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FURROW, Dwight. Ética. Trad. José R. da Rocha. Porto Algre: Artmed, 2007.

Por Caroline S S Santos– Curso de Filosofia da UFSJ.

Ação moral e Razões morais objetivas os dois primeiros capítulos que compõem o
livro Ética. Lançada em 2007, a obra escrita pelo Filósofo Dwight Furrow é uma introdução à
discussão sobre a ética. O primeiro capítulo investiga as motivações da ação moral de cada
indivíduo. No segundo capítulo, o autor faz um estudo sobre os padrões de aceitabilidade das
justificativas morais. O filósofo se debruça sobre duas principais abordagens para o raciocínio
moral: o utilitarismo e a deontologia.
Ao iniciar a discussão sobre a ação moral no primeiro capítulo, Furrow parte da
premissa de que um agente é uma pessoa que executa uma ação; com isso, um agente moral é
uma pessoa que está habilitada a tomar decisões morais. Um requisito básico para a ação
moral é a autonomia e liberdade de escolha, pois somente assim uma pessoa pode decidir que
ação tomar e isso possibilita a responsabilização e o julgamento moral. A ideia de autonomia
é definida pelo autor como a capacidade que alguém tem de tomar suas próprias ações.
Furrow se questiona sobre quais ações podem ser consideradas como ações morais.
Segundo o autor, são as ações que a maioria das pessoas adotam como exemplo. No entanto,
algumas ações são heroicas, como por exemplo, arriscar sua vida para salvar outros
indivíduos. Ao se questionar sobre a motivação das ações morais, Forrow também se
interroga sobre o que levaria um indivíduo a agir de modo a beneficiar os outros. Em uma
busca por essa resposta, o filósofo apresenta duas linhas de pensamento diferente: o egoísmo
psicológico e egoísmo ético.
A ação moral sempre visa atingir um objetivo ou satisfazer os interesses e desejos de
cada indivíduo. Um interesse partilhado pela maioria dos indivíduos poderia explicar a
conduta moral. O egoísmo psicológico, abordagem utilizada por muitos autores, argumenta
que os seres humanos são singulares e que não é possível haver um propósito partilhado pela
maioria deles. Para o egoísmo psicológico, a conduta moral é guiada pelo interesse próprio de
cada indivíduo, procurando sempre maximizar seus desejos.
O egoísta moral é um ser racional, e sendo portador dessa capacidade, sabe que deve
agir para cuidar de si. Furrow interpreta que para essa concepção as instituições morais
derivam de interesses puramente próprios de cada indivíduo. No seguinte parágrafo, o autor
apresenta falhas na teoria do egoísmo psicológico e como ela deixa abertura para contra
exemplos ao generalizar as ações humanas.
Uma ação heroica mesmo que praticada segundo interesses próprios, como a
satisfação de quem pratica, não implica que tal sentimento seja o motivo primário de sua
conduta moral. Os seres humanos são complexos, possuindo cada um desejos e interesses
diversos, porém o egoísmo psicológico afirma que todas as nossas ações têm como motivo
primário nossos interesses próprios, o que é implausível, pois duas pessoas podem reagir de
forma diferente ao resultado de uma mesma ação moral, por exemplo.
Essas falhas mostram que o egoísmo moral não pode explicar todas as ações
humanas. Alguns seres humanos são altruístas, agem segundo uma preocupação com o outro.
O altruísmo é um fato significativo de nossa conduta moral, e assim como outros desejos, não
são levados em conta pelo egoísmo psicológico.
Mesmo sendo altruístas, podemos agir colocando nossos interesses próprios em
primeiro lugar, argumento defendido pelo egoísmo ético. O egoísmo ético argumenta que não
temos a obrigação de colocar os interesses dos outros em primeiro lugar.
O egoísmo moral advoga uma racionalidade no sentido prático pois é uma abordagem
não sentimental, em que o indivíduo busca a realização de seus interesses próprios. Forrow
chama a atenção para mal entendidos que são comumente atribuídos a essa abordagem. O
egoísta moral, mesmo buscando seu interesse próprio, vive em sociedade e segue leis morais.
Em primeiro lugar, se todas as pessoas fossem egoístas morais, não haveria cooperação,
ocorrendo muitos conflitos e um grande nível de desonestidade. O egoísmo ético parece
utópico por necessita que o indivíduo esteja em um ambiente no qual ele busca seus interesses
próprios e, ao mesmo tempo, consegue tirar proveito das cooperações nas quais está
envolvido.
Uma segunda falha apontada por Forrow é a de que a postura tomada pelo egoísta
ético não seria vantajosa, uma vez em que ele necessitaria de esconder suas motivações
primárias, pois uma pessoa que age segundos interesses próprios pode ser interpretada como
egoísta e desonesta, o que prejudicaria suas relações com os outros indivíduos. O egoísmo
ético não leva em conta as relações sociais e a importância da cooperação entre as pessoas,
não explicando assim a capacidade espontânea de interação social entre os humanos.
Um egoísta ético pode tentar refutar essa objeção argumentando que o indivíduo deve
excljuir relações que o impedem de agir segundo seus interesses próprios. A liberdade total
pode ser o refúgio do egoísmo ético. Esse altruísmo isento não é levado em conta. O egoísmo
psicológico e o egoísmo ético falham ao explicar ações altruístas.
Na modernidade, Emanuel Kant contribuiu muito no campo da ética. O autor não
explica o altruísmo, pois não foi seu objetivo descrever o que leva uma pessoa a colocar os
interesses de outra em primeiro lugar, mas sim explicar o que significa respeitar os interesses
dos outros. Para Kant, a razão do agir moral são ações do indivíduo, pois ente é dotado de
capacidade de deliberação. Para o autor, a moral não é algo exterior que nos é imposto, mas
sim algo do qual cada um de nós é responsável. Assim como no egoísmo ético, a condição
base para a ação moral é a autonomia e a liberdade.
Na visão kantiana, a autonomia moral só é conquistada quando o indivíduo deixa de
levar em consideração suas emoções, seus desejos e sentimentos; inclinações que são apenas
necessidades físicas e levam o homem e deixar de lado a ação moral. O ser humano só se
torna livre quando age pela razão, do contrário, estará sendo guiado por forças externas que
nada contribuem para a ação moral, pois a moral significa que é certo, seguindo uma lei
moral.
Kant não apresenta uma explicação para o altruísmo, mas deixa claro que é o respeito
à ação moral que sustenta o respeito pelo próximo. Para Kant, a ação moral é a capacidade de
impor uma lei moral a si mesmo e de respeitar a capacidade dos outros. Dessa forma, os seres
humanos passariam a não enxergar mais o mundo de forma diferente. Esse olhar objetivo é o
que Kant chama de imperativo categórico, no qual uma pessoa jamais usaria a outra para
suprir um interesse pessoal.
A ideia kantiana de autonomia encontra muitas objeções, principalmente no que diz
respeito à suspensão dos desejos. A realização dos desejos não é levada em conta na filosofia
kantiana. Desse modo, Kant não consegue explicar as motivações morais da maioria dos seres
humanos, pois suas recomendações parecem utópicas e impossíveis de serem cumpridas por
seres humanos reais. Furrow aponta para a necessidade de reformular a ideia kantiana de
liberdade, tornando-a acessível.
Muitas teorias concordam com a autonomia presente na teoria kantiana, mas
discordam de que os desejos devam ser totalmente inibidos. A autonomia procedimental,
defendida por Herry Frankfurt, por exemplo, afirma que pelo menos alguns desejos devem ser
satisfeitos. Para ele, a autonomia consiste em pensar de modo crítico a respeito de nossos
desejos, condição necessária para que o indivíduo tenha posse de sua ação moral. Para
Furrow, a autonomia procedimental é plausível, pois descreve alguns dos fatores psicológicos
que contribuem para nossa independência, mas por outro lado, é falha, pois não descreve os
requisitos para considerar um desejo de primeira ou segunda ordem, não requerendo assim os
motivos para a natureza racional da deliberação moral.
Na última parte do primeiro capítulo, Furrow apresenta a autonomia relacional, teoria
que redireciona a formulação da noção de autonomia. Autonomia passa a ser situada como
uma capacidade adquirida por meio das interações sociais, aspecto que foi deixado de lado
por todas as teorias anteriores. Para ser completamente autônomo, o indivíduo depende da
proteção e dos conhecimentos que recebe dos meus familiares e das instituições sociais.
Desse modo, as interações sociais tem grande importância, pois os objetivos e aspirações não
têm como objetivo principal os interesses próprios, pois muitos objetivos são compartilhados
pela sociedade.
Uma ideia de autonomia ligada à importância das relações sociais parece paradoxal,
mas Furrow defende que não. O indivíduo é autônomo justamente quando consegue
modificar, rejeitar e reformular aspectos do condicionamento social que não estejam de
acordo com seus valores e objetivos. A autonomia relacional supriu a lacuna deixada pela
autonomia procedimental ao esclarecer a origem da ação moral, que seria o comprometimento
com a manutenção de boas relações sociais.
Em suma, para um indivíduo ser autônomo ele deve tomar suas próprias decisões, e
estas devem ser compatíveis com seus desejos e objetivos. Para o exercício da autonomia, o
indivíduo deve manter boas relações, exercendo a capacidade de atuar de acordo com um
ponto de vista moral. Dessa forma, a independência está ligada a dependência e mantimento
das relações sociais, o que é incompatível com o egoísmo ético- que Furrow define como
sendo um modo de vida pobre e destituído de bens.
No segundo capítulo, Forrow questiona quais seriam os padrões de aceitabilidade das
justificativas morais. De acordo com a autonomia relacional, a autonomia e a liberdade estão
condicionadas a capacidade do indivíduo em viver em comunidade e a cooperar com o
próximo. O bom desenvolvimento dessas relações depende da nossa habilidade de fornecer
justificações adequadas para nossas ações morais. Esses padrões de comportamento, mesmo
que muito aceitos, não justificam que a norma seja correta. O autor se questiona sobre o que
garante que uma norma seja errada. Para ele, nossas ações morais devem ser imparciais. A
maioria das abordagens filosóficas descarta o relativismo moral, defendendo que nossas ações
devem ser objetivas, sem se basear no ponto de vista individual.
Para que uma razão seja suficientemente poderosa para justificar visões diferentes a
respeito da conduta moral, ela deve ser capaz de fornecer uma base única de raciocínio,
independente dos pontos de vistas discordantes. Dessa forma, a razão da ação moral deve ser
fornecida de forma objetiva, de modo externa a mente, linha de pensamento defendida pelo
realismo moral. Em suma, o realismo moral defende uma abordagem do mundo como ele é,
independente da subjetividade, e sim pautada em razões objetivas.
O realismo moral não foi amplamente aceito e é acusado de cometer um engano: a
chamada falácia naturalista. Uma abordagem que se apresenta como alternativa é a
consistência lógica, que defende que as razões morais não são guiadas por fatos a respeito do
mundo, mas por uma força moralmente obrigatória da consistência lógica, que tem uma das
suas maiores expressões no filósofo Thomas Nagel.
Sendo assim, qualquer ser racional deve estar em conformidade com as ideias da
lógica, que são objetivas e independentes da mente. Para Nagel, se uma razão se aplica a um
caso, ela se torna automaticamente aplicável a todo caso semelhante. Furrow assume a
postura de Nagel a respeito da necessidade de um ponto de vista objetivo e passa a investigar
como um raciocínio moral, a partir desse ponto de vista objetivo, se apresenta em detalhes.
Para tanto, o autor apresenta e investiga duas teorias: o utilitarismo e a deontologia.
Ao pensar em uma ação moral podemos avaliar vários fatores, como o motivo, a
natureza do ato e suas consequências. O consequencialismo é a abordagem segundo a qual um
ato deve ser julgado correto ou errado de acordo com suas consequências. A teoria
consequencialista mais aderida é o utilitarismo, iniciada em 1781 pelo filósofo Jeremy
Bentham. O utilitarismo busca substituir a confiança em Deus e nas instituições pelo
raciocínio a respeito das consequências dos fatos morais. No utilitarismo, o objetivo máximo
da ação humana é a busca pelo bem estar geral. Os primeiros utilitaristas pensaram o bem
estar como realização dos desejos, porém atualmente os utilitaristas pensam o bem estar em
termos de realização das preferências. Dessa forma, o bem estar procurado pela maioria das
pessoas inclui vida prolongada, saúde, comida e realizações.
Na visão utilitarista, devemos avaliar cada ação, seus efeitos positivos, negativos e
escolher a que propiciar maior bem estar. Há então um princípio da utilidade, baseada na
análise racional e objetiva da consequência dos atos. As leis morais só estão corretas se
estiverem de acordo com o princípio da utilidade.
Em seguida, Furrow apresenta novamente a teoria Kantiana, que já foi analisada nessa
resenha, e faz algumas considerações. Assim como no utilitarismo, a teoria kantiana parece
brilhante ao levar em consideração o bem estar dos outros que, por causa da lei moral, não
podem ser usados para um indivíduo alcançar seus objetivos próprios. Outro elemento que o
autor coloca como plausível na teoria kantiana é que cada um é responsável por sua ação
moral. Porém, na última parte do texto, Furrow considera ambas as teorias falhas e
inaplicáveis na prática.
Tanto o utilitarismo e o deontologismo procuraram um fator que pudesse servir de
norte para nossas ações morais. Para o utilitarismo, é a balança entre as boas e más
consequências, para Kant, a lei moral. Forrow argumenta que o respeito ao interesse dos
outros é muito presente em ambas as teorias, mas representa um problema para o utilitarismo.
Deve-se levar em conta o bem estar geral e o cálculo consequencial da ação sempre deve
resultar em algo que beneficie o maior número de pessoas possível- o que muitas vezes entra
em conflito com os interesses imediatos das pessoas. Para um utilitarista seria mais
interessante se aquela pessoa utilizasse aquele tempo para realizar um trabalho beneficente.
Esse tipo de pensamento é incompreensível segundo a psicologia humana.
Na conclusão do capítulo, Furrow argumenta que ambas as teorias não conseguem
explicar as pluralidades da ação moral, como os interesses, o bem estar, consistência e
reciprocidade de raciocínio, entre outros aspectos plurais importantes. Dessa forma, podemos
concluir que não podemos encontrar na objetividade um fundamento adequado para explicar
o raciocínio moral.

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