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REVISÃO DE LITERATURA

Reabilitação neuropsicológica de déficits de memória em pacientes


com demência de Alzheimer
Renata Ávila 1
Eliane Miotto2

Recebido: 8/2/2002 Aceito: 22/7/2002


RESUMO
A memória é a primeira função cognitiva a ser afetada na doença de Alzheimer (DA) e é também a que mais compromete
as atividades da vida diária e a qualidade de vida dos portadores dessa doença. Como ainda não existe um tratamento
que possa curar ou reverter a deterioração causada pela demência, os tratamentos disponíveis atualmente visam aliviar
sintomas cognitivos e comportamentais por meio de medicação, técnicas cognitivas de reabilitação, melhor estruturação
do ambiente, e também por meio de grupos informativos para pacientes, familiares e cuidadores. Desta maneira, estes
tratamentos devem ser cada vez mais aprimorados e pesquisados, visando principalmente uma melhora na qualidade
de vida destes pacientes, mediante a redução das limitações impostas pela doença. O presente artigo tem como
objetivo promover uma revisão sobre os estudos científicos publicados nos últimos anos a respeito do tema. Como
critério de inclusão, foram selecionados estudos experimentais sobre técnicas de reabilitação de memória em grupos de
pacientes com DA, ou tratamento individual, contendo, ainda, avaliação pré e pós-tratamento para verificação da
eficácia deste. Os resultados dos estudos demonstraram que a reabilitação neuropsicológica gera benefícios e melhora
a qualidade de vida dos pacientes com DA, principalmente quando aliada a medicamento anticolinesterásico.
Unitermos: Demência de Alzheimer; Reabilitação neuropsicológica; Memória.
ABSTRACT
Neuropsychological rehabilitation of memory deficits in patients with Alzheimer’s disease
Memory is usually the first cognitive function to be impaired in Alzheimer’s disease (AD). Since there is no effective
treatment to revert the progressive deterioration caused by the dementia the main available treatments are aimed at
alleviating the cognitive and behavioural symptoms of these patients and improving their quality of life. These
include medication, cognitive rehabilitation techniques, environmental modification and educational groups. The
objective of the present review is to summarize the main studies published on the neuropsychological treatment
approaches to AD. Inclusion criteria involved studies investigating the efficacy of group or individual memory
rehabilitation techniques. The main findings suggested that neuropsychological rehabilitation techniques improve the
quality of life of these patients particularly when associated to the use of anticholinergic inhibitors.
Keywords: Alzheimer’s disease; Neuropsychological rehabilitation; Memory.

Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP


1
Neuropsicóloga Pós-Graduanda do Departamento de Fisiopatologia da FMUSP.
2
Neuropsicóloga Pós-Doutoranda da Divisão de Neurocirurgia do HC-FMUSP.
Endereço para correspondência:
Renata Ávila
Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Rua Consego Eugênio Leite, 1126 – ap. 83 – São Paulo, SP – CEP 054414-001
Fone: (0xx11) 3885-8101/9688-5301
E-mail: avilarenata@uol.com.br

Ávila, R.; Miotto, E. Rev. Psiq. Clín. 29 (4):190-196, 2002


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Introdução Reabilitação neuropsicológica

Em virtude do aumento do número de diagnósticos Desde a Antigüidade, na Grécia e no Egito, já


precoces em pacientes com doença de Alzheimer (DA), existia a preocupação em reabilitar pacientes com lesões
está crescendo a procura por tratamentos que visam a cerebrais. Porém, o alcance popular da reabilitação
melhora das funções cognitivas, além de possível retardo cognitiva só se deu em finais da década de 1980, com
no progresso da doença. três acontecimentos que marcaram grandes avanços
Na DA, dificuldades de memória são as primeiras nesta área: a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do
queixas tanto dos pacientes como de seus familiares. Oriente Médio e o grande número de acidentes de trân-
Déficits de memória causam, além de grande prejuízo sito (Wilson, 1996).
nas atividades diárias dos pacientes, comprometimento “O objetivo da reabilitação cognitiva é capacitar
de sua qualidade de vida. Portanto, pesquisas estão pacientes e familiares a conviver, lidar, contornar, reduzir
começando a reconhecer a relevância da reabilitação de ou superar as deficiências cognitivas resultantes de lesão
memória para pessoas com demência. neurológica” (Wilson, 1996), fazendo com que estes
Como ainda não existe um tratamento que possa passem a ter uma vida melhor, com menos rupturas nas
curar ou reverter a deterioração causada pela demência, atividades comumente realizadas. Para isto, propõe-se a
os tratamentos disponíveis, atualmente, buscam mini- ensinar a pacientes, familiares e/ou cuidadores estratégias
mizar sintomas cognitivos e comportamentais por meio compensatórias e organização para produção de respostas,
de medicação e técnicas cognitivas de reabilitação, me- propiciando melhora das funções cognitivas e da qualidade
lhor estruturação do ambiente, e também por meio de de vida.
grupos informativos para pacientes e familiares. Desta Já a reabilitação neuropsicológica, segundo Wilson
maneira, estes tratamentos devem ser cada vez mais (1996), além de tratar os déficits cognitivos, também
aprimorados e pesquisados. se propõe a tratar as alterações de comportamento e
emocionais. Segundo Prigatano (1997), a reabilitação
Entre os atuais tratamentos medicamentosos para
a DA, os inibidores de acetilcolinesterase (ChEI) têm cognitiva é somente um dos cinco componentes da
demonstrado eficácia no controle temporário de sin- reabilitação neuropsicológica, que compreende ainda:
psicoterapia, estabelecimento de um ambiente terapêu-
tomas, como melhora das funções cognitivas e das difi-
tico, trabalho com familiares e trabalho de ensino prote-
culdades na realização das atividades da vida diária em
gido com os pacientes. O trabalho deve contar com
pacientes com DA leve a moderada (De Vreese et al.,
uma equipe multidisciplinar, além de avaliações que
2001). Entretanto, terapias que envolvem intervenção
mostrem os benefícios e as limitações da reabilitação a
não medicamentosa, como a reabilitação neuropsicoló-
curto e longo prazos.
gica, também têm apresentado melhora na cognição dos
pacientes, além de promoverem apoio e informações Antes do início de qualquer programa de reabili-
aos familiares (De Vreese et al., 2001). tação, é necessário definir o perfil cognitivo de cada
paciente, delineando seus déficits e aspectos da cognição
O objetivo do presente artigo é promover uma
preservados. Além disso, é muito importante uma
revisão sobre os estudos científicos publicados nos
adequação do treinamento proposto ao nível intelectual
últimos 11 anos sobre reabilitação de memória e
e cultural do paciente.
reavaliar a eficácia desta em pacientes com DA. As
referências dos artigos foram obtidas pelo Medline e A intervenção junto aos familiares é tão relevante
foram os seguintes critérios para a inclusão nesta quanto o atendimento ao paciente. As dificuldades de
revisão foram adotados: classe I: pesquisas com grupo memória e de linguagem comprometem o relaciona-
randomizado, controlado e cego; classe II: pesquisa mento interpessoal, afetando a estrutura familiar. O
com grupo não randomizado; classe III: estudo de caso. paciente com DA torna-se, com o decorrer da doença,
Todas as pesquisas abordavam o tema de técnicas de dependente dos familiares ou dos cuidadores. Então, a
reabilitação de memória em estudo experimental e orientação sobre a doença e seu prognóstico diminui a
tinham avaliação pré e pós-tratamento. Estas não pre- ansiedade e a depressão gerada pela presença de doença
cisavam ser necessariamente com pacientes com DA, grave na família (Bottino et al., 2002) .
já que, segundo Wilson (1996), técnicas criadas para Segundo Wilson (1996), idosos sem atividades
pacientes com traumatismo craniano ou outros com- podem perder algumas de suas capacidades intelectuais;
prometimentos neurológicos podem ser generalizadas portanto, estímulos como exercícios são importantes,
para pacientes com déficits de memória, como é o a fim de proteger o intelecto contra deterioração. Pessoas
caso dos pacientes com DA. que continuam a aprender preservam um nível elevado

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de performance, como por exemplo um professor de Já as estratégias são métodos específicos, siste-
60 anos tem performance igual a um de 30 anos em mas formais de registro e evocação de informações
testes de aprendizagem e memória (Rosenzweig e que podem ser aplicados somente com alcance restrito
Bennett et al., 1996). Existe a hipótese de que treino e de atividades e materiais. As estratégias raramente
atividades cognitivas possibilitem aos idosos manter as são usadas espontaneamente, precisam ser treinadas
habilidades em uso. Segundo Hebb (Rosenzweig e (VERHAEGHEN, 2000).
Bennett et al., 1996), o uso induz a plasticidade do sis- Assim sendo, o efeito do treino é melhorar a perfor-
tema nervoso. mance, e não modificar uma habilidade intrínseca já
Além disso, existe a hipótese de que por meio utilizada pelo sujeito. Por exemplo: se um sujeito tem
da ativação de áreas seletivas do cérebro durante a maior facilidade para memorizar a partir de pistas visuais,
vida este pode proteger-se do processo degenerativo a reabilitação não vai treiná-lo a utilizar pistas verbais, e
(Rosenzweig e Bennett et al., 1996). Esta hipótese sim ensinar-lhe estratégias para melhorar sua perfor-
parafraseia Hebb (1949): “o nível diferencial de ati- mance, como a utilização de pistas multissensoriais.
vação celular no cérebro pode ter relação com a perda Para estimular o funcionamento da memória, é
celular – use it or lose it”. Também há suposições de importante ressaltar que há mais de um caminho
que certo nível de plasticidade neural persiste du- possível. Por exemplo, para aprender uma seqüência
rante a terceira idade e na DA (Mirmirian et al., 1996). de palavras, pode-se aplicar o método de categorização
Assim sendo, se exercícios atuam sobre a plasticidade semântica ou fonêmica, dependendo da preferência e
neural, e ela ainda existe em idosos com DA, exer- da habilidade particular de cada um.
cícios cognitivos feitos na reabilitação podem agir positi-
vamente no cérebro desses pacientes. Em idosos, é comum a ocorrência de erros de
aplicação das técnicas ensinadas, em decorrência da
perseveração em técnicas antigas, que não são mais
Reabilitação da memória efetivas. Assim, com idosos, não só é necessário treinar
novas técnicas, como também ajudá-los a não utilizar
Um dos principais métodos de reabilitação da mais as antigas, por meio da prática, mostrando em sua
memória se fundamenta em trabalhar com a modalidade performance que a técnica nova traz melhores resulta-
específica da memória que se encontra intacta, para dos. Visualizando os diferentes resultados, cada indivíduo
esta compensar a modalidade que não está (Goldstein e poderá fazer sua escolha. Mas por que muitas das técni-
Beers, 1998). Outros métodos objetivam trabalhar as cas utilizadas pelos idosos se tornam ineficientes?
habilidades residuais da modalidade de memória que está Em primeiro lugar, em virtude do progresso tecno-
deficitária. Qualquer que seja o prejuízo cognitivo, existe
lógico e científico, uma estratégia de tempos atrás não
quase sempre a conservação de alguma capacidade fun-
se aplica à vida de hoje. Com a idade, muitas lembranças
cional (Wilson, 1996).
que antes eram feitas facilmente de memória hoje
A reabilitação de memória objetiva melhorar a necessitam ser anotadas, como tomar um remédio. Antes
performance do paciente por meio de técnicas especí- era um remédio por dia, hoje são dez, em horários dife-
ficas ou estratégias, e não modificar a habilidade que o rentes. Outra mudança também muito comum é a perda
paciente possui de memorização. “A estratégia de me- do companheiro, aquele que era responsável pelas com-
mória é um procedimento particular que cada indivíduo pras e pelo pagamento das contas. Assim, há a necessi-
pode usar para memorizar um material determinado, dade da aquisição de novas habilidades.
em condições específicas” (Verhaeghen, 2000). É
Dessa maneira, os idosos, demenciados ou não,
importante, então, saber diferenciar habilidades de es-
para se manterem independentes por mais tempo,
tratégias.
devem: tentar manter as habilidades adquiridas durante
Habilidade refere-se ao conhecimento e à capa- a vida, transferir essas habilidades para um novo am-
cidade de como realizar algumas ações antes do conhe-
biente e novas situações, além de adquirir novas habi-
cimento de fatos ou eventos (Gardner et al., 2000).
lidades para lidar com problemas atuais que as habili-
Essas duas formas de conhecimento muitas vezes são
dades antigas não podem resolver.
independentes. Com relação à memória, é a maneira
utilizada por cada um para ajudar na memorização, como Embora haja atualmente comprovação da eficácia
organização, categorização e associações, e que tem de algumas técnicas de reabilitação cognitiva, os seguin-
aplicação na vida prática em subtestes de memória. tes aspectos ainda são questionáveis:
Geralmente, as habilidades são utilizadas de maneira a. extensão dos benefícios destes treinos para a
espontânea. vida diária dos pacientes;

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b. a duração dos benefícios a longo prazo após a Citrin e Dixon (1977) (classe I) realizaram estudo
interrupção dos treinos; com TOR com sessões semanais com grupo treinado,
c. qual técnica é mais efetiva para cada tipo de e grupo-controle que não foi treinado. Os resultados
população; revelaram melhora na orientação do grupo treinado,
enquanto o grupo-controle permaneceu inalterado.
d. além da dúvida sobre os melhores instru-
Além disso, houve diferenças na lista de compor-
mentos para medir a eficácia do tratamento.
tamento utilizada, com melhora em certos comporta-
Em pesquisa realizada por De Vreese et al. (1998) mentos no grupo que sofreu intervenção.
(classe I), dois grupos de idosos, o primeiro formado
por 30 sujeitos com queixas subjetivas de memória e o Já em estudo de Zeplin et al. (1981) (classe I)
foram feitos treinos com classes de TOR com sessões
outro por 20 sujeitos com queixas subjetivas e objetivas
de 30 minutos e TOR–24 horas, em idosos com déficits
de memória (declínio da memória episódica verbal sem
interferir nas atividades de vida diária), receberam ses- cognitivos, por um período de seis meses. Os grupos
sões de treino de memória com duração de 90 minutos, que foram treinados tiveram melhora no mini-exame
uma vez por semana, por um período de três meses. do estado mental (MEEM), enquanto o grupo-controle
Este treino combinava várias técnicas mnemônicas e piorou. Entretanto, após intervalo de um ano, estas
estratégias de aprendizagem estruturadas, a fim de obter diferenças não foram mais verificadas.
efeitos psicoterápicos e pedagógicos. Ao final do trata- O que não se sabe nesses estudos é o quanto as
mento, verificou-se que os sujeitos que tinham também habilidades treinadas se estendem à vida diária dos
queixas objetivas de memória tiveram maior benefício pacientes, já que as medidas utilizadas para medir a
dos treinos e que os ganhos qualitativos eram maiores eficácia do treino são questionários com perguntas simi-
que os quantitativos. lares ou iguais às treinadas. Porém, apesar dos problemas
Em outro estudo, Berg et al. (1991) (classe I) de avaliação, estes e outros estudos têm sugerido que a
constataram em grupo de pacientes com traumatismo TOR pode, em alguns casos, trazer benefícios para a
craniano que, após ensino de estratégias para aprender orientação dos pacientes.
informações relevantes, estes passaram a ter melhor Em estudo mais recente com pacientes com de-
performance em tarefas de aprendizagem e memória mência, Spector et al. (2000) (classe I) submeteu 65
do que os pacientes que não foram treinados. Já em pacientes à TOR–24 horas, enquanto 58 pacientes
outra pesquisa, citada por Prigatano (1997) , Milders et formaram o grupo-controle. Os resultados mostraram
al. (classe II) acompanharam longitudinalmente um haver evidências de efeito positivo na cognição e no
grupo de pacientes que recebeu treino para memória. comportamento do grupo que sofreu intervenção; en-
Logo após o final do treinamento, o grupo que sofreu tretanto, alterações não foram verificadas nas habili-
intervenção teve maiores benefícios; no entanto, a longo dades funcionais do dia-a-dia. O que permanece ainda
prazo, após quatro anos, eles tiveram performance igual sem resposta é se esses benefícios permanecem após a
ao grupo-controle. Este estudo deve ser exemplo para interrupção das sessões de TOR.
futuras pesquisas, pois deve-se ter claro as limitações e Outra técnica para trabalhar a memória é a terapia
os sucessos da reabilitação, bem como o momento mais da reminiscência, que visa trabalhar a memória remota
propício para iniciar um tratamento e a população que do paciente, com fatos significativos de sua vida, como
irá recebê-lo. canções, hábitos antigos, entre outros. No entanto,
Após estas pesquisas, que avaliaram a reabilitação Spector et al. (De Vreese et al., 2001) concluiu que
da memória como um todo, vários estudos passaram a somente um estudo pôde ser registrado e, neste não
investigar as técnicas mais efetivas. foram encontrados benefícios significativos comparando
o grupo tratado com o grupo-controle. Assim, apesar
de haver sugestões de efeitos positivos dessa técnica, a
Técnicas de reabilitação de memória na DA ausência de estudos controlados impede uma avaliação
A terapia de orientação para a realidade (TOR) foi mais objetiva de sua eficácia.
desenvolvida por James Folson em 1968, com o objetivo Uma terceira técnica é a reabilitação baseada na
de reduzir a desorientação e confusão nos idosos, e facilitação da memória implícita residual. Na DA, a perda
pode ser realizada de duas formas; 24 horas. de TOR e progressiva da memória, que tem múltiplos compo-
classes de TOR por 30 minutos. Ambas visam a orientar nentes, não se dá de maneira uniforme. Atualmente,
o paciente no tempo e no espaço, sempre relembrando estudos têm demonstrado que a memória implícita de
com ele, por meio de pistas ou auxílios externos, o dia pacientes com DA está relativamente preservada na fase
do mês, o ano, e o local onde está. inicial, apesar de apresentarem déficits significativos de

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memória explícita (para revisão ver Bertolucci, 2000). sem erros. Mais do que uma técnica específica, apren-
Isso mostra que na DA há aspectos da memória que não dizagem sem erro deve nortear o treinamento de
estão afetados e, assim sendo, estes pacientes preservam memória independentemente da técnica utilizada,
ainda certa capacidade de aprendizagem, podendo ser passando a ser, desta maneira, um princípio.
estimulados e reabilitados. Em um estudo de caso, Winter e Hunkin (1999)
Wilson et al. (1989) observaram que por meio da (classe III), verificando a eficácia da aprendizagem sem
prática repetitiva e utilizando mecanismos de memória erro, avaliaram uma idosa de 62 anos com diagnóstico
implícita, pacientes amnésticos podem ser treinados em de DA leve que foi treinada para reaprender nomes de
tarefas complexas. No entanto, Squire (1987) faz uma pessoas famosas. O treino ocorria quatro vezes por sema-
crítica de que esta aprendizagem implícita, por ser rígida na, no qual ela reaprendia o nome de dez pessoas, as
e muito específica, não permite ao paciente fazer um quais ela não recordava. Em cada treino as dez fotos
uso flexível do que foi aprendido. O que se sugere é eram apresentadas e nomeadas em ordem diferente. Para
que sejam feitos treinos em conhecimentos específicos cada foto, a própria paciente lia o nome, sendo instruída
com aplicação direta na vida diária. a memorizar o nome de cada pessoa. Antes e depois do
Bolognani et al.(2000) (classe III) relataram estudo treino foram lhe dadas pistas e, no momento da evocação,
com paciente de 23 anos que apresentava dificuldades quando ela falava que não sabia, já que a adivinhação não
de memória de curto prazo e de compreensão de textos era incentivada, o nome era repetido. Os resultados
em decorrência de parada cardíaca seguida de anóxia revelaram que ela foi capaz de reaprender os nomes,
cerebral. Ele foi treinado por 14 semanas, com três pois, no final da 3a sessão, já foi capaz de nomear sete
sessões semanais de 50 minutos cada, a utilizar o editor pessoas. Além disso, apesar de a paciente não ter sido
de textos do computador, a fim de confeccionar car- sistematicamente trabalhada com informações semân-
tões. Os treinos foram feitos diretamente no compu- ticas sobre as pessoas das fotos, foi notado que na
reaprendizagem ela melhorou também a capacidade de
tador, com tarefas sendo divididas e treinadas passo a
passo. Ao final das 14 semanas, o objetivo foi alcançado, armazenamento das informações relevantes sobre cada
pois ele conseguia confeccionar cartões sozinho, com- pessoa. Clare (2001) (classe II) utilizou o método em
seis pacientes com DA, idade entre 65 a 75 anos, e
provando que mesmo pacientes gravemente amnésticos
resultado no MEEM entre 21 e 26 pontos. Treinou apren-
são capazes de aprender informações novas, apoiados
dizagem e reaprendizagem de nomes e informações, além
em estratégias de memória implícita.
de uso de auxílios externos para memória. Foi observado
Assim, deve-se ter claro que o objetivo desta melhora na memória dos pacientes e esta permaneceu
técnica não é restabelecer habilidades de memória, mas até seis meses após o término dos treinos. A autora salienta
fornecer informações úteis para resolver problemas do a importância do método para reaprender atividades novas,
dia-a-dia. e que os resultados obtidos são melhores em atividades
A memória de procedimento em pacientes com que demandam memória implícita. No entanto, como a
DA leve é semelhante à de idosos normais, e por meio última também não reconhece e corrige os erros, estes
deste sistema de memória estes pacientes podem apren- devem ser evitados. Ainda segundo Clare, “é importante
der novas informações ou reter conhecimentos. Expan- no treino com esses pacientes dar ênfase à codificação
dindo-se técnicas que beneficiam lesionados cerebrais das informações, e não só no ‘não esquecer’; é impor-
(Wilson, 1996) para pacientes com DA, esses podem tante que eles experienciem o sucesso”.
se beneficiar de técnicas como aprendizagem sem erro, Pesquisa realizada recentemente por nosso grupo
aprendizagem de habilidades sensoriomotoras, técnica (classe II) selecionou seis pacientes com diagnóstico de
de redução de pistas, técnica de ampliação do intervalo DA leve a moderada estes foram incluídos em ensaio
de evocação. clínico aberto, utilizando como medicamento a rivastig-
Wilson (2001) relatou que estudos recentes têm mina, para padronizar as doses utilizadas (6 mg a 12 mg).
demonstrado que o princípio da “aprendizagem sem Após dois meses, os sujeitos iniciaram sessões semanais
erro” é útil para pacientes com dificuldades de aprendi- de 60 minutos de reabilitação cognitiva por um período
zagem em decorrência de alterações neurológicas, como de cinco meses. A eficácia das intervenções foi avaliada
é o caso de pacientes com Alzheimer. Pessoas com pela escala de impressão clínica global (CGI), Clinical
déficit na memória episódica não são capazes de lembrar Dementia Rating (CDR), MEEM, Alzheimer’s Disease
de seus erros, não podendo, desta maneira, corrigi-los. Assessment Scale-cognitive subscale (ADAS-Cog), bateria
Assim, não aprendem com seus erros, como as pessoas neuropsicológica, questionário de atividades de vida diária
sem déficits de memória, e passa a ser claro que faz básicas (Katz 1960) e instrumentais (Lawton, 1969). O
mais sentido assegurar-se de que o aprendizado se dê estudo revelou que a associação de técnicas de reabilitação

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cognitiva ao tratamento medicamentoso pode auxiliar na 2. Compensação dos déficits de memória explí-
estabilização ou resultar até mesmo em uma leve melhora cita por meio de treino do uso de auxílios
dos déficits cognitivos, principalmente da memória, e externos;
funcionais (Bottino et al., 2002). 3. Facilitação da memória explícita residual por
De Vreese e Neri (1999) (classe I) realizaram estudo meio de suportes estruturados, tanto de codi-
de treinos de memória que visavam otimizar a memória ficação como de resgate.
episódica, semântica e autobiográfica. Foram incluídos No entanto, é importante ressaltar algumas limi-
27 pacientes com DA leve (escore do MEEM = 20 a 26) tações dessas técnicas, principalmente em razõ do fato
que foram divididos em três grupos (placebo, inibidores de que os efeitos dos treinos são muito específicos para
de acetilcolinesterase (ChEI) e inibidores de acetilcoli- determinadas tarefas. E, na realidade, razão a maioria
nesterase (ChEI) + treino cognitivo duas vezes por se- dos problemas de memória dos pacientes com DA vai
mana, conduzidos na presença de cuidador) e acompa- além da resolução de simples tarefas. Portanto, é
nhados por 26 semanas. Após três meses, nove pacientes relevante incorporar os seguintes aspectos na reabilitação
que estavam usando somente o ChEI foram submetidos a da memória desses pacientes:
treinos de memória individual em sessões de 10 a 40 mi- a. expandir e treinar a maior abrangência de habi-
nutos, duas vezes por semana. Além disso, os familiares lidades já intrínsecas, mais do que técnicas
eram incentivados a repetir os exercícios em casa com os específicas, ao mesmo tempo que focar a apli-
pacientes. Os resultados do tratamento foram avaliados cação destas habilidades em diferentes contextos;
pelo ADAS-Cog, MEEM e escala de atividades de vida
b. ensinar um número maior de técnicas especí-
diária (Lawton e Brody, 1969). Estes mostraram que os
ficas, observando quando e onde aplicar tais
pacientes que fizeram o tratamento combinado de ChEI +
técnicas, pois o treino de estratégias selecio-
treino cognitivo apresentaram um efeito terapêutico maior
nadas é um importante meio de promover um
do que o grupo que só fez uso da ChEI e do grupo-placebo,
aumento da performance de atividades da vida
com relação a funcionamento cognitivo, alterações de
diária (Verhaeghen, 2000).
comportamento e atividades de vida diária.
O treino de pacientes com DA tende a obter ganhos
pequenos (Bäckman et al., 1991; Yesavage, 1982) e,
Conclusão algumas vezes, até uma diminuição da performance
(Zarit et al., 1990) , ou, ainda, treino extenso para resul-
Nesta revisão foi demonstrada a necessidade de se tados pequenos (Verhaeghen, 2000). Temos que pensar,
realizarem estudos e intervenções sistematizadas e no entanto, que ganhos pequenos em uma doença dege-
controladas sobre as funções cognitivas, principalmente nerativa são muitas vezes significativos. Segundo De
em relação à memória, de pacientes com DA. Embora Vreese et al. (2001), há evidências de que caminhos
haja pesquisas salientando a relevância da reabilitação de alternativos e inovadores de reabilitação de memória para
memória para outros quadros neurológicos, a reabilitação pacientes com DA podem de fato ser clinicamente
para pacientes com DA ainda é pouco investigada. eficazes ou pragmaticamente úteis, com grande potencial
Entretanto, até o momento, alguns estudos que relataram para serem utilizados em uma nova cultura de tratamento
que a combinação de tratamento medicamentoso e de DA.
reabilitação neuropsicológica sugerem resultados mais Com base nos estudos publicados, as pesquisas
eficazes em comparação ao uso isolado do medicamento.
futuras devem se voltar para o desenvolvimento de inter-
Estes dados revelam que o treino da memória traz venções específicas para cada indivíduo, para cada
benefícios para pacientes com déficits mnésticos, e que doença, assim como protocolos mais eficazes que ava-
também pode produzir resultados promissores em pa- liem a eficiência da reabilitação em diferentes aspectos:
cientes com DA leve a moderada, como algumas pes- atividades de vida diária, qualidade de vida e família. Nesse
quisas vêm comprovando. Esse tipo de tratamento pro- contexto, os benefícios devem ser avaliados a curto e
move uma melhora da memória explícita e se estende longo prazo por meio de medidas evolutivas adequadas.
para habilidades funcionais temporariamente, quando Assim, com a definição de técnicas específicas
combinado ChEI. para cada tipo de paciente, de seus reais benefícios e
Foi também demonstrado, nos últimos anos, a do alcance destas e a duração de sua eficácia, a neuro-
eficiência de certas técnicas de memória, entre elas: psicologia poderá trazer grandes contribuições para o
1. As que se baseiam na reabilitação da memória tratamento de pacientes com déficits cognitivos, como
implícita, geralmente intacta; é o caso de pacientes com DA.

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