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capitalista industrial “engendra a necessidade de fornecer conhecimentos a
camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da própria produção, seja
pelas necessidades do consumo que essa produção acarreta” (Romanelli, 1987, p.
59). Assim, saber ler e escrever torna-se um pré-requisito para se inserir nesse
novo mercado de trabalho e também um meio de se ter dinheiro e se poder
consumir os produtos que nele são gerados.
No Brasil, a intensificação do capitalismo industrial ocorreu nas décadas
de 20 e 30, em um período em que, no nível mundial, havia a crise de 29 e, no
nacional, um país em crise, com vários movimentos que ajudavam a rever e
colocar em xeque o monopólio do poder das velhas oligarquias agrárias. Com o
desenvolvimento de uma sociedade industrial, ainda que de modo bem desigual
no território brasileiro, impulsionam-se também os setores do comércio, da
administração, dos transportes, dos serviços em geral. Desse modo, surge também
a necessidade de uma educação, já que “leitura e escrita passam a ter preço, são
sentidas como úteis e benéficas, e a demanda do ensino normalmente se eleva, ao
mesmo tempo que maiores recursos, advindos de maior produção, possibilitam
maior e mais diferenciada oferta” (Lourenço Filho, 1965).
É nesse contexto que, em 1931, por meio do Decreto nº 19.852/31, cria-se
a Faculdade de Educação, Ciências e Letras, que será responsável pela formação
de professores para as séries posteriores às iniciais. Contudo, tal decreto só é
efetivado em 1939, após a criação da Universidade do Brasil, em que se incluía a
Faculdade Nacional de Filosofia, que devia preparar candidatos ao magistério do
ensino secundário e normal. Essa faculdade, além de formar bacharéis em
Pedagogia, oferecia também o curso de didática, de um ano, que, quando cursado
por bacharéis, dava-lhes o título de licenciado, permitindo o exercício do
magistério nas redes de ensino. Este é o esquema que ficou conhecido como 3+1.
Esse modelo de formação “3+1” é o da racionalidade técnica, segundo
Pereira (1999). Nele, o professor é um técnico que aplica as regras resultantes de
seus conhecimentos científicos, recebidos em três anos de curso, e pedagógicos,
aprendidos no último ano. Na fase de aprendizagem pedagógica, o futuro
professor deveria desenvolver o estágio, em que aplicasse os conhecimentos
recebidos durante o curso. Nesse caso, parece que se via o estágio como um
espaço apenas de aplicação de conhecimentos e não de aprendizagem de uma
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futura profissão, em que a prática pudesse revelar aspectos que as disciplinas
teóricas não conseguiam abarcar.
Durante o Estado Novo (1937-1945), houve uma política educacional
centralizadora, uma vez que passava a ser atributo do governo federal definir as
bases e determinar os quadros de todos os tipos de ensino no país. Para isso, o
governo utilizava-se das “Leis Orgânicas do Ensino”, decretos-leis federais
promulgados de 1942 a 1946. Na década de 50, por meio do acordo entre o
MEC/INEP e a USAID, criou-se o Programa de Assistência Brasileiro-Americana
ao Ensino Elementar (PABAEE), de 1957 a 1965, que objetivava trabalhar a
metodologia de ensino e a psicologia com os professores de escolas normais, os
quais funcionariam como multiplicadores, a fim de modernizar o ensino primário
brasileiro usando as inovações norte-americanas. Essa tendência do PABAEE, de
buscar respostas para os problemas em questões técnicas e metodológicas,
contribuiu para acentuar a perspectiva tecnicista dos anos 60 e 70.
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educacional para o país, visando a treinar o aluno para que este se torne um
profissional. Assim, instaura-se a tendência pedagógica chamada de “Currículo
como Tecnologia” ou “Tecnicismo”, como ficou conhecido.
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professores. Na LDB/96, busca-se a integração entre a teoria e a prática na
formação de professores, procurando reparar a separação que existia entre as
disciplinas teóricas e as da educação. A fim de trabalhar mais as práticas, em
pareceres posteriores à LDB/96, foi instituído um número mínimo de 400 horas
para a prática de ensino e 400 horas para o Estágio Supervisionado (Parecer
CNE/CP nº 21/2001). Anteriormente, desde o Decreto nº 86.497/82, que
regulamentava a Lei nº 6.494/77, o estágio não poderia ser inferior a um semestre
letivo, ou seja, 100 dias.
Com os pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), o estágio
começa a ser mais valorizado como um espaço de formação do futuro professor.
O Parecer CNE/CP nº 21/2001 deixa claro, por exemplo, que:
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Dessa forma, como não há clareza na legislação, é possível encontrar
diferentes tipos de estágio que refletem variadas concepções sobre as relações que
o estagiário deve estabelecer com o professor observado nesse período de
atividades práticas. Pimenta e Lima (2004), após vários estudos sobre os estágios
durante a formação inicial no Brasil, identificam quatro tipos: 1) estágio centrado
na observação dos professores e imitação dos modelos; 2) estágio centrado nas
técnicas; 3) estágio centrado na crítica a tudo que a escola tem; 4) estágio centrado
na pesquisa aliando teoria e prática.
Em primeiro lugar, o estágio centrado na observação e imitação dos
modelos pressupõe uma realidade que não se altera, com alunos sempre iguais
vivendo em um mundo também estático, cabendo à escola ensinar-lhes a tradição.
Se esses alunos não aprendem, o problema é deles, de sua família e de suas
culturas, que são diferentes da ensinada e valorizada pela escola. Nele, o
estagiário deve reproduzir uma prática modelar, atendo-se à sua observação da
sala de aula, desconsiderando o contexto escolar, elaborando e executando “aulas-
modelo”. Em termos de formação de professor, esse tipo de estágio é bastante
negativo, pois
Em segundo lugar, o estágio centrado nas técnicas procura dar aos alunos,
na universidade, os meios, as metodologias, “as receitas” que os auxiliarão nas
salas de aula, discutindo-se e ensinando-se como produzir os materiais didáticos,
como se portar nas salas, como falar com os alunos. Nessa visão, acredita-se que é
possível ter uma técnica universal que dê conta de todas as salas, de todos os
alunos de todos lugares. Novamente, desconsidera-se o contexto sócio-histórico e
cultural de cada escola, de cada nível de ensino, de cada professor.
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A crítica de especialistas a essa didática instrumental, segundo Pimenta e
Lima (2004), acabou gerando o terceiro tipo de estágio, centrado em uma crítica à
escola, aos professores, diretores, etc. Nessa perspectiva, o estagiário buscaria na
escola somente as falhas, os desvios, os pontos negativos, tachando os professores
de ultrapassados, tradicionais, incompetentes. Somente a universidade e seus
professores saberiam o que é dar aulas, ao passo que os demais estariam apenas
“enrolando”. Esse tipo de estágio tem gerado grandes dificuldades em alguns
lugares para que os estagiários sejam aceitos sem desconfiança, pois já se sabe
que eles estão lá, dizem alguns professores, somente para observar os defeitos no
trabalho dos outros.
Finalmente, outro tipo de estágio seria aquele que procura aliar teoria e
prática, colocando o estágio como pesquisa, possibilitando ao estagiário analisar,
pensar, opinar, agir e discutir a partir do que estudou, do que viu, do que praticou.
Nessa perspectiva, a escola não é o modelo, nem o lugar de aplicar técnicas
prontas, nem o lado errado da educação. O estágio, nesse caso, passa a pressupor
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educacional em geral. Como já sabemos, as reformas educacionais conduzidas
pelo governo, a partir do final da década de 90, estão muito marcadas nas
determinações do Banco Mundial (BM), que vincula seus financiamentos aos
países de Terceiro Mundo à adesão a suas políticas e projetos. De fato, segundo
Santos (2000), defende-se a eqüidade em educação como condição para a
eficiência econômica global:
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essencialmente escolar e um modelo escolar com duas grandes
ausências: os professores e a pedagogia. Um modelo escolar
configurado em torno de variáveis observáveis e quantificáveis, e
que não comporta os aspectos especificamente qualitativos, ou seja,
aqueles que não podem ser medidos mas que constituem, porém, a
essência da educação. (Torres, 1996, p. 139)
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Para se atingir essa formação, o estágio deveria ter os seus meios para
levar os alunos a observarem os professores trabalhando, a discutirem o que
observam e a se colocarem como professores para sentirem o que é esse trabalho,
o que lhes permitiria desenvolver-se profissionalmente. Essa expectativa em
relação ao estágio é compartilhada por muitos professores-supervisores,
conforme Pimenta e Lima (2004), Fazenda et al. (1991), Pimenta (2002). Mas o
modo como concretizá-la varia conforme os professores-supervisores de estágio,
já que, mesmo com as Diretrizes Curriculares, ainda não se encontram regras
claras sobre o estágio. De modo geral, há um consenso quanto à ida do estagiário
à escola e a sua observação ou participação nas aulas de um professor6; as
variações começam ao se escolher como ele deverá apresentar as suas
“observações” ou “reflexões”: relatórios, diários, projetos, seminários, discussões
dirigidas, etc. Cada professor de estágio faz a sua escolha de acordo com os seus
objetivos, e assim diferentes dispositivos acabam sendo empregados, como
discutiremos na próxima seção.
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Em 31 de outubro de 2006, participamos do evento “Estágios e Práticas na Formação de Professores”,
realizado na Unicamp e contando com a participação de docentes de várias universidades, na maioria
públicas. Nesse evento, foi possível constatar a diferenciação que existe no modo como conceber o
estágio para colocar o futuro professor em contato com professores e escolas “reais”.
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