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NOVAS IDEIAS

Apesar de eu não ter ido à festa do 13 de maio, tive acesso a depoimentos (através do
facebook e de amigos que foram lá) que apontam para um processo de exotização do jongo e
de um consumo predatório do espaço da comunidade e de suas práticas culturais. Segundo os
depoimentos, frequentadores da festa, em sua maioria jovens advindos dos grandes centros
urbanos e brancos, vão lá, consomem maconha, fazem apresentações culturais paralelas
durante as apresentações da comunidade, embriagam-se causando transtorno, enfim,
cometem uma série de ações que não só causam transtornos à comunidade como
desrespeitam as apresentações e tradições dela. Um dos depoimentos fala de mais velhos
chorando.

Para a pesquisa, torna-se interessante esse conflito por mostrar mais um ponto da
problemática quilombola e do jongo: os problemas em relação à criação da mercadoria-jongo e
da mercadoria-quilombo, ambos componentes de uma identidade-produto. Aí se mostra
recomposição étnica que causa outros conflitos, diferente da questão de luta por território,
porque já não se trata de luta por território no sentido literal, mas simbólico, do território
como lugar de existência. Não se trata simplesmente de ter um lugar onde viver suas práticas,
mas também de um território em que é preciso ter suas práticas visibilizadas além de se fazer
respeitar dentro de seu próprio lugar. A luta aí não está se dando somente na esfera
institucional, para a qual, com muitos problemas, já há certas conquistas, mas também dentro
da própria comunidade quando ela se mostra ao público. São muitas as territorialidades
envolvidas: a territorialidade no sentido da propriedade da terra, as territorialidades da festa,
as territorialidades do confronto simbólico entre os donos da festa e os visitantes.

Não sei se cabe apontar para um estudo comparativo por conta das questões de tempo, mas,
se for o caso, estou entrando em contato com uma outra comunidade, na região serrana, onde
está se tentando compor uma forma não predatória de ter as conquistas territoriais. É o
Pinheiral. Seu ponto de partida foi perceber que os quilombos da região são explorados
quando as empresas de turismo oferecem pacotes para visitação dando contrapartidas
irrisórias à comunidade. A partir daí, os jovens resolveram tomar a frente do processo e
realizaram um seminário de turismo, buscando formas de não só institucionalizar mas também
garantir direitos e evitar a exotização.

1) Deslocar o foco
Motivo: São José é uma comunidade estruturada, registrada pelo INCRA, cujo líder já
foi vereador pelo antigo PFL. Os depoimentos e fotos dos que foram à última festa de
13 de maio mostram uma "predação cultural" lá. O quilombo tornou-se fonte a ser
bebida por uma elite universitária-artística que usa dali para legitimar-se enquanto
elite mesmo. Há uma banalização e a transformação da comunidade em um circo da
burguesia folclórica, que se acha no direito de apresentar-se e de ser artista em lugar
da comunidade. Não gosto da ideia de apropriação cultural, mas isso pode ser um
importante diferencial do trabalho, tomando todo o cuidado do mundo para não ser
purista nem fazer uma espécie de "romantismo da cultura popular" invertido, nem
discurso vazio de preservação. Isto é um ponto interessante para se abordar um
"racismo cultural" em que os produtos culturais afrodiaspóricos são esvaziados de
sentido (desterritorializados) e apresentados, sob uma roupagem de produto que
valoriza a diferença e a diversidade, como o exótico, como mercadoria de consumo e
espoliação. “Apropriação cultural” é um termo impróprio por condenar algo inerente à
vida social: a troca simbólica, fundamental para a criação, sobrevivência, resistência e
manutenção da cultura. Desde a década de 1960, com as ideias interacionistas sobre a
etnicidade, a troca simbólica e os contatos são considerados fundamentais, com o
rompimento da ideia de pureza e de isolamento dos grupos étnicos.
Viabilidade: Mais fácil que a outra proposta porque (i) parente trabalhando lá; (ii)
dificuldade de contato com o Campinho
2) O que quero encontrar lá?
 São José: o produto propriamente dito e a espoliação. O quilombo tem todas as
marcas legitimadoras (título de propriedade coletiva, ponto de cultura, parceirias
com instituições de governo, com empresas de turismo escolar e adulto...) e a
espoliação do jongo e dos signos afrodiaspóricos. A festa do 13 de maio, uma
tradicional comemoração e louvação aos antepassados escravizados, tornou-se um
evento em que a comunidade é visitada por gente de toda parte, e, nos últimos
anos, vem vivendo problemas em relação a: (i) uso de drogas pelos visitantes; (ii)
desrespeito ao cerimonial e ao ritual, com ocorrência de apresentações outras
durante as louvações e apresentações de jongo na comunidade; (iii) desrespeitos à
organização propriamente dita do espetáculo, quando, por exemplo, visitantes
entram à roda sem ser convidados, tirando a vez dos mais velhos.
 Pinheiral: É uma comunidade somente certificada, que busca se certificar olhando
o processo de espoliação das comunidades em torno. Lá os mais velhos desistiram
da gestão e tentam passar este lugar aos mais novos, para aperfeiçoar-se e
adequar-se às questões de gestão e administração. Vêm fazendo, em parceria com
movimentos sociais e universidades, o esforço produzir seminários para a
comunidade, focando nos problemas do turismo étnico e escolar (em que a
comunidade é visitada e tem muito poucas contrapartidas objetivas, segundo os
quilombolas). Também faz parte do Pontão.
3) Objetivos:
a. Compreender as contradições que as políticas de salvaguarda patrimonial,
junto ao turismo e às comunidades nos trazem no momento atual.
b. Traçar um panorama dos desafios e das formas como eles vem sendo tratados
nas comunidades.
c. Mapear as territorialidades do jongo: do ato da roda à prática nas festas e os
problemas em relação aos visitantes.

Torna-se, neste caso, mais interessante o "pós-festa" do que a festa propriamente dita. As
narrativas se tornam mais interessantes, para obter os relatos do que os quilombolas
apontam como desrespeito

Para isto, acho que as entrevistas devem ser direcionadas a (i) os quilombolas mais velhos
e atuais lideranças comunitárias; (ii) }à coordenação do Pontão; (iii) a pessoas que
visitaram a comunidade na festa de 2017

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