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MUDANÇAS VALORATIVAS NO DIREITO PRIVADO:

o necessário reconhecimento da vulnerabilidade existencial


CHANGES OF VALUE IN PRIVATE LAW:
the necessary recognition of the existential vulnerability

Resumo: A constitucionalização do direito civil mudou a forma como o direito enxerga a


pessoa humana, passando a considerá-la em toda a sua complexidade existencial para
além das relações patrimoniais. Assim, o objetivo deste artigo é analisar como o
movimento da constitucionalização do direito civil construiu e constrói um ordenamento
em que seu eixo gravitacional é a própria pessoa concreta e não somente o sujeito de
direitos em abstrato titular de patrimônio, passando a notar e a valorizar as diferenças e
as vulnerabilidades dos indivíduos. Para tanto, foi utilizado o método de abordagem
dedutivo, juntamente com o procedimento histórico. Conclui-se que a prevalência das
situações existenciais permitiu identificar uma nova forma de vulnerabilidade, a
existencial, sendo essa uma nova lógica qualitativamente mais adequada à proteção dos
cidadãos.
Palavras-chave: direito privado; constitucionalização; repersonalização;
despatrimonialização; vulnerabilidade existencial.

Abstract: The constitutionalisation of civil law has changed the way the law sees the
person, considering it in all its existential complexity beyond patrimonial relations. Thus,
the objective of this article is to analyze how the movement of the constitutionalisation
of civil law constructed and constructs a legal system in which the gravitational axis is
the person itself and not only the abstract subject holder of patrimony, noticing and
valuing the differences and the vulnerabilities of individuals. For that, the deductive
approach method was used, along with the historical procedure. It is concluded that the
prevalence of existential situations allowed to identify a new form of vulnerability, the
existential one, considered as the new logic qualitatively more adequate to the protection
of the citizens
Keywords: private law; constitutionalisation; repersonalization; depatrialization;
existential vulnerability.

Sumário: 1. Introdução. 2. Mudança do eixo gravitacional-valorativo do Direito Privado.


3. O reconhecimento da vulnerabilidade existencial. 4. Considerações finais. 5.
Referências. 6. Julgados citados.
1
1. INTRODUÇÃO

A partir de um contexto histórico do direito privado no Brasil, este estudo aborda


os aspectos que caracterizavam o direito civil no século XIX, concentrando elementos
que indicavam a família, o patrimônio e o contrato como os pilares do ordenamento
jurídico civilista, o qual indicava a existência de relações jurídicas a partir das relações
que patrimoniais que norteavam todo o sistema. Com a proteção centrada na autonomia
da vontade, explora-se o papel do Estado e dos particulares nas garantias assumidas por
cada um deles, tendo-se o Código Civil como regente supremo das relações particulares
e a Constituição como carta política de organização estatal.
Posteriormente, através das Constituições que vigeram no período, denota-se a
mudança do papel do Estado na sociedade, pela falência do modelo Estado-mínimo,
passando a uma era de profundo intervencionismo no direito civil. Nesse cenário, a
Constituição de 1988 se apresenta com novos aspectos principiológicos e com standards
mínimos sociais e econômicos, diante da insuficiência dos dogmas patrimonialistas a
reger uma sociedade que não mais enxergava o indivíduo apenas como detentor de
propriedades.
O reflexo das mudanças do ordenamento jurídico também é observado com o
deslocamento da tutela de direitos especiais para fora do Código Civil, que se tornou uma
lei geral, abrindo espaço para outras normas especiais de tutela da pessoa humana,
culminando na descentralização do texto civil codificado. Corroborando, configura-se, a
partir da introdução e da valorização de normas constitucionais nas entranhas do direito
civil, o fenômeno da constitucionalização do direito privatístico, o qual ensejou o
chamado direito privado solidário, diante do pluralismo de seus elementos e em
consideração ao indivíduo in concreto.
Apresenta-se, assim, a repersonalização e despatrimonialização dos institutos de
direito privado como novo patamar das relações jurídicas que enaltecem interesses
existenciais. Ademais, elencado o processo de inserção do estado nas relações privadas,
bem como a tutela constitucional dada ao próprio civil, o estudo demonstra como se
construiu a ideia de sujeito vulnerável diante da formulação de um novo perfil do cidadão,
bem como torna clara a lógica jurídica do reconhecimento de uma vulnerabilidade
existencial que permeia o ordenamento brasileiro em atenção à dignidade da pessoa
humana.

2
2. MUDANÇA DO EIXO GRAVITACIONAL-VALORATIVO DO DIREITO
PRIVADO

O fenômeno conhecido como constitucionalização do Direito Civil revolucionou


os métodos interpretativos e a valoração qualitativa do direito privado 1. Para melhor
compreendê-lo, são necessárias algumas considerações sobre o papel do Código Civil ao
longo da evolução do direito privado no ordenamento jurídico brasileiro.
O Código Civil de 1916, quando entrou em vigor, era fortemente marcado pelas
ideologias liberais burguesas europeias enraizadas no século XIX, consubstanciadas no
individualismo e no liberalismo jurídicos2. O indivíduo, para o direito dessa época, era
considerado como sujeito de direitos somente a partir de sua capacidade de figurar como
titular de relações patrimoniais, nas quais deveria ter plenas e amplas liberdade e
autonomia3.
Assim, o Direito Civil era considerado apenas um instrumento de fortalecimento
dos institutos patrimoniais4, no sentido de que deveria garantir à ordem vigente a
aquisição e a manutenção do patrimônio sem que houvesse intervenções estatais e de
terceiros, estruturando-se nos famigerados pilares de direito privado de Carbonier5: a
família, a propriedade e o contrato.
Neste sentir é que, para Tepedino, a codificação civil pretendia ser o corpo jurídico
único e exclusivo das relações patrimoniais, enxergando a pessoa humana somente a
partir da patrimonialidade de suas relações jurídicas, principalmente no que tange àquelas
em que atuava como contratante, marido, proprietário e testador6. Em outras palavras,
regulamentava a fundo as relações que envolviam patrimônio e desconsiderava os sujeitos

1
Veja, por todos: TEPEDINO Gustavo. Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito
Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Org). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 01-
22.
2
TEPEDINO, Gustavo. A constitucionalização do direito civil: perspectivas interpretativas diante do novo
código. In: NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coords.).
Direito Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 115-130. p. 116.
3
“O Código Civil de 1916 refletia o pensamento dominante das elites europeias do século XIX,
marcadamente individualista e liberal. O indivíduo, considerado sujeito de direito por sua capacidade de
ser titular de relações patrimoniais, deveria ter plena liberdade para a apropriação, de tal sorte que o direito
civil se estruturava a partir de duas grandes colunas: o contrato e a propriedade, instrumentos que
asseguravam o tráfego jurídico de aquisição e de manutenção do patrimônio.” (TEPEDINO, Gustavo.
Marchas e contramarchas da Constitucionalização do Direito Civil: a interpretação do direito privado à luz
da Constituição da República. Synthesis, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 15-21, 2012, p. 15).
4
Veja, nesse sentido: LÔBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação
Legislativa - Secretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, Brasília, v. 36, n. 141, p. 99-109, jan./mar.
1999.
5
Veja: CARBONNIER, Jean. Derecho flexible. Madrid: Tecnos, 1974, em especial, p. 158-230.
6
TEPEDINO, Gustavo. A Constitucionalização do Direito Civil: perspectivas interpretativas diante do
novo Código. In: FIUZA, César; FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira.
(coords.). Direito Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 115-130. p. 116.
3
que não podiam ser delas titulares, a exemplo do que acontecia com a mulher, já que
submetida à chefia da sociedade conjugal que cabia exclusivamente ao marido7.
O mito da completude8, isto é, a visão utópica de que o Código Civil era um todo
completo9, capaz de prever todas as relações e subsumi-las a seus preceitos, tinha como
fundamento o oferecimento à sociedade patrimonialista segurança principalmente com
relação ao tráfego econômico10. O panorama no qual se estabeleceu o Código ainda era
complementado pela exagerada amplitude da autonomia da vontade11, de forma que os
particulares ficavam livres para designar as disposições que iriam reger suas relações
jurídicas12, cabendo ao Estado apenas garantir essa autonomia da vontade e a repressão
de ilícitos.
Nesta direção, fazia sentido a dicotomia público-privado no Estado Liberal13: ao
direito público cabia somente as garantias do cidadão perante o Estado, e ao direito

7
“Os Códigos elaborados a partir do século XIX dedicaram normas sobre a família. Naquela época, a
sociedade era eminentemente rural e patriarcal, guardando traços profundos da família da Antiguidade. A
mulher dedicava-se aos afazeres domésticos e a lei não lhe conferia os mesmos direitos do homem. O
marido era considerado o chefe, o administrador e o representante da sociedade conjugal. Nosso Código
Civil de 1916 foi fruto direto dessa época.” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família.
14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 16).
8
O princípio da completude é de antiga tradição romana, sendo reelaborado pela Escola da Exegese, a qual
exacerbou tal mito de forma que o direito codificado era tudo o que bastava para os fenômenos jurídicos.
Nesse sentido, demarca o fetichismo da lei e, principalmente, o fetichismo do Código Civil: “o caráter
peculiar da Escola da Exegese é admiração incondicional pela obra do legislador por meio da codificação,
uma confiança cega na suficiência das leis, em definitivo a crença que o Código, uma vez emanado, basta
completamente a si próprio”, de forma que “a imagem da codificação é a completude: uma regra para cada
caso”. (BOBBIO, Norberto. Teoria generale del diritto. Torino: Giappichelli, 1993. p. 242).
9
Paulo Nalin analisa o direito como um sistema, tendo por base a teoria contratual do Código Civil de 1916
e o do Código Civil de 2002, com fortes influências do Código de Defesa do Consumidor. Assevera que no
século passado preponderava a ideia de sistema de direito fechado, porque não aceitava experiências sociais
e metajurídicas que pudesse complementar a lei posta, ao passo que, no século XXI, o sistema está
gradativamente tornando-se aberto, muito por conta dos valores e dos princípios abertos jurídicos com
fortes valores morais e éticos. (NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua
formulação na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 59 e ss.).
10
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 272.
11
PRATA, Ana. A Tutela Constitucional da Autonomia Privada. Coimbra: Livraria Almedina, 1982. p. 20.
12
Na seara contratual, por exemplo, há um brocardo que exprime a liberdade de autodeterminar essas
relações jurídicas: “tout contrat libre est un contrat juste”. (GHESTIN, Traité de droit civil: la formation
du contrat. Paris: LGDJ, 1993. p. 27).
13
“Os códigos representavam, pois, não apenas o diploma básico ou a ‘constituição’ dos indivíduos, mas
bem mais, o diploma básico de toda a ordem jurídica, disciplinando os institutos comuns de vários ramos
do saber jurídico. O Direito Privado era o direito ‘central’. Nesse sistema, as relações do Direito Privado
com o Direito Público apresentavam-se bem definidas. O primeiro tratava de todos os direitos naturais e
inatos dos indivíduos, enquanto ao segundo concernia a tutela dos interesses gerais, impondo limites aos
direitos dos indivíduos mas somente em razão da exigência destes. Ao Estado era conferida a tarefa de
manter a coexistência pacífica entre os particulares para que estes livremente se desenvolvessem conforme
suas próprias regras. O Direito Constitucional, por sua vez, nasceu nesta mesma época onde o dogma era a
rígida separação entre o Estado e a Sociedade. Como não podia deixar de ser, seu âmbito ficava restrito a
definição da estrutura e das funções básicas do Estado ao mesmo tempo em que enunciava os direitos
fundamentais dos indivíduos, por exigência dos movimentos revolucionários da época. Neste período em
que a ação do Estado era tida como mínima em relação à vontade privada, a afirmação dos direitos
fundamentais pela Constituição representava apenas uma garantia dos indivíduos contra o Poder Público.
Visava-se apenas a proteger a sociedade contra os ‘ataques’ do Estado, como afirmou Raizer.”
4
privado assemelhavam-se os ideais de liberdade de contratação e de propriedade14. A
Constituição era, até então, vista apenas como uma carta política, cujas atribuições eram
organizar a estruturação do Estado, tendo como destinatário o legislador ordinário, ao
passo que o Código Civil era visto como uma verdadeira constituição para as relações
privadas15.
Opera-se, a partir da década de 1930, especialmente com a Constituição de 193416,
uma mudança na forma em que o estado interfere na sociedade17: diante da flagrante
insuficiência do modelo de Estado Mínimo, começam a ser necessárias intervenções do
Poder Público na economia, em um primeiro momento, e em todo o ordenamento jurídico,
principalmente nos casos de desigualdade e desequilíbrio entre contratantes, o que acabou
culminando no dirigismo contratual18.
O Direito Civil começa a ser alvo de um profundo processo de intervencionismo
advindo de exigências de diversos setores sociais que, a priori, estavam afastados da

(ARANOVICH, Rosa Maria de Campos. Incidência da Constituição no direito privado. Revista da


Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, n. 50, p. 47-58, 1994. p. 56-57).
14
“No início do constitucionalismo moderno, na Europa, a Constituição era vista como uma Carta Política,
que servia de referência para as relações entre o Estado e o cidadão, ao passo que o Código Civil era o
documento jurídico que regia as relações entre particulares, frequentemente mencionado como a
“Constituição do direito privado”. Nessa etapa histórica, o papel da Constituição era limitado, funcionando
como uma convocação à atuação dos Poderes Públicos, e sua concretização dependia, como regra geral, da
intermediação do legislador. Destituída de força normativa própria, não desfrutava de aplicabilidade direta
e imediata. Já o direito civil era herdeiro da tradição milenar do direito romano. O Código napoleônico
realizava adequadamente o ideal burguês de proteção da propriedade e da liberdade de contratar, dando
segurança jurídica aos protagonistas do novo regime liberal: o contratante e o proprietário”. (BARROSO,
Luís Roberto. A Constitucionalização do direito e o direito civil. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito
Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da Legalidade Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 238-
261. p. 258).
15
MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Rumos Cruzados do Direito Civil Pós-1988 e o
Constitucionalismo de Hoje. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito Civil Contemporâneo: novos
problemas à luz da Legalidade Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 263-281. p. 263.
16
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa -
Secretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, Brasília, v. 36, n. 141, p. 99-109, jan./mar. 1999, p. 99.
17
Começa a se instaurar, na Era Vargas, uma nova fase do constitucionalismo, a qual dava forma jurídica
a anseios sociais, ainda que de maneira sutil e carente de efetividade. Neste sentido, observe a preocupação,
logo no preâmbulo da Constituição brasileira de 1934 uma preocupação de claro cunho social: “Nós, os
representantes do Povo Brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléa Nacional
Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça
e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da Republica dos
Estados Unidos do Brasil. (BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil de 1934. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 14 out. 2017.
Preâmbulo).
18
“o Estado Social acrescentou à dimensão política do Estado Liberal, calcada na limitação e controle dos
poderes políticos e garantias aos direitos individuais, a dimensão econômica e social, através da limitação
e controle dos poderes econômicos e sociais privados e a tutela dos mais fracos. O Estado Social tem,
portanto, como nota marcante, a intervenção legislativa, administrativa e judicial das atividades privadas.”
(GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Função Social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 75).
5
ingerência estatal19, a fim de evitar que o individualismo exasperado continuasse a acirrar
as desigualdades (fato este que contrastava com o ideário liberal burguês de riqueza do
século passado), de forma a consolidar o Estado Social e a atenuar a já delicada linha
divisória entre os direitos público e privado, devido às irradiações advindas das normas
constitucionais.20
Adotando essa nova postura, o legislador – e até mesmo o constituinte em 1988 –
deixa de simplesmente regular de forma mecânica as situações da vida e passa a
determinar metas econômicas e finalidades sociais a serem atingidas mediante políticas
públicas21-22 predefinidas23, de forma a estabelecer, por exemplo, incentivos fiscais,
subsídios, formas de acesso à moradia, intervenções nas relações locatícias e também na
produção e no fornecimento de bens e produtos.
O Direito Civil, que até então operava baseado em seu próprio Código totalizante,
começa a observar que seus postulados e dogmas patrimonialistas não eram mais
suficientes para sustentar uma sociedade na qual se passava a enxergar a pessoa como um
ser concreto, despido daqueles papeis cujas relações jurídicas patrimoniais
propiciavam24.

19
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 362;
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 167.
20
“Parece não fazer sentido, nos tempos atuais, falar-se na permanência de uma real ‘dicotomia’ entre
direito público e direito privado, entendida a mesma, na forma determinada por Bobbio, como duas esferas
reciprocamente opostas, excludentes e exaustivas. Talvez se possa, no máximo, manter a ideia de uma mera
“distinção” que se fragiliza diante de determinadas situações impostas pela nova ótica de refundação das
bases do direito privado em face da Constituição. (SILVEIRA, Michele Costa da. As grandes metáforas da
bipolaridade. In: MARTINS-COSTA, Judith (org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. p. 21-53. p. 49.
21
Veja, por exemplo, do artigo 5º ao artigo 11, ambos da Constituição Federal, onde é visível uma
preocupação social com grande carga valorativa que contrastava com os anseios patrimoniais do Código
Civil.
22
O “Estado deve elaborar políticas públicas adequadas, não protecionistas, que não imbecilizem o
indivíduo, nem lhe dêem esmola. Deve disponibilizar saúde e educação de boa qualidade; deve financiar a
produção e o consumo; deve engendrar uma política de pleno emprego; deve elaborar uma legislação
trabalhista adequada; deve garantir infra-estrutura; deve também garantir o acesso de todos à Justiça; deve
criar e estimular meios alternativos de solução de controvérsias; dentre milhares de outras ações que deve
praticar”. (FIUZA, César. Limites à hermenêutica civil-constitucional. In.: MACIEL, Adhemar Ferreira;
DOLGA, Lakawsky; BERALDO, Leonardo de Faria; COSTA, Mônica Aragão Martiniano Ferreira e
(Org.). Estudos de Direito Constitucional: em homenagem ao professor Arnaldo Ricardo Malheiros Fiuza.
Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 325-336. p. 329).
23
Surge, na seara do direito administrativo, o conceito de “políticas públicas constitucionais vinculativas",
que se refere ao entendimento de que a Administração Pública deverá elaborar estratégias de atuação
visando a implementar os direitos e garantias constitucionais. (GONÇALVES, Leonardo Augusto. O
Ministério Público e a tutela dos direitos sociais. Disponível em:
<http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/130307.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2017.
24
Amaral bem aponta, como superação do paradigma da modernidade jurídica patrimonialista à caminho
da pós-modernidade, dentre outros fatores, “a passagem do individualismo ao solidarismo, ou solidariedade
social expressa na nova concepção de pessoa, não mais o sujeito abstrato e formal da modernidade, mas a
pessoa engajado no seu meio social”. (AMARAL, Francisco. O Direito Civil na pós-modernidade. In:
6
Pode-se dizer, de outro modo, que ocorre aqui a “virada copernicana” de Fachin25,
quando o Direito Civil deixa de ser o centro gravitacional completo do ordenamento
jurídico26 para dar lugar à Constituição, atuando juntamente aos microssistemas especiais,
que também se tornaram pequenos eixos gravitacionais dentro de suas especialidades, de
forma a inserir no ordenamento, pouco a pouco, valores não exclusivamente patrimoniais,
mas de cunho social e/ou coletivo, voltados à proteção da natureza humana e de sua
existência27, tudo iluminado pelo Texto Maior28.
Nesse ponto, matérias inteiras que eram integrantes do Código Civil deslocam-se
para leis especiais29 que, por amplas e abrangentes, guiadas por principiologias de
proteção exigidas pela Constituição, são chamadas no Brasil de Estatutos, como o
Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, Estatuto do Torcedor e o Código
de Defesa do Consumidor, cujos objetivos consistem em tutelar a pessoa30, e não
exclusivamente seu patrimônio ou, pelo menos, em funcionalizar31 institutos patrimoniais
ao interesse existencial que ali existe, independentemente de sua gradação.

FIUZA, César; FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. (coords.). Direito
Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 61-77. p. 74).
25
FACHIN, Luiz Edson. Los derechos fundamentales en la construcción del derecho privado
contemporáneo brasileño a partir del derecho civil-constitucional. Revista de Derecho Comparado, Santa
Fé, n. 15, p. 243-272, 2009, p. 244.
26
Perlingieri sustenta que o Código Civil, a partir de uma perspectiva italiana, perde sua centralidade, a
qual dava ao ordenamento jurídico uma sistematização unificadora, tanto nos aspectos tradicionalmente
civilísticos, quanto nos temas de relevância publicística, de forma que este papel é desempenhado, por
excelência, pela Constituição. (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil
constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 6).
27
BODIN DE MORAES, Maria Celina. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo. In: SARLET, Ingo (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003. p. 105-147. p. 137.
28
JAYME, Erik. "Identité culturelle et intégration: Le droit internationale privé postmoderne. Recueil des
cours de l'Académie de Droit International de la Haye, 1995. v. II, p. 36 e ss.
29
KLEE, Antônia Espíndola Longoni. Constitucionalização do direito civil e sua influência para o
surgimento do código de defesa do consumidor. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 97, n. 870, p. 84-104,
abr. 2008, p. 88-90.
30
“[...] enquanto o Código dá prevalência e precedência às situações patrimoniais, no novo sistema de
Direito Civil fundado pela Constituição a prevalência é de ser atribuída às situações existenciais, ou não
patrimoniais, porque à pessoa humana deve o ordenamento jurídico inteiro, e o ordenamento civil em
particular, dar a garantia e a tutela prioritárias. Por isto, neste novo sistema, passam a ser tuteladas, com
prioridade, as pessoas das crianças, dos adolescentes, dos idosos, dos consumidores, dos não-proprietários,
dos contratantes em situação de inferioridade, dos membros da família, das vítimas de acidentes anônimos
e de atentados a direitos da personalidade”. (MORAES, Maria Celina Bodin. Constituição e direito civil:
tendências. Revista Direito, Estado e Sociedade, Sl., n. 15, ago./dez. 1999. p. 109.).
31
Para Paulo Nalin, “funcionalizar, na perspectiva da Carta de 1988, significa oxigenar as bases (estruturas)
fundamentais do Direito com elementos externos à sua própria ciência. Sociologia, filosofia, economia,
antropologia, biologia, psicanálise, história e especialmente ética, acabam, nesse prisma interdisciplinar, se
revelando como instrumentos de análise do Direito em face de sua função, com o objetivo de atendar às
respostas da sociedade, em favor de uma ordem jurídica e social mais justa. É romper com a auto-suficiência
(sic) do Direito, hermético em sua estrutura e tecnicismo, outrora mais preocupado com os aspectos formais
das regras, do princípio e do instituto, que com sua eficácia social. Por isso, a função perseguida é a social.
(NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-
constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 215).
7
Este processo de descentralização do Direito Civil32, chamado por Irti33 de
“descodificação”, teve essencial importância para que se pudesse inserir na ordem legal,
definitivamente, os valores existenciais da pessoa humana, sendo este passo sedimentado
de vez pela promulgação da Constituição Federal de 198834. Assim, o constituinte teve
por base a rejeição do espaço privado como o locus de ofensa à dignidade da pessoa
humana35, insculpida como fundamento de toda a ordem jurídica36.
Dessa noção advém o entendimento de que a Constituição seria não só a
programação e estruturação política e administrativa do Estado, mas principalmente
serviria como norte para todas as relações jurídicas, sejam de direito público, sejam (e
especialmente) de direito privado, já que consagrou em seu ápice a própria pessoa
humana, independentemente do tipo de relação a que estará inserida37.
Pode-se então falar da constitucionalização de princípios e institutos do direito
privado38: é nesse sentido que a unidade familiar, o contrato e a propriedade foram
abolidos como zona franca de violação ao projeto constitucional. O direito, segundo
Perlingieri, assume um caráter promocional, de forma a tornar possível, pelos seus
instrumentos, a transformação social, obrigando ao jurista levar em consideração a
prioridade hierárquica e normativa das normas constitucionais – sempre que se deva
resolver um conflito concreto39.

32
Há autores que apontam diferença terminológica entre descodificação e descentralização. A primeira,
acabaria resultando na inutilidade dos códigos, de modo que leis esparsas e especiais tornar-se-iam mais
relevantes ao ordenamento jurídico para a efetiva aplicação do direito; a segunda leva à ideia de que o
Código Civil preserva sua importância no ordenamento não mais como eixo único do Direito Privado, mas
como uma espinha dorsal da qual partem diversas e importantes ramificações especiais – o que parece ser
mais adequado do ponto de vista etimológico e ao sentido que se pretende dar ao termo. (TIMM, Luciano
Benetti. “Descodificação”, constitucionalização e reprivatização o no Direito Privado: O código civil ainda
é útil? Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 27, p. 223 - 251, 2006. p. 225).
33
Leia em: IRTI, Natalino. L’età della decodificazione. 4. Ed., Milão: Giuffrè, 1999.
34
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de direito civil,
s.l., v. 65, p. 21-32, 1993. p. 21.
35
TEPEDINO, Gustavo. A constitucionalização do direito civil: perspectivas interpretativas diante do novo
código. In: NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coords.).
Direito Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 115-130. p. 123.
36
“Não é possível, destarte, olvidar que a dignidade da pessoa humana, além de preocupação constitucional,
é princípio geral do Direito e busca não só a dignidade coletiva na luta contra a fome, a miséria, a má
habitação, a melhoria da educação e da saúde, mas também pelo trato das indignidades individuais
decorrentes de vínculos negociais em que prepondera a desigualdade, o descaso pelo direito alheio, o abuso
do direito, as relações familiares e decorrentes da proteção à personalidade, etc”. (POPP, Carlyle. Princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana e a liberdade negocial - A proteção contratual no direito
brasileiro. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Direito civil constitucional. São Paulo: Max Limonad, 1999. p.
146-212. p. 172).
37
TEPEDINO, Gustavo. A constitucionalização do direito civil: perspectivas interpretativas diante do novo
código. In: NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coords.).
Direito Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 115-130. p. 125.
38
SCHREIBER, Anderson. Direito Civil e Constituição. In: SCHREIBER, Anderson; KONDER, Carlos
Nelson (orgs.). Direito Civil Constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 1-25. p. 2.
39
Veja: PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
8
Desse processo constitucionalizante decorre a migração, para o âmbito do direito
privado40, de um lado, de valores consagrados na Carta Constitucional, tendo como valor-
guia o princípio da dignidade da pessoa humana41. Por outro lado, percebe-se que valores
e princípios tipicamente privatísticos passam a encontrar seus fundamentos também na
Constituição42. A constitucionalização do Direito Civil é, em última análise, uma via de
mão dupla43: há uma sinergia entre direito privado e Constituição44.
Essa mudança de perspectiva e de atuação do próprio direito fez com que Amaral
constatasse que, de modo contrário ao Código Civil, a Constituição projete e estimule a
fundação de uma nova sociedade através de suas normas programáticas, de cunho
fortemente solidarista45. A mesma posição trouxeram Marques e Miragem, ao observarem
que o direito privado está se tornando um “direito privado solidário”46, de forma a criar,
de acordo com o objetivo constitucional, uma sociedade mais justa, livre e solidária, com

40
MORAES, Bruno Terra de; MAGALHÃES, Fabiano Pinto de. Historicidade e relatividade dos institutos
e a função promocional do direito civil. In: SCHREIBER, Anderson; KONDER, Carlos Nelson (orgs.).
Direito Civil Constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 125-156. p. 126.
41
SANTOS, Deborah Pereira Pinto dos; MENDES, Eduardo Heitor. Função, Funcionalização e Função
Social. In: SCHREIBER, Anderson; KONDER, Carlos Nelson (orgs.). Direito Civil Constitucional. São
Paulo: Atlas, 2016. p. 97-126. p. 102.
42
BLANK, Dionis Mauri Penning. A Constitucionalização do Direito e sua Evolução na Matéria
Ambiental. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito–PPGDir/UFRGS, Porto Alegre, v. 8, n.
1, p. 53-74, 2013, p. 5).
43
Neste sentido, Perlingieri ressalta que “técnicas e institutos nascidos no campo do direito privado
tradicional são utilizados naquele do direito público e vice-versa, de maneira que a distinção, neste contexto,
não é mais qualitativa, mas quantitativa. Existem institutos em que é predominante o interesse dos
indivíduos, mas é, também, sempre presente o interesse dito da coletividade e público; e institutos em que,
ao contrário, prevalece, em termos quantitativos, o interesse da coletividade, que é sempre funcionalizado,
na sua íntima essência, à realização de interesses individuais e existenciais dos cidadãos.” (PERLINGIERI,
Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. 3.
ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 54).
44
“Pode-se falar em ‘Direito Civil Constitucional’ em pelo menos dois significados: sob um ponto de vista
formal, é direito civil constitucional toda disposição de conteúdo historicamente civilístico contemplada
pelo Texto Maior; isto é, todas as disposições relativas ao clássico tripé do direito civil – pessoa, família e
patrimônio -, porque presentes na Constituição, compõem o direito civil constitucional. O outro significado
atribuído à expressão ‘Direito Civil Constitucional’ é o que aqui nos interessa: de acordo com este segundo
significado, é direito civil constitucional todo o direito civil e não apenas aquele que recebe expressa
indumentária constitucional, desde que se imprima às disposições de natureza civil uma ótica de análise
através da qual se pressupõe a incidência direta, e imediata, das regras e dos princípios constitucionais sobre
todas as relações interprivadas”. (BODIN DE MORAES, Maria Celina. O direito civil constitucional. In:
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe (Org.). 1988-1998: uma década de Constituição. Rio de Janeiro:
Renovar, 1999. p. 124.).
45
MIRAGEM, Bruno. Direito Civil: Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 147.
46
MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo Direito Privado e a proteção dos vulneráveis.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 25.
9
vida digna para todos47 e com um ambiente caracterizado por intenso pluralismo48 (de
normas, de agentes, de instituições) que considera a pessoa in concreto49.
Essa renovada importância da pessoa no direito levou à repersonalização50 e à
despatrimonialização51 dos institutos de direito privado. Em outras palavras,
repersonalização significa dizer que o patrimônio e os seus meios de circulação deixam
de ser o núcleo do Direito Civil para se voltar à pessoa considerada em seu conjunto de
peculiaridades – eis a mudança valorativa-qualitativa do direito privado52.
De outra maneira, mas com os mesmos fundamentos, Perlingieri ressalta que a
transformação despatrimonializadora no direito civil se produz fundamentalmente como
consequência do maior relevado dado à pessoa53, tornando-se possível afirmar que
interesses e direitos de natureza substancialmente existencial antepõem-se a interesses e

47
Em contrapartida, tem-se que a patrimonialização das relações civis, que ainda é bastante presente nos
códigos, é incompatível com os valores da dignidade da pessoa humana, vértice axiológico das
constituições modernas (inclusive a brasileira, vide art. 1º, inciso III), sendo que a repersonalização é
medida da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, com
papel de situações patrimoniais tidas como coadjuvantes e nem sempre necessárias. (LÔBO, Paulo Luiz
Neto. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa - Secretaria de Edições
Técnicas do Senado Federal, Brasília, v. 36, n. 141, p. 99-109, jan./mar. 1999, p. 103).
48
MARQUES, Claudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito: um
tributo a Erik Jayme. In: MARQUES, Claudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação
de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 17-66. p. 26 e ss.
49
Para Martins-Costa, tudo conduz, ao fim e ao cabo, “à indiscutível necessidade de serem utilizados
parâmetros concretos que permitam visualizar, para além da categoria formal do ‘sujeito de direito’, a
‘pessoa’ que participa dos vínculos jurídicos e sociais”. (MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos
fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.).
Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 61-85.
p. 85).
50
Emprega-se o termo ‘repersonalização’ no “sentido de repor a pessoa humana como centro do direito
civil, deixando o papel de coadjuvante para o patrimônio. Daí a necessidade de ver a pessoa em toda sua
dimensão ontológica, restaurando sua primazia nas relações civis, de modo a atender aos valores
estabelecidos constitucionalmente. Centraliza-se, assim, na pessoa – e não no patrimônio – o valor
primordial da sociedade”. (AQUINO JÚNIOR, Geraldo Frazão de. A repersonalização do direito civil a
partir da perspectiva do direito civil constitucional. Disponível em: <http://www.cidp.pt/publicacoes/revis
tas/ridb//09/2012_09_5117_5144.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2017.
51
A expressão “despatrimonialização”, utilizada pela primeira vez por Carmine Donisi (Verso la
“depatrimonializzazione” del diritto privato, in: Rassegna di diritto civile 80, 1980), foi consagrada por
Perlingieri, ao se referir a “uma tendência normativo-cultural; se evidência que no ordenamento se opera
uma opção, que, lentamente, se vai concretizando, entre personalismo (superação do individualismo) e
patrimonialização (superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e, do
consumismo, depois, como valores). (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito
civil constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 33).
52
A mudança qualitativa do Direito Privado reside exatamente no processo de despatrimonialização e
repersonalização do direito como um todo, de modo que haja uma prevalência do sujeito face ao patrimônio.
Para Nalin, “há, na perspectiva ora abordada, verdadeira superação, ou, no mínimo, renovação da lógica
jusprivatística, da qual não escapam dois de seus pilares fundamentais, quais sejam: a propriedade e a
autonomia negocial. O processo de modificação do patrimonialismo ao pessoalismo ocasiona a ruptura da
lógica individualista do ter, substituída, ou, ao menos, mitigada, por aquela outra, do ser. A relação
obrigacional patrimonial acaba por ser ferramenta de desenvolvimento de um papel, direto ou imediato, de
atuação do valor constitucional da dignidade humana”. (NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno
em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 249).
53
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria
Cristina De Cicco. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 33.
10
direitos patrimoniais, levando a estatuir que, na hierarquia de valores, a pessoa humana
prevalece sobre os interesses meramente econômicos54.
Esse é o fundamento da expressão “virada copernicana”: no direito privado
clássico, o patrimônio era considerado como se fosse o planeta Terra, a qual era o eixo
gravitacional do sistema solar; após Copérnico55, descobriu-se que o centro gravitacional
era, em realidade, o Sol, que emanava seus raios para todo o sistema, o que se pode
traduzir, no novo direito privado solidário, como a centralidade que a pessoa assume no
ordenamento jurídico através da Constituição56.
Deve-se, contudo, compreender que não há um critério rigoroso que indique quais
são os interesses e os direitos de natureza econômica e quais outros são de natureza
existencial, uma vez que, ao mesmo tempo, um direito pode ser tanto patrimonial quanto
existencial57 – um funcionalizado ao outro58. Para tanto, o fenômeno da
constitucionalização pode e deve ser visto sob a ótica hermenêutica, a fim de que se
dispense a tutela mais efetiva ao caso concreto59.
Na onda da constitucionalização, tem-se que o método hermenêutico adequado
para alcançar a noção de prevalência de um ou outro valor é a interpretação60 conforme a
constituição61. Em síntese, esse método, especialmente pelo prisma dos direitos

54
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 231-232.
55
“Copérnico (Nicolaus Copernicus, 1473-1543, astrônomo polonês) descreveu o seu modelo
heliocêntrico, em 1510, na obra Commentariolus”. Tal modelo “provocou uma revolução não somente na
astronomia, mas também um impacto cultural com reflexos filosóficos e religiosos”. (STEINER, João E.
The origin of the universe. Estudos avançados, s.l., v. 20, n. 58, p. 231-248, 2006).
56
Sobre o tema, leia, por todos: FACHIN, Luiz Edson. Repensando os fundamentos do Direito Civil
brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
57
“Por outras palavras: vale e tem importância, ainda e cada vez mais, a proteção do patrimônio, mas esta
proteção agora é legitimada naquilo que o patrimônio tem de imprescindível como meio de realização do
devir da pessoa humana enquanto ser dotado de dignidade”. (CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Para além
das coisas (breve ensaio sobre o direito, a pessoa e o patrimônio mínimo). In: RAMOS, Carmem Lucia et
al (orgs.). Diálogos sobre o direito civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p. 155-165. p. 156).
58
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-
constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 49.
59
TEPEDINO, Gustavo. A nova propriedade (o seu conteúdo mínimo, entre o Código Civil, a legislação
ordinária e a Constituição). Revista forense, Rio de Janeiro, v. 306, p. 73-78, 1989. p. 77; NANNI, Giovanni
Ettore. A evolução do direito civil obrigacional: a concepção do direito civil constitucional e a transição da
autonomia da vontade para a autonomia privada. Cadernos de autonomia privada. Curitiba: Juruá, 2001.
p. 162.
60
Para Eros Grau, “a interpretação é uma relação entre duas expressões. A primeira, expressão que porta
uma significação, que é objeto da interpretação. E uma segunda, que nós chamamos de interpretação e
cumpre a função de interpretante. O texto e aquilo que se extrai do texto, mediante o exercício de
interpretação, ou seja, a norma”, estabelecendo que “Não se interpreta a norma. A norma é o resultado,
produto da interpretação”. (GRAU, Eros. Técnica legislativa e hermenêutica contemporânea. In:
TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da Legalidade
Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 282-288. p. 283).
61
Veja: RIBEIRO, Júlio de Melo. Interpretação conforme à Constituição: a lei fundamental como vetor
hermenêutico. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 46, n. 184, p. 149-170, 2009.
11
fundamentais, distancia-se dos demais métodos interpretativos (gramatical62, histórico63,
lógico64, sistemático65, teleológico-axiológico66) porque o conteúdo da norma não é
definido por ela própria, mas, ao contrário, deve-se interpretá-la em conformidade com a
normativa constitucional, já que o ordenamento jurídico é escalonado e, nele, a
Constituição é hierarquicamente superior.
Tanto é assim que a incorporação pela Carta Constitucional de vários princípios e
institutos tipicamente de direito privado fez com que eles sejam interpretados também
conforme a Constituição67. Refere-se inclusive que a consequência imediata desse

62
Interpretação gramatical “é aquela que, hoje em dia, tem como ponto de partida o exame do significado
e alcance de cada uma das palavras do preceito legal” (FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica Jurídica.
São Paulo: Saraiva, 1997. p. 8), sendo considerada, “sem dúvida, o primeiro passo a dar na interpretação
de um texto. Mas, por si só é insuficiente, porque não considera a unidade que constitui o ordenamento
jurídico e sua adequação à realidade social” (MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 425).
63
“Interpretação histórica baseia-se da investigação dos antecedentes da norma. Pode referir-se ao histórico
do processo legislativo, desde o projeto de lei, sua justificativa ou exposição de motivos, discussão,
emendas, aprovação e promulgação. Ou, aos antecedentes históricos, e condições que a precederam. Como
a grande maioria das normas jurídicas constitui a continuidade ou modificação de disposições precedentes,
é de grande utilidade para o intérprete estudar a origem e o desenvolvimento histórico dos institutos
jurídicos, para captar o significado exato das leis vigentes. No elemento histórico entra também o estudo
da legislação comparada para determinar se as legislações estrangeiras tiveram influência direta ou indireta
sobre a legislação que se deve interpretar. (MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 426).
64
O método hermenêutico lógico retira sentido da norma utilizando-se de silogismo concatenado para se
chegar a uma conclusão. Pretende-se, com isso, uma interpretação reducionista, com anseios de precisão
matemática, ao se utilizar da lógica formal. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do
Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 116).
65
É o método que “consiste em comparar o dispositivo sujeito à exegese, com outros do mesmo repositório
ou de Leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e
Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 105); “É uma interpretação “a partir do sistema
externo da lei, portanto nas conclusões retiradas da localização de um preceito em determinado livro, seção
ou conexão de parágrafos, da sua configuração com proposição autônoma ou como mera parte de uma
proposição (...)” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de sistema na Ciência
do Direito. Trad. Menezes Cordeiro. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 158).
66
“A interpretação teleológica-axiológica ativa a participação do intérprete na configuração do sentido. Seu
movimento interpretativo, inversamente da interpretação sistemática que também postula uma cabal e
coerente unidade do sistema, parte das consequências avaliadas das normas e retorna para o interior do
sistema. É como se o interprete tentasse fazer com que o legislador fosse capaz de mover suas próprias
previsões, pois, as decisões dos conflitos parecem basear-se nas previsões de suas próprias consequências.
Assim, entende-se que, não importa a norma, ela há de ter, para o hermeneuta, sempre um objetivo que tem
para controlar até as consequências da previsão legal (a lei sempre visa os fins sociais do direito às
exigências do bem comum, ainda que, de fato, possa parecer que elas não estejam sendo atendidos).”
(FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. São
Paulo: Atlas, 2008. p. 266).
67
De outra forma, podemos dizer que os institutos jurídicos não são insuscetíveis de mudanças em sua
carga valorativa de acordo com a prevalência dos interesses existenciais em um período de legalidade
constitucional. Assim, “isso induz a repelir a afirmação – tendente a conservar o caráter estático-qualitativo
do ordenamento – pela qual não pode ser radicalmente alterada a natureza dos institutos patrimoniais do
direito privado. Estes não são imutáveis: por vezes são atropelados pela sua incompatibilidade com os
princípios constitucionais, outras vezes são exaustorados ou integrados pela legislação especial e
comunitária; mas são sempre, porém, inclinados a adequar-se aos novos valores, na passagem de uma
jurisprudência civil dos interesses patrimoniais a uma mais atenta aos valores existenciais. Estes não podem
mais ser confinados aprioristicamente no papel de limites ou de finalidades exteriores, como se não fossem
idôneos a incidir sobre a função do instituto e, portanto, sobre sua natureza”. (PERLINGIERI, Pietro. Perfis
12
processo é a inserção da normativa constitucional no corpo do direito civil como critério
de controle constante. Nesse sentido ensina Bodin de Moraes, ao afirmar que o
regramento constitucional assume perante o direito civil, ao validar a norma ordinária
aplicável ao caso concreto, a função de modificar, à luz de seus valores e princípios, os
institutos tradicionais de direito privado68.
Para Fachini Neto, a Constituição não é apenas um programa político a ser
desenvolvido pelo legislador e pela Administração69. Ao contrário, ela contém
normatividade jurídica reforçada, pois suas normas são qualitativamente distintas e
superiores às outras normas do ordenamento, uma vez que incorporam o sistema de
valores essenciais à convivência social, devendo servir tanto de parâmetro de confronto
para todo o sistema quanto de unificação do direito70.
Walter refere, inclusive, que, dentro das diversas hipóteses de interpretação
conforme a constituição, deve-se privilegiar aquela em que a eficácia dos direitos
fundamentais encontre sua máxima expressão71. É assim que Ferrajoli diz que a jurisdição
já não é mais apenas sujeição do juiz à lei, mas é também análise crítica de seu significado
como meio de controlar sua legitimidade constitucional, deixando a ciência jurídica de
ser meramente descritiva, para ser crítica, especialmente quando o direito se afasta da
Constituição72 e, consequentemente, de seu núcleo mais nobre: a dignidade da pessoa
humana em sua totalidade, raiz da tutela qualitativamente qualificada aos interesses
existenciais73.

do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. 3. ed. rev. ampl.
Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 33).
68
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de direito civil,
s.l., v. 65, p. 21-32, 1993. p. 29.
69
FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 13-62. p. 39.
70
FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 13-62. p. 39.
71
WALTER, Gehrard. L’influenza della costituzione sul diritto civile nella Repubblica Federale Tedesca.
In: PIZZORUSSO, Alessandro; VARANO, Vicenzo. (orgs.), L’influenza dei valori costituzionali sui
sistemi giuridici contemporanei. T. I. Milão: Giuffrè, 1985. p. 167-197. p. 174-176.
72
Veja em: FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. Madrid: Trotta, 2010.
73
Significa dizer que “na categoria do “ser” não existe a dualidade entre sujeito e objeto, porque ambos
representam o ser, e a titularidade é institucional, orgânica”, “onde o objeto de tutela é a pessoa, a
perspectiva deve mudar; torna-se necessidade lógica reconhecer, pela especial natureza do interesse
protegido, que é justamente a pessoa a constituir ao mesmo tempo o sujeito titular do direito e o ponto de
referência objetivo de relação. A tutela da pessoa não pode ser fracionada em isoladas fattispecie concretas,
em autônomas hipóteses não comunicáveis entre si, mas deve ser apresentada como problema unitário,
dado o seu fundamento representado pela unidade do valor da pessoa. Este não pode ser dividido em tanto
interesses, em tantos bens, em isoladas ocasiões, como nas teorias atomísticas”. (PERLINGIERI, Pietro.
Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. 3. ed. rev.
ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 155).
13
3. O RECONHECIMENTO DA VULNERABILIDADE EXISTENCIAL

O antropocentrismo renovado que atualmente permeia o direito privado permitiu


que a pessoa, antes vista como sujeito de direitos patrimoniais, também seja tutelada pela
Constituição em seus diversos interesses, notadamente no que tange a sua existência. Diz-
se, acertadamente, que o ser humano tornou-se o valor máximo do ordenamento
jurídico74, ao passo que os interesses patrimoniais diminuem seu espaço do eixo-
gravitacional do direito.
Essa proteção constitucional a qual é conferida aos particulares também é
conhecida como eficácia horizontal dos direitos fundamentais75, sendo a dignidade da
pessoa humana seu leitmotiv, a qual tem o condão de proporcionar e de assegurar o pleno
desenvolvimento da personalidade das pessoas e, assim, seus interesses existenciais76.
Significa dizer, de um lado, que se deve haver observância e respeito aos direitos
fundamentais por todos, de forma a determinar a abstenção de atos (do Estado77 ou de
particulares) que venham a feri-los78 e, por outro lado, que o ordenamento jurídico deve
fomentar e assegurar79 o desenvolvimento dos complexos aspectos que moram no pleno
desenvolver da personalidade, com respeito a sua essência e a sua existência, em clara
função promocional que deve ter o direito privado80.
Nesse cenário, Martins-Costa retoma o conceito de dignidade da pessoa humana,
estabelecendo que ele informa o valor da pessoa como titular da sua própria esfera de
personalidade, já que “a personalidade não é redutível, nem mesmo por ficção jurídica”,
sendo passível de redução “apenas a sua esfera patrimonial, possuindo dimensão
existencial valorada juridicamente à medida que a pessoa, considerada em si e por sua

74
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 48.
75
PEREIRA. Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas
relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto. (Org.). A nova interpretação
constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006. p. 119-191. p. 133.
76
TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In:
_______ (org.). Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 23-54. p. 49.
77
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 231.
78
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 274.
79
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdez, Madrid: Centro
de Estudios Constitucionales, 1997. p. 430.
80
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia
Versiani. Barueri: Manole, 2007. p. 13.
14
humanidade, constitui o valor-fonte que anima e justifica a própria existência do
ordenamento jurídico”81.
É justamente neste caminho que o ser humano, até então visto como apenas sujeito
de direitos – essencialmente patrimoniais –, deixa de ser considerado somente pela
possibilidade de ter esses direitos, para ser valorizado e passar a receber tutela tão só pelo
fato de ser humano82, de ser pessoa e de ter necessidades de desenvolvimento no que toca
uma existência digna.
Dito de outra forma, a pessoa deixa de ser uma figura idealizada, abstrata, igual,
livre e capaz de autorregular sua vida, conforme nos relata Wieacker83, para ser
compreendida em todas as suas complexidades (biológica, social, psíquica, individual,
existencial) nas relações jurídicas das quais faz parte, devendo o direito outorgar a ela
efetiva tutela84. Nesse mesmo sentido vão Diéz-Picazo e Gullón ao questionarem-se sobre
o significado para o ordenamento jurídico do reconhecimento do homem-sujeito como
homem-pessoa – e responderam: significa que todas as normas jurídicas devem se dar e
se aplicar tendo em conta a dignidade do homem como pessoa, em todos os seus
atributos.85
Não é diferente o entendimento de Iturraspe, para quem a pessoa humana é o eixo
ou o centro das preocupações do direito, do público e do privado, de forma que seja
possível a busca por uma proteção mais completa, plena ou integral, que abarque todas
as manifestações e garanta a liberdade, a segurança, a dignidade, o respeito, a privacidade
e a identidade do ser humano86. Note-se que o importante é levar em consideração os
aspectos próprios do ser humano: não se deve reomogeneizar as pessoas (tornando-as tão
só sujeitos de direitos abstratamente), mas sim as valorizar holisticamente e em suas
diferenças87.

81
MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza de sua reparação. In:
MARTINS-COSTA, Judith (org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 408-446. p. 413.
82
CARVALHO, Orlando de. Para uma teoria da relação jurídica civil. Coimbra: Centelha, 1981. p. 33.
83
WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. Trad. A. M. Botelho Hespanha. 2. ed. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1980. p. 298.
84
Sobre as diversas dimensões da pessoa a ser tutelada sob uma perspectiva de constitucionalização do
direito, iluminada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, veja: CAPPELARI, Récio. Os novos
danos à pessoa: na perspectiva da repersonalização do direito. São Paulo: GZ, 2011, em especial as páginas
125-161.
85
“La persona no es exclusivamente para el Derecho civil el titular de derechos y obligaciones o el sujeto
de relaciones jurídicas. Debe contemplar y proteger sobre todo a la persona considerada en sí misma, a sus
atributos físicos y morales, a todo lo que suponga desarrollo y desenvolvimiento de la misma”. (DIÉZ-
PICAZO, Luis; GULLÓN, Antonio. Sistema de Derecho Civil. Madrid: Tecnos, 1988. p. 338).
86
ITURRASPE, Jorge Mosset. Responsabilidad por Daños. Parte general. T. I. Buenos Aires: Rubinzal
Culzoni, 2004. p. 281.
87
Interessante notar que, atualmente, a diferença é um traço distintivo de todas as culturas e, também, esse
pensamento encontra-se em expansão também no direito: “Somos todos iguais ou somos todos diferentes?
15
Sabe-se que se deve tratar os iguais de maneira igual, e os diferentes de maneira
diferente na medida de sua desigualdade88-89-90. Isto é, hoje se valoriza o direito de ser
diferente, cujo fundamento reside no próprio no princípio da igualdade91, já que
“igualdade e desigualdade são valores constitutivos da justiça. O que é único não pode
ser comparado nem classificado, e, obviamente, entidades únicas tampouco podem ser
iguais ou desiguais umas das outras”92.
Santos enuncia, em síntese, a relação simbiótica entre igualdade e diferença, ao
admitir que “as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença
os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza”93. A
valorização do sujeito de direito enquanto pessoa humana conflui com estes novos
pensamentos pós-modernos que enaltecem e protegem essa diferença94; dito de outro

Queremos ser iguais ou queremos ser diferentes? Houve um tempo em que a resposta se abrigava, segura
de si, no primeiro termo da disjuntiva. Já faz um quarto de século, porém, que a resposta se deslocou. A
começar da segunda metade dos anos 70, passamos a nos ver envoltos numa atmosfera cultural e ideológica
inteiramente nova, na qual parece generalizar-se em ritmo acelerado e perturbador a consciência de que
nós, os humanos, somos diferentes de fato, porquanto temos cores diferentes na pele e nos olhos, temos
sexo e gênero diferentes além de preferências sexuais diferentes , somos diferentes na origem familiar e
regional, nas tradições e nas lealdades, temos deuses diferentes, diferentes hábitos e gostos, diferentes
estilos ou falta de estilo; em suma, somos portadores de pertenças culturais diferentes. Mas somos também
diferentes de direito. É o chamado “direito à diferença”, o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo
diferente. The righttobe diferent!, é como se diz em inglês o direito à diferença. Não queremos mais a
igualdade, parece. Ou a queremos menos. Motiva-nos muito mais, em nossas demandas, em nossa conduta,
em nossas expectativas de futuro e projetos de vida compartilhada, o direito de sermos pessoal e
coletivamente diferentes uns dos outros.” (PIERUCCI, Antonio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo:
Editora 34, 1999. p. 7).
88
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 229.
89
Note-se que essa ideia de igualdade aristotélica, levando em conta a realidade social, contrasta com o
ideal de igualdade meramente formal. Neste sentido, “cuidava-se de uma igualdade a moda do porco de
Orwell, no bojo da qual havia – como há – os “iguais” e os “mais iguais”. O próprio enunciado do princípio
– “todos são iguais perante a lei” – nos dá conta de sua inconsistência, visto que lei é uma abstração, ao
passo que as relações sociais são reais. (GRAU. Eros Roberto, A Ordem Econômica na Constituição de
1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 22).
90
“As condições concretas de reconhecimento, seladas por uma ordem jurídica legítima, resultam sempre
de uma ‘luta pelo reconhecimento’; e essa luta é motivada pelo sofrimento e pela indignação contra um
desprezo concreto. Honneth mostra que é necessário articular experiências que resultam de atentados à
dignidade humana para conferir credibilidade aos aspectos sob os quais, no respectivo contexto, aquilo que
é igual tem que ser tratado de modo igual e aquilo que é diferente tem que ser tratado de modo diferente”
(HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneicher.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 168-169).
91
MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo Direito Privado e a proteção dos vulneráveis.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 108-109.
92
HELLER, Fehér. A condição política pós-moderna. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1998. p. 174-175.
93
SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Lua nova, São
Paulo, v. 39, p. 105-124, 1997. p. 122.
94
Marques e Miragem trazem interessante figura de linguagem sobre diferença e igualdade, como que se
enxergássemos os outros como espelhos: “Esta ideia do 'outro como espelho' nos é muito importante, pois
marca até hoje a nossa visão da 'diferença': a imagem refletida é sempre uma 'verdade' invertida, igual, mas
diferente! Em outras palavras, o 'outro', o 'diferente' seve para nos olharmos, daí que se valoriza ao extremo
a diferença. Esta visão do outro como espelho destaca também a 'distância' entre um e outro estamento ou
status, valorizando as diferenças e considerando que o tratamento deve ser 'protetivo' e evitar qualquer
16
modo, reconhecer no outro uma pessoa, com suas diferenças, peculiaridades, atributos e
projetos de vida, em toda a sua dimensão existencial (para além da propriedade), é
também buscar a igualdade por meio da diferença95.
A concretização da diferença pela igualdade se dá através de ações
reequilibradoras do ordenamento jurídico96, tendo como principal fundamento o princípio
da vulnerabilidade que se encontra, contemporaneamente, espraiado pelo raciocínio
jurídico de todo o direito privado. Tanto é assim que se pode reconhecer uma nova
civilística calcada em dois núcleos, diferentes, mas complementares: a dignidade da
pessoa humana, considerando-a em abstrato, e a vulnerabilidade, em concreto.
Barboza, atenta a essas transformações valorativas que estão ocorrendo na ciência
jurídica, ensina que todos os seres humanos são, por natureza, vulneráveis, visto que todas
as pessoas são passíveis de serem feridas e atingidas em seu complexo existencial (tanto
físico quanto psíquico)97. A autora também sublinha que nem todos, contudo, serão
atingidos da mesma forma e na mesma intensidade, ainda que se encontrem em situações
idênticas, já que cada um conta com um conjunto de circunstâncias pessoas que o torna
único, podendo, inclusive, ser agravado o estado de susceptibilidade que lhe é inerente98.
Prega, neste sentido, que, embora todos os seres humanos sejam, em princípio, iguais, se
revelam diferentes no que respeita também à vulnerabilidade.
Marques e Miragem definem vulnerabilidade como “um estado da pessoa, um
estado inerente de risco ou um sinal de confrontação excessiva de interesses identificado
no mercado, é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que
fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos”99.
Muito embora o termo “vulnerabilidade” tenha sido fortemente encampado pela
doutrina e pela jurisprudência100 para fins de aplicação ao direito do consumidor, como

discriminação do mais fraco”. (MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo Direito Privado e
a proteção dos vulneráveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 108-109).
95
Veja interessante nota de Maria Berenice Dias que destaca os princípios constitucionais, em especial
liberdade e igualdade, em face à diferença no que toca à população LGBTI: DIAS, Maria Berenice. O
reconhecimento do direito à diferença. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/o_reco
nhecimento_do_direito_%E0__diferen%E7a.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2017.
96
KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial: por um sistema
diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 99, p. 101-123, maio/jun. 2015. p. 103.
97
BARBOZA, Heloísa Helena. Vulnerabilidade e cuidado: aspectos jurídicos. In: PEREIRA, Tânia da
Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. (coord.). Cuidado e vulnerabilidade. São Paulo: Atlas, 2009. p. 106-118.
p. 107.
98
BARBOZA, Heloísa Helena. Vulnerabilidade e cuidado: aspectos jurídicos. In: PEREIRA, Tânia da
Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. (coord.). Cuidado e vulnerabilidade. São Paulo: Atlas, 2009. p. 106-118.
p. 107-108.
99
MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo Direito Privado e a proteção dos vulneráveis.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 320.
100
Em pesquisa no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, verificaram-se 342 acórdãos com o
critério de busca “vulnerabilidade”, e 4 acórdãos repetitivos. No Supremo Tribunal Federal, retornaram 43
17
positivado no artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor 101 (a fim de
proteger, na grande maioria das vezes, interesses patrimoniais do indivíduo pessoa física
e, por vezes, pessoa jurídica), é preciso reconhecer que, quando diante de uma situação
jurídica que envolva interesses e direitos existenciais, o respeito à dignidade da pessoa
humana impõe ao operador do direito um tratamento diferenciado ao princípio da
vulnerabilidade102, de modo a determinar tutelas qualitativamente variadas das
vulnerabilidades, que são, por natureza, igualmente diferentes103.
Konder sustenta que não é apenas uma mudança quantitativa nos mecanismos de
tutela (ou seja, uma proteção meramente maior do que nas situações predominantemente
patrimoniais), mas sim de uma mudança qualitativa no tratamento jurídico da situação,
devendo assim os instrumentos e os procedimentos legais aplicáveis serem diversos (isto
é, como proteger melhor a existencialidade do ser)104. No mesmo sentido, Perlingieri
leciona que “não é suficiente, então, insistir sobre a importância dos interesses da
personalidade no direito privado”, sendo “necessário reconstruir o direito civil não com
uma redução ou um aumento de tutela das situações patrimoniais, mas com uma tutela
qualitativamente diferente dos interesses existenciais”105.
E essa diferenciação repercute especialmente no tratamento da vulnerabilidade
dispensado pelo direito e pelos seus operadores: a vulnerabilidade, originalmente
concebida para designar “aquele que pode ser ferido”106, também sofreu processo de

resultados. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o vocábulo foi encontrado em 5.750 julgados; no
Tribunal de Justiça de São Paulo, 42.586; no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 839; no Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, 2.495 acórdãos e 1.642 acórdãos em turmas recursais. Muito embora
originalmente abarcando o direito do consumidor, atualmente o termo é encontrado nas mais diversas áreas
do direito, tanto público quanto privado, perpassando pelas áreas de direito tributário, processual civil, civil
não especificado, administrativo, penal e constitucional – o que serve para demonstrar que a lógica da
vulnerabilidade não é adstrita a um ou outro ramo jurídico, mas sim encontra-se espraiada pelo ordenamento
como um todo, de modo que informa uma nova lógica tendente cada vez mais à valorização das diferenças
e à efetiva tutela de situações nas quais estejam presentes a vulnerabilidade, em seus diversos matizes.
101
Código de Defesa do Consumidor. Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por
objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança,
a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência
e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
102
KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial: por um sistema
diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 99, p. 101-123, maio/jun. 2015. p. 106.
103
Embora não esgote o assunto, sobre os diferentes tipos de vulnerabilidade, veja: MORAES, Paulo
Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor: o princípio da vulnerabilidade no contrato, na
publicidade, nas demais práticas comerciais: interpretação sistemática do direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009.
104
PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.
122.
105
KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial: por um sistema
diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 99, p. 101-123, maio/jun. 2015. p. 106.
106
Leia: MARQUES, Claudia Lima. Algumas observações sobre a pessoa no mercado e a proteção dos
vulneráveis no direito privado brasileiro. In: GRUNDMANN, Stefan; MENDES, Gilmar; MARQUES,
18
patrimonialização para se adaptar aos interesses patrimoniais do consumidor107. Não
obstante, juntamente com a humanização do direito privado, o princípio da
vulnerabilidade está voltando a suas raízes (de cunho evidentemente existencial) para que
se tutele mais e melhor os cidadãos.
Levando isto em consideração, percebe-se que a doutrina e a jurisprudência
construíram e estão construindo uma nova categoria ou escalonamento da
vulnerabilidade: a vulnerabilidade agravada. O termo foi aperfeiçoado por Miragem, a
partir da criação do conceito do Ministro Antônio Herman Benjamin108, que
originalmente o denominou como hipervulnerabilidade. O aprimoramento da expressão
não é por acaso: o prefixo hiper pode passar uma ideia equivocada de proteção exagerada,
ao passo que agravada indica uma situação existente que foi ainda mais potencializada –
o que é uma clara repercussão da busca por uma tutela não quantitativamente maior, mas
qualitativamente melhor.
Vulnerabilidade agravada significa uma vulnerabilidade já existente
exponenciada por circunstâncias pessoais, aparentes ou conhecidas pela a outra parte da
relação, sendo inerente, característico e especial à existência de determinada pessoa109.
Para o Superior Tribunal de Justiça, os hipervulneráveis são esses que, “exatamente por
serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a
massificação do consumo e a ‘pasteurização’ das diferenças que caracterizam e
enriquecem a sociedade moderna”110.
De toda a sorte, esse termo se refere aos casos em que não existe apenas ameaça
ao patrimônio da pessoa, mas sim uma ameaça à própria existência digna, revelando o
patamar superior dos bens jurídicos nesse caso tuteláveis, justificando a diferenciação de
proteção111. Os recursos utilizados pela ordem legal de ênfase notadamente patrimonial,
por terem lógica diversa da pretendida em casos de vulnerabilidade agravada, mostram-

Claudia Lima; BALDUS, Christian; MALHEIROS, Manuel (Org.). Direito Privado, Constituição e
fronteiras. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 287-331.
107
KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial: por um sistema
diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 99, p. 101-123, maio/jun. 2015. p. 110.
108
O termo foi originalmente criado no direito brasileiro em decisão do Superior Tribunal de Justiça e
difundido doutrinariamente pelo Ministro Antônio Hermann Benjamin. (BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Recurso Especial n. 586.316/MG. Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Recorrido: ABIA – Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação. Relator: Min. Antonio Herman
Benjamin. Brasília, 19 mar. 2009).
109
MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 184.
110
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 586.316/MG. Recorrente: Ministério
Público do Estado de Minas Gerais. Recorrido: ABIA – Associação Brasileira das Indústrias de
Alimentação. Relator: Min. Antonio Herman Benjamin. Brasília, 19 mar. 2009.
111
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 49.
19
se, então, inadequados à tutela da dignidade da pessoa humana e a seu núcleo
existencial112; sedimenta-se, assim, uma nova noção de vulnerabilidade que não mais
permite, mesmo que de forma indireta, a mercantilização de interesses existenciais113:
fala-se do reconhecimento da vulnerabilidade existencial – não mais adstrita a um ou
outro ramo do direito.
De acordo com Konder, a vulnerabilidade existencial é uma situação jurídica em
que o titular se encontra sob maior susceptibilidade de ser lesionado na sua esfera
existencial, impondo a aplicação de normas jurídicas de tutela diferenciada para a
satisfação do princípio da dignidade da pessoa humana, em atendimento aos paradigmas
do novo direito privado solidário114. É importante destacar que, nesse ponto, diferencia-
se da tradicional “vulnerabilidade patrimonial”, já que esta última, de acordo com o autor,
se limitaria apenas a uma posição de inferioridade ou subordinação contratual, na qual o
titular ficaria sob ameaça de uma lesão predominantemente a seu patrimônio econômico,
com efeitos somente indiretos em seu núcleo existencial115.
Existem diversos exemplos espalhados pela doutrina e pela jurisprudência que
reconhecem a vulnerabilidade existencial, como os Estatutos e os julgados que protegema
criança e o adolescente116, o idoso117, o enfermo118, a grávida119, os transexuais120, as

112
KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial: por um sistema
diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 24, n. 99, p. 101-123, maio/jun. 2015. p.
107.
113
KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial: por um sistema
diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 24, n. 99, p. 101-123, maio/jun. 2015. p.
107.
114
KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial: por um sistema
diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 24, n. 99, p. 101-123, maio/jun. 2015. p.
119.
115
KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial: por um sistema
diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 24, n. 99, p. 101-123, maio/jun. 2015. p.
108.
116
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo n. 70074771833. Agravante:
Luiz Fernando Pirez Madruga. Agravado: Ministério Público. Relator: Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes.
Porto Alegre, 27 set. 2017. DJe 09 out. 2017.
117
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos em Recurso Especial n. 1192577. Embargante:
Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Embargado: Sociedade Dr Bartholomeu Tacchini -
Plano De Saúde Tacchimed. Relatora: Min. Laurita Vaz. Brasília, 21 out. 2015. DJe 13 nov. 2015.
118
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 586.316-MG. Recorrente: Golden Cross
Assistência Internacional De Saúde Ltda. Recorrido: Município do Rio de Janeiro. Relator: Min. Herman
Benjamin. Brasília, 17 abr. 2007. DJe 25 maio 2009.
119
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação e reexame
necessário n. 70074753435. Apelante: Município de Almirante Tamandaré do Sul. Apelado: Daniela de
Quadros. Relator: Des. Leonel Pires Ohlweiler. Porto Alegre, 14 set. 2017.
120
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 1015395-48.2014.8.26.0576.
Relator: Des. Venicio Salles. Porto Alegre, 29 mar. 2017.
20
pessoas com deficiência121, as mulheres quando vítimas de violência122, os pacientes
terminais123, e a mais diversa variedade de grupos sociais que são merecedores de atenção,
seja por parte do Estado, seja por parte também dos particulares.
Neste sentir, o renovado e saudável antropocentrismo jurídico oportunizado pelos
movimentos de constitucionalização do Direito Civil, e também pela observação da
importância de situações e interesses existenciais teve como principal efeito o
reconhecimento da vulnerabilidade no ordenamento jurídico, inclusive neste novo prisma
que se verticaliza na existência do indivíduo.
Oportuniza, do mesmo modo, o desenvolvimento constante de instrumentos que
garantem a tutela da dignidade da pessoa humana em todos os matizes, principalmente os
relacionados ao pleno desenvolvimento da personalidade, entendida aqui como o núcleo
dos próprios interesses existenciais, a fim de dar efetividade à mudança qualitativa do
direito privado centrado na repersonalização e na despatrimonialização.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tornou-se inviável ao direito, no mundo contemporâneo, ser indiferente à


diferença, cuja característica principal é proteger a condição humana em suas múltiplas
expressões e entendida como uma poderosa forma de reconhecer como pessoas os
indivíduos que não mais se entranham em relações patrimoniais, abstratos, mas sim que
possuem interesses existenciais que devem preceder aos patrimoniais. Não se defende,
contudo, que haverá um esvaziamento da propriedade; ao contrário, a propriedade deve,
sempre, ser funcionalizada à existência das pessoas. Em outras palavras, a propriedade e
as relações patrimoniais em geral devem ser enxergadas como meio, ao passo que as
pessoas devem ser consideradas como fim.
A partir do movimento da constitucionalização do direito civil, princípios e
valores-guia presentes na Constituição Federal puderam lançar suas luzes às relações
interprivatísticas. Assim, ocorreu a repersonalização do direito, colocando saudavelmente
a pessoa como eixo gravitacional do direito privado, bem como a despatrimonialização,

121
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1349188-RJ. Recorrente: Banco Santander
Brasil S/A e Associação Fluminense de Amparo Aos Cegos - AFAC. Recorrido: os mesmos. Relator: Min.
Luis Felipe Salomão. Brasília, 10 maio 2016. DJe 22 jun. 2016.
122
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 1095407-
ES. Agravante: Adalto Gomes. Agravado: Ministério Público do Estado do Espírito Santo. Relator: Min.
Joel Ilan Paciornik. Brasília, 08 ago. 2017. DJe 18 ago. 2017
123
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1627014-SC. Recorrente: Júlio César Dalri.
Recorrido: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Relator: Min. Nefi Cordeiro. Brasília, 15 ago.
2017. DJe 29 ago. 2017.
21
como consequência lógica, a qual tira a prevalência do patrimônio em detrimento à
pessoa. A partir de então, e com a multiplicação de normas especiais que ajudaram a
sedimentar a visão real sobre a pessoa também real, foi possível identificar a
vulnerabilidade do ser humano em diferentes relações jurídicas.
Assim, pode-se concluir que, embora a vulnerabilidade até então reconhecida
tivesse forte caráter patrimonial, hoje percebe-se que um novo patamar está sendo
atingido no novo direito privado solidário: o reconhecimento da vulnerabilidade
existencial, que permeia a lógica de todo o ordenamento jurídico e que leva em
consideração a dignidade da pessoa humana, de forma a criar uma tutela da pessoa
qualitativamente mais adequada.

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Especial n. 1095407-ES. Relator: Min. Joel Ilan Paciornik. Brasília, 08 ago. 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos em Recurso Especial n. 1192577. Corte


Especial. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Julgado em: 21 out. 2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1349188-RJ. Quarta Turma.


Relator: Luis Felipe Salomão. Julgado em: 10 maio 2016.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1627014-SC. Sexta Turma.
Relator: Nefi Cordeiro. Julgado em: 15 ago. 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 586.316/MG. Relator: Min.


Antonio Herman Benjamin. Julgado em: 19 mar. 2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 586.316-MG. Segunda


Turma. Relator: Ministro Herman Benjamin. Julgado em: 17 abr. 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 586.316/MG. Relator: Min.


Antonio Herman Benjamin. Julgado em: 19 mar. 2009.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n.


1015395-48.2014.8.26.0576. 12ª Câmara de Direito Público. Relator: Venicio Salles.
Julgado em: 29 mar. 2017.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação
e reexame necessário n. 70074753435. Terceira Câmara Cível. Relator: Leonel Pires
Ohlweiler. Julgado em: 14 set. 2017.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo n.


70074771833. Terceira turma. Relator: Sérgio Miguel Achutti Blattes. Julgado em: 27
set. 2017.

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