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Teoria Literária :

Poetica
Material Teórico
Elementos Essenciais da Poesia

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha

Revisão Textual:
Profa. Ms. Silvia Augusta Albert
Elementos Essenciais da Poesia

• Reflexões Iniciais

• Ritmo: Reflexo da vida na Poesia

• Metrificação e Escansão: verso e vida na medida

• Estrofe: harmonia na poesia

• Rima: som e conexão

·· Nesta unidade, estudaremos os conceitos de ritmo, verso, métrica e estrofe. É importante


focar nesses conceitos, pois eles serão fundamentais para o andamento de nossa disciplina.
A nomenclatura encontrada aqui será a base para você entender as análises de poemas
que serão feitas nas unidades posteriores.
·· Além disso, pretendemos que você perceba que esses elementos teóricos são responsáveis
pela produção de sentido dos textos, ou seja, não são apenas nomes para classificarmos
fenômenos que ocorrem nos textos e nem meros enfeites, mas possuem uma dimensão
maior, estão a serviço da expressividade e devem ser lidos e compreendidos dessa forma.
É assim que passamos da simples descrição de um texto poético, ou de qualquer texto
literário, para a etapa de análise, que pressupõe uma leitura crítica do material.
·· Para um bom aproveitamento na disciplina é muito importante a interação e o
compartilhamento de ideias para a construção de novos conhecimentos. Para interagir
com os demais colegas e com seu tutor, utilize as ferramentas de comunicação disponíveis
no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) Blackboard (Bb) como Fórum de Dúvidas
e Mensagens. E sempre amplie a reflexão por meio das sugestões que encontrará em
“Material Complementar”.

Para você apreender de modo adequado o conteúdo da disciplina e construir novos conhecimentos,
é necessário que você realize o seguinte percurso:
a) Leitura da contextualização;
b) Leitura do material teórico (essa leitura deve ser feita várias vezes destacando-se os principais
conceitos ou as definições contidas no texto. Procure compreendê-las por meio dos exemplos);
c) Realização da atividade de sistematização (AS);
d) Realização da atividade de aprofundamento (AP);
e) Consulta ao material complementar fornecido ou visita aos sites sugeridos;
f) Leitura da bibliografia da unidade, especialmente a que se encontra na biblioteca virtual da
universidade; e
g) Contato com o professor tutor para esclarecer dúvidas ou mesmo expor suas ideias a respeito
do assunto.
Lembre-se, a disciplina é a distância, mas isso não significa que você está sozinho nesse processo: o
diálogo é a forma mais produtiva de ensino e de aprendizagem. É preciso compreender, ainda, que
o estudo deve ir além dos conteúdos disponibilizados nos textos da unidade e a forma de fazer isso
é consultar a bibliografia indicada.

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

Contextualização

Os questionamentos acerca da poesia são frequentes, seja no âmbito literário, seja na vida
comum. Grandes são os reflexos da sociedade na poesia em geral. Podemos perceber a evolução
rítmica da sociedade, as melodias dos clamores, manifestos, exaltações, alegrias, tudo isso por
meio da poesia em harmonia com a vida.
Mais que apresentar itens teóricos e relê-los, temos aqui a, talvez ousada, intenção de
promover uma reflexão acerca desse processo e da relação entre as coisas da vida e as coisas
da poesia. Essa proposta procura compreender a arte como uma forma de conhecimento que
procura utilizar todos os recursos da linguagem de modo criativo, expressivo, para dar conta
daquilo que, normalmente, o discurso do cotidiano não consegue.
Vamos ver?

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Reflexões Iniciais

Leia o texto a seguir:


Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia
num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
(BANDEIRA, 2011)

É interessante, no texto acima, o olhar que Bandeira direciona a uma situação tão cotidiana,
presente em páginas e páginas de nossos jornais e/ou programas televisivos. O poeta vale-se da
extração de elementos incomuns à poesia naquele momento (início do século XX) e agrega a
eles efeitos literários.
Também há nesse texto uma série de elementos oriundos da prosa. O uso de elementos
narrativos, tais como: personagem, verbos no pretérito perfeito, marcadores temporais; e de
elementos descritivos: a construção do cenário está também vinculada à prosa.

Pense
Ora, diante desses fatos, podemos indagar: onde está a poesia nesse texto? Ou melhor, por que
um texto com esse pode ser considerado poesia? E, provavelmente, a pergunta mais complexa:
o que é poesia?

Na visão estruturalista, podemos dizer que a poesia está no destaque a uma das funções da
comunicação, de acordo com Jacobson (apud GOLDSTEIN, 2006): a função poética – a ênfase
na própria mensagem.
Pelos caminhos discursivos e textuais, podemos dizer que a poesia está presente nesse texto
na(s) beleza(s) da articulação dos termos, da linguagem empregada, da intenção do autor, no
diálogo com o outrem e na relação desse texto com seu meio de produção.
Todas essas possibilidades de interpretação são válidas. Entretanto neste momento
veremos como aspectos ligados à forma do poema tais como ritmo, métrica e sonoridade
podem produzir sentido.

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

Ritmo: reflexo da vida na poesia

Para muitos, o ritmo é uma alternação estável de sílabas tônicas e não tônicas em cada verso
de uma composição poética. Está relacionado, não apenas à musicalidade da poesia, mas
também ao contexto ou, nos termos de Goldstein (2006), ao “compasso da vida”.
Nesse sentido, se observarmos um poema do século XVI ou
m Tavares XVII e tivermos em vista as características histórico/sociais que
De acordo co
é uma circundam esse texto, veremos um compasso mais estável, regular,
(1 9 8 9 ), v e rs o
ti d o dominado pelas reflexões em recortes, pelos horizontes. Porém, se
li n h a , d e se n
n ã o, q u e
co m p le to o u saltarmos para o século XX, em que o Homem em si é fragmentado,
n id a d e
co n st it u i a u veremos um ritmo mais frenético, repleto de instabilidades, regido
poema.
rí tm ic a d e u m pelos anseios humanos.
O ritmo de um poema ega,
a mitologia gr
também é construído Curiosidade: n m
d a s a rt e s e ra
pela metrificação e pela a s p ro te to ra s u sa
s m u sa s. P o r su a v e z, a m
correspondência sonora a ea
a poesia lírica
que protegia te rp e.
provocada pela rima. amada de Eu
música era ch çã o
ente, a concep
No verso livre, a sonoridade rítmica segue um Havia, inicialm sia.
u lt â n e a d e música e poe
sim sã o
padrão singular, não sendo regido por regras externas o u v e u m a ci
M a is ta rd e , h tal
derivadas da alternação uniforme de sílabas tônicas de fundamen
entre as duas se
ou de metrificação e rima, a essa modalidade dá-se o , p o is a m b a s
im p o rt â n ci a s te m p os.
ravés do
nome de arritmia. fortaleceram at
Há, também, o ritmo desencadeado pela repetição
dos termos, como no exemplo a seguir:

Café com pão


Café com pão
Café com pão

Virgem Maria que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Café com pão

No trecho do poema “Trem de ferro”, de Manuel Bandeira, podemos perceber a imagem de


um trem a correr pela repetição do verso “café com pão”. Há uma “quebra” na enunciação com
os versos “Virgem Maria que foi isto maquinista?” e “agora sim” o que também dá a impressão
de um tranco do trem ao tentar ganhar velocidade. Essa imagem, portanto, só é passível de ser
construída graças ao ritmo.

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Explore

Para se aprofundar neste tema, leia o capítulo 2, Ritmo do poema, e o capítulo 3, Ritmos, do livro
Versos, sons e ritmos, de Norma Goldstein. O livro está disponível na Biblioteca Eletrônica da
Universidade no endereço eletrônico http://sites.cruzeirodosulvirtual.com.br/biblioteca/. Veja tam-
bém as referências bibliográficas desta disciplina.

A seguir, trataremos da estrutura dos versos.

Metrificação e Escansão: verso e vida na medida

Podemos definir metrificação (TAVARES, 1989) como a técnica de medir os versos de um


poema. Na língua portuguesa, ela se apoia na tonicidade morfossintaticamente.
Já a escansão é a contagem dos sons dos versos. É importante destacarmos que as sílabas
métricas são diferentes das sílabas gramaticais. Isso, porque a aproximação fônica nos versos
nem sempre corresponde às silabas dos vocábulos.
Para tanto, há as seguintes regras:
1. Contagem das sílabas métricas:
a) Só devemos contar até a última silaba tónica de cada verso. Vejamos:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
É/ um/ con/ ten/ ta/ men/ to/ des/ con/ ten/ te
Nesta situação, a sílaba te da palavra “descontente” não entra na contagem poética por ser
uma silaba atônica.
b) Dá-se uma elisão quando, em um verso, uma palavra terminar por vogal átona e a palavra
seguinte começar por vogal. Observe:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
É/ Fe/ ri/ da/ que/ dó/ i e/ não/ se/ sen/ te
c) Quando dois sons se fundem num só dentro da mesma palavra, temos a sinérese:
1 2 3 4
Lan/ ça a/ poe/ si/ a

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

d) Diérese: o oposto da sinérese, ocorre quando se separa em sílabas distintas dois sons
vocálicos dentro de uma mesma palavra. É o que vemos no exemplo a seguir:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Deus/ fa /la/, quan/ do a/ tur/ ba es/ tá/ qui/e/ta
e) Hiato: é o contrário da elisão. Nesse caso, separam-se dois sons interverbais. A sinérese e
a diérese são intraverbais; a elisão e o hiato são interverbais. Vejamos:
E/ va/ ga
Ao/ lu/ ar
Se a/pa/ga
No / ar.

Trocando Ideias
Não confunda o conceito de hiato do ponto de vista das sílabas gramaticais, que é quando duas
vogais ficam em sílabas diferentes, embora estejam em sequência na palavra, como em “sa-í-da” e
na própria palavra “hi-a-to”, por exemplo. Quando falamos em sílabas poéticas o hiato é o contrário
da elisão: é necessário que num verso, uma palavra que termina em vogal não seja agrupada na
mesma sílaba poética que a primeira vogal da palavra seguinte.
Veja o exemplo a seguir, do poema Motivo, de Cecília Meireles:
Eu /can/to /por/que o ins/tan/te e/xis/te - Elisão
e a/ mi/nha /vi/da es/tá/ com/ple/ta. - Elisão
Não/ sou/ a/le/gre/ nem /sou/ tris/te: - Hiato
Sou/ po/e/ta.

2. Classificação do verso quanto ao número de sílabas:


a) Isométricos: são os versos de uma só medida. São classificados como:
• Monossílabos, que são compostos de apenas uma silaba poética. Um bom exemplo
do uso desse tipo de verso está no poema Serenata sintética, de Cassiano Ricardo.
Vejamos:
Rua
Torta

Lua
Morta

Tua
Porta

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• Dissílabos são compostos por duas silabas poéticas. No poema A valsa, de Casimiro
de Abreu, o ritmo sugerido pelo título é recriado pela dinâmica das silabas poéticas em
cada verso. Na linguagem musical, a valsa é marcada pelo compasso 6/8, em que se
tem uma marcação forte e outra moderada. Vejamos um trecho do poema:

Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranquila,
Serena,
Sem pena
De mim!

• Trissílabos são versos de três silabas poéticas. No poema Trem de ferro, de Manuel
Bandeira, podemos observar que a dinâmica imposta por esse tipo de verso colabora
com o efeito de movimento do trem. É o que podemos observar a seguir:

Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pato
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
Que vontade
De cantar!

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

• Tetrassílabos são os versos compostos por quatro silabas poéticas. Vejamos isso nos
versos de Vinícius de Moraes:

Era uma casa


Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada

• Pentassílabos (ou redondilha menor) são os versos compostos por cinco silabas poéticas.
Era comum a utilização dessa métrica na Idade Média pelos trovadores nas cantigas de
amor e de amigo. Porém, há entusiastas dos pentassílabos na contemporaneidade. Um
bom exemplo é Cecília Meireles. Vejamos um trecho do poema Tempo celeste:

Dorme o pensamento.
Riram-se? Choraram?
Ninguém mais recorda.

• Hexassílabos (heróico quebrado) são os versos de seis sílabas poéticas. Um exemplo


importante do uso desse tipo de métrica está no poema Debussy, de Manuel Bandeira.
Há duas vozes: uma que descreve o movimento do novelozinho de lã, outra que
descreve a relação da criança com esse novelozinho. Do ponto de vista musical, essas
vozes funcionam como dois coros intercalados, em movimentos diferentes, com tensões
diferentes. Ao final do poema, os movimentos estáveis vão se tornando lentos, como
um ralentendo em uma peça musical. Vejamos:

Para cá, para lá...


Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
- Psio... -
Para cá, para lá...
Para cá e...
- O novelozinho caiu.

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• Heptassílabos (redondilha maior) são os versos de sete sílabas poéticas. É uma das
métricas mais populares. Está presente em boa parte da Música Popular Brasileira, pois
o efeito de canção é bastante significativo nesse tipo de verso. Um bom exemplo do uso
desse tipo de verso está no poema Canção do exílio, de Gonçalves Dias. Repare como
a métrica dos versos torna esse poema rico musicalmente:

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que eu desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’in da aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

• Octossílabos são os versos de oito sílabas poéticas. Na música, compositores de sambas


mantiveram interesse nesse tipo de métrica. Podemos notar isso em A melhor do
planeta, de Noel Rosa. Vejamos um trecho dessa canção:

Tu pensas que tu é que és


A melhor mulher do planeta
Mas eu é que vou fazer
Tudo o que te der na veneta.

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

• Eneassílabos são os versos de nove sílabas poéticas. Um exemplo comum em nossa


cultura está no Hino à bandeira. Vejamos:

Salve, lindo pendão da esperança,


Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.

• Decassílabos (medida nova) são os versos de dez sílabas poéticas. Teve seu auge no
século XVI em diversos textos épicos. Um exemplo bastante popular em nossa cultura
é a obra Os Lusíadas, de Camões. Vejamos uma estrofe do Canto V:

Assim fomos abrindo aqueles mares,


Que geração alguma não abriu,
As novas ilhas vendo e os novos ares,
Que o generoso Henrique descobriu;
De Mauritânia os montes e lugares,
Terra que Anteu num tempo possuiu,
Deixando à mão esquerda; que à direita
Não há certeza doutra, mas suspeita.

• Hendecassílabos são os versos de onze sílabas poéticas. Vejamos como isso funciona
num trecho de Juca Pirama de Gonçalves Dias:

No meio das tabas de amenos verdores,


Cercadas de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!

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• Dodecassílabos (ou alexandrinos) são os versos de doze sílabas poéticas. É bastante
comum seu uso na poesia parnasiana. É o que vemos nos versos do poema Amor, de
Cruz e Souza:

Não há para o amor ridículos preâmbulos,


Nem mesmo as convenções as mais superiores;

E vamos pela vida assim como os noctâmbulos


à fresca exalação salúbrica das flores...

b) Heterométricos: são os versos de diferentes medidas, usados em um mesmo poema.


O heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, acredita que na natureza não
há duas coisas iguais, por isso, sendo um poeta que se recusa a pensar e quer
construir versos naturais, não se preocupa em fazer versos iguais. Nesse caso, os
versos heterométricos, diferentes uns dos outros, têm um sentido na obra do poeta.
Veja o poema a seguir:

Aquela senhora tem um piano


Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...

Para que é preciso ter um piano?


O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.

c) Versos livres: são aqueles que não obedecem a nenhum esquema. Por causa dessa liberdade,
há diferentes tensões enunciativas. Há também um diálogo com a prosa bastante estreito. É o
que vemos no trecho a seguir tirado do poema Recife, de Manuel Bandeira:

Há quanto tempo que não te vejo!


Não foi por querer, não pude.
Nesse ponto a vida me foi madrasta,
Recife.

Mas não houve dia em não te sentisse dentro de mim:


Nos ossos, nos olhos, nos ouvidos, no sangue, na carne,
Recife.

Não como és hoje,


Mas como eras na minha infância,
Quando as crianças brincavam no meio da rua
(Não havia ainda automóveis)
E os adultos conversavam de cadeira nas calçadas
(Continuavas província,
Recife).

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

Isto posto, vejamos como esses versos podem ser organizados num texto poético.

Estrofe: harmonia na poesia

Costumamos chamar de estrofe a parte de um poema formada de uma série de linhas ou


versos organizados em certa configuração regular, definidos por metrificação e rima que se
repetem periodicamente (MOISÉS, 2003). Assim, uma estrofe tem geralmente um padrão
regular de número de linhas, metrificação e rima, constituindo-se em uma seção da poesia.
As estrofes regulares foram bastante exploradas através dos tempos. No entanto, uma estrofe
irregular não é incomum. No Modernismo, encontramos estrofes livres, em que a preocupação
maior é com o conteúdo enunciativo dando-se menor importância à metrificação, à rima ou a
qualquer outra configuração regular. Porém, isso não quer dizer que as estrofes regulares foram
esquecidas, mas essa sugestão estética foi incorporada no processo de criação.
As estrofes podem ser classificadas como:
1 – Monóstico: estrofe de um verso.
Humor
(Oswald de Andrade)

2 – Dístico: estrofe de dois versos. Exemplo:


Lua
Morta
(Cassiano Ricardo)

3 – Terceto: estrofe de três versos.


Quem vossa devoção não enriquece?
A virtude, Senhora, é muito rica,
E a virtude sem vós tudo empobrece.
(Gregório de Mattos)

4 - Quarteto (ou Quadra): estrofe de quatro versos.


Venho, Madre de Deus, ao Vosso monte,
E reverente em vosso altar sagrado,
Vendo o Menino em berço argenteado,
O sol vejo nascer desse Horizonte.
(Gregório de Mattos)

5 – Quintilha: estrofe de cinco versos.


Desde menino que amo as estrelas.
A horas caladas, ao vento frio,
Me expunha, às vezes, só para vê-las,
E apaixonado, vendo as estrelas,
Passava, insone, noites a fio.
(Martins Fontes)

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6 – Sextilha: estrofe de seis versos.
Quem perde o tempo no mundo
Só com conversa fiada
Bota falta em todo mundo,
Não nota virtude em nada
Se acaso engolisse a língua
Morreria envenenada.
(Gonçalo Ferreira da Silva)
7 – Sétima: estrofe de sete versos.
Roi Queimado morreu con amor
en seus cantares, par Sancta Maria,
por ũa dona que gran ben queria:
e, por se meter por mais trobador,
porque lhe ela non quis ben fazer,
feze-s’el en seus cantares morrer,
mais resurgiu depois ao tercer dia!
(Pero Garcia Burgalês)
8 – Oitava: estrofe de oito versos.
Entrava neste tempo o eterno lume
No animal Nemeio truculento;
E o Mundo, que co tempo se consume,
Na sexta idade andava, enfermo e lento.
Nela vê, como tinha por costume,
Cursos do Sol catorze vezes cento,
Com mais noventa e sete, em que corria,
Quando no mar a armada se estendia.
(Camões)
9 – Nona: estrofe de nove versos.
Vai Otacílio Batista,
Repentista,
Neste momento tão forte,
Num estilo diferente,
No repente,
Correndo em busca da sorte...
Em noite de lua cheia
Sou a sereia
Dos oceanos do norte!]
(Otacílio Batista)
10 – Décima: estrofe de dez versos.
A medida para o malho
Pela taxa da Cafeira,
Que tem do malho a craveira,
São dois palmos de caralho:
Não quer nisto dar um talho,
E eu zombo do seu empenho,
Pois tendo um palmo de lenho,
Com que outras putas desalmo,
Inda que tenho um só palmo,
Não quero mais do que tenho.
(Gregório de Matos)

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

Todas as estrofes que tenham mais de dez versos recebem a denominação de Irregulares.
Para encerrarmos essa unidade, falaremos agora de outro recurso estético bastante importante
na poesia: a rima. Vamos lá?

Rima: som e conexão

A rima é um dos elementos do verso, porém não é essencial ou obrigatório (TAVARES,


1989). É uma opção do autor para criar conexões melódicas e acentuar o final de um verso em
termos sonoros, mas também semânticos.
Este recurso passou a ser usado na Idade Média pelos trovadores. Hoje em dia, existem
composições poéticas em que as rimas não são usadas. Estas recebem o nome de Poesia Branca
ou Poesia Solta.
As rimas são classificadas quanto à disposição nas estrofes, e de acordo com as classes
gramaticais que a compõem. Vejamos exemplos:

1) Quanto à posição:

a) rimas emparelhadas ou paralelas -- AA – BB – CC:

Ele deixava atrás tanta recordação! A


E o pensar, a saudade até no próprio cão A
Debaixo de seus pés, parece que gemia B
Levanta-se o sol, vinha rompendo o dia, B
E o bosque, a selva, o campo, a pradaria em flor C
Vestiam-se de luz com um peito de amor C
(A de Oliveira)

b) rimas alternadas, cruzadas ou entrelaçadas -- AB AB AB AB: Quando de um lado, rimam os


versos ímpares (o 1º com o 3º etc.); de outro, os versos pares (o 2º com o 4º etc.). Vejamos:

Tu és beijo materno! A
Tu és um riso infantil, B
Sol entre as nuvens de inverno, A
rosa entre as flores de abril B
(João de Deus)

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c) rimas opostas ou interpoladas ou intercaladas -- ABBA ABBA: quando o 1º verso rima com
o 4º, e o 2º com o 3º. Exemplo:

Saudade! Olhar de minha mãe rezando A


E o prato lento deslizando em fio B
Saudade! Amor de minha terra... o rio B
Cantigas de águas claras soluçando” A
(Costa e Silva)

d) rimas encadeadas: quando rima o final de um verso com o interior do verso seguinte, conforme
o esquema abaixo:
------------------------ A
------------- A ----------------- C
------------------------------ B
------------- B ----------------- C

Exemplo:
“Quando alta noite n’amplidão flutua
Pálida a lua com fatal palor,
Não sabes, virgem, que eu te suspiro
E que deliro a suspirar de amor.”

(Castro Alves)

e) rimas coroadas: quando rimam palavras dentro de um mesmo verso, conforme o


esquema abaixo:
AA ------------------------ BB
CC ------------------------------ D
EE---------------------------- FF
GG ----------------------------- D

Exemplo:
Donzela bela, que me inspira lira
Um canto santo de fervente amor
Ao bardo cardo de tremenda senda
Estanca, arranca - lhe a terrível dor

(Castro Alves)

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

f) rimas aliterantes: sucessão de fonemas consonantais idênticos ou semelhantes no início das


palavras de um ou mais versos. Vejamos:

Vozes, veladas, veludosas, vozes


Volúpias dos violões, vozes veladas
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

(Cruz e Souza)

g) rimas misturadas: São as rimas que não obedecem a esquema determinado.

É meia-noite ...e rugindo


Passa triste a ventania.
Com um verbo da desgraça
Como um grito de agonia

(Autor deconhecido)

2 - Quanto ao valor, a rima pode ser:

a) pobre: formada por palavras da mesma classe gramatical. Exemplo:

Existe (verbo)
Teimoso (adjetivo)
Aviste (verbo)
Amoroso (adjetivo)

b) Rica: formada por palavras de classes gramaticais diferentes. Exemplo:

Espero (verbo)
Vida (substantivo)
Sincero (adjetivo)
Querida (adjetivo)

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c) Rara: formada por palavras de pouca rima, difíceis de se encontrar. Exemplo:

Cisne (adjetivo)
Bosque (substantivo)
Tisne (verbo ou substantivo)
Quiosque (substantivo)

d) Preciosa: formada por artifícios gramaticais, ou junção de palavras. Exemplo:

Amá-la
Tranquilo
De gala
Por certo fi-lo

e) Imperfeitas: formada por palavras homógrafas (escrita igual ou semelhante, e significado


diferente) e homofônicas (pronúncia igual ou semelhante). Exemplo:

Estrela (Homógrafa)
Vejo (Homofônica)
Vê-la (Homógrafa)
Beijo (Homofônica)

A expectativa que temos, com essa unidade, é permitir que você possa ter noções básicas
acerca da poesia no seu sentido formal. Nas unidades que se seguem, privilegiaremos outros
temas vinculados ao problema da poesia.
Esperamos, contudo, que você entenda que as questões de versificação, que são em
um primeiro momento formais, sempre devem ser analisadas à luz do sentido que elas
produzem nos textos, nunca apontadas como fenômenos isolados e, desse modo, associadas
aos elementos conteudísticos.
É preciso compreender, portanto, que a questão da poesia não se resume aos aspectos
formais, mas que eles são uma das formas de acesso ao significado dos textos.
Não deixe de estudar as obras presentes nas referências bibliográficas e no material
complementar.
Até mais!

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

Material Complementar

Vamos refletir sobre a função humanizadora da arte, em torno das ideias de beleza,
forma e conteúdo?
Para isso, sugerimos que você assista ao vídeo em que Adélia Prado, uma das maiores poetisas
da contemporaneidade, fala sobre a beleza da arte e seu aspecto humanizador. Ele está no link
do Youtube:

Explore

http://www.youtube.com/watch?v=yHYpiZZaP9Y

Uma das ideias interessantes discutidas por ela é a diferença entre beleza e boniteza e a
beleza vista não como aquilo que se mostra por meio da obra de arte, mas a forma como se
mostra a beleza na arte. Desse modo, você poderá perceber que a forma deve ser estudada
sempre em função do conteúdo.

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Referências

GOLDSTEIN, N. Versos, sons e ritmos. 14 ed. São Paulo: Ática, 2006.

MOISÉS, M. A criação literária: poesia. 16. ed. São Paulo: Colares, 2003.

TAVARES, H. Teoria literária. 9. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989.

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Unidade: Elementos Essenciais da Poesia

Anotações

24
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São Paulo SP Brasil
Tel: (55 11) 3385-3000

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