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Instituto de Letras
ANTONIO DA MATA
1
ANTONIO DA MATA
2
AGRADECIMENTOS
À minha querida Mãe, Soraia, por estar sempre ao meu lado e me apoiar de maneira
infinita.
À minha companheira, Carmem, por sua paciência e carinho; por todos os conselhos e
ajuda.
Aos
https://monoskop.org/images/c/cb/LeWitt_Sol_1969_2006_Sentencas_sobre_Arte_Con
ceitual.pdf
https://monoskop.org/images/3/3c/Goldsmith_Kenneth_Day_2003.pdf
https://www.google.com/search?q=instagram&oq=insta&aqs=chrome.2.69i57j35i39l2j
0l3.2743j0j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8
https://www.youtube.com/channel/UCSkzHxIcfoEr69MWBdo0ppg
https://www.youtube.com/watch?v=VjVp0hTgzlI
https://www.youtube.com/watch?v=9srhgHzUFd4
https://www.dazeddigital.com/fashion/article/28261/1/remembering-japans-badass-70s-
schoolgirl-gangs
https://www.imdb.com/title/tt0071396/
https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2014/02/danto-andy-warhol-cc3b3pia-
limpa.pdf
https://2yrskulll.tumblr.com/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Fran%C3%A7ois_Lyotard
https://www.dailymotion.com/video/x6epr2g
https://www.supremenewyork.com/previews/fallwinter2018/t-shirts/1994-l-s-tee
http://www.languageisavirus.com/cutupmachine.php#.XHXMDohKjIU
https://mega.nz/#F!vOpwmQiJ!nJFgpdsE-0mCF0yOOQYqCA!uGx2AISJ
https://www.vogue.com/fashion-shows/spring-1995-ready-to-wear/alexander-mcqueen
https://www.buzzfeed.com/annakopsky/candyman-candyman-candyman-candyman-
candyman?utm_term=.kv6lPPZxy#.ptOx33qRz
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/11179/8898
http://robinroche.tumblr.com/
https://www.google.com/search?q=olhos+sem+rosto+filme&source=lnms&sa=X&ved=
0ahUKEwiInPHNxr3fAhXFEZAKHXqoAdsQ_AUICSgA&biw=1366&bih=657&dpr=
1,
A todo o tempo que me distraíram da pesquisa.
A todxs elxs, com amor, dedico essas palavras, pois elas não me pertencem.
3
“I'll be your mirror
I'll be your mirror
I'll be your mirror
I'll be your mirror
I'll be your mirror”
Velvet Undergroud
4
Introdução
Na web nada é falso e nada é verdadeiro. É nessa espécie de limbo da autoria que
as mais bizarras formas de informação surgem. É curioso pensar que esse tipo de logica
nos coloca em um lugar de suspensão das noções clássicas de autenticidade e
originalidade. Trocamos o “quem” pelo “onde” ou melhor, pelo número de
compartilhamentos, likes ou retwits. A veracidade de uma informação dependerá, então,
do número de vezes que ela será reproduzida na web. Basta que pensemos nas eleições
ocorridas no brasil no segundo semestre de 2018, onde, praticamente, quem ganha as
eleições não é nem um partido X nem um partido Y, mas uma notícia que corria no wpp
a época de que um dos partidos estaria distribuindo “mamadeiras de piroca” nas escolas
públicas de ensino fundamental. Pensar no fenômeno “mamadeira de piroca”, ou melhor,
no fakenews, é especialmente interessante diante das perspectivas que pretendo construir
com esse trabalho.
Pretendo, nesse trabalho, deixar em evidencia, então, qual viria a ser o papel da
literatura diante dessa complexa relação entre suporte e conteúdo que, segundo acredito,
estariam intimamente relacionados. Assim, o surgimento da web afetaria diretamente a
forma como autor e leitor lidariam com a materialidade do texto. A questão está, então,
5
em entender como antigas tecnologias se renovam através de novas e como essa relação
pode afetar profundamente tecnologias já existentes. Como bem coloca Kenneth
Goldsmith, o surgimento da web estaria para a literatura assim como o da fotografia
esteve para o da pintura1. E se, nesse caso, a pintura teve que se renovar em função de
uma nova necessidade que lhe foi imposta (essa que já não dependia mais da
representação fiel do “real”, pois a fotografia havia assumido essa posição), quais seriam
os efeitos da reprodução em massa da palavra –pela web-- para a literatura?
A reprodução, bem se vê, então, exercerá um papel central ao longo desse ensaio.
E não apenas a reprodução da palavra na literatura, mas a reprodução enquanto fenômeno
característico daquilo que se conveniou chamar de pós-modernidade. Ora, é comum que
ao ser formulado, o conceito de pós- modernidade esteja frequentemente associado a ideia
de réplica, simulacro e reflexo. E não à toa. Como nos mostra Jamesson, por exemplo, a
pós modernidade seria incapaz de produzir novos futuros: sua lógica seria tão somente a
da reprodução de passados até que, em algum momento, eles se esgotassem2. Daí ideias
como as de fukuiama, de que a historia havia acabado, se tornarem tão famosas durante
a década de 90.
Não pretendo assumir tal posição – acredito que esse fatalismo possui algo de
ideologicamente perigoso pois, afinal, o tempo passa. Mas ao mesmo tempo a lógica do
espelho me parece central para compreendermos o momento histórico em que vivemos
bem como a arte que é produzida nele.
1
2
JAMESON, pg. 33.
6
colorida, sempre seria, forçosamente, resultado de um processo de reprodução imposto
pelo próprio suporte. É necessário que enxerguemos as mudanças que foram operadas na
sociedade em razão de tal processo, não só como fez Benjamin, mas também suas
consequências para os demais campos da arte na sociedade, e aqui mais precisamente o
da literatura.
7
Fragmentos da história / da produção à reprodução
8
Assim, aliado a uma aparente infinidade de recursos e a uma lógica de produção
que estava aos poucos se massificando, o capitalismo seguia sendo comandado pelo
sujeito ocidental. É interessante que reparemos nas paridades culturas criadas pelo então
novo sistema de produção industrial. Foi durante a primeira revolução industrial que toma
forma o movimento do romantismo. O romantismo, então, é fruto de uma sociedade da
produção – assim como é fruto do colonialismo e do imperialismo.
Ser fruto de uma sociedade da produção, aqui, quer dizer muito: foi o momento
em que a arte ganhou centralidade, passou a produzir objetos que eram relevantes
culturalmente e que, mais precisamente, eram produto de um sujeito, de um indivíduo –
tal tipo de produção está intimamente ligado a setorização do mercado artístico,
consequência direta da divisão de trabalho. De fato, o romantismo, em oposição ao
classicismo, ajuda a sedimentar toda uma noção moderna de sujeito e de individualidade
burguesas. É no romantismo, por exemplo, que possuímos a noção moderna de autoria e
a criação de originalidade do gênio.
É claro que a ideia do autor é algo que precede o romantismo. Desde os gregos, o
autor já está ali; aquele nome que permite que um texto siga na história sem que se perca
seu referencial temporal/geográfico de origem. Mas o autor, a partir do romantismo, passa
a exercer uma função diferente: ele se associa a ideia de individualidade e identidade
burguesas,
3
“cant beat the real thing”, « a cada segundo tem alguem que pede coca-cola, compra coca-cola, bebe
coca cola”,“abra a felicidade”,“novas escolhas, o mesmo prazer”. Enxertos de propagandas da coca-cola.
É possível reparar como o mercado movimenta, fortemente, a noção de indivíduo, atualmente.
Portanto, ser indivíduo significa ao mesmo tempo possuir o poder de consumo, mas estar restringido a
consumir aquilo que o mercado nos impõe. Isso fica evidente diante de propagandas como essa. O
retorno ao mesmo, de alguma maneira, é sempre inevitável.
4
“Gênio original: essa expressão comum é, em seu cerne, uma tautologia. O Oxford English Dictionary
nos diz que original vem do verbo latino oriri, surgir, nascer; o latim genius, como genesis, deriva de gen,
a raiz de gignere, gerar, que vem do grego gignesthai, nascer. Na crença pagã clássica, um genius era ‘o
deus tutelar ou o espírito patrono dado a cada pessoa ao nascer, para governar suas fortunas,
determinar seu caráter e, enfim, conduzi-lo para fora do mundo; também, de modo semelhante, o
espírito tutelar e controlador se conecta a um lugar (genius loci), uma instituição etc.’ Até o final do sec.
17, gênios bons e maus controlavam nossos destinos; a primeira ocorrência de gênio no sentido
moderno de uma ‘habilidade ou capacidade; qualidade da mente, o dote especial que se adequa a um
homem [sic] por seu trabalho peculiar’ se encontra em Milton (1649), e, ainda que os homens possam
ter um gênio para isso ou para aquilo, a noção de uma pessoa individual ser um gênio foi uma invenção
do sec. 19, sobretudo da Alemanha na época do Sturm und Drang. E, é claro, os gênios de Beethoven ou
Goethe precisavam ser originais: o nome originalidade, definido pelo Oxford English Dictionary como ‘o
9
Historicamente o romantismo se situa em um período de forte ascensão da burguesia e
industrialização da sociedade. De alguma maneira, o nascimento do capitalismo clássico
vai de encontro diretamente ao nascimento da autoria, da originalidade e do gênio. É
sensível, nesse sentido, que hoje estejamos passando por uma atual crise dos dois
sistemas. Genialidade e capitalismo fazem parte de um mesmo tempo histórico. É
possível, mesmo, que compreendamos que o capitalismo é indissolúvel da noção de
autoria e de gênio – a propriedade privada, por exemplo, é um evidente desdobramento
da noção de autoria (a autoria, por si só, já pressupõe autoridade sobre um x produto da
criatividade humano). A crise no sistema capitalista (o que não quer dizer que ele esteja
colapsando, apenas mudando), então, aponta seriamente para a crise da autoria. Durante
a primeira e segunda revolução industrial, o problema do capitalismo era a questão da
interiorização do externo – como já foi dito mais acima. Como ele poderia assimilar
aquilo que não participava de si sem abandonar a si mesmo? A questão se resolveu através
da capitalização de tudo. Hoje, tudo é perigosamente horizontal. Tudo perdeu sua aurea5.
Nada mais é único6.
fato ou atributo de ser primário, originário; auntenticidade, genuinidade’, fez sua primeira aparição em
1776, em travels in spain, de H. Swinburne: ‘Uma das mais valiosas pinturas do mundo. Não sei como
Amiconi veio a duvidar de sua originalidade’”. (PERLOFF, pg. 56)
5
O conceito de aura será particularmente caro ao longo desse ensaio. Terei a oportunidade desenvolve-
lo mais à frente.
6
FISHER, pg. 12
7
JAMESON, pg. 33.
10
É aqui que chegamos no momento que me interessa. Se o a primeira e a segunda
revolução industriais foram marcadas pela produção, tanto tecnológica quanto
socialmente, a terceira revolução industrial, que tem início no final do período da primeira
e segunda guerras mundiais, é dominada pela reprodução. Basta que observemos as
tecnologias que melhor a representam: a máquina fotográfica, a televisão – e,
posteriormente, o computador e a web. São todas tecnologias que estão dispostas muito
mais a reproduzir um conteúdo do que necessariamente produzi-lo.
11
do filme de Jonh Carpenter8. Assimila a forma com o fim de simular uma aparência. O
capital é a superficialidade levada ao extremo. Debord coloca muito bem essa questão. E,
se aplicarmos tais leis à indústria cultural, percebemos que a imagem no capitalismo
apaga as relações reais que existem entre a sociedade humana9. No lugar do calor do
corpo, temos a frieza da máquina.
Aura: pg 23. Pg 27
8
The Thing, lançado em 1982, é um filme de terror em que uma equipe de pesquisa na Antártica é
caçada por um alienígena que muda de forma e assume a aparência de suas vítimas.
9
Na tese de numero 4 de seu livro a “sociedade do espetáculo”, Debord nos diz : “O espetáculo não é
um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens”. de certa
maneira, essa tese é capaz de sintetizar todo o jogo arquitetado por Debord ao longo de seu livro. A
tensão entre o real e a simulação, entre a mentira e esse momento da que chamamos verdade, todas
elas seriam resultado direto dessa omissão do humano pela imagem.
12
O não gênio a não expressão
10
Benjamin, pag. 29.
11
Benjamin ainda chega a falar da crise dos próprios museus também, que não sustentavam a
quantidade de pessoas que se apresentavam para ver um único quadro. O problema aqui é conceitual,
mas também material, logístico.
12
Tal opacidade da obra fica evidente em livros como o Finnigans Wake, de Joyce, um livro quase
impossível de ler, de tão denso. De fato, o livro possui, em sua composição, mais de 8 línguas, vivas e
mortas, o que já nos dá uma noção das dimensões de dificuldade apresentadas por tal leitura. É claro
que Joyce se tornou um dos nomes mais conhecidos se tratando de literatura “densa” e para
“iniciados”, mas possuímos exemplos no brasil como o grande sertão de Guimarães Rosa, que se perde
numa espécie de dialeto caipira cosmopolita, local e ao mesmo tempo mundial.
13
Vide “linguistica e comunicação”, Roman Jakobson.
13
décadas, foram extremante conturbadas. Novas tecnologias estavam surgindo, alterando
assim a percepção da realidade do humano (despertando uma espécie de inconsciente
corpóreo14, como Benjamin coloca muito bem). Foi nesse período que, também, as duas
grandes guerras eclodiram etc. Enfim, a globalização estava em direção de se consolidar
e prestes a tomar a sua última forma – que hoje podemos sintetizar numa espécie de
formula da não distância e da atemporalidade.15
14
BENJAMIN, pg.
15
O conceito de aura, apara Benjamin, expressa muito bem essa questão. Para ele, a aura de uma obra
seria justamente aquilo que
16
Um dos principais lemas do formalismo russo era o da arte como procedimento: a forma que pensa e
acompanha a função.
17
« O conceito de autonomia da arte é a pedra de toque fundamental da teoria de Burger,
indispensável para compreender a sua ideia de vanguarda. O autor identifica a autonomia com o
atributo da arte burguesa sobre o qual a instituição estabelece a sua estrutura ideológica.”
(BURGER, introdução à teoria da vanguarda, pg.5)
14
espécie de erro na arte18. No entanto, possuir uma compreensão mais ampla a respeito
das vanguardas é fundamental para compreender o momento atual da arte em geral e,
principalmente, da literatura.
É curioso que, para nos referirmos aos movimentos artísticos do início do sec XX,
utilizemos um termo de origem bélica. “Vanguardas”. Só isso já é capaz de nos dizer
muito a respeito do momento em que esse tipo de arte estava sendo produzida. Em um
exército, cabe a vanguarda estar na frente. Ela será a primeira parte do batalhão que
entrará em contato com o oponente.
18
Lukács utiliza o conceito de “realismo crítico” para estabelecer uma ligação entre, de um lado,
realismo e progressismo social (agrupando aqui as correntes herdeiras do renascimento e do
iluminismo, as correntes “sadias” da burguesia, e os escritores a serviço da URSS) e, do
outro lado, abstracionismo, irracionalismo e reacionarismo social. Tal
ponto de vista levará a diversos julgamentos estéticos lamentáveis, desde a crítica a Kafka
até seus violentos ataques contra todos os tipos de arte de vanguarda, em particular ao
expressionismo e aos surrealistas – igualados como produtos decadentes da época
imperialista.
15
Propor uma literatura da não-expressão-não-criatividade não apaga a história da
literatura. Não estamos falando do fim da literatura, no sentido de um fim, um
distanciamento e uma alienação da sua própria história. As vanguardas clássicas, elas sim,
diante da crise dos suportes artísticos (que geralmente é promovida pelo movimento de
massificação de novas tecnologias), tinham como projeto um rompimento com a
história19. O dadaísmo quis suprimir a arte sem a realizar. Os objetos produzidos pelo
DADA eram ao mesmo tempo alienados da história da arte e engajados socialmente.
Inclusive, sua alienação histórica diante da arte vinha justamente porque eles se
utilizavam de objetos que, por serem muito comuns, muitos pertencentes ao cotidiano das
massas (basta pensar na fonte de Duchamp), não poderiam estar inseridos no universo da
arte, ou pelo menos da ideia de arte que até então se havia construído. É curioso pensar
que o DADA acabe justamente no momento em que é absorvido pelo universo da arte,
ou seja, no momento em que se torna parte do processo histórico. Ao se tornar história, o
DADA não poderia continuar existindo.
19
Tal rompimento, evidentemente, possuía um sentido programático. Basta que reparemos,
novamente, no nome que se atribuiu a arte de tal período “Vanguarda”. É quase como se as vanguardas
estivessem encarregadas de enfrentar, sozinhas, esse futuro que estava chegando muito rapidamente.
Daí, muitas vezes, muito da produção da vanguarda nos parece ou muito complexa ou
16
complexas de massificação da obra de arte que, certamente, estavam muito mais
conformes aquilo que chamo de sociedade da reprodução. Assim, Chaplin era esse ser
cambiante, misto entre mendigo e ditador – seu visual era signo da decadência da
sociedade ocidental: parodia de Hitler que se vestia como mendigo, talvez indicando a
miséria na qual o humano tinha submetido a si mesmo através de processos exploratórios
empreendidos pelo capitalismo. Ele não era apenas um indivíduo, não possui apenas um
sujeito dentro de sua imagem: era várias pessoas, possuía várias personalidades que,
frequentemente, eram contraditórias entre si. Sua imagem jogava com representações
que, na época, eram extremamente provocativas e sedutoras. Esse jogo, estava em vias de
se formar na arte de recorte mais “culto” desde o fim do sec. XIX – vide poetas como
Rimbaud, por exemplo. Chaplin, porém, ao ser incorporado pelo mercado da imagem,
compreende perfeitamente que, dali em diante, o interesse estaria muito mais na
fragmentação da expressão individual do que na unidade, na coerência de apenas uma
expressão, de apenas um indivíduo.
20
A ideia do acaso e da aleatoriedade será de extrema importância para o desenvolvimento da arte e da
literatura ao longo do sec XX. Acredito que ela merecesse um enfoque maior ao longo desse ensaio, mas
por falta de tempo e espaço, acredito que deixarei para uma próxima oportunidade. Mas a título de
exemplo, basta que observemos a produção de 3 grandes artistas do sec XX. Duchamp, que durante
todo seu corpo de obras se preocupou com a ideia do jogo, do acaso, etc. Gertrude Stein, que em seus
livros trabalha com pedaços de linguagem associados, em sua maioria, de maneira aleatória e John
17
linguagem de qualquer intenção de um “eu” de forma que ela restasse pura linguagem,
pura enunciação; não querendo expressar nada mais que a si mesma. É claro que esse
projeto, a meu ver, possui sérias dificuldades, de cunho não apenas literário como também
profundamente econômicas e filosóficas – não à toa Mallarmé seria tão revisitado pela
filosofia pos-estruturalista, por exemplo; e muito do seu pensamento foi responsável pela
“morte do autor”. O conceito de morte do autor desenvolvido pelo estruturalismo/pós-
estruturalismo é interessante na discussão, aqui, na medida em que evidencia uma certa
preocupação da crítica em compreender o fenômeno da não expressão característico da
literatura que estava transacionando de um período da produção para a reprodução em
massa. Focault, por exemplo, vai além de Barthes e atribuí a morte do autor a um certo
fim de uma lógica de consumo que fosse estritamente burguesa. Assim, “Se o motivo pós
estruturalista da ‘morte do sujeito’ significa algo no âmbito social”, escreve Jameson, “ele
assinala o fim do individualismo empreendedor e dirigido interiormente, com seu
‘carisma’ e seu arsenal categórico de exóticos valores românticos que o acompanha, como
o do ‘gênio’ em primeiro lugar”. A nova ordem “não precisa mais de profetas e videntes
do tipo carismático e do alto modernismo (...) Tais figuras não mais detêm qualquer
encanto ou mágica para os assuntos de uma era corporativa, coletivizada, pós-
individualista.”21 Jameson prossegue para explicar como, na era do simulacro, a teoria do
gênio está simplesmente passé. De fato, os próprios modernistas agora foram reificados
como “clássicos” da sala de aula – e assumiram, portanto, uma posição de segurança,
desinteressantes e passando em grande parte sem serem lidos.
Cage, um dos criadores da música estocástica, que via no I Ching uma fonte para produção – não
criativa—de partituras musicais.
21
Fredric Jameson, conclusão de Postmodernism, or the cultural logico f the late capitalismo, Durham,
NC, Duke University Press, 1991, p.306.
22
A reprodutibilidade tecnica, como bem percebe Benjamin, coloca em cheque a ideia de que exista um
original do qual a série derive—“ A esfera da autenticidade, como um todo, subtrai-se à
18
original/individual são colocadas completamente em cheque pelo movimento de espelho
da sociedade.
reprodutibilidade técnica- e, naturalmente, não só a que é técnica” (Benjamin, pg 19). Se são todos
iguais, porque eu devo atribuir mais importância ao que veio primeiro? É quase como se a originalidade,
sua produção, não fosse capaz de alcançar a velocidade da reprodução técnica. Daí a ideia da Fake News
ser particularmente interessante aqui. É claro que não me escapa o perigo que ela pode representar
para o sistema de representações em uma sociedade; bem como todo o pensamento da pós-verdade
em geral. No entanto, o que me interessa é reparar como as demandas atuais mudaram frente a criação
de narrativas e discursos. É quase como se houvesse mais interesse justamente naquilo que é falso etc.;
e acredito que esse interesse não seja desmotivado. Pois, afinal de contas, na web tudo pode e não
pode ser: o interesse pelas Fake News seria um reflexo da lógica de funcionamento da web e da
sociedade de reprodução como um todo.
23
Teoria da poesia concreta, pg 68.
24
Goldsmith, Uncreative Writing, Language as Material.
19
provocar o mercado de consumo, como no poema coca-cola, de Décio Pignatari,
analisado mais a frente--, pareceu nunca superar o estreito círculo de alguns artistas e
poetas, novamente considerados iniciados; e como boa parte da produção das vanguardas,
também sofreu ataques no sentido de ser obscura e de transmitir mensagens que não eram
direcionadas às massas. Kenneth Goldsmith, um dos principais expoentes e idealizadores
da escrita conceitual, nos apresenta uma ideia interessante a respeito de tal fato. O
concretismo, assim como os dadaístas quando comparados a Chaplin, ainda não possuíam
o ambiente necessário para divulgarem suas ideias e poemas. Goldsmith, no entanto,
defende que, hoje em dia, a coisa teria sido diferente. A internet lhe parece o suporte ideal
para compreendermos o que foi o concretismo25. E de fato, não precisamos nos esforçar
muito para enxergarmos correlações evidentes entre o concretismo e a maneira como a
palavra é tratada na web. Assim, o concretismo funciona como uma espécie de link entre
a literatura e o suporte da web, e uma de suas principais heranças é compreender a forma
do texto como sendo tão importante quanto seu conteúdo. Assim, conteúdo e forma são
parte indissolúveis de uma mesma coisa. E é aí que encontramos a escrita conceitual.
25
“Eu fiquei atordoado. Tudo que Pignatari dizia parecia prever o funcionamento da internet (...) o
envio, o conteúdo, a interface, a distribuição, as características multimídia, só para citar alguns
elementos. De repente, fez sentido: como na famosa declaração de Kooning: “A história não me
influencia. Eu que influencio a história”, demorou até a vinda da Web para vermos o quanto a poética
concretista foi pré-ciente em prever sua própria e calorosa recepção meio século depois. De imediato,
compreendi que o que faltava para a poesia concreta era um ambiente apropriado em que ela pudesse
florescer. Por muitos anos, a poesia concreta tem estado numa espécie de Limbo: um gênero deslocado
em busca de um novo meio. E agora, ela o encontrou”. Kenneth Goldsmith, From (Command) line to
(iconic) Constellation, em Ubuwebpapers, disponível em
www.ubu/com/pappers/goldsmith_command.html.
20
O Poema “Coca-Cola”, de Décio Pignatári – um dos fundadores do concretismo
no Brasil--, é um excelente exemplo da trajetória e legado deixados pelo concretismo.
Escrito na clássica e predileta fonte do movimento concreto, a Futura Bold – fonte,
inclusive, criada pela Bauhaus--, o poema pode ser considerado uma acida crítica ao
mercado de consumo, onde possuímos clichês propagandísticos que, o tempo todo, nos
impõe a consumo de uma nova mercadoria. De fato, o poema é uma parodia evidente da
própria identidade visual da coca cola: o vermelho e o branco, a primeira frase, que é, de
fato, uma propaganda da coca cola etc. Assim, podemos entender que Décio, para criticar
o mercado de consumo, aplica a mesma lógica que o mercado aplica para ser consumido,
que é a ideia do espelho, a ideia de um objeto que, facilmente, possa apelar para a
identidade do individuo consumidor. Porém, onde, na propaganda original da coca-cola,
possuiríamos uma mensagem de caráter positivo, algo que afirmasse a subjetividade do
indivíduo – geralmente apelando para a ideia de que o produto coca cola pode trazer
felicidade se consumido --, Décio a preenche com um caráter negativo, que atinge seu
ápice ao final. A cloaca, então, seria aquilo que a coca-cola verdadeiramente significa
para o consumidor: lixo, algo que sai do órgão excretor de um pássaro. Décio é sagaz. Se
21
utiliza da linguagem do consumo para efetuar uma crítica à linguagem do consumo, e ao
fazê-lo expõe a ideologia por trás de uma suposta felicidade do discurso da sociedade de
consumo. É interessante, ainda, que reparemos que o autor, apesar de modificar a
propaganda original, faz poucas mudanças, se limitando muitas vezes a efetuar anagramas
da primeira frase “beba coca cola”. Isso estaria de acordo com a ideia de se utilizar, cada
vez menos, a subjetividade, a originalidade etc. para produzir obras de arte. De fato, ser
indivíduo numa sociedade de consumo, talvez, já esteja gastado pelos produtos que essa
mesma sociedade nos impõe
22
A desapropriação do próprio
Em seu livro DAY, Kenneth Goldsmith transcreve todas as palavras e símbolos da
edição de 1 de setembro de new York times. O resultado? Um livro de 836 páginas que
levou X anos para ficar pronto. O que me chama atenção nesse livro é como seu autor
concebe a linguagem. E mais precisamente a maneira como ele a expressa. O livro, por
exemplo, possui paralelos interessantes com a história da arte e da literatura em geral.
Como no Ulyses, de James Joyce, possuímos um livro que é o recorte de um dia. E, de
fato, basta que reparemos em algumas páginas do livro para percebermos que,
graficamente, o livro se assemelha muito a experimentos presentes nas poesias de uma
Gertrude Stein ou em produções textuais do DADA. Ao traduzir um suporte não literário
(o jornal) para um literário (o livro), Goldsmith acentua o caráter estranho da linguagem
do dia-a-dia. Nesse sentido, ele está muito próximo de um certo projeto pop das
vanguardas em geral, esse de se utilizar de objetos do cotidiano, pois estes, porque não
foram ainda incorporados pelo imaginário do que geralmente se considera arte, ainda
seriam capazes de provocar um estranhamento no espectador. O jogo é sutil, e me lembra
muito uma certa posição warholiana, de transformar a cultura de consumo em cânone e o
cânone em cultura de consumo26. Esse seria, a meu ver, uma das principais características
da escrita conceitual – da forma como é trabalhada em Goldsmith, ao menos.
Um outro aspecto que vale ainda ressaltar é o conceito da obra. Ora, apesar de ser
um livro, ele não é propriamente feito para ser lido. Ao menos não da maneira tradicional.
O próprio Goldsmith já acentuou esse aspecto de seus trabalhos em geral: são livros muito
grandes, quase sempre tratando de temas muito banais e, portanto, maçantes27. O objetivo
do objeto livro, então, passa a ser outro. Sua economia se modifica, se torna mais veloz;
como uma propaganda, baste que nós passemos os olhos para que compreendamos, quase
que instantaneamente, seu objetivo. O livro já não é mais um objeto de contemplação,
diante do qual o leitor deve passar algumas horas em função de decodificar uma narrativa.
Nesse sentido, ele não seria um objeto de absorção individual, que pretenderia trabalhar
as várias nuances de um indivíduo. Ele não convida o leitor a permanecer nele. Muito
26
“Andy Warhol was an unoriginal genius, one who was able to create a profoundly original body of
work by isolating, reframing, recycling, regurgitating, and endlessly reproducing ideas and images that
weren’t his, yet, by the time he was finished with them, they were completely Warholian ».
(GOLDSMITH, Uncreative Writing,
27
Em uma entrevista, o autor indica que seus livros seriam mais interessantes no sentido de gerarem
conversas interessantes do que em, propriamente, gerarem leituras interessantes. Disponível em:
https://bombmagazine.org/articles/kenneth-goldsmith/
23
pelo contrário. Como em um espelho, o leitor se encontra diante de um objeto reflexivo,
que ao invés de absorve-lo, o leva a observar outros aspectos da obra, tais como a intenção
do autor em transcrever toda uma edição de um jornal – um objeto que representa o que
é o coditiano—para um livro. A obra, então, não estaria na capacidade criativa do autor
de combinar tais e tais expressões para formar uma narrativa emocionante e atrativa, mas
sim muito mais na sua intenção. Tanto é que ela possui esse caráter receita-de-bolo28. Por
não envolver um procedimento de manufatura artesanal da escrita – no sentido de
enfrentar o laborioso e romântico processo de escrita—qualquer um que entenda o
conceito poderá reproduzi-lo. Portanto, o compromisso da obra não está na originalidade
da expressão individual através de um suporte. Não existe necessariamente um eu que
padeça de nada daquilo que é tratado ao longo da obra (afinal de contas ela é uma cópia
do início ao fim).
Um dos principais pilares dessa crise, a meu ver, é o estágio do sistema capitalista
em que nos encontramos, que ao incorporar a arte a espetaculariza. Tornar a obra de arte
um espetáculo significa transforma-la num objeto de poder ideológico a serviço do
consumo – e ideias como gênio, individualidade e autoria, muitas vezes, são usadas
28
Como declara Sol Lewitt, no seu famoso texto « sentenças sobre a arte conceitual”: “6. Se o artista
muda de opinião no meio do caminho, durante a execução da peça, ele compromete o resultado e
repete resultados passados. 7. A vontade do artista é secundária em relação ao processo que ele inicia,
da ideia à conclusão do trabalho. Sua obstinação pode ser apenas ego”. Para Lewitt, então, a arte deve
ser um procedimento distante (como se processado por maquinas) da vontade do artista – ler vontade
como originalidade, autoria etc. A arte conceitual, assim, serve de forte influência para pressupostos e
poéticas trabalhadas ao longo dos procedimentos da escrita conceitual. De fato, a relação entre a escrita
conceitual e as artes plásticas é de proximidade, tanto é que o próprio Goldsmith chega a nos dizer que
“escrita tem muito que aprender com as artes visuais”.
24
apenas como sloogan comercial. Ser original, hoje em dia, é ser um consumidor. A obra,
então, a partir do momento que passa a ser enxergada enquanto produto artístico de
expressão do eu, não possuiria mais um caráter libertador – ao contrário do que queria
Benjamin, que enxergava o avanço da sociedade de consumo como algo positivo e
libertador para as massas29. Aliado ao movimento de espetacularização da arte, possuímos
a perda de si do indivíduo também: como que distraído por esse mundo de espelhos, sua
identidade se dissolveria num esquema contínuo de alienações. Daí a importância de
repensarmos, na literatura, conceitos que são tão caros à individualidade burguesa, como
a originalidade, a autoria, a identidade etc., pois tais conceitos nos parecem cada vez mais
anacrônicos, ainda mais numa sociedade pós-web, por exemplo, onde nada é o que
aparenta ser.
29
É claro que, em certo sentido, Benjamin possui razão. Historicamente falando, a massificação da arte
foi de extrema importância tanto cultural como economicamente. Mas acredito que ainda estejamos
nos ajustando a velocidade que tal associação – arte e sociedade de consumo— possa vir a atingir. No
entanto, é importante que reparemos que a visão de Benjamin é essencialmente positiva. Para ele,
conceitos como os de genialidade e autoria iriam, naturalmente (no sentido de ser um movimento que a
história empreenderia inevitavelmente), cair por terra, porque eram uma contradição em termos com
os novos sistemas de reprodução técnica. E, novamente, ele possui certa razão; mas, ao mesmo tempo,
sua crítica é ingênua ao relevar o caráter ideológico do mercado. Por isso, hoje em dia, o conceito de
indivíduo, apesar de ser datado, ainda possui um extremo apelo social e, principalmente, comercial:
Assim, Eu sou a única pessoa que pode comprar uma coca-cola, por exemplo.
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3 exertos de DAY,
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Como se vê, DAY mais parece um amontoado ininteligível de símbolos do que um
livro que se preste a possuir uma narrativa. Possuímos uma sopa de informações não
digeridas pelo autor. Assim, classificados, tabelas de preços de metais, coordenadas ou
números da bolsa de valores se horizontalizam na medida em que passam a participar de
um mesmo suporte. Sua ininteligibilidade, é claro, é intencional. Goldsmith certamente
quer nos chamar atenção para o excesso de informação, veiculado por palavras, que um
cidadão, em uma urbe como Nova York, tem acesso no dia-a-dia. As palavras, então, se
tornam vazias, e o que sobram são apenas imagens, símbolos e cifras. Se comparado ao
Coca-Cola de Pignatari, o que temos é uma radicalização do processo. Justamente por
não digerir – no sentido de filtrar através de um prisma original de autoria—Goldsmith
nos apresenta a realidade da sociedade de consumo da maneira como ela de fato é:
confusa, ininteligível e impossível de ser digerida.
29
faz com que a literatura seja capaz de alcançar, talvez da maneira mais verossímil
possível, a realidade cotidiana de qualquer cidadão de uma grande metrópole capitalista:
essa espécie de imersão numa imensa confusão, onde nenhuma narrativa é linear e tudo,
apesar de ser estranhamente igual, sempre como um reflexo em um espelho, é sempre
diferente. Assim, o texto passa a ser invadido pela realidade das propagandas
reproduzidas de maneira vazia pelo capitalismo; e a grande sacada é justamente essa: a
melhor maneira de criticar o sistema, muitas vezes, é não apenas compreender suas falhas
e tentar combate-las, mas também compreender a maneira como elas se codificam, a
maneira como elas são reproduzidas pelo próprio sistema. Isso, é claro, pode se aplicar
não apenas ao sistema financeiro etc., mas também aos sistemas criados pela arte, como
a literatura. Assim, a melhor maneira de criticar o sistema passa a ser se utilizar da própria
lógica do sistema30. Daí a ideia da não originalidade ser especialmente cara aqui. Ou como
Goldsmith propõe, em um de seus tweets: “ser difícil, é difícil, mas ser fácil, é mais difícil
ainda”.
30
30
Conclusão.
Me lembro certa vez que, ao ser apresentado a ideia de escrita conceitual, um certo
conhecido meu, nem pensa duas vezes e rapidamente crítica: “mas isso é igual aos
experimentos de readymade feitos no início do século XX por Marcel Duchamp”. De
fato, ao meu conhecido, não retiro certo crédito. Duchamp é, inegavelmente, um
antecedente histórico da arte conceitual em geral. Mas o perigo dessa afirmação mora
justamente nessa proximidade tão semelhante. Onde o primeiro pretendia atacar o
mercado artístico enquanto tal, questionando noções de originalidade profundamente
burguesas e ocidentais, a outra, além de incorporar esse tipo de crítica renovando-a,
adiciona à equação certos elementos que, na época, seriam, de certa maneira, impossíveis
de serem trabalhados, dado os avanços do sistema e dos meios de comunicação de então,
que no início do século XX se encontrava na transição da segunda para sua terceira fase31.
31
E como bem coloca Jameson, no seu fim da temporalidade, não apenas o fluxo de consumo da cultura
e do seu imaginário mudou, como se tornou mais rápido – (JAMESON, O Fim da Temporalidade, pg. 7).
Assim, já temos nos modernismos questões que mais tarde viriam a ser trabalhadas com a pós-
modernidade; a diferença é que o que no modernismo ficava em segundo plano e, portanto, não foi
possível de ser esgotado, no pós-modernismo passa a adquirir centralidade. Algo muito semelhante ao
conceito de Retaguarda que Perloff desenvolve em seu ensaio “Da Vanguarda ao Digital” –( PERLOFF,
pg. 95)
31
fortemente em noções de apropriação e reprodução em massa da cultura – como foi o new
age, durante a década de 80, que se apropriava, principalmente no território da música,
de culturas autóctones com a falsa desculpa de divulga-las, quando, no fundo, se tratava
apenas de uma estratégia de marketing –novamente, o pinkmoney. Uma outra questão
relevante que entra em jogo aqui é a maneira como temos tratado a comunicação através
da palavra. Como foi dito acima, o suporte da web, do computador etc. empregam uma
nova maneira de se utilizar a linguagem. De fato, nunca se reproduziu tanta informação
quanto agora. E essa é a principal lógica da internet, a da reprodução, do roubo, da
apropriação. Assim, repensar a apropriação enquanto procedimento literário hoje em dia
me parece essencial, pois a literatura finalmente encontrou aquilo que a fotografia
representou para a pintura: a web32. Com a web, noções antigas de autoria e genialidade
original são forçadas a se resinificar. Pois, assim como já foi dito mais acima, o original
perde seu valor quando passa a ser reproduzido. A originalidade, então, da maneira como
foi concebida, hoje em dia, não parece mais suscitar tanto interesse quanto suscitava no
sec. XVIII, por exemplo. Mesmo porque, o processo de reprodução ultra acelerado
iniciado pelo mercado de consumo aumenta desumanamente a demanda pela “novidade”.
Quantidade é qualidade. A obra de arte reproduzida torna-se cada vez mais a reprodução
de uma obra de arte voltada para a reprodutibilidade. Não interessa mais a produção de
novos materiais, mas apenas a edição de coisas já existentes. Como coloca Goldsmith:
“Em 1969, o artista conceitual Douglas Huebler escreveu: “O mundo está cheio de
objetos, mais ou menos interessantes; Eu não quero adicionar mais nada”. Eu abraço as
ideias de Huebler, embora elas possam ser refeitas como“ O mundo está cheio de textos,
mais ou menos interessantes; Eu não quero adicionar mais nada. ”33
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Mas é interessante que pensemos na utopia pensada por Banjamin, onde a vanguarda seria
emancipada de seu caráter tautológico pela própria ideia da reprodução. Se as vanguardas se fundam
naquilo que Benjamin, ecoando a ideia de autonomia desenvolvida por Burger, chama de “teologia da
arte” (BENJAMIN, pg. 33-35) – a arte-pela-arte, o esteticismo, seriam uma busca da arte “pura”—é na
reprodutibilidade, justamente, que reencontramos a arte como política. Pois a busca pelo puro, para
Benjamin, só seria possível a partir do autentico; se, diante da arte reproduzida, a pergunta do autentico
ou do original se torna indiferente, deveríamos levar tais manifestações para outro campo em função de
melhor compreende-las. E é aí que as vanguardas, enfim, encontrariam novamente as massas: na
política.
32
se coloca é justamente a dissolução do sujeito, ou da experiência da escrita. O que
aconteceria, então, com a literatura no futuro? Isso quer dizer que as experiências já não
importam mais? Etc.
Segundo vim tentando demonstrar, acredito que não se trata aqui de substituir uma
coisa pela outra; antes, de permitir que concebamos a questão de maneira diferente, pois
os tempos, hoje, são diferentes, e urge uma nova forma ou maneira de corresponder às
crises do mundo atual, principalmente no que diz respeito a produção cultural dentro de
uma lógica de reprodução desumana – responsável, inclusive, por dissolver as noções
clássicas de gênio e indivíduo criadas pelo romantismo. Portanto, a questão estaria muito
mais em lançar suspeita sobre certos cânones que adquiriram status de verdade – nas
instituições da arte e da literatura--, como a própria ideia do gênio, que como coloca
Burger, após as vanguardas passa a ser sinônimo de ideologia35.
“Uma das ideias de Warhol para ‘I’ll Be Your Mirror” nunca viu a luz do dia, o
que destaca o abismo que separava suas ideias conceituais das reais possibilidades
técnicas disponíveis em um estúdio, em 1966. A sugestão de Andy era que o disco ‘
tivesse uma fenda, feita propositadamente, para que tocasse ‘I’ll Be Your Mirror’, ‘I’ll
Be Your Mirror’, ‘I’ll Be Your Mirror’, ‘I’ll Be Your Mirror’, ‘I’ll Be Your Mirror’, e
nunca pulasse, tocaria e tocaria, até que alguém viesse e arrumasse a agulha no disco.”36
35
36
Harvard, pg. 124
33
Referências Bibliográficas.
Perloff, Marjorie
Harvard, Joe
Goldsmith, Kenneth
Goldsmith, Kenneth
Benjamin, Walter
Jameson, Fredric
Pignatari, Decio
Pignatari, Decio
Debord, Guy
Fisher, Mark
Burger, Peter
Lukács, G
Derrida, Jacques
Jakobson, Roman
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35