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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

Uma breve reflexão sobre as três ecologias e a produção de


subjetividade através da publicidade1

Fernando Pontes e Frederico Tavares2


Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.

Resumo
A ideia central deste ensaio é discutir, sob a luz do conceito das três ecologias (social,
ambiental e mental), o processo de articulação ético-político e estético exercido pelas marcas
através da publicidade, no contexto de umasociedade de controle. O que se pretende é realizar
uma análise que considere a relação das marcas com a exterioridade de forma rizomática,
através da publicidade como estratégia de agenciamentos molar e molecular, refletindo sobre
a produção de subjetividade. A partir da metodologia qualitativa, este ensaio baseia-se nas
pistas teóricas trilhadas por Félix Guattari e Gilles Deleuze. A pesquisa é de caráter
exploratório, exemplificada por peça publicitária da marca NATURA. Algumas pistas
desvelam que através da comunicação rizomática, a publicizaçãomarcária produz “kits de
subjetividades”, que consomem e, ao mesmo tempo, veiculam as próprias marcas.

Palavras-chave: Ecosofia; marca; publicidade; consumo.

INTRODUÇÃO

Na obra As Três Ecologias, Félix Guattari realiza uma análise crítica no que se
refere à relação do sujeito com o ambiente que o cerca, considerando as questões de
transversalidade entre as dimensões social, mental e ambiental. O pensamento
ecológico-filosófico proposto pelo autor sugere uma tentativa de compreender o
indivíduo através de seus pontos de contato com a realidade que o produz e o
atravessa, em suas múltiplas dimensões.

1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Subjetividade, do 4º Encontro
de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014.
2
Fernando Pontes:Pós-Graduado em Gestão Empresarial e Marketing (ESPM-RJ), Mestrando em
Psicossociologia (EICOS/IP/UFRJ). fernandopontes@ymail.com.
2
Frederico Tavares: Pós-doutorado em Psicossociologia (EICOS/IP/UFRJ), Professor e Pesquisador do
Programa EICOS (IP/UFRJ); Professor da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ).
frederico.tavares@eco.ufrj.br
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A reflexão de Guattari nos possibilita estendê-la também às dimensões do


consumo, contribuindo para uma breve investigação acerca do processo de articulação
ético-político e estético exercido pelas marcas através da publicidade.
No contexto da sociedade de controle (DELEUZE,1992), trabalha-se nesta
análise com um consumidor cuja identidade é plural, mutável, fragmentária e flâneur
e, nesse sentido, o olhar psicossociológico contribui para compreender esse indivíduo
que escolhe marcas comerciais como estratégia de pertencimento, através de
identidades revogáveis, temporárias e flutuantes.
Assim, o presente trabalho busca investigar as relações entre publicidade e
consumo através do viés psicossocial, desvelando a subjetividade do consumidor em
um contexto globalizado de uma sociedade de controle, que valoriza o “ter” em
detrimento do “ser”. Para refletir o consumo através do campo psicossociológico,
toma-se como ilustração a análise de peça publicitária que contribui para essa
discussão.
Dessa forma, como indagar, segundo o olhar da ecosofia, a atuação das marcas
comerciais através da publicidade, como dispositivos produtores de subjetivação em
níveis molares e moleculares, tendo como pano de fundo asconcepções da sociedade
de controle e do capitalismo integrado, rizomático ou conxionista? Como as
dimensões psíquicas, sociais e ambientais, atravessadas pelo consumo, podem ser
observadas nos processos identitários refletidos pela publicidade?
Para responder a estas questões são adotados como fundamentação teórica
complementar autores e obras que dialogam com o objeto definido, através do viés
conceitual estabelecido para investigação. Trata-se, portanto, de um estudo
qualitativo, de caráter exploratório, que é baseado em fundamentação teórica
relacionada aos conceitos de ecosofia, marca, consumo e publicidade, e análise
documental, através da mensagem publicitária veiculada na internet, da empresa
Natura.

METODOLOGIA
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Este ensaio utiliza como metodologia investigativa a pesquisa exploratória,


através do levantamento bibliográfico por intermédio de obras que recortam o objeto
estudado. A partir da fundamentação dos conceitos de Ecosofia, Capitalismo Mundial
Integrado/Conexionista, Sociedade de Controle e Publicidade/Marca, são propostas
algumas pistas para reflexão acerca dos processos de: identidade, subjetividade,
pertencimento e modos de ser, exemplificados através da análise de uma peça
publicitária que visa pontuar e exemplificar as assertivas teóricas. A peça escolhida é
da marca NATURA (figura 1), a mais lembrada no segmento de “consumo verde” no
Brasil (TAVARES & IRVING, 2009), e refere-se ao lançamento do perfume Kaiak
Extremo, uma nova extensão de linha do original “Kaiak”, veiculada na fanpageda
empresa (facebook).

Figura 1- Peça publicitária do perfume “Kaiak Extremo”, da empresa NATURA.

Fonte: Página da Natura no Facebook3.

O PENSAMENTO ECOSÓFICO
Em As Três Ecologias, Félix Guattari se afasta da separação ambientalista
dualística do humano (cultural) e não-humano (natural), refletindo sobre o conceito de

3
Disponível em www.facebook.com/natura.br. Acesso em Abr.2014.
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Ecosofia como um estudo de fenômenos complexos, incluindo a subjetividade


humana, o meio ambiente e as relações sociais, intimamente interconectados entre si.
Para Guattari, cada vez mais será dependente da prática humana o equilíbrio
ambiental e, paralelamente a tais “perturbações”, os modos de vida humanos
individuais e coletivos estariam evoluindo ao encontro de uma progressiva
deterioração, o que torna urgente a adoção de uma ética ecosófica adaptada a esse
panorama. Neste contexto, o desenvolvimento de uma ecosofia social levaria ao
estabelecimento de práticas que tenderiam à reinvenção dos modos de ser do
indivíduo no meio social, ao passo que o aprofundamento de uma ecosofia mental
possibilitaria a renovação da relação do sujeito com o corpo, em suas instâncias
psíquicas individuais e coletivas (GUATTARI, 1990).
Ao apontar para a necessidade da articulação ético-estética e política, Guattari
não se limita à simplicidade paradigmática de uma lógica totalizante, preferindo
enfatizar a heterogeneidade e a diferença, sintetizando combinações e multiplicidades
de forma a traçar estruturas rizomáticas mais do que criando estruturas unificadas e
holísticas (GUATTARI, 1990):
“As três ecologias deveriam ser concebidas como sendo da alçada
de uma disciplina comum ético-estética e, ao mesmo tempo, como
distintas uma das outras do ponto de vista das práticas que as
caracterizam. Seus registros são da alçada do que chamei
heterogênese, isto é, processo contínuo de ressingularização. Os
indivíduos devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez
mais diferentes”. (GUATTARI, 1990, p.55).

Guattari (1990) propõe, assim, uma articulação entre os três registros


ecológicos como forma não somente de compreender as relações da humanidade com
o socius, com a psique e com a natureza, mas, principalmente, de inventar novos
dispositivos de produção de subjetividade para exercer, como modo de
autopreservação, a “recomposição das práxis humanas nos mais variados domínios”
(GUATTARI, 1990, p.15). O autor saliente que: “(...) é exatamente na articulação: da
subjetividade em estado nascente, do socius em estado mutante, do meio ambiente no
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ponto em que pode ser reinventado, que estará em jogo a saída das crises maiores de
nossa época” (GUATTARI, 1990, p.55).
Neste contexto, Guattari sinaliza para o fato de que a subjetividade, os bens e
o meio ambiente encontram-se laminados sob a lógica de uma sociedade de controle
operada pelo Capitalismo pós-industrial – ou Capitalismo Mundial Integrado, como o
denomina – sendo necessário, portanto, se debruçar sobre o que poderiam ser os
dispositivos de produção de subjetividade, indo no sentido de uma re-singularização
individual e/ou coletiva (GUATTARI, 1990).
Esta nova configuração do capital tende cada vez mais a “descentrar seus
focos de poder das estruturas de produção de bens e de serviços para as estruturas
produtoras de signos, de sintaxe e de subjetividade, por intermédio, especialmente, do
controle que exerce sobre a mídia, a publicidade”. (GUATTARI, 1990, p.31). Esta
concepção de capitalismo, também entendida como conexionista (PELBART, 2003),
opera sob a lógica do controle e se estende por todas as dimensões psíquicas, sociais,
políticas e culturais, através da perspectiva de um enredamento. A busca por novos
dispositivos de re-singularização pressupõe a subjetividade como meta a ser re-
alcançada, a partir de um olhar transversal:
“A subjetividade, através de chaves transversais, se instaura ao
mesmo tempo no mundo do meio ambiente, dos grandes
Agenciamentos sociais institucionais e, simetricamente, no seio das
paisagens e dos fantasmas que habitam as mais íntimas esferas do
indivíduo. A reconquista de um grau de autonomia criativa num
campo particular invoca outras reconquistas em outros campos”.
(GUATTARI, 1990, p.55).

Um dos desafios da ecologia social será, pois, a reconstrução das relações


humanas em todos os níveis, sobretudo sem negligenciar o fato de que o capital se
deslocou e se desterritorializou, ampliando seu império sobre o conjunto da vida
social, econômica e cultural, infiltrando-se nos estratos subjetivos mais profundos
(GUATTARI, 1990). De acordo com Guattari, a subjetividade torna-se capitalística
sendo produzida pela mídia e pelos equipamentos coletivos, de modo geral, que
impõem modelagens de como ser e de se viver, não sendo, deste modo, uma posse do
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indivíduo, mas sim uma produção continua que se estabelece a partir da relação com o
outro, compreendendo-se esse “outro” como tudo o que produz efeito nos corpos e
nas maneiras de viver (GUATTARI; ROLNIK, 1996).
Essa subjetividade capitalística se reflete através da lógica do Capitalismo
Mundial Integrado, que opera na esfera psicossocial, produzindo
subjetividadesreguladas pelo desejo e pelo consumo. Segundo Guattari, a “máquina
capitalística produz (...) aquilo que acontece conosco quando sonhamos, quando
devaneamos, quando fantasiamos, quando nos apaixonamos e assim por diante. (...)”
(GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 16). Ela torna-se responsável por uma inédita
produção de subjetividade que, seja em seus aspectos materiais (bens de consumo) ou
imateriais (afetos, desejos, etc.), é projetada de forma rizomática, na realidade do
mundo e na realidade psíquica. E na cultura como um todo. Além disso, fabrica a
relação com a produção, com a natureza, com o movimento, com o corpo, com o
tempo, em suma, ela fabrica a relação do homem com o mundo e consigo mesmo
(GUATTARI; ROLNIK, 1996).
O paradigma da ecosofia reflete, pois, uma perspectiva transversal entre
sociedade e natureza, na qual a integração das três ecologias (e os seus registros:
social, mental e ambiental) devem ser pensadas, rizomaticamente, através do conceito
de “capitalismo conexionista” (PELBART, 2003), que configura e influencia a
produção das subjetividades na contemporaneidade, tendo como pano de fundo a
lógica de uma sociedade de controle (DELEUZE, 1992), que traz o consumo como
uma “cultura- valor”(GUATTARI; ROLNIK, 1996).

CONSUMO E ECOSOFIA

Para refletir sobre o consumo através de uma perspectiva ecosófica, é


importante que se parta de um olhar sobre a formação da sociedade com base na
noção de transição entre o modelo de Sociedade Disciplinar, predominante entre os
séculos XVIII e XX e descrita por Michel Foucault (1987), para um conceito de
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Sociedade de Controle, abordado por Gilles Deleuze (1992), como tentativa de


compreender os moldes da sociedade contemporânea.
Se na disciplina o capitalismo era dirigido para a produção, no controle é para
o consumo. A partir de uma nova configuração em que todos vigiam todos, o controle
é contínuo, simultâneo e descentralizado, ampliando suas redes de poder e domínio.
Para Hardt (in ALLIEZ, 2000) entender a Sociedade de Controle é pensá-la a
partir do conceito de Biopoder, que se constitui como a nova ordem mundial. Esta
forma de poder tem por objetivo a natureza humana e é constituída nas entranhas do
capital, das instituições organizacionais e do mercado global. Para Foucault (apud
HARDT; NEGRI, 2001, p.43), “A vida agora se tornou objeto de poder”. Neste
contexto, Pelbart (2003) afirma que:
“É nesse sentido que a vida tornou-se um objeto de poder, não só na
medida em que o poder tenta se encarregar da vida na sua
totalidade, penetrando-a de cabo a rabo e em todas as suas esferas,
desde a sua dimensão cognitiva, psíquica, física, biológica, até a
genética, mas, sobretudo, quando esse procedimento é reformado
por cada um de seus membros. O que está em jogo nesse regime de
poder, de qualquer modo, é a produção e a reprodução da vida nela
mesma” (PELBART, op.cit., p.82).

Esta nova ordem mundial é constituída nas entranhas do capital, cuja


desterritorialização está, segundo Deluze e Guattari, relacionada ao rizoma. Ou seja, a
partir da transição entre um modelo de capital local e verticalizado, originado nas
estruturas mecanicistas e rígidas da era industrial, para o capitalismo maleável, aberto,
flexível e transnacional ou conexionista e em rede. Se outrora, o capitalismo foi
imóvel e fixo, segundo a ideia da transcendência, agora este capitalismo mundial e
integrado, se constitui pela lógica do agenciamento, de forma imanente, atuando em
todas as instâncias. Tornando até capitalizável, o que não era capital.
Neste contexto, é mister pensar que as relações psíquicas, sociais e ambientais
são atravessadas, permanentemente, pelas estratégias do capitalismo rizomático como
um processo molar/molecular que agencia e produz subjetivação (DELEUZE, 1992).
O indivíduo, modelado pelo consumo, participa da reprodução desses agenciamentos
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sociais que dependem tanto de agenciamentos locais (moleculares), quanto de


agenciamentos institucionais, estes produzidos pelas empresas (molares). E vice-
versa.
As corporações atuam no agenciamento dos desejos, que, na perspectiva
deleuzo-guattariana se apresenta sob a forma de um devir, uma produção que atua
como uma experimentação incessante, na qual os desejos são agenciados ou
produzidos(DELEUZE, 1998). A subjetividade do consumidor deve, portanto, ser
interpretada pelos agenciamentos, através da ordenação do capital e pela lógica do
rizoma (e a produção dos diferentes “eus”).
Para Hardt e Negri (2001), este movimento é conduzido no âmbito do
capitalismo globalizado contemporâneo sob a lógica de um Biopoder, conforme
citado anteriormente, que articula a vida social por dentro de forma rizomática. E esse
poder, transpassado por esse capitalismo conexionista (PELBART, 2003), é expresso
como um controle, que se estende e se amplia por todas as dimensões psíquicas,
sociais, políticas e culturais, sob a lógica de um enredamento, através do consumo.
É no âmbito da Sociedade de Controle que o consumo torna-se, portanto, o
dispositivo de controle social pós-moderno que as empresas transnacionais passam a
adotar, através das marcas e de suas estratégias de produção de modos de ser,
articulando e reproduzindo as novas ordens sociais (HARDT in ALLIEZ, 2000). O
consumo passa a ser uma ordenação política e social na medida em que se estabelece
como um processo em que os desejos se transformam em demandas(GUATTARI;
ROLNIK, 1996) e em atos socialmente regulados (CANCLINI, 1999).
Hardt e Negri (2001), por sua vez, reafirmam o pensamento de Guattari,
através do olhar das organizações empresariais, que são produtoras de subjetividades,
influenciando o consumo (e os consumidores) por meio de marcas corporativas, como
uma forma de alegoria (emblema) pós-moderna, que atua no mercado como
dispositivo sedutor de controle, a serviço de estratégia de Biopoder. Os autores
sinalizam que:
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“As grandes potências industriais e financeiras produzem, desse


modo, não apenas mercadorias, mas também subjetividades.
Produzem subjetividades agenciais dentro do contexto biopolítico:
produzem necessidades, relações sociais, corpos e mentes (...)”
(HARDT; NEGRI, 2001, p.51).

O caráter efêmero e fragmentado dessa subjetividade – e de sua produção – é


notório no deslocamento dos indivíduos, no âmbito do capitalismo globalizado e
flexível, tendo as corporações e suas marcas comerciais, por exemplo, um papel
estratégico para funcionar como um dispositivo de controle social pós-moderno,
fluindo no campo da imanência de um desejo maleável e perversamente irrealizável,
tão bem retratado na publicidade.

PUBLICIDADE, CONSUMO E NATUREZA

Deleuze (1992) nos fornece as pistas para refletir o processo de expansão e


desterritorialização de um capital que, agora, mundial e integrado (GUATTARI,
1990), atua no âmbito psíquico-social, agenciando desejos e produzindo subjetivação,
regulado pelo consumo, tanto em níveis molares (macropolíticas) quanto moleculares
(micropolíticas) (DELEUZE, 1992).
No âmbito de “sociedade mundial de controle”, segundo Hardt (apud
ALLIEZ, 2000), as empresas passam a adotar o consumo como estratégia de controle
social, produzindo, através da atuação das marcas, modos de ser (SIBILIA, 2002) que
articulam e reproduzem novas ordens sociais, sobretudo através da publicidade. O
consumo como forma de regulação social e controle sublima a idéia de que para “ser”
é necessário “ter”, sob o risco da marginalização da existência. O capitalismo
contemporâneo reafirma essa posição, segundo Deleuze (1992). O marketing é assim
o instrumento de controle social para tal finalidade.
Neste contexto, o mercado produz, através do discurso publicitário, variadas
possibilidades de “ser”, ou múltiplas identidades, que remetem a uma subjetividade
móvel, regulada pelo consumo como produção de modos de ser, através de
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“identidades prêt-à-porter” (prontas para uso) produzidas pelo mercado (SIBILIA,


2002).
Rolnik (apud ALLIEZ, 2000) afirma que essas identidades são reconfiguradas
pelas lógicas do mercado e do consumo global, produzindo novas subjetividades de
consumo. Sibilia (2002) reafirma este olhar ao descrever que essas identidades são
agenciadas sob a lógica de um capitalismo rizomático (DELEUZE e GUATTARI,
1995): “a ilusão de uma identidade fixa e estável, característica da sociedade moderna
e industrial, vai cedendo terreno aos “kits de perfis padrão” ou “identidades prêt-a-
porter”, segundo as denominações de Suely Rolnik” (SIBILIA, 2002, p.33).
Essas identidades, que consubstanciam e respaldam os diferentes modos de
ser, de agir, de pensar e de viver, são produzidas por intermédio da publicidade
através de um discurso ético e estético que vende estilos de vida e fabricam uma
pseudo-realidade de pertencimento social.
Retomando Deleuze e Guattari, esse processo de subjetivação, que opera
através de agenciamentos molares e moleculares, é exercido pelo discurso publicitário
na medida em que faz o indivíduo acreditar que para “ser” é preciso pertencer e
consumir, se reconfigurando aos diversos espaços/territórios percorridos, na condição
de um sujeito entendido como um “ter humano" (TAVARES; IRVING, 2009).
Por outro lado, a partir da concepção de ecosofia (GUATTARI, 1990), é
possível observar que as relações de transversalidade entre indivíduo e natureza estão
sendo atravessadas pelo mercado, à luz desse processo de subjetivação. Assim, a
lógica do capital passa a influenciar e ser influenciada pelos registros ecológicos,
propostos por Guattari, transformando a natureza em uma nova mercadoria de
consumo “produtilizada” e publicizada como uma marca/grife ontológica, nas redes
do mercado.
Dessa forma, a natureza passa a ser agenciada pela (e na) publicidade como
um produto único e autêntico, produzindo a ideia de um modo de ser “verde”
(ecologicamente correto) como um kit de subjetividade/ identidade prêt-à-porter
singular, segundo uma perspectiva psicossocial.
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PUBLICIDADE EM PRÁTICA: A DISCUSSÃO PSICOSSOCIOLÓGICA


ENTRE ECOSOFIA, CONSUMO E NATUREZA.

Para fins de exemplificação prática, será realizada a seguir a análise de uma


das peças publicitárias de lançamento do perfume Kaiak Extremo, uma nova
extensão de linha do original “Kaiak”, da marca NATURA (Anexo1), veiculada na
fanpageda empresa, na rede social Facebook, em 14/03/2014.
A peça publicitária em questão, através de seus três elementos constituintes (o
texto, a imagem e o produto), investe na representação de algumas propostas
identitárias utilizando, como pano de fundo, uma imagem que ilustra a integração
entre indivíduo e natureza. Em uma leitura metafórica, a natureza é utilizada como
ponto de apoio no processo de construção dessas modelagens de identidade,
interligando de modo rizomático, através da sintaxe dos seguintes signos: o homem
explorador (o lugar inóspito/ “a estrada”/ “o desconhecido”), o esportista (a canoa/ “a
sensação”), o valente e destemido (a queda livre/ “a altura”), o libertário (a natureza/
“o sol” / “o céu”), o vencedor (“a vitória”/ “a chegada”).
A sensação de movimento reforça a concepção de fluidez permanente, de
estrada, da viagem, da ideia de chegada que paradoxalmente se persegue e se
abandona, pois o desejo de continuar viajando, de continuar explorando, do prazer
inalcançado, serve como combustível para a vida, para continuar a eterna viagem em
busca do sucesso jamais alcançado e do desejo para sempre insatisfeito.
Como processo de subjetividade, há pistas sugeridas, levemente pulverizadas,
como o perfume, que se apresenta como um álibi, um passaporte para se conquistar
todos os lugares, todas as coisas e todas as pessoas, a aprovação social, a admiração, o
mundo inteiro. A atitude do homem retratado sugere o fim do percurso como um
objetivo a ser alcançado, embora as sensações de prazer e de excitação gritantes
façam personagem e consumidor se confundirem e desejarem que o trajeto seja
infinito, até porque, a chegada representaria o fim, o vazio, a morte do indivíduo. É o
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homem que pode conquistar tudo. O kit-subjetividade proposto é o do conquistador,


desbravador.
Os tons predominantemente acinzentados de toda a peça, desde as águas e da
montanha até o próprio frasco do perfume sugerem também a conexão direta do
Kaiak Extremo com um aroma masculino. O frasco do perfume se impõe na peça
publicitária em grande proporção em relação às outras representações pictóricas,
sugerindo igualmente uma imagem masculina e fálica.
Como estratégia de pertencimento, a imagem do homem destemido é
associada à idéia de prestígio social. É o homem que tudo poderá conseguir e que
estará inserido sucessivamente em diversos espaços de consumo, trabalho e lazer, que
estão atrelados à idéia de reconhecimento social. A ideia de “estar dentro”, pertencer à
maquina que se movimenta, que se transforma, que se modifica e pode alcançar o
“céu” e vencer a “natureza selvagem”, em meio ao dia a dia conturbado das grandes
cidades.
O “modo de ser” do homem que usa Kaiak Extremo é o de “ser vencedor”, é o
“conquistador”, sem laços, sem amarras, alçado a identidade prêt-à-porter do
“homem conquistador” eternamente jovem e pleno de sedução, prometida a quem usa
o perfume.
É mister também ressaltar que a lógica de um suposto encerramento, com “a
chegada”, representada no anúncio pelo elemento textual (sol / o céu/ a sensação/ o
instinto/ a distância/ a altura/ a temperatura/ o desconhecido/ a história/ a vitória/ o
limite/ a estrada/ a chegada/) é interrompida pelo processo de interação explícito,
refletindo as bases de um agenciamento molar com desdobramentos moleculares “O
que move você?”. Neste ponto, o consumidor é interpelado por um questionamento
que o convida à reflexão da própria existência, da produção e consumo de si,
evidenciado o movimento antropofágico de um consumidor que se reconstrói
permanentemente, em um processo de produção e consumo de sua própria figura.
O anúncio foi compartilhado mais de sete mil vezes por milhares de usuários e
recebeu mais de quatrocentos comentários. A campanha, veiculada também em outros
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meios sóciotécnicos, como twittere youtube, onde alcançou mais de trinta mil
visualizações, sofreu uma evolução em 10/04/2014, indicando caminhos
interpretativos através da prática esportiva. A partir de uma nova abordagem, a
própria propaganda sugere, agora, a resposta para a pergunta “O que move você? /
Corrida?”, estimulando o consumidor a refletir sobre seus gostos, suas preferências,
seus prazeres e sua postura diante da vida. A nova peça ainda convida o espectador
impactado e acessar o site da empresa para obter “dicas” sobre esta modalidade
esportiva, sugerindo um movimento em rede. A estratégia sugere que novas peças
temáticas serão veiculadas para perpetuar e expandir este movimento de interações
com a marca e como novo produto em rede, alcançando rebatimentos molares e
moleculares.
Como proposta de continuidade e acentuação dos movimentos de
agenciamento e produção de subjetivação, a empresa sugere em sua fanpage, através
de teasers textuais, a intenção de lançar um concurso cultural cujo mote “O que move
você?” convidará o consumidor em potencial a pensar seus desejos (que são
capturados) e a compartilhar com a empresa com os demais participantes (e
consumidores). São movimentos de agenciamentos mútuos, em níveis molares e
moleculares, que estabelecem tanto a construção e a desconstrução do sujeito
impactadoquanto da própria marca impactante, através da produção de um diálogo
permanente, de desejos e devires, em diferentes movimentos e platôs.

CONSIDERAÇÕES NÃO FINAIS

Ao proceder a uma análise crítica sobre a relação do sujeito com a


exterioridade de forma integrada, considerando, para tal, as relações de
transversalidades identificadas em âmbito social, mental e ambiental, Guattari oferece
uma importante reflexão teórico-filosófica e nos permite estendê-la ao processo de
articulação ético-político e estético exercido pelas marcas através da publicidade.
Partindo da lógica da sociedade de controle, foi possível lançar um breve olhar
sobre os dispositivos de subjetivação e de controle social, observados através do
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paradigma de um Capitalismo Mundial Integrado, que se apresenta de forma


rizomática, fluida, imanente, atingindo e atravessando a partir de uma relação
transversal as instâncias psíquicas, sociais e ambientais.
Neste contexto, as pistas oferecidas sugerem a construção de um sujeito
modelado pelo consumo, através da lógica de um mercado mundial globalizado,
regulado pela atuação de corporações/marcas/objetos de consumo que parecem
produzir subjetivação de modo permanente, sob a lógica do devir e do agenciamento,
fabricando modos de ser e modelagens fluidas de “identidades prêt-a-poter” de
caráter transitório, reguladas pelo desejo de consumir e de pertencer.
Esta breve reflexão aponta para o fato de que as relações psíquicas, sociais e
ambientais são atravessadas, permanentemente, pelas estratégias de um capitalismo
rizomático ou conexionista que, no âmbito da sociedade de controle se estende e se
amplia por todas as dimensões sob a lógica de um enredamento, capitalizando até
mesmo o que não era capital e regulando a vida a partir de um eterno desejo de
consumir, em que para “ser” é preciso “ter”. Caso contrário, resta a exclusão.
A análise prática, realizada a partir da campanha publicitária da NATURA,
sugere uma atuação marcária transversal, sob a lógica psicossocial da produção de
modelagens identitárias (e dos estilos de vida e modos de ser), a partir de uma
estratégia de consumo baseada em agenciamentos mútuos permanentes, na qual os
indivíduos produzem a publicidade da própria marca, que também os constitui: Kaiak
(sujeito-consumidor) é a natureza, e vice-versa.

REFERÊNCIAS

ALLIEZ, Éric (org) et al. Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Ed. 34, 2000.

CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da


globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.

DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

______________. Diferença e repetição. São Paulo: Graal, 1998.


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______________; GUATTARI, Félix. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. Rio


de Janeiro: Ed. 34, 1995.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Lígia M. Ponde Vassalo.
Petrópolis, R.J.: Vozes, 1987.

GUATTARI, Félix. As três ecologias. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. São Paulo:
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