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A ESQUERDA ATUAL E SEUS MOINHOS DE VENTO

PARTE IV – UNIVERSALISMO
Gustavo Castañon

(Este é o quarto de cinco pequenos e informais artigos nos quais defendo que a razão pela
qual a esquerda não consegue retomar o protagonismo político num capitalismo em crise
são cinco adversários desnecessários e insuperáveis.)

Parece chocante tentar defender que a esquerda elegeu o universalismo como inimigo, pois
ele é parte de sua natureza mais profunda.

Mas na mão de uma academia sempre ávida em radicalizar teses para gerar novidades, as
ciências humanas nos países de terceiro mundo afundaram na vaga relativista rumo ao pós
modernismo e sua negação do universalismo e das utopias.

E o pós modernismo gerou seu sintoma fragmentário mais pernicioso: o identitarismo.

Apesar de às vezes se apegar em essencialismos descolados da vaga pós moderna,


usualmente movimentos identitários compartilham a ideia de que tudo é uma mera
construção social sem raiz na realidade.

A partir daí radicaliza identidades culturais porque não acredita numa essência comum a
todos os seres humanos: uma natureza humana.

Foi sempre em nome do universalismo e do humanismo que a esquerda lutou por igualdade
legal e material para as mulheres, os negros, os diferentes gêneros e os índios.

Mas nos últimos anos vimos proliferar na esquerda teses fabricadas pela academia norte-
americana e financiadas por organismos como a Fundação Ford, que destruíram a esquerda
americana a transformando em “New Left”.

Esta é hoje pouco mais que uma fragmentária luta por poder e afirmação racial, de gênero e
de identidade sexual focada na diferença e não na igualdade do gênero humano. É a
negação da causa da igualdade universal humana.

Foi a maior responsável pela eleição do plutocrata Trump nos EUA com dois terços dos votos
de baixa escolaridade e oitenta por cento do voto evangélico.

O Brasil importou essa doença teórica dando a setores da esquerda um discurso radioativo
de separação, desunião e ódio, os desabilitando como força unificadora popular.

Tudo muito conveniente para o capitalismo e seus órgãos de fomento acadêmico.

Quando um grupo só defende as pautas de seu interesse, os outros se sentem excluídos.

Quando ainda defende pautas de agressão a grupos majoritários, o efeito é alimentar a


reação fascista.
A agenda da diversidade nas escolas e na imprensa produziu uma massa de classe média e
classe média alta de progressistas narcisistas, gente que só se envolve em causas de
interesse próprio, indiferente às condições da população em geral e de grupos externos aos
seus.

Quem conversa com esses militantes sabe o resultado. Eles creem que a opressão de gênero
ou raça é mais importante ou determinante que a opressão de classe, isso quando aceitam a
existência da última em algum nível.

Para essas pessoas militância política não é lutar por justiça social, mas contra o opressor ao
lado, provavelmente um colega pobre que usou uma palavra que alguém não gostou.

Eles não têm nada a dizer sobre luta de classes, economia política, ou os problemas
cotidianos das cidades que afetam a todos.

As táticas desses grupos para se afirmar também todos conhecem. São as mesmas de
intimidação social que o fascismo: injúrias, isolamento e calúnias puras e simples.

Sem nenhum senso de escala ou dosimetria, podem acusar um olhar de assédio, uma
discordância de misoginia, racismo ou homofobia, ou uma opinião de opressão.

Aí quando aparece um Bolsonaro, acabaram os adjetivos.

A política identitária, apesar de ser bastante expressiva e barulhenta, é pouco representativa


mesmo nas minorias e nada persuasiva.

As pessoas de fora desse círculo autofágico se calam diante da exposição social, mas vão
acumulando rejeição e ressentimento.

Enquanto o identitarismo, apesar de não conseguir eleger nem proporcionais, vai ampliando
sua influência eleitoral.

Só que essa influência é negativa. Ele é uma bola de chumbo que derrota qualquer um que
for identificado com ele, até em eleição de DCE.

Derrota facilmente candidatos majoritários justa ou injustamente identificados com ele,


como vimos com Freixo.

Ou elege proporcionais que são suas antíteses, como Holiday em São Paulo.

Ele é a principal responsável pela onda Bolsonaro numa juventude sufocada pela patrulha da
correção política.

Esse é o resultado de tentar se impor uma agenda sueca num país com os problemas da
Índia.

Um país aonde falta comida, trabalho, saúde e educação e que é o décimo mais desigual do
mundo.
A política nacional deve ser pautada por um discurso sobre o bem comum, sobre o interesse
de todos e não sobre “diferença” e interesses de grupos minoritários.

Algumas dessas pautas são legítimas e temos obrigação de materializá-las, mas não podem
ser o foco retórico de uma esquerda que aspire ao poder executivo.

Apesar de rejeitar os excessos do identitarismo, o povo brasileiro rejeita fortemente o


machismo, o racismo e considera que a homossexualidade deve ser aceita.

Mas não é com um discurso de identidade e diferença que minorias podem fazer valer suas
pautas legítimas. Muito menos as ilegítimas.

Porque movimentos de identidade também podem ser adotados por maiorias. Quando isso
acontece, o resultado é o fascismo.

O fascismo era um movimento identitário romano, o nazismo um movimento identitário


ariano, a Ku Klux Klan um movimento identitário branco americano.

Hoje vários movimentos racialistas identitários surgem na Europa, são movimentos de


extrema direita e movimentos de maiorias.

E agora, como é que fica?

Não fica.

Minorias só podem afirmar seus direitos através da luta pelo universalismo e pelo
convencimento, não pela força ou pelo ódio, mesmo que justificáveis.

E isso pelo simples fato de que são minorias.

Ou se mobiliza os outros pelo que todos temos em comum, ou a identidade que prevalecerá
é a da maioria.

E então o resultado alcançado é a destruição da imagem da esquerda e a Ascenção do


fascismo.

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