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Liga Acadêmica de Neurocirurgia e Neurologia de Campina Grande.

LANNEC-CG

Autores: Euliny Santos Santana e Maély Priscila de Oliveira Menezes.


Orientador(a): Dr. Amauri Pereira da Silva Filho (Neurocirurgião).
Instituição: Faculdade de Ciências Médicas de Campina Grande – FCM-CG.

HISTÓRIA CLÍNICA

Paciente de 5 anos, sexo masculino, natural do interior. Atendido em hospital público, com história de paralisia
facial do lado direito há 1 dia. Mãe relata que há 5 dias a criança sofreu uma queda de escada e traumatismo
cranioencefálico leve.

EXAME FÍSICO

Exame físico geral/Ectoscopia: Bom estado geral, hidratado, afebril, acianótico, anictérico e eupnéico.

Dados Vitais: Peso: 18,5 kg, Altura: 1,06 m, Índice de massa corporal (IMC): 16,46 kg/m2. Pulso: 85 bpm, FC:
90 bpm, FR: 18 irpm, Temperatura: 36,7 ºC; PA: 105 x 75 mmHg.

Exame da cabeça e do pescoço: Desvio da rima bucal para o lado esquerdo, dificuldade de fechamento
completo do olho direito e para enrugar a fronte do lado direito da face. Fissura palpebral direita alargada e
atenuação do sulco nasolabial direito. À otoscopia, sem sinais de laceração do meato acústico externo (MAE)
com membrana timpânica (MT) íntegra. Nega hiperacusia, acúfenos, otorragia, vertigem e dor retroauricular.
Sem alterações nos demais pares de nervos cranianos. Cavidade oral com salivação preservada. Não foi
realizado teste de gustação. Ausência de linfonodomegalias palpáveis e sopro carotídeo.

Exame neurológico: Hemiplegia em lado direito da face. Sensibilidade tátil e dolorosa preservada em toda a
face. Déficit neurológico focal restrito ao lado direito da face.

Exame do tórax e aparelho respiratório: Simétrico, sem retrações ou abaulamentos, expansibilidade


preservada, som claro pulmonar à percussão, frêmito toracovocal presente, simétrico e normal, murmúrio
vesicular audível sem ruídos adventícios em ambos hemitórax.

Exame do sistema cardiovascular: Bulhas rítimas, normofonéticas, em 2 tempos, sem sopros.

Exame abdominal: Abdome plano, cicatriz umbilical centralizada, ruídos hidroaéreos presentes, percussão
timpânica e indolor à palpação, ausência de visceromegalias.

Exame das extremidades e pulsos periféricos: Pulsos periféricos presentes e simétricos, tempo de
preenchimento capilar de 2 segundos e temperatura preservada.

Exame das articulações e sistema osteomuscular: Sem alterações dignas de nota.


EXAMES COMPLEMENTARES

Figura 1. Tomografia computadorizada em corte axial mostra fratura longitudinal de mastoide e pirâmide
petrosa do lado direito (Ulrich I)

PONTOS DE DISCUSSÃO

1. Qual o diagnóstico etiológico e topográfico provável em questão?


2. Qual a fisiopatologia da paralisia facial periférica traumática?
3. Quais os recursos diagnósticos e prognósticos utilizados para avaliar os pacientes com paralisia facial
periférica traumática?
4. Qual o tratamento mais adequado?

DISCUSSÃO

A despeito do caso apresentado e em concordância com a sintomatologia descrita no exame físico do


paciente, assim como a alteração encontrada na Tomografia Computadoriza de crânio, concluímos se tratar
de uma paralisia facial periférica (PFP) unilateral pós-trauma cranioencefálico (TCE) por fratura do processo
mastoideo do osso temporal.

A etiologia da PFP pode ser um importante desafio, uma vez que a grande maioria dos casos é classificada
como idiopática (paralisia de Bell). A PFP de origem traumática é a segunda causa mais frequente e pode ser
iatrogênica, pós-TCE, por ferimentos cortantes e/ou contusos da face ou por ferimento por projétil de arma
de fogo. Existem múltiplas causas de paralisia facial unilateral que devem ser consideradas além da sua forma
pós-traumática e idiopática, como por exemplo as etiologias: infecciosa, neoplásica, congênita e autoimune
(Tabela 2).

O nervo facial (NC VII), diferentemente dos outros pares de nervos cranianos, possui um trajeto
intraósseo. Deste modo, do TCE resulta uma secção nervosa ou compressão dentro do seu percurso por
edema do nervo acarretando uma diminuição da oxigenação e consequente paralisia.

Para entendermos melhor esse trajeto do nervo facial, é importante relembrarmos sua anatomia. O
núcleo motor do nervo facial está localizado na ponte. Antes de penetrar no meato acústico interno (MAI), ele
recebe fibras do núcleo salivatório e do trato solitário e penetra o MAI juntamente com o VIII par craniano
(nervo vestibulococlear). Ao final deste canal, as fibras não motoras encontram o gânglio geniculado, onde
emite o primeiro ramo intratemporal, que é o nervo petroso superficial maior, responsável pelo
lacrimejamento. Esta porção do nervo facial é denominada porção labiríntica. Após emitir esse ramo, faz uma
curva aguda, conhecida como primeiro joelho e, em seguida, atravessa a mastoide pelo Canal de Falópio.
Dentro deste canal, o nervo facial atravessa a caixa timpânica, trajeto conhecido como porção timpânica, onde
emite o segundo ramo, o nervo estapediano, responsável pela inervação do músculo estapédio. Em seguida,
faz uma pequena curva, conhecida como segundo joelho, e desce verticalmente pela mastoide, porção
conhecida como vertical ou mastoidea. Pouco antes da sua saída da mastoide, emite o seu terceiro ramo
intratemporal, o nervo corda do tímpano, responsável pela sensibilidade gustativa dos 2/3 anteriores da língua
e pela salivação das glândulas salivares submandibulares. Saindo da mastoide pelo forame estilomastoideo,
ele emite seus ramos para a musculatura mímica da face.

Devido a sua organização anatômica, os sinais de lesão periférica do nervo facial são variáveis. Lesões
mais graves produzem uma paralisia facial evidente ao repouso com queda dos músculos inferiores da face
ipsilateral. Os sulcos e linhas normais em torno dos lábios, nariz e boca são atenuados, a fissura palpebral se
alarga e os movimentos voluntários dos músculos da face e do platisma estão ausentes. Sorrir ressalta ainda
mais a fraqueza, contrastando o orbicular da boca normal e não afetado com a queda do lado comprometido.
A saliva pode escorrer do lado paralisado da boca em repouso e alimentos podem sair para fora quando o
indivíduo se alimenta. O fechamento da pálpebra é incompleto e um desvio superior e interno do olho pode
ser visto durante o exame ao se tentar fechar o olho (fenômeno de Bell). O reflexo corneano também é
alterado pela paralisia da pálpebra superior, embora a preservação da sensibilidade da córnea e da parte
aferente do reflexo seja confirmada pelo piscar consensual da pálpebra contralateral durante o teste do
reflexo corneano. A diminuição da salivação e perda do paladar nos dois terços anteriores da língua estão
presentes quando é afetada a corda do tímpano. A perda da sensação somática no canal auditivo externo,
porém, é mais rara. Os pacientes podem vir a apresentar hiperacusia quando o músculo estapédio é paralisado
e seu efeito amortecedor sobre a membrana timpânica é perdido. Para informar-se a respeito dos sinais do
paciente, vide exame físico.

Vale relembrar que o padrão da lesão periférica ou nuclear difere das lesões das vias motores centrais
(acima do nível do núcleo) visto que esta causa fraqueza e paralisia apenas na metade inferior da face,
poupando o ato de franzir a testa, devido à redundância das vias centrais que medeiam os músculos da parte
superior da face.

Faz parte da avaliação dos pacientes com PFP traumática: estudo radiológico do osso temporal, escalas
de gradação da lesão do nervo facial, avaliação audiológica, testes topográficos e de prognóstico elétrico.

As fraturas do osso temporal observadas nos estudos radiológicos são classificadas de acordo com a
sua relação com o longo eixo da pirâmide petrosa. A classificação das fraturas do osso temporal em
longitudinal (1) e transversa (2) é atribuída a Ulrich. A paralisia facial ocorre em 40-50% das fraturas
transversais e em 10-20% das longitudinais. O nervo é atingido com muita frequência em mais de um
segmento, mais comumente no labiríntico e no timpânico. A paralisia facial pode ocorrer mesmo sem fraturas,
por sangramento dentro do MAI ou obstrução da circulação sanguínea.

Um dos sistemas de gradação para avaliar a injúria causada ao nervo facial foi proposto por House &
Brackmann em 1985 (Tabela 1) e ainda possui utilidade na prática médica corrente. A escala utiliza o
fechamento ocular como preditor da lesão nervosa.

Tabela 1. Escala House-Brackmann de fraqueza do nervo facial

I Normal
II Fraqueza leve
III Fraqueza moderada com fechamento ocular completo
IV Fraqueza moderada a grave com fechamento ocular incompleto
V Movimento fraco quase imperceptível
VI Sem movimento
A Eletroneurografia (ENoG) está indicada para paralisias completas e após 3-4 dias de sua instalação.
Em vista da ausência de recursos, não houve possibilidade da realização do exame. Muitos autores utilizam
este exame para obter um prognóstico quanto a função normal do nervo facial (NC VII) na Paralisia de Bell e
pós-traumática e para selecionar candidatos à descompressão cirúrgica. É um teste complementar e seu uso
é desnecessário para estabelecer um diagnóstico presuntivo da lesão. Quando bem indicado, é extremamente
útil na descrição acurada da degeneração completa do nervo.

A paralisia incompleta tem um prognóstico em geral favorável e a conduta pode ser expectante. A
administração de corticosteroides, apesar de controvérsias na literatura, é geralmente recomendada, com a
finalidade de minimizar o edema local e a degeneração nervosa. Devido à falta de disponibilidade de material,
o paciente iniciou tratamento com uso de corticoide (protocolo de Stennert9) enquanto aguarda a cirurgia de
descompressão transmastóidea retrolabiríntica.

Todos os casos de paralisias faciais traumáticas devem ser submetidos a tratamento cirúrgico quando:
1) a paralisia facial for total ou imediata; 2) os testes elétricos forem inexcitáveis até o quinto dia da paralisia;
3) exista evidente disjunção óssea; 4) exista seção completa do nervo.

Se há alguma dúvida sobre a integridade do nervo facial, é prudente aguardar pela recuperação
funcional e apenas realizar tardiamente um procedimento se nenhuma recuperação (HB V ou VI) ocorrer.
Quando o coto central não está disponível, ou ainda, quando o tempo entre a lesão e o reparo varia de um a
dois anos, o procedimento de escolha é uma anastomose hipoglosso-facial, onde o tronco principal do facial
externamente ao forame estilomastoideo é anastomosado com a terminação proximal do nervo hipoglosso
transeccionado. Quando o reparo é realizado entre 2 a 4 anos após a lesão, o coto distal do nervo facial é
biopsiado e, se fibrótico, realiza-se uma transposição muscular. Se a lesão ocorreu há mais de 4 anos, ou se o
nervo facial e os músculos não estão adequados, a transposição do músculo temporal é preferível para a
reanimação da região bucal, assim como a realização de técnicas de reanimação para a região ocular.

Outros tratamentos complementares incluem os cuidados oculares e fisioterapia, os quais foram


recomendados à mãe do paciente. Uma vez que o paciente tem fechamento incompleto da pálpebra e
frequentemente lacrimejamento insuficiente, devem ser prescritas lágrimas artificiais a serem aplicadas de
hora em hora, além da oclusão palpebral durante o sono, de preferência concomitante com pomada protetora
para prevenção de ceratite e ulceração que podem levar a infecção secundária e até perda do globo ocular.
Fisioterapia e exercícios miofuncionais são indicados para todos os pacientes com HB III a VI. Mesmo que não
se perceba movimento facial, fibras nervosas intactas serão ativadas, auxiliando a manter o tônus muscular.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PRINCIPAIS

Tabela 2. Principais etiologias de paralisia facial periférica.

Trauma
Fraturas da base de crânio
Trauma durante o parto
Lesões faciais
Barotrauma ótico
Neurológico
Infarto do tronco cerebral
Esclerose múltipla
Miastenia gravis
Infecção
Otite média
Mastoidite
Herpes zoster oticus
Síndrome de Guillain-Barré
Sífilis
Doença de Lyme
Metabólico
Diabetes mellitus
Pré-eclâmpsia
Porfiria aguda
Neoplásico
Linfoma
Tumores da glândula parótida
Tumores da orelha média incluindo colesteatoma
Tumores da pirâmide petrosa do osso temporal
Tumores do ângulo pontocerebelar incluindo o neuroma acústico
Idiopático
Paralisia de Bell
Síndrome de Melkersson-Rosenthal
Iatrogênico
Cirurgia de mastoide
Cirurgia de parótida
Autoimune
Arterite temporal
LES
Sarcoidose
PTT
OBJETIVOS DE APRENDIZADO E COMPETÊNCIAS

 Anatomia e fisiologia do nervo facial


 Localização da lesão do nervo facial
 Semiologia neurológica para distinção da lesão periférica ou nuclear da supranuclear do nervo facial
 Diagnósticos diferenciais de quadros de paralisia facial periférica
 Exames diagnósticos para quadros de paralisia facial periférica
 Abordagem terapêutica da paralisia facial periférica

PONTOS IMPORTANTES

 O nervo facial possui um trajeto intraósseo correspondendo ao Canal de Falópio, composto por três
segmentos: labiríntico, timpânica e mastoide, sendo necessária a pesquisa de sua lesão após TCE.
 A etiologia traumática é a segunda causa de paralisia facial periférica, perdendo apenas para a
idiopática (Paralisia de Bell).
 O nervo facial é acometido em até 7% dos pacientes com fratura temporal.
 Paralisia pós-traumática imediata frequentemente é indicativa de transecção do nervo ou compressão
por fragmento ósseo.
 A utilização de escalas como, a escala de House-Brackmann, se faz necessário para estabelecer
prognóstico quanto à evolução da paralisia facial periférica e para auxiliar no planejamento
terapêutico.
 A afecção da lesão do nervo facial no individuo corresponderá a porção anatômica do nervo afetada.
 Na lesão periférica ocorre paralisia flácida dos músculos faciais ipsilaterais caracterizada pelo
acometimento superior e inferior da face.
 O diagnóstico da paralisia facial periférica é clínico, mas para descobrir as causas solicitam-se exames
de sangue, exames de audição (audiometria), exames de imagem (Tomografia Computadorizada e/ou
Ressonância Magnética), exames eletrofisiológicos (eletroneuromiografia), biópsia entre outros.
 O tratamento dos casos de paralisias faciais traumáticas devem ser submetidos a tratamento cirúrgico
quando:
1) a paralisia facial for total ou imediata;

2) os testes elétricos forem inexcitáveis até o quinto dia da paralisia;

3) exista evidente disjunção óssea;

4) exista seção completa do nervo.

REFERÊNCIAS

1. FONSECA KM, MOURÃO AM, MOTTA AR, VICENTE LC. Scales of degree of facial paralysis: analysis of
agreement. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:288–93.
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