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cientifica-para-trabalhar-com-autistas

Publicado em NOVA ESCOLA 28 de Maio | 2019

Inclusão

Autismo: conheça a ABA, uma


base científica para trabalhar
com autistas
Os procedimentos baseados na Análise do Comportamento Aplicada (ABA, na
sigla em inglês) ajudam a ampliar a capacidade de comunicação de pessoas
com Transtorno do Espectro Autista, ajudando-as a se relacionar melhor com
a sociedade e com o ambiente
Beatriz Vichessi

Existem diversas abordagens possíveis para trabalhar com crianças autistas de modo que
elas aprendam a interagir bem com os adultos e os colegas Crédito: Getty Images

Receber uma criança autista na escola traz dúvidas que vão muito além do acolhimento e da
aprendizagem. Como interagir com ela? Será que ela vai morder, bater nos colegas? O que fazer para
ensiná-la a se comunicar, escrever, ler, usar o banheiro? Embora questões como essas façam parte do
início de convivência com qualquer criança – afinal, cada um é um, se comporta e aprende de uma
maneira – o transtorno do espectro autista (TEA) tem algumas disfunções nos domínios do
comportamento, da interação social e da comunicação. Por isso, é normal a confusão entre
professores e gestores.

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Existem diversas abordagens possíveis para trabalhar com crianças autistas de modo que elas
aprendam a interagir bem com os adultos e os colegas, conquistem independência na realização de
tarefas e aprendam conteúdos curriculares. No campo da Psicologia do Comportamento, diversos
profissionais trabalham com programas de intervenção baseados na Análise Aplicada do
Comportamento (ABA, da sigla em inglês Applied Behavior Analysis), atualmente considerados como
tratamento baseado em evidências para o TEA.

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Em entrevista à NOVA ESCOLA, Claudia Romano Pacífico, doutora em ABA, coordenadora das
intervenções baseadas em ABA do Programa de Transtornos do Espectro Autista (PROTEA) do Instituto
de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq - USP) e diretora e sócia-fundadora do Centro de
Intervenção Comportamental Gradual, em São Paulo, e Joana Portolese, neuropsicóloga e assessora de
autismo do Instituto Pensi, em São Paulo, explicam mais sobre o assunto. Confira:

1. Quais os objetivos das intervenções baseadas em ABA?

São dois. O primeiro é ampliar o repertório comportamental e de conteúdos curriculares, de modo que
a criança melhore a interação e a comunicação social, aprendendo a pedir, explicitar o que não quer,
ler, ir ao banheiro etc. O segundo tem a ver com diminuir a frequência de comportamentos disruptivos
(se bater e morder, bater e morder o outro, gritar, arremessar objetos, etc).

2. O que é feito na prática para alcançar esses objetivos?

De acordo com a ABA, o trabalho com a criança autista deve ser planejado com base em alguns
conceitos essenciais focados na aprendizagem sem erros, pois assim são diminuídas as chances de
haver atrasos no desenvolvimento da criança, a desmotivação do indivíduo (o que poderia ocorrer com
aprendizagem baseada na tentativa e erro), a desistência e a emissão de comportamentos desruptivos.
Além de planejar o ensino de comportamentos ou conteúdos curriculares em pequenos passos e
fragmentar as tarefas, o trabalho com a ABA leva em conta o que existe e é possível de ser visto,
manuseado (concreto) para os casos mais severos de autismo. Outros dois conceitos essenciais: dicas
(para que a criança consiga emitir o comportamento correto) e feedbacks imediatos (para mantê-la
motivada, engajada, e volte a fazer novamente, queria aprender).

3. Como as dicas são usadas?

No início do ensino de um determinado comportamento – lavar as mãos depois de ir ao banheiro, por


exemplo –, é dada uma dica verbal, física, gestual ou auditiva para que o autista possa realizá-lo de
modo favorável. Com o passar do tempo, a dica vai sendo retirada para que ele seja capaz de cumprir
a tarefa sozinho, conquistando autonomia.
De acordo com a ABA, o trabalho com a criança autista deve ser planejado com base em
alguns conceitos essenciais focados na aprendizagem sem erros Crédito: Getty Images

4. Os feedbacks imediatos têm a ver com recompensas ou prêmios?

À primeira vista, sim, já que o conceito de feedback imediato implica em dar para a criança algo que ela
gosta, sempre que atender a um pedido ou realizar uma tarefa corretamente. No entanto, o uso de
feedback imediato não tem a ver com a ideia de premiar a criança propriamente dito e sim de mantê-
la engajada na tarefa e o reforço da ação, do comportamento correto. Não existe objeto reforçador
por si só: o feedback escolhido não pode ser aleatório. Pelo contrário, deve ser cuidadosamente
escolhido considerando o sujeito, o que faz sentido para ele. Tal como as dicas dadas para apoiar a
criança na resolução de tarefas, o reforço tem de ser retirado ao longo do tempo, caso contrário, a
criança se torna dependente dele para seguir adiante – e o objetivo é justamente criar repertório para
a conquista da autonomia. A meta é que a aprendizagem passe a ser a própria recompensa, um
reforçador natural, e que o comportamento aprendido seja generalizado pelo autista e colocado em
cena com outras pessoas ou situações.

5. É possível aplicar feedbacks imediatos para inibir o autista de bater nos


colegas ou se bater?

Sem dúvida, mas esse é um processo que leva tempo, não é pontual para os momentos de algum tipo
de crise do autista. É preciso investigar os antecedentes e as consequências que levam a criança a
bater (ou ter qualquer outro comportamento considerado disruptivo), entender a função que o ato
representa para ela, fazendo a chamada análise funcional. Pode ser chamar a atenção do outro, por
exemplo. Depois, é necessário ensinar ao autista outro jeito de atrair a atenção do coleguinha – como
usar uma figura para chamar a outra criança, por exemplo. E aí, sim, nessa situação, o feedback
imediato pode ser introduzido. Vale reforçar aqui que o resultado do uso de feedback positivo tem
como meta ajudar a criança a se comunicar melhor e assim, diminuir a ocorrência de comportamentos
disruptivos.

6. Quais feedbacks imediatos podem ser usados com sucesso?

De maneira geral, não existe um feedback melhor do que o outro. Tudo depende de quem é o
indivíduo, do que ele gosta. Toda criança aprende à sua maneira. Então, bonecos, revistas e outros
objetos com desenhos da Turma da Mônica ou da princesa Ariel, por exemplo, podem servir bem para
uns, que gostam desses personagens, e não fazer nenhum sentido para outros. A escolha do que
funciona deve ser objeto de estudo do terapeuta. Por meio de observações e um teste de preferência,
ele é capaz de decidir o que usar com cada criança. E registrar atentamente os resultados, para depois
mensurar a eficácia do trabalho.

7. Programas baseados em ABA podem ser realizados na escola?

Sim – na realidade, o tratamento só funciona se for realizado em conjunto pela equipe formada
geralmente por acompanhante terapêutica (AT, também chamada de tutora), terapeuta, professora e
demais adultos que convivam com a criança. Quanto mais gente envolvida no processo, melhor. Isso
inclui até os colegas de classe da criança, que devem ser orientados para conviver com ela de forma
saudável, sem preconceitos ou receio. É importante, então, compreender que é possível, em sala de
aula, se valer de procedimentos da ABA, mas que não faz sentido lançar mão deles como se fosse o
passo a passo de uma receita culinária. O modo mais estruturado de trabalhar (com tentativa discreta),
funciona para crianças com autismo mais severo, enquanto o ensino naturalístico incidental funciona
para crianças com autismo mais leve.
Colegas de classe da criança devem ser orientados para conviver com a criança autista de
forma saudável, sem receio ou preconceito Crédito: Getty Images

8. ABA é a única forma possível de trabalhar com autistas?

Não. Existem várias maneiras já sistematizadas que podem ser usadas, de diferentes linhas da
Psicologia. Independente da linha escolhida, os especialistas ressaltam que o tratamento deve começar
o mais cedo possível, as terapias devem ser adaptadas às necessidades específicas do indivíduo e a
eficácia do tratamento deve ser medida conforme os avanços da criança. Evidence-Based Practices for
Children, Youth, and Young Adults with Autism Spectrum Disorder (em inglês) é um manual assinado
por universidades e órgãos governamentais dos Estados Unidos e que reúne pesquisas numa ampla
base de dados e aponta as que comprovam o que é realmente tem resultados quando o assunto é
autismo e tem uma tabela com procedimentos baseados em evidências científicas e outros
procedimentos que ainda não conseguiram status científicos, mas são emergentes. Dentre as práticas
baseadas em evidências, 90% são derivadas da ABA. Nessa tabela, por exemplo, aparece “exercício
físico” como sendo um procedimento eficaz para o autista. Ele, em si, não é um procedimento da ABA,
mas as pesquisas apontam que ele apresenta bons resultados quando usado com metodologias da
ABA – por exemplo, o feedback imediato.

9. Quem é um dos expoentes no trabalho com ABA?

O psicólogo norueguês-americano Ole Ivar Løvaas (1927 - 2010) é considerado um pioneiro no campo
da análise do comportamento aplicado e a fornecer evidências de que o comportamento de crianças
autistas pode ser modificado por meio do ensino.

10. Existem críticas sobre ABA?

Sim. Outras linhas da Psicologia têm um entendimento diferente do que é autismo e argumentam que
o tratamento na perspectiva ABA robotiza a criança. A resposta para essa crítica de quem trabalha com
ABA é que, pelo fato dos autistas terem uma compreensão mais literal das coisas, é que explorar uma
abordagem mais compreensiva não funciona já que eles não são capazes de alcançar todo o conteúdo
em jogo. Uma vez estabelecida uma rotina de aprendizagem por vias concretas, com uso de feedbacks
imediatos, a criança com atismo mais severo começa a desenvolver certas compreensões e vai
construindo generalizações, e o tratamento pode partir para outras demandas. É importante ainda
compreender que é possível que um autista precise de muitas intervenções ao longo da vida, inclusive
quando adulto, mas isso não significa que se tornou dependente dos processos. A ABA sofre críticas
também quando é aplicada de maneira uniforme, como se fosse um manual com tópicos a serem
implementados no tratamento. Considerar o indivíduo e suas características dentro da ampla
diversidade do TEA é essencial.

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