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Introdução à Educação Cristã

– Reflexões, Desafios e perspectivas – (8)1

F. “O Que Ensina....” (Rm 12.7) – Uma Palavra aos Professores

“O problema mais difícil de solver na


administração de um colégio (...)[é] (...)
obter e conservar um corpo magistral
que se dedique com amor ao ensino. A
importância e proficidade duma escola
estão na razão direta do valor pessoal
do professor. Tal mestre, tal escola. Na-
da valerão as escolas sem bons mestres;
a personalidade do mestre como que
passa para a escola e vê-se refletida
em cada aluno como um semblante
reproduzido em espelho facetado. Os
mais belos programas e previdentes ins-
truções se inutilizam e tornam-se inefica-
zes; os mais engenhosos métodos se
desnaturam e viçosas esperanças se es-
vaecem, se o mestre for o que cumpre
2
ser” – Rev. Chamberlain.

“O coração do educador cristão


deve ser motivado pelo amor. Ainda
que ninguém tenha uma motivação ab-
solutamente pura, mesmo assim o cres-
cente desejo de nosso coração deve
ser o de ver pessoas crescendo na fé.
Nosso ministério educacional não deve
ser egoísta, mas um serviço aos outros.
O ensino deveria ser apresentado como
um dom de amor aos outros. Somente
essa motivação é digna do adjetivo cris-
3
tã” – Perry G. Downs.

Introdução

Vivemos num mundo marcado por crises em diferentes áreas: costuma-se falar
na crise do desemprego – que tem sido um “fantasma” com um corpo bem definido

1
Texto disponibilizado pela Secretaria de Educação Religiosa do Presbitério de São Bernardo do
Campo, SP.
2
Rev. Chamberlain em 1875 a respeito da necessidade de formar professores para a incipiente Es-
cola Americana. Apud Boanerges Ribeiro, Protestantismo e Cultura Brasileira, São Paulo: Casa Edito-
ra Presbiteriana, 1981, p. 241.
3
Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2001, p. 17.
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já no início de nosso século –, política, financeira, habitacional (“sem-terra”, “sem-


4
teto”), de autoridade, de segurança pública, etc. Compactuando com tais crises, en-
contramos o problema educacional.

A crise educacional não é, como alguns podem pensar, um fenômeno tipicamente


brasileiro ou simplesmente secular. A maioria dos países, desenvolvidos ou não, en-
frenta em maior ou menor escala esta problemática: O analfabetismo, falta de salas
de aula, de pessoal competente, de recursos (problema mais comum entre os países
subdesenvolvidos), de qualidade no ensino, de interesse por parte dos alunos, etc. A
Igreja também não está imune a isto.

Particularmente, creio que a análise do problema educacional tem pecado em sua


abordagem, sendo frequentemente unilateral, tentando resolver os problemas ape-
nas pelo lado do professor – que comprovadamente não tem grandes estímulos a-
lém de sua “vocação” –, proporcionando-lhe, se tanto, cursos de “especialização”,
onde predominam “trabalhos em grupo” que, quando muito, geram em boa parte da
turma, algumas frases de efeito que passam a ser “slogans” dos “especializados”.
Ainda no esforço de resolver o problema do professor, são-lhe dadas novas técni-
cas, objetivos, material, livros e apostilas (Sempre com um discurso de como funcio-
nou na experiência de quem ensina). Tudo isto vem acompanhado de uma palavra
de como deve ou não proceder o professor (e tome exemplos que demonstram a ve-
racidade do sistema). Nestes discursos, há uma palavra mágica, a qual abre todas
as possibilidades, dando uma autoridade acadêmica indizível: MODERNO. Quando
falamos de “método moderno”, é o momento de prender a respiração porque agora,
significa que, possivelmente mais uma “revolução copernicana” vai ser realizada e,
os “velhos manuais” que nem sequer chegaram a “idade do por que”, serão qualifi-
5
cados de “antiquados”, “ideológicos”, “alienantes” e “favorecedor do sistema”. O
destino de tais “manuais” será as luzes; não do sucesso, mas da fogueira. O método
que então surge, vem sob o manto sagrado de “maduro”, elaborado e testado no
“primeiro mundo” ou “adaptado à realidade brasileira”, recebendo a adjetivação de
“moderno” ou “novíssimo” e, poderá ser apelidado de “novo”, “adequado” ou mesmo
“contextualizado”. Este ritual do ocaso que não é por acaso, contribui para que mui-
tas vezes os professores se sintam massacrados pelas novas fórmulas que prescre-
vem como ele deve agir sem que, na realidade, consiga com exagerada frequência,
dissolver a terrível barreira, amiúde sólida do desinteresse do aluno.

Aqui não estamos propondo nenhum “conservadorismo” inconsequente; antes es-


tamos sugerindo que, no sistema educacional – como em quase tudo –, a questão
da morte de uma forma ou ideia e o surgimento de outra, não deve obedecer ao cri-
tério puramente temporal: o “velho” não é necessariamente “ultrapassado”, nem o

4
"O problema básico do mundo de hoje é problema de autoridade. O caos no mundo se
deve ao fato de que, em todas as áreas da vida, as pessoas perderam todo o respeito pela
autoridade, quer entre as nações ou entre regiões, quer na indústria, quer em casa, quer nas
escolas, ou em toda e qualquer parte. A perda da autoridade! E, em minha opinião, tudo
começa realmente no lar e na relação matrimonial" (D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No
Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 87).
5
O historiador britânico Eric Hobsbawn, parece estar correto, quando, analisando a nossa presente
era, diz que “quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo,
sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem” (A Era
dos Extremos, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 13).
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“novo” é obrigatoriamente “o que faltava”. Obviamente, a recíproca também é verda-


deira. Deixemos agora estes assuntos para os pedagogos, psicólogos e filósofos da
educação e, voltemos às considerações sobre o nosso tema.

A Escola Dominical tem as suas particularidades que a distingue de outras esco-


las e, creio que a principal é o fato de termos um “Livro-Texto” inesgotável, infalível,
atualíssimo, o qual nos traz orientações seguras e diretas sobre o assunto que vimos
considerando. O nosso propósito é analisar o texto de At 20.17-35, estudando o
comportamento do apóstolo Paulo como mestre, sob o título: “O Que Ensina...”. As-
sim procedendo, podemos observar que aquele que ensina deve ter:

1) Dignidade Pessoal (At 20.31)

Os efésios haviam convivido de forma intensiva com Paulo durante três anos
(At 20.31); por isso, eles o conheciam bem, sabiam de suas palavras e testemunho.
Agora, quando Paulo se despede daqueles presbíteros em Mileto, relembra aquilo
que eles já sabiam: qual fora o seu comportamento entre os irmãos durante aqueles
6
anos em que ali viveu (At 20.18). “Vós bem sabeis....” (E)pistamai). O termo grego
expressa preliminarmente o conhecimento obtido devido à aproximação com o obje-
to conhecido, e, então, o conhecimento resultante de uma prática prolongada de
percepção. O fato de Paulo trazer à baila o seu passado de relacionamento fraterno
com a Igreja de Éfeso revela uma vida digna; ele não tinha do que se envergonhar,
ou tentar apagar a lembrança de seus irmãos; isto porque Paulo era um homem hon-
rado, que sempre soube se portar com dignidade. Todavia, como se manifestava a
dignidade pessoal de Paulo? O que isto tem a ver com o mestre? Competência por
si só não basta?! Responderemos a estas e outras perguntas no decorrer deste Ca-
pítulo. Dentro deste tópico, podemos ver que Paulo revelou a sua dignidade pessoal
tendo:

A) AUTORIDADE MORAL

A autoridade moral de Paulo como mestre, se alicerçava sobre alguns pi-


lares, analisemo-los:

1) Crer no que ensina

A dignidade pessoal do professor é evidenciada aqui. É preciso que ele


creia no que está ensinando. Se eu ensino o que não creio, a minha atitude é imoral,
estou sendo desonesto. Um dos motivos porque tem crescido o número de líderes
religiosos com problemas de depressão está aqui enraizado: não mais crêem no que
ensinam. Então, por que ensinam? Para poder sobreviver. Esta dialética diabólica
entre o não crer e o ensinar é a causa determinante de diversas patologias. A frag-

6
Pedro quando negou a Jesus, usou esta mesma palavra para dizer que não compreendia o que es-
tavam falando a respeito dele ser seguidor do Nazareno (Mc 14.68). (*Mc 14.68; At 10.28; 15.7;
18.25; 19.15,25; 20.18; 22.19; 24.10; 26.26; 1Tm 6.4; Hb 11.8; Tg 4.14; Jd 10).
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mentação entre o ensino e a fé conduz-nos à perda do respeito por nós mesmos. A


ausência de integridade é o caminho fácil que nos conduz ao sarcasmo e à deses-
truturação espiritual, moral e intelectual.

Paulo se gastou “noite e dia” (At 20.31) em prol do Evangelho, admoestando, en-
sinando publicamente e de cada em casa (At 20.20). Será que todo este esforço va-
leu a pena? Paulo estava convencido de que sim, pois cria no que ensinava. Ele sa-
bia por experiência própria, que o Evangelho é poder de Deus para a salvação de
todos os que crêem (Rm 1.16). Por isso, apesar de muitas vezes os seus ouvintes
buscarem “sinas” e “sabedoria”, ele pregava a Cristo, “poder de Deus e sabedoria de
Deus” (1Co 1.22-24).

Como mestres cristãos podemos fazer uma confissão idêntica a de um Congresso


cristão realizado em Jerusalém (1928): “A nossa mensagem é Jesus Cristo. Nele
7
sabemos quem é Deus e o que o homem pode vir a ser por meio dele”.

O nosso ensino só será eficaz se primeiramente estivermos convencidos da vali-


dade do que ensinamos. Todavia, quando ensinamos a Palavra de Deus, devemos
estar convictos de que Ela é mais poderosa do que a nossa incredulidade ou má
vontade. Por isso, Deus na Sua sábia e inesgotável soberania pode se valer até
mesmo dos falsos mestres ainda que saibamos que estes não permanecerão impu-
8
nes.

2) Viver o que ensina

Crer no que ensinamos é eficiente, mas, não suficiente; é preciso que


procuremos viver o que ensinamos. O conhecimento intelectual da verdade sem sua
9
aplicação só aumenta a nossa culpa diante de tal omissão. O descaso para com o
que cremos no sentido de não buscar harmonizar a nossa conduta com o que ensi-
namos é, primariamente, uma questão ética.

Paulo vivia a sua pregação; e, por isso, trazia à tona, à memória pública, o seu vi-
ver no meio daqueles irmãos durante os três anos em que ali passou. Podemos ob-
servar que Paulo não fez isso apenas como um ato retórico para impressionar seus
ouvintes; pelo contrário, em outras ocasiões ele demonstrou a mesma segurança,
fruto de uma consciência tranquila. Por isso, ele podia conclamar os seus discípulos
(aprendedores) a serem seus imitadores (1Co 4.16; 11.1) e, também, a desafiar os
filipenses, a olharem para ele como padrão daqueles que se diziam discípulos de

7
Cf. John A. Mackay, “...Eu Vos Digo”, 2. ed. rev. Lisboa: Junta Editorial Presbiteriana de Coopera-
ção em Portugal, 1962, p. 13.
8
“Deus julgará o discurso dos professores ainda mais duramente que o discurso de outros
crentes” (John A. Hughes, Por que Educação Cristã e não Doutrinação Secular?: In: John F. MacAr-
thur, Jr. ed. ger. Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos,
2005, p. 384).
9
“A aplicação da verdade é tão importante como a própria verdade. Não há nenhum va-
lor em termos conhecimento intelectual da verdade, se não a aplicarmos, e são muitos os
que falham neste ponto” [D.M. Lloyd-Jones, Crescendo no Espírito, São Paulo: Publicações Evan-
gélicas Selecionadas, 2006 (Certeza Espiritual: Vol. 4), p. 10].
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Cristo (Fp 3.17). O exemplo de Paulo era o testemunho vivo da eficácia do seu en-
sino; ele encarnava em sua vida a sua pregação; Paulo tinha a correta consciência
de que o ensino não se limitava a apenas 50 minutos semanais, antes, tal período
deveria vir acompanhado de um exemplo vivo e diário.

A. H. McKinney expressou bem esta verdade ao enfatizar que a verdade A verda-


de encarnada é a única verdade espiritual que consegue apelar de modo efetivo.
11
Por isso, a vida do professor é a vida de seu ensino.

Talvez, alguns descrentes pudessem duvidar do que Paulo ensinava, contudo, ti-
nham que se render ao exemplo de sua vida. O exemplo tende sempre a ser mais e-
ficaz do que o preceito. Todavia, o comportamento não condizente com o princípio
ensinado, não deve simplesmente anulá-lo, mas, de fato, enfraquece-o. Daí a impor-
12
tância do professor viver em harmonia com o seu ensinamento.

Calvino constata que “a doutrina será de pouca autoridade, a menos que


sua força e majestade resplandeçam na vida do bispo como o reflexo de
um espelho. Por isso ele diz que o mestre seja um padrão ao qual os discípu-
13
los possam seguir”. Em outro lugar, após afirmar que Timóteo foi formado por
Paulo na “na academia de seu próprio ensino”, acrescenta: um bom mestre é
aquele que “molda seus alunos não só por meio de suas palavras, mas, por as-
sim dizer, também lhes abre seu próprio coração para que tenham a experi-
14
ência de que todo o seu ensino é sincero”.

Xenofonte (c. 430-355 a.C.), historiador e general grego, que foi discípulo de Só-
crates (469-399 a.C.), sem ao que parece entender plenamente as lições de seu
mestre, disse algo de grande relevância a respeito dele: “Sei que Sócrates era pa-
ra seus discípulos modelo vivo de virtuosidade e que lhes administrava as
15
mais belas lições acerca da virtude e o mais que ao homem concerne”.

10
“Irmãos, sede imitadores meus e observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós”
(Fp 3.17).
11
A. H. McKinney, The Sunday-School Teacher at His Best, New York: Fleming H. Revell Company,
1915, p. 19-20.
12
Adams comenta com acerto: “Gostemos ou não, a teoria e a prática, pela própria natureza
da vida humana, já estão integradas na pessoa do professor. Um professor ensina teoria (tal-
vez não a teoria que conscientemente quer ensinar) o tempo todo por sua prática, e nisto
ele inevitavelmente se comunica bem. O que o mestre (ou mestra) faz e diz, o que são as
suas atitudes, os seus modos, etc. – tudo é parte do ensino ministrado mediante modelos. O
mestre constitui a integração de princípio e prática” (Jay A. Adams, Conselheiro Capaz, São
Paulo: Fiel, 1977, p. 243).
13
J. Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 2.7), p. 331
14
J. Calvino, As Pastorais, (2Tm 3.10), p. 256.
15
Xenofonte, Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, Vol.
II), 1972, I.2.17. p. 44.
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B) AUTORIDADE ESPIRITUAL

Aquele que ensina deve ter autoridade espiritual para fazê-lo; ela é uma
decorrência natural de três elementos que formam a sua base.

1) Estudo das Escrituras

As Escrituras se constituem no meio usado por Deus para a nossa san-


16
tificação (Jo 17.17). A Palavra de Deus é o alimento indispensável, vital para a
nossa nutrição espiritual; por isso, encontramos recomendações diversas para que a
estudemos e pratiquemos os seus ensinamentos (Js 1.8; Mt 22.29; Jo 5.39; Tg 1.22-
25).

Considerando que Deus age por intermédio da Escritura, o estudo sério e siste-
mático da Palavra é fundamental para o nosso crescimento espiritual. Obviamente,
não será a leitura mecânica da Bíblia que nos fará amadurecer em nossa fé em
Deus. Houve e certamente há homens que possivelmente conheçam a Bíblia melhor
do que nós, sabendo passagens de memória, distinguindo bem os períodos históri-
cos, etc., mas, não conhecem o Deus da Palavra. O conhecimento de Deus e de
Sua Palavra evidencia-se pela prática da Palavra. “O crescimento espiritual não é
místico, sentimental, devocional, psicológico ou resultado de truques secre-
tos. Vem através da compreensão e da prática de princípios dados pela Pa-
17
lavra de Deus”, acentua MacArthur.

A santificação, portanto, não é uma experiência autônoma, antes é o exercício de


compreensão e aplicação da Palavra à nossa vida. Insisto: A experiência é o resul-
tado deste processo. As nossas experiências não servem de fundamento sólido para
a nossa fé. Antes, elas devem ser examinadas à luz das Escrituras. A Palavra de
Deus é o firme fundamento de nossa fé. A Palavra deve ser a intérprete, norteadora
e corretora do que experimentamos.

A Palavra do Espírito é eficaz no propósito de santificação estabelecido por Deus.


Paulo escreve aos cristãos tessalonicenses: "Outra razão ainda temos nós para in-
cessantemente dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós
ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens, e, sim como, em
verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em
vós, os que credes” (1Ts 2.13). Deus nos gera pela Palavra (Rm 10.17) e, agora,
crendo, também nos santifica de modo eficaz por meio dela.

Paulo como todo Fariseu (At 23.26; 26.5; Fp 3.5) conhecia bem as Escrituras, as
quais se constituíam em seu sustento para todos os momentos de sua vida. Tanto é
assim, que, conforme vimos, quando ele se encontrou preso em Roma, pediu a Ti-
móteo que, quando fosse se encontrar com ele, levasse duas coisas: a “capa (...)
bem como os livros, especialmente os pergaminhos” (2Tm 4.13). O inverno se apro-

16
Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.
17
John F. MacArthur, Jr., Chaves para o Crescimento Espiritual, 2. ed., São José dos Campos, SP.:
Fiel, 1986, p. 7.
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ximava; Paulo desejava a sua capa para aquecer o seu corpo e os livros, pergami-
nhos e amigos, para aquecer a sua alma saudosa. Ninguém é totalmente insensível
às condições climáticas e, ninguém está além da necessidade de amizade e solida-
riedade.

A Bíblia foi escrita para que tenhamos esperança em Deus (Rm 15.4), alimentan-
do a nossa alma por meio da compreensão real da Sua vontade.

Paulo confiando a Igreja aos cuidados dos presbíteros, tem certeza da presença
sustentadora e santificadora de Deus, operando pela Sua Palavra: "Agora, pois, en-
comendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e
dar herança entre todos os que são santificados” (At 20.32).

2) Assiduidade aos Cultos

Quando nos reunimos para cultuar a Deus, exercitamos o Sacerdócio


Universal dos Crentes, que só se torna possível por intermédio do sacrifício expiató-
18
rio de Jesus Cristo (Vejam-se: Hb 7.22-28; 9.11-14; 10.19-25/Hb 6.19-20). Ele foi o
19
nosso precursor à presença de Deus (Jo 14.2-3/Hb 6.17-20; Rm 5.2; Hb 4.16).

No culto público nós exercitamos o Sacerdócio Universal dos Crentes da seguinte


forma:

1) Falamos com Deus expressando a nossa fé por meio dos cânticos, das ora-
ções, das ofertas, e dos Credos.

2) Ouvimos e somos alimentados pela Palavra de Deus a qual é lida e exposta.

18
“Por isso mesmo, Jesus se tem tornado fiador de superior aliança. Ora, aqueles são feitos sacerdo-
tes em maior número, porque são impedidos pela morte de continuar; este, no entanto, porque conti-
nua para sempre, tem o seu sacerdócio imutável. Por isso, também pode salvar totalmente os que por
ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Com efeito, nos convinha um sumo
sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do
que os céus, que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifí-
cios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por todas,
quando a si mesmo se ofereceu. Porque a lei constitui sumos sacerdotes a homens sujeitos à fraque-
za, mas a palavra do juramento, que foi posterior à lei, constitui o Filho, perfeito para sempre” (Hb
7.22-28). “Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o mai-
or e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de
sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez
por todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de
uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito
mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, puri-
ficará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!” (Hb 9.11-14).
19
“Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade
do seu propósito, se interpôs com juramento, para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é
impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar
mão da esperança proposta; a qual temos por âncora da alma, segura e firme e que penetra além do
véu, onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo-se tornado sumo sacerdote para sempre....”
(Hb 6.17-20). “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois
vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim
mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também” (Jo 14.2-3).
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3) Compartilhamos a nossa fé por intermédio do testemunho uníssono daquilo


que cremos e que Deus tem feito.

Por isso, já no Novo Testamento, a aqueles que eram tentados a se ausentarem


do culto por motivos irrelevantes, o escritor da Epístola aos Hebreus, exortava: “Não
deixemos de congregar-nos como é costume de alguns; antes, façamos admoesta-
ções, e tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima” (Hb 10.25).

As Escrituras não prescrevem quantas vezes devemos nos reunir, contudo, ve-
mos na Igreja Primitiva um grande prazer de estar juntos estudando a Palavra e lou-
vando a Deus (At 2.42-47). A nossa frequência aos cultos deve pressupor um desejo
de adorar, aprender e servir a Deus. O culto nunca é uma atitude passiva, antes en-
volve o desejo de participação. Temos um bom resumo do sentimento que deve nor-
20
tear a nossa participação no culto em Hb 10.22-25. Por outro lado, como bem ob-
servou Warfield (1851-1921): “Nenhum homem pode excluir-se dos cultos regu-
lares da comunidade à qual pertence, sem sérios prejuízos para sua vida es-
21
piritual pessoal”. E: “.... nem o indivíduo mais santo pode se dar ao luxo de
dispensar as formas regulares de devoção, e que o culto público regular da
igreja, apesar de todas as suas imperfeições e problemas localizados, é a
22
provisão divina para o sustento da alma”. Sem dúvida, a frequência à igreja é
um dos meios de grande relevância que Deus emprega para nos conduzir à maturi-
23
dade cristã.

Paulo, mais uma vez serve-nos de exemplo. Após a sua conversão e recuperação
da visão, passou a participar dos cultos na Sinagoga, aproveitando a oportunidade
para pregar a Palavra (Vejam-se: At 9.20; 13.5,14; 42-44; 14.1; 16.13).

3) Comunhão por meio da Oração

O apóstolo Paulo não só ensinou a respeito da oração (Ef 6.18; 1Ts


5.17), mas, também, demonstrou em sua vida o significado da oração. O texto de
Atos, que registra a sua prisão na cidade de Filipos em companhia de Silas, diz:

“E, depois de lhes darem muitos açoites, os lançaram no cárcere, ordenando ao


carcereiro que os guardasse com toda a segurança. Este, recebendo tal ordem le-
vou-os para o cárcere interior e lhes prendeu os pés no tronco. Por volta da meia-
noite, Paulo e Silas oravam e cantavam louvores a Deus, e os demais companheiros

20 22
“ Aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de
23
má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem
24
vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos esti-
25
mularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns;
antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.22-25).
21
B.B. Warfield, A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia, São Paulo: Editora os Puritanos,
1999, p. 19.
22
William Robertson Nicoll. Apud B.B. Warfield, A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia,p. 25.
23
Ver: Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 2001, p. 182-183.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 9/24

de prisão escutavam” (At 16.23-25).

Notemos que a oração não deve estar ligada simplesmente à determinada situa-
ção ou circunstância; ela deve fazer parte da nossa cotidianidade, na presença de
Deus. A despedida de Paulo em Mileto foi marcada por uma oração sincera e emo-
cionada (At 20.36-38).

O mestre cristão fala de coisas concernentes ao Ser de Deus e à Sua vontade;


por isso deve esmerar-se por viver em comunhão com Deus por meio do estudo da
Palavra e da oração a fim de poder aprender dEle conforme o convite feito pelo pró-
prio Senhor Jesus, o Deus Encarnado: “Aprendei de mim”. (Mt 11.28-30).

Lloyd-Jones (1899-1981) enfatiza a importância da associação entre a “instrução”


e a “oração”:

"A oração é sempre necessária como instrução (...). Transmitir conheci-


mento não basta. É igualmente essencial que oremos – que oremos por
nós mesmos, para que Deus nos faça receptivos ao conhecimento e à ins-
trução; que oremos para sermos capacitados a agasalhar o conhecimen-
to recebido e aplicá-lo; que oremos para que não fique só em nossas
mentes, e sim que se apegue aos nossos corações, dobre as nossas von-
tades e afete o homem todo. O conhecimento, a instrução e a oração
24
devem andar sempre juntos; jamais devem estar separadas".

C) AUTORIDADE INTELECTUAL

A competência do mestre também evidencia a sua dignidade pessoal. A


competência se desenvolve à medida que realizamos as nossas tarefas com integri-
dade. Lembro-me que quando ingressei no Seminário em 1976, algo que me inco-
modava muito era a sensação de ignorância diante daquelas enormes estantes
cheias de livros na biblioteca; não sabia por onde começar, o que ler, como ler uma
língua desconhecida (a maioria dos livros estava em inglês). Algumas aulas me dei-
xavam com sensação idêntica. Alguns professores causavam muita admiração pela
sua erudição. A minha impressão, que ainda permanece, é que eu nunca os alcan-
çaria... Todavia, Deus nos concede as pequenas coisas para que as realizemos. A
competência consiste na utilização íntegra dos recursos que Deus nos confere. Mui-
tas vezes ficamos a espera das “grandes oportunidades” e não descobrimos a bele-
za de servir a Deus mesmo nos serviços rotineiros de nossa igreja. Neste caso, a
nossa perspectiva é que está equivocada. Quando não percebemos que a grandeza
do que fazemos está no propósito para o qual realizamos e na forma como fazemos,
mesmo quando tivermos “grandes atividades” elas não permanecerão grandiosas
para nós, antes, se tornarão maçantes. Uma das maiores bênçãos que podemos ter
neste estado de existência é a consciência de que estamos servindo a Deus, onde
quer que trabalhemos, aonde quer que formos. Somos aperfeiçoados à medida que
servimos. Por isso é que nada mais poderemos ser do que servos. Servir ao Senhor
é o nosso maior privilégio. Deus Se digna em utilizar-se dos nossos talentos (1Co

24
D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1992, p. 98.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 10/24

15.10).

Paulo foi um intelectual do cristianismo primitivo; antes disso, já fora extremamen-


te bem formado dentro do judaísmo (Gl 1.13-14; Fp 3.4-6; At 22.3; 26.4-5). No entan-
to, após a sua conversão, vemos o processo primeiro que Deus utilizou para o seu
preparo; Paulo descreve sumariamente sobre isso (Gl 1.15-2.2). Sabemos que ele
era poliglota, sabendo expressar-se em Hebraico, Aramaico, Grego e, possivelmen-
te, em Latim; provavelmente era doutor da Lei e, em alguns dos seus escritos de-
monstrou conhecer obras de poetas gregos (At 17.28; 1Co 15.33; Tt 1.12), além de
revelar um estilo erudito na sua forma de argumentação (Veja-se: 1Co 15.12-22). Ele
sem dúvida tinha autoridade intelectual para ensinar. Creio estar correto Bourceau,
ao dizer que, “Constitui grande imoralidade desempenhar um cargo para o
qual não se está habilitado. A incompetência profissional é, no fundo uma
25
questão de honestidade”.

Paulo consciente desta realidade recomendou a Timóteo a necessidade de ter


mestres competentes, a fim de que estes pudessem ensinar a outros: “E o que de
minha parte ouviste, através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a ho-
mens fiéis e também idôneos (i(kano/j = “competente”, “apto”, “seguro”, “respeitá-
26
vel”) para instruir a outros” (2Tm 2.2).

Lamentavelmente, há professores que não preparam as suas aulas devidamente,


querendo ter apenas o título de “professor” e “mestre”, não fazendo jus, contudo, à
sua função, preferindo confiar numa suposta “inspiração divina” como recompensa
da sua preguiça. Assim procedendo, perdem a oportunidade de aprender mais e, pi-
or, desestimulam os seus alunos que, muitas vezes, perdem o interesse (quando há)
pela matéria, pois tendem a identificar o professor com a disciplina.

Há outros professores, que devido ao não preparo, enchem o tempo quantitativa-


mente com “experiências” as quais quase nunca são pertinentes ao assunto estuda-
do e, há ainda aqueles que assumem uma “metodologia diferente”. J.M. Gregory, fa-
la sobre os tais “mestres”:

“Outros mestres passam pela lição como gato por cima de brasas. E
concluem que, embora não a tenham aprendido bem ou inteiramente,
ou talvez uma parte dela, já apanharam bastante material para encher o
período de aula, e podem, caso necessário, suplementar o pouco que
sabem com ‘conversa mole’, ou historinhas. Ou por falta de tempo ou de
ânimo para prepararem, deixam de lado a ideia de ensinar e enchem o
27
tempo de aula com exercícios que lhes ocorrem na hora”.

O mestre cristão sabe que tem coisas proveitosas para serem anunciadas e, por

25
E.P. Bourceau, Apud Pedro Finkler, A Arte de Educar, São Paulo: Editora Coleção F.T.D. Ltda.,
1963, p. 84.
26
i(kano/j refere-se àquele que é suficiente e capaz, “apto para fazer uma coisa”; por isso atinge de
forma eficaz o seu objetivo. O nosso conforto é que em última instância a nossa “suficiência” (= com-
petência) vem de Deus (2Co 3.5).
27
John M. Gregory, As Sete Leis do Ensino, 3. ed. Rio de Janeiro: JUERP., 1977, p. 23.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 11/24

isso, procura utilizar o máximo possível o tempo disponível. Foi justamente isto o
que Paulo fez: “Jamais deixando de vos anunciar cousa alguma proveitosa, e de vo-
la ensinar publicamente e também de casa em casa” (At 20.20).

É preciso que os mestres cultivem o hábito da leitura, a fim de obterem um cabe-


dal de conhecimento que facilite a comunicação da sua matéria e, enriqueça o con-
teúdo da mesma por meio de exemplos paralelos e aplicação do que foi ensinado. A
leitura de bons livros é eminentemente necessária para que haja uma atualização
constante do que se ensina, procurando enriquecer a argumentação e demonstrar a
praticabilidade do que é exposto.

Todavia, acima de tudo, o mestre cristão deve conhecer as Escrituras: “Procura


28
(spouda/zw = “esforçar-se com zelo”, “apressar-se”) apresentar-te a Deus, apro-
29
vado (do/kimoj = “aprovado após exame”), como obreiro que não tem de que se
30
envergonhar, que maneja bem (o)rqotome/w) a Palavra da verdade (a)lh/qeia)”

28
Spouda/zw, que é bem traduzido em Ef 4.3 por “esforçando-vos diligentemente” (ARA), tem a sua
ênfase enfraquecida em ARA, ARC e BJ, que o traduzem por “procurando”. Spouda/zw ocorre 11 ve-
zes no NT (* Gl 2.10; Ef 4.3; 1Ts 2.17; 2Tm 2.15; 4.9,21; Tt 3.12; Hb 4.11; 2Pe 1.10,15; 3.14), tendo o
sentido de “correr”, “apressar-se”, “fazer todo o esforço e empenho possível”, “urgenciar”, “ser zeloso,
diligente”, “esforço”, “aplicação”. Spouda/zw denota uma diligência que se esforça por fazer todo o
possível para alcançar o seu objetivo.
29
O verbo dokima/zw ressalta o aspecto positivo de “provar” para “aprovar”, indicando a genuinidade
do que foi testado (2Co 8.8; 1Ts 2.4; 1Tm 3.10). Este verbo se refere à ação de Deus, nunca é em-
pregado para a “tentação” de satanás, “visto que ele nunca prova aquele que ele pode apro-
var, nem testa aquele que ele pode aceitar” (Richard C. Trench, Synonyms of the New Testa-
ment, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1985 (Reprinted), p. 281). (Vejam-se mais detalhes sobre
a “tentação”, em Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Cultura Cristã, 2001).
No entanto, ambos os verbos podem ser usados indistintamente, mesmo não sendo “perfeitamen-
te sinônimos” (Vejam-se: H. Seesemann, peira/w: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological
Dictionary of the New Testament, 8. ed. (reprinted) Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Pub-
lishing Co., 1982, Vol. VI, p. 23; H. Haarbeck, Tentar: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Inter-
nacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1983, Vol. IV, p. 599; Richard C.
Trench, Synonyms of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1985 (Reprinted), p.
278ss.).
30
Como tenho citado em outros trabalhos, o verbo o)rqotome/w – “cortar em linha reta”, “endireitar” –,
que só ocorre neste texto, é formado por o)rqo/j (“direito”, “reto”, “certo”, “correto”) (* At 14.10; Hb
12.13) e te/mnw (“cortar”), verbo que não aparece no Novo Testamento. Na LXX o)rqotome/w é empre-
gado em Pv 3.6 e 11.5 com o sentido de endireitar o caminho. Analogias e aplicações variadas são
possíveis, tais como: a ideia de lavrar a terra fazendo os sulcos em linha reta; construir uma estrada
em linha reta a fim de que o viajante alcance com facilidade o seu objetivo sem se desviar por ata-
lhos; o alfaiate que corta o tecido de forma correta a fim de fazer a roupa (Paulo como fabricante de
tendas estava acostumado a este serviço no que se refere ao corte dos tecidos de pelo de cabra); o
pedreiro que corta a pedra de forma correta para o seu perfeito encaixe, etc. A partir de 2Tm 2.15 vá-
rias analogias são feitas, tais como: a ideia de conduzir a Palavra pelo caminho correto para atingir de
modo eficaz seu objetivo, manuseá-la bem, ministrá-la conforme o seu propósito, expô-la de maneira
correta, ensinar correta e diretamente a Palavra, etc. [Vejam-se, entre outros: Helmut Köster,
o)rqotome/w: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed.
Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, Vol. VIII, p. 111-112; Jo-
seph H. Thayer, “Thayer’s Greek-English Lexicon of the NT,” The Master Christian Library, Verson 8.0
[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 2, p. 270; A. Barnes, “Notes on the Bible,” The
Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 15, p. 795;
Adam Clark, “Commentary the New Testament,” Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-
ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 8, p. 222-223; R. Klöber, Retidão: In: Colin Brown, ed.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 12/24

(2Tm 2.15) pois Ela, entre outras coisas, é “útil para o ensino (didaskali/a)” (2Tm
3.16).

Como vimos, Calvino traduz a metáfora usada por Paulo, “maneja bem” (2Tm
2.15) por “dividindo bem”, fazendo a seguinte aplicação: “Paulo (...) designa aos
mestres o dever de gravar ou ministrar a Palavra, como um pai divide um
pão em pequenos pedaços para alimentar seus filhos. Ele aconselha Timóteo
a ‘dividir bem’, para não suceder que, como fazem os homens inexperientes
que, cortando a superfície, deixam o miolo e a medula intactos. Tomo, po-
rém, o que está expresso aqui como uma aplicação geral e como uma refe-
rência à judiciosa ministração da Palavra, a qual é adaptada para o provei-
31
to daqueles que a ouvem. Há quem a mutile, há quem a desmembre, há
quem a distorce, há quem a quebre em mil pedaços, e há quem, como ob-
servei, se mantém na superfície, jamais penetrando o âmago da doutrina.
Ele contrasta todos esses erros com a boa ministração, ou seja, um método
de exposição adequado à edificação. Aqui está uma regra pela qual de-
32
vemos julgar cada interpretação da Escritura”.

Toda a Escritura é útil para o ensino. Queremos aprender com Deus? Desejamos
fazer a vontade de Deus? Estamos dispostos de fato a ouvir a Sua voz? Se a sua
resposta for não, confesso não ter argumentos para convencê-lo da oportunidade
que você está deixando escapar, contudo, o que posso reafirmar, é que Deus Se re-
velou na Sua Palavra, para que possamos ser conduzidos a Cristo, aprendendo dEle
a respeito de Si mesmo, de nós e do significado de todas as coisas... Portanto, Ele
deseja nos ensinar. A teologia deve estar sempre a este serviço: aprender e ensinar.
Enquanto não aprendermos a aprender, não poderemos ser mestres! O mestre –
assim como o teólogo –, tem paixão por ensinar, mas a sua paixão primeira e priori-
tária deve ser a de ouvir a voz de Deus nas Escrituras.

O ensino das Escrituras contribui para a formação de homens perfeitamente habi-

ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1983,
Vol. IV, 217-219; William F. Arndt; F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and
Other Early Christian Literature, Chicago: University of Chicago Press, 1957, p. 584; Russel N. Cham-
plin, O Novo Testamento Interpretado, Guaratinguetá, SP.: A Voz Bíblica, (s.d.), Vol. 5, p. 379; John
R.W. Stott, Tu, Porém, A mensagem de 2 Timóteo, São Paulo: ABU Editora, 1982, p. 59-60; John
R.W. Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 144-145; J.N.D. Kelly, I e II Ti-
móteo e Tito: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1983, p. 170; William
Hendriksen, 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 323-324; New-
port J.D. White, Second Epistle to Timothy: In: W. Robertson Nicoll, ed., The Expositor’s Greek Tes-
tament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), Vol. 4, p. 165; p. 798-799; R.C.H.
Lenski, Commentary on the New Testament, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1998,
Vol. 10, p. 425; W.C. Taylor, Dicionário do Novo Testamento Grego, 5. ed. Rio de Janeiro: JUERP.,
1978, p. 152-153; A.T. Robertson, “Word Pictures in the New Testament,” The Master Christian Li-
brary, Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 4, p. 703; William Barclay, El
Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1974, Vol. 12, (2Tm 2.15-18, p. 183].
31
Como vimos, este era o seu princípio pedagógico: “Um sábio mestre tem a responsabilidade
de acomodar-se ao poder de compreensão daqueles a quem ele administra o ensino, de
modo a iniciar-se com os princípios rudimentares quando instrui os débeis e ignorantes, não
lhes dando algo que porventura seja mais forte do que podem suportar” (João Calvino, Expo-
sição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 3.1), p. 98-99).
32
João Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.15), p. 235.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 13/24

litados para toda boa obra (2Tm 3.17). No tempo de Paulo já havia os falsos mestres
que eram ousadamente incompetentes: “Pretendendo passar por mestres da lei, não
compreendendo, todavia, nem o que dizem, nem os assuntos sobre os quais fazem
ousadas asseverações” (1Tm 1.7). A Ignorância é ousada!

Daqui se depreende que ousadia não é sinônimo de competência. Aliás, estou


persuadido de que a competência, em muitos momentos se caracteriza por um so-
noro silêncio reverente diante do inescrutável (Dt 29.29/At 1.6-7; Rm 11.33-36). A e-
loquência de Deus deve propiciar a nossa adoração; o seu silêncio, o nosso reveren-
33
te temor.

Calvino (1509-1564) comenta: “Tudo o mais que pesa sobre nós e que de-
vemos buscar é nada sabermos senão o que o Senhor quis revelar à Sua igre-
34
ja. Eis o limite de nosso conhecimento”. Afinal, tentar ensinar fora das Escritu-
ras é tolice e, o papel do mestre cristão não é outro, senão o de ensinar as Escritu-
35
ras: “Mestre é aquele que forma e instrui a Igreja na Palavra da verdade”.

O mestre efetivamente não sabe tudo; porém, deve saber tudo o que ensina!

D) APONTA PARA ALÉM DE SI MESMO

O mestre cristão sabe que ele não é a mensagem; contudo, está convicto
de que tem a mensagem salvadora de Jesus Cristo e, que esta deve ser anunciada.

O apóstolo Paulo diz que durante o tempo em que trabalhou em Éfeso, anunciou
o Evangelho sistematicamente, “Testificando tanto a judeus como a gregos, o arre-
pendimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At 20.21).

33
Calvino orientou-nos pastoralmente, dizendo: ”....Que esta seja a nossa regra sacra: não pro-
curar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus pró-
prios lábios, que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a
mais” [J. Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 330]. Em ou-
tros lugares Calvino insistiu neste ponto: “As cousas que o Senhor deixou recônditas em secreto
não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não sejamos
condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra” (As Ins-
titutas, III.21.4). “Nem nos envergonhemos em até este ponto submeter o entendimento à
sabedoria imensa de Deus, que em Seus muitos arcanos sucumba. Pois, dessas cousas que
nem é dado, nem é lícito saber, douta é a ignorância, a avidez de conhecimento, uma es-
pécie de loucura” (As Institutas, III.23.8). Do mesmo modo, diz Agostinho: “Ignoremos de boa
mente aquilo que Deus não quis que soubéssemos” [Agostinho, Comentário aos Salmos, São
Paulo: Paulus, (Patrística, 9/1), 1998, (Sl 6), Vol. I, p. 60].
34
João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Edições Paracletos, 1995, (2Co 12.4), p. 242,
243. George comenta: “Com toda sua reputação de teólogo de lógica rigorosa, Calvino pre-
feriu viver com o mistério e a incoerência de lógica a violar os limites da revelação ou impu-
tar culpa ao Deus que as Escrituras retratam como infinitamente sábio, completamente a-
moroso e absolutamente justo” (Timothy George, A Teologia dos Reformadores, São Paulo: Vida
Nova, 1994, p. 209). [Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2,
(Sl 51.5), p. 431-432].
35
João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 12.7), p. 432.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 14/24

Observe que o anúncio de Paulo era teocêntrico; o homem Paulo era apenas o
instrumento de proclamação; a mensagem era: “Arrependimento para com Deus e a
fé em nosso Senhor Jesus Cristo”. A mensagem teocêntrica traz em si sempre uma
intimação para que o homem, pelo Espírito, se arrependa e creia em Cristo.

Assim também, por uma questão de dignidade pessoal e de honestidade, o mes-


tre cristão não se apresenta a si mesmo como mensagem, mas, aponta para Jesus
Cristo. Isto equivale a dizer que a mensagem cristã não é egocêntrica, mas sim Cris-
tocêntrica; por isso, Cristo é o conteúdo insubstituível do Evangelho; sem Ele não há
Evangelho, quer no Antigo, quer no Novo Testamento (Rm 15.20).

Paulo em sua vida e ministério manifestou sempre a centralidade de Jesus: ele


36
sempre pregou o “Evangelho”. (Vejam-se: At 14.6,7;11-15,21; 15.35; 16.10; 2Tm
4.2).

A Igreja tem uma missão contínua de ensinar (Mt 28.19,20), a fim de que os ho-
mens creiam na Mensagem (Jesus Cristo, o Deus encarnado) e passe, também a
37
ensiná-la (Ef 4.11-16; 2Tm 2.1-2; Hb 5.11-14).

2) Fidelidade Doutrinária

Se quisermos ser considerados mestres cristãos, devemos ser fiéis à verda-


de bíblica. A infidelidade, ao contrário do que possa parecer num primeiro momento,
não consiste apenas em acrescentar ensinamentos estranhos à Palavra, mas, tam-
bém, omitir e, talvez de forma mais sutil, nos contentarmos com amenidades, sem
expor com clareza, fidelidade e profundidade a Palavra de Deus. Fidelidade exige o
silêncio reverente diante do mistério e a ousadia edificante diante do estudo do reve-
lado; ambas as atitudes nos previnem da especulação pecaminosa e da ingratidão

36
Quando falamos do conteúdo do Evangelho, devemos definir o significado deste termo. Compreen-
demos ser o Evangelho o próprio Cristo. Ele é a personificação do Reino; Cristo é o centro para onde
tudo converge. O Evangelho é Cristocêntrico, porque sem Cristocentricidade não há “Boa Nova”. Cris-
to é o autor e o conteúdo do Evangelho. Pregar o evangelho significa pregar a Cristo bem como tudo
aquilo que tem relação com Ele (Rm 15.20), já que sem Cristo não haveria Evangelho (Lc 2.9-11).
(Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Breve Teologia da Evangelização, São Paulo: Publicações Evangéli-
cas Selecionadas, 1996).
37 11
“ E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e ou-
12
tros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do
13
seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do
pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de
14
Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao re-
dor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro”
2
(Ef 4.11-14). “Tu, pois, filho meu, fortifica-te na graça que está em Cristo Jesus. E o que de minha
parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idô-
11
neos para instruir a outros” (2Tm 2.1-2). “ A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de
12
explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. Pois, com efeito, quando devíeis ser mes-
tres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de
novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessi-
13
tados de leite e não de alimento sólido. Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na
14
palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela
prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal”
(Hb 5.11-14).
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 15/24

para com o que Deus nos tem concedido na Escritura. Calvino nos instrui: "As cou-
sas que o Senhor deixou recônditas em secreto não perscrutemos, as que
pôs a descoberto não negligenciemos, para que não sejamos condenados
38
ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra".
(grifos meus).

Isto não significa que todos nós conseguimos compreender perfeita e exaustiva-
mente a Palavra, mas, aponta para a responsabilidade que temos de, pela graça,
crescer no conhecimento de Jesus Cristo que nos advém pela Escritura (2Pe
39
3.18). O ensino da Palavra é um privilégio altamente responsabilizador. Deus, por
graça, tem se valido de Seus servos para a transmissão de Sua mensagem. Somos
embaixadores cuja responsabilidade é sermos integralmente fiéis à mensagem do
Rei. Com conhecimento de causa, em 1956, Lloyd-Jones (1899-1981), lamentava
que "muitíssimas vezes os ministros cristãos não têm sido senão uma espécie
40
de Capelão da Corte, declarando vagas generalidades".

Como pregadores e mestres, é necessário que não nos contentemos em guiar as


pessoas apenas pelo sopé da montanha da glória de Deus; “torne-se um alpinista
41
nos rochedos íngremes da majestade de Deus”, aconselha Piper.

Podemos estar tão preocupados com as nossas teorias que transformamos a Pa-
lavra em apenas um elemento convalidador do que pensamos. Deste modo, também
nos tornamos infiéis ao Senhor da Palavra. É extremamente perigoso pensarmos au-
tonomamente e fazermos de Deus um ventríloquo que, com voz estranha, diga o
que queremos. Deus e a Sua Palavra não se adéquam a este papel. A fidelidade
doutrinária parte do desejo de conhecer a Palavra e expô-la em sua profundidade,
abrangência e simplicidade; nada mais, nada menos.

Deixem-me ilustrar parcialmente isto. Como sabemos, o Reformador João Calvino


(1509-1564) era avesso a especulações. Seu desejo era expor as Escrituras com
consciente fidelidade e simplicidade. Este ponto era de extrema importância para e-
le. Pouco antes de morrer, convoca os ministros de Genebra à sua casa; tendo-os à
sua volta, despede-se. Entre outras orientações, lhes diz (28.04.1564):

“A respeito de minha doutrina, ensinei fielmente e Deus me deu a graça


de escrever. Fiz isso do modo mais fiel possível e nunca corrompi uma só
passagem das Escrituras, nem conscientemente as distorci. Quando fui
tentado a requintes, resisti à tentação e sempre estudei a simplicidade.
“Nunca escrevi nada com ódio de alguém, mas sempre coloquei fiel-
42
mente diante de mim o que julguei ser a glória de Deus”.

38
João Calvino, As Institutas, III.21.4.
39
“Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a
glória, tanto agora como no dia eterno” (2Pe 3.18).
40
D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1992, p. 52.
41
John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação, São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 60.
42
Calvin, Textes Choisis par Charles Gagnebin, Egloff, Paris: © 1948, p. 42-43.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 16/24

Cerca de treze anos antes (1551), Calvino respondendo uma carta de Laelius So-
43
cino (1525-1562), na qual este fazia várias especulações, lhe diz:

“Certamente, ninguém pode ser mais adverso ao paradoxo do que eu,


e não tenho nenhum deleite em sutilezas. No entanto, nada jamais me
impedirá de confessar abertamente aquilo que tenho aprendido da Pala-
vra de Deus, pois nada, senão o que é útil, é ensinado na escola desse
mestre. Ela é meu único guia, e aquiescer às suas doutrinas manifestas será
a minha constante regra de sabedoria. [...]Se você tem prazer em flutuar
em meios a essas especulações etéreas, permita-me, peço-lhe eu, humil-
de discípulo de Cristo, meditar naquilo que conduz à edificação da minha
44
fé”.

O apóstolo Paulo tinha consciência de que a sua mensagem era pura e simples-
mente “todo o desígnio de Deus” (At 20.27).

O ministério pastoral envolve o anúncio perseverante da Palavra: (At


20.20,24,27,31). “A tarefa dos mestres consiste em preservar e propagar as sãs
45
doutrinas para que a pureza da religião permaneça na Igreja”.

Paulo revela alguns aspectos do seu método de ensino:

a) Lugares diferentes: (“Método completo”): Publicamente e nas casas (20);

b) Sem preconceito racial: (“Abrangência completa”): judeus e gregos (21);

c) Sem predileções: (“Todo o rebanho”) (28). O pastorado é sobre todos aque-


les que nos foram confiados. Ele fala que admoestou com lágrimas “a cada
um” (31);

d) Necessidade de arrependimento e fé (“Ensino completo”) (21).

A pregação de Paulo envolvia as coisas proveitosas (20), o “Evangelho da Graça


de Deus” (24), “o Reino” (25); ou seja: “todo o desígnio de Deus” (27). A sua mensa-

43
Este é tio de Fausto Paolo Socino (1539-1604), teólogo italiano que entre outras heresias fruto de
uma interpretação puramente racional das Escrituras, negava a doutrina da Trindade, a divindade de
Cristo, sustentando a ressurreição apenas de alguns fiéis etc. O movimento herético conhecido como
Socinianismo é derivado dos ensinamentos de ambos.
44
João Calvino, Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 93. “O propósito divino
não é satisfazer nossa curiosidade, e, sim, ministrar-nos instrução proveitosa. Longe, com to-
das as especulações que não produzem nenhuma edificação” (J. Calvino, As Pastorais, (2Tm
2.14) p. 233). Veja-se também: Segundo Prefácio de Calvino à tradução da Bíblia feita por Pierre Oli-
vétan (1546), In: Eduardo Galasso Faria, ed. João Calvino: Textos Escolhidos, São Paulo: Pendão
Real, 2008, p. 34.
45
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.28), p. 390. Do mesmo modo, acentua MacArthur:
“Toda a tarefa do ministro fiel gira em torno da Palavra de Deus – guardá-la, estudá-la e
proclamá-la” (John F. MacArthur, Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP.: Fiel,
1997, p. 29).
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 17/24

gem era inclusiva; havia em Paulo uma coerência teológica que o permitia recordar o
que ensinara em outro tempo; a sua fé era lúcida e completamente engajada com a
doutrina bíblica e, portanto, com os seus ensinamentos (17-21). A sua consciência
estava tranquila na certeza de ter cumprido a sua missão dentro do tempo que teve
(25-27). Paulo sabia de sua responsabilidade como mestre cristão; ele teria de pres-
tar contas diante de Deus pelos que lhes foram confiados. O ensino da Palavra é al-
go profundamente sério, daí a advertência de Tiago: “Meus irmãos, não vos torneis,
muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo” (Tg 3.1). Do
mesmo modo, na instrução de Hebreus aos crentes fiéis, há uma alusão à gravidade
do ministério pastoral: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles;
pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto
com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros” (Hb 13.17) (gri-
fos meus).

“25 Agora, eu sei que todos vós, em cujo meio passei pregando o reino, não vereis
mais o meu rosto. 26 Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do
sangue de todos” (At 20.25-26). Paulo emprega uma figura aplicando-a espiritual-
mente; ele tem consciência que anunciou perseverantemente o Evangelho, portanto,
não se sentirá responsabilizado se algum daqueles irmãos se desviar da fé. Certa-
mente em apenas três anos Paulo não pôde apresentar toda a doutrina bíblica deta-
lhadamente. Contudo, ele se esforçou por ensinar, dentro das circunstâncias da é-
poca, considerando o tempo, o nível de compreensão de seus ouvintes e os desafi-
os apresentados à medida que pregava e convivia com os efésios, todo o desígnio
de Deus.

Ele jamais omitiu a Palavra para não desagradar alguém ou apresentou um su-
posto evangelho para benefício próprio ou de quem quer que fosse; pelo contrário,
ele pregava a Palavra que poderia ser escândalo para os judeus e loucura para os
gentios, mas, era o Poder de Deus para a salvação dos que cressem (Rm 1.16/1Co
1.18-25). “Ele compartilhou todas as verdades possíveis com todas as pessoas
possíveis, de todas as formas possíveis. Ele pregou todo o Evangelho, a toda
46
a cidade com toda a sua força”.

É muito importante que estejamos atentos às circunstâncias de nossos ouvintes,


consideremos os fatos cotidianos, os ensinamentos que vigoram e as inquietações
47
próprias daquela geração. A Palavra de Deus deve ser a nossa lente escrutinadora
para que possamos saber ler a realidade e aplicar os ensinamentos bíblicos aos
nossos ouvintes. Necessitamos, portanto, do estudo da Palavra e de oração, supli-
cando a Deus a sabedoria do alto para que apresentemos a doutrina bíblica de for-
48
ma eficaz (Tg 1.5-6). Sem oração jamais seremos competentes suficientemente.

46
John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: Até os confins da terra, São Paulo: ABU, (A Bíblia Fala Ho-
je),1994, (At 20.28-35), p. 370
47
“O pregador não é um homem que vive numa redoma de vidro; não é alguém que está
fora deste mundo. Como qualquer um, leio meus jornais e às vezes escuto o rádio e ligo mi-
nha televisão, e noto o que está acontecendo” (D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o
nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 92).
48 5
“ Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e
6
nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que
duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento” (Tg 1.5-6).
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 18/24

Antes de suas exposições bíblicas, Calvino costumava fazer a seguinte oração:


“Conceda o Senhor que nos ocupemos em contemplar os mistérios de sua
sabedoria celestial com devoção realmente crescente, para glória sua e e-
49
dificação nossa. Amém”.

Piper apresentando sugestões para que os pregadores cultivem a seriedade e a


alegria necessárias na pregação, entre outros preceitos, diz: “Somos chamados
ao ministério da Palavra e da oração, porque sem oração o Deus de nossos
estudos será o Deus que não assusta, que não inspira, oriundo de uma práti-
50
ca acadêmica ardilosa".

Nós também, como mestres, não devemos omitir a verdade por medo de desa-
gradar alguém ou, por temer as consequências do ensino da verdade. Temos de nos
lembrar que somos instrumentos da verdade e não o inverso; não cabe a nós mani-
pular a verdade ao nosso alvitre, temos de pregar a Palavra fiel (1Tm 1.15) com in-
tegridade, pois sendo fiéis à Palavra, estamos sendo fiéis ao Seu Autor: Deus. Não
51
somos senhores do texto, antes, seus servos. Somos chamados a expor as Escri-
52
turas em Sua inteireza e profundidade, não as nossas opiniões. Quando expomos
a Palavra devemos estar solidamente convencidos de que aquela mensagem é pro-
veniente do texto. O pregador não “compartilha” experiências, dá suas “opiniões” so-
bre o texto bíblico, nem faz uma paráfrase irreverente do texto, antes, prega a Pala-
vra. Seu objetivo é expressar o que Deus disse por meio de Seus servos. Pregar é
explicar e aplicar a Palavra aos nossos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas
teorias e escolhas, muito menos sobre a “graça” de nossas piadas, mas sobre a Sua
Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus pa-
ra o Seu povo. “Quando nos propomos a expor um texto, precisamos declarar
53
exatamente o que o texto afirma”.

Sei que muitas vezes nos tornamos mais encantados com nossas teorias do que
com as Escrituras. Isto é simples de explicar: somos pecadores e vaidosos! Contu-
do, Deus transforma vidas por meio do Evangelho; este sim é o Seu poder (Rm
1.16). As nossas hipóteses, por mais “brilhantes” que sejam, devem ser submetidas

49
John Calvin, The Commentaries of John Calvin on the Prophet Hosea, Grand Rapids, MI.: Baker
Book House (Calvin’s Commentaries, Vol. XIII/2), 1996 (Reprinted), p. 34.
50
John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação, São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 57.
51
“O pregador é chamado para ser servo da Palavra” (R. Albert Mohler, Jr., A Primazia da
Pregação. In: Ligon Duncan, et. al., Apascenta o meu rebanho, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.
17). “O pregador deve servir ao texto....” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Edi-
tora Cultura Cristã, 2002, p. 20).
52
“O dever do homem que ocupa o púlpito não é proferir as suas palavras, mas ser bíblico.
Cabe-lhe expor esta Palavra porque é a Palavra de Deus, e lhe cabe falar a palavra que o
Espírito Santo o habilita a falar” [D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publi-
cações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: Vol. 2), p. 19]. “Não estou aqui para
ventilar minhas próprias ideias e teorias, porém para expor a Palavra de Deus” (D.M. Lloyd-
Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p.
67).
53
Kenneth A. Macrae, A Pregação e o Perigo do Comprometimento: In: Fé para Hoje, São José dos
Campos, SP.: Fiel, nº 7, 2000, p. 4.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 19/24

às Escrituras, mais ainda: devem partir da Palavra.

O que Chapell fala sobre a pregação se aplica adequadamente à Educação Cris-


tã:

“Apenas pregadores comprometidos em proclamar o que Deus diz têm


o imprimatur da Bíblia sobre sua pregação. Desse modo, a pregação ex-
positiva se empenha em descobrir e propagar o significado preciso da Pa-
lavra. A Escritura exerce domínio sobre o que os expositores pregam, pois
eles esclarecem o que ela diz. O significado da passagem é a mensagem
do sermão. O texto governa o pregador. Pregadores expositivos não espe-
ram que outros reverenciem suas opiniões. Tais ministros aderem às verda-
des da Escritura e esperam que seus ouvintes tenham o mesmo cuida-
54
do”.

Karl Barth (1886-1968), independentemente da divergência que temos em muitos


de seus pensamentos, nos exorta corretamente: “Para ser positiva, a pregação
55
deve ser uma explicação da Escritura”. Em outro lugar: “Aquele que deseja
pregar deve estudar mui atentamente seu texto. Em vez de atenção, seria
melhor dizer ‘zelo’, ou seja, esforço de aplicação para descobrir o que se diz
neste texto que está aí diante de seus olhos. Para isso é necessário um traba-
lho exegético, científico. Porque a Bíblia é também um documento histórico;
56
nasceu em meio da vida dos homens”.

Num cristianismo brasileiro repleto de superstições, assim como foi o caso no pe-
ríodo da Reforma Protestante, a teologia deve ter o sentido de resgatar a pureza dos
ensinamentos bíblicos a fim de purificar a mensagem que tem sido transmitida ao
57
longo dos séculos. Notemos, portanto, que a teologia tem um compromisso com a
edificação da Igreja (Ef 4.11-16): A Igreja é enriquecida espiritualmente com os ensi-
namentos da Palavra, os quais cabem à teologia organizar. “A teologia é o susten-
58
to da vida cristã”. Ela “alicerça a vivência cristã”. Deste modo, vale a pena
lembrar a observação de Barth (1886-1968): “O pregador [...] com toda modés-
tia e seriedade, deve trabalhar, lutar para apresentar corretamente a Pala-
vra, sabendo perfeitamente que o recte docere só pode ser realizado pelo
59
Espírito Santo”. Lutero (1483-1546) já recomendara: “A pregação e a oração

54
Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 24. “Nosso
comprometimento com a eficiência única da Escritura significa que desejamos estar seguros
de estar dizendo o que a Bíblia diz” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 40).
55
Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 22. Ver tam-
bém a página 37.
56
Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, p. 56-57.
57
Cf. Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, Vol. 1, p. 24.
58
Stanley J. Grenz; Roger E. Olson, Quem Precisa de Teologia? Um convite ao estudo sobre Deus e
sua relação com o ser humano, São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 46 e 47.
59
Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, p. 46.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 20/24

60
estão sempre juntas”.

Todavia, quando nos distanciamos da Palavra terminamos por substituí-la por e-


lementos que julgamos poder entreter ou instruir intelectualmente o povo. A teologia
contemporânea que, em determinados grupos, cada vez mais se confunde com uma
ciência social, tende simplesmente a apresentar uma mensagem puramente intelec-
tualizada. Veith constata: “Para se tornar intelectualmente respeitável, e ser
aceita como instrução acadêmica legítima, a teologia contemporânea com
frequência rejeitou a sua substância tópica. A teologia contemporânea mui-
tas vezes deixa de ser Teologia. Em vez disso, torna-se Psicologia, Sociologia,
Filosofia ou Política. O sobrenatural é excluído em favor de explicações natu-
ralistas a ponto que a Teologia ter de, por sua própria metodologia, excluir
61
Deus”.

Como temos insistido, a Igreja proclama a Palavra, não as suas opiniões a respei-
to da Palavra, consciente que Deus age por meio das Escrituras produzindo frutos
de vida eterna (Rm 10.8-17; 1Co 1.21; 1Co 15.11; Cl 1.3-6; 1Ts 2.13-14). A Igreja
por si só não produz vida, todavia ela recebeu a vida em Cristo (Jo 10.10), por inter-
médio da Sua Palavra vivificadora; deste modo, ela ensina a Palavra, para que pelo
Espírito de Cristo, que atua mediante as Escrituras, os homens creiam e recebam
vida abundante e eterna.

É uma tentação por demais sutil, nem sempre perceptível, “amenizar”, torcer a
Palavra de Deus, para – num desejo pretensioso –, tornarmo-nos mais “agradáveis”
aos nossos ouvintes. Contudo, como mestres cristãos que somos, devemos ter co-
mo preocupação primordial ser instrumentos de Deus para que a Sua Palavra fale
por meio de nós; que o texto se torne mais expressivo por intermédio da explicação
que apresentamos amparada na análise do contexto, numa boa exegese e em har-
monia com a Bíblia em seu todo, tendo o Espírito como o nosso iluminador na com-
preensão e transmissão da verdade. Notemos que esta é uma grande responsabili-
dade; por isso – devido à necessidade que temos de ensinar com precisão a Palavra
de Deus –, o mestre deve ter cuidado com o que ensina.

O que escrevemos a respeito da pregação, também nos parece cabível aqui:

A grandiosidade da pregação consiste basicamente, não nos recursos de retórica


(os quais certamente devem ser buscados), mas em sua pureza, em sua fidelidade à
62
Palavra. Como bem disse Charles H. Spurgeon (1834-1892), “Se o que prega-
63
rem não for a verdade, Deus não estará aí”. Assim sendo, a pregação grandi-

60
M. Luther, Luther’s Works, Saint Louis: Concordia Publishing House, 1960, Vol. II, (Gn 13.4), p.
333.
61
Gene Edward Veith, Jr., De Todo o teu entendimento, p. 54.
62
Veja-se: John H. Jowett, O Pregador, Sua Vida e Obra, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1969, p. 97.
63
C.H. Spurgeon, Firmes na Verdade, Lisboa: Edições Peregrino, 1990, p. 85. Alhures, Spurgeon,
nos diz: “O verdadeiro ministro de Cristo sabe que o verdadeiro valor de um sermão está,
não em seu molde ou modo, mas na verdade que ele contém. Nada pode compensar a
ausência de ensino; toda retórica do mundo é apenas o que a palha é para o trigo, em
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 21/24

64
osa é bíblica.

A fidelidade doutrinária poderá nos conduzir à impopularidade, devido aos ho-


mens desejarem, muitas vezes, ouvir algo que satisfaça às suas inclinações peca-
minosas. Paulo já advertira Timóteo quanto a isso: “Pois haverá tempo em que não
65
suportarão (a)ne/xomai) a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, se-
gundo as suas próprias cobiças, como que sentido coceira nos ouvidos; e se recusa-
rão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas” (2Tm 4.3,4). Pode soar es-
tranho, mas, ao que parece, a gravidade do ensino bíblico juntamente com a serie-
dade de suas reivindicações, fazem com que o homem não queira saber dele, prefe-
rindo uma mensagem mais “light” que, quando muito, mexa com seus músculos,
mas não com sua mente e coração. Para muitas pessoas, a religião ocupa um lugar
reservado para as crianças, mulheres, os pobres, velhos ou, quando a medicina con-
fessa a sua impotência, aí, nesta brecha, a religião pode ter algum relevo: peço ou
encomendo algumas orações. O homem longe de Deus e avesso à Sua Palavra,
quando possível, fabrica e molda seus mestres e domestica os outros.

Conforme já vimos, o escritor de Hebreus pede aos seus leitores que suportem
aquela exortação que fizera; em outras palavras, pede que suportem a “sã doutrina”:
“Rogo-vos ainda, irmãos, que suporteis (a)ne/xomai) a presente palavra de exorta-
ção; tanto mais quanto vos escrevi resumidamente” (Hb 13.22).

Como despenseiros de Deus, devemos ser fiéis, pois, é isso que se requer de nós
(1Co 4.2). Nossa fidelidade será medida de acordo com a obediência à Palavra, não
por popularidade ou “êxito” como mestres (2Tm 4.1-5/1Ts 2.4/2Co 2.17).
66
O currículo da Escola Dominical é “todo o desígnio de Deus”: o conteúdo pro-
gramático de nosso ensino é toda a vontade revelada de Deus (At 20.27); o Livro-
texto é a Palavra de Deus.

contraste com o evangelho da nossa salvação. Por mais belo que seja o cesto do semea-
dor, é uma miserável zombaria, se estiver sem sementes” (Lições aos Meus Alunos, São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 1982, Vol. II, p. 88).
64
Ver: Hermisten M.P. Costa, Breve Teologia da Evangelização, São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1996, p. 21-22.
65
A)ne/xomai aparece 15 vezes no Novo Testamento, sendo traduzida por: “Sofrer” (Mt 17.17 = Mc
9.19; Lc 9.41); “atender” (At 18.14); “suportar” (1Co 4.12; 2Co 11.1; Ef 4.2; Cl 3.13; 2Ts 1.4; 2Tm 4.3;
Hb 13.22); “tolerar” (2Co 11.4,19,20). Na LXX este verbo não ocorre. No entanto, a))ne/xw é emprega-
da umas 11 vezes, sendo traduzida por: conter (Is 42.14; 64.12); carregar (Is 46.4), deter (Is 63.15) e
reter (Am 4.7; Ag 1.10).
66
Currículo é uma transliteração do latim "curriculum" que é empregado tardiamente, sendo derivado
do verbo "currere", "correr". "Curriculum" tem o sentido próprio de "corrida", "carreira"; um sentido par-
ticular de "luta de carros", "corrida de carros", "lugar onde se corre", "hipódromo" e um sentido figura-
do de "campo", "atalho", "pequena carreira", "corte", "curso".
A palavra currículo denota a compreensão que ele não é um fim em si mesmo; é apenas um meio
para atingir determinado fim (Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Propósito Da Alteração Do Currículo
Dos Seminários Presbiterianos, São Paulo: 1995, p. 8ss.). Deste modo, podemos dizer que o “currícu-
lo” da Escola Dominical visa a conduzir o homem a Deus por meio de Jesus Cristo, guiado pelo Espí-
rito Santo.
Introdução à Educação Cristã (8) – Rev. Hermisten – 28/07/14 – 22/24

3) Consciência e Assunção da sua Vocação (At 20.24)

“Cristo repetidamente recomendou


àqueles que queriam ser seus seguidores
que deviam agir apressadamente, se-
não que primeiro considerassem as de-
67
mandas do discipulado” – R.B. Kuiper.

O que ensina deve ter consciência da sua vocação e também assumi-la com
todos os riscos e privilégios inerentes. Consciência sem assumir a responsabilidade
é sinal de infidelidade.

Paulo assumiu todos os perigos decorrentes da sua vocação, relegando a sua vi-
da e seu bem-estar físico a um modesto segundo plano. A sua missão ocupa o lugar
de proeminência na sua escala de valores; ele estava disposto a sofrer o martírio, se
fosse preciso, para concretizar a missão que recebera: “E agora, constrangido em
meu espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, senão que
o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tri-
bulações” (At 20.22-23).

Neste ponto da sua palavra de despedida, Paulo demonstra ter consciência dos
perigos aos quais estava exposto conforme o Espírito Santo lhe testificara. Creio que
se a sua fala terminasse aqui, haveria lugar para uma insistência por parte dos pres-
bíteros para que ele não fosse para Jerusalém, onde lhe esperavam “cadeias e tribu-
lações”... Mas acontece que, o que Paulo falou em seguida, desarmou qualquer es-
pírito de piedade em relação àquele homem; ficou patente que qualquer tentativa de
dissuadi-lo seria inútil. Em lugar de piedade, surge uma profunda admiração por a-
quele que em meio às incertezas da vida, pronuncia um brado de fé, renúncia e total
consagração: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto
que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para tes-
temunhar o evangelho da graça de Deus” (At 20.24. Veja-se, também, At 21.10-14).

Sabemos que nem todos são chamados para o ministério docente (Ef 4.11,12;
1Co 12.12-31), entretanto, todos devemos trabalhar em harmonia, contribuindo “para
a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4.12); cada um dentro da sua vocação, cumprin-
do a sua missão.

Paulo tinha consciência de ter sido chamado para o ensino (1Tm 2.7; 2Tm 1.11)
e, como em tudo, ele foi obediente à “visão celestial” (At 26.19); por isso, obteve a
certeza tranquilizadora e confortante de haver cumprido a sua missão com fidelida-
de. Ao aproximar-se o seu passamento, escreve a Timóteo: “Combati o bom comba-
te, completei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4.7).

67
R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1985, p. 180.
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4) Prepara Sucessores (At 20.17,27,28)

“O profeta nos ensina que é nosso


penhorado dever usar nosso empenho
para que haja sucessão contínua de
pessoas que comuniquem a instrução
68
da verdade divina” – João Calvino.

John Stott analisando o ministério e a pregação de Paulo em Éfeso, declara:


“O seu exemplo pastoral deve ter sido uma inspiração inesgotável para os
69
pastores de Éfeso”.

O mestre cristão deve ter a preocupação de instruir seus alunos de tal forma que
eles passem a ter condições, no momento certo, de ensinar; temos de preparar su-
cessores que possam ocupar o nosso lugar e, de preferência em melhores condi-
ções que a nossa.

Paulo ocupava-se com o discipulado; a existência de presbíteros em Éfeso já re-


vela este fato (At 20.17,27-28). Por onde quer que ele passasse deixava discípulos
(Vejam-se: At 9.25; 14.21-23; 16.1-3/1Tm 1.2-3; Tt 1.4-5) e, o resultado disso, é que
vemos lideranças surgindo nestas cidades. Como exemplo, encontramos Timóteo,
que permaneceu em Éfeso com o objetivo de admoestar “a certas pessoas a fim de
que não ensinem outra doutrina” (1Tm 1.3), e Tito que foi deixado na ilha de Creta, a
fim de colocar as coisas em ordem e constituísse presbíteros. (Tt 1.5).

É importante que dentre os nossos alunos surjam novos mestres em condições


de continuar o nosso trabalho, melhorando, aperfeiçoando e, por que não: recriando-
o? (2Tm 2.2).

O Novo Testamento relata-nos um caso curioso. Paulo havia se convertido, entre-


70
tanto, havia certo receio por parte dos discípulos com respeito a ele (At 9.26). Bar-
nabé, um levita, discípulo de Cristo (At 4.36,37), sabendo do fato e dispondo de evi-
dências da sinceridade de Paulo, “levou-o aos apóstolos e contou-lhes como ele vira
o Senhor no caminho, e que este lhe falara, e como em Damasco pregara ousada-
mente em nome de Jesus” (At 9.27). Anos mais tarde, “partiu Barnabé para Tarso à
procura de Saulo; tendo-o encontrado, levou-o para Antioquia” (At 11.25,26). Assim
nasceu entre estes dois servos de Deus uma grande amizade. O que queremos re-
alçar aqui é que nos primeiros textos em que Barnabé aparece junto a Paulo, Lucas
coloca sempre o nome de Barnabé como o primeiro da ordem (At 12.25; 13.1-2,7);
posteriormente, Lucas, refletindo a mudança de liderança, inverte a ordem dos no-
mes (At 13.13,16,43,46,50, com a única exceção de At 14.14). Em Listra, após a cu-
ra de um paralítico, confundiram a Paulo e Barnabé com os “deuses”; Lucas registra:

68
João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, Vol. 3 (Sl 78.6), p. 200.
69
John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: Até os confins da terra, São Paulo: ABU, (A Bíblia Fala Ho-
je),1994, (At 20.28-35), p. 370-371.
70
“Tendo chegado a Jerusalém, procurou juntar-se com os discípulos; todos, porém, o temiam, não
acreditando que ele fosse discípulo” (At 9.26).
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“A Barnabé chamavam de Júpiter, e a Paulo Mercúrio, porque era este o principal


portador da Palavra” (At 14.12).

Observemos que esta mudança natural de liderança em nenhum momento afetou


a amizade entre eles ou a dedicação à obra; pelo menos Lucas não nos fala nada a
respeito. Isto sem dúvida indica a competência de Paulo, entretanto, não devemos
nos esquecer da maturidade espiritual e humildade de Barnabé; ele soube reconhe-
cer a maior capacidade de Paulo para liderar aquele trabalho missionário. Não pen-
semos, também, que Barnabé fosse subserviente, pois não era; em outra ocasião,
ele desentendeu-se com Paulo no que se referia à companhia de Marcos; a questão
foi tão séria que ambos se separaram, embora continuassem o trabalho missionário
(At 15.36-41).

Um suposto profissionalismo educacional tem impedido que isto aconteça, sem


falar no medo que alguns têm de ensinar o “pulo do gato”, receando a formação de
mais um “concorrente”. Na Igreja não há lugar para estes temores pueris, pois, o
Deus que nos vocacionou tem sempre algo para nós no serviço do Seu Reino; Ele
mesmo torna-nos úteis dentro da Sua seara, que continua sendo grande e os traba-
lhadores, da mesma forma, continuam poucos... No Reino de Deus, parece-me, só
não há lugar para “estrelismos”; todos somos servos; Deus é o Senhor!

Por outro lado, é necessário que os discípulos se disponham a aprender. É im-


possível ensinar a alguém que não quer aprender. Um dos aspectos fundamentais
no aprendizado é o tempo. Nem sempre consideramos o tempo como um recurso do
qual dispomos. O escritor de Hebreus exorta seus destinatários pelo fato de que pelo
tempo decorrido de ensino, continuavam precisando de leite, alimento que não deve-
ria ser mais essencial para eles se tivessem progredido adequadamente. A expecta-
tiva é que os que são instruídos o sejam para que se tornem mestres. Contudo, para
que isso aconteça é preciso também que exercitemos o nosso aprendizado; que o
ponhamos em prática a fim de adquirir gradativamente maior discernimento, capaci-
dade de julgamento e habilidade moral e espiritual de aplicar a Palavra às circuns-
tâncias de nossa vida.

“11A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, por-
quanto vos tendes tornado tardios em ouvir. 12Pois, com efeito, quando devíeis
ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de
alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos orácu-
los de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento
sólido. 13Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da
justiça, porque é criança. 14Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles
que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente
o bem, mas também o mal” (Hb 5.11-14).

Maringá, 28 de julho de 2014.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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