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Universidade gratuita não é direito, é

privilégio. Normalmente pra quem já tem


grana.

Tá aqui uma proposta que gera muita reação negativa no povo


“de esquerda”. Nunca entendi por quê. Não se trata de
privatizar a universidade estatal, não se trata de obrigar pobre
a pagar faculdade, impedindo seu ingresso no ensino superior.
Trata-se apenas de adequar a bolsa à renda. Ninguém perde
vaga por impossibilidade de pagar; mas quem puder pagar,
deve pagar.

A USP, melhor universidade do país, atravessa uma séria crise


financeira. A má gestão deve ter contribuído, mas o fato é que
não é de hoje que falta dinheiro. Quando eu entrei na
graduação (2004), a cada dois anos tinha greve. Agora já virou
anual. E não é só a USP. Todas as estatais passam aperto,
embora, é verdade, consumam muito mais recursos que
faculdades privadas. Ao mesmo tempo, o orçamento da
educação é insuficiente, e nossa educação básica paga o pato.
O governo gasta 15% do orçamento de educação no ensino
superior, que tem apenas 3% dos alunos.

Na maioria dos setores, o serviço estatal e gratuito é usado por


gente de renda menor à dos usuários de serviços privados e
pagos. Com a saúde é assim; com ensino fundamental e médio
também. Aluno de escola pública é, em média, mais pobre que
o de escola privada. No ensino superior ocorre o inverso:
o aluno de faculdade pública tem renda média maior do que o
de faculdade privada. O ensino superior público e gratuito tem,
portanto, efeito regressivo na distribuição de renda; isto é,
aumenta a desigualdade.

Imagine que se instituísse o pagamento (de novo: apenas para


os alunos que podem pagar, que vêm de famílias com
condições financeiras, etc.) a partir de um certo nível de renda.
No pior de todos os casos, nenhum aluno teria renda alta o
suficiente para se encaixar no grupo dos que pagam. O que
aconteceria nesse caso? Nada; a situação continuaria
exatamente como é hoje: 100% estudando de graça. Em
qualquer outro caso, alguma parcela dos alunos pagaria seu
ensino superior, exigindo menos do orçamento da educação
pública.

O pagamento pode se dar por bandas ou curvas de renda.


Quem tem renda alta, paga mensalidade integral. Quem tem
renda média, ganha bolsa parcial. E para quem está abaixo de
certa renda, bolsa integral. Seja como for o arranjo fino
(podemos ser generosos para que não pese muito nos casos-
limite), a diferença no orçamento das faculdades públicas seria
brutal, liberando recursos para, por exemplo, educação básica.

Os brasileiros consideram natural que jovens de alta renda, que


pagaram os melhores colégios e cursinhos, recebam de graça
justamente a parte mais cara de sua formação. E não se deixe
enganar pelo “de graça”: ele é pago pela parte mais pobre.
Instituir o “quem pode, paga” ajuda também a diminuir a
desigualdade.

Não adianta bater o pé e falar que é “direito” recebê-la de


graça. Esse direito sai do bolso de todo mundo que não
frequenta universidade pública, aumentando a desigualdade de
renda. Funciona como um privilégio. Não é esdrúxulo que um
jovem rico estude de graça à custa de um jovem pobre que,
provavelmente, tem que pagar a própria faculdade ou está
ainda fora do ensino superior?

Enfim, não faltam razões em favor da mensalidade para a


faculdade estatal. Lembrando que ninguém perderia acesso à
educação. Não faz sentido manter uma política ineficiente,
custosa, injusta e que distorce nossa prioridade educacional.
Moçada adota o discurso de tirar os privilégios da elite quando
o assunto é trânsito, mas quando o assunto é ensino superior,
conta que sai mais cara, o privilégio é intocável?

Será que o medo, por parte de diversas universidades federais


e estaduais, acostumadas a atrair os filhos da elite, é que elas
agora terão que valer o que custam? Ou será que são esses
próprios alunos e suas famílias que receiam perder privilégios
de longa data?

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E se as escolas públicas fossem abolidas?


quarta-feira, 2 jul 2008

Em nossa cultura, as escolas públicas são louvadas em público e criticadas em


particular, o que é exatamente o oposto de como tratamos as empresas de
grande escala, como o Wal-Mart. Em público, todos dizem que o Wal-Mart é
horrendo, cheio de produtos estrangeiros de qualidade inferior, e,
principalmente, que ele explora seus empregados. Mas, em particular, todos
nós compramos seus produtos baratos e de qualidade, e sempre há longas
filas de pessoas que têm a esperança de serem contratadas.
Por que isso ocorre? Tem a ver com o fato de que as escolas públicas fazem
parte da nossa religião cívica; são a evidência primária que as pessoas citam
para mostrar como os governos municipal, estadual e federal estão sempre nos
servindo. E há também um elemento psicológico: a maioria de nós entrega a
elas alegremente os nossos filhos, certos que estamos de que o governo
sempre tem em mente o melhor para os nossos interesses.

Mas será que isso realmente ocorre? Em seu livro Education: Free and
Compulsory, Murray Rothbard explica que a verdadeira origem e propósito da
educação pública não é bem a educação da maneira como a imaginamos: o
propósito único é fazer a doutrinação de uma religião cívica, um consenso em
torno da importância do estado. Isso explica por que a elite governamental
sempre foi contrária ao homeschooling (ensino doméstico, por conta dos pais)
e a um ensino privado que não siga as normas do Ministério da Educação: não
é o temor de notas baixas nos exames educacionais que está guiando essa
atitude, mas a preocupação de que essas crianças não estejam aprendendo os
valores que o estado considera importante.

Mas criticar as escolas públicas não é o propósito desse artigo. Existem


escolas públicas decentes, assim como existem escolas públicas horríveis.
Portanto, não há razão para se fazer generalizações. Também não há
necessidade de ficar mostrando dados sobre resultados de exames
educacionais. Vamos apenas lidar com a economia envolvida na questão.
Todos os estudos já mostraram que nos Estados Unidos o custo médio de
um aluno de uma escola pública é o dobro daquele de um aluno de uma escola
privada (aqui vai uma amostra).

Isso é contrário à nossa intuição, já que as pessoas crêem que as escolas


públicas são gratuitas e que as escolas privadas são caras. Mas a partir do
momento que você leva em consideração a origem do financiamento de ambas
as instituições (impostos vs. mensalidades ou doações), verá que a alternativa
privada é bem mais barata. De fato, as escolas públicas custam o mesmo tanto
que as mais caras e finas escolas privadas do país. A diferença é que o custo
das escolas públicas é disseminado por toda a população, ao passo que o
custo das escolas privadas é coberto apenas pelas famílias dos estudantes que
as freqüentam.

Ou seja: se pudéssemos abolir as escolas públicas e todas as leis educacionais


compulsórias, e se pudéssemos substituí-las por uma educação fornecida pelo
mercado, teríamos escolas melhores pela metade do preço, e seríamos mais
livres também. Além disso, seriamos uma sociedade mais justa, já que apenas
os usuários dos serviços de educação pagariam por seus custos.

Mas qual o problema com esse modelo? Bem, há o problema da transição.


Existem óbvias e graves dificuldades políticas. Podemos dizer que a educação
pública desfruta de uma vantagem política devido aos efeitos das
externalidades de rede[*]. O status quo já está amontoado de um número
significativo de "subscrições" a esse serviço, e é muito difícil alterar essa
situação.

Mas vamos imaginar como seria. Digamos que uma determinada cidade decidiu
que os custos da educação pública são muito caros em relação às escolas
privadas, e a câmara municipal decidiu abolir as escolas públicas por completo.
A primeira coisa que deve ser notada é que isso seria ilegal, já que cada estado
requer que as localidades forneçam educação gratuita. Sendo assim, eu não
tenho idéia do que aconteceria com aquela câmara municipal. Será que seus
integrantes seriam presos? Quem sabe? Certamente eles seriam processados.

Mas digamos que, de alguma maneira, esse problema foi contornado graças a,
digamos, uma emenda especial na constituição do estado, que isenta certas
localidades caso a câmara municipal aprove o pedido. Aí então haverá o
problema da legislação federal e da regulação. Estou puramente especulando,
pois eu não conheço as leis relevantes, mas podemos supor que o Ministério
da Educação ficaria ciente do ocorrido, e haveria algum tipo de histeria
nacional. Mas digamos que miraculosamente consigamos também superar esse
problema, e que o governo federal deixe essa localidade seguir adiante com
seu plano.

Haverá dois estágios para a transição. No primeiro estágio, muitas coisas


aparentemente ruins acontecerão. Por exemplo, o que ocorrerá com as
instalações físicas dessas escolas públicas? Elas serão vendidas para os
arrematadores que pagarem o preço mais alto, sejam eles proprietários de uma
nova escola, empresários de qualquer ramo, ou meros agentes imobiliários. E
quanto aos professores e funcionários? Todos dispensados. Já dá até pra
imaginar a choradeira.

Com essas escolas públicas abolidas, as pessoas que tinham filhos nelas
podem acabar se mudando para outra localidade. Os impostos sobre
propriedade, que antes eram utilizados para financiar essas escolas públicas,
seriam abolidos — assim, os imóveis localizados nos distritos escolares que
eram considerados bons sofreriam uma desvalorização. Haveria reações
furiosas em relação a isso. Alguns proprietários encararão essa queda nos
preços como um roubo, pois há muito tempo se convenceram de que preços
imobiliários altos e crescentes são um direito humano. Para os pais que
resolverem permanecer nessa cidade, haverá o grande problema de o que
fazer com as crianças durante o dia.

Com os impostos sobre propriedade abolidos, haverá dinheiro extra para pagar
as mensalidades escolares. Mas o problema é que os ativos (imóveis) sofreram
uma queda em seu valor de mercado, o que vem a ser um problema sério
quando se considera os futuros gastos com as mensalidades. Também haverá,
obviamente, uma histeria maciça em relação aos pobres, que irão descobrir
que não têm qualquer outra opção escolar além do homeschooling.

Dito isso, tudo parece bem catastrófico, certo? De fato. Mas essa foi apenas a
primeira etapa. Se de alguma forma conseguirmos chegar à fase dois, algo
completamente diferente irá emergir. As atuais escolas privadas estarão
lotadas e haverá uma demanda premente por novas escolas. Empresários em
busca de lucros irão rapidamente inundar a área, fornecendo escolas que irão
concorrer entre si. Além disso, é viável supor que igrejas e outras instituições
cívicas também conseguirão arrecadar dinheiro suficiente para pagar pela
educação dos mais pobres.

De início, as novas escolas seguirão o modelo das escolas públicas. As


crianças ficarão lá de 8h às 16 ou 17h, e todas as matérias serão oferecidas.
Mas após um certo período de tempo, novas alternativas surgirão. Haverá
escolas fornecendo aulas durante a metade do dia. Haverá escolas grandes,
médias e pequenas. Algumas terão 40 crianças por sala de aula, e outras terão
quatro ou uma. Haverá uma expansão maciça de tutores particulares. Escolas
sectárias de todos os tipos irão surgir. Pequenas escolas serão abertas para
atender interesses localizados: ciências, literatura clássica, música, teatro,
computadores, agricultura, etc. Surgirão escolas que permitirão
apenas alunos do mesmo sexo. Se haverá ou não esportes na grade curricular
de uma dada escola será algo deixado unicamente para o mercado decidir.

Ademais, o já surrado modelo de "ensino básico, fundamental e médio" não


mais será o único. As turmas não serão necessariamente agrupadas somente
por idade. Algumas terão por base a capacidade e o nível de avanço
dos alunos. As mensalidades variarão de gratuitas até extremamente caras. O
ponto principal é que o cliente estaria no comando.

Serviços de transporte surgiriam para substituir o antigo sistema de ônibus


escolares. As pessoas poderiam ganhar dinheiro comprando vans e fornecendo
transporte. Em todas as áreas relacionadas à educação, oportunidades de
lucro iriam abundar.

Em resumo: o mercado para a educação iria operar da mesma maneira que


qualquer outro mercado — como o de comestíveis, por exemplo. Onde houver
uma demanda, e obviamente as pessoas demandam educação para seus filhos,
haverá uma oferta. Existem grandes redes de supermercado, e existem
empórios e quitandas. Existem mercearias e existem armazéns sempre
dispostos a prestar seus serviços para toda essa rede. O mesmo ocorre com
outros bens, e ocorreria o mesmo com a educação. Novamente, o consumidor
é quem iria comandar. Ao fim e ao cabo, o que iria surgir não seria totalmente
previsível — o mercado nunca é —, mas o que quer que acontecesse, seria de
acordo com os desejos do público consumidor.

Após essa segunda fase, esta cidade emergiria como uma das mais desejáveis
do país. As alternativas educacionais seriam ilimitadas. Ela seria a fonte de
enormes progressos, e um modelo para a nação. Ela poderia fazer com que
todo o país repensasse seu modelo educacional. E então aquelas pessoas que
saíram de lá iriam regressar para desfrutar as melhores escolas do país pela
metade do preço das escolas públicas, e aquelas que não têm filhos não teriam
que pagar um centavo pela educação alheia. Pode algo ser mais atraente?
E então: qual cidade será a primeira a tentar essa alternativa e nos mostrar o
caminho?

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[*] Na microeconomia, uma externalidade de rede ocorre quando a utilidade de


um bem depende do número de pessoas que utilizam esse bem. Por exemplo,
se apenas uma pessoa tiver um aparelho de fax, não valerá a pena que você
também compre um aparelho de fax. Os modems funcionam da mesma forma:
ele só tem utilidade se houver outro em algum lugar com o qual você possa se
comunicar. Ou, ainda, quanto mais telefones houver, maior será a utilidade de
cada telefone. E assim por diante. (N. do T.)

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