estudo sobre a aplicação das cores no campo
da comunicação visual, aponta que podem
1) as cores primárias, que são, vermelho, azul
ser encontradas divergências nos nomes
e amarelo;
destas variações dependendo da linha teórica
2) as secundárias, ou seja, aquelas que podem estudada.
ser obtidas com a mistura das cores primárias;
A seleção dessas variações tonais pode
3) as terciárias, união de cores primárias trazer sensações diversas com harmonias e
juntamente à uma secundária; contrastes dependendo da intenção criativa
92

Figura 29 – Ilustrações sobre teoria das cores.


Fonte: acervo próprio.
93

do figurinista. Farina (1986) indica “(...) que a


força expressiva da cor, quando usada numa
composição, está subordinada a uma série
de regras, que podem alterar, aumentar ou
moderar o seu poder” (ibid., p.89). Motley
(1992) exemplifica que cores aparentemente
sem harmonia, se utilizadas em sua total
intensidade, podem se tornar harmoniosas
conforme sua variação de saturação e valor
(Figura 29). É mencionado, por exemplo, que
“(...) certos tons de verde e roxo ou marrom
e azul podem estar muito próximos em valor,
mas ao usar verde escuro com lilás claro, roxo
intenso com verde claro, ou marrom escuro
com azul claro, pode-se alcançar belos
resultados.” (ibid., p.39, tradução nossa).

Entretanto, Albers (2009) aponta as


diferentes interpretações que se pode obter
em relação a uma cor, pois está sujeita a
interferências de diferentes superfícies e
diferentes tipos de iluminação, que podem
Figura 30 – Cores pertencentes ao mesmo
matiz, com algumas variações de saturação ou
alterar sua percepção por parte do espectador
valor resultando em variadas combinações.
Fonte: acervo próprio
ou de mesmo de uma câmera. O autor elucida
esta questão ao afirmar que “Na percepção
visual, quase nunca se vê uma cor como ela
94

realmente é (...)” (ibid, p.3), indicando que para


efetuar um estudo apropriado sobre as cores
em si se deve buscar um ambiente neutro,
com iluminação “luz do dia”, para que haja o
mínimo de interferência possível.

Tecnicamente falando, este tipo de luz


é obtida a uma temperatura de cor de 3200 K,
padronização internacional a partir do qual se
definiu que a exposição da cor branca, a soma
de todas as cores básicas da luz, é considerada
“absoluta”. Este procedimento é utilizado
antes da gravação, pois ao “informar” para
a câmera o que é o branco “absoluto”, este
dispositivo consegue, por associação, calcular
o vermelho, verde e azul (RGB; branco = 100%
de vermelho + 100% de verde + 100% de azul)
e, consequentemente, as demais cores do
espectro visível da luz. Desta forma, todas as
demais cores quando expostas a 3200 K serão,
por consequência, consideradas como suas
representações cromáticas absolutas. Além do
audiovisual, esta questão pode ser relevante
em outras áreas, como a ortodontia estética, Figura 31 – Percepção relativa de uma mesma cor
aplicada a fundos diferentes.
na qual o dentista deve ser capaz de identificar Fonte: acervo próprio

quando o dente do paciente é, de fato, branco


e não ligeiramente amarelado, por exemplo.
95

Adicionalmente, sobre a interpretação


das cores, Guimarães (2002) afirma que o
mesmo tom de uma cor aplicada em fundos
diferentes, pode fazer com que aparente
ser mais clara ou escura. Isso ocorre porque
a percepção humana faz uma comparação
relativa das cores que estão em seu envolto.
É apresentado que um fundo de cor clara faz
com que a cor aplicada sobre ele pareça mais
escura, enquanto um fundo escuro faz com
que a cor aplicada aparente ser mais clara
(Figura 30).

Barros (2006) indica que esta


interpretação relativa da percepção humana
também pode ocorrer por um fenômeno ótico
dado por uma adaptação das informações
que são recebidas pelo olho ao se expor a
determinadas frequências de luz por um
período de tempo. Por exemplo, ao olhar por
um tempo uma superfície de cor vermelha,
o cérebro faz uma interpretação e adapta a
visão para neutralizar aquele tom com sua
Figura 32 – Ilusão ótica das cores.
cor complementar. A autora denomina esse Fonte: acervo próprio
efeito como “pós imagem” ou “contraste
sucessivo”. Se observada a Figura 30 por mais
96

de 20 segundo e olhar sobre uma superfície de acordo com o contexto ou à cultura a qual
branca, será possível notar essa mudança. se refere o espectador. Guimarães (2002)
complementa esta reflexão abordando sobre
Para melhor compreender a aplicação
a dualidade das cores.
das cores na animação, cabe entender
primeiramente a utilização das cores Podemos dizer que, na simbologia das cores,
é possível encontrar uma codificação binária
também no âmbito audiovisual. Hamburger
que já incorpora as duas possibilidades de
(2014) indica que a cor é um importante
polaridade, dois sentidos opostos para a mesma
elemento narrativo, que além de indicar cor: um sentido positivo e outro negativo. É
gêneros e épocas retratadas, pode estimular dessa forma que encontramos significados
determinadas sensações no espectador. A como violência e paixão, ou guerra e amor,
convivendo na mesma cor. (ibid., p. 97)
autora aponta que os significados simbólicos
das cores podem variar tanto de uma A partir do que foi abordado, pode-
interpretação cultural como de contexto, se entender que a cor tem um papel
e, para exemplificar este fato, cita o uso de comunicativo, e logo, a capacidade de
algumas cores e como estas podem sugerir construir uma linguagem ao transmitir uma
diferentes interpretações. O vermelho pode ideia (FARINA, 1986). O estímulo causado
ser relacionado ao fogo e paixão; o amarelo pelas cores também pode ser relacionado à
tanto pode remeter a riqueza quanto, ao nomenclatura que é optada para descrever
contrário, à doença e insalubridade; o preto sobre determinada cor. Quando é dito que
pode estar relacionado às sombras e à morte, uma cor é quente, ou fria, essa conotação não
por outro lado, ao compor com o dourado é referente à sua temperatura física, medida
pode ser interpretado como riqueza e luxúria. em Kelvin, mas sim na sensação que ela pode
Com isso pode-se perceber como a leitura causar quando exposta ao indivíduo, como é
deste elemento narrativo pode ser subjetivo e explicado por Guimarães (2002):
sugerir diferentes interpretações que variam
97

Já que a temperatura da cor não se refere


a temperatura física, temos que ela é uma
sensação associativa e intermediada pelos
códigos de linguagem. A cor por si só não tem
a força para produzir diretamente a sensação
de temperatura, embora um ambiente verde
azulado possa tornar uma sala quente mais
suportável ou uma sala laranja aquecer nosso
ânimo num dia muito frio. (ibid., p.81)

Para analisar a aplicação das cores


no figurino em animação, também é
necessário compreender que há diferentes
modelos cromáticos que podem interferir na
percepção e composição das cores (Figura
32). Dentre as cores de pigmento há o modelo
CMYK (composta pelos pigmentos de ciano,
magenta, amarelo e preto) que é utilizado
no processo de impressão chamado de
“quadricromia”, recorrente nas impressões
a laser, a jato de tinta e offset (LUPTON,
2000). A tinta deste modelo é transparente,
e quando justaposta cria as variadas cores
de impressão, e se observadas em uma
lupa, podem ser vistos pequenos pontinhos
Figura 33 – Modelos cromáticos CMYK e RGB. de tinta que compõem a imagem final.
Fonte: acervo próprio.
Adicionalmente, há as cores pigmentadas
98

opacas, que são aquelas encontradas nas Outro fator que pode influenciar na
tintas óleo e acrílica, utilizadas em quadros; leitura que se obtém de um pigmento é
nestas, por sua vez, é a mistura do pigmento que este pode aparentar ter tons diferentes
que cria as variações de tonais (ibid.). quando exposto à luz solar, ou quando
exposto a luz elétrica (FARINA, 1986). Este
Em relação ao pigmento, a percepção
fator influencia diretamente na escolha da
das cores referentes a diferentes fontes de
cor de um figurino para o audiovisual, por
luz tendem a variar, pois as cores percebidas
exemplo, já que dependendo da exposição
nos objetos é resultado da refração da luz
do tecido em determinada fonte de luz, a
sobre eles. Ou seja, quando é observada
câmera, assim como os olhos, pode captá-lo
uma superfície laranja sobre uma luz branca,
de tonalidades diferentes.
por exemplo, a cor não é propriedade da
superfície, mas sim da absorção de certas Quando identificamos a sétima (ou primeira)
cor do arco-íris como vermelha, por exemplo,
frequências de luz e refração de outras: os
estamos nos referindo à manifestação
tons podem variar em relação à fonte de luz
visual de uma radiação eletromagnética de
o qual está submetido, se for uma lâmpada comprimento de onda definido pela faixa
de outra cor, como azul ou rosa, pode de 627 a 760 milimicróns. Ao nos referirmos
alterar a percepção sobre aquela superfície. à cor vermelha da pimenta, com certeza
estamos buscando definir uma qualidade de
Adicionalmente, pode haver interferências
discriminação do objeto, e quando falamos que
de fatores externos e fontes secundárias
a cor vermelha não é propriedade deste objeto,
de luz no ambiente, logo, a cor-pigmento isso significa que a mesma pimenta, “vermelha”
tende a tornar-se menos intensa que a cor-luz quando iluminada pela luz branca do sol,
(GUIMARÃES, 2002). Adicionalmente, a cor torna-se “marrom” quando iluminada por uma
lâmpada de vapor de sódio, já que esta lâmpada
pigmento vem da absorção da luminosidade
apresenta um espectro eletromagnético de
sobre a superfície, recebendo o nome de
configuração diferente, apesar de sua luz
“substrativa” (ibid.).
99

também branca. (GUIMARÃES, 2002, p.8) físicos, não é apenas contemplativa, pode
atuar como elemento narrativo, exercendo
Em relação à captação das cores
função comunicativa.
pelas câmeras, essa variação também pode
depender do tipo de filme ou película, ou (...) a cor no filme deverá cumprir uma função
ainda se a câmera possui um registro digital. essencialmente psicológica. Deverá ser, não
‘bela’, mas sim ‘significativa’. Somente deste
Hamburger (2014) indica que no audiovisual
modo terá a sua presença uma justificação
a cor-luz e cor-pigmento se complementam, expressiva e poderá servir para dizer coisas que
pois a influência de uma sobre a outra é que não poderiam ser ditas sem a sua intervenção.
define a qualidade final. Assim, é papel do (MOSCARIELLO, 1985, p.39)
diretor de fotografia definir as características
Moscariello (1985) aponta que, por
das luzes em cena, enquanto do diretor de
algum tempo no cinema, buscava-se retratar
arte o entendimento da cor-pigmento e o
a cor mais próxima da realidade imediata.
resultado final entre elas. A autora afirma
Entretanto, ressalta que o uso da cor como
ainda que pode haver, posteriormente, a
elemento narrativo transcende à reprodução
alteração da pós-produção sobre o tom
do que já é conhecido, logo, a repetição do
da cena, em processos conhecidos como
âmbito físico sem um propósito torna-se uma
correção de cor, tonalização e colorização,
cacofonia de informações redundantes. Ao
por exemplo. Este fato não sucede na
utilizar da cor na composição cinematográfica
iluminação nas artes cênicas, a qual depende
de maneira informativa o que se deseja
da iluminação direta, não podendo haver
transmitir não faria mais sentido sem ela.
correções, já que a peça ocorre instantânea
Em outras palavras: “(...) somente quando
e simultaneamente à recepção do público,
o código cor consegue ser irredutível a
em um tempo corrido e em um único plano,
qualquer outro código presente é que se
o palco. Adicionalmente, a cor dentro do
poderá falar de função ‘qualificante’ da cor
âmbito audiovisual, além de retratar aspectos
100

e de emprego antinaturalista, mas também da realidade. Neste caso, portanto, cabe


antiacadêmico, dos recursos cromáticos” à cor a tarefa de dar-nos a ideia de como a
protagonista vê as coisas, o que acontece sem
(ibid., p. 40). Uma destas funções apontadas
necessidade de recorrer com insistência a
pelo autor é referente ao sentido psicológico
indicações inerentes ao diálogo e à encenação
da cena, podendo esta ser uma visão da no seu conjunto. (ibid., 1985, p. 41)
personagem ou uma opção do diretor ao
representar uma ambientação. A cor pode ser Cabe ressaltar que a produção do
utilizada de forma mais evidente ou sutil, seja figurino no cinema diferencia-se das artes
para compor um ambiente ou realizar uma cênicas também em seu tempo de uso. Após
leitura mais simbólica da dramaturgia. as filmagens, o figurino cinematográfico
não é reutilizado, ao contrário do teatro, em
A cor também pode ser utilizada com que uma peça costuma ter várias sessões e
elemento de destaque como a utilização de reutilizar o mesmo figurino confeccionado.
uma cor predominante em uma cena, ou o Por outro lado, mesmo que também sejam
inverso, usando a tonalidade preta e branca considerados produtos audiovisuais, as séries
como predominantes e apenas um elemento de televisão e as telenovelas se assemelham,
colorido para destacar alguma informação neste sentido, muito mais ao teatro do que ao
relevante à narrativa. (MOSCARIELLO, 1985). cinema. Ainda que a questão da repetição do
De emprego da cor em sentido psicológico, figurino seja comum ao teatro, às minisséries
pode-se falar, por exemplo, a propósito de e telenovelas devem atentar à continuidade
Deserto rosso de Antonioni. Aqui as cores entre diferentes planos e cenas – que por
são apagadas, envoltas por uma dominante
motivos de facilidades de produção não são,
cinzenta que unifica as várias tonalidades
necessariamente, gravadas na mesma ordem
privando-as das gradações mais vivas. Isto se
justifica se pensarmos que, no filme, o mundo do roteiro ou da exibição final assistida pela
é visto pelos olhos de uma mulher que sofre audiência. Como o público de uma peça de
de nevrose [neurose] e se sente “separada” teatro costuma variar a cada sessão, eventuais
101

alterações no figurino podem não ser


percebidas, pois não há um referencial prévio.
Já na televisão, alterações no figurino podem
ser mais facilmente percebidas pelo público,
podendo ainda representar um erro de
continuidade. Além disso, o enquadramento
da televisão costuma trabalhar com planos
mais fechados do que os do cinema e do que
o ponto de vista do espectador na plateia do
teatro, tornando mais perceptíveis certos
detalhes do figurino.

Voltando para os modelos cromáticos,


há também a cor-luz, oriunda de uma
fonte direta, obtendo menos influências
de fontes secundárias, capaz, portanto, de
transmitir vibrações de tons mais intensas
(FARINA, 1986). Os monitores e televisores,
por exemplo, compõem as imagens com a
emissão de três cores básicas: vermelho,
verde e azul, dando origem sigla RGB da
tradução em inglês (Red, Green, Blue). Estas
são as fontes de luz que compõem a imagem
Figura 34 – Uso das cores na iluminação e digital, logo, a coloração da animação digital
composição de cena em Os Incríveis (2004)
Fonte: Os Incríveis (2004) está relacionada a este sistema de cores.
Entretanto, ao reproduzir a imagem em uma
102

tela de cinema, esta pode conter alterações É possível observar, desta maneira, como
referentes à filtros e partículas entre os usos das cores e da iluminação podem
trajetória da luz e, por fim, a projeção na tela ser aplicadas também como elemento
(GUIMARÃES, 2002), sendo, desta forma, narrativo. O estudo da utilização da paleta
uma imagem receptada da luz refletida em de cores sobre o figurino das personagens da
lona (tela). Lupton (2000) indica que este animação será mais aprofundado no capítulo
sistema luminoso de cores “(...) é chamado ‘3 – Os Incríveis’.
“aditivo” porque as três primárias juntas
formam todos os matizes do espectro.”
(ibid., p.76). Esta percepção das cores pela
2.2.3 Texturas e Materiais
combinação do RGB é dada na soma delas,
logo recebe também o nome de “aditiva”. Com a seleção do padrão de cores
estabelecida, a escolha dos materiais para
Em uma animação como Os Incríveis (2004),
traduzir os esboços feitos inicialmente
por exemplo, a paleta de cores tanto do
para o âmbito físico apresenta certas
figurino como das cenas está relacionada
particularidades. Ingham e Covey (1992)
ao humor das personagens. No início da
apontam que, muitas vezes, a paleta de cores
animação são utilizadas cores quentes,
disponível em certos materiais acessíveis
que sugerem momentos felizes vividos
ou disponíveis no mercado não condiz com
pelo Sr. Incrível (Robert Parr). Em seu
o que foi planejado inicialmente, cabe ao
trabalho, demostrado como frustrante, há
figurinista adaptar suas ideias iniciais com a
a predominância da cor cinza, refletindo
disponibilidade, ou fazer alterações sobre os
os sentimentos de monotonia de Robert.
materiais disponíveis. É necessário também
Quando preso no laboratório do vilão
analisar o tipo de tecido que será usado na
Syndrome, é utilizada iluminação em tons
confecção das peças para não haver conflito
de azul como referência tecnológica (Figura).
103

com a iluminação, já citado anteriormente.


Assim, muitas vezes o melhor é escolher um
tecido sem brilho que neutralize o reflexo da
iluminação de cena.

Depois de selecionados, há a confecção


destes materiais. Motley (1992) e Ingham e
Covey (1992) indicam que nesta etapa, por
vezes é necessário fazer o envelhecimento
ou desgaste do figurino logo após a sua
produção. Ambos os autores indicam o uso
de material e processos para efetuar essa
simulação de envelhecimento, desgaste
e sujeira que darão maior veracidade ao
figurino e à personagem. Lupton (2008)
indica que “A textura é o grão tátil das
superfícies e substâncias” (ibid., p.53). Assim
sendo, as texturas em um objeto podem ser
táteis ou apenas uma simulação visual.

Em um projeto de design, a textura


pode causar sensações e fazer analogias
de linguagem para indicar uma informação
desejada; dessa forma, a textura pode
influenciar na leitura que terá o espectador.
Figura 35 – Ilustração de figurino com amostras de tecido.
Fonte: MOTLEY, 1992, p.128 Poderá, ainda, influenciar na maneira em que
o material será apresentado, bem como na
104

Figura – Estampa com textura de folhas de Helen Parr


Fonte: Os Incríveis (2004)

forma como a luz irá refletir sobre o mesmo, proporcionando mais qualidade à superfície
resultando em diferentes sensações visuais e como um todo e recompensando o olhar
daqueles que a observa. (LUPTON, 2008, p.53)
táteis. Estas sensações podem ser intencionais
na hora de escolher o material que irá compor Estas escolhas por texturas de efeito
o figurino de uma personagem. ótico podem ser uma opção ao designer do
Muitas das texturas que os designers manipulam figurino, já que raramente o espectador irá
não são de maneira alguma experimentáveis interagir diretamente com o figurino de modo
fisicamente pelo observador, pois só existem
tátil. A textura pode expressar além da época
como efeito ótico, como representação. A
textura acrescenta detalhes a uma imagem, em que ocorre a narrativa da peça, a intenção
105

da personagem e sua posição em palco. teatro, serão abordados como estes artifícios
são frequentemente utilizados no design
Em Os Incríveis (2004), o figurino da
de personagens em outro tipo de narrativa
personagem Helen Parr (ElastiGirl) é descrito
imagética: as histórias em quadrinhos. Após
pelos produtores (PIXAR, 2016) sendo
analisar os elementos que constituem o
estampado com formas orgânicas e tons de
design de figurinos, e para compreender
verde e marrom que remetem à natureza, em
por outro ângulo como ocorre o processo de
uma possível alusão ao papel da mãe como
criação do design de figurino na animação,
base que sustenta a família Parr e mantém
cabe apontar o papel do uso do figurino
todos unidos (Figura 36).
como identificador de uma personagem em
uma narrativa imagética ilustrada.

É possível observar por um estudo


2.3 Figurino como ícone
histórico feito por Barbosa Jr. (2005) que
identificador nos quadrinhos e muitos dos primeiros animadores tiveram
na animação como antecedência uma carreira como
ilustradores de quadrinhos e cartunistas.
A partir do estudo da produção do
Como pioneiros desta nova linguagem, pode-
figurino para personagens, pode-se notar
se citar Emile Cohl, ilustrador nascido em
uma abundância de códigos embutidos
Paris em 1857, que passou a unir as técnicas
utilizados no processo de comunicação com
em seu curta, Fantasmagorie (1908), de
o espectador. Foi apontado anteriormente
captura de imagem com ilustração, desenho
como o uso da forma, cor e textura resultará
e animação, sendo considerado o inventor do
em um conjunto que servirá como artifício
que conhecemos como “desenho animado
identificador da personagem. Além do
cinematográfico”. Poucos anos depois,
processo de produção dentro de uma peça de
Windsor McCay, cartunista americano,
106

Figura 37 – Ilustrações de Eisner exemplificando o uso do estereótipo nas histórias em quadrinhos.


Fonte: Eisner, 1997, p.22, 23.

destaca-se ao apresentar uma animação, design para histórias em quadrinhos são


Gertie the Dinosaur (1914), com técnicas utilizados até hoje na produção de animação.
semelhantes usadas na animação até os
Eisner (1997) descreve como se dão
dias atuais, como o uso de key-frames, por
as narrativas imagéticas nas histórias em
exemplo.
quadrinhos. Um dos pontos levantados
Logo, sendo a animação uma pelo autor dentro do desenvolvimento de
linguagem audiovisual com muitos personagem é o uso do estereótipo (Figura
elementos influenciados pelas histórias em 34), que é identificado por ele como uma
quadrinhos – como o uso de linhas de ação “necessidade maldita” já que a palavra
para indicar movimento, pose em exagero e a “estereotipado” indica uma:
presença de onomatopeias, mesmo contendo
(...) ideia ou um personagem que é
o fator do áudio – compete ressaltar que o uso padronizado numa forma convencional.
de alguns elementos presentes no character Sem individualidade. Como um adjetivo,
107

“estereotipado” se aplica àquilo que é tomar como exemplo as tiras e charges de


vulgarizado. “O estereótipo tem uma jornal, que dispõem de apenas três ou quatro
reputação ruim não apenas por que implica
quadros para formar a narrativa completa.
banalidade, mas também por causa do seu uso
como uma arma de propaganda ou racismo.”
Com base nisso, o autor acrescenta que
(ibid., p.21)
o uso deste artifício se torna uma espécie de
Eisner (1997) justifica que o uso desta necessidade, de maneira que os estereótipos
abordagem estereotipada é frequentemente se tornam imagens simplificadas de uma
utilizada no desenvolvimento de personagens ideia. A repetição destas ideais resulta em
de quadrinhos, enquanto narrativa imagética, uma linguagem pertinente das histórias
quando há a necessidade de uma leitura que em quadrinhos, e, posteriormente, o uso
seja rapidamente e facilmente reconhecida desta linguagem passou a ser incorporada
pelo repertório do leitor. O autor enfatiza no desenvolvimento de personagens de
que ao contrário dos filmes que utilizam o animações – como veremos mais adiante
tempo de um desenvolvimento de narrativa neste trabalho.
para a construção de uma personagem, os
Farrington (2007) aponta o uso das
quadrinhos idealizam uma leitura visual
caricaturas em charges, não somente ao
rápida.
figurino, mas também nas formas pelas
Em um filme a personagem teria quais as personagens se apresentam -
o tempo da narrativa para desenvolver aspectos também transportados para a
suas questões psicológicas e profissionais, linguagem da animação e character design.
enquanto que nas histórias em quadrinhos É indicado que alguns tipos de personagem
esses aspectos devem estar contidos na estilizadas e estereotipadas sejam facil-
ilustração da personagem e transmitidos mente reconhecíveis pelo seu tipo físico,
instantaneamente para o leitor. Pode-se como, por exemplo, o grande e briguento, o
108

nerd inteligente ou o atleta. “Desenhar seus 2.3.1 Uniformes e heróis


personagens de uma maneira caricaturada
ajuda a revelar traços de sua personalidade Considerando que o objeto de estudo
antes mesmo que ela abra sua boca.” (ibid., desta pesquisa, Os Incríveis (Pixar, 2004) é uma
animação que aborda o conceito de super-
p. 108, tradução nossa20). O autor exemplifica
heróis e, adicionalmente, o uso do uniforme
ao falar que algumas características
sendo um elemento constantemente presente
estereotipadas são de fácil associação por
e significativo para o filme, cabe apontar neste
conta de referências prévias ou mesmo
tópico a semântica referente a este gênero de
pré-conceitos: uma personagem de óculos indumentária.
grandes, pode ser associada a alguém
inteligente, ou uma personagem com o torso As informações sobre uma personagem
largo e pernas finas associa-se a ideia de forte de quadrinhos pode ser transmitida ao
leitor por diversas maneiras, em seu
e encrenqueiro. Em outras palavras, o autor
biotipo, postura, gênero, proporção e sua
adiciona que “a caricatura é um desenho que
vestimenta: “A vestimenta é simbólica. Ela
exagera a essência natural de uma pessoa
consegue transmitir instantaneamente a
para criar uma semelhança reconhecível.”
força, o caráter, a ocupação e a intenção de
(ibid., p. 212, tradução nossa21). quem a usa”. (EISNER, 1997, p.26). Pelo uso
do estereótipo aplicado à vestimenta, o leitor
pode identificar características intrínsecas
da personagem, tais como profissão, classe
social e suas intenções dentro da narrativa.
Cabe lembrar que a leitura desses símbolos
20 “Drawing your characters in a caricatured way
helps to reveal personality traits before they ever open their
estereotipados está ligada diretamente ao
mouths.” (tradução nossa) repertório anterior do leitor, ou seja, esta
21 “A caricature is a drawing that exaggerates the
fundamental nature and essence of a person to create an leitura depende dos aspetos culturais e
easily recognizable likeness.” (tradução nossa)
sociais em que este leitor está inserido.
109

Como mencionado, Eisner (1997) torna-se um signo de identificação aos


aponta que o uso repetitivo de símbolos outros indivíduos em relação àquele que
dentro desta narrativa imagética gerou o veste.
uma linguagem pertinente às histórias em
Outra ferramenta utilizada pelos
quadrinhos; e muitas das características
quadrinistas para reconhecimento de uma
projetadas na vestimenta das personagens
personagem (principalmente super-heróis)
eternizaram-nas como representação
de ideologias. Consecutivamente, estes é a atribuição de uniformes. Segundo Leloir
símbolos podem ser entendidos como (1992)22, entende-se por ‘uniforme’ como
códigos de um meio de comunicação, sendo o traje particular à um estado militar e a
um dos principais artifícios visuais para a qualquer função civil. Logo, ao atribuir
definição da personalidade e contexto das valores extrínsecos a ele, pode ser utilizado
personagens em questão. Desta forma, como como ícone dentro de uma sociedade.
indicado por Eisner (1997), ao produzir um
Craik (2003) aponta que “Uniformes
figurino para uma personagem, deve-se,
são indicadores extremamente eficazes
refletir as intenções dela ao espectador.
da codificação de regras apropriadas
Nota-se que algumas civilizações de conduta e sua internalização” (ibid.,
utilizam a vestimenta para situar o indi- p.9), ou seja, podem ser utilizados
víduo e seu papel na sociedade. Cardoso como ferramentas indicativas de
(1998) aborda como a atribuição de valores
pertencimento a um determinado grupo,
extrínsecos a um objeto pode modificar
ou ainda; como forma de destacá-lo em
sua leitura além do sua função primária
perante outros indivíduos, ou seja, “(...) relação às demais personagens.
atribuição de valores subjetivos ao objeto
22 ‘‘Uniformes (s.m.). Le costume particulier à un état
e como apropriação de valores subjetivos militaire et à qualques fonction civiles se nomme uniforme, et
representados pelo objeto (ou nele livrée lorsqu’il est prope à certains domestique ou serviteurs.’’
(tradução nossa)
embutido)” (ibid., p. 11). Este objeto, então,
110

O uso da vestimenta como elemento de reconhecimento, é utilizado como um


indicador de papel social está presente em artificio para infundir disciplina – daí, por
diversas culturas, podendo ser observado exemplo, o ritual de inspeção dos uniformes
como fator indicativo de hierarquia, por um oficial de patente superior. Ao
distinção, status social e pertencimento a observar um policial militar e seu uniforme,
sociedades grupais. Observando uma ordem além de indicar uma hierarquia interna dentro
religiosa como a católica, por exemplo, os
do próprio sistema militar, também comunica
indícios de hierarquia são, muitas vezes,
aos outros integrantes da sociedade o papel
reconhecíveis pelo uso da vestimenta
daquele indivíduo como agente da lei.
diferenciada de cada indivíduo pertencente
àquela estrutura social. Em contrapartida, ao Da mesma forma, dentro do universo
observar o uso de uniformes escolares, nota- das histórias em quadrinhos, a roupa de
se a busca por uma unidade e padronização a uma personagem a define e este recurso é
fim de reconhecer a qual escola aquela criança frequentemente utilizado nas histórias de
pertence e não estabelecer esta hierarquia super-heróis. Para melhor compreender
entre os alunos.
o desenvolvimento destes uniformes, é
Esta função também está presente necessário conhecer o universo no qual
no uso militar. Segundo Craik (2003), o uso a personagem está inserida, ou seja, é
do uniforme militar como identificador de necessário entender as diretrizes que definem
unidade é de origem na francesa no séc. XVII. um herói dentro das histórias em quadrinhos.
Anteriormente à sua aplicação, as unidades
Coorgan (2006), por meio de uma
rivais eram reconhecidas por tecidos de
análise das histórias em quadrinhos, informa
cores iguais amarradas na cintura. Assim,
ao leitor quais os pontos que definem a
foi percebido o benefício da utilização de
composição e o desenvolvimento de um
uniforme como unidade, pois além do fator
super-herói:
111

Um personagem heróico com uma altruísta,


missão pró-social; com extraordinárias habilidades
superpoderosas, tecnologias avançadas, ou físico
altamente desenvolvido, habilidades mentais ou
místicas; que tem uma identidade secreta com
um codinome e uniformes icônicos, com os quais
expressam sua biografia, personalidade, poderes ou
origem (transformação de pessoa ordinária à super-
herói); e qual o gênero (fantasia, ficção científica,
detetive, etc) por uma preponderância de convenções
genéricas. (ibid., p.30)

Por meio destes indicadores, o autor


levanta a questão do uso do uniforme como
uma espécie de leitura biográfica da vida
deste herói, o que a personagem simboliza e
seus ideais. Para sintetizar esta análise, nesta
pesquisa será abordada apenas uma destas
personagens apontadas pelo autor, o Batman
– apresentado pela Detective Comics #27 em
Maio de 1939 (Figura 38).

O nome da identidade secreta da


personagem sugere como se desenvolverá
seu figurino. A máscara para esconder sua Figura 38 – Detective Comics #27.
Fonte: dc.wikia.com
identidade possui duas pontas referenciando
as orelhas de um morcego, enquanto
sua capa possui cortes pontiagudos
112

se assemelhando às asas do animal. Por meio de uma análise histórica


Caracterizado por seu figurino sombrio, do processo de produção de histórias em
o “Homem-Morcego” é identificado pelo quadrinhos, Troula (2008) observa diversas
símbolo de morcego estampado em seu modificações de âmbito tecnológico
tórax, que se encontra também no logotipo que influenciaram diretamente no
de suas revistas. desenvolvimento do estilo gráfico. Visto isso,
Em sua biografia é explicado que ao longo de quase 80 anos de publicação das
o personagem Bruce Wayne tem uma revistas do Batman, notou-se estas mudanças
experiência traumática em sua infância de estilo gráfico, de acordo com as alterações
com morcegos dentro de uma caverna. de seu processo de produção.
Assim, quando busca por sua identidade
Um dos elementos da produção de
secreta para combater o crime, retoma
essa experiência compreendendo que sua quadrinhos que passou por mudanças pelo
identidade deveria trazer aos seus inimigos desenvolvimento tecnológico foi a coloração.
o mesmo medo que sentiu. Conforme explicitado por Troula (2008), no
início as cores de impressão eram limitadas:
O uniforme do Batman já passou por
(...) as primeiras revistas em quadrinhos,
diversas alterações ao longo das publicações
o colorista possuía apenas 63 cores para
de suas histórias. Essas alterações podem
escolher, as quais ele aplicava de forma manual
ocorrer por fatores internos ou externos, se sobre uma cópia da arte em preto e branco,
manifestando na relação da personagem com quase como um livro de colorir. As chamadas
o universo narrativo. Como fatores externos à cores primárias, amarelo, magenta e cyan são
narrativa, que podem influenciar diretamente as bases para a composição de todas as outras
nas mudanças do figurino da personagem, cores. Elas também são chamadas de aditivas,
pode-se identificar a alteração de um estilo pois quando somadas geram outras cores. Nos
quadrinhos, seu uso era restrito a 100%, 50%
gráfico e o seu sistema de produção.
e 20%, o que significava que os coloristas só
113

Figura 39 – Alterações de estilos gráficos e sua repercussão no figurino.


Fonte: DC Comics

atualmente e aprimorado por uma gama


podiam utilizar três intensidades dessas cores,
de softwares especializados em ilustração,
o que limitava a quantidade de tons possíveis
a 63, somadas ao preto, a quarta cor (...) Cada assim como o avanço tecnológico que
editora possuía sua própria tabela de cores e possibilitou colocar à disposição dos artistas
códigos correspondentes. (ibid., p.13) gráficos, equipamentos como os scanners
e os tablets (mesa digitalizadora), além
O autor indica, ainda, que a mudança
do avanço tecnológico da impressora das
significativa das cores da produção de
gráficas responsáveis pela publicação que,
quadrinhos ocorreu nos anos 1980, com a
atualmente, possui uma maior capacidade
introdução do computador no processo de
de reprodução de cores do que as do início
coloração. Este processo ainda é utilizado
dos anos 1980.
114

Outro fator externo que pode Deve ser indicado que nos interessa aqui o caráter
coletivo do estilo já que mesmo o estilo pessoal de um
modificar o estilo de uma personagem é o
produtor diz respeito a história autoral que envolve
próprio estilo do artista. Adicionalmente influências sofridas, escolhidas e processadas dentro
às técnicas de produção, há também a de um contexto sócio-cultural particular. (LESSA,
2005, p.2)
influência do momento em que ele se
encontra e as questões com as quais lida e Pode-se, então, por meio desta
dialoga (Figura 39). passagem, levar em consideração que
mesmo o “estilo pessoal” de um artista, ou
Lessa (2005) aborda esta definição de
como é referido pelo autor “sujeito artístico”,
“estilo” do ponto de vista histórico de outros
faz referência à realidade em que vive e as
autores, sendo algumas destas definições: as influências que recebe em determinado
formas ou qualidades artísticas referentes a período de sua vida.
um determinado período de tempo, a uma
região específica, a cultura material de uma Além destas, há influências temporais
sociedade ou a uma peculiaridade de um e socioculturais que o artista pode optar
em assimilar em suas obras. A partir
artista.
dessas escolhas, o artista desenvolve
Em seguida o autor aponta que mesmo características únicas com base em sua
o estilo pessoal faz referência a uma realidade, vivência que, quando aplicadas, definem a
sociedade ou contexto histórico que influencia peculiaridade em sua produção artística.
o indivíduo naquele determinado período, Nesta passagem, porém, o autor insiste em
um determinado espírito da época (zeitgeist). apontar que se refere a um “caráter coletivo”
A passagem apresentada pelo autor sobre a que pode ser entendido por um estilo de
arte de determinada época encontrado em
definição de estilo como aquisição pessoal
diversas produções. Nota-se esta definição
de um sujeito artístico, pode se referir às
de estilo ao observar as mudanças gráficas
peculiaridades de um determinado autor.
nas histórias em quadrinhos.
115

Além do traço peculiar de cada Em 1992, os estúdios de animação Warner


artista, pode ocorrer da intenção do roteiro Bros. Animation produziram uma série animada
indicar um determinado estilo artístico baseada nos quadrinhos de Frank Miller.
para a produção dos volumes. Tomando
O foco desta animação ainda era o público
a personagem Batman como exemplo,
infantil, entretanto com toques mais sombrios
podemos indicar que os roteiros do início do
apresentados nos quadrinhos de Miller e
quadrinho eram focados no fator investiga-
tivo do personagem com alguns toques no filme Batman (dirigido por Tim Burton e
cômicos. Esse estilo se refletiu na série de também produzido pelos estúdios Warner,
televisão dos anos 1960 que introduzia em sua em 1989). Consequentemente, este aspecto
linguagem, por exemplo, as onomatopeias refletiu no character design e na ambientação
presentes nas histórias em quadrinhos da animação. O animador, ilustrador e
(Figura 40). quadrinista Bruce Timm – responsável pela
produção e direção – também criou as artes
Nos anos 1970, houve uma série
animada deste herói para televisão produzida das personagens para a animação. A maior

pelos estúdios Hanna Barbera, baseada na diferença apontada pelos produtores entre
série em live-action. A animação (Figura 41) as personagens desta animação comparando
possuía um caráter cômico como reflexo àquelas produzidas anteriormente, foi a
desse referencial (Figura 38). A animação estilização a uma linguagem cartoon e não
seguia um estilo gráfico recorrente da época tentar passar proporções reais como ocorria
e por pertencer a um estúdio cujo sistema nas outras animações de Batman, aplicando um
de produção dependia da rotoscopia, técnica design baseado em linhas de ação dinâmicas e
que utilizava atores reais para copiar os seus traços simplificados que auxiliam na fluidez e na
movimentos e proporções. produção da animação (BROSNAM, 2011).
116

Figura 41 – Batman animado 1970.


Fonte: pinterest.com

Figura 40 – Figurino da série de televisão de 1966.


Fonte: Comic Book Brain
117

Ao longo do tempo, também nos


quadrinhos, as histórias e as personagens
das narrativas de Batman se tornaram mais
profundas e sombrias, e esse clima sóbrio
e mais reflexivo também foi refletido na
indumentária das personagens. Os detalhes
de seu uniforme possui sombras mais
marcantes.

Figura 42 – Model Sheet de Batman Animated Series (Warner Bros., 1992) por Bruce Timm.
Fonte: 13th Dimension

Figura 43 – Batman nos quadrinhos em 2011.


Fonte: DC Comics
118

Tanto os vilões como os heróis


presentes nas narrativas de Batman refletem
diretamente suas intenções por meio da
vestimenta. Gotham City, a cidade natal
de Bruce Wayne (Batman) é uma grande
cidade com alto índice criminal, e corruptos
poderosos que estão sempre prejudicando
o cidadão comum. Muitos dos vilões da
série (Figura 44) possuem em seu histórico
frustrações e traumas que os fizeram mudar
de cidadãos do bem para vilões, tais como
Mister Freeze (Dr. Victor Fries), Poison Ivy
(Dra. Pamela Lillian Isley), Two-Face (Harvey
Dent), Scarecrow (Jonathan Crane) entre
outros. Os codinomes destes vilões estão
refletidos em sua vestimenta, e anunciam
ao leitor dicas do que cada superpoder,
artimanha ou peculiaridade eles carregam
em sua biografia. Além dos vilões, os
assistentes e aliados do Batman possuem,
de certa forma, a mesma característica na
concepção de seu figurino, obtendo traços do
codinome que adotam para sua identidade
secreta, como a Batgirl/Oracle (Barbara
Gordon), o Robin/Nightwing (Dick Grayson), Figura 44 – Batman e seus antagonistas.
Fonte: Alex Ross
o Robin/Red Hood (Jason Todd).
119

Desta forma, é possível pensar que, 2.4 Considerações


assim como nas histórias em quadrinhos,
personagens de animação também podem Por meio da análise bibliográfica de
carregar em seu design “materializações” de como ocorre a construção de um figurino
sua biografia e indícios de sua personalidade. para uma personagem, foram indicados os
Da mesma forma, podem apresentar processos da produção da indumentária
características que refletem a ambientação
nas artes cênicas. Este processo se inicia
do universo narrativo, reflexos da tecnologia
na leitura do roteiro, na compreensão do
e aspectos socioculturais do tempo e espaço
representados na produção. conceito de criação da peça e do papel de
cada personagem em cena, possibilitando
Visto isso, pode-se apontar que ao figurinista produzir os primeiros estudos
mesmo com diversas alterações de estilo
e esboços. Adicionalmente, é indicado pelos
gráfico encontradas nas narrativas, há
autores apresentados nesta pesquisa que
singularidades da personagem transmitida
por seu figurino: as cores escuras, o capuz ocorra o diálogo entre o figurinista, diretores
com orelhas de morcego e, principalmente, e atores para que também seja possível
a capa em forma de asas de morcego. adicionar ao figurino peculiaridades de cada
Viana e Bassi (2014) indicam que, mesmo profissional, respeitando suas preferências
nas adaptações para cinema ou séries ou restrições.
live-action, o fator mais marcante dos
super-heróis é o seu traje, se as principais Os autores apontam que é necessário
características da vestimenta e sua levar em consideração os diferentes
personalidade são mantidas, o público corpos dos atores e como cada peça da
ainda é capaz de reconhecê-lo, mesmo que indumentária irá vestir, ou não, a estes
seja modificado o ator que o interpreta ou a corpos, considerando que em alguns
forma gráfica de representação.
momentos o próprio nu, ou exposição
120

de partes do corpo, é uma opção de O figurino deve possuir um papel


figurino. Além disso, é preciso considerar indicador das intenções da personagem em
que há atores que têm preferências ou cena, que pode ser realizado por meio dos
rejeição quanto a determinados materiais, elementos que compõem a indumentária.
caimentos e tipos de amarras. Muniz (2005) O design de figurino conta com o estudo
diz que um dos entrevistados para o seu livro de elementos projetuais e do design como
deixa explícito que não se sente a vontade formas, cores, materiais e texturas que irão
com golas apertadas e que isso pode compor cada personagem em cena. Logo,
interferir no rendimento e desenvolvimento o papel do figurinista enquanto designer é
do ator ao longo da peça. Da mesma forma, essencial na concepção da personagem e em
o valor acima do orçamento ou mesmo sua dinâmica em cena.
uma alergia do ator a determinado tipo de
Após o levantamento dos processos
tecido também podem ser impeditivos de
presentes nas artes cênicas, levando em
sua utilização, por exemplo.
consideração que muitos dos elementos
Os autores indicam também que a presentes na linguagem da animação se
criação do figurinista deve manter uma originaram das histórias em quadrinhos,
harmonia com a cenografia, fazendo com viu-se a como é feita a concepção de
que suas peças não destoem uma das personagem nesta linguagem imagética. Um
outras, nem dos demais objetos de cena e dos principais artifícios do ilustrador e artista
elementos utilizados na peça, ajudando a de quadrinhos no momento de elaborar uma
criar um conceito de direção de arte mais personagem, sobretudo, mas não apenas
coerente e coeso com a proposta da obra e no caso de super-heróis, é a atribuição de
abordagem do diretor. uniformes. Ao associar valores extrínsecos a
121

uma indumentária, esta se torna um modo de Em sequência, serão aplicados os conceitos e


comunicar o papel daquele que a veste dentro as discussões previamente apresentados no
de determinados contextos. O uniforme é estudo de caso desta dissertação, o filme de
um elemento recorrente nos quadrinhos animação digital Os Incríveis (Pixar, 2004).
de super-heróis e vem quase sempre com
indicações biográficas da personagem – a
qual o utiliza como forma de representação
de seu codinome.

As mudanças decorrentes dos


uniformes dessas personagens podem
depender de fatores internos ou externos
à narrativa. Sendo os principais fatores
internos: mudanças no estilo de vida desta
personagem ou alterações no curso narrativo;
enquanto os fatores externos dependem dos
paradigmas tecnológicos existentes na época
de sua produção, de fatores históricos e do
próprio estilo gráfico do artista.

Enfim, pode-se notar que tanto no


teatro quanto nas histórias em quadrinhos
é sugerido que o figurino das personagens
apresente, na concepção de seu design,
partes biográficas, indícios de personalidade
e intenções dentro da narrativa e das cenas.
3
123

OS INCRÍVEIS

Com base nos capítulos anteriores, referentes à Pixar Animation Studios,


será apresentado o objeto de estudo, empresa responsável pela produção de Os
Os Incríveis (Pixar, 2004), avaliando o Incríveis (2004). Um levantamento realizado
desenvolvimento desta animação em por Gottsfritz (2013) indica que inicialmente,
relação ao figurino e ao character design. em 1979, o cineasta George Lucas (criador da
Entretanto, para compreender melhor a franquia Star Wars) instituiu o departamento
construção do figurino deste filme, cabe Lucasfilm’s Computer Division para criar
apresentar um breve resumo da narrativa e efeitos visuais em filmes live-action.
os conflitos que envolvem as personagens. Posteriormente, em 1984, John Lesseter foi
Desta maneira, é possível entender contratado por este departamento como
as mudanças de comportamento das designer de interfaces, fazendo parte da
personagens e como estas são refletidas na produção de The Adventures of André &
composição de seu figurino. Wally B. (1984) – curta-metragem produzido
e animado, em sua totalidade, digitalmente
No primeiro capítulo relativo à direção – sendo o primeiro a possuir efeitos visuais
de arte em animação, foi apontado que um como os de texturas pintadas manualmente
dos fatores que regem o estilo gráfico é o aplicadas sobre os modelos tridimensionais e
Corporate Style, referente à linguagem a simulação do efeito de câmera denominado
utilizada pela empresa ou estúdio respon- motion blur23. Em 1986, George Lucas vende
sável pela produção da animação. Para
esclarecer o estilo envolvido no objeto de 23 Motion blur é o nome dado ao efeito de desfoque que
ocorre na captura de imagem em câmeras de película ou
estudo, serão apresentados alguns tópicos filme quando um objeto se move rapidamente não sendo
possível captura-lo com nitidez pelas lentes.
124

o departamento para Steve Jobs (fundador


da Apple), alterando seu nome para “Pixar”,
que juntamente aos estúdios Disney,
utilizou seu potencial tecnológico para a
produção de filmes animados. Desta união,
foi desenvolvido Luxo Jr, (1986) – citado
no primeiro capítulo como primeiro curta-
metragem tridimensional a possuir conceitos
referentes aos 12 princípios da animação,
também indicado ao Oscar de melhor curta-
metragem animado.

O primeiro longa-metragem
tridimensional produzido pela Pixar foi Toy
Story (1995), igualmente dirigido por John
Lesseter. “A escolha do tema – brinquedos
– favoreceu os recursos estéticos e tecno-
logia de computação gráfica disponível.”
(CHONG, 2011, p.94). Por tratar de
personagens feitas de plástico, os recursos
gráficos de softwares tridimensionais Figura 45 – Woody e Buzz de Toy Story (Pixar, 1995).
Fonte: pixar.com
referentes àquela época não possuíam
uma simulação de material que fosse
semelhante à pele humana, logo, seu tema
além de favorecer o processo de produção,
auxiliou na conexão com o público infantil.
125

Toy Story (1995) (Figura 45) apresenta uma 3D compartilhassem espaço em cinema com
temática que remete à infância, uma vez clássicos da animação tradicional 2D pelos
que trata da visão dos brinquedos dentro estúdios Disney como O Rei Leão (1994)
do quarto de uma criança, enquanto as e Pocahontas (1995). A Pixar continuou
personagens humanas ficavam em plano de sua expansão no âmbito 3D, aprimorando
fundo e com mínima participação narrativa técnicas e softwares especializados a cada
– outra solução criativa para minimizar produção, aplicados em curtas-metragens
as dificuldades de se trabalhar com a que possibilitavam à equipe testar novas
simulação de corpos humanos. Entretanto, tecnologias - esses curtas são apresentados
apesar do foco principal das animações antes dos filmes da Pixar nas salas de cinema.
da Pixar ser o público infantil, os enredos
Um destes é Geri’s Game (1997),
abordam tramas relacionadas a amizades
uma narrativa que envolve um jogador de
inesperadas, esperanças e superações que
xadrez idoso que faz suas partidas sozinho
também podem atingir ao público (jovem)
em um parque (Figura 46). A personagem
adulto. É o caso de Buzz Lightyear, um
se divide em duas personalidades, uma mais
boneco de um herói astronauta que não
extrovertida, espontânea e competitiva,
sabia que era um brinquedo, e imaginava
enquanto a outra aparenta ser mais zelosa
estar em uma missão espacial em um
e insegura. A diferença das personalidades
planeta desconhecido. Buzz entra em
está tanto em sua expressão corporal e seu
conflito ao perceber que, assim como todas
acting como na adição de um acessório
as outras personagens a sua volta, era
no figurino daquela mais cautelosa, os
apenas um brinquedo (VELARDE, 2011).
óculos. Este curta possibilitou à equipe
O sucesso de bilheteria de Toy da Pixar o aprimoramento da animação
Story (1995) proporcionou que animações de personagens humanas e simulação de
cinematográficas produzidas em softwares tecido como é apontado pelo próprio site
126

da empresa “(...) as vestimentas no curta da


Pixar ganhador do Oscar, ‘Geri’s Game’ serviu
como pesquisa e desenvolvimento para Os
Incríveis – o qual levou esses avanços ainda
mais longe” (PIXAR, 2009, tradução nossa) 24.

A Disney e a Pixar são conhecidas por


adicionar eastereggs25 em suas produções,
com referências de outras animações. Geri,
por exemplo, faz uma aparição especial em
Toy Story 2 (1999) como um restaurador
de brinquedos (Figura 47). Nestas duas
aparições de Geri, separadas por dois anos
entre as produções, é possível perceber
alterações no aspecto das texturas simuladas,
principalmente da camisa que a personagem
usa em sua segunda aparição, assim como o
render de sua pele e cabelo que apresentam
mais detalhes. Na primeira animação, nota-
se que provavelmente, por estar em um clima
de outono, a personagem utiliza um terno

24 “(…) the clothing in the Oscar winning Pixar short,


Figura 46 – Geri’s Game (Pixar, 1997) “Geri’s Game,” served as research and development for THE
Fonte: pixar.com INCREDIBLES - which took these advances even further.”
(tradução nossa)
25 Conteúdos que estão escondidos, ou não muito
evidenciados dentro de uma produção que faz conexão com
outra. O nome faz referência ao esconder Ovos de Páscoa.
127

sobre a camisa branca, enquanto na segunda


está apenas com a camisa. Outro acessório
que é alterado entre as duas animações é a
gravata, sendo a primeira uma de cor bordô
e lisa, enquanto a outra é listrada com tons
de bordô, vinho e branco. Adicionalmente
há a modificação dos óculos, a personagem
cautelosa da primeira animação utilizava
aros arredondados, enquanto na segunda
aparição, Geri usa óculos de aros quadrados,
talvez sugerindo que esta seja uma terceira
personalidade da personagem, já que
também não possui o mesmo acting das
duas anteriores.

Até este ponto, os lançamentos de


filmes animados da Pixar como Vida de Inseto
(Bug’s Life, 1998), Toy Story 2 (1999) e Monstros
S.A. (Monster, Inc., 2001), não possuíam seres
humanos como protagonistas, sendo Os
Incríveis (The Incredibles, 2004), o primeiro
longa-metragem da empresa com esse foco.
Figura 47 – Geri em Toy Story 2 (Pixar, 1999). Segundo os produtores, este foi um grande
Fonte: Toy Story 2, Pixar, 1999
desafio para a animação, exigindo muito de
todos integrantes da equipe. Os character
128

designers, desenvolveram personagens envolvido tanto no character design como


estilizadas usando conceitos criativos como no color script, criou ilustrações com base
nos desenhos de Newton com estudos dos
o uso das formas caricaturadas e exageradas
figurinos em algumas situações diferentes,
que apresentassem silhuetas no estilo
já apresentando indicações das cores dos
cartoon, mas com a intenção de transportá-
conjuntos que representariam determinadas
los para os softwares tridimensionais.
situações (Figura 48B). Entretanto, as artes
Para retratar estas personagens, o das personagens ainda apresentavam uma
character designer Teddy Newton apresentou aparência plana, “chapada”. Neste momento,
à sua equipe artes feitas com colagens Tony Fucile é integrado à equipe de character
que transmitissem a ideia das texturas e design, pois, tinha mais experiência com
animação e uma visão de como adaptar as
das formas das personagens envolvidas
artes de seus colegas para uma linguagem
(Figura 48A). Em seguida, Lou Romano,
tridimensional (Figura 48C) (PIXAR, 2011).

Figura 48 – Diferentes estilos gráficos representando a personagem Helen Parr.


Fonte: VAZ, 2004.
129

Figura 49 – Esculturas por Kent Melton.


Fonte: VAZ, 2004

Em uma entrevista para o making of que ele indica para caricaturar o rosto da
do filme, Tony Fucile indica que começou personagem é a junção das sobrancelhas
o processo de adaptação das personagens com o nariz que aparenta ser um capacete
2D para a linguagem tridimensional criando romano; por ser concebida de uma forma
ilustrações da rotação da cabeça do Mr. caricata, a personagem não possui a curvatura
Incredible, buscando representar volumes da base do nariz (PIXAR, 2011). Como
com linhas dinâmicas como as apresentadas indicado por Greg Dykstra (PIXAR, 2011) ao
nas concept arts anteriores. Um dos conceitos ilustrar rapidamente, algumas formas são
130

simplificadas, trazendo a tona características estilizado, mas que fosse, ao mesmo tempo,
marcantes que algumas pessoas podem convincente ao público. Nestas condições,
apresentar. Com os esboços completos, sucederam diversos obstáculos técnicos
foi Kent Melton, escultor, a transpor as aos desenvolvedores que, para alcançar
ilustrações das personagens para as formas a linguagem visual desejada tiveram que
tridimensionais de uma escultura analógica criar novas ferramentas para atender às
(Figura 49). Entendendo a linguagem de cada exigências.
designer, pode-se compreender a linguagem Brad estava relutante desde o começo de que
gráfica na qual as personagens foram ele não queria que as personagens tivessem
poros, folículos capilares ou marcas faciais – ele
concebidas e como sua forma caricaturada não queria que elas parecessem inteiramente
pode representar traços de sua personalidade humanas, mas sim um pouco mais abstratas.
Logo a textura da pele é muito, muito simples
e função narrativa. por uma escolha consciente. Entretanto, criar
uma pele mais simplória que não parecesse
Primeiramente, cabe conhecer o falsa foi extremamente difícil. Foi um destes
casos em que a simplicidade foi... complexa!
contexto e o universo ao qual pertencem (Rick Sayre, PIXAR, 2009, tradução nossa26)
essas personagens, para que, em sequência,
sejam avaliados os seus figurinos. Como Foi necessário, desta forma,
citado no primeiro capítulo, em muitos casos, desenvolver uma técnica de render especifica
é o próprio diretor que atua como roteirista: para a simulação da iluminação de pele com
nesta animação ocorre o mesmo, ambos os a intenção de não apresentar uma aparência
cargos são atribuídos à Brad Bird. Este, por plastificada. Um dos elementos adicionados
sua vez atuou em produções animadas, como ao render foi de simular a capacidade da
o Gigante de Ferro (Iron Giant, Warner Bros., 26 Brad was adamant from the beginning that he didn’t want
the characters to have pores and hair follicles and freckles -
1999), e produziu a série de televisão Os he didn’t want them to look entirely human but rather a bit
more abstract. So their skin texture is very, very simple as a
Simpsons (The Simpsons, 1989). A intenção do conscious choice. But, as it turns out, creating simple skin that
didn’t look fake was really hard. It’s one of those cases where
diretor era criar um universo não realístico e simplicity was…complex! (tradução nossa)
131

luz passar através da pele e ser vista pelo S.A.(2001). Foi decidido pela equipe de
outro lado nas regiões mais finas, assim character design que a personagem Violet, de
como ocorre nas pontas das orelhas e entre Os Incríveis (2004), apresentava um cabelo
os dedos. Além disso, foi desenvolvido um longo e liso. O cabelo era um elemento
processo para que ela aparentasse um efeito essencial para caracterizar esta personagem,
“aveludado”, utilizando um conjunto de uma vez que por ser tímida, ela escondia seu
sobreposições de camadas da dispersão de rosto por detrás das mechas de cabelo. Esta
luz sobre a pele. Bill Wise (character team
questão implicou em simular milhões de fios
technical lead) complementa que “(…) a pele
finos interagindo entre eles com contato,
de verdade absorve e transmite luminosidade
atrito, incluindo a simulação do movimento
onde a luz entra se propagando por outras
causado por um fio de cabelo que acaba
áreas (...) desenvolvemos uma tecnologia
puxando as mechas adjacentes.
subsurface27 para que a luz fizesse a pele
parecer translúcida mais naturalmente.” Este estilo gráfico da produção exigiu
(PIXAR, 2009, tradução nossa28). bastante dos animadores, pois, ao contrário
Outro obstáculo técnico para a de produções que buscam representar
produção do filme foi a simulação da um estilo mais realístico, a linguagem
movimentação de fios de cabelo, mesmo pertinente aos estúdios Pixar busca o
a equipe tendo o conhecimento de animar caricato e o fantástico, conforme explica o
pelos ao produzir a animação Monstros produtor John Lasseter:
Desde o começo da imagem produzida por
27 Subsurface é o termo utilizado para indicar quando um
efeito no software 3D se encontra na parte interna da malha. computador houve a crença de que o objetivo
28 But real skin absorbs and transmits light-sins glows final da animação computacional é o de
where light enters and washes out into other areas. So, for produzir um ser-humano realístico. Na Pixar,
The Incredibles, we developed a subsurface technology for nós sempre dizemos que a realidade é apenas
light, which made the skin look more naturally translucent. uma medida conveniente de complexidade –
(tradução nossa)
132

nós damos um passo para trás e criamos algo a cada nova produção e muitas das técnicas
que a audiência sabe que não é real, e aí nós
tornamos isso o mais crível possível. (Lasseter e tecnologias desenvolvidas inhouse acaba
J., VAZ, 2004, tradução nossa29) sendo posteriormente incorporadas por
outros estúdios, empresas, artistas e
Por meio deste levantamento, é
profissionais da animação.
possível afirmar que os estúdios Pixar se
tornam pioneiros em criar novas linguagens A partir desses tópicos, com
para animação tridimensional, desenvol- conhecimento do contexto geral em que foi
vendo novos softwares e tecnologias, como criada a animação Os Incríveis (2004), serão
apontado nas questões da iluminação, apresentados o enredo e as personagens
simulação de cabelo e textura para pele. É envolvidas nesse filme. Assim, torna-se
possível aventar que, ainda que esteja dentro possível compreender o seu desenvolvimento
de um modelo comercial de produção, a em relação à narrativa e como algumas
Pixar possui uma dimensão experimental situações da trama interferem na construção
na medida em que a animação 3D é algo do figurino das personagens.
relativamente recente e que o próprio
Baseado nos filmes de espiões e
estúdio é pioneiro e apontado como um
quadrinhos de super-heróis, Os Incríveis
dos paradigmas desta linguagem. Ainda
é um longa-metragem de animação
que seu estilo de animação 3D não seja
tridimensional cinematográfica cuja
hegemônico ou absoluto, em um contexto
narrativa gira em torno da família Parr
de inovação, a Pixar acaba por se reinventar (ou Pêra, na versão brasileira), um núcleo
familiar típico norte-americano, exceto
29 “Since the very beginning of images being made with
a computer, there’s been a belief that the ultimate goal of pelo fato de seus integrantes serem
computer animation is to produce a realistic human being.
At Pixar, we’ve always said that reality is just a convenient dotados de superpoderes (Figura 47). Como
measure of complexity – we take a step back and create
something the audience knows is not real, then we make it
é apresentado ao longo da animação, há
look as believable as possible.” (tradução nossa) conflitos comuns presentes no cotidiano
133

Figura 50 – The Incredibles (Pixar, 2004).


Fonte: disney.wikia.com
134

desta família. Os integrantes que compõem campo de força defensivo. Já o filho do meio,
este núcleo familiar são: Robert Parr (o pai, Dashiel (ou Dash), é um garoto hiperativo e
Mr. Incredible), Helen Parr (a mãe, ElastiGirl), extrovertido possuindo o poder da super-
Violet (a filha mais velha), Dashiel (ou Dash, velocidade. Enquanto o bebê, Jack-Jack,
o filho do meio) e Jack-Jack (o caçula, ainda não desenvolveu uma personalidade
recém-nascido). própria, apresentando um potencial amorfo,
transformando-se em diversos elementos – o
O artbook30 da animação, editado
que é revelado apenas no final do filme.
por Vaz (2004), é dito que a intenção do
diretor Brad Bird foi a de que os poderes Em relação à ambientação, os
das personagens fossem diretamente produtores buscaram retratar um universo
relacionados às suas personalidades. O imaginário, porém com semelhanças ao
diretor explica que para o pai, normalmente mundo físico, apresentando traços de
a pessoa fisicamente mais forte da família, como se imaginava o futuro nos anos 1960
foi atribuída o poder de super-força. A mãe, (Figura 51), refletidos tanto na arquitetura
Helen, é flexível e tem de lidar com diversas como na tecnologia de ficção científica da
situações ao mesmo tempo, logo seu poder é época (James Bond, Johnny Quest, Perdidos
o de ser esticada sem se quebrar, como uma no Espaço e Star Trek). Sua ambientação
borracha. Esse elemento também se reflete também teve influências de um parque
na personalidade maleável da personagem, temático que retrata o futuro imaginado por
sendo a que melhor se adaptou às situações Walt Disney, Tomorrowland. Adicionalmente,
de conflito da narrativa. Violet, a filha, por o diretor e roteirista, Brad Bird, expõe como
ser uma adolescente tímida, fica invisível, a animação foi um espelho à situação em
e, adicionalmente, sendo a filha mais velha, que se encontrava durante a produção: ele
exibe um instinto protetor, criando um
era recém-casado, com um filho pequeno
30 Livro composto por uma compilação das etapas deum
e estava dividido entre a família e o
produção audiovisual como filmes, animações ou jogos. trabalho (VAZ, 2004, p.9). Estas relações
135

vistos como celebridades, participando de


programas de televisão, aparecendo em
capas de revistas e jornais. Porém, após uma
série de incidentes, a população começa a
vê-los como uma ameaça, sendo obrigados
a deixar seu status de heróis e compartilhar
uma vida ordinária, escondidos por sua
identidade secreta com ajuda do governo.

Em seguida, pode-se denominar


a fase família comum, em que são
apresentadas rotinas do cotidiano
resultantes das personagens assumirem um
papel na sociedade como outros cidadãos
Figura 51 – Ambientação
Fonte: CAPLE in: VAZ, 2004 não dotados de superpoderes. Nesta
sequência são expostos conflitos familiares
pessoais do diretor refletiram na narrativa como a falta de motivação no emprego de
e no desenvolvimento das personagens em Robert, os filhos com problemas na escola
relação aos conflitos familiares expostos e Helen cuidando do filho recém-nascido.
na animação. Adicionalmente, após a demissão de Robert,
surge uma oportunidade de voltar a trabalhar
Para melhor analisar as mudanças
como herói, porém, escondido da sociedade
nas personagens envolvidas, pode-se dividir
e de sua família. Entretanto, é revelado
a narrativa em três momentos, o primeiro,
que o contratante de Robert é o super-vilão
denominado pelos produtores de The Golden
Syndrome, que desejava matá-lo. Com isso,
Years (Os Anos Dourados), em que os heróis
os integrantes da família se unem para salvar
estão no ápice de sua popularidade e são
136

o pai que está em perigo e, como resultado O maior conflito do enredo gira em
desta situação, há a fase final de super família. torno de Robert, que é empregado de uma
seguradora, Insurecare, mas não se sente
O filme começa com uma entrevista
realizado em seu trabalho. Ele faz o seu
com os heróis durante os Golden Years. Os
máximo para ajudar as pessoas apenas com
entrevistados são Mr. Incredible, ElastiGirl
papeladas e burlando burocracias, mesmo
e Frozone. Nesta entrevista o Sr. Incrível
que escondido dos outros funcionários.
indica estar cansado de ser super-herói
todo o tempo e que busca estabilidade, se Robert se sente pressionado pelo seu

aposentar e ter uma família. Elastigirl fala chefe, pois é norma da empresa dificultar
que não quer parar de ser uma heroína e que aos clientes conseguir a cobertura da
nunca está cansada da ação. Mas, quando seguradora; e ele, como ex-herói, quer
a queda dos heróis acontece, é Robert ajudar as pessoas da maneira que pode.
quem entra em depressão por estar preso Até ao ponto de um clímax de nervosismo e
em um emprego entediante, não podendo frustração, em uma discussão com seu chefe,
mais combater o crime, enquanto Helen Robert acaba atacando-o fisicamente, sendo
se adapta à rotina doméstica, cuidando da demitido de seu emprego.
casa e dos três filhos. Com o banimento
Após sua demissão, surge um agente
dos heróis, eles são mantidos escondidos
do governo, Rick Dickers, já conhecido
por uma organização secreta do governo,
de Robert, sugerindo que a família fosse
adequando suas famílias à sociedade com
novamente realocada. Robert se sente
novas identidades. Em uma passagem,
chateado por essa situação, pois não quer
é dito que a família Parr já foi realocada
passar esse constrangimento novamente.
algumas vezes.
Com esse clima desanimador, surge Mirage,
137

que foi enviada por um contratante (até 3.1 Mr. Incredible: um estudo
então desconhecido), oferecendo ao Robert de caso
que faça serviços secretos como Mr. Incredible
novamente. Robert volta à ativa, escondendo A partir dos levantamentos abordados
nos capítulos anteriores, torna-se possível
a situação da esposa, aparentando estar mais
avaliar as relações referentes ao character
feliz e motivado a cada missão. Desconfiada,
design quanto à construção do figurino para
Helen questiona o marido sobre sua nova
uma personagem animada tridimensional,
motivação e ele mente dizendo que havia sido
relacionando as influências de situações e
promovido no emprego. Até o momento em
conflitos encontrados na narrativa. Christine
que a esposa atende uma ligação de Mirage,
Waggoner (cloth development lead) comenta
e imagina que o marido a está traindo. Por
que, para auxiliar no desenvolvimento
último, há o momento em que é revelado que de todas as vestes das personagens, foi
o contratante de Robert é na verdade o super- adicionada à equipe uma profissional
vilão, Syndrome. Com isso, os integrantes da com experiência de confecção e costura
família se unem para salvar o pai que está tradicional, Maria Magana-Cervantes,
em perigo na base secreta do viçao em uma passando seu conhecimento de modelagem
ilha isolada. e costura de roupas para que essas técnicas
fossem transportadas para os softwares 3D
Deste ponto, segue-se com o
(PIXAR, 2016). Waggoner diz que o processo
estudo apontando como as relações e
de modelagem das vestimentas para as
conflitos envolvidos no enredo refletem
personagens foi feito da mesma maneira que
na alteração do figurino das personagens no meio analógico, porém adaptadas para as
e seu character design. proporções ficcionais das personagens.
138

Figura 52 – Waggoner
demonstrando a modelagem
de figurino em Os Incríveis.
Fonte: pixar.com

A malha foi divida em pedaços e estes tipos de tecidos, texturas e caimentos.


foram unidos como se fossem as costuras, Em sequência, a equipe técnica elaborou
posicionando essa blocagem em torno da estudos do comportamento destes tecidos
personagem 3D (Figura 52), para, então, ser para serem aplicados ao software 3D. Um
aplicado o cálculo de simulação física com estudo envolvendo todas as personagens
influência da força gravitacional e atritos, da animação e todas as composições dos
fazendo com que a malha 3D aparentasse ser figurinos presentes nela não seria compatível
tecido (ibid.). Bryn Imagire (apud. VAZ, 2004), com a extensão desta pesquisa, sendo optado
uma das artistas envolvidas na produção por observar as mudanças das vestimentas
da animação, indica que ao longo de Os do protagonista, Mr. Incredible (dentre os
Incríveis (2004) são inclusos um conjunto de integrantes da família Parr).
mais de 80 figurinos, com os mais diversos
139

Figura 53 – Mr. Incredible.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

Durante a Golden Years, Mr. Incredible dois figurinos distintos dessa personagem, o
(Robert Parr) era considerado o mais popular primeiro é o uniforme de super-herói que usa
dentre todos os heróis (Figura 53). Sua silhueta para combater o crime como Mr. Incredible, e
é baseada em formas retangulares, que outro, uma vestimenta formal.
podem, conforme visto no primeiro capítulo,
O uniforme é composto por três
ser associadas à honestidade, retidão, e
cores, por ordem de predomínio: azul, preto
esmero (Dondis, 2003). A personagem Robert
e vermelho. Outros heróis das histórias em
Parr, transmite em suas ações muitas destas
quadrinho que usam essas mesmas cores
características, além de sua silhueta ressaltar
são Capitão América e Superman. Além dos
sua postura masculina, confiante e estável.
significados subjetivos dessas cores que
Durante a Golden Years, são apresentados
apontam indícios das virtudes, os uniformes
140

Figura 54 – Traje social como referencia à James Bond.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

destes dois heróis fazem uma analogia às ponto vermelho que complementa o símbolo
cores presentes na bandeira norte-americana. “I” sobre seu tórax, sobre a área do coração.
Contudo, o Mr. Incredible vive em um universo
Unindo as cores a um estudo da
narrativo próprio, com países fictícios, não
estrutura geométrica deste uniforme, pode-
estabelecendo esta mesma analogia por meio
se observar que ele é constituído por traços
do universo do filme. Adicionalmente, o tom
quadriláteros, reforçando as características
azul na cultura ocidental está relacionado
físicas da personagem. As arestas superiores
à figura masculina. A segunda cor em
da área azul convergem para os vértices da
predominância em seu uniforme é a preta,
base superior da letra “I” estampada em seu
complementando e ressaltando a silhueta
peito, conduzindo o olhar do espectador
retangular da personagem. Por fim, há um
em direção ao símbolo de “Incredible”. O
141

ponto vermelho, neste momento, por seu Quinze anos depois da fama (Figura
posicionamento, pode estar associado ao 55), a forma de base para a personagem
centro de força (coração), com a leitura mantém o aspecto retangular, porém
torna-se mais arredondada, demonstrando
possível de que este herói deseja fazer o bem
o ganho de peso e a perda da estabilidade
para as pessoas.
inicial. Para transmitir esse conceito um dos
O segundo figurino utilizado pelo character designers, Lou Romano, afirma que
“Brad queria que ele aparentasse ser uma
herói é um traje formal (Figura 54) composto
estrela de futebol americano envelhecido...
por um terno preto sobre uma camisa branca
Nós o queríamos como um Deus Grego,
com jabô plissado e uma gravata borboleta entretanto de uma forma decadente e
preta. Este conjunto faz referência ao desgastado em seu envolto.” (Lou Romano
figurino de James Bond – uma das inspirações apud. VAZ, 2004, p.17, tradução nossa31). Este
assumidas por Brad Bird – com o adicional segundo momento pode ser denominado
de um cravo vermelho sobre o terno. É de “família comum” na qual a vida de
visto posteriormente que este era o traje Robert se torna corriqueira e monótona
depois da aposentadoria de herói. Esses
utilizado em seu casamento, sendo o uso do
aspectos são refletidos tanto na iluminação
cravo na vestimenta um costume ocidental
e cores das cenas como em seu figurino
em matrimônios. Nesta cena também é por meio de cores pouco saturadas e com
demonstrado os dispositivos em seu carro predominância de tons cinza e azul. Em uma
utilizados para trocar a roupa de civil para a primeira instância, é mostrado o emprego
roupa de herói. A tecnologia, assim como de Robert. A frustração e a burocracia são
a vestimenta, é também referência aos refletidas tanto na composição da cena,
utilizados por James Bond, já que o universo em que mostra os cubículos nos quais os
de Os Incríveis (2004) é, como visto, baseado
31 “Brad wanted him to look like an aging football star... We
no futuro imaginado nos anos 1960. wanted him to feel like a Greek god, although somewhat in
decay and rough around the edges.” (tradução nossa)
142

Figura 55 – A roupa apertada e o espaço confinado passa a sensação de sufocamento da personagem.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004
143

Figura 56 – O momento em família com o distanciamento de Robert.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

funcionários trabalham, como também em se exercitar, sendo motivo do seu ganho de


seu figurino que é composto de uma camisa peso. O figurino acentua as mudanças em
social branca, calça preta e uma gravata seu corpo ao longo dos anos, demostrando
preta. Desta vez não são só as cores binárias também esse “sufocamento” por estar
que demonstram a monotonia (branco e trabalhando em um local frustrante. Até
preto) e a sensação de estar aprisionado, mesmo em seu percurso para casa a sensação
mas também o tecido da camisa sobre a pele de confinamento é demonstrada no trânsito
de Robert, aparentando estar apertado e parado e pelo tamanho de seu carro que é
pressionado sobre seu corpo fora de forma. apertado em proporção ao seu porte físico.
É indicado por meio de diálogos entre as
Ao chegar em casa, sua vestimenta
personagens que Robert trabalha há três
anos sentado o dia todo e, com isso, fica sem continua com uma variação deste figurino,
144

Figura 57 – Máscara referenciando as cores de seu traje de herói.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

Robert está com o mesmo conjunto de para Robert, mas que foi suprimido de sua
roupas, porém sem a gravata e com o botão vida quando houve banimento dos heróis.
do colarinho da camisa aberto para simular
Em sequência, Robert e seu melhor
uma “folga”, entretanto ainda permanecem
amigo Lucious Best – que também era um
as cores preta e branca (Figura 56). Neste
super-herói com o codinome Frozone –
momento é demostrado certo distanciamento
atuam como heróis por “debaixo dos panos”
quando a personagem está interagindo com
enquanto ouvem o rádio da polícia para
a família, ficando entusiasmado apenas
encontrar ocorrências que podem ajudar.
quando o filho fala em ter usado os poderes
A roupa do trabalho está por baixo de um
naquele dia, algo que era muito importante
suéter preto e, para esconder sua identidade,
145

Figura 58 – Momento de conflito entre Robert e Helen.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

Em seguida Robert volta para


a personagem utiliza uma máscara azul com
uma faixa nos olhos de mesmo tom que casa, com o mesmo suéter que usou na
seu uniforme (Figura 57). Esta combinação cena anterior, entretanto, sem a máscara,
de preto e azul faz uma associação a sua sendo observado uma predominância do
época de super-herói na Golden Years, talvez tom preto (Figura 58). Neste momento
sugerindo que atuando escondido Robert Robert se depara com o conflito dramático
está buscando suprimir a frustração de seu de sua esposa ter descoberto que ele
dia-a-dia ao deixar as roupas do escritório está agindo como herói escondido, e há
por baixo, em segundo plano. uma discussão conjugal. A personagem
se depara com o dilema de não poder
146

Figura 59 – Uniforme reforçando sua silhueta arredondada.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

mais sair escondido para salvar as pessoas Seguindo para a próxima troca de
como desejaria. É possível avaliar neste figurino, após perder o emprego, Robert
momento a dualidade das cores apontada recebe o contato da personagem Mirage
por Guimarães (2002), sendo que a leitura que o convida para fazer uma missão como
do tom preto depende do contexto no qual Mr. Incredible novamente. Ele volta a usar

a personagem está inserida. No começo, seu uniforme da Golden Years, mas pela
passagem de tempo não aparenta ter a
durante a Golden Years, a cor poderia estar
mesma forma física, a personagem continua
associada à sofisticação e ao luxo, agora,
com uma silhueta retangular, entretanto com
neste momento de conflito, ela pode
as bordas arredondadas e desgastadas. A
possuir estas outras conotações de pesar.
147

Figura 60 – Traje social para encontrar com o contratante.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

roupa apertada enfatiza como a personagem Em seguida, com a missão efetuada


ficou fora de forma depois de anos afastado e o pagamento pelo seu trabalho realizado,
(Figura 59). é demonstrado o momento em que Robert
retoma a confiança e a autoestima. Há uma
Quando consegue executar a missão sequência de um pouco mais de um minuto
concedida, Mr. Incredible participa de um com as mudanças da personagem, tanto
jantar de agradecimento com Mirage. Com físicas como psicológicas. Robert passa
trajes sociais, o terno de cor cinza-chumbo a interagir mais positivamente com sua
juntamente à camisa social azul e a gravata família, volta a fazer exercícios físicos para
vermelha, novamente faz uma referência ao recobrar sua forma e usa o dinheiro pago para
seu uniforme de herói.
148

Figura 61 – Figurino como elemento narrativo.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004
149

Figura 62 – Figurino realça a silhueta esbelta da personagem.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

comprar carros mais confortáveis para ele e “A vestimenta é um elemento narrativo


para a esposa. O figurino atua nesse trecho importante. Quando vemos Bob na Insuricare
suas roupas são apertadas e sua barriga é
do filme como duas ferramentas distintas: grande. Em seguida, quando começa a ser
para mostrar a passagem de tempo (há mais o Mr. Incredible novamente, ele fica esbelto
e suas roupas ficam mais estruturadas e
de dez trocas de roupas) e como indicação de esguias.” (BRYN IMAGIRE apud. VAZ, 2004,
humor, com roupas coloridas e de perda de p.18, tradução nossa32)

peso, pois as camisas ficam menos apertadas.


Em sequência, Robert percebe que
Além das roupas, a iluminação atua como
seu traje de super-herói havia rasgado na
elemento narrativo nesse trecho, possuindo
32 “Clothing is an important storytelling point. When we see
cores mais quentes que refletem o humor Bob at Insuricare, his clothes are tight and his belly is big.
otimista da personagem. Later, when he starts becoming Mr. Incredible again, he gets
slimmer and the clothes are more streamlined and sleek.”
(tradução nossa)
150

Figura 63 – Uniforme indicando unidade familiar.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

última missão. Logo ele entra em contato com mais esguia, perdendo a aparência sedentária
a designer de moda, Edna Mode, personagem da época em que trabalhava na seguradora.
que desenvolvia os uniformes de todos os
O próximo figurino utilizado pela
heróis durante a Golden Years. Em sua visita
personagem é o uniforme Incredibles que
ele está usando uma camiseta preta com
se tornou ícone da animação, simbolizando
gola em “V” e calças sociais cinzas (Figura
não somente o Mr. Incredible, mas toda sua
62). A cor preta, juntamente com a cinza,
família (Figura 63). Edna Mode, ao produzir
neste contexto, novamente resgata a ideia
o novo uniforme de super-herói para Robert,
de sofisticação e elegância. É possível notar
cria um conjunto unificado pensando na sua
nesta cena como a camisa por dentro da calça
esposa e filhos como heróis também. Assim
faz com que a silhueta da personagem pareça
151

Figura 64 – Momento de relaxamento com a família.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

como apontado por Craik (2009), o uniforme maior intensidade (FARINA, 1986). “A ele
é um meio de comunicar a posição daquele atribuímos os conceitos de cor dinâmica,
indivíduo perante os outros, neste caso, expansiva, e que é, de todas as cores, a mais
o uniforme é abordando com o propósito permanente” (GUIMARÃES, 2002, p.119).
de inferir unidade, referente à unidade Visto desta forma, podem ser atribuídas
familiar. Neste uniforme predominam as tais características a união familiar, o que os
cores vermelha, preta e amarela, perdendo tornam mais fortes, intensos e permanentes
completamente o tom azul que existia – até mesmo enquanto laços consanguíneos.
no primeiro utilizado por Mr. Incredible Por fim, há um momento de
quando atuava sozinho. O tom vermelho relaxamento com sua família: o figurino de
é indicado na escala cromática como a de Robert é composto por um cardigan amarelo
152

Figura 65 – Referência aos quadrinhos de Superman.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

sobre uma camisa branca e uma calça cáqui Superman – que também utiliza o uniforme
(Figura 64). Ao primeiro olhar essas cores por baixo de sua roupa de civil.
aparentam não criar um contraste com o
Desta maneira, viu-se possível fazer
tom de pele e cabelo da personagem, a
um estudo sobre o figurino da personagem
deixando esmaecida.
como ferramenta narrativa para indicar as
A animação encerra com Robert alterações de humor, momentos de conflito
abrindo a camisa, mostrando que por de e superações encontrados por ela no enredo.
baixo desta vestimenta ele está com o Visto como ocorre a concepção do figurino
uniforme de Incredibles, isto é, sempre de uma personagem animada, segue-se com
pronto para agir como super-herói. Esta um estudo dentro do olhar do design sobre a
cena faz também uma referência ao herói concepção de figurinos em diferentes mídias.
153

3.2 Figurinos: do material ao Desta forma, para traçar um paralelo ao que


foi levantado previamente e estabelecer
imaterial
uma relação entre eles serão abordados
Vistos os processos que compõem neste tópico os três paradigmas da imagem
os figurinos para personagens de animação (Santaella e Nöth, 2005), identificando as
tridimensional, efetua-se, neste tópico, um semelhanças, divergências e hibridizações
método comparativo entre os processos de dos meios de produção da imagem.
criação pela visão do design. Para efetuar
Santaella e Nöth (2005) definem o
esta comparação do meio físico para o digital,
termo paradigma como “(...) o conjunto de
serão abordados os conceitos referentes aos
compromissos relativos a generalizações
três paradigmas da imagem, apresentados
simbólicas, crenças, valores e soluções
por Santaella e Nöth (2005) com referências ao
modelares que são compartilhados por uma
texto de Couchot (1993) que aborda questões
comunidade científica dada.” (ibid., p. 153).
que envolvem as convergências dos termos
Em outras palavras, pode-se entender por
representação e simulação no âmbito digital.
paradigma um padrão, sendo estabelecido
Para complementar estas reflexões sobre o
por uma comunidade científica. Em relação à
meio digital, serão também apresentados
imagem, são eles:
conceitos referentes à imagem técnica, à
cultura imaterial e cultura materializadora, 1) Pré-fotográfico: imagens produzidas
elaborados por Flusser (1985; 2007). artesanalmente, englobando as artes
manuais como a pintura e a escultura. A
Depois de realizar o estudo
imagem produzida depende diretamente
pertencente à linguagem imagética, viu-
da leitura do artista, que passa sua visão de
se necessário abordar como o processo de
realidade para um meio físico. Flusser (1985)
construção de figurinos ocorre em outros
denomina este tipo de produção como
meios da linguagem visual e audiovisual.
154

imagens tradicionais, elaborando para essa de luz) que ocorre a captação dos raios
referência características análogas àquelas luminosos refletidos no objeto, passados
apontadas por Santaella e Nöth (2005) ao para o negativo. Para Flusser (1985), este
dizer que as imagens tradicionais precisam paradigma pode ser entendido pelo conceito
de um agente humano (sendo este pintor, de imagem técnica, sendo aquela produzida
desenhista) que faz a passagem dos símbolos por meio de um aparelho:
que estão na mente deste agente para uma O aparelho fotográfico pode servir de modelo
superfície. É possível notar como os artistas para todos os aparelhos característicos da
atualidade e do futuro imediato. Analisá-lo
eram agentes atuantes que retratavam o é o método eficaz para captar o essencial de
cotidiano de sua época antes da fotografia, todos os aparelhos, desde os gigantescos
(como os administrativos) até os minúsculos
formulando imagens de situações rotineiras, (como os chips), que se instalam por toda parte.
representando suas crenças por meio de (FLUSSER, 1985, p.13)

imagens e passagens cotidianas.


Há de se relativizar sobre um aspecto
2) Fotográfico: referente às imagens de desta questão, já que há, atualmente,
captura por aparelho ótico, sendo câmeras de imagens de captura por um aparelho ótico
fotografia ou de captura de vídeo. Santaella e utilizando tecnologia de armazenamento
Nöth (2005) apontam que esta surge através digital, levantando a questão se esse
do “(...) traço de raio luminoso emitido por processo híbrido se adequaria a este segundo
um objeto preexistente (...) captado e fixado paradigma. Entretanto, Santaella e Nöth
por um dispositivo fotossensível químico (2005) indicam a possibilidade de haver
(fotografia, cinema) ou eletrônico (vídeo).” híbridos dentre os três paradigmas, visto
(ibid. p.157). Neste processo, Couchot que as mudanças tecnológicas não se dão
(1993) ressalta que a imagem é um tipo de de forma brusca, e sim com o passar de um
representação do real, já que é por meio de período para o desenvolvimento.
um centro organizador (orifício para entrada
155

3) Pós-fotográficas: Refere-se às imagens receptor, já que o meio de produção destas


sintéticas, que são inteiramente calculadas imagens ocorre de diferentes maneiras e é
por meio de uma linguagem de computação. recebida por diferentes meios. Cabe apontar
Pode-se entender esse terceiro paradigma que os meios de produção associados a estes
como as de produção gráfica por softwares 2D três paradigmas se originaram em épocas e
e 3D, que utilizam o modo de armazenamento contextos diferentes, com valores culturais
por informações binárias. Novamente diferentes e, portanto, sua leitura deve ser
é possível assemelhar este paradigma condizente ao seu tempo histórico. Assim,
ao conceito de Flusser (2007) de cultura pode-se dar continuidade ao próximo tópico
imaterial, ou seja, uma forma de produção referente à concepção do figurino de uma
na qual as informações são introduzidas em personagem fazendo, com estas questões
um campo eletromagnético e transmitidas a levantadas, uma analogia sobre diferentes
partir desse mesmo campo. meios.

Uma vez apresentados os tópicos que No primeiro paradigma, o pré-


consistem os três paradigmas da produção fotográfico, pode-se comparar ao figurino
imagética, torna-se possível compreender de palco (abordado no segundo capítulo)
como transportar estes modos de produção que se caracteriza como uma produção
para a construção de um figurino. Santaella e do meio físico e ocorre por processos de
Nöth (2005) afirmam que “(...) toda mudança estudo e desenho voltados para o campo
no modo de produzir imagens provoca material. As vestimentas que compõem
inevitavelmente mudanças no modo como o figurino são idealizadas de maneira
percebemos o mundo e mais ainda, na imagem analógica por meio de modelagem, cortes e
que temos do mundo” (ibid., p. 158). Assim, costura. Foi apontada no segundo capítulo a
ocorrem mudanças na maneira pelas quais a possibilidade de haver figurinos diferentes
informação da linguagem imagética chega ao para a mesma personagem, pois essa leitura
156

depende de fatores individuais tanto do e a composição dos quadros de vídeo podem


próprio figurinista como da interpretação das ter divergências, já que não será observado
personagens vinda do diretor e dos próprios diretamente a partir do olho do espectador.
atores. O figurinista também deve estar Foi demonstrado no segundo capítulo como a
atento para quando houver trocas, ou ainda, captação da luz pelos aparelhos pode interferir
momentos em que um ator pode interpretar na variação de cores, além das lentes com filtros
diferentes personagens em uma mesma peça. que podem acentuar ou neutralizar certos
Diferentes atores com corpos e proporções tons. Adicionalmente, existem diferentes
diversas poderão estar no palco, logo, deve- modos de configuração e armazenamento da
se considerar as medidas, modelagens e imagem e, com isso, diferentes resoluções e
materiais que irão vestir estes corpos e as características visuais que influenciam na visão
amarras que facilitarão esta troca de roupas, final do observador. Ao contrário do teatro em
quando houver. Todas estas questões, por que o espectador observa a profundidade da
exemplo, não ocorrem desta forma no meio cena, este segundo paradigma é transmitido
digital, conforme será abordado mais adiante. em uma superfície, ou seja, a tela de cinema
ou televisão. Entretanto, diferente do palco
O segundo paradigma, tendo como
no qual o espectador normalmente está
principal característica a captação da imagem
distanciado do que vê, no cinema é possível
por um aparelho ótico – como a câmera
criar planos de composição que aproximam
fotográfica ou a câmera de filmagem –
o espectador do objeto, como o close. Desta
depende intrinsicamente de um objeto real
forma, se faz necessário uma abordagem
para se dar por feito, pois a imagem formada
diferente nos figurinos de cinema que precisam
pela câmera é uma leitura dos raios de luz
de maior detalhamento e, muitas vezes, maior
refletidos do objeto. Assim sendo, o processo
aproximação de uma “visão realística”. Estas
de confecção do figurino não se difere muito
características da linguagem cinematográfica
do que visto em palco, porém o resultado final
157

refletem tanto na construção do figurino como homem e a maneira pela qual o observador,
também no estilo de atuação que se diferencia receptor ou espectador recebe a informação
no teatro para o cinema, como é apontado por passada por meio desta linguagem imagética.
Martin (2002). Embora todos os autores concordem
O desempenho do ator no cinema tem pouca sobre o sistema de produção da imagem,
relação com o que se vê no teatro. No palco, Couchot (1993), no entanto, faz menção à
o ator pode ser levado ao mesmo tempo a
forçar seu desempenho e a estilizá-lo, numa representação da imagem de uma forma
perspectiva que não depende do natural para diferente. O autor não vê a imagem digital
torná-lo, perfeitamente inteligível; o mesmo se
dá com a dicção. No cinema, em geral, a câmera como uma representação do real e, sim,
se encarrega de pôr em evidência a expressão como uma simulação, sendo uma de suas
gestual e verbal, mostrando-a em primeiro
plano e sob o ângulo mais adequado: na tela, justificativas o próprio pixel. Enquanto no
regra é a nuança e a interiorização. Além do segundo paradigma há uma captação física
mais intervém a fotogenia, que não depende
do talento do ator e subjaz em grande parte ao da imagem, fazendo com que os raios de luz
conceito de estrela, uma noção que desafia a projetados em uma superfície fotossensível
análise. (ibid., p. 73)
gerem uma reação, e com isso a gravação
O terceiro paradigma diz respeito às da imagem nesta superfície; o pixel é uma
imagens do meio de produção digital. Porém, resposta de códigos binários dentro de um
cabe antes abordar uma problemática em sistema eletrônico. Em outras palavras “O
relação à representação da imagem no pixel é a expressão visual, materializada na
campo digital nas visões de Santaella e Nöth tela, de um cálculo efetuado pelo computador,
(2005), Couchot (1993) e Flusser (2007). Os conforme as instruções de um programa”
autores concordam que o desenvolvimento (Couchot, 1993, p.42). O autor complementa
tecnológico e a possibilidade de criar imagens sua justificativa ao dizer que a única coisa
por meio de códigos binários mudaram que preexiste ao pixel e à imagem na tela
completamente o sistema de produção do eletrônica, é o programa através de códigos
158

de linguagem numérica. Esta linguagem não deveria na verdade se chamar de cultura


representa o mundo real, ela o simula, não materializadora.” (ibid., p. 31). Neste ponto,
tendo relação nenhuma direta com o real. E, também há uma convergência de opiniões
além disso, Couchot (1993) aponta a questão entre Flusser (2007) e Couchot (1993),
de que essa realidade de códigos numéricos sendo possível simular por meio de códigos
é uma realidade sintetizadora e artificial, ações físicas que ocorrem no mundo real.
que não há base no real além de uma nuvem Couchot discorre sobre um exemplo de uma
eletrônica, uma realidade unicamente virtual. imagem (animação) de um pôr do sol sobre
um mar agitado com ondas. Para efetuar
Em complemento a isso, é viável
essa animação, são necessário códigos de
discorrer sobre a cultura imaterial, conceito
simulação de física e refração da luz sobre a
abordado por Flusser (2007), sendo
água e ainda da movimentação das partículas
exatamente o processo de produção cultural
de água para gerar as ondas. Mas, mesmo
que ocorre por meio da programação em
assim, o autor indica que seria apenas uma
dispositivos eletrônicos. O autor faz um
simulação do real, e não uma representação,
autoquestionamento no ponto em que,
uma vez que:
por meio dos programas de computador,
Não se trata mais, então, de fazer a imagem
o homem se torna capaz de criar mundos
representar um real reorganizado pela
virtuais; logo, essa cultura deveria chamar-se superfície do espelho, pelo orifício da câmera
escura ou pela varredura da câmera eletrônica.
materializadora, uma vez que o programador
Não se trata mais de figurar o que é visível:
pode, por meio dos códigos, materializar o trata-se de figurar aquilo que é modelizável.
(COUCHOT, 1993, p.43)
que for possível ser programado. “Antes o
objetivo era formalizar o mundo existente; Quando Santaella e Nöth (2005)
hoje o objetivo é realizar as formas projetadas empregam o termo imagem sintética como
para criar mundos alternativos. Isso é o sendo aquela produzida no âmbito digital,
que se entende por cultura imaterial, mas esta poderia ser compreendida relacionada à
159

cultura imaterial de Flusser (2007). Os autores 3.3 Edna Mode e o design


apontam que, segundo a compreensão de
Peirce, a simulação no âmbito virtual não Em sequência ao que foi apontando,
passa de diversos processos de representação o primeiro capítulo desta pesquisa indica
da imagem. que o processo de construção de um figurino
de personagem digital assemelha-se à
As equações algébricas a serem processadas
pelos computadores e que são passíveis de produção física (relacionada ao primeiro
serem traduzidas nos pontos de luz da tela paradigma) em que há o esboço inicial com
são matrizes numéricas ou representações de
um modelo. A imagem sensível que aparece estudo de cores, composição, texturas e
na tela, por sua vez, funciona como outro tipo silhueta. O ponto em que mais diferencia
de representação, mais indicial, da relação
estes dois tipos de produção é exatamente
ponto a ponto do valor numérico com o pixel.
Por fim, a imagem na tela é ainda outro tipo de o da simulação. O material utilizado
representação, mais icônica, quer dizer, é uma no meio digital não possui peso e nem
das aparências sensíveis possíveis do modelo
que a gerou. De modo algum, por ser simulativo, resistência para prender movimentos, ou
tal tipo de imagem deixa de ser representativo, ficar justo ao corpo de modo que dificulte a
apenas o caráter de sua representação torna-se
muito mais complexo e misturado. (SANTAELA
movimentação da personagem, como pode
e NÖTH, 2005, p. 160) ocorrer com os atores no âmbito físico. Isso
por que todos os elementos desta imagem
Com isso, pode-se ressaltar que o sintética são concebidos por meio de
terceiro paradigma será o que apresentará códigos que simularão33 a sensação do peso
questões divergentes dos paradigmas
33 Quando foi efetuada a animação Os Incríveis (2004),
anteriores, pois ele se dá por meio dos algumas dessas simulações de tecido precisavam ser
efetuadas “manualmente”. Atualmente há softwares que
códigos no campo virtual, distanciando-se disponibilizam configurações pré-determinadas que simulam
do âmbito físico. Seu sistema de produção em tempo real um protótipo da vestimenta com costuras,
aviamentos e caimentos se baseando em sua modelagem.
ocorre por meio do computador, e o receptor Possibilitam ainda exportá-los para projetos de animação
e games ou aplicativo que permite o usuário fazer testes
final desta imagem pode ter uma percepção de roupas em lojas virtuais antes de adquiri-las. Exemplos
mais conhecidos destes softwares são: : CLO3D, Marvelous
diferenciada dos outros dois paradigmas. Designer e Optitex.
160

e movimentação do tecido, juntamente a um maioria das vezes, é necessária uma locação


sistema de rigging que será manipulado pelo para compor o cenário, ou, há a possibilidade
animador para conduzir a movimentação de ter uma composição feita por meio de
da personagem em cena. Esta etapa ocorre computação gráfica utilizando um fundo de
de maneira diferente na animação, já que chroma-key34 nas filmagens live-action.
a malha que compõe a vestimenta, muitas
Enquanto nas produções live-action
vezes, inicia de uma duplicata do corpo da
o figurinista tem que se preocupar com as
personagem com alterações de volumes e,
medidas do corpo de cada ator em cena,
como explicado no primeiro capítulo, há a
na animação um mesmo modelo pode ser
aplicação de configurações que irão simular
alterado em suas proporções para cumprir
a reflexão da luz para imitar os tipos de papéis diferentes. No filme Os Incríveis,
materiais. por exemplo, utilizou-se de um modelo
Outro elemento que conecta ambos genérico que faz a composição de figurantes
e personagens secundárias variando-as por
os tipos de produção animada e teatral é a
meio da manipulação das proporções malha.
nomenclatura, sendo que algumas técnicas
Esse processo pode ser comparado ao de criar
e vocabulários da animação tem origem no
escultura de balões, uma vez que utilizando
teatro. O stage, por exemplo, é o espaço virtual
um mesmo balão, mas alterado a posição dos
onde é montada a cena, adicionando objetos
nós ou da quantidade de ar dentro dele, o
que irão compor o cenário, as personagens e escultor pode criar diferentes seres e objetos.
efeitos de partículas (como fumaça, névoa, Na malha tridimensional essas alterações
água e fogo) que darão a encenação ou são feitas por meio da posição cartesiana dos
simulação de certo ambiente. Ou seja, assim vértices, que mudam a estrutura das faces
como no teatro, faz-se uma montagem de um que compõem a malha.
ambiente externo por meio da cenografia,
dando a sensação ao espectador de que 34 Chroma-key é o nome dado ao tipo de filmagem que
utiliza um fundo, normalmente verde ou azul, que será
há uma base coerente naquele universo removido digitalmente, aplicando cenário ou efeitos visuais
substituindo esse fundo na pós-produção.
narrativo. Diferente do cinema, em que, na
161

Figura 66 – Simulação de resistência do material.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004.

Em meio disto, a modelagem de (ou animador) por meio de um código ou


figurinos para uma personagem digital é comandos acionados por cliques de botão.
feita por uma malha que receberá uma Pode haver a presença de laços, fios e
textura simulada por cima do corpo da amarras, mas esses não terão a função de
personagem. Logo, não são necessárias segurar a roupa no corpo da personagem,
amarras ou aviamentos para conter o tecido, mas de favorecer um caráter contemplativo
já que toda a construção deste mundo ou de verossimilhança. Contudo, se for
imaterial não passa de uma simulação. Ao intenção do roteiro em uma determinada
contrário do meio físico, a personagem não cena indicar que a personagem, por algum
precisa desfazer as amarras da roupa para motivo, terá de desamarrar a roupa, pode
se trocar para uma próxima cena; muitas ocorrer então uma simulação pelo animador
vezes esse ato é feito pelo programador do funcionamento destas amarras.
162

Em um teaser de lançamento para e ilustradores envolvidos na produção do


Os Incríveis (2004), por exemplo, há uma filme, já que Edna é caracterizada como
cena em que Bob tenta prender o cinto de uma designer de moda que fabricava
seu uniforme (Figura­66), este acessório os uniformes dos heróis na Golden Age.
no âmbito 3D não é funcional para prender Portanto, é como se ela tivesse criado o
suas calças, e ainda, não possui resistência concept art de cada uniforme que aparece
física para poder envolver sua cintura. em cena. A personagem foi baseada em
Porém, pelo processo de animação, é dois elementos icônicos do cinema, sua
simulada pela atuação da personagem funcionalidade é referência ao agente Q dos
sua funcionalidade, material e resistência, filmes James Bond, àquele que desenvolve os
fazendo com que esse objeto transmita uma acessórios tecnológicos para espionagem. Já
sensação de reprodução da realidade física sua personalidade e aparência são inspiradas
ao espectador. Este material digital não em Edith Head (1897–1981) (Figura 64),
apresenta elasticidade ou resistência, estas figurinista de cinema indicada 35 vezes ao
características são passadas pelo animador Oscar, conhecida por filmes como Sansão e
ou programador por meio das ferramentas Dalila (1951), A princesa e o Plebeu (1954) e
existentes no programa que fazem com que Sabrina (1955).
o espectador tenha a ilusão de que aquele
Os produtores decidiram que cada
material funciona como no mundo físico.
personagem deveria conter uma silhueta
Em outra cena, Edna Mode apresenta única, criando diversas variações de visuais
à Helen Parr (ElastiGirl) os novos uniformes que a personagem poderia obter (PIXAR,
de herói que desenvolveu para a família. Vale 2016). Brad Bird, conheceu pessoalmente
ressaltar a relevância dessa personagem Edith Head, e foi ela sua inspiração de como
para a narrativa, que assume um papel de alguém de baixa estatura apresentava
metalinguagem para abordar os designers essa grande personalidade dentro de si,
163

Figura 67 – Edith Head, inspiração para Edna Mode.


Fonte: queensofvintage.com; pixar.com

decidindo que a personagem deveria conter Edna Mode demonstra, ao longo do


uma personalidade forte assim como a da enredo, ser amiga próxima de Mr. Incredible
figurinista, desejando desenvolver esse e ElastiGirl, aparecendo também na cena de
conceito para Edna (ibid.). seu casamento. Helen a visita para procurar
“(...) é uma pessoa muito pequena, porém Robert, pois descobre que o uniforme
muito poderosa. Ela tem esse jeito de entrar antigo do Mr. Incredible estava rasgado e
em qualquer situação e, sem muito esforço,
sair por cima. Ela é a única no filme que faz com foi remendado com uma linha de costura
que os super-heróis fiquem desconfortáveis. característica utilizada por Edna. Neste
Eles eram os mais confiantes, mas quando se
encontram com ‘E.’ de repente ficam abalados, momento, a personagem Helen suspeita que
ficam sem chão, não sabem muito bem seu marido estivesse a traindo, pois estava
como lidar com ela, mesmo ela sendo uma
fração do tamanho deles. Sua autoconfiança ocultando informações. Com isso, Edna
provavelmente é a maior dentre todas as confronta a crise, mandando-a resgatar o
personagens do filme.” (BRAD BIRD, apud.
PIXAR, 2016, tradução nossa) marido que estava em apuros. A personagem
164

se apresenta ainda com a função de alívio alta velocidade, possui um tecido resistente
cômico entre os conflitos familiares que à fricção sem desgastar nem esquentar pelo
envolvem os Parr. atrito. Depois, para Violet, Edna Mode cria
uma malha que é ativada por seu poder,
Em sua casa, Edna possui um
tornando possível ficar completamente
laboratório têxtil secreto, cujas máquinas
invisível. E, por último, o uniforme de Helen,
aparentam ter saído de séries de ficção
com a possibilidade de esticar tanto quanto
científica dos anos 1960. Por trás de um
ela puder, complementando que o tecido é
display de vidro ela faz uma demonstração
arejado como algodão egípcio.
dos materiais que desenvolveu para
cada integrante da família. Os uniformes No âmbito físico muitas dessas
mantêm uma mesma estrutura e identidade características não poderiam ser atribuídas
visual, para indicar a unidade familiar; o aos tecidos, mas com a animação, é possível
que os diferencia é a silhueta do corpo da criar uma simulação de uma malha que estica
personagem e a explicação do funcionamento o quanto for necessário, ou simular resistência
de seus materiais (Figura 68). a um material que não possui nenhuma.
Entretanto, para obter esses efeitos
O primeiro uniforme a ser demons- simulados, é necessária uma programação
trado é o do filho caçula, Jack-jack. Por ainda prévia no rigging do objeto em cena, “Pois o
não se saber especificamente qual é o poder aparelho só faz aquilo que o homem quiser,
dele, Edna desenvolve um material resistente mas o homem só pode querer aquilo de que
ao calor, à prova de balas e adiciona que além o aparelho é capaz.” (Flusser, 2007, p. 40). Ou
de todos estes atributos é possível lavá-lo na seja, o animador não será capaz de simular
máquina, complementando que o tecido é uma ação sem sua potencialidade, se dentro
macio para manter o bebê confortável. Em do programa não houver um comando pré-
seguida, o uniforme de Dash, que corre em estabelecido para que a malha atue da
165

Figura 68 – Simulação de materiais.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004

forma que ele deseja. A animação, desta foram simular o movimento de cabelo,
forma, possibilita que aquilo considerado tecidos, um sistema de musculatura sob a
impossível no âmbito da realidade física pele da personagem e a própria simulação
da textura da pele humana. Os obstáculos
imediata possa ser produzido no universo
apresentados ao longo da produção da
digital – ultrapassando um papel de registro,
animação de Os Incríveis (2004) só puderam
reprodução ou simulação desta mesma
ser solucionados graças ao trabalho
realidade. Como visto, alguns dos problemas
integrado de uma equipe de desenvol-
a serem solucionados na produção do filme
vedores e designers.
166

fazer o novo uniforme da família de heróis


Desta maneira, a personagem
indica uma alteração de projeto a partir da
Edna Mode funciona como uma figura
incompatibilidade com a funcionalidade
metalinguística não somente por sua função
do uniforme, em uma orientação centrada
como designer e estilista, mas tornando
no usuário. O uso da capa, que é frequente
possível o comportamento excepcional dos
em heróis de histórias em quadrinhos,
materiais que compõem os uniformes dos
foi satirizado no filme Os Incríveis (2004)
heróis. Edna é a ferramenta que conecta
demonstrando que o uso desse adorno
o universo fictício de Os Incríveis ao da
levou a morte ou ferimentos graves de
materialidade; do corpo com o tecido e com
muitos heróis no passado. “O designer de
o design de moda. Sua presença faz a ligação
moda trabalha fundamentalmente com
entre o primeiro paradigma (referente à
projetos que buscam soluções que agreguem
produção física) com o terceiro (ao que diz
valores ao produto como inovação, utilidade
respeito à produção digital). A relevância
e novidade, características, inclusive, da
da personagem para esta pesquisa não está
própria moda.” (GRAGNATO, 2008, p. 57).
somente em seu papel narrativo de unificar
Edna, como designer de moda, detecta
a família Parr e de designer dos uniformes
este problema em seus projetos anteriores
para os Incríveis. Ao projetar e apresentar a
e encontra uma solução para viabilizar um
funcionalidade das roupas em seu laboratório
produto final, sem abrir mão de seu estilo
têxtil, ela faz a conexão para um mundo
autoral.
fictício criado digitalmente no qual “qualquer
coisa” se torna visível e possível. Como citado anteriormente, a

Um dos bordões que marcou a personagem Edna Mode funciona como uma
personagem Edna Mode foi: “Sem capas!”, espécie de metalinguagem ao momento em
que reflete tanto um trauma pessoal que é demonstrado em seu laboratório têxtil
como seu papel de designer. A opção de croquis de uniformes para heróis dispostos
167

Figura 69 – Laboratório têxtil de Edna.


Fonte: The Incredibles, Pixar, 2004.

sobre uma mesa (Figura 69). Essas ilustrações diferentes meios de exibição do figurino
concept arts foram desenvolvidas por Lou – devido a sua presença no teatro, nos
Romano (character designer) de personagens quadrinhos, no cinema e na animação – foi
que não foram aproveitadas ao filme (PIXAR, possível também notar uma semelhança com
2016). Desta forma, ao observar essa a produção de desenhos de moda ao observar
colocação, é possível fazer uma analogia aos as ilustrações que compõem as ideias iniciais
desenhos de área de moda com concept arts das personagens de Os Incríveis (2004). Para
de personagens de animação. analisar essa semelhança, serão utilizados
apontamentos de Gragnato (2008), Hopkins
Partindo do entendimento de que
(2011) e Morris (2009) que fazem uma
o desenho é outro ponto que conecta os
168

compilação sobre os processos que envolvem “Um croqui destinado a um modelista, por
exemplo, normalmente requer um nível de
esse tipo de produção referente ao design de detalhes e acabamentos que podem incluir
desenho em linhas de todas as costuras, pences
moda. ou até mesmo pespontos; já um croqui mais
pessoal não requer necessariamente tantos
Hopkins (2011) explica que existem detalhes, caso seu propósito seja o de expressar
uma ideia inicial ou simplesmente explorar uma
diferentes tipos e funcionalidade nos de- silhueta.” (ibid., p. 24)
senhos de moda. Há o desenho técnico (ou
desenho planificado) que contém todos os Como visto no primeiro capítulo,
as principais etapas que consistem a pré-
detalhes para a confecção da peça, abran-
produção de uma animação são o roteiro,
gendo as costuras, cortes e aviamentos
o storyboard e a concept art. Ao início, os
que estarão presentes na confecção final –
artistas e designers elaboram ilustrações
esse desenho normalmente é feito em um
para transmitir em uma linguagem imagética
programa de computador. Esse caso pode
as ideias e conceitos apresentados no
ser equiparado ao model sheet em animação, roteiro, muitos desses desenhos iniciais são
que contem as informações visuais sobre concepções da visão de cada artista. No filme
a personagem e, consecutivamente, seu Os Incríveis (2004), Teddy Newton (character
figurino para que possa ser interpretada designer) descreve que ao elaborar uma
de maneira coerente por toda equipe de personagem ele imagina alguma cena ou
modelagem e animação. Há o croqui, que situação em que ela se depara, explicando
é aquele que transmite a ideia do estilista que isso o ajuda a pensar como a personagem
ao elaborar seus projetos, que pode ser se comportaria (PIXAR, 2016). Muitos desses
equiparado ao concept art de personagens desenhos iniciais não possuem a forma
de animação. Mesmo esse tipo mais final da personagem no filme, mas ilustrará
específico de desenho pode possuir seu comportamento, expressões corporais
características e funcionalidade distintas, e faciais e indicações das intenções da
como o autor explica: personagem dentro da narrativa.
169

Esse processo de retratar uma a um problema de design ou a um briefing;


intenção por meio do desenho também sem esse contexto, ele é apenas um rabisco
ocorre na área do design de moda. Para com estilo.” (Hopkins, 2011, p.25). Esse
Hopkins (2011), por exemplo: “O desenho conceito também é encontrado no concept
pode ser descrito como um processo evolutivo art de personagens de animação, uma vez
fundamental para comunicar ideias.” (ibid., que o character designer deve transpor para
p. 7). De forma semelhante ao que ocorre na uma linguagem imagética as características
animação, alguns desenhos de moda não são psicológicas com a intenção de comunicar
ilustrações exatas da peça final, mas retratam ao espectador, por meio de aspectos
referentes aos elementos projetuais do
uma ideia ou um conceito. Morris (2009)
design, como são a cor, a forma, as silhuetas
explica que “Um croqui não precisa ser uma
e as texturas que irão compor visualmente
perfeita obra de arte. As faces e os detalhes
a personagem e seu figurino. Ao mesmo
da figura não são importantes nessa fase.”
tempo, deve-se considerar no character
(ibid., p. 126), já que esse tipo de desenho é
design aspectos técnicos e funcionais
figurativo, e, ao contrário do desenho técnico da personagem, como as articulações
de moda, não precisa apresentar todos os necessárias para os movimentos desejados,
detalhes que estarão na peça. por exemplo.
Ambos Hopkins (2011) e Morris Adicionalmente é apontando pelos
(2009) descrevem os materiais e técnicas de autores que cada estilista deve desenvolver
desenho e ilustração que podem ser utilizadas um estilo próprio, que seria equiparado
ao momento de desenvolver um croqui, a uma caligrafia. Nas obras de ambos
salientando que neste momento se tornam os autores, foram observados desenhos
válidos todos os tipos de expressão desde elaborados com aquarela, giz pastel,
que passe a intenção e objetivo do estilista ao nanquim e colagens entre outros tipos de
desenho. “Todo croqui deve buscar responder técnicas e materiais.
170

A B C

Figura 70 – Concept Arts para Robert.


Fonte: pixar.com

Os desenhos contidos no artbook com texturas, que serviram de base para a


de Os Incríveis (Vaz, 2004) apresentam equipe responsável por simular os materiais
diferentes estilos gráficos referentes a no âmbito tridimensional, juntamente
cada character designer. Como mencionado a sugestões de formas e silhuetas. Já as
no começo desse terceiro capítulo, as artes de Lou Romano (Figura 70B) são
ilustrações de Tedy Newton (Figura 70A) representadas, em sua maioria, com o uso de
para representar suas personagens se deram, guache, apresentando indicações tonais que
em grande parte, por meio de colagens os figurinos das personagens apresentariam
171

em cena. Já as de Tonny Fucile (Figura 70C) Em termos de moda, quando se fala em croquis
figurativos, não significa que eles precisam ser
englobam lápis e marcadores, e foram
realisticamente proporcionais a uma forma
produzidas com a intenção de aproximar a humana. A maioria dos croquis é desenhada
com certa velocidade e estilização que tem por
linguagem do estilo gráfico preconcebido
objetivo comunicar uma atmosfera ou atitude
para serem adaptadas no software 3D. Sendo para além da descrição das roupas. (MORRIS,
2009, p. 25)
assim, cada artista e designer por meio de
seu estilo próprio e diferentes intenções, Como apontado no primeiro capítulo,
conceberam um ideal que compôs em sua a construção das personagens de animação
somatória conceitos para cada personagem. pode ter como ponto de partida formas
Assim como os concepts desenvolvidos por geométricas. Ao estudar a composição
Tedy Newton e Lou romano, que apesar visual do Mr. Incredible foi verificado que
de não possuírem as proporções exatas ele possui uma estrutura retangular, que
das personagens, mas retratam uma induz a enfado, honestidade, retidão, e
intenção, ideia ou atmosfera do que se esmero – características apresentadas
espera concretizar em filme. Para Gragnato pela personagem ao longo da narrativa.
(2008), o desenho está presente em grande Entretanto, observando as concept arts
parte da produção de um projeto de design desta personagem, são propostas outras
de moda, alternando suas características camadas que compõem a sua construção,
conforme cada etapa em que se encontra, com indicações de elementos que fariam
“(...) numa tentativa de completar ou parte de sua leitura imagética. Assim
explicar de outro modo o desenho anterior, como ocorre no desenho de moda, essas
evitando dúvidas e principalmente erros ilustrações não são referências absolutas de
durante a produção.” (ibid., p. 42), ou seja, como a personagem se apresentará no final,
assim como as concept arts da animação, sua entretanto, sugerem ideias e composições
concepção está diretamente relacionada à para traduzir as intenções do roteirista ou
sua funcionalidade.
172

diretor para a linguagem visual. A forma


da personagem e suas características
estereotipadas ou arquetípicas fazem
uma representação de sua funcionalidade
narrativa. Desta forma, com uma comparação
da silhueta do concept art para a personagem,
pode-se entender que Mr. Incredible durante
a Golden Age remete ao personagem de tipo
“herói”, com o tronco largo e postura ereta.
Contudo, sua forma depois de 15 anos não
possui a mesma conotação: é possível notar
que ainda se refere a uma personagem
forte, por seu tronco e estatura alta, mas
sua musculatura de herói está coberta pela
camada de gordura adquirida ao longo dos
anos (Figura 71).

Os concept art de Elastigirl (Figura 72),


durante a Golden Age, sugere, em sua silhueta,
curvas que remetem tanto a feminilidade
quanto à dinâmica e movimento referentes
ao superpoder da personagem. As cores
predominantes em seu uniforme são rosa e
Figura 71 – Silhuetas de Robert.
Fonte: pixar.com o branco. Abordando novamente os estudos
apontados por Farina (1986), é indicado que
173

Figura 72 – Concepts para ElastiGirl.


Fonte: pixar.com

o rosa pode remeter à ternura, fidelidade, período da Golden Age tem em sua silhueta
sendo também a cor que na cultura ocidental formas representativas da funcionalidade
é associada à feminilidade. O branco narrativa: um híbrido entre heroína e femme
pode apresentar sensações associadas à fatale, se apresentando como uma mulher
juventude, otimismo, paz, pureza, inocência sedutora por possuir silhuetas curvas, cintura
modéstia e estabilidade, refletindo, esse fina e quadril largo.
conjunto de formas e cores, um reflexo de sua Edna, como apontado anteriormente,
personalidade. O cabelo com volume sobre o teve suas características visuais baseadas
topo juntamente com as pontas em curvas faz em Edith Head, entretanto, a personagem
referência ao estilo de corte utilizado nos anos teve diversas alterações em sua concepção
1960, década a qual foi baseada a atmosfera até ser apresentada em sua forma final
do filme. ElastiGirl, por sua vez, durante o (Figura 73). É possível notar que dentre
os esboços iniciais apresentados para a
174

Figura 73 – Estudos de concept art para Edna.


Fonte: pixar.com; VAZ, 2004

uma analogia de que a roupa utilizada


concepção da personagem, os elementos
por ela nas duas diferentes cenas em que
que predominam em sua caracterização é
participa do filme (interagindo com Robert
o uso dos óculos de aros largos e o corte de
e, após alguns dias, com Helen) pode ser
cabelo. Sua forma atarracada, personalidade
equiparada ao uso de um uniforme ou de
forte e temperamento explosivo fazem uma
uma roupa comumente associada a um tipo
combinação caricata de personagem com a
de profissão. Neste caso, não se trata de
função narrativa de alívio cômico.
um super herói, mas sim de uma designer
Apesar da personagem lidar com a ou de uma profissional ligada à moda.
questão do vestuário e ser uma designer de Isso por que o modelo pretinho básico, tal
moda, ao contrário das outras personagens como indicado por Pacce (2004), “sugere
na animação, Edna não muda seu figurino um chique uniforme que transcende o
durante todo o filme. Assim, pode-se fazer modismo.” (ibid., p.21). A autora indica
175

que o vestido preto torna-se um marco na Vistos os protagonistas envolvidos


história da moda como peça que pode ser na narrativa, apresenta-se em seguida o
usada a qualquer momento em qualquer antagonista, Syndrome (Figura 74). Ao
idade. Acrescenta ainda que esta peça início do filme, durante a Golden Age,
ficou marcada na história da moda na Buddy é um garoto que não possui poderes,
década de 1920, por meio do trabalho mas possui um grande conhecimento de
da estilista francesa Coco Chanel (1883- tecnologia, desenvolvendo acessórios
para combater o crime. O jovem idolatrava
1971). Algumas décadas depois, nos anos
Mr. Incredible, e seu sonho era ser seu
1960, apareceu como marco no cinema
assistente. Todavia, após ser rejeitado por
com a atriz belga Audrey Hepburn (1929 -
seu ídolo, decide que irá matar todos os
1993) no filme Bonequinha de luxo (1961).
heróis que possuem superpoderes, e em
O pretinho básico difundiu-se no pós-
seguida, criar dispositivos tecnológicos para
Guerra por uma necessidade das mulheres tornar todas as pessoas em super-heróis.
de utilizarem roupas mais práticas. Nas Buddy é quem, 15 anos depois, contrata
palavras da própria jornalista: “O pretinho secretamente o Mr. Incredible para destruir
foi um produto da necessidade. À medida uma máquina com inteligência artificial
que a vida das mulheres se tornava mais que está se desenvolvendo para destruir os
ocupada e seu status dependia menos heróis. A cada combate, a máquina fica mais
da exibição da riqueza dos homens com inteligente, e por fim, acaba se voltando
quem eram casadas, elas precisavam contra seu criador. As cores das roupas
de roupas que fossem requintadas, mas de Buddy inicialmente expressam uma
confortáveis; chiques, mas versáteis; conexão com o uniforme de Mr. Incredible,
velas e, no entanto, práticas. O pretinho incluindo em seu figurino os tons de azul
preenchia esses requisitos.” (PACCE, semelhante ao de seu ídolo. Da mesma
forma, seu codinome de assistente do herói
2004, p.29).
seria IncrediBoy, um derivado do codinome
176

de seu ídolo. Ao se tornar um supervilão,


apresenta o codinome Syndrome,
trazendo em seu uniforme o “S” em
branco estampado sobre um fundo preto.
Entretanto, ao contrário das características
estereotipadas encontradas na maioria
dos vilões, Buddy, ao se tornar adulto,
aparenta ter um porte físico semelhante
ao Mr. Incredible. O diferencial, além das
tonalidades binárias de seu figurino, é
o formato de seu penteado, que pode
remeter ao seu temperamento explosivo.

Contudo, mesmo cada personagem


contendo suas peculiaridades e diferentes
formas e silhuetas, quando são dispostas
juntas, nota-se que pertencem ao mesmo
universo (Figura 75). Morris (2009) aponta esse
fenômeno também na concepção no design
de moda, indicando que as ideias contidas
nos croquis e respectivamente nas peças são
conectadas e, quando juntas, formam uma Figura 74 – Estudos de concept art para Buddy.
Fonte: VAZ, 2004.
coleção “Embora cada roupa seja um modelo
individual, todas têm elementos de ligação
como cores, tecidos formas, estilos etc., de
modo que, ao serem vistas juntas, forma uma
coleção coesa.” (ibid., p. 124).
177

Figura 75 – Ilustrações para character design.


Fonte: VAZ, 2004

Abordando desta maneira, é funcionalidade, Gragnato (2008) adiciona


possível perceber semelhanças referentes que:
à comunicação visual na concepção (...) o formato de croqui (...) basicamente
dessas diferentes áreas que podem ser formando uma imagem da ideia do designer
com a finalidade de orientar o trabalho do
compartilhadas, isto é, o desenvolvimento modelista, que é o profissional responsável pela
de concept art para figurinos de personagens criação dos moldes (...) que são os desenhos
das partes, separadamente, que compõem a
de animação dialoga com os processos peça, são traçados em papel e já no tamanho
do desenho de moda. Referente aos real do modelo e servirão para orientar o corte
do tecido, ou da matéria prima determinada,
diferentes tipos de desenho de moda e sua no formato e tamanho adequados, na etapa
178

seguinte de confecção do produto. Ainda nessa ou efeito de simulação do tecido. Pode-


(...) o desenho técnico (...) esclarece sobre
detalhes como recortes, tipo de costuras e
se entender que assim como o desenho
localização exata de outros elementos que de moda, ambos seguem um propósito de
compõem a peça, chamados de aviamentos. projeto e concepção. Neste caso, o briefing
(ibid., p. 42, grifo nosso)
da personagem com o seu papel na narrativa,
Pode-se, a partir do que foi levantado os conflitos e a ambientação em que ela se
anteriormente, atribuir um comparativo encontra, influenciando em sua forma, seu
de que algumas etapas das ilustrações de acting e seu figurino.
concept art de animação associam-se com
as etapas apresentadas pela autora. O
croqui, como visto anteriormente, pode ser
associado com as ilustrações de concepção
inicial da personagem, àquelas que são
mais referentes a uma ideia e intenções do
designer do que um formato preciso de sua
forma final. Neste desenho detalhado podem
ser apresentadas as texturas sugeridas
e materiais utilizados na indumentária.
O desenho técnico compete ao modo de
elaborar os model sheets das personagens,
possuindo todas as informações técnicas
para a elaboração da mesma, ou seja, a
arte que servirá de guia para o modelador
transcreve-la para o tridimensional. Os
moldes encontrados na moda podem ser
associados à malha modelada no âmbito
tridimensional sem a aplicação de texturas
179

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desta pesquisa, foi no âmbito físico, audiovisual e digital,


evidenciado que o design de figurino para conforme sintetizamos na Tabela 1. Estas
personagens de animação 3D pode se divergências também interferem no meio
estabelecer como elemento narrativo e de produção do figurino, por exemplo:
indicativo de personalidade, por meio de no âmbito das artes cênicas o figurinista,
suas formas, cores e composições. Foram muitas vezes, precisará planejar amarras
demonstados estes indicativos juntamente para trocas rápidas enquanto no meio
digital não ocorre essa necessidade, já que
às transformações na vestimenta da
poderão acontecer cortes de câmera entre
personagem Robert Parr (Mr. Incredible), e,
uma cena e outra.
revelando, desta forma, como o figurino
se relaciona com o humor da personagem A criação do figurino incorpora
e da cena envolvida; adicionalmente, modificações ao seu processo de
podendo, também, ser entendido como desenvolvimento conforme o propósito do
uma forma de representação simbólica da agente produtor e o trânsito com diferentes
própria personagem. Este último é o caso variáveis envolvidas neste processo –
dos uniformes de super-heróis que, mesmo ainda que esteja baseada em uma mesma
com alterações de estilo gráfico, possuem referência. As escolhas criativas estão
intrinsicamente conectadas com o repertório
elementos que caracterizam a personagem,
do agente produtor, ou seja: o figurino se
tornando-a reconhecível para o observador.
constitui como artefato sujeito a diferentes
Foram evidenciados pontos de interpretações dependendo de seu contexto
semelhanças e divergências encontradas histórico, sociocultural e dos processos
no processo de produção do figurino tecnológicos de produção.
180

Tabela 1 – Comparativo dos meios de produção do figurino.


Fonte: elaborado pela autora.

Os autores estudados indicaram que do figurino é possível transmitir as


a concepção de uma personagem deve intenções da personagem na narrativa,
traduzir suas intenções ao público por meio bem como demais elementos dramatúr-
de uma narrativa imagética. A animação, gicos. Portanto, a fim de compreender a
por pertencer a um discurso audiovisual, construção de uma personagem com
o entendimento destas intenções deverá base em seu figurino, foi necessário o
ser de rápida interpretação àquele que estudo das particularidades que compõem
a assiste. Verificou-se que por meio tal processo.
181

No primeiro capítulo foram investigados expressividade da personagem. Destes,


os processos de produção de uma animação destacamos o acting, como princípio capaz
tridimensional, assim como os profissionais de enfatizar as reações das personagens no
envolvidos nesse processo. Desta forma, conflito narrativo, graças à manipulação do
foi possível ter melhor compreensão do animador – tal qual um titereiro no teatro
contexto produtivo e tecnológico em que se de bonecos.
encontra o objeto de estudo. Para isso, foi
Ao longo do segundo capítulo,
abordado um breve contexto histórico da
foram apontados os processos envol-
animação tridimensional, seguido das etapas
vidos na construção do figurino nas
que consistem este tipo de produção. Dentre
artes cênicas, baseando em elementos
estas etapas, encontra-se o concept art, que
projetuais encontrados no design e na
inicia o conceito visual da personagem, isto
comunicação visual. Foi levantado como
é, seu processo de tradução para imagem,
as cores, formas, materiais e texturas
que será um guia para a construção de uma
podem estimular sensações ao observador
personagem por meio de softwares 3D. Esta
e refletir as motivações dramáticas da
etapa é complementada com a aplicação
personagem em cena. Em seguida, pelo
de elementos como o estudo de formas
fato do objeto de estudo abordar uma
geométricas representativas da silhueta da
narrativa que envolve super-heróis, viu-
personagem animada, como maneira de
se necessário compreender a construção
melhor externar suas características internas
dos uniformes utilizados por heróis em
(psicológicas) e sua função narrativa.
quadrinhos e suas especificidades.
Com a personagem desenvolvida
O terceiro capítulo envolveu o estudo
visualmente é preciso atentar aos 12
de caso, relacionando-o com conceitos
princípios da animação de forma a
levantados nos capítulos anteriores. Para
potencializar as técnicas de movimento e
182

situar o leitor no contexto em que se encontra (2005), juntamente ao de simulação digital


o objeto, foi feito um levantamento de de Couchot (1993) e cultura imaterial
produções referentes aos estúdios Pixar, abordada por Flusser (2007). Desta forma,
responsável pela animação Os Incríveis fez-se possível observar as diferenças e
(2004). Foi possível observar como as semelhanças nos processos de criação e
dificuldades de uma produção animada em desenvolvimento de figurinos em diferentes
escala cinematográfica envolvem diversos meios. Adicionalmente, por meio da
profissionais, tanto da área de animação personagem Edna Mode, foi realizado um
(animadores, modeladores, riggers) como de estudo comparativo no desenvolvimento
áreas como arquitetura, moda e tecnologia de desenhos de moda relacionando-os com
para poder criar o universo digital no qual concept art de personagens de animação.
se passará a narrativa – enfatizando assim
Com estes levantamentos, foi possível
sua natureza interdisciplinar. Entendendo
verificar a hipótese de que o costume design
o contexto em que o filme se encontra, foi
de personagens de animação digital poder
possível explorar as mudanças de figurino do
ser caracterizado como um projeto de design,
protagonista Robert Parr e observar como sua
uma vez que, ao comparar seu processo de
composição refletiu nas situações em que a
execução com desenhos do campo do design
personagem se encontrava, assim como seu
de moda, viu-se que estes compartilham
humor e ambientação em cena.
muitas características em seu processo. A
Ao final, para relacionar as informações principal divergência encontrada é que o
abordadas no desenvolvimento do figurino desenho para a moda visa uma peça física
no âmbito físico, audiovisual e digital, (analógica) a um usuário que deverá vesti-
foram apontados conceitos referentes aos la, enquanto o de animação permanecerá no
três paradigmas da imagem por Santaella âmbito digital.
183

Em Os Incríveis (2004) foi possível linguagem tanto no papel de uma designer


encontrar relações que o figurino de moda como apresentando uma conexão
estabelece com a narrativa e casos nos visível entre o mundo digital e o material.
quais a personagem Robert Parr passou A personagem se torna protagonista desta
por transformações (físicas e psicológicas) pesquisa uma vez que é por meio dela que
refletidas na composição de seu são feitas as conexões da simulação em
figurino - representadas, sobretudo, por âmbito digital e a materialidade. Compete
transformações nas cores e nas formas. A a ela desenvolver projetos para resolver
partir desta observação foi apontando como problemas para seus usuários, assim como
o uniforme da família Incrível tornou-se uma criar diversos materiais melhor atendendo
representação da união que as personagens às demandas atinentes aos diversos poderes
mantiveram ao final do filme. dos super-heróis integrantes da família Parr.

Por meio desta pesquisa foi possível A pesquisa levanta questionamentos


averiguar que é papel do designer de adicionais a partir das noções de “possível”
figurino de personagens animadas e “impossível” no design de figurinos. Um
(character designer) traduzir para uma destes é a questão do projeto e do processo
linguagem imagética, utilizando-se de de produção do figurino no âmbito dos
códigos referentes à comunicação visual games, entendendo que a animação
(cores, formas, texturas e materiais), as também dialoga com a linguagem dos
intenções, emoções e especificidades jogos digitais.
da personagem na narrativa de uma
Ao investigar o universo expandido da
animação tridimensional.
animação “Os Incríveis” (2004), deparou-
Foi evidenciado também a participação se com o jogo Disney Infinity (2013), que
da personagem Edna Mode como meta- disponibiliza figuras colecionáveis das
184

personagens da franquia Disney (inclusas É possível ainda explorar o processo


Pixar e Marvel) que podem ser adicionadas reverso da criação do figurino de animação.
à narrativa. Desta forma, levanta-se a A produção de cosplay usa como referência
possibilidade de exploração da criação de o figurino digital e transcreve estes
action figures baseadas nas personagens figurinos dentro da realidade imediata do
de animação 3D, como produções destas mundo material com adaptações (visto
que as proporções das personagens de
figuras por meio do uso de impressoras
animação podem ser estilizadas). Serviços
3D. Aponta-se aqui que há linhas de itens
de impressão em tecido pelo processo
colecionáveis revestidas com réplicas do
de sublimação, por exemplo, tornam
figurino produzidas em tecido.
possível reproduzir as texturas e estampas
Cabe mencionar que há uma série encontradas no figurino das personagens
em quadrinhos realizada por Mark Waid para os vestuários desses fãs.
baseada na animação Os Incríveis (2004). Todas estas outras possibilidades de
Entretanto, ela não foi explorada ao longo diálogos entre as dimensões analógica
desta pesquisa por ser parte do universo e digital, material e imaterial, “possível”
expandido da franquia, isto é, concebida e “impossível” dos figurinos instauram
a partir do filme – e não anteriormente. O novas e instigantes possibilidades de
foco do objeto de estudo está em estudar desdobramento e ampliação desta
a produção do figurino no âmbito da pesquisa. Da mesma maneira, é possível
animação 3D e a proposta de abordar os considerar toda uma gama de técnicas e
quadrinhos busca estabelecer um estudo estilos dentro dos universos da animação,
comparativo com obras nativas desta forma para além do 3D, e do design de moda, para
de expressão gráfica. além da questão dos figurinos, como novas
perspectivas de investigação.
185

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193

Filmes

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Studios, 1997 (5 min), Youtube. Disponível em: <https://youtu.be/gLQG3sORAJQ>. Acesso em: 30
ago. 2017.

Iris. Direção: Albert Maysles. Produção: Jennifer Ash Rudick, Laura Coxson, Paul Lovelace, Rebekah,
Doreen G. Small. New York (NY), 2014 (79 min), Netflix. Acesso em: 28 jan 2018.

Shrek. Direção: Andrew Adamson e Vicky Jenson, Produção: Jeffrey Katzenberg, Aron Warner e
John H. Williams. Burbank (CA): DeamWorks Animation, 2001 (90 min), DVD.

The Incredibles. Direção: Brad Bird, Produção: John Lasseter. Emeryville, (CA): Pixar Animation
Studios, 2004 (115 min), Blu-ray.

Toy Story. Direção: John Lasseter, Produção: Bonnie Arnold e Ralph Guggenheim. Emeryville, (CA):
Pixar Animation Studios, 1995 (81 min), DVD.

Toy story 2. Direção: John Lasseter, Produção: Helene Plotkin e Karen Robert Jackson. Emeryville,
(CA): Pixar Animation Studios, 1999 (95 min), DVD.

Wreck it Ralph. Direção: Rich Moore, Produção: Clark Spencer. Emeryville, (CA): Pixar Animation
Studios, 2012 (101 min), Blu-ray.
195

Anexos
Anexo I

Cast de Os Incríveis relacionados à pesquisa:

• Character designers: Teddy Newton e Tony Fucile

• Additional character designer: Steven Clay Hunter, Albert Lozano

• Character sculptors: Kent Melton, Greg Dykstra

• Digital Character sculptors: Jonathan Paine, Bruce D. Buckley

• Supervising animators: Tony Fucile, Steven Clay Hunter, Allan


Barillaro

• Art director: Ralph Eggleston

• Character supervisor: Bill Wise

• Hair and clothes simulation supervisor: Mark Thomas Henne

• Hair and cloth modelling: Kristifir Kein, Kamal Mistry, Carmen


Ngai, Chris Rock, Michael Todd, Maria Magana-Cervantes

• Cloth development lead: Christiane Waggoner


Figura 76 – Família Parr, concept art de Phillip Light.
Fonte: pixar.com
196

Anexo II

mode COLLECTION:

Durante o evento para fãs da Disney, D23# 2017, foi


divulgado um documentário fictício com profissionais
da área de Moda descrevendo sobre a relevância de
Edna Mode no mercado fashion e seu contato com a
estilista. Este documentário de curta duração (aproxi-
madamente 2 minutos) foi produzido para divulgar o
lançamento da sequência Os Incríveis II (esteia previs-
ta para 15 de Junho de 2018), seu casting consiste nos
seguintes profissionais:
• Zac Posen - Fasion Designer
• Heidi Klum - Executive Producer, Project Runway
• Nina Garcia - Creative Director of Marie Clair
• Winnah Agwabi - Model
• Windy Aulia - Senior Fashion Editor
• Leonah James - Creative Director
• Kate Young - Stylist to the Stars
• Kendall Jenner - Model
• Rachel Zoe - CEO, Razher Zoe Inc.
• Andre Leon Talley - Former Editor-At-Large, Vogue

Figura 77 – Croquis da coleção de Edna Mode.


Fonte: pixar.com
197

No evento houve uma exposição com figurinos utilizados


nos filmes: Cinderela (Disney, 2015), Malévola (Disney,
2014) e A Bela e a Fera (Disney, 2017), juntamente
com um display de Edna em tamanho real com dois
painéis eletrônicos exibindo croquis – como se fossem
desenvolvidos pela personagem – de sua nova coleção.
Adicionalmente foi desenvolvido um logotipo “mode
COLLECTION” (Figura) para a divulgação da coleção,
são destacados seus óculos compondo os caracteres
“od” e o cabelo como uma moldura para o logotipo
da coleção. Cabe aguardar a sequência para saber se
ocorrerá um desenvolvimento da personagem no ao
longo do filme demonstrando sua coleção e sua posição
no mercado da Moda.

Figura 77– Display da personagem Edna Mode para o evento D23#, 2017.
Fonte: instagram/pixar

Figura 76 – Logotipo para “mode COLLECTION”. Documentário disponível em: https://youtu.be/GxjsWlUTz7U


Fonte: pixar.com
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